O documento discute os princípios de segurança jurídica e boa-fé no direito tributário brasileiro. Apresenta três pontos principais: 1) A diferença entre simulação e dissimulação justifica a permissão para desconsideração de atos fiscais; 2) Não há regra que proíba planejamento tributário para reduzir impostos; 3) É necessário respeitar a confiança e boa-fé do contribuinte, especialmente em relação à coisa julgada.
1. Segurança Jurídica em Matéria Tributária
Paulo Ayres Barreto
Doutor PUC/SP e Livre docente USP
Professor Associado USP
2. Roteiro da Exposição
• Princípio de segurança jurídica
• Desconsideração de atos, fatos e negócios jurídicos
pelas autoridades fiscais
• Estabilidade das relações jurídicas, boa fé do
contribuinte e mutação jurisprudencial.
3. Segurança Jurídica
• Paulo de Barros Carvalho: segurança jurídica é
verdadeiro sobreprincípio.
• Define-se o princípio da segurança jurídica tributária, em uma
proposta funcional, como princípio-garantia constitucional
que tem por finalidade proteger expectativas de confiança
legítima nos atos de criação ou de aplicação de normas,
mediante certeza jurídica, estabilidade do ordenamento e
confiabilidade na efetividade de direitos e liberdades,
assegurada como direito público fundamental.
Direito Constitucional Tributário e Segurança Jurídica – Heleno Taveira Torres –
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4. • O direito positivo
• O tema na doutrina
• O tema no Direito Comparado
Desconsideração de atos, fatos e
negócios jurídicos por autoridades
fiscais
5. O Direito Positivo
• Art. 149 do CTN
O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade
administrativa nos seguintes casos:
VII- quando se comprove que o sujeito passivo, ou terceiro
em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação.
6. Direito positivo
Parágrafo único do art. 116 do CTN
A autoridade administrativa poderá desconsiderar
atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade
de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo
ou a natureza dos elementos constitutivos da
obrigação tributária, observados os procedimentos a
serem estabelecidos em lei ordinária.
7. O Direito Positivo
• Exposição de motivos da L.C. 104/2001
- abuso de forma e abuso de direito
- a inclusão do parágrafo único ao art. 116 faz-se
necessária para estabelecer, no âmbito da legislação
brasileira, norma que permita à autoridade tributária
desconsiderar atos ou negócios jurídicos com finalidade
de elisão, constituindo-se, dessa forma, em
instrumento eficaz para o combate aos procedimentos
de planejamento eficaz para o combate aos
procedimentos de planejamento tributário praticados
com abuso de forma ou de direito.
8. O Direito Positivo
• O novo Código Civil brasileiro
- abuso de direito como ilícito
- princípios da eticidade, socialidade e boa-fé
9. Planejamento Tributário na
Doutrina
Corrente “Tradicional”
- legalidade
- tipicidade
Corrente “Moderna”
- eficácia positiva do princípio da capacidade contributiva
- solidariedade social
- na elisão, o fingimento ocorreria em relação
ao fato gerador abstrato, que é distorcido no processo
subsuntivo. Haveria a dissimulação do fato gerador
abstrato, e não simulação do fato gerador concreto;
10. O cerne da postura científica é a recusa em
considerar nossos próprios desejos, gostos e
interesses como capazes de fornecer a chave
para a compreensão do mundo.
Bertrand Russel (1913)
11. Planejamento Tributário
Dupla refutação por parte do legislador
- art. 74 do projeto que deu origem ao CTN
- MP 66/2002, convertida na Lei 10.637/2002
Art. 14. São passíveis de desconsideração os atos ou negócios jurídicos
que visem a reduzir o valor de tributo, a evitar ou a postergar o seu
pagamento ou a ocultar os verdadeiros aspectos do fato gerador ou a
real natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária. §
1º Para a desconsideração de ato ou negócio jurídico dever-se-á
levar em conta, entre outras, a ocorrência de: I – falta de propósito
negocial; ou II – abuso de forma. § 2º Considera-se indicativo de
falta de propósito negocial a opção pela forma mais complexa ou
mais onerosa, para os envolvidos, entre duas ou mais formas para a
prática de determinado ato. § 3º Para o efeito do disposto no inciso II
do § 1º, considera-se abuso de forma jurídica a prática de ato ou
negócio jurídico indireto que produza o mesmo resultado econômico
do ato ou negócio jurídico dissimulado.
12. Planejamento Tributário
Art. 15. A desconsideração será efetuada após a instauração de
procedimento de fiscalização, mediante ato da autoridade
adminstrativa que tenha determinado a instauração desse
procedimento.
13. Planejamento Tributário
At. 16. O ato de desconsideração será precedido de
representação do servidor competente para efetuar o
lançamento do tributo à autoridade de que trata o art. 15.
§ 1º Antes de formalizar a representação, o servidor expedirá
notificação fiscal ao sujeito passivo, na qual relatará os fatos
que justificam a desconsideração. § 2º O sujeito passivo
poderá apresentar, no prazo de trinta dias, os
esclarecimentos e provas que julgar necessários. § 3º A
representação de que trata este artigo : I – deverá conter
relatório circunstancial do ato ou negócio praticado e a
descrição dos atos ou negócios equivalentes ao praticado; II
– será instruída com os elementos de prova colhidos pelo
servidor, o curso do procedimento de fiscalização, até a data
da formalização da representação e os esclarecimentos e
provas apresentados pelo sujeito passivo.
14. Direito Comparado
Espanha: - conflito normativo em face de negócios notoriamente
artificiais - Elusão Tributária
Articulo 15. Conflicto em la aplicacioón de la norma
tributaria. 1. Se entenderá que existe conflicto em la aplicación de la
norma tributaria cuando se evite o total o parcialmentoe la
realización del hecho imponible o se minore la base o la deuda
tributaria mediante actos o negocios em los que concurran las
siguientes circustancias: a) Que, individualmente considerados o en
su conjunto, sean notoriamente artificiosos o improprios para la
consecución del resultado obtenido. b) Que de su utilización no
resulten efectos jurídicos o económicos relevantes, distintos del
ahorro fiscal y de los efectos que se hubieran obtenido com los actos
o negocios usualeso proprios.
15. Direito Comparado
2. Para que la Administración tributaria pueda declarar el
conflicto em la aplicacion de la norma tributaria sérá
necesario el previo informe favorable de la Comisión
consultiva a que se refiere el artículo 159 de esta ley. 3. En
las liquidaciones que se realicen como resultado de lo
dispuesto em este artículo se exigirá el tributo aplicando la
norma que hubiera correspondido a los actos o negocios
usuales o propios o eliminando las ventajas fiscales
obtenidas, y se liquidarán intereses de demora, sin que
proceda la imposición de sanciones.
16. Direito Comparado
Articulo 16. Simulación. 1. Em los actos o negocios em los que
exista simulación, el hecho imponible gravado será el
efectivamente realizado por las partes. 2. La existencia de
simulación será declarada por la Administración tributaria em
el correspondiente acto de liquidación, sin que dicha
calificación produzca otros efectos que los exclusivamente
tributarios. 3. En la regularización que proceda como
consecuencia de la existencia de simulación se exigirán los
intereses de demora y, em su caso, la sanción pertinente.
17. Direito Comparado
EUA: - “business purpose test” – 1.935
- Gitlitz v. Comissioner – novo milênio
Prejuízo fiscal, sem o correspectivo prejuízo
societário. Legitimidade
18. Direito Comparado
Portugal: -
a cláusula geral antiabuso foi introduzida, no direito
português, em 1999, inicialmente com o artigo 32º-A do
Código de Processo tributário e, depois, no nº 2 do artigo da
lei Geral Tributária, nos seguintes termos: “são ineficazes os
actos ou negócios jurídicos quando se demonstre qwue foram
realizados como o único ou principal objectivo de redução ou
eliminação dos impostos que seriam devidos em virtude de
actos ou negócios jurídicos de resultado económico
equivalente, caso em que a tributação recai sobre este
últimos”.
19. Direito Comparado
São ineficazes no âmbito tributário os actos ou negócios
jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios
artificiosos ou fraudulentos e com abuso da formas jurídicas,
à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos
que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios
jurídicos, de idêntico fim econômico, ou à obtenção de
vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou
parcialmente, sem utilização desses meios, efectuando-se
então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua
ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas.
20. Direito Civil: aplicação restrita
- Previsão constitucional
- Matéria reservada à lei complementar
- Matéria regrada por lei especial tributária
21. Interpretação Constitucional
- Direitos e garantias individuais como cláusula pétrea
- Rígida demarcação da competência
- Capacidade contributiva como garantia individual
- Legalidade isônoma
- Caráter subótimo das regras
22. Razão da alteração legislativa
(par. único do art. 116)
- Eficácia social
- Ato perlocucionário de fala
- Dois fatos vertidos em linguagem
- Teoria das provas
- Procedimento (ineficácia técnico-sintática)
23. Paulo de Barros Carvalho
E1 Fj1
N1 E2 Fj2
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N2 Fj4
E4
N3 Fj5
________________________
Direito Tributário Linguagem e Método, p. 153
24. Principais Conclusões
• A diferença semântica que se verifica entre a simulação e a
dissimulação é que justifica a inserção do parágrafo único do
artigo 116 do Código Tributário Nacional. Na dissimulação, há
dois fatos: o construído pelo contribuinte e o que se
pretendeu ocultar. Há duas manifestações de linguagem
possíveis para reportar um único acontecimento. Cabe ao
fisco provar a ocorrência do fato jurídico tributário que alega
ter sido ocultado. Compete ao contribuinte demonstrar que
nada foi dissimulado. Há que se estabelecer um procedimento
para a verificação da verdade lógica: que relato lingüístico
prevalecerá após o cotejo das provas de sua ocorrência.
25. Principais Conclusões
• Não há enunciado prescritivo que proíba, direta ou
indiretamente, a estruturação, por meios lícitos, de operação
tributária com o único propósito de reduzir ou mesmo não
pagar tributos. Não há regra específica que vede tal
procedimento, nem qualquer princípio que possa servir de
fundamento para impedir esse comportamento. O
ordenamento jurídico brasileiro não positivou a regra do
propósito negocial (business purpose).
26. Principais Conclusões
• Às autoridades fazendárias compete, a partir do indício,
demonstrar a ocorrência do fato que se quer provar e, ao
mesmo tempo, robustecer de tal forma essa prova, com o
escopo de impedir que a relação de causalidade possa ser
infirmada mediante demonstração de que outro fato também
poderia ter ocorrido.
• É por intermédio de alterações legislativas específicas que se
coíbe eficazmente a evasão tributária. Inexistindo previsão
normativa, abre-se espaço à elisão tributária, que haverá de
ser admitida.
27. Defesa do direito positivo
“Quando um juiz, ou tribunal, se afasta do Direito afirmado
pelos textos normativos, do direito positivo, para tomar
decisões conforme a razoabilidade ou proporcionalidade,
estamos perdidos...”
“Precisamos promover a defesa do direito positivo.”
Eros Roberto Grau, RDT, 113, P 225
28. Miguel Reale
Ao jurista, advogado ou juiz, não é dado recusar vigência à lei sob
alegação de sua injustiça, muito embora possa e deva reclamar a sua
ilegitimidade ética no ato mesmo de dar-lhe execução. Mesmo porque
poderá tratar-se de ponto de vista pessoal, em contraste com as
valorações prevalecentes na comunidade a que ele pertence, e
também porque permanece intocável a lição de Sócrates, recusando-
se a evadir-se da prisão, subtraindo-se à iníqua pena de morte que
lhe fora imposta: “é preciso que os homens bons respeitem as leis
más, para que os maus não aprendam a desrespeitar as boas leis”.1
1 Lições Preliminares de direito, p. 314
29. • Proclamemos a ilegitimidade das leis tributárias que
sejam más. Exaltemos as boas. Enquanto nenhuma
alteração vier à lume, cumpramos ambas.
30. • Modulação de efeitos
• Argumentos consequencialistas
• Presunção absoluta de validade
• Proteção da confiança e boa- fé
• Necessária modulação protetiva da confiança legítima.
• Necessário respeito à coisa julgada.
31. LEALDADE E PROTEÇÃO DA CONFIANÇA
Com maior razão, em matéria tributária a lealdade surge
como incontornável exigência. Se, como ensina Pontes de
Miranda, é “o povo que se tributa a si mesmo”, não há como
aceitar-se qualquer ato implicante de deslealdade, que é
despropositado ao conceber-se que alguém seja desleal
consigo mesmo. Daí a justificada ênfase que a doutrina dos
melhores autores alemães põe no princípio da proteção da
confiança. (Paulick, H. Kruse, Hensel)