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COLEÇÃO“O MUNDO DO GRAAL”
MAOMÉ(MOHAMMED)
NARRATIVA FIEL DA VIDA TERRENA DO PROFETA ÁRABE,
LIVRE DE TODOS OS CONCEITOS ERRÔNEOS.
RECEBIDO POR INSPIRAÇÃO ESPECIAL
MAOMÉ
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UMA lamparina colorida iluminava o aposento e fazia luzir os adornos de
ouro que se encontravam entre os abundantes tapetes colocados nas paredes.
Aqui pendia um cordão com pérolas e acolá cintilavam pedras preciosas. Em
cima de uma mesinha, formada de peças artisticamente entalhadas e embutidas,
havia uma brilhante taça de vidro, cheia de um óleo aromático.
Todo o recinto, embora não fosse grande, parecia ser perfeitamente adapta-
do àquela bela mulher que descansava despreocupadamente sobre um macio divã.
Longas tranças de cabelos pretos, envoltos numa rede de fios dourados, pen-
diam-lhe para um lado. Sobre um vestido largo de seda vermelha usava um casa-
quinho curto, ricamente enfeitado com bordados, que combinava com as sandálias
que abrigavam seus pequeninos pés. Uma calça de seda azul, fofa, até os tornozelos,
completava o vestuário.
Suas delicadas mãos, nas quais não se via nenhuma jóia, deixavam escorregar,
por entre os dedos, as pérolas de um rosário. Mas ela o fazia distraidamente, pois seus
pensamentos pareciam estar longe de uma devoção ou prece.
Ouviram-se ruídos de passos que vinham de fora. A mulher ocultou rapida-
mente a corrente de pérolas no seu vestuário e recostou-se ainda mais confortavelmente
nos travesseiros.
Um velho serviçal entrou no aposento.
Era um dos criados de confiança da casa, pois do contrário, não poderia ter en-
trado sem se fazer anunciar.Arrastando os pés,um pouco inclinado para frente e com as
mãos juntas, ele aproximou-se do sofá e aguardou que a bela mulher começasse a falar.
Com os olhos semicerrados ela olhava-o. Que esperasse um pouco, pensava,
pois não estava disposta a receber seu recado.De modo algum poderia significar algo de
bom. Finalmente a curiosidade a venceu:
- o que trazes,Mustafá? Inquiriu num tom de indiferença.- O nosso amoAbd ai
Muttalib deseja falar com Amina por causa do menino. Amina recebê-lo-á aqui ou irá
procurá-lo nos seus aposentos?
- Mustafá, sabes o que o velho quer com o menino? Essa pergunta soava agora
bem diferente das anteriores.
Preocupação e cuidado de mãe vibravam nela e faziam com que ela se esqueces-
se de todas as diferenças de classe.
- O nosso amo não o disse, respondeu pensativo o criado, mas eu posso ima-
ginar do que se trata. Há dias vem falando que chegou o tempo de mandar Maomé à
escola.
- É o que pensei! Exclamou Amina indignada. Eu ainda o acho delicado
demais. Mas para isso o avô não tem compreensão. Quanto antes tornarmos a dis-
cutir, tanto melhor será. Dize a Abd ai Muttalib que eu estarei pronta para recebê-lo
daqui a uma... não, daqui a duas horas.
MAOMÉ
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O serviçal virou-se e começou a sair arrastando os pés, quando um chamado
de Amina fê-lo parar.
- Mustafá, sabes onde está Maomé?
- Onde estará ele? Perguntou o criado em resposta. Com certeza está no
pavilhão ajudando o empregado a conferir as mercadorias. Nada lhe agrada tanto
como o esplendor das cores dos tapetes e das pedras preciosas. Com isso ele esquece
até de beber e comer.
- Dize que o mandem o quanto antes a mim, solicitou Amina afavelmente.
Ela sabia que não podia dar ordens a Mustafá, pois não era sua patroa. Mas a um
pedido, ele era sempre acessível. Também agora iria procurar o menino e mandá-lo
a sua mãe. Amina tornou a ficar a sós.
Suspirou profundamente. Tinha medo da palestra com o dono da casa, o
seu sogro, sob cujo domínio se achava desde a morte de seu marido. Isso já há seis
longos anos!
Pouco antes do nascimento de Maomé, aconteceu que numa viagem de ne-
gócios Abdallah foi assaltado por bandidos e ferido mortalmente. Ainda o levaram
agonizante até Meca, mas não alcançou com vida a casa paterna, onde morava com
a sua jovem esposa. No funeral Amina desmaiara.
Longo tempo teve de permanecer na cama, doente. Durante essa grave en-
fermidade deu à luz um menino, quase sem ter consciência disso.
A debilidade do menino, que apesar dos cuidadosos tratamentos de que era
alvo, não crescia como devia, os médicos atribuíram-na ao trauma e ao pranto so-
frido por Amina. Seu pai era um homem belo, de figura imponente. Maomé, contu-
do, um menino pálido, fraquinho e sem alegria, dando a impressão de que preferia
escolher seus próprios caminhos.
Sem pressa e sem demonstrar qualquer sorriso na sua face, entrou no apo-
sento da mãe. Quase contrariado, aproximou-se do sofá e perguntou:
- Mandaste chamar-me, mãe. O que tens a dizer-me é realmente tão urgente?
Sem repreender o tom desrespeitoso com que foram pronunciadas essas pa-
lavras, Amina disse amavelmente:
- Senta-te, meu filho, e escuta: teu avô chegará aqui para falar comigo a teu
respeito. Eu sei que ele pretende mandar-te a uma escola. É verdade que tu ainda te
sentes sempre indisposto e cansado?
- Cansado estou sempre, mãe, mas isto não importa. Deixa-me ir à escola,
peço-te!
Sobressaltada, Amina revidou:
- O que pensas, Maomé? O barulho e as maldades de tantos rapazes pode-
riam prejudicar-te. Eles zombariam de ti, por teres tão poucas forças e por causa
da tua palidez. Eles. . .
MAOMÉ
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Indignado, o menino interrompeu-a:
- Se eu continuar em casa, nunca me tornarei um homem! No meio dos ou-
tros as minhas forças manifestar-se-ão. Quero aprender, devo aprender. Quero ficar
um homem sábio! Direi ao vovô que irei de muito bom grado à escola. Então podes
dizer-lhe o que quiseres; ele me dará ouvidos.
Sardonicamente, o menino torcia os seus membros franzinos, e o seu belo
rosto fazia caretas.
- Para que necessitarás de tanta erudição, Maomé? Inquiriu a mãe, que esta-
va prestes a chorar.
Durante quase um ano ela havia feito tudo para adiar o momento tão temi-
do da separação do seu idolatrado filho, e agora ele mesmo por si desejava freqüen-
tar a escola.
- Por que eu desejo aprender, mãe? Perguntou Maomé, estendendo-se em
cima de um dos tapetes no chão. Eu quero tornar-me um comerciante, mas não
dos pequenos. Quero tornar-me o maior comerciante de toda a Síria, Arábia e suas
adjacências. Todas as pedras preciosas devem passar pelas minhas mãos e todos os
tecidos finos eu quero tocar. Para isso preciso saber ler e escrever e, antes de tudo,
fazer contas. Ninguém deve lograr-me, mãe!
As ricas cortinas da porta estavam sendo empurradas cuidadosamente, e
uma mulher corpulenta em trajes de serviçal entrou. Mãe e filho volveram suas
cabeças em sua direção.
Enquanto Amina se deitava outra vez em sua cômoda posição, como es-
tivera, Maomé levantou-se rapidamente num pulo muito ágil e pendurou-se no
pescoço da mulher que entrou, a qual ficou sem fôlego com o embate.
- Sara, Sara! Exultava com a voz completamente modificada. Será realidade;
eu poderei aprender! Agora a mãe se queixou de que vovô tenciona mandar-me à
escola. Ela outra vez não me compreende.
Sem consideração jorravam as suas palavras, sem notar como ofendia com
elas a sua mãe, para a qual ele era a única alegria.
Sara, a velha ama, nesse ínterim afastou os braços magros do seu favorito, e
deixou-o escorregar cuidadosamente ao chão. Aproximou-se com a familiaridade
peculiar às velhas criadas.
- A senhora não quer pôr trajes melhores, em consideração ao dono da casa,
que a espera? Sugeriu ela lisonjeiramente.
Amina sacudiu a pequena cabeça com as pesadas tranças. - Para ele tanto faz
como estou vestida, replicou.
- Assim a patroa é injusta, censurou a criada. Abd aI Muttalib nunca falta
com suas atenções. As melhores pedras preciosas, as mais cintilantes pérolas e os
mais finos tecidos da galeria, ele manda para a viúva de seu filho!
MAOMÉ
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Isso em nada impressionou aquela mulher tão mimada. - Eu fico como es-
tou, disse ela. Além do mais, o tempo até a sua chegada é curto. Ainda temos muito
a falar. Senta-te aqui conosco, Sara.
A criada obedeceu sem objeção; ela parecia estar acostumada a tais conver-
sações íntimas.
- Eu não sabia que Maomé quer ir de bom grado à escola, começou Amina.
Eu mesma sou contra, porque ele ainda está muito franzino para isso; também
queria tê-lo comigo por mais um ano.
- O que te adianta, se eu ficar contigo, mãe! Exclamou o menino com tei-
mosia. Poucas alegrias te proporciono. Tu mesma o confessas, às vezes. E eu quero
aprender, aprender, aprender!
- Terás que te conformar, patroa, com o fato de que o menino está saindo da
infância. Se é para ele tornar-se homem, então deve sair dos aposentos das mulheres
e passar para as mãos dos homens.
- Está bem, já que ele mesmo o deseja, que assim seja feito, suspirou a mãe.
Mas, Sara, vejo um grande perigo para ele na escolha da escola. Abd aI Muttalib
quererá mandá-lo para a escola municipal, onde são ensinados os rapazes da seita
dos adoradores de fetiches. Maomé ainda não está firmemente instruído na nossa
crença. Ele abandoná-la-á como um velho vestuário.
- E a culpa de quem é, patroa? Perguntou Sara com indelicada intimidade.
- Tu, atrevida, achas por acaso que eu faltei com minha obrigação de lhe
ministrar os ensinamentos necessários? Replicou Amina, irritada.
-Tuensinasteomenino,mas,emvivência,nãolhedesteexemplos.Quandopôde
ele alguma vez ver que a tua crença oferece apoio,consolo ou estímulo para o bem?
Maomé, que aparentemente não escutava, dirigiu-se para o lado onde Sara
estava sentada.
- Tens razão, Sara, disse ele carinhosamente. Da mãe eu não pude aprender
tudo isso, mas sim de ti, bondosa como és, pelos teus exemplos.
Novamente a cortante dor do ciúme feriu o coração da mãe.
- Como podes julgar tão impiedosamente, meu filho? Disse em tom repre-
ensivo. Quem rezou contigo desde que tens a idade suficiente para dizer sozinho
uma oração? Quem te contou de Jesus, o crucificado?
- Isso tu fizeste, mãe, foi a rápida resposta de Maomé. Mas enquanto tu apenas
me fizeste imaginar o assassinato do portador da Verdade, Sara ensinou-me a amar
o luminoso Filho de Deus, que, por amor aos homens, nasceu como criança numa
manjedoura. Enquanto me ensinaste a dizer orações numa língua que nós dois não
conhecemos, Sara conduziu-me aos pés do menino, para fazer minha prece.
Essa resposta soou de maneira pouco infantil, mas provinha do coração do
menino; perceberam-no as duas mulheres, cujos olhos se umedeceram.
MAOMÉ
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Após curto silêncio, Amina tomou a palavra:
- Seja como for, o principal é que crês. Se amas Jesus, já estou feliz. Mas dize-
me, meu filho, esse amor resistirá ao escárnio e à influência dos colegas?
- Isso veremos, mãe. Hoje ainda não posso sabê-lo. Se a fé em Jesus é a Verdade,
como vós dizeis, então ela vencerá sobre tudo o mais. Se assim não for, então perecerá.
Para Maomé essa conversa séria já se prolongara muito. Outra vez ele levan-
tou-se, deu um salto com inesperada agilidade e correu dali.
As duas mulheres olharam-se mutuamente.Ambas amavam essa criança mal-
criada, mais do que tudo o que existia no mundo. Mas enquanto a mãe ignorava
cegamente os defeitos do filho, Sara procurava corrigi-los com todas as suas forças.
Com amargura percebeu Amina que toda a ternura da alma do menino se
dirigia à velha ama, pela qual muitas vezes ele chegou a esquecer completamente a
mãe. Sempre que o ciúme lhe ardia no coração, ela pensava em afastar Sara. Porém,
não podia imaginar a vida sem a ama que a criou.
Ainda jovem, Sara chegou à casa dos nobres Haschi, onde Amina acabara
de nascer, como a mais nova das seis filhas. Sara tratou e cuidou da criança com
incansável fidelidade, conduziu os seus primeiros passos e cercou-a de cuidados até
desabrochar numa linda moça.
Então chegou o dia em que Amina devia acompanhar o seu esposo ao lar.
Abdallah, o comerciante de jóias, que a escolhera para esposa, era rico.
Descendia,como Amina,de uma estirpe nobre,do tronco dos Koretschi.Con-
trariando os costumes da família, ele tornara-se comerciante. Era judeu, o que fez
com que o pai dela, antes de tudo, retardasse repetidas vezes seu consentimento. . .
Alguns dos seus antepassados haviam se convertido a essa estranha crença, à
qual os netos se apegaram obstinadamente. Todos os membros da família de Ami-
na, porém, adoravam os fetiches e sentiam-se protegidos e felizes. As leis rígidas dos
judeus infundiam-lhes assombro.
Porém, no dia em que o pai quis dar o seu não definitivo, Amina confessou
com lágrimas nos olhos que há muito já havia abjurado a crença de seus pais e se
tornado cristã.
Seu pai e seu pretendente ficaram estupefatos naquele instante! Mas quando o
pai quis expulsar a sua filha apóstata, Abdallah manteve de pé sua pretensão e levou a
cristã para a sua casa, como esposa.Assim, também, ninguém precisava saber da deser-
ção da fé da nobre moça.Aliviado, o pai olhava o futuro.
Em companhia de Amina, Sara abandonou o palácio dos Haschi, para contrair
matrimônio no mesmo dia. Chorando,Amina confessara que fora Sara que a introdu-
zira na nova doutrina.
A criada foi expulsa da casa e podia seguir o homem que há muito já era seu pre-
tendente. Seu primeiro filho faleceu ao nascer, e assim pôde encarregar-se dos cuidados
MAOMÉ
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do pequeno Maomé, ao qual dedicou todo o amor e fidelidade, como uma mãe.
Com lisonjas ela conseguiu que Amina se levantasse e que vestisse trajes me-
lhores em consideração ao visitante. Mal se havia aprontado, já Mustafá anunciava
o seu senhor.
Amina sentou-se no divã, enquanto Sara colocava na mesa o café preparado
às pressas, retirando-se em seguida para os fundos do aposento. Pois seria falta de
decoro, se Amina tivesse recebido sozinha o visitante.
Com dignidade Abd aI Muttalib entrou.Apesar de seu físico avantajado, via-
se nele a linhagem da nobreza. Seus passos eram vagarosos e pausados, denotando
consciência de si. Cabelos e barba de um branco-neve circundavam o rosto amare-
lo-bronzeado, de onde os olhos castanhos lançavam um olhar perscrutador.
Uma seda ricamente bordada, com tonalidades amarela e marrom, cobria o
seu corpo robusto. A espada curva pendia da cinta, e correntes de pérolas adorna-
vam-na. No indicador direito ele usava um anel com uma pedra excepcionalmente
grande, de cor amarelo-marrom, que lhe servia de talismã e que nunca tirava.
Calçava sapatos de couro com enfeites, forrados com seda, os quais usava
somente dentro de casa.
Suas saudações eram adequadas ao seu porte digno, mas com bastante frie-
za. Ele havia se escudado com paciência e firmeza para enfrentar acertadamente
todas as eventuais queixas da nora.
Após ter sentado e tomado silenciosamente a primeira xícara daquela be-
bida marrom, fixou o olhar em Amina. Será que ela sabia o motivo de sua vinda?
Parecia que uma máscara ocultava seu rosto; nenhum traço demonstrava qual-
quer comoção interna.
Pausadamente ele começou a falar, contando a cada instante com uma das
costumeiras e rápidas objeções da nora. Mas ele pôde expor com toda a calma
todos os seus pontos de vista. Amina não falou nenhuma palavra.
Quando disse tudo o que tinha a declarar, exclamou:
- Vês, portanto, viúva de meu filho, que está no tempo de mandar Maomé
à escola.
Ela perguntou num tom indiferente:
- Em qual escola o matriculaste, pai de meu marido? Perplexo ao ex-
tremo, ele encarou a bela mulher. Tal reação ele não esperava e não achou de
pronto uma resposta.
- Nós aqui temos apenas duas escolas, disse ele, aparentando impassibili-
dade. Uma é freqüentada pelos fidalgos, mas os professores pertencem à seita dos
fetiches e não sabem nada; a outra pertence ao nosso templo, e o rabino Ben Mar-
soch é um homem fundamentalmente erudito. Como Maomé nasceu numa família
judaica, ele também deve crescer nesta crença.
MAOMÉ
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- Maomé é cristão, porquanto eu, mãe dele, pertenço a esta religião! Interrom-
peu-o, agora, Amina, impetuosamente. Sua respiração ofegava, seus olhos faiscavam.
Calmo e sorridente, contemplava Abd aI Muttalib a jovem mulher.
- Até agora te deixei proceder com ele como te aprouvesse, porquanto eu sa-
bia que os anos em que o menino crescia nos aposentos das mulheres eram poucos.
Agora ele os abandonará e a sua educação passará para as minhas mãos. Eu, porém,
sou judeu.
Severas e altivas soaram essas últimas palavras. Novamente Amina tentou
replicar:
- Maomé ama a sua religião. Ele não a abandonará. Levarás inquietação à
alma do menino.
- Um garoto de seis anos ainda não possui convicção própria. Com prazer
adotará a crença do seu pai como se fosse a sua própria. Não falaremos mais sobre
isso. Inicialmente eu havia planejado encaminhar o menino somente no começo do
próximo mês para a escola, mas vejo que será melhor desabituar-vos, a ambos, de
pensamentos errôneos. Assim, ele vai hoje mesmo comigo. A partir de hoje morará
junto comigo nos aposentos que o seu pai ocupou antes. Uma vez por mês ele pode
visitar-te, enquanto essas visitas não vierem a contrariar a educação.
O dono da casa falou. Não restava outra coisa senão obedecer.
Sim, se Amina tivesse certeza de que Maomé se oporia a freqüentar a escola,
ela teria lutado por ele como uma pantera.
Esforçava-se para ocultar as lágrimas que sempre de novo lhe escorriam dos
olhos e esperava o que Abd aI Muttalib ainda tinha a dizer.
No mesmo tom reservado como até o momento, ele indagou se a viúva
do seu filho não tinha falta de alguma coisa e se todos os seus desejos estavam
sendo atendidos.
Ela respondeu afirmativamente.
Outra vez ele a mirou com um olhar inquiridor, como se ponderasse se era
oportuno continuar a falar sobre aquilo que para ele era motivo de preocupação.
Então esvaziou apressadamente duas dessas xícaras pequenas e disse:
- Tu ainda és nova e bela, Amina. Não é justo que continues levando uma
vida solitária, estendida no divã. Deus tirou-te o marido, mas pela nossa lei é per-
mitido casar-se novamente.
Abu Talib, meu filho mais novo, oferece-te por meu intermédio a sua mão.
Ele quer manter-te como herança do seu irmão. Serás rica e respeitada. Outra vez
estarás rodeada de alegrias como no começo do teu matrimônio.
Calou-se e encarou-a cheio de esperança, mas Amina não respondeu. Bem
ela sabia do costume, segundo o qual os irmãos mais novos pedem a viúva do mais
velho em casamento, porém esperava escapar disso.
MAOMÉ
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Abdallah tinha sido um homem bonito, mas Abu Talib era corcunda e man-
cava. Ela arrepiava-se ao lembrar um casamento com aquela figura disforme. Porém,
disso não podia dar demonstração. Refletindo rapidamente, disse em voz baixa:
- Pai do meu marido, agradeço-vos pela vossa benevolência, a ti e a Abu
Talib. Eu jurei que, antes de passarem sete anos após a morte de Abdallah, não me
casaria de novo. Essa promessa sustentarei. Assim lhe dou provas de todo o amor e
devotamento que a ele devo.
O ancião olhava para ela um pouco mais amável do que até então.
-Essapromessatehonra,Amina.Geralmenteasviúvasnovasnãopodemesperar
o tempo para um novo matrimônio.Direi ao meu filho que ele tenha paciência por mais
doze meses.Então prepararemos o casamento.Em pompa e brilho nada há de faltar.
Nesse momento, levantou-se. Julgou ter conseguido suas intenções. Podia vol-
tar aos seus negócios.Antes de tudo, porém, devia procurar Maomé e levá-lo consigo.
Devia ser evitado que sua mãe transmitisse quaisquer pensamentos ao menino.
Nada havia a temer, pois em Amina os planos de casamento com Abu Talib
apagaram todos os demais sentimentos. Horrível! Amina chamou Sara e desabafou
todas as suas mágoas com a fiel criada.
- Patroa, consolava esta, Abu Talib é um homem bom que também ama
Maomé como se fosse seu próprio filho. Muitas vezes vi os dois juntos na melhor
intimidade.
Isso Sara não devia ter dito. Outra vez se inflamou o ciúme no coração tão
facilmente impressionável da mulher.
- Ele quer desviar-me o filho, para que mais depressa eu atenda aos seus
desejos. Mas isso não acontecerá. Um ano de liberdade ganhei. Em um ano ainda
pode acontecer muita coisa.
Todas as tentativas por parte de Sara, no sentido de persuadi-la, eram inú-
teis. A criada resolveu calar-se e deixar tudo entregue ao tempo.
Mas, “em um ano pode acontecer muita coisa”, havia dito Amina. Não che-
gou a passar a metade e a bela mulher achava-se deitada num esquife. Uma das do-
enças epidêmicas que de vez em quando surgia, atacou-a traiçoeiramente e causou
o fim de sua vida terrena.
Sara havia tratado dela com fidelidade. Quando notou que a alma ia deixar o
corpo, ela trouxe um crucifixo de marfim, para servir de consolo e apoio à agonizante.
Muito tempo Amina olhou para a cruz e logo depois fechou os olhos.
- Conta-me da criança em Belém, Sara, rogava com voz fraca. Tenho medo
da morte e a cruz só conta disso.
MAOMÉ
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E Sara falou do amor misericordioso de Deus, daquele amor inapreensível, que
mandou o próprio Filho para salvar a humanidade corrupta. Ela contou da vida do
Filho de Deus e da majestosa entrada em Jerusalém.
Mas isso não trouxe paz para a agonizante. Inquieta, virava a bela cabeça em
cima do travesseiro, de um lado para o outro.
Despercebido pelas mulheres, entrou no aposento o velho Abd aI Muttalib, não
obstante saber que corria perigo de contágio.
- Dize-me uma palavra que me tome mais fácil a morte, Sara, implorava a
agonizante.
A criada meditava. Nesse momento soou uma voz maravilhosa e cheia de
paz, pelo aposento:
“E ainda que eu esteja peregrinando no vale sombrio, não temerei nenhum
infortúnio, porque Tu estás comigo!”
Abd aI Muttalib pronunciou devagar e solenemente,com a mão direita estendi-
da sobre a cama da viúva do seu filho, de sorte que a pedra amarelo-marrom reluzia.
- Pai, sussurrava Amina, concordo que Maomé se torne judeu.
Nunca ela o havia chamado de pai. Nessa hora em que ele trouxe consolação
para a sua alma hesitante, esse nome lhe passou pelos lábios como coisa natural.
E ele continuava a rezar salmos do rei, um após outro, até que se extinguiu a
respiração dela e sua alma começou a desprender-se do corpo.
Sara caiu em pranto, ao pé do leito. Amina, que ela amava como irmã, estava
morta. Mas não era por isso que ela chorava. Suas lágrimas significavam o fracasso que
devia trazer tão graves conseqüências.
Nesse único momento em que Sara podia ter dado provas ao ancião de quanto
mais consoladora e quantas mil vezes mais elevada é a fé cristã,acima de todas as outras
crenças, nenhuma palavra lhe veio à mente.
O corpo inanimado tinha de ser retirado o quanto antes possível da casa.Abd aI
Muttalib cuidava de tudo que se tornava necessário para resguardar os demais da casa
de possíveis perigos de contágio.
Somente depois que os despojos tinham sido sepultados na cripta duma
rocha, ao lado do pai, é que Maomé recebeu a notícia do falecimento de sua mãe.
Ele pranteou aquela que somente lhe demonstrou amor, mas o seu luto não
perdurou muito. Nos seus passeios mensais logo se acostumou a, em lugar da mãe,
procurar Sara, que abandonara a casa de Abd aI Muttalib e morava agora na cidade,
junto com o seu marido, em uma casinha agradável.
Nessas ocasiões a velha serviçal esforçava-se para reparar o erro que julgava ter
MAOMÉ
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cometido, enquanto contava do menino Jesus, ao que Maomé escutava atentamente.
Ele sabia que no leito de morte a mãe anuiu em que ele ficasse judeu, mas isso
não o atingia. Com afinco ele procurou aprender tudo o que lhe foi dado na escola.
Quando os professores falavam do prometido Messias, então delineava-se
um sorriso prematuro na sua fisionomia. Ele sabia que o Messias já havia chegado
e que fora assassinado pelo povo. Com energia, sempre usava a expressão “assassi-
nado”, também perante Sara.
Nesse momento, ela advertia-o e procurava provar-lhe que a morte na cruz era
algo determinado pela vontade de Deus.Assim, certo dia, ele disse veementemente:
- Se isto for assim, Sara, então tu me tiras a fé em Deus. Qual o pai que deixa
voluntariamente assassinar o seu filho? E Deus, assim como eu escuto falarem Dele,
é o melhor de todos os pais do mundo. Mas tu queres rebaixá-Lo!
Apavorada, Sara encarou o menino, que ousava ter sua própria opinião, di-
ferente em tudo das outras.
- Maomé, segura-te firmemente em Deus, peço-te, implorava. Eu sou culpada
por não te tornares cristão; assim sendo, torna-te pelo menos um judeu verdadeiro.
- Isto ainda não sei, Sara, disse Maomé categoricamente. Não posso tornar-
me judeu por amor à mãe morta, se nada em mim se manifesta a favor disso. Tam-
pouco por ti, a quem mais estimo neste mundo, não poderei tornar-me cristão. Sim,
se desse para fazer uma fusão entre as duas religiões, então, isso me agradaria.
Sara inquietou-se devido à precocidade do menino. O que haveria de ser dele?
Fisicamente ele se fortalecia, debaixo do regime masculino. A escola do tem-
plo em Meca cuidava não somente do intelecto dos seus educados, como também
não se descuidava do robustecimento dos corpos.
Ao lado do rabino Ben Marsoch, um jovem grego ensinava os rapazes e ins-
truía-os em diversas artes, principalmente em jogos e exercícios físicos.
Por essa razão, muitos pais conceituados, que não pertenciam à religião ju-
daica, preferiam mandar seus filhos à escola do templo.
Nas aulas, porém, isso provocou certa divergência. Não podia dar certo ins-
truir os adeptos dos fetiches juntamente com os judeus, na doutrina de Deus, em-
bora sem embargo pudessem compartilhar as demais matérias.
Assim os alunos de crença ferrenha formaram um círculo interno, o qual
gozava de especial proteção do rabino Ben Marsoch.
Após freqüentar um ano a escola, Maomé declarou não mais querer per-
tencer a esse círculo. Não obstante, ele foi forçado com severidade inabalável a fre-
qüentar as aulas com esse grupo. Toda resistência e teimosia de nada lhe adiantaram.
Mais ou menos por um ano prolongou-se essa rebelião contra professor e
instrução, sem que o avô chegasse a ter conhecimento.
Então, sem qualquer motivo aparente, Maomé conformou-se. Da mesma
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maneira inesperada como há um ano, ele declarara a sua saída do círculo, agora
pedia que lhe perdoassem a sua arbitrariedade e que o considerassem novamente
como aluno ativo. Os professores regozijaram-se ante a incompreensível mudança
no seu modo de pensar.
Foi Sara que conseguiu fazer o menino compreender que ele prejudicava
mais a si mesmo, enquanto se rebelasse contra a autoridade.
- Aprende aquilo que te oferecem, Maomé! Ela havia dito inúmeras vezes. Tudo
será útil,se o aprenderes direito.Mas se tu te recusas a escutar o que o rabino tem a dizer,
como então quererás reconhecer o que é certo e errado nas suas oratórias?
Essa foi a maneira certa de convencê-lo. Ele conformou-se e tornou-se um
aluno esforçado.
Depois de ter atingido mais de oito anos de idade, Maomé perdeu seu avô.
Este faleceu suavemente, sem doença prévia, durante uma noite tranqüila. Atin-
giu pouco mais de cem anos de idade; seu corpo repentinamente deixou de viver,
enquanto seu espírito ainda mantinha vivacidade.
Maomé nunca foi muito chegado ao avô. Foi a única pessoa que ele temeu.
Agora, seu tio Abu Talib encarregou-se da sua educação. Isso tornou o me-
nino feliz. Apesar do seu natural gosto pela beleza, não reparava nos defeitos físi-
cos do tio, pois sentia intuitivamente apenas a infantil e pura alma do homem.
Com grande amor Abu Talib veio ao seu encontro e fez tudo a fim de
complementar, por meio da influência que exercia sobre sua alma, a educação na
escola do templo, que era fundamentada exclusivamente em bases intelectuais.
Maomé sempre o encontrava, quando nas suas horas de folga ia procurá-lo na
casa paterna, da qual ele ficou afastado durante dois anos.
O que Abu Talib lhe outorgou em valores interiores, ele o recebeu numa
sensação de contínua felicidade, sem ficar consciente disso. A sua índole distraída
e autoritária abrandou-se; nos seus olhos e na sua boca estampava-se um alegre
sorriso em lugar do sarcasmo que tantas vezes deslizava sobre os mesmos.
Com grande contentamento Abu Talib notou o desabrochar de Maomé.
Ele pressentiu ricos tesouros na alma do rapaz e consagrou todos os seus esforços
no sentido de trazê-los à tona.
Foi por essa época que o rapaz foi atacado repentinamente por crises con-
vulsivas inexplicáveis. Com um grito angustioso ele caiu no chão e ali ficou deita-
do, debatendo os membros.
Assustados ao extremo, os colegas afastaram-se dele. Enquanto isso, o rabino
Ben Marsoch, que o julgou possesso, rezava diante dele sem obter resultado. Nin-
guém ousava tocá-lo nesse estado, e ele debatia-se cada vez com mais violência.
Finalmente chegou um médico. Dispunha de tudo para o tratamento e
disse que as convulsões eram conseqüência do seu físico muito delicado. Não
MAOMÉ
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devia ser esquecido que o rapaz ainda não esquecera a morte de seu avô.
Não devia ser forçado excessivamente com estudos. O rabino Ben Marsoch
não quis compreender. Pois, como Maomé havia se tornado um excelente aluno,
não lhe aprazia excluí-lo das aulas.
Então o médico falou com o assustado Abu Talib. No seu amor encontrou
uma saída.
- Projetei uma longa viagem para a Síria, disse ele. Levarei o rapaz junto. O
clima diferente e a contemplação de tantas novidades lhe farão bem. Depois que
voltarmos, poderemos tomar nova decisão.
O médico concordou e pouco tempo depois iniciaram a viagem. Abu Talib
não era comerciante como seu pai e seu irmão Abdallah, e Maomé não sabia ainda
qual era a sua ocupação, embora quisesse muito saber.
Ele perguntou ao tio o motivo pelo qual ia empreender a viagem, mas este,
que sempre respondera a todas as perguntas com a maior amabilidade, disse apenas
sucintamente:
- Tenho negócios na Síria.
O rapaz tão ávido em saber, não podendo receber explicação, preocupou-
se somente com os preparativos da viagem. Um considerável número de acompa-
nhantes formava o séquito; para cada qual foi preparado um camelo magnifica-
mente arreado.
Admirado, Maomé corria de um camelo para outro. Ele viu que todos os xa-
réus traziam igual insígnia, cada um no mesmo canto: uma espada curva, encimada
por um pássaro multicor.
- Que é isso? E o que significa? Queria saber. Mustafá explicou-lhe:
- Esse é o brasão de tua família, dos Koretschi, rapaz.
Com orgulho poderás também, um dia, usá-lo.
- Mas tem de ter uma significação! insistiu Maomé, passando os dedos por
cima da insígnia.
- Sem dúvida, tem uma significação: como pássaro deveis elevar-vos, supe-
rando a todos os outros, e com a agudeza da espada deveis saber combater. Nota
bem, Maomé! Não te tornes comerciante como o teu pai, mas segue o exemplo de
Abu Talib, e terás honra perante os homens e bênçãos em teus caminhos.
- Qual a profissão que o meu tio exerce? Perguntou Maomé, ligeiramente
alegre por encontrar uma oportunidade para a solução dessa tão importante ques-
tão para ele.
- Profissão? Disse o serviçal, nenhuma.
Nisso virou-se para o camelo, sobre cujo lombo tratava de prender uma
magnífica sela.
Irritado, Maomé pisoteava o chão. Assim um empregado não podia res-
MAOMÉ
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ponder-lhe! Devia queixar-se a Abu Talib, porém, se o fizesse, seria descoberta sua
curiosidade. Portanto, devia calar-se e aceitar a evasiva.
Apressadamente correu para um dos outros serviçais e perguntou:
- Qual é o camelo que irei montar?
- Não sei, soou a resposta insatisfatória. O jovem senhor deve perguntar a
Abu Talib pessoalmente.
Finalmente chegou a manhã que deu início à viagem. O sol ainda não nas-
cera no horizonte, e os camelos dos cavaleiros já esperavam no espaçoso pátio que
circundava o palácio dos Koretschi. Uma enorme fileira de animais de carga espera-
va fora, com seus tratadores que haviam sido contratados para essa viagem.
Então Abu Talib saiu de casa e, servindo-se de uma escada, subiu na sua mon-
taria. Todos os outros homens subiram, enquanto o camelo se agachava até o chão;
somente ele, devido ao seu defeito físico, tinha de escolher essa outra modalidade.
Mas, para Maomé, o que em outros homens talvez parecesse desprezível ou
ridículo, isso, em Abu Talib, deu aos seus olhos um brilho fora do comum. Tudo o
tio fazia diferente dos outros homens!
E agora esse tio o chamava para servir-se igualmente da escada e subir para
junto dele. Fê-lo apressado e tomou orgulhoso seu lugar na sela especialmente co-
locada, sobre a qual devia fazer o percurso da viagem.
Era magnífico que ele não tivesse que ficar só em cima de um camelo. Se assim
fosse, durante horas não teria com quem conversar. E ele tinha tanta coisa a perguntar.
Lentamente a caravana se pôs em movimento. Como um animal caminhava
atrás do outro, formou-se uma longa fileira. Assim que deixaram Meca atrás de si, fi-
zeram os animais acelerarem os passos. Tomaram o rumo monte abaixo, num declive
amenizado em direção a noroeste, e a marcha dos camelos tornava-se cada vez mais
animada. De início Maomé teve bastante oportunidade para apreciar, mas antes do
pôr-do-sol, o seu interesse já arrefecera. A região tornou-se deserta e despovoada.
Seguiam o rumo, à beira de um deserto. Quando começou a soprar um ven-
to fresco, o mesmo levantava nuvens de areia que vinham ao encontro deles. Viaja-
ram sem interrupção na primeira noite. o rapaz dormiu na sela. Somente na noite
seguinte foram levantadas barracas.
Com olhos atentos, Maomé acompanhava os afazeres do pessoal no acam-
pamento. Viu como colocaram uma imagem horrenda, de pedra, ossos e farrapos,
representando o fetiche; observou como eles dançavam em redor e como se alegra-
vam em descansar debaixo de sua proteção.
- Quem fez aquele objeto? Perguntou Maomé ao seu tio, junto ao qual vol-
tou, preenchido de tudo o que havia presenciado.
- Provavelmente um fetichista. Nós diríamos sacerdote, se é que um ateu
como esse merece tal nome.
MAOMÉ
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- Então essa imagem não pode representar nenhum deus, nem tampouco
proteger as criaturas humanas, uma vez que é feita pela mão do próprio homem,
falou rapidamente Maomé, revoltado por ver tanta tolice. Como podem ser tão
tolos os seres humanos e crerem em semelhante coisa!
- Eles nada sabem de melhor. Ninguém lhes contou da existência de Deus,
acalmava-o Abu Talib.
- Por que ninguém lhes conta Dele? Indignou-se o rapaz.
- Eles não compreenderiam, respondeu o tio calmamente.
O pensamento de que existiam homens ao lado dele que seguiam caminhos
falsos, unicamente porque ninguém se esforçava em indicar-lhes os certos, não mais
abandonou Maomé. Ele, que nunca pensou nos outros, sentiu dor ao lembrar-se
dos adoradores de fetiches, que até então não lhe fora dado observar.
Os rapazes na escola nunca falaram dos seus deuses. Ele julgou que fetiche
era um outro nome de Deus. Também notou que os rapazes da nobreza não se inco-
modavam com assuntos de crenças. Isso lhe parecia menos antinatural do que esse
comovente apego daqueles simples homens a esses costumes tradicionais.
Esses novos pensamentos não o deixaram ter sossego. Durante a noite, le-
vantou-se da cama e saiu da barraca, procurando refrescar-se ao ar livre.
Ali se estendia sobre ele o céu estrelado na sua aparente infinidade. Cintilan-
tes e vibrantes, essas luzes do firmamento davam testemunho da grandeza Daquele
que as criou.
Todos os pensamentos confusos e estranhos se afastaram do rapaz, o qual pela
primeira vez sentiu na calada da noite as vozes do cosmo falarem a sua alma.Involunta-
riamenteosseusbraçosselevantaramaoencontrodesseesplendoreinconscientemente
afloravam aos seus lábios as palavras que ele aprendeu na escola:
“Senhor,como são grandes e imensas as Tuas obras; tudo ordenaste sabiamente!”
O que até então havia sido para ele matéria morta para aprender de cor, agora,
nele tornou-se vívido. Sentiu a sua alma tomada por forças, às quais teve de curvar-se.
Após ter passado o primeiro estremecimento, ele deixou-se cair na areia que
ainda estava quente, colocou as mãos embaixo da cabeça e começou a meditar sobre a
causa pela qual ele se sentira até oprimido dentro da barraca.
Então novamente se lembrou dos pobres adeptos de fetiches. Como poderia ser
possível que esses homens, noite após noite, vissem essas coisas e cressem nessas figuras
de palha e farrapos!
Devia vir alguém que lhes mostrasse algo melhor.
O tio havia dito que eles não compreenderiam outra coisa! Será que alguém
já empreendera uma tentativa? Devia ser possível convencer essa gente.
Era um dever natural daqueles que sabiam melhor dar esclarecimentos aos
outros. Durante horas ele ficou deitado quieto, meditando. Então, brotou-lhe do
MAOMÉ
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íntimo o resultado das suas reflexões:
“Senhor, Deus de Israel, se ninguém o quer empreender, então eu o quero,
assim que tenha idade suficiente para isso! Ajuda-me a fazê-lo.”
Era a primeira prece independente que jorrou da alma do rapaz, e essa prece,
sentida profundamente por amor a outros homens, achou seu caminho para o tro-
no do Todo-poderoso. Suave paz invadiu o rapaz, como nunca sentira antes; uma
esperança tranqüilizante e uma alegria sobre o porvir afluíram-lhe.
Essa noite ele passou ao ar livre, e na manhã seguinte apareceu com os olhos
tão radiantes diante de Abu Talib, que este não pôde compreender o milagre.
Os dias transcorriam monótonos, mas Maomé, que tão depressa se enfadava
de todas as coisas, entreteve-se com seus próprios pensamentos e conservou um
alegre equilíbrio.
Um dia surgiu uma agitação na caravana.O condutor aproximou-se deAbu Talib
e perguntou se não achava preferível acampar o quanto antes, porque temia a aproxima-
ção de uma tempestade de areia. No entanto, como se achavam pouco protegidos nesse
lugar,Abu Talib achou aconselhável prosseguirem a viagem um pouco mais adiante.
Umventoquentevinhaseaproximandodelespelascostas,trazendograndesmas-
sas de areia consigo.Então,viram-se forçados a descer.
Os camelos deitaram-se rapidamente e os homens procuraram proteger-se atrás e
no meio deles.A areia caiu tão densamente,que ameaçou soterrar tudo o que estava vivo.
O coração de Maomé batia fortemente.Não sentiu medo,pois estava por demais absorto
nas emoções pelas quais havia passado.
Trêmulos de susto, os cameleiros repentinamente começaram a entoar uma
canção monótona, cujo texto Maomé não pôde entender. Um dos homens moveu-
se agachado, e arrastou-se para o camelo da frente, sobre cujas costas colocou e
amarrou uma das abjetas figuras de fetiche. Esta inclinou-se no vento, foi sacudida,
mas ficou de pé.
Então os homens começaram a regozijar-se: o seu fetiche dominaria a tempes-
tade e eles seriam poupados.
Na alma do rapaz algo começou a agitar-se. Será que esse hediondo ídolo do-
minaria? Antes mesmo que Abu Talib pudesse percebê-lo, Maomé saiu do seu abrigo;
deslizou serpenteante até o camelo da frente e subiu nas suas costas, de sorte que ficou
ao lado do fetiche, em pé.
Um grito de muitas gargantas ressoou. Todos o advertiram de que voltasse ao
seu lugar seguro e de que seria sua morte, se não o fizesse. Com gesto autoritário movi-
mentou a cabeça para trás.
MAOMÉ
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Nesse instante parecia que por alguns minutos a ventania parou,e o rapaz apro-
veitou essa pausa para exclamar aos homens o que agitava sua alma:
- Por que eu não haveria de ficar aqui tão bem quanto o vosso fetiche? Se ele
não está em perigo, eu estou muitas vezes mais seguro. Sabeis que ele foi feito por mãos
humanas, mas eu fui criado por Deus! Por Deus, o mais supremo nos céus e na Terra!
Escutai, ó homens! Eu sou criatura de Deus e serei o Seu servo quando alcançar a idade
em que Ele poderá precisar dos meus serviços!
Perplexos, os homens fitavam-no. O que ele disse?
A tempestade continuou. Maomé teve de calar-se. Mas ele permaneceu em pé.
E nem se segurou.
Orando, estendeu os braços ao céu. Isso já se tornara um hábito para ele, desde
a noite em que sentiu aquela profunda emoção na alma. Sua figura esbelta oscilava na
tempestade, porém, nada lhe aconteceu.
E outra vez a ventania parou por uns instantes. Então Maomé exclamou,
extasiado:
- Pedi a Deus, o Todo-poderoso, que a tempestade cessasse. Cessará se tirardes o
fetiche daqui. Quereis fazê-lo? Ele vos mostrou que não pode proteger ninguém.Agora
deixai que eu vos mostre que Deus, o Senhor, pode!
Comoquedominadopelaspalavrasinfantis,umdosárabeslevantou-seearran-
cou dali o fetiche.Com isso ele chegou a rolar no chão e a imagem caiu no meio de suas
pernas, quebrando-se. O que certamente para eles teria significado um mau augúrio,
agora lhes parecia uma prova ditosa do poder Divino.
Uma única rajada de vento levantou-se ainda e varreu para longe no deserto
os farrapos do ídolo. Então o vento cessou. O ar acalmou-se e os animais respiraram e
levantaram-se. O temporal passara.
No meio dos homens contentes, encontrava-se em pé o rapaz, dominado pelo
acontecido. Tudo isso veio sem que ele pudesse antecipadamente raciocinar e sem que
pudesse tornar-se consciente da transcendência das suas palavras.
Ante esse acontecimento sentiu-se arrebatado e fortalecido. Quão grande era
Deus,quão Todo-poderoso! E ele pôde anunciá-Lo! Realmente,Deus já agora se utiliza-
ra dele.Agora também consagraria a vida inteira a Ele.
Caminhou devagar para a sua montaria e nela subiu.Depois de sentar-se,encos-
tou-se inconscientemente no tio. Abu Talib compreendeu o que se passava na alma do
rapaz. Não disse nenhuma palavra sobre o que havia se passado. Também não corres-
pondeu à inconsciente carícia. Deixou Maomé recuperar sozinho o equilíbrio anímico.
Seguiram-se dias calmos e repletos de paz.Abu Talib percebeu que o rapaz pas-
sava por uma transformação íntima, para a qual qualquer palavra humana seria supér-
flua. Deixou-o completamente entregue aos seus pensamentos e apenas cuidava para
que ele não se esquecesse de comer.
MAOMÉ
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A região mudou de aspecto. Na direção que seguiam, começou uma subida
suave monte acima. O deserto de areia ficou para trás. Para onde quer que dirigis-
sem seus olhares, viam rochas cobertas de vegetação e lindos pomares.
- Isto é a Síria? Perguntou Maomé, como que despertando de um sonho.
Abu Talib confirmou que sim e que dali para frente tudo haveria de ficar cada dia
mais belo.
- Para onde iremos na Síria? Como se chama a cidade onde ficaremos? In-
terrogou o rapaz.
Ficou surpreso ao saber que dependeria das notícias que o tio aguardava
para a próxima noite.
- Chegaremos amanhã num convento, onde encontraremos algum recado.
Nisso se baseará a continuidade da minha viagem. Nesse convento moram somente
homens devotos, que são servos de Deus, Maomé. Terás prazer em vê-los e em po-
der falar com eles.
- São judeus? Perguntou solicitamente o rapaz.
- Não, são cristãos, e afirmam ter sido um dos discípulos de Cristo que fun-
dou a comunidade. Talvez eles te contem sobre isso, se solicitares.
- É conveniente para mim escutar uma vez verdadeiros cristãos, declarou o
rapaz. Com exceção de Sara, ainda não vi nenhum.
- Tua mãe também era cristã, não o esqueças, rapaz, admoestou Abu Talib;
porém, como resposta, obteve:
- Ah! eu também ainda era novo, quando mamãe vivia, mas sempre senti
que ela não dava muita importância a sua crença, pois com a Sara eu aprendi mais
do que com ela.
- Mas era uma boa mulher; tu ainda não podes julgá-la acertadamente, repe-
liu Abu Talib, a quem doeu escutar o filho falar dessa maneira sobre sua mãe.
Entretanto, essa leve repreensão não impediu Maomé de defender a sua opi-
nião. Em muitas coisas, intimamente, o tio tinha de dar-lhe razão. Por isso achou
mais acertado interromper a conversa.
Ao anoitecer do dia seguinte, chegaram a um convento, que se encontrava
situado numa fértil planície, no meio de pomares em florescência. Monges vestidos
com longas batinas de cor marrom e com uma corda branca amarrada pelos qua-
dris, trabalhavam nas árvores e nos canteiros.
Com a aproximação da caravana eles levantaram os olhos. Então dois deles
chegaram ao portão,o qual se achava no baixo muro branco que cercava aquele imen-
so terreno. O portão foi aberto, mas somente Abu Talib, com sua montaria, entrou,
enquanto, após ligeira chamada, a caravana se pôs novamente em movimento.
MAOMÉ
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Um pouco assustado, Maomé olhou para os companheiros, que iam seguin-
do viagem:
- Para onde eles vão? Ficaremos sozinhos aqui? Interrogou, um tanto ame-
drontado.
Abu Talib não teve tempo para responder. Com muita dificuldade ele desceu
de sua montaria, que estava bem adestrada para suportar com paciência todos os
movimentos do seu aleijado cavaleiro.
Maomé saltou atrás com agilidade e, quando se defrontou com os monges,
olhou admirado em redor de si. Um outro irmão, que acorrera, pegou nas rédeas e
conduziu o camelo para fora dali. E este também desapareceu. O rapaz sentiu um
mal-estar.
Involuntariamente ele pegou na mão de Abu Talib e disse imperiosamente:
- Tu ficas aqui!
Com isso os monges tiveram a sua atenção voltada para o jovem hóspede.
Nos seus rostos estampava-se a admiração, mas não perguntaram nada; conduzi-
ram os hóspedes para o interior do convento, onde estava preparado um aposento
para receber Abu Talib.
Prontamente prepararam também uma cama para o rapaz e serviram a am-
bos uma ligeira refeição. Depois disso, os irmãos retiraram-se e deixaram tio e rapaz
entregues ao repouso da noite.
Maomé muito quis saber: por que os monges usavam esses hábitos compridos;
por que não tinham cintos bordados, mas sim essas longas e feias cordas cheias de nós.
Abu Talib explicou da maneira que sabia. A pergunta que ele esperava, antes de
todas, não foi pronunciada. Então, ele mesmo a fez, embora não soubesse nenhuma
resposta para ela.
- Tu viste, Maomé, que todos esses monges têm os cabelos tosados no mesmo
lugar. Sabes por quê?
Sem hesitar o rapaz respondeu:
- Eu penso que eles rasparam os cabelos para que a força de cima possa pe-
netrar melhor neles.
- A força de cima? Perguntou Abu Talib admirado. O que sabes disso?
- Eu mesmo a senti, replicou Maomé, resoluto e sem a mínima vaidade.
Um monge entrou e trouxe notícias para o tio, o qual se aprofundou nos pa-
péis a ele entregues e ordenou que o rapaz fosse deitar. Este achou muito esquisito
não poder fazer sua oração ao ar livre, conforme já se tornara hábito para ele, desde
há pouco tempo. Antes mesmo que ele chegasse a resolver se podia pedir para sair
para fora, no pátio, Abu Talib levantou-se e deixou o aposento. Então o rapaz rezou
em pé, na frente da sua cama, e logo depois se deitou, adormecendo rapidamente.
Na manhã seguinte o tio levou Maomé à presença do superior do convento.
MAOMÉ
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Abade Paulo ainda era um homem moço, com olhos ardentes e traços severos. Lan-
çou um olhar penetrante no rapaz.
- É como nós presumíamos, disse, dirigindo-se depois para Abu Talib, po-
rém eu quero mandar chamar o padre Benjamin. Ele verá melhor do que eu o que
pode ser visto.
O padre foi chamado. Os homens esperaram em silêncio e Maomé, que se
sentiu deprimido por algo inexplicável, nem levantou os olhos, que estavam sempre
tão sedentos de saber.
Então entrou um homem de idade, o qual, obedecendo à chamada do abade,
colocou-se ao lado deste e inquiriu Maomé:
- De que crença és, meu filho?
Este levantou rapidamente os olhos e replicou sem raciocinar:
- Sou da crença de que os adoradores de fetiches devem ser auxiliados.
Abade e padre trocaram um rápido olhar. Abu Talib, porém, embaraçado
com a resposta do rapaz, dirigiu-se a este explicando:
- Tu entendeste mal a pergunta do padre. Ele queria saber a que crença per-
tences; se és pagão, judeu ou cristão. Maomé encarou o padre.
- Não sou nada, respondeu com impassibilidade.
Aí, Abu Talib assustou-se mais ainda e quis dar esclarecimentos ao rapaz;
entretanto, o abade interrompeu-o:
- Deves ter nascido em alguma religião e nela recebido ensinamentos. A esta,
então, pertences, não é, meu filho?
Maomé sacudiu a cabeça, característica de sua índole liberal.
- Eu nasci como cristão, mas ainda não cheguei a conhecer verdadeiros cris-
tãos. Depois cresci entre judeus e fui ensinado junto com judeus e fetichistas. Não
sou cristão; judeu também não gosto de ser, porquanto a sua crença estagnou e não
pode ir adiante. Então, encontrei Deus, bem sozinho. Agora só posso dizer: eu sou
Maomé, que crê em Deus!
O embaraço de Abu Talib aumentava cada vez mais; o abade, todavia, lançou
um olhar bondoso para o rapaz e disse:
- Se aquilo que dizes,com toda a tua convicção e de toda a tua alma,estiver certo,
então está bom. Seja sempre Maomé, que acredita em Deus, até achares algo melhor.
O padre Benjamin dirigiu-se outra vez ao rapaz:
- Em que reconheceste que Aquele que achaste é realmente Deus?
Com a rapidez de um raio veio a resposta:
- Na Sua grandeza e onipotência.
Ao proferir essas palavras, parecia a Maomé que forças invisíveis o elevavam.
Teve tonturas.Vastas planícies estendiam-se diante dos seus olhos espirituais e uma cla-
ridade rodeou-o.
MAOMÉ
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Isso levou apenas poucos instantes, então ele tornou a si, porém uma grande
sensação de felicidade íntima o dominava.
O mais novo dos padres entrou e recebeu ordem para mostrar a Maomé o
jardim do convento. Assim que os dois saíram do aposento, o padre Benjamin disse
pensativo:
- E como esperávamos, pela mensagem que nos foi dada: esse rapaz é algo fora
do comum. Deus, o Senhor, destinou-o para levar o Seu saber a longínquas regiões. Um
portador da Verdade ele deverá ser, não somente para o seu povo, como também para
inúmeros homens da Terra.
- Queres confiar-nos o rapaz, Abu Talib? Perguntou o abade. Com muito prazer
formaremos a sua alma. Certo é que ainda não tivemos alunos tão jovens no convento,
mas também nunca alguém com dotes tão extraordinários cruzou nosso caminho.
Após um breve entendimento,o tio concordou e o rapaz foi chamado.
- Escuta,Maomé,tomou o abade a palavra,quando o rapaz se encontrava ansio-
sonasuafrente,seutiorecebeunotíciasqueochamamalugaresdistantes,paraondenão
poderá levar-te. Como disseste que ainda não tiveste a oportunidade de conhecer cris-
tãos,entãovamosoferecer-teestaocasião.Ficaconosconoconvento,enquantoAbuTalib
irá prosseguindo sua viagem.Tu podes aprender tudo aquilo que nós próprios sabemos.
Incerto,MaoméolhavaparaAbuTalib.Seráqueotioestavadeacordo?Omelhor
seria convencer-se disso,antes de responder.
- Tu aprovas que eu fique? Perguntou.Abu Talib acenou afirmativamente.
- Então eu fico com boa vontade convosco no convento, porquanto me agrada
aqui. Mas para que não vos arrependais de me ter dado internato, quero dizer, desde já,
que até agora sempre tenho imposto a minha vontade.
O abade fez menção de dizer algo em resposta, mas Maomé não o deixou e con-
tinuou:
- Obedecerei aqui, mas nem sempre o conseguirei logo; por isso digo-o anteci-
padamente.
Essas palavras foram pronunciadas de maneira tão infantil,que conquistaram os
corações do abade e do padre. Eles asseveraram que o tolerariam de bom gosto ao redor
de si e que a vida simples e regrada do convento já por si sufocaria qualquer vontade
própria.
Tudo se passou com tanta rapidez, que o rapaz quase não teve tempo para refle-
xões. Abu Talib partira, e Maomé encontrava-se numa pequena cela, que de agora em
diante lhe serviria como morada.Ainda não havia conseguido saber qual a profissão que
o seu tio exercia! Isso o preocupava muito.
Maomé podia tomar parte nas refeições com os alunos mais novos do convento;
também foi admitido nas aulas, depois de um exame que provou ter ele sido excelente-
mente preparado na escola do templo de Meca.
MAOMÉ
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Em pouco tempo, apelidaram-no de “pequeno escriba”, expressão esta que
provocou indignação da parte de Maomé. Doutor nas escrituras sagradas ele não
queria ser.“Experiente da vida” parecia-lhe ser melhor.
Como agora lhe sobravam algumas horas do dia, durante as quais os outros
se extenuavam em adquirir um saber que ele já possuía, foi decidido que durante as
horas vagas ajudasse o jardineiro.
Isso foi motivo de grande alegria para o rapaz, que era tão ligado à natureza.
Ele encurtava o repouso unicamente para poder estar o mais possível no jardim.
Diversos trabalhos lhe couberam, para os quais as suas mãos de criança possuíam
uma habilidade especial, e o que tocava desenvolvia-se bem.
Se algumas vezes chovia fortemente, impedindo-o de ficar ao ar livre, então
se ocupava com um trabalho na cela, ao qual se dedicava espontaneamente: escrevia
textos da doutrina judaica, que lhe pareciam conter algo da doutrina cristã. Logo
depois começou a procurar contradições entre as duas.
Havia recebido permissão para perguntar sobre tudo aquilo que lhe pareces-
se duvidoso. Uma das primeiras perguntas foi sobre a morte de Jesus na cruz.
- Por que Deus, o Todo-poderoso, permitiu que Seu Filho fosse assassinado?
Perguntou com insistência.
Os monges olharam-se e ficaram embaraçados. Um repreendeu-o por pen-
sar de tal modo.
- Tu não deves falar aqui de assassinato, disse. Jesus Cristo morreu para tra-
zer à humanidade o resgate de suas culpas!
- Nisso eu não acredito, retrucou o rapaz com veemência. A salvação, o Filho de
Deus trouxe-a aos homens através de sua presença e de sua Palavra. Sua morte apenas
aumentou enormemente a culpa dos homens.Que Deus,o Senhor,não quisesse arrancar
a humanidade do abismo, isso eu compreendo. Ela era má demais. Mas que Ele deixasse
ficar o Filho para vítima,isso para mim é incompreensível e incompatível com o Seu ser.
- Muita coisa mais ainda não entenderás, soou a resposta insatisfatória do
abade.
Desse modo, Maomé não foi auxiliado, e então procurou de novo encontrar
sozinho as respostas. Às vezes se insinuava a tentação:
“Não cismes! Joga fora tudo isso como coisa incompreendida. Vive alegre e
contente todo o dia, assim como ele se apresenta, e não o ensombres por ti mesmo
com raciocínios, para os quais ainda és muito novo.”
Por pouco teria cedido a essas vozes que impulsionavam o seu íntimo, po-
rém, a sua experiência vivencial ainda pairava luminosa e bastante nítida diante de
sua alma. Ele tinha que continuar a pesquisar.
Uma palavra de um jovem padre veio lançar um pouco de luz na torrente
de seus pensamentos impetuosos. Esse jovem professor certo dia esclareceu aos alu-
MAOMÉ
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nos a necessidade da disciplina no convento. Sem ela cada um faria o que bem lhe
aprouvesse, porquanto, embora Deus tenha concedido ao homem o livre-arbítrio
para proceder como quiser, pela sua própria vontade, o homem não sabe aproveitar
esse dom; por isso deve subordinar-se à disciplina terrena!
A palavra “livre-arbítrio” vibrou em Maomé. Com esforço dominou o im-
pulso de fazer, já durante a aula, mais perguntas a esse respeito. No final da aula,
todavia, Maomé procurou o padre e fez suas perguntas, as quais deram provas de
uma vivacidade intrínseca.
O monge esforçava-se seriamente para acalmar a alma do rapaz. Ele, aliás,
nunca se ocupou com tais ponderações, mas pôde penetrar intimamente nas idéias
de Maomé.
- Pondera nisso uma vez,padre,exclamou entusiasmado.O livre-arbítrio é uma
das maiores dádivas que Deus deu à humanidade! Se o empregarmos certo, então, po-
deremos ascender às alturas, ao passo que do contrário ficaremos sempre presos.
O doutrinador não respondeu. Esses pensamentos eram altos demais para
ele. O rapaz, porém, continuou:
- Por isso Deus também não interveio, quando Cristo foi assassinado. Ele
tinha que deixar os homens sofrerem as conseqüências do seu próprio querer. Real-
mente, Ele é grande, acima de toda a imaginação humana! E eu, tolo, queria acusá-
Lo justamente por isso!
- Rapaz, pensa no que dizes; como podes atrever-te a falar dessa maneira do
Todo-poderoso! Repreendeu o professor, pois ele não era mais capaz de seguir os
pensamentos do jovem.
- Apenas me arrependo do modo de pensar anterior, defendeu-se Maomé.
Então calou-se. Tanta coisa lhe afluía intimamente em reconhecimentos,
que ele não dava conta de tudo.
Mas o padre foi procurar o abade, para informar-lhe sobre a conversação.
- Já te disse, padre Jakobus, sorriu o superior, que Maomé é um rapaz extra-
ordinário. Tu não podes exigir que o espírito infantil compreenda as grandes coisas,
como um homem maduro pode compreender. Não o intimides, senão ele perde a
confiança em ti e em todos nós. Isso seria grave, porque não poderíamos controlar
o que se passa nele.
Em vista dessa palestra, o abade resolveu encarregar-se sozinho da educação
do rapaz. Concedeu-lhe diariamente uma hora, durante a qual ele podia ficar tra-
balhando ao seu lado e formular as perguntas que quisesse.
Isso agradou a Maomé, e ele envidou todos os esforços para aproveitar essa
oportunidade que lhe fora facultada. Quanto mais paciência o abade demonstrava,
tanto mais liberais ousavam sair as perguntas de sua alma.
Abade Paulo nunca lhe chamou a atenção sobre expressões audaciosas, mas
MAOMÉ
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também nunca lhe deu demonstração de que não estava à altura para acompanhar
os seus elevados pensamentos.
Já há muito examinara os escritos de Maomé, e ficara admirado com que
nitidez o rapaz descobrira as diferenças entre as duas doutrinas.
Desse modo se passou mais de um ano. No maravilhoso clima da Síria, Ma-
omé recuperava-se. As perigosas crises convulsivas, que ainda algumas vezes se re-
petiram, desapareceram, no entanto, nos últimos meses.
Os monges fizeram de tudo para fortificar o seu corpo, mas para o espírito
pouco puderam fazer. Ensinaram-lhe tudo o que sabiam e tiveram de passar pela
experiência de que, com poucas palavras, o aluno demolia sempre qualquer edifica-
ção das suas sabedorias erigidas em bases artificiais.
Um dia, abade Paulo perguntou:
- Então, Maomé, agora já conheces verdadeiros cristãos. Comparaste a nossa
doutrina com a dos judeus. Para qual das duas te sentes atraído: queres ser cristão
ou judeu?
- Nenhum dos dois, confessou francamente Maomé. O judaísmo foi maravi-
lhoso, da maneira como foi iniciado. Mas então os homens perverteram-no, e agora
estagnou, porque os tolos ainda esperam o Messias, em vez de reconhecerem que
ele já peregrinou pela Terra. Agora o judaísmo nunca mais progredirá. Excluiu-se
da própria vida.
- E o cristianismo? Animava-o o abade, ao qual agradaram as ponderações
do jovem. Como encaras o cristianismo?
- Seria a continuação do judaísmo, disse Maomé meditando. Reconheceu o
Messias, mas não faz desse reconhecimento o uso devido.
- Rapaz, como tu entendes isso? Perguntou o abade, espantado.
Ele pôde escutar meio divertido, quando o jovem falou com menosprezo da
doutrina dos judeus, mas como agora se referia de maneira idêntica ao cristianis-
mo, não conseguiu mais calar-se. Maomé replicou calmamente:
-Vós reconhecestes Cristo como o Filho de Deus,que trouxe a salvação.Porém,
agora disputais sobre quem de vós o interpreta com mais precisão. Fazeis desse reco-
nhecimento um assunto do raciocínio, em lugar de um assunto do espírito. Em vez de
aspirar às alturas pela Verdade que ele trouxe, ficais parados no mesmo lugar e deixais
a Verdade escapar pelas vossas mãos, até que ela se torne completamente vulgar.
Expressão e palavra não eram mais as de uma criança.
Estupefato, o abade olhou para Maomé, que ousou dizer-lhe tais coisas. Como
isso era possível? Em nenhum instante lhe surgiu o pensamento de que Maomé, sendo
MAOMÉ
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um enviado da Luz, estaria realmente em condições de trazer a ele, o inteligente abade,
Luz e Verdade. Sentiu vontade de escutar mais, por isso perguntou-lhe:
- Como imaginas a crença verdadeira, se repudias uniformemente o judaísmo
e o cristianismo?
- Sobre isso já meditei muitas vezes,foi a resposta surpreendente.Devia-se fazer
a tentativa de conseguir a transição do judaísmo para o cristianismo, porém espiritua-
lizá-lo, porquanto a fé é uma atribuição do espírito, e não do intelecto.
Perplexo, o abade fixou os olhos no seu interlocutor, não conseguindo quase
mais segui-lo.
- Isso não vem de ti, rapaz! Exclamou. Quem te disse tudo isso? Quem te ensi-
nou a pensar assim?
- Isso surge em mim à noite,quando faço a minha prece,e eu o retenho porque
sinto que é verdade. Logo que eu tiver alcançado mais idade, então pedirei a Deus para
ajudar-me a encontrar a verdadeira crença, que possa ser ensinada aos homens. Essa
crença conterá então a força para conquistar o mundo e conduzirá todos os homens
aos pés do Criador, em gratidão e veneração.
Comovido,o rapaz calou-se.O abade,no entanto,em vez de deixar atuar sobre
si essa sabedoria, que não proveio desta Terra, desejou saber:
- Com quem já falaste sobre isso, Maomé?
- És o primeiro, soou a resposta, mas agora estou arrependido por tê-lo feito,
porquanto tu não recebes aquilo que eu disse no sentido como me foi dado. Sempre
queres medir tudo pelo teu cristianismo, em vez de distinguir que Deus quer te ofere-
cer aqui coisa melhor! Se, porém, durante a refeição não esvaziares bem a tua tigela de
comida do dia anterior, como pode caber coisa nova nela?
Sobre a face do rapaz faziam-se notar contrações.A agitação e a tensão tinham
sido demais para ele. Sinais de novas convulsões surgiram. Apesar disso, continuou a
falar por um impulso íntimo que predominava nele:
- Não achas, abade Paulo, que eu tenha sido conduzido para o teu convento
para fazer-te ver isso? Deus às vezes se serve de pequenos instrumentos para fazer gran-
des coisas.Escuta-me,porquanto eu sei que Deus manda por meu intermédio dizer-te:
tira o cristianismo intelectualizado do teu coração e do teu convento e aceita o que o
espírito te oferece!
Mais ele não pôde falar, pois a pertinaz doença o atacou com grande intensida-
de. Com menosprezo o abade olhou para esse débil instrumento de Deus.
- Rapaz, quem te deu coragem de falar assim comigo? Tua altivez e tua pre-
sunção merecem castigo! Agora te chamarei à ordem, murmurou o abade, enquanto
deixava o aposento a fim de chamar um irmão servente para cuidar do jovem.
Nessa noite Maomé escutou uma voz alta, que o chamou pelo nome. Ele sabia
que não era terrena e imediatamente respondeu.
MAOMÉ
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Então a voz lhe ordenou que deixasse o convento ainda antes do ama-
nhecer. Se caminhasse em direção ao sol nascente, chegaria a uma cidade onde
deveria perguntar pelo devoto irmão Cirilo.
“Senhor, sou Teu instrumento e farei o que me mandas!”, rezava Maomé.
Por essa razão pegou os poucos objetos da sua bagagem e fez uma trouxa,
saindo cautelosamente para o pátio. Observando e espreitando atentamente,
viu que um dos pequenos portões laterais não estava fechado. Conseguiu passar.
Aliviado, encontrava-se fora do muro.
“Todos hão de pensar que estou temendo o castigo do abade”, murmurou
algo nele.
Hesitante, meditou: “Não seria um ato mais corajoso eu voltar e enfren-
tar a pena que me foi imposta?” Logo, porém, superou essa tentação.
“Eu o faço por ordem de Deus!”, disse ele em voz alta, “portanto, não
devo incomodar-me com o que os homens pensam e dizem de mim. Sou Ma-
omé, o instrumento de Deus! Vós, homens, sois indiferentes para mim!” Para
certificar-se da direção do seu caminho, lançou um ligeiro olhar em redor de
si e então caminhou corajosamente para frente. Em geral, após os acessos de
convulsão, ele não podia deixar a cama por dois ou três dias. Foi uma visível
ajuda de Deus!
Quando o sol nasceu, sentiu fome. Ele não pôde levar provisões de víve-
res consigo, e os figos nas inúmeras árvores e arbustos ainda não estavam ma-
duros. Então sorriu da fome. O Deus, que deu forças aos seus débeis membros
para caminhar, também o ajudaria a achar alimento.
Na beira do caminho encontrou uma pequena propriedade, porém ele
quase não a percebeu. Então ressoou a voz de uma mulher:
- Rapaz, queres ganhar uma merenda matinal?
Ligeiro como uma lebre, virou-se e respondeu afirmativamente. Então a
mulher encarregou-o de tirar de uma árvore alta um precioso pano de seda que
o vento havia carregado para lá, durante a noite.
- Tu és bastante esbelto para tal trabalho, disse, enquanto mirava a figura
delgada.
Sem mais delongas, Maomé tratou de subir na árvore. Com a costumeira
agilidade com que fazia tudo, tirou a seda e a trouxe incólume. A mulher ficou
satisfeita e não foi mesquinha na sua recompensa; deu-lhe comida e bebida com
fartura, de sorte que até sobrou, e ele pôde levar as sobras consigo.
Então, ao continuar sua peregrinação, agradeceu a Deus de todo o co-
ração e formou suas palavras de agradecimento à maneira dos salmos, num
cântico de louvor:
MAOMÉ
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“Grande é Jeová, o Senhor! Infinitamente grande e majestoso é Ele!
E, todavia, nada Lhe é insignificante demais para que não o transforme num instrumento,
desde que o mesmo tenha boa vontade.
Grande e majestoso é o Senhor!
E sempre se lembra dos humildes e os ajuda até nas mínimas necessidades.
Antes mesmo de pedirem, Ele atende, porquanto Sua misericórdia é infinita.
Louvai-O, todas as criaturas que Ele criou!
Todos os vossos atos deviam ser um louvor ao Todo-poderoso!
Ínfimos que sois, não devíeis pensar em vós mesmos.
Pensai em Deus, agradecei-Lhe”.
Maomé entoava sempre de novo o seu salmo, que lhe dava prazer. Então veio
um tropeiro no caminho, com um burro bem alimentado.
- Escuta, pequeno cantor, para onde queres ir? A pergunta foi feita com tanta
bondade, que Maomé respondeu prontamente:
- Para a próxima cidade, em direção ao sol nascente! - Então monta, meu
burro pode carregar-te bem, e os teus cânticos podem encurtar-me o caminho.
Canta outra vez a canção que acabaste de cantar.
“Senhor Deus, agradeço- Te!” exclamou o rapaz, entusiasmado. “Eu estava
cansado, mas não Te quis dizer, depois de teres me fartado de alimento! Agora dás
outra vez, antes de eu pedir!”
E com entusiasmo entoou seu canto de louvor e cantou-o duas vezes, em
gratidão e felicidade.
Ao tropeiro agradou o esperto rapaz; com muito gosto tê-lo-ia sempre em
sua companhia. Talvez o jovem estivesse à procura de serviço; então, se o aceitasse,
ambos seriam ajudados.
- Quem vais procurar na cidade? Indagou. Sou muito conhecido lá e posso
conduzir-te logo ao destino certo.
Maomé meditou um instante. Devia dizer aonde queria ir? Mas para alguém
teria de perguntar e por que não a esse homem simpático. Então ele disse calmamente:
- Tenho de ir ao devoto irmão Cirilo.
- Ao irmão Cirilo? Esse eu conheço de fato, disse o homem, que via desfaze-
rem-se suas esperanças. E o que queres com ele?
- Mandaram-me a ele, e ele sabe o porquê.
Essa resposta pareceu muito misteriosa ao homem, e perguntou mais:
- De onde vens?
Sem medo, Maomé disse o nome do mosteiro. Tornou-se evidente ao tro-
peiro que o rapaz era um aluno do convento, que empreendeu a peregrinação por
ordem do seu abade. Um desses não devia ser desviado da sua vereda.
MAOMÉ
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Conversou alegremente com Maomé, mostrando-lhe a cidade que surgia no
horizonte e o conduziu, ao anoitecer, com segurança até lá. Então descreveu-lhe o
caminho que levava ao devoto Cirilo e despediu-se.
A Maomé agradou bastante poder caminhar novamente, após tão longa ca-
valgada. Bem-disposto, andava pelos becos e ruazinhas até que chegou ao portal
que lhe foi descrito pelo tropeiro. Bateu algumas vezes, mas em vão. Então experi-
mentou abrir o portão, porém estava fechado.
“Deus não me mandou até aqui para deixar-me ficar parado em frente de
um portão trancado”, disse ele a meia voz.
Nesse momento uma voz amável o chamou:
- O que queres neste lugar bom, no lugar de descanso dos mortos, rapaz?
Maomé assustou-se, pois os mortos ele não queria perturbar.
- Procuro o devoto irmão Cirilo, respondeu humildemente. - Então vem
para este lado da rua, disse a voz.
Ao mesmo tempo, no outro lado, duma cabana baixa saiu um ancião robus-
to com olhar afável.
- Esta casinha não se encontraria se não estivesse situada perto do imponen-
te portão, declarou. Sempre que um estranho pergunta por mim, então lhe descre-
vem o caminho até esse portão. Isso basta.
- Então és tu o devoto Cirilo? Certificou-se Maomé, que adquiriu confiança
nesse homem.
- Sou eu mesmo e tu certamente és Maomé, meu novo aluno, que me foi
anunciado por Deus, o Senhor.
Tão empolgado ficou pelo que de novo passou em vivência, que em lugar
de qualquer resposta, entoou o seu salmo de agradecimento. Quando terminou,
aproximou-se do irmão e aguardou o que este lhe mandaria fazer.
Cirilo, no entanto, sorriu satisfeito.
- Eis que um cantor alegre me vem voando em casa. Bem-vindo, Maomé! Se
tu sempre cantares e louvares assim, então nos tornaremos bons companheiros.
Levou-o consigo para a sua casa e o instruiu com amor e bondade, duran-
te cinco anos. Não havia para Maomé nenhuma pergunta, para a qual Cirilo não
procurasse achar uma solução junto com ele. Às vezes tinham de ficar meditando
por longo tempo, ou pedir a ajuda de Deus, mas sempre acharam explicação para as
perguntas e os dois tiraram proveito disso.
Durante o primeiro ano, a pedido de Cirilo, Maomé relatou toda a sua vida.
Com isso surgiu-lhe o pensamento de que Abu Talib poderia estar preocupado com
MAOMÉ
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o seu desaparecimento. Mas de pronto consolou-se, e disse:
“Deus mandou-me para cá. Ele também achará meios e caminhos para fazer
chegar ao conhecimento de meu tio o meu paradeiro, se ele deve saber disso”.
Quando se aproximou o término do quinto ano, Cirilo convidou o jovem
adolescente a acompanhá-lo numa curta viagem.
Numa cidade no litoral devia realizar-se uma reunião pública, na qual, aliás,
iam ser tratados assuntos de interesse geral do povo, mas Cirilo achou necessário
que o jovem participasse alguma vez dessas coisas.
Após uma boa caminhada chegaram ainda em tempo na cidade de Halef, de
sorte que o jovem pôde primeiro contemplar o mar e habituar-se com o magnífico
panorama. Cirilo julgou bem certo ao pensar que antes disso Maomé não estaria
receptivo para outras coisas.
No dia da reunião dirigiram-se cedo ao lugar determinado para isso, onde se
encontrava uma variada multidão. Grupos de pessoas de todos os países da região e
homens de todas as tribos pareciam estar ali reunidos.
Cirilo perguntou a um dos assistentes quem iria falar ao povo, nesse dia. Re-
cebeu a resposta de que seria o árabe Talib ben Muttalib, o maior amigo do povo de
todas as tribos. O bom irmão ficou contente ao saber que Maomé iria logo escutar
um homem importante. O nome do orador nada lhe significou.
Cirilo escolheu um lugar, do qual não só se podia escutar, como também ver.
Devido à popularidade que ele gozava nessa região, ninguém disputava seu lugar,
nem o do seu protegido.
Jubilosos aplausos anunciaram a chegada do esperado orador. A massa do
povo dividiu-se para deixá-lo passar para o lugar mais alto, de onde deveria falar.
Ao dirigir um olhar curioso para aquele lugar, Maomé de repente viu na
sua frente o seu tio.
Essa era, portanto, a profissão que Abu Talib exercia ocultamente! Um orador
popular era ele? O que teria a dizer à multidão. Pálido de emoção, o jovem escutava.
Tudo, tudo ele queria absorver; não somente as palavras que ali ressoariam,
mas sobretudo o sentido contido nelas.
Ele ficou admirado. Era um Abu Talib diferente daquele que conhecera. Per-
dera todo o acanhamento na sua conduta. A multidão esquecia-se dos seus defeitos
ante a projeção de sua personalidade, que dominava em volta dele, como o poder
de um soberano nato.
Não pronunciou nenhuma palavra a mais. Cada uma teve sentido e signi-
ficação, e cada uma impressionava o público com poder arrebatador. Não usava a
gesticulação, como em geral se via nos oradores.
Exteriormente aparentava calma, mas seus olhos flamejavam, faiscavam ou
ensombreavam-se. Falavam sua própria linguagem.
MAOMÉ
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Tudo isso Maomé percebeu no seu íntimo, antes mesmo de ser capaz de
acompanhar audivelmente as palavras. Abu Talib falava que em todas as partes do
território, muito além das fronteiras de El Árabe, moravam árabes, que tinham que
se curvar ao domínio estranho.
Aclamações interromperam-no. Calou-se um instante. Então continuou do
mesmo modo a convencer o povo ali reunido de que os árabes deviam unir-se num
só todo, porque assim se tornariam grandes e poderosos.
Esse foi o significado do seu discurso, enfeitado com muitas exemplificações
e impressionantes imagens.
Então ele convidou os ouvintes a externarem os seus pensamentos sobre
aquilo que haviam escutado.
Cada objeção ele replicou prontamente e com sensatez.
Finalmente um dos fidalgos exclamou:
- Aqui na Síria, mais do que a metade dos habitantes são árabes. Se nós nos
unirmos ao país natal, então a Síria deixará de existir!
- Seria lamentável isso? Perguntou Abu Talib.
Suas palavras tiveram o efeito de uma chicotada. Um verdadeiro tumulto
irrompeu.
- Então achas, Talib ben Muttalib, exclamavam os homens, que podemos fazer
conquistas sem guerras, e que devemos simplesmente anexar os países vizinhos?
- Se isso fosse para o bem do nosso país, então sem dúvida, refutou o orador.
- Não acrediteis, ele é judeu! Fez-se ouvir de repente uma voz gritante.
Todas as cabeças se viraram para o lado de onde soaram essas palavras. Ali
estava um sacerdote fetichista, com a face contorcida impetuosamente.
- Ele quer conquistar todos os povos para o seu Deus e subjugá-los! Isso não
podemos tolerar. Sou um filho fiel da Arábia, e justamente por isso não a quero
entregar aos judeus!
- Enganas-te, sacerdote, respondeu a voz serena de Abu Talib. Realmente
nasci de pais judaicos, porém reconheci que é mais importante ajudar o povo sobre
a Terra a conquistar grandeza, felicidade, união e poderio, do que adorar um Deus
invisível, o Qual talvez nem no Além poderemos chegar a ver.
- Para, blasfemador!
Estridentes soaram essas palavras pela grande praça da reunião. Todos de-
veriam tê-las escutado.
O orador empalideceu. Em sua frente estava de pé o seu sobrinho, que julga-
ra morto; o menino transformara-se num moço; e os monges lhe haviam dito que
ele era destinado a ser um portador da Verdade. O homem sentiu calafrios.
Quando Abu Talib, no regresso de sua viagem, pretendeu cuidar de Maomé,
o abade informou-lhe que o rapaz sucumbira de uma grave enfermidade. Isso deu
MAOMÉ
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muito o que pensar ao tio. Se Deus deixava morrer um portador da Verdade, então
Lhe era indiferente que a Verdade fosse propagada.
Isso foi o começo do declínio da fé.Abu Talib raciocinou e meditou longo tem-
po até que jogou de si todos os pensamentos em Deus e no Divino. Desde então lhe foi
mais fácil falar ao povo. Nunca se defrontou com algo como naquele momento.
Maomé, sem hesitar, continuou dizendo em voz alta:
- O Deus invisível, que Abu Talib nega, se bem que ele outrora O adorou,
está no meio de nós! Ele criou todos nós, por isso é nosso Senhor! Guia maravi-
lhosamente todos os homens que Nele crêem. Eu o sei, porquanto eu mesmo tive
provas disso!
Surgiu uma grande agitação.
- Quem é esse jovem que tem a ousadia de falar numa reunião de homens?
Exclamavam alguns exacerbados, enquanto outros manifestavam sua aprovação ao
que Maomé havia dito.
Os já excitados ânimos exaltaram-se; chegaram a agredir-se e toda a reunião
findou numa violenta discussão,de sorte que policiais armados da cidade tiveram que
intervir, para separar os que já estavam se enfrentando com faca, corpo a corpo.
Abu Talib retirou-se com alguns partidários, antes de começar a contenda.
Cirilo forçou Maomé a abandonar igualmente o recinto. O jovem teve a compreen-
são de que por ora em nada poderia ser útil. Estava abalado pelo acontecido e tre-
meu de pesar ao ver que o tio, a quem sua alma havia se afeiçoado, ficara tão mau.
Cirilo achou que teria sido melhor se Maomé tivesse calado, mas também
não pôde repreendê-lo. Por isso não falou nenhuma palavra, e deixou o jovem en-
tregue aos seus agitados pensamentos. Maomé sentiu a reprovação e evitou por sua
vez falar com o irmão.
Após ter perdurado por alguns dias esse silêncio, ao qual, aliás, se habitua-
ram, ambos sentiram que não podiam continuar convivendo dessa maneira.
Enquanto Cirilo meditava como poderia reaproximar-se do jovem, sem dar
o braço a torcer, Maomé achou a única solução numa rápida separação. O que ain-
da devia fazer aqui? Aprendera tudo o que Cirilo lhe pôde ensinar.
Queria sair pelo mundo e ganhar o seu sustento, até chegar o tempo em que
poderia atuar como instrumento de Deus.
Anteriormente ele sempre supunha que após um certo aprendizado regressa-
ria à vida abundante do palácio paterno,visto ser ele o herdeiro e não o tio,que,como
segundo filho, tinha direito apenas a pequena parte. Após o recente incidente, achou
completamente impossível poder alguma vez defrontar-se novamente com o seu tio.
Portanto, tornar-se-ia independente. Isso com certeza era da vontade de Deus.
A noite declarou o que havia decidido ao irmão Cirilo, surpreendendo-o.
Este não quis concordar, porém Maomé não se deixou convencer e assegurou que
MAOMÉ
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na manhã seguinte continuaria sua peregrinação. Agradeceu ao irmão por tudo o
que ele lhe havia proporcionado espiritual e terrenamente, e com este agradecimen-
to ficou comovido. A antiga simpatia pelo mestre despertou novamente, e fez com
que se separassem em paz.
Durante a noite Maomé teve uma visão. Viu Abu Talib desaparecer numa
casa velha situada numa rua estreita da cidade de Halef. Concomitantemente, uma
voz chamou:
“Maomé, procura teu tio! Ele precisa de ti”.
Impulsos de obstinação excitavam a alma do rapaz. Agora ainda ter que cor-
rer atrás desse renegado! Mas quando pensou que foi a voz de um mensageiro de
Deus que lhe trouxe a ordem, então a sua exaltação se desfez, e ele conformou-se.
Conquanto não conhecesse a rua que vira em sonho, confiou nos guias espirituais
e caminhou em direção a Halef.
Entretido com os próprios pensamentos, o caminho não lhe pareceu lon-
go. Alcançou, antes do que esperava, as primeiras casas, e encontrou um menino
que chorava amargamente. A criança havia pisado num caco de vidro e machucara
gravemente o pé, de sorte que não podia dar nenhum passo. Maomé amarrou uma
atadura na ferida e dispôs-se a carregar a criança.
- Podes dizer-me onde moras? Perguntou ao já confiante menino.
- Sim, realmente, posso dizer-te quais as esquinas que deves dobrar. Então
logo chegaremos a nossa casa. Como a mamãe vai ficar contente, quando afinal eu
chegar em casa!
Verificou que a criança passara a noite toda fora. Suas contínuas tentativas
de andar agravaram cada vez mais o ferimento.
- Já estamos perto de nossa casa, explicou subitamente o pequeno. Maomé
olhou em redor de si e reconheceu a rua que vira de noite. Novamente foi tomado
de um sentimento de gratidão ao tornar-se consciente da direção da Luz, sob a qual
se encontrava, de maneira que teve de desabafar o seu coração.
Pôs o menino ferido no chão, levantou as mãos e agradeceu a Deus do fundo
do coração. Então tomou de novo o seu protegido nos braços e nem se admirou de
que as indicações deste o levavam realmente àquela casa, que, aliás, já conhecia.
Uma mulher em pranto precipitou-se para fora, tomou nos seus braços o
menino que ela pensava ter morrido, e pediu a Maomé que entrasse e fosse seu
hóspede. Assim, sem muita dificuldade, ele chegou a casa na qual desejava entrar e
novamente disse do fundo da alma:
“Senhor, Deus de Israel, eu Te agradeço!”
MAOMÉ
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O menino foi deitado na cama e a mãe o tratou carinhosamente. Depois se
dirigiu ao hóspede, o portador do socorro, agradeceu-lhe e deu-lhe alimentos. Ma-
omé, enquanto tomava a refeição, perguntou à mulher se havia um outro hóspede
sob seu teto.
Ela negou. Penetrante e perscrutante, Maomé encarou-a; então, enrubescen-
do, ela disse:
- Hospedei por pouco tempo um parente adoentado em minha casa.
- Ah! nesse caso também nós somos parentes, retrucou sorridente Maomé,
pois Abu Talib é meu tio.
Perplexa, a mulher olhou para o rapaz sorridente.
- Não digas esse nome, amigo hóspede, implorou. Esse de quem estás fa-
lando está sendo procurado por espiões. Por isso, ocultou-se aqui, numa das mais
pobres habitações, onde por certo ninguém pensará em procurá-lo. De onde sabes
que ele está aqui?
- Eu o sei, replicou Maomé. E devo falar com ele. Ele mesmo o quererá, se
disseres que Maomé de Meca está aqui.
A mulher retirou-se. Logo depois voltou e fez sinal para segui-la. Subiram
uma escada horrível e encontraram-se na frente de uma porta. A mulher mandou
Maomé pedir licença para entrar e desceu outra vez a escada apressadamente.
Sem se fazer notar, o rapaz entrou. Numa pobre cama encontrou Abu Talib,
o qual realmente parecia doente e decaído. Quando este avistou aquele que julgara
estar morto, arrepiou-se de medo.
- O que queres de mim, Maomé, tu, mensageiro de Deus, o Todo-poderoso,
contra o Qual depus em público? Perguntou tremendo.
Toda a ira desapareceu do jovem. Cheio de compaixão, aproximou-se do
penitente e disse:
- Deus deu-me ordem para procurar-te, por estares necessitando de mim.
Abu Talib começou a chorar.
- Tão bondoso é Deus com um indigno como eu? Exclamou repetidamente.
Não podia acreditar em tamanha misericórdia.
Maomé por ora nada fez para facilitar-lhe essa crença. Começou a tratar em
primeiro lugar das necessidades terrenas do tio. No bolso do vestuário encontrou
dinheiro, com o qual fez compras. Arrumou melhor a cama e deu-lhe uma bebida
soporífera.
Assim que Abu Talib adormeceu, Maomé dirigiu-se para o menino machu-
cado, o qual encontrou bem acomodado na sua cama.
- Canta mais uma vez o belo cântico que cantaste na rua, pediu. Minha mãe
gostaria de escutá-lo.
Maomé entoou seu salmo e sentiu alegria em poder fazê-lo.
MAOMÉ
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Pela face da mulher escorriam lágrimas.
- És judeu, amigo hóspede? Perguntou.
Antes que pudesse responder, ela contou que era judia, mas casara-se com um
fetichista.Antes, isso tinha sido indiferente para ela, porém nesse momento sentiu des-
pertar nela a ânsia de escutar novamente falar em Deus.
Maomé então contou o que sabia do Deus dos judeus. Os três esqueceram-se
das horas; estavam inteiramente absortos. Ele falou do Messias que veio e que foi re-
conhecido apenas por poucos; os outros então o assassinaram. Como sempre quando
falava disso, ficava amargurado. O pesar pelo assassinato do Filho de Deus oprimia-lhe
o coração.
A porta abriu-se, sem ruído algum. Abu Talib, que acordara do sono reparador,
entrou precisamente no instante em que Maomé começou a falar do Messias. Sem ser
visto pelos outros, abaixou-se ao lado da porta e sentou-se no chão, ficando à escuta
daquilo que o seu sobrinho anunciava com palavras eloqüentes.
No entanto, dominado por uma forte emoção, começou a chorar. Isso desper-
tou a atenção dos outros, que o conduziram a um lugar mais cômodo e dirigiram-lhe
palavras animadoras. Então confessou sua grande culpa perante Deus.
- Tu podes repará-la,Abu Talib,disse Maomé gentilmente.Assim como foste um
negador, torna-te um pregador de Deus.
- O povo não me dará mais ouvidos, desde que interrompeste minha reunião,
Maomé, suspirou o tio.
- Se não podes mais falar a grandes massas, então recomeça em pequenos cír-
culos, replicou Maomé despreocupadamente. Acredita-me que o tempo para os teus
planos ainda não amadureceu. Primeiro devemos oferecer aos homens algo de novo e
melhor, antes de fazê-los abandonar o antigo que adotaram.
- E quando poderemos fazer isso? Como se dará isso? Perguntou Abu Talib,
desalentado.
- Assim que eu tiver maturidade suficiente para poder servir como instru-
mento de Deus! Foi a réplica de Maomé.
Ainda falaram disso e daquilo, depois procuraram o refúgio de Abu Talib,
para passarem a noite ali. Na manhã seguinte, o tio quis saber como Maomé ima-
ginava o futuro próximo.
- Levar-te-ei para Meca, prometeu o jovem com toda a firmeza. Lá estarás
a salvo das perseguições.
- Nisso também acredito, dizia o outro. Apenas no caminho e aqui dentro
da cidade é que estou exposto a perigos.
- Esses nós venceremos, exclamou Maomé, cuja aventura lhe despertou
atração.
Após um entendimento com a dona da casa, alugou um burro forte com uma
MAOMÉ
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sela cômoda, como era usada por mulheres. Abu Talib teve de vestir traje feminino e
pôr um véu.
Maomé conduziu o burro.Assim saíram da cidade sem impedimentos. Tam-
bém durante toda a viagem não houve nenhum incidente. Somente perto de Meca,
Abu Talib achou melhor trocar de vestuário, porquanto lhe parecia por demais ig-
nóbil aparecer no palácio paterno em trajes femininos.
Maomé sentiu-se satisfeito em rever o lugar de sua infância. Ali os velhos
serviçais, em primeiro lugar Mustafá, cumprimentaram-no alegremente. Todos vi-
ram nele o senhor e herdeiro.
Perguntou por Sara e soube que ela já havia falecido. Por alguns dias Maomé
ficou descansando, depois se apresentou perante Abu Talib para declarar-lhe que do-
ravante trataria sozinho do seu próprio sustento.Havia esperado que o tio lhe dissesse
em resposta que não necessitava disso, visto que toda a riqueza dos seus pais lhe per-
tencia. Preparou-se internamente contra essa objeção, porém foi em vão.
Abu Talib pediu-lhe que fosse seu hóspede. Havia bens em profusão, mais do
que o suficiente para que os dois pudessem viver disso.
Esse modo de pensar fortaleceu ainda mais em Maomé a resolução de se
livrar de todo o existente. Sabia que devia encontrar-se independente quando lhe
viesse a chamada de Deus.
- E o que pensas fazer? Perguntou Abu Talib, inconscientemente satisfeito
por ter Maomé lhe facilitado tudo, para ficar de posse das adotadas riquezas.
- Quero ser comerciante, como meu pai o foi antes de mim, replicou o jo-
vem. Minhas relações com os empregados no comércio e os conhecimentos adqui-
ridos na infância, quando lidava na galeria, facilitarão minha adaptação. Ademais,
isso será apenas uma transição, concluiu.
Já no dia seguinte abandonou o palácio, para ir à procura de um emprego.
Dirigiu-se a um amigo do seu pai, que o recebeu com alegria e aconselhou-o.
Também sabia onde Maomé poderia colocar-se logo, se realmente estivesse
levando a sério o propósito de tornar-se comerciante.
- Há pouco tempo faleceu um mercador de jóias, cuja viúva deseja conti-
nuar o comércio. Esta procura um homem moço, de bons costumes, para servir
de auxiliar junto com os empregados da sua casa comercial. Este seria o lugar certo
para ti.
- Não serei muito inexperiente para isso? Indagou.
O mais velho repeliu a objeção. Chadidsha, a viúva, procurava justamente
alguém que ela mesma pudesse introduzir nas particularidades dos seus negócios.
MAOMÉ
- 37 -
Ela possuía bastante conhecimento do comércio, porquanto sempre ajudara o ma-
rido. Não tendo filhos, pôde dedicar-se todo o tempo às jóias.
- É judia? Quis saber Maomé.
Sobre isso o amigo não pôde dar informações.
Porém, como se ele o animasse, Maomé resolveu procurar logo a viúva do
comerciante, assim já veria como era e quem era. Os depósitos e a loja ficavam den-
tro da mesma casa, numa das melhores ruas de Meca. Como a galeria de vendas do
seu pai estivesse situada num outro ponto do extremo da cidade, e não no palácio,
Maomé raras vezes estivera lá.
Apesar disso, ao entrar nessa loja, defrontou-se com uma grande diferença.
Aqui predominava a cobiça comercial, que visava unicamente lucros, ao passo que
lá existiu comércio que tinha em mira os objetos preciosos. Abdallah tinha somente
pedras selecionadas à venda. Aqui, aliás, também havia, porém enterradas debaixo
de montões de coisas baratas e inferiores.
Involuntariamente Maomé pensou:
“Será que a alma dessa mulher é igual a esta loja? E se assim for, valerá a pena
procurar nela a pérola preciosa?”
Ele mesmo admirou-se desse pensamento, que lhe surgiu como se viesse
voando ao seu encontro.
Depois de solicitar a um empregado, que acorreu para atendê-lo, permissão
para falar com dona Chadidsha, foi pedido que aguardasse um instante. Enquanto
ele ficou em pé ao lado de uma mesa, passando os olhos por cima das mercadorias
expostas, sentiu que um olhar penetrante e ardente lhe estava sendo dirigido de al-
guma parte. Não pôde ver de quem era, até que observou um cortinado arredar-se
levemente nos fundos.
Essa espreita sigilosa pareceu-lhe tão esquisita, que teve de sorrir.
Então, abriu-se o cortinado; uma mulher ainda jovem e encorpada entrou
na loja. Com passos ondulantes veio em direção ao rapaz, cujas feições já haviam
tomado de novo a expressão de sua costumeira seriedade.
- Por que riste ainda agora? Perguntou Chadidsha, em lugar de qualquer
cumprimento.
Com isso provocou novamente um sorriso na face de quem se encontrava
à sua frente.
- Imaginei como alguém atrás do cortinado experimentava observar-me, a
fim de ver se sou um homem honesto, confessou francamente.
Um ardente rubor subiu às faces da mulher, toda maquilada. Querendo apa-
rentar desembaraço, disse:
- Também tu muitas vezes te esconderás atrás do cortinado, para observar os
compradores, se é que vieste para ajudar-me na minha loja.
MAOMÉ
- 38 -
Maomé calou-se. O que havia de responder! A mulher causou-lhe ao mesmo
temporepulsaesimpatia.Podiateraproximadamenteunsvinteequatroanos,portanto
quase dez anos mais velha do que ele, mas, apesar disso, sentiu-se superior a ela.
Como ele se calasse, ela retomou a palavra:
- Queres empregar-te aqui, para ajudar-me nas vendas e compras?
- Com tal propósito é que cheguei até aqui, replicou Maomé, hesitante.
Os empregados retiraram-se para o depósito. Os dois ficaram sozinhos. Então
Maomé continuou:
- Quero dizer-te que em verdade não possuo os conhecimentos de um
comerciante, apesar de meu pai ter sido um deles. Antes de tudo, porém, devo
dizer-te que assim como esta loja é dirigida, eu não estou acostumado. Custar-
me-á habituar-me aqui.
Admirada, a viúva replicou:
- Sabes que nos últimos dias despachei cerca de trinta pessoas que pediram
insistentemente para trabalhar aqui, e tu, talvez o mais jovem de todos, ousas
dizer-me que o meu comércio não te agrada. Não te chamei. Podes ir para lá de
onde vieste.
Sem dizer nada, Maomé virou-se para abandonar o local. Mas isso con-
trariou a expectativa da mulher. Ela havia esperado rogos suplicantes, pois estava
disposta a atendê-los, porquanto o rapaz lhe agradara. Algo na aparência e nas
maneiras dele atraiu-a. Se, porém, ela o quisesse, deveria agir com rapidez. Estava
somente a poucos passos da rua.
- Ei! Escuta! Chamou atrás dele, mais alto do que o necessário. Ainda não
me disseste quem és e de onde vens!
- Como me mandaste embora, torna-se desnecessário que te diga! Repli-
cou Maomé, andando rumo à saída.
- Quem te diz que eu te mando embora? Zangou-se a mulher. Aqui se
pesam as pedras preciosas e não as palavras. Ouem é jovem como tu não deve ser
tão incompreensível.
- Isso eu poderia ter imaginado, que as tuas palavras nem sempre refletem
os teus pensamentos, escapou de Maomé.
- No que notas isso? Perguntou a mulher, atraída involuntariamente pela
curiosidade.
Maomé hesitou alguns instantes, e então, num impulso como lhe era pecu-
liar em momentos decisivos, movimentou a cabeça para trás, e replicou:
- Quem acoberta as faces que recebeu de Deus, também dissimula os pen-
samentos que a alma gera.
Novamente ela se zangou, entretanto, o rapaz era diferente de todos aque-
les que ela até então chegara a conhecer. E se ele sempre falasse assim, então po-
MAOMÉ
- 39 -
deria vir a ser um bom passatempo tê-lo perto de si.
- Tu podes ficar empregado aqui comigo, ofereceu-lhe magnanimamente,
esperando um alegre agradecimento.
Maomé, entretanto, ficou vacilante por alguns instantes, enquanto con-
centrava a sua alma em oração; finalmente disse:
- Quero fazer a tentativa, se suportarei a loja e a ti. Ambas sois disfarçadas.
Nesse momento ela se arrependeu da oferta feita. Apressadamente ia reti-
rá-la, quando entrou um comprador na loja e ela teve que dirigir sua atenção para
ele. Era difícil contentá-lo. De todos os lados tinham de ser buscados objetos.
Com um rápido olhar, Maomé percebeu o que foi pedido, trouxe-o, e en-
tregou-o a Chadidsha com naturalidade, como se a loja fosse dele. O homem
comprou mais do que pediu inicialmente, e a mulher viu que recebeu um ativo
auxiliar.
Na sua alegria pelo bom negócio, ela esqueceu as palavras ofensivas. Assim
animada, dirigiu-se a Maomé e perguntou:
- Como posso chamar-te? De onde vens?
- Sou Maomé ben Abdallah. Meu pai era comerciante de jóias.
Com grande admiração a mulher olhou para Maomé. Um filho da mais con-
ceituada estirpe viera à sua procura, para tornar-se seu auxiliar! Podia ser possível
isso? Quando Maomé viu sua estranheza e incredulidade, disse:
- Podes perguntar a Ibrahim Ben Jussuf. Ele mandou-me aqui.
- Não é necessário, fez-se ouvir a voz de Ibrahim Ben Jussuf, que acabava
de entrar na loja.
Ele ficou contente em saber que os dois haviam chegado a um acordo. Pro-
pôs então a Maomé que mandasse buscar por um empregado os seus pertences. O
rapaz compreendeu que o amigo queria ficar a sós com a viúva, e retirou-se.
Quando Maomé deixou a loja, Ibrahim perguntou à mulher se ela se agra-
dara do novo auxiliar. Ela respondeu que quase não sabia como julgá-lo. Ele era
bem-educado, mas falava uma língua completamente sem disfarce.
Mal pronunciara essa palavra, lembrou-se da comparação de Maomé.
Agora quase se arrependia novamente de ter empregado esse observador perspi-
caz. Ibrahim, no entanto, persuadiu-a a regozijar-se. Um auxiliar melhor ela não
acharia.
O fato de que o jovem preferisse sofrer injustiças e tornar-se independente,
do que expulsar o tio aleijado, honrava-o muito. Além do mais, só soube o me-
lhor a respeito de Maomé, o qual, com certeza, tornar-se-ia em breve um valioso
auxiliar para ela.
Maomé ficou na casa da viúva, e acostumou-se a ser comerciante. Suas
obrigações levava a sério. Muito lhe valeu ter recebido excelente instrução na es-
MAOMÉ
- 40 -
cola do templo; principalmente na aritmética ele superou até a patroa.
Em pouco tempo ela pôde deixá-lo sozinho com as vendas, mas teve de
observar muitas coisas novas. Estranhou como ele tratou com franco desvelo em
recomendar e vender os artigos baratos e artificiais. Será que já se acostumara
com o artificial e aprendera a estimá-lo?
Uma noite, ao descobrir que ele vendera até o último dos muitos objetos,
ela perguntou-lhe por pilhéria sobre isso.
- Ter aprendido a estimar? Essas bugigangas? Interrogou com desdém.
Não, Chadidsha, acabei com elas, para arranjar lugar para coisas melhores.
- Então não queres encomendar mais nada em substituição aos artigos
desse gênero? Indagou receosa. Meu marido sempre dizia que artigos baratos
atraem fregueses.
- De compradores que se deixam atrair por isso, podemos prescindir. Acre-
dita-me, Chadidsha, que a tua loja será mais reputada e freqüentada por fregueses
mais distintos, se tu ofereceres somente artigos de qualidade genuína e de valor
integral.
Vagarosamente e a muito custo Maomé pôde convencê-la.
Afinal concordou.
Após três anos, quem entrasse na loja, encontrá-la-ia completamente mo-
dificada. Objetos selecionados eram oferecidos; tudo o que era artificial havia
desaparecido.
A maior modificação registrou-se na dona da loja. Seu rosto dispensara
toda maquilagem; seus trajes eram simples e elegantes.
Apenas seus movimentos impulsivos e rudes ainda denunciavam que não
descendia de linhagem fidalga. Do mesmo modo sua voz tornava-se desafinada,
quando algo a irritava.
Suas relações com seu auxiliar, de aproximadamente dezoito anos, eram
singulares. Às vezes parecia que ela temia as repreensões que ele pronunciava com
franqueza. Ele ficou sendo senhor absoluto de todo o comércio, e o que dizia
era válido. Os empregados dedicavam-lhe toda a consideração; mesmo sendo um
tanto mais jovem que os outros, era um modelo de honradez, fidelidade e ama-
bilidade.
A par disso, a agudeza de sua vista aumentara. No primeiro ano esteve na
loja um freguês, que a proprietária mesma atendeu, enquanto Maomé trazia as
mercadorias. De repente o jovem pegou no pulso do freguês e disse a meia voz,
porém, energicamente:
- Coloca de novo sobre a mesa as pérolas que acabaste de tirar!
Chadidsha assustou-se. Como podia Maomé dizer isso, pois ele não podia
ter notado nada dos fundos da loja onde se encontrava!
MAOMÉ
- 41 -
O homem rebelou-se furiosamente:
- Solta-me, imediatamente! Como te atreves a tocar-me? - Solto-te assim
que as pérolas estiverem nas mãos de Chadidsha.
- Não tenho pérolas.
Então Maomé meteu a mão na frente do vestuário do homem e puxou dali
um saco habilmente preparado, que além das pérolas furtadas continha uma porção
de outras coisas. O ladrão desmascarado opôs resistência, mas Chadidsha mandou
chamar guardas, que o subjugaram e o levaram. E enquanto a mulher, excitada, não
podia chegar ao fim da conversa sobre o acontecido, Maomé disse apenas:
- Estás vendo que também enxergo sem olhar pela fresta do cortinado.
Maomé empenhava-se assiduamente pelo bom andamento dos negócios
durante o horário de vendas, mas depois de fechada a loja, retirava-se regularmente
para seus aposentos. Todos os convites de Chadidsha para tomarem refeições jun-
tos, ou acompanhá-Ia em visitas, ele recusava.
- Nas famílias onde fui criado,os homens mantinham-se afastados das mulhe-
res,disse ele com seriedade.Não por se julgarem melhores,mas porque eles dignifica-
vam a natureza da mulher, que é mais delicada. Assim eu também quero proceder.
Ela queria muito saber com que ele se ocupava nas horas de folga, porém ele
não falava sobre isso e todas as interrogações foram inúteis.
Então um dia foi chamado com urgência pelo tio, o qual tinha coisa impor-
tante a dizer-lhe. Tão urgente foi o recado, que Maomé deixou seu aposento sem
guardar primeiro aquilo em que estava trabalhando.
Chadidsha entrou furtivamente, mas ficou decepcionada ao deparar apenas
com folhas cheias de letras manuscritas, que não pôde ler, pois eram em hebraico.
Mas pelo menos sabia agora que ele se dedicava a um estudo qualquer.
Pois bem, ele ainda era jovem; que continuasse a fazer isso ainda por uns anos.
Ao chegar na casa de Abu Talib, Maomé encontrou-o muito excitado. Ele
pedira uma viúva rica em casamento e tinha sido atendido! Ele, o aleijado, ainda
chegaria a gozar uma felicidade que julgava vedada para si definitivamente.
Pelo direito, Maomé era o chefe da família e tinha de dar a sua anuência para
o casamento; do contrário, não teria validade. Abu Talib temia que nessa ocasião
Maomé pudesse descobrir que ele retivera até então a sua herança paterna.
Se o jovem exigisse agora a sua parte da herança, então os bens restantes
seriam pouco cobiçáveis. Poderia nesse caso ser provável que o casamento não che-
gasse a realizar-se.
Maomé teve a impressão de olhar como por uma vidraça no coração do tio,
e vendo a sua cobiça pelo dinheiro, apiedou-se dele. No entanto, se não dissesse
nada, isso se lhe afiguraria injusto e, além disso, o estado de incerteza de Abu Talib
nunca chegaria a ter um fim. Assim, ele disse calmamente:
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A educação de Maomé

  • 1. COLEÇÃO“O MUNDO DO GRAAL” MAOMÉ(MOHAMMED) NARRATIVA FIEL DA VIDA TERRENA DO PROFETA ÁRABE, LIVRE DE TODOS OS CONCEITOS ERRÔNEOS. RECEBIDO POR INSPIRAÇÃO ESPECIAL
  • 2.
  • 3. MAOMÉ - 3 - UMA lamparina colorida iluminava o aposento e fazia luzir os adornos de ouro que se encontravam entre os abundantes tapetes colocados nas paredes. Aqui pendia um cordão com pérolas e acolá cintilavam pedras preciosas. Em cima de uma mesinha, formada de peças artisticamente entalhadas e embutidas, havia uma brilhante taça de vidro, cheia de um óleo aromático. Todo o recinto, embora não fosse grande, parecia ser perfeitamente adapta- do àquela bela mulher que descansava despreocupadamente sobre um macio divã. Longas tranças de cabelos pretos, envoltos numa rede de fios dourados, pen- diam-lhe para um lado. Sobre um vestido largo de seda vermelha usava um casa- quinho curto, ricamente enfeitado com bordados, que combinava com as sandálias que abrigavam seus pequeninos pés. Uma calça de seda azul, fofa, até os tornozelos, completava o vestuário. Suas delicadas mãos, nas quais não se via nenhuma jóia, deixavam escorregar, por entre os dedos, as pérolas de um rosário. Mas ela o fazia distraidamente, pois seus pensamentos pareciam estar longe de uma devoção ou prece. Ouviram-se ruídos de passos que vinham de fora. A mulher ocultou rapida- mente a corrente de pérolas no seu vestuário e recostou-se ainda mais confortavelmente nos travesseiros. Um velho serviçal entrou no aposento. Era um dos criados de confiança da casa, pois do contrário, não poderia ter en- trado sem se fazer anunciar.Arrastando os pés,um pouco inclinado para frente e com as mãos juntas, ele aproximou-se do sofá e aguardou que a bela mulher começasse a falar. Com os olhos semicerrados ela olhava-o. Que esperasse um pouco, pensava, pois não estava disposta a receber seu recado.De modo algum poderia significar algo de bom. Finalmente a curiosidade a venceu: - o que trazes,Mustafá? Inquiriu num tom de indiferença.- O nosso amoAbd ai Muttalib deseja falar com Amina por causa do menino. Amina recebê-lo-á aqui ou irá procurá-lo nos seus aposentos? - Mustafá, sabes o que o velho quer com o menino? Essa pergunta soava agora bem diferente das anteriores. Preocupação e cuidado de mãe vibravam nela e faziam com que ela se esqueces- se de todas as diferenças de classe. - O nosso amo não o disse, respondeu pensativo o criado, mas eu posso ima- ginar do que se trata. Há dias vem falando que chegou o tempo de mandar Maomé à escola. - É o que pensei! Exclamou Amina indignada. Eu ainda o acho delicado demais. Mas para isso o avô não tem compreensão. Quanto antes tornarmos a dis- cutir, tanto melhor será. Dize a Abd ai Muttalib que eu estarei pronta para recebê-lo daqui a uma... não, daqui a duas horas.
  • 4. MAOMÉ - 4 - O serviçal virou-se e começou a sair arrastando os pés, quando um chamado de Amina fê-lo parar. - Mustafá, sabes onde está Maomé? - Onde estará ele? Perguntou o criado em resposta. Com certeza está no pavilhão ajudando o empregado a conferir as mercadorias. Nada lhe agrada tanto como o esplendor das cores dos tapetes e das pedras preciosas. Com isso ele esquece até de beber e comer. - Dize que o mandem o quanto antes a mim, solicitou Amina afavelmente. Ela sabia que não podia dar ordens a Mustafá, pois não era sua patroa. Mas a um pedido, ele era sempre acessível. Também agora iria procurar o menino e mandá-lo a sua mãe. Amina tornou a ficar a sós. Suspirou profundamente. Tinha medo da palestra com o dono da casa, o seu sogro, sob cujo domínio se achava desde a morte de seu marido. Isso já há seis longos anos! Pouco antes do nascimento de Maomé, aconteceu que numa viagem de ne- gócios Abdallah foi assaltado por bandidos e ferido mortalmente. Ainda o levaram agonizante até Meca, mas não alcançou com vida a casa paterna, onde morava com a sua jovem esposa. No funeral Amina desmaiara. Longo tempo teve de permanecer na cama, doente. Durante essa grave en- fermidade deu à luz um menino, quase sem ter consciência disso. A debilidade do menino, que apesar dos cuidadosos tratamentos de que era alvo, não crescia como devia, os médicos atribuíram-na ao trauma e ao pranto so- frido por Amina. Seu pai era um homem belo, de figura imponente. Maomé, contu- do, um menino pálido, fraquinho e sem alegria, dando a impressão de que preferia escolher seus próprios caminhos. Sem pressa e sem demonstrar qualquer sorriso na sua face, entrou no apo- sento da mãe. Quase contrariado, aproximou-se do sofá e perguntou: - Mandaste chamar-me, mãe. O que tens a dizer-me é realmente tão urgente? Sem repreender o tom desrespeitoso com que foram pronunciadas essas pa- lavras, Amina disse amavelmente: - Senta-te, meu filho, e escuta: teu avô chegará aqui para falar comigo a teu respeito. Eu sei que ele pretende mandar-te a uma escola. É verdade que tu ainda te sentes sempre indisposto e cansado? - Cansado estou sempre, mãe, mas isto não importa. Deixa-me ir à escola, peço-te! Sobressaltada, Amina revidou: - O que pensas, Maomé? O barulho e as maldades de tantos rapazes pode- riam prejudicar-te. Eles zombariam de ti, por teres tão poucas forças e por causa da tua palidez. Eles. . .
  • 5. MAOMÉ - 5 - Indignado, o menino interrompeu-a: - Se eu continuar em casa, nunca me tornarei um homem! No meio dos ou- tros as minhas forças manifestar-se-ão. Quero aprender, devo aprender. Quero ficar um homem sábio! Direi ao vovô que irei de muito bom grado à escola. Então podes dizer-lhe o que quiseres; ele me dará ouvidos. Sardonicamente, o menino torcia os seus membros franzinos, e o seu belo rosto fazia caretas. - Para que necessitarás de tanta erudição, Maomé? Inquiriu a mãe, que esta- va prestes a chorar. Durante quase um ano ela havia feito tudo para adiar o momento tão temi- do da separação do seu idolatrado filho, e agora ele mesmo por si desejava freqüen- tar a escola. - Por que eu desejo aprender, mãe? Perguntou Maomé, estendendo-se em cima de um dos tapetes no chão. Eu quero tornar-me um comerciante, mas não dos pequenos. Quero tornar-me o maior comerciante de toda a Síria, Arábia e suas adjacências. Todas as pedras preciosas devem passar pelas minhas mãos e todos os tecidos finos eu quero tocar. Para isso preciso saber ler e escrever e, antes de tudo, fazer contas. Ninguém deve lograr-me, mãe! As ricas cortinas da porta estavam sendo empurradas cuidadosamente, e uma mulher corpulenta em trajes de serviçal entrou. Mãe e filho volveram suas cabeças em sua direção. Enquanto Amina se deitava outra vez em sua cômoda posição, como es- tivera, Maomé levantou-se rapidamente num pulo muito ágil e pendurou-se no pescoço da mulher que entrou, a qual ficou sem fôlego com o embate. - Sara, Sara! Exultava com a voz completamente modificada. Será realidade; eu poderei aprender! Agora a mãe se queixou de que vovô tenciona mandar-me à escola. Ela outra vez não me compreende. Sem consideração jorravam as suas palavras, sem notar como ofendia com elas a sua mãe, para a qual ele era a única alegria. Sara, a velha ama, nesse ínterim afastou os braços magros do seu favorito, e deixou-o escorregar cuidadosamente ao chão. Aproximou-se com a familiaridade peculiar às velhas criadas. - A senhora não quer pôr trajes melhores, em consideração ao dono da casa, que a espera? Sugeriu ela lisonjeiramente. Amina sacudiu a pequena cabeça com as pesadas tranças. - Para ele tanto faz como estou vestida, replicou. - Assim a patroa é injusta, censurou a criada. Abd aI Muttalib nunca falta com suas atenções. As melhores pedras preciosas, as mais cintilantes pérolas e os mais finos tecidos da galeria, ele manda para a viúva de seu filho!
  • 6. MAOMÉ - 6 - Isso em nada impressionou aquela mulher tão mimada. - Eu fico como es- tou, disse ela. Além do mais, o tempo até a sua chegada é curto. Ainda temos muito a falar. Senta-te aqui conosco, Sara. A criada obedeceu sem objeção; ela parecia estar acostumada a tais conver- sações íntimas. - Eu não sabia que Maomé quer ir de bom grado à escola, começou Amina. Eu mesma sou contra, porque ele ainda está muito franzino para isso; também queria tê-lo comigo por mais um ano. - O que te adianta, se eu ficar contigo, mãe! Exclamou o menino com tei- mosia. Poucas alegrias te proporciono. Tu mesma o confessas, às vezes. E eu quero aprender, aprender, aprender! - Terás que te conformar, patroa, com o fato de que o menino está saindo da infância. Se é para ele tornar-se homem, então deve sair dos aposentos das mulheres e passar para as mãos dos homens. - Está bem, já que ele mesmo o deseja, que assim seja feito, suspirou a mãe. Mas, Sara, vejo um grande perigo para ele na escolha da escola. Abd aI Muttalib quererá mandá-lo para a escola municipal, onde são ensinados os rapazes da seita dos adoradores de fetiches. Maomé ainda não está firmemente instruído na nossa crença. Ele abandoná-la-á como um velho vestuário. - E a culpa de quem é, patroa? Perguntou Sara com indelicada intimidade. - Tu, atrevida, achas por acaso que eu faltei com minha obrigação de lhe ministrar os ensinamentos necessários? Replicou Amina, irritada. -Tuensinasteomenino,mas,emvivência,nãolhedesteexemplos.Quandopôde ele alguma vez ver que a tua crença oferece apoio,consolo ou estímulo para o bem? Maomé, que aparentemente não escutava, dirigiu-se para o lado onde Sara estava sentada. - Tens razão, Sara, disse ele carinhosamente. Da mãe eu não pude aprender tudo isso, mas sim de ti, bondosa como és, pelos teus exemplos. Novamente a cortante dor do ciúme feriu o coração da mãe. - Como podes julgar tão impiedosamente, meu filho? Disse em tom repre- ensivo. Quem rezou contigo desde que tens a idade suficiente para dizer sozinho uma oração? Quem te contou de Jesus, o crucificado? - Isso tu fizeste, mãe, foi a rápida resposta de Maomé. Mas enquanto tu apenas me fizeste imaginar o assassinato do portador da Verdade, Sara ensinou-me a amar o luminoso Filho de Deus, que, por amor aos homens, nasceu como criança numa manjedoura. Enquanto me ensinaste a dizer orações numa língua que nós dois não conhecemos, Sara conduziu-me aos pés do menino, para fazer minha prece. Essa resposta soou de maneira pouco infantil, mas provinha do coração do menino; perceberam-no as duas mulheres, cujos olhos se umedeceram.
  • 7. MAOMÉ - 7 - Após curto silêncio, Amina tomou a palavra: - Seja como for, o principal é que crês. Se amas Jesus, já estou feliz. Mas dize- me, meu filho, esse amor resistirá ao escárnio e à influência dos colegas? - Isso veremos, mãe. Hoje ainda não posso sabê-lo. Se a fé em Jesus é a Verdade, como vós dizeis, então ela vencerá sobre tudo o mais. Se assim não for, então perecerá. Para Maomé essa conversa séria já se prolongara muito. Outra vez ele levan- tou-se, deu um salto com inesperada agilidade e correu dali. As duas mulheres olharam-se mutuamente.Ambas amavam essa criança mal- criada, mais do que tudo o que existia no mundo. Mas enquanto a mãe ignorava cegamente os defeitos do filho, Sara procurava corrigi-los com todas as suas forças. Com amargura percebeu Amina que toda a ternura da alma do menino se dirigia à velha ama, pela qual muitas vezes ele chegou a esquecer completamente a mãe. Sempre que o ciúme lhe ardia no coração, ela pensava em afastar Sara. Porém, não podia imaginar a vida sem a ama que a criou. Ainda jovem, Sara chegou à casa dos nobres Haschi, onde Amina acabara de nascer, como a mais nova das seis filhas. Sara tratou e cuidou da criança com incansável fidelidade, conduziu os seus primeiros passos e cercou-a de cuidados até desabrochar numa linda moça. Então chegou o dia em que Amina devia acompanhar o seu esposo ao lar. Abdallah, o comerciante de jóias, que a escolhera para esposa, era rico. Descendia,como Amina,de uma estirpe nobre,do tronco dos Koretschi.Con- trariando os costumes da família, ele tornara-se comerciante. Era judeu, o que fez com que o pai dela, antes de tudo, retardasse repetidas vezes seu consentimento. . . Alguns dos seus antepassados haviam se convertido a essa estranha crença, à qual os netos se apegaram obstinadamente. Todos os membros da família de Ami- na, porém, adoravam os fetiches e sentiam-se protegidos e felizes. As leis rígidas dos judeus infundiam-lhes assombro. Porém, no dia em que o pai quis dar o seu não definitivo, Amina confessou com lágrimas nos olhos que há muito já havia abjurado a crença de seus pais e se tornado cristã. Seu pai e seu pretendente ficaram estupefatos naquele instante! Mas quando o pai quis expulsar a sua filha apóstata, Abdallah manteve de pé sua pretensão e levou a cristã para a sua casa, como esposa.Assim, também, ninguém precisava saber da deser- ção da fé da nobre moça.Aliviado, o pai olhava o futuro. Em companhia de Amina, Sara abandonou o palácio dos Haschi, para contrair matrimônio no mesmo dia. Chorando,Amina confessara que fora Sara que a introdu- zira na nova doutrina. A criada foi expulsa da casa e podia seguir o homem que há muito já era seu pre- tendente. Seu primeiro filho faleceu ao nascer, e assim pôde encarregar-se dos cuidados
  • 8. MAOMÉ - 8 - do pequeno Maomé, ao qual dedicou todo o amor e fidelidade, como uma mãe. Com lisonjas ela conseguiu que Amina se levantasse e que vestisse trajes me- lhores em consideração ao visitante. Mal se havia aprontado, já Mustafá anunciava o seu senhor. Amina sentou-se no divã, enquanto Sara colocava na mesa o café preparado às pressas, retirando-se em seguida para os fundos do aposento. Pois seria falta de decoro, se Amina tivesse recebido sozinha o visitante. Com dignidade Abd aI Muttalib entrou.Apesar de seu físico avantajado, via- se nele a linhagem da nobreza. Seus passos eram vagarosos e pausados, denotando consciência de si. Cabelos e barba de um branco-neve circundavam o rosto amare- lo-bronzeado, de onde os olhos castanhos lançavam um olhar perscrutador. Uma seda ricamente bordada, com tonalidades amarela e marrom, cobria o seu corpo robusto. A espada curva pendia da cinta, e correntes de pérolas adorna- vam-na. No indicador direito ele usava um anel com uma pedra excepcionalmente grande, de cor amarelo-marrom, que lhe servia de talismã e que nunca tirava. Calçava sapatos de couro com enfeites, forrados com seda, os quais usava somente dentro de casa. Suas saudações eram adequadas ao seu porte digno, mas com bastante frie- za. Ele havia se escudado com paciência e firmeza para enfrentar acertadamente todas as eventuais queixas da nora. Após ter sentado e tomado silenciosamente a primeira xícara daquela be- bida marrom, fixou o olhar em Amina. Será que ela sabia o motivo de sua vinda? Parecia que uma máscara ocultava seu rosto; nenhum traço demonstrava qual- quer comoção interna. Pausadamente ele começou a falar, contando a cada instante com uma das costumeiras e rápidas objeções da nora. Mas ele pôde expor com toda a calma todos os seus pontos de vista. Amina não falou nenhuma palavra. Quando disse tudo o que tinha a declarar, exclamou: - Vês, portanto, viúva de meu filho, que está no tempo de mandar Maomé à escola. Ela perguntou num tom indiferente: - Em qual escola o matriculaste, pai de meu marido? Perplexo ao ex- tremo, ele encarou a bela mulher. Tal reação ele não esperava e não achou de pronto uma resposta. - Nós aqui temos apenas duas escolas, disse ele, aparentando impassibili- dade. Uma é freqüentada pelos fidalgos, mas os professores pertencem à seita dos fetiches e não sabem nada; a outra pertence ao nosso templo, e o rabino Ben Mar- soch é um homem fundamentalmente erudito. Como Maomé nasceu numa família judaica, ele também deve crescer nesta crença.
  • 9. MAOMÉ - 9 - - Maomé é cristão, porquanto eu, mãe dele, pertenço a esta religião! Interrom- peu-o, agora, Amina, impetuosamente. Sua respiração ofegava, seus olhos faiscavam. Calmo e sorridente, contemplava Abd aI Muttalib a jovem mulher. - Até agora te deixei proceder com ele como te aprouvesse, porquanto eu sa- bia que os anos em que o menino crescia nos aposentos das mulheres eram poucos. Agora ele os abandonará e a sua educação passará para as minhas mãos. Eu, porém, sou judeu. Severas e altivas soaram essas últimas palavras. Novamente Amina tentou replicar: - Maomé ama a sua religião. Ele não a abandonará. Levarás inquietação à alma do menino. - Um garoto de seis anos ainda não possui convicção própria. Com prazer adotará a crença do seu pai como se fosse a sua própria. Não falaremos mais sobre isso. Inicialmente eu havia planejado encaminhar o menino somente no começo do próximo mês para a escola, mas vejo que será melhor desabituar-vos, a ambos, de pensamentos errôneos. Assim, ele vai hoje mesmo comigo. A partir de hoje morará junto comigo nos aposentos que o seu pai ocupou antes. Uma vez por mês ele pode visitar-te, enquanto essas visitas não vierem a contrariar a educação. O dono da casa falou. Não restava outra coisa senão obedecer. Sim, se Amina tivesse certeza de que Maomé se oporia a freqüentar a escola, ela teria lutado por ele como uma pantera. Esforçava-se para ocultar as lágrimas que sempre de novo lhe escorriam dos olhos e esperava o que Abd aI Muttalib ainda tinha a dizer. No mesmo tom reservado como até o momento, ele indagou se a viúva do seu filho não tinha falta de alguma coisa e se todos os seus desejos estavam sendo atendidos. Ela respondeu afirmativamente. Outra vez ele a mirou com um olhar inquiridor, como se ponderasse se era oportuno continuar a falar sobre aquilo que para ele era motivo de preocupação. Então esvaziou apressadamente duas dessas xícaras pequenas e disse: - Tu ainda és nova e bela, Amina. Não é justo que continues levando uma vida solitária, estendida no divã. Deus tirou-te o marido, mas pela nossa lei é per- mitido casar-se novamente. Abu Talib, meu filho mais novo, oferece-te por meu intermédio a sua mão. Ele quer manter-te como herança do seu irmão. Serás rica e respeitada. Outra vez estarás rodeada de alegrias como no começo do teu matrimônio. Calou-se e encarou-a cheio de esperança, mas Amina não respondeu. Bem ela sabia do costume, segundo o qual os irmãos mais novos pedem a viúva do mais velho em casamento, porém esperava escapar disso.
  • 10. MAOMÉ - 10 - Abdallah tinha sido um homem bonito, mas Abu Talib era corcunda e man- cava. Ela arrepiava-se ao lembrar um casamento com aquela figura disforme. Porém, disso não podia dar demonstração. Refletindo rapidamente, disse em voz baixa: - Pai do meu marido, agradeço-vos pela vossa benevolência, a ti e a Abu Talib. Eu jurei que, antes de passarem sete anos após a morte de Abdallah, não me casaria de novo. Essa promessa sustentarei. Assim lhe dou provas de todo o amor e devotamento que a ele devo. O ancião olhava para ela um pouco mais amável do que até então. -Essapromessatehonra,Amina.Geralmenteasviúvasnovasnãopodemesperar o tempo para um novo matrimônio.Direi ao meu filho que ele tenha paciência por mais doze meses.Então prepararemos o casamento.Em pompa e brilho nada há de faltar. Nesse momento, levantou-se. Julgou ter conseguido suas intenções. Podia vol- tar aos seus negócios.Antes de tudo, porém, devia procurar Maomé e levá-lo consigo. Devia ser evitado que sua mãe transmitisse quaisquer pensamentos ao menino. Nada havia a temer, pois em Amina os planos de casamento com Abu Talib apagaram todos os demais sentimentos. Horrível! Amina chamou Sara e desabafou todas as suas mágoas com a fiel criada. - Patroa, consolava esta, Abu Talib é um homem bom que também ama Maomé como se fosse seu próprio filho. Muitas vezes vi os dois juntos na melhor intimidade. Isso Sara não devia ter dito. Outra vez se inflamou o ciúme no coração tão facilmente impressionável da mulher. - Ele quer desviar-me o filho, para que mais depressa eu atenda aos seus desejos. Mas isso não acontecerá. Um ano de liberdade ganhei. Em um ano ainda pode acontecer muita coisa. Todas as tentativas por parte de Sara, no sentido de persuadi-la, eram inú- teis. A criada resolveu calar-se e deixar tudo entregue ao tempo. Mas, “em um ano pode acontecer muita coisa”, havia dito Amina. Não che- gou a passar a metade e a bela mulher achava-se deitada num esquife. Uma das do- enças epidêmicas que de vez em quando surgia, atacou-a traiçoeiramente e causou o fim de sua vida terrena. Sara havia tratado dela com fidelidade. Quando notou que a alma ia deixar o corpo, ela trouxe um crucifixo de marfim, para servir de consolo e apoio à agonizante. Muito tempo Amina olhou para a cruz e logo depois fechou os olhos. - Conta-me da criança em Belém, Sara, rogava com voz fraca. Tenho medo da morte e a cruz só conta disso.
  • 11. MAOMÉ - 11 - E Sara falou do amor misericordioso de Deus, daquele amor inapreensível, que mandou o próprio Filho para salvar a humanidade corrupta. Ela contou da vida do Filho de Deus e da majestosa entrada em Jerusalém. Mas isso não trouxe paz para a agonizante. Inquieta, virava a bela cabeça em cima do travesseiro, de um lado para o outro. Despercebido pelas mulheres, entrou no aposento o velho Abd aI Muttalib, não obstante saber que corria perigo de contágio. - Dize-me uma palavra que me tome mais fácil a morte, Sara, implorava a agonizante. A criada meditava. Nesse momento soou uma voz maravilhosa e cheia de paz, pelo aposento: “E ainda que eu esteja peregrinando no vale sombrio, não temerei nenhum infortúnio, porque Tu estás comigo!” Abd aI Muttalib pronunciou devagar e solenemente,com a mão direita estendi- da sobre a cama da viúva do seu filho, de sorte que a pedra amarelo-marrom reluzia. - Pai, sussurrava Amina, concordo que Maomé se torne judeu. Nunca ela o havia chamado de pai. Nessa hora em que ele trouxe consolação para a sua alma hesitante, esse nome lhe passou pelos lábios como coisa natural. E ele continuava a rezar salmos do rei, um após outro, até que se extinguiu a respiração dela e sua alma começou a desprender-se do corpo. Sara caiu em pranto, ao pé do leito. Amina, que ela amava como irmã, estava morta. Mas não era por isso que ela chorava. Suas lágrimas significavam o fracasso que devia trazer tão graves conseqüências. Nesse único momento em que Sara podia ter dado provas ao ancião de quanto mais consoladora e quantas mil vezes mais elevada é a fé cristã,acima de todas as outras crenças, nenhuma palavra lhe veio à mente. O corpo inanimado tinha de ser retirado o quanto antes possível da casa.Abd aI Muttalib cuidava de tudo que se tornava necessário para resguardar os demais da casa de possíveis perigos de contágio. Somente depois que os despojos tinham sido sepultados na cripta duma rocha, ao lado do pai, é que Maomé recebeu a notícia do falecimento de sua mãe. Ele pranteou aquela que somente lhe demonstrou amor, mas o seu luto não perdurou muito. Nos seus passeios mensais logo se acostumou a, em lugar da mãe, procurar Sara, que abandonara a casa de Abd aI Muttalib e morava agora na cidade, junto com o seu marido, em uma casinha agradável. Nessas ocasiões a velha serviçal esforçava-se para reparar o erro que julgava ter
  • 12. MAOMÉ - 12 - cometido, enquanto contava do menino Jesus, ao que Maomé escutava atentamente. Ele sabia que no leito de morte a mãe anuiu em que ele ficasse judeu, mas isso não o atingia. Com afinco ele procurou aprender tudo o que lhe foi dado na escola. Quando os professores falavam do prometido Messias, então delineava-se um sorriso prematuro na sua fisionomia. Ele sabia que o Messias já havia chegado e que fora assassinado pelo povo. Com energia, sempre usava a expressão “assassi- nado”, também perante Sara. Nesse momento, ela advertia-o e procurava provar-lhe que a morte na cruz era algo determinado pela vontade de Deus.Assim, certo dia, ele disse veementemente: - Se isto for assim, Sara, então tu me tiras a fé em Deus. Qual o pai que deixa voluntariamente assassinar o seu filho? E Deus, assim como eu escuto falarem Dele, é o melhor de todos os pais do mundo. Mas tu queres rebaixá-Lo! Apavorada, Sara encarou o menino, que ousava ter sua própria opinião, di- ferente em tudo das outras. - Maomé, segura-te firmemente em Deus, peço-te, implorava. Eu sou culpada por não te tornares cristão; assim sendo, torna-te pelo menos um judeu verdadeiro. - Isto ainda não sei, Sara, disse Maomé categoricamente. Não posso tornar- me judeu por amor à mãe morta, se nada em mim se manifesta a favor disso. Tam- pouco por ti, a quem mais estimo neste mundo, não poderei tornar-me cristão. Sim, se desse para fazer uma fusão entre as duas religiões, então, isso me agradaria. Sara inquietou-se devido à precocidade do menino. O que haveria de ser dele? Fisicamente ele se fortalecia, debaixo do regime masculino. A escola do tem- plo em Meca cuidava não somente do intelecto dos seus educados, como também não se descuidava do robustecimento dos corpos. Ao lado do rabino Ben Marsoch, um jovem grego ensinava os rapazes e ins- truía-os em diversas artes, principalmente em jogos e exercícios físicos. Por essa razão, muitos pais conceituados, que não pertenciam à religião ju- daica, preferiam mandar seus filhos à escola do templo. Nas aulas, porém, isso provocou certa divergência. Não podia dar certo ins- truir os adeptos dos fetiches juntamente com os judeus, na doutrina de Deus, em- bora sem embargo pudessem compartilhar as demais matérias. Assim os alunos de crença ferrenha formaram um círculo interno, o qual gozava de especial proteção do rabino Ben Marsoch. Após freqüentar um ano a escola, Maomé declarou não mais querer per- tencer a esse círculo. Não obstante, ele foi forçado com severidade inabalável a fre- qüentar as aulas com esse grupo. Toda resistência e teimosia de nada lhe adiantaram. Mais ou menos por um ano prolongou-se essa rebelião contra professor e instrução, sem que o avô chegasse a ter conhecimento. Então, sem qualquer motivo aparente, Maomé conformou-se. Da mesma
  • 13. MAOMÉ - 13 - maneira inesperada como há um ano, ele declarara a sua saída do círculo, agora pedia que lhe perdoassem a sua arbitrariedade e que o considerassem novamente como aluno ativo. Os professores regozijaram-se ante a incompreensível mudança no seu modo de pensar. Foi Sara que conseguiu fazer o menino compreender que ele prejudicava mais a si mesmo, enquanto se rebelasse contra a autoridade. - Aprende aquilo que te oferecem, Maomé! Ela havia dito inúmeras vezes. Tudo será útil,se o aprenderes direito.Mas se tu te recusas a escutar o que o rabino tem a dizer, como então quererás reconhecer o que é certo e errado nas suas oratórias? Essa foi a maneira certa de convencê-lo. Ele conformou-se e tornou-se um aluno esforçado. Depois de ter atingido mais de oito anos de idade, Maomé perdeu seu avô. Este faleceu suavemente, sem doença prévia, durante uma noite tranqüila. Atin- giu pouco mais de cem anos de idade; seu corpo repentinamente deixou de viver, enquanto seu espírito ainda mantinha vivacidade. Maomé nunca foi muito chegado ao avô. Foi a única pessoa que ele temeu. Agora, seu tio Abu Talib encarregou-se da sua educação. Isso tornou o me- nino feliz. Apesar do seu natural gosto pela beleza, não reparava nos defeitos físi- cos do tio, pois sentia intuitivamente apenas a infantil e pura alma do homem. Com grande amor Abu Talib veio ao seu encontro e fez tudo a fim de complementar, por meio da influência que exercia sobre sua alma, a educação na escola do templo, que era fundamentada exclusivamente em bases intelectuais. Maomé sempre o encontrava, quando nas suas horas de folga ia procurá-lo na casa paterna, da qual ele ficou afastado durante dois anos. O que Abu Talib lhe outorgou em valores interiores, ele o recebeu numa sensação de contínua felicidade, sem ficar consciente disso. A sua índole distraída e autoritária abrandou-se; nos seus olhos e na sua boca estampava-se um alegre sorriso em lugar do sarcasmo que tantas vezes deslizava sobre os mesmos. Com grande contentamento Abu Talib notou o desabrochar de Maomé. Ele pressentiu ricos tesouros na alma do rapaz e consagrou todos os seus esforços no sentido de trazê-los à tona. Foi por essa época que o rapaz foi atacado repentinamente por crises con- vulsivas inexplicáveis. Com um grito angustioso ele caiu no chão e ali ficou deita- do, debatendo os membros. Assustados ao extremo, os colegas afastaram-se dele. Enquanto isso, o rabino Ben Marsoch, que o julgou possesso, rezava diante dele sem obter resultado. Nin- guém ousava tocá-lo nesse estado, e ele debatia-se cada vez com mais violência. Finalmente chegou um médico. Dispunha de tudo para o tratamento e disse que as convulsões eram conseqüência do seu físico muito delicado. Não
  • 14. MAOMÉ - 14 - devia ser esquecido que o rapaz ainda não esquecera a morte de seu avô. Não devia ser forçado excessivamente com estudos. O rabino Ben Marsoch não quis compreender. Pois, como Maomé havia se tornado um excelente aluno, não lhe aprazia excluí-lo das aulas. Então o médico falou com o assustado Abu Talib. No seu amor encontrou uma saída. - Projetei uma longa viagem para a Síria, disse ele. Levarei o rapaz junto. O clima diferente e a contemplação de tantas novidades lhe farão bem. Depois que voltarmos, poderemos tomar nova decisão. O médico concordou e pouco tempo depois iniciaram a viagem. Abu Talib não era comerciante como seu pai e seu irmão Abdallah, e Maomé não sabia ainda qual era a sua ocupação, embora quisesse muito saber. Ele perguntou ao tio o motivo pelo qual ia empreender a viagem, mas este, que sempre respondera a todas as perguntas com a maior amabilidade, disse apenas sucintamente: - Tenho negócios na Síria. O rapaz tão ávido em saber, não podendo receber explicação, preocupou- se somente com os preparativos da viagem. Um considerável número de acompa- nhantes formava o séquito; para cada qual foi preparado um camelo magnifica- mente arreado. Admirado, Maomé corria de um camelo para outro. Ele viu que todos os xa- réus traziam igual insígnia, cada um no mesmo canto: uma espada curva, encimada por um pássaro multicor. - Que é isso? E o que significa? Queria saber. Mustafá explicou-lhe: - Esse é o brasão de tua família, dos Koretschi, rapaz. Com orgulho poderás também, um dia, usá-lo. - Mas tem de ter uma significação! insistiu Maomé, passando os dedos por cima da insígnia. - Sem dúvida, tem uma significação: como pássaro deveis elevar-vos, supe- rando a todos os outros, e com a agudeza da espada deveis saber combater. Nota bem, Maomé! Não te tornes comerciante como o teu pai, mas segue o exemplo de Abu Talib, e terás honra perante os homens e bênçãos em teus caminhos. - Qual a profissão que o meu tio exerce? Perguntou Maomé, ligeiramente alegre por encontrar uma oportunidade para a solução dessa tão importante ques- tão para ele. - Profissão? Disse o serviçal, nenhuma. Nisso virou-se para o camelo, sobre cujo lombo tratava de prender uma magnífica sela. Irritado, Maomé pisoteava o chão. Assim um empregado não podia res-
  • 15. MAOMÉ - 15 - ponder-lhe! Devia queixar-se a Abu Talib, porém, se o fizesse, seria descoberta sua curiosidade. Portanto, devia calar-se e aceitar a evasiva. Apressadamente correu para um dos outros serviçais e perguntou: - Qual é o camelo que irei montar? - Não sei, soou a resposta insatisfatória. O jovem senhor deve perguntar a Abu Talib pessoalmente. Finalmente chegou a manhã que deu início à viagem. O sol ainda não nas- cera no horizonte, e os camelos dos cavaleiros já esperavam no espaçoso pátio que circundava o palácio dos Koretschi. Uma enorme fileira de animais de carga espera- va fora, com seus tratadores que haviam sido contratados para essa viagem. Então Abu Talib saiu de casa e, servindo-se de uma escada, subiu na sua mon- taria. Todos os outros homens subiram, enquanto o camelo se agachava até o chão; somente ele, devido ao seu defeito físico, tinha de escolher essa outra modalidade. Mas, para Maomé, o que em outros homens talvez parecesse desprezível ou ridículo, isso, em Abu Talib, deu aos seus olhos um brilho fora do comum. Tudo o tio fazia diferente dos outros homens! E agora esse tio o chamava para servir-se igualmente da escada e subir para junto dele. Fê-lo apressado e tomou orgulhoso seu lugar na sela especialmente co- locada, sobre a qual devia fazer o percurso da viagem. Era magnífico que ele não tivesse que ficar só em cima de um camelo. Se assim fosse, durante horas não teria com quem conversar. E ele tinha tanta coisa a perguntar. Lentamente a caravana se pôs em movimento. Como um animal caminhava atrás do outro, formou-se uma longa fileira. Assim que deixaram Meca atrás de si, fi- zeram os animais acelerarem os passos. Tomaram o rumo monte abaixo, num declive amenizado em direção a noroeste, e a marcha dos camelos tornava-se cada vez mais animada. De início Maomé teve bastante oportunidade para apreciar, mas antes do pôr-do-sol, o seu interesse já arrefecera. A região tornou-se deserta e despovoada. Seguiam o rumo, à beira de um deserto. Quando começou a soprar um ven- to fresco, o mesmo levantava nuvens de areia que vinham ao encontro deles. Viaja- ram sem interrupção na primeira noite. o rapaz dormiu na sela. Somente na noite seguinte foram levantadas barracas. Com olhos atentos, Maomé acompanhava os afazeres do pessoal no acam- pamento. Viu como colocaram uma imagem horrenda, de pedra, ossos e farrapos, representando o fetiche; observou como eles dançavam em redor e como se alegra- vam em descansar debaixo de sua proteção. - Quem fez aquele objeto? Perguntou Maomé ao seu tio, junto ao qual vol- tou, preenchido de tudo o que havia presenciado. - Provavelmente um fetichista. Nós diríamos sacerdote, se é que um ateu como esse merece tal nome.
  • 16. MAOMÉ - 16 - - Então essa imagem não pode representar nenhum deus, nem tampouco proteger as criaturas humanas, uma vez que é feita pela mão do próprio homem, falou rapidamente Maomé, revoltado por ver tanta tolice. Como podem ser tão tolos os seres humanos e crerem em semelhante coisa! - Eles nada sabem de melhor. Ninguém lhes contou da existência de Deus, acalmava-o Abu Talib. - Por que ninguém lhes conta Dele? Indignou-se o rapaz. - Eles não compreenderiam, respondeu o tio calmamente. O pensamento de que existiam homens ao lado dele que seguiam caminhos falsos, unicamente porque ninguém se esforçava em indicar-lhes os certos, não mais abandonou Maomé. Ele, que nunca pensou nos outros, sentiu dor ao lembrar-se dos adoradores de fetiches, que até então não lhe fora dado observar. Os rapazes na escola nunca falaram dos seus deuses. Ele julgou que fetiche era um outro nome de Deus. Também notou que os rapazes da nobreza não se inco- modavam com assuntos de crenças. Isso lhe parecia menos antinatural do que esse comovente apego daqueles simples homens a esses costumes tradicionais. Esses novos pensamentos não o deixaram ter sossego. Durante a noite, le- vantou-se da cama e saiu da barraca, procurando refrescar-se ao ar livre. Ali se estendia sobre ele o céu estrelado na sua aparente infinidade. Cintilan- tes e vibrantes, essas luzes do firmamento davam testemunho da grandeza Daquele que as criou. Todos os pensamentos confusos e estranhos se afastaram do rapaz, o qual pela primeira vez sentiu na calada da noite as vozes do cosmo falarem a sua alma.Involunta- riamenteosseusbraçosselevantaramaoencontrodesseesplendoreinconscientemente afloravam aos seus lábios as palavras que ele aprendeu na escola: “Senhor,como são grandes e imensas as Tuas obras; tudo ordenaste sabiamente!” O que até então havia sido para ele matéria morta para aprender de cor, agora, nele tornou-se vívido. Sentiu a sua alma tomada por forças, às quais teve de curvar-se. Após ter passado o primeiro estremecimento, ele deixou-se cair na areia que ainda estava quente, colocou as mãos embaixo da cabeça e começou a meditar sobre a causa pela qual ele se sentira até oprimido dentro da barraca. Então novamente se lembrou dos pobres adeptos de fetiches. Como poderia ser possível que esses homens, noite após noite, vissem essas coisas e cressem nessas figuras de palha e farrapos! Devia vir alguém que lhes mostrasse algo melhor. O tio havia dito que eles não compreenderiam outra coisa! Será que alguém já empreendera uma tentativa? Devia ser possível convencer essa gente. Era um dever natural daqueles que sabiam melhor dar esclarecimentos aos outros. Durante horas ele ficou deitado quieto, meditando. Então, brotou-lhe do
  • 17. MAOMÉ - 17 - íntimo o resultado das suas reflexões: “Senhor, Deus de Israel, se ninguém o quer empreender, então eu o quero, assim que tenha idade suficiente para isso! Ajuda-me a fazê-lo.” Era a primeira prece independente que jorrou da alma do rapaz, e essa prece, sentida profundamente por amor a outros homens, achou seu caminho para o tro- no do Todo-poderoso. Suave paz invadiu o rapaz, como nunca sentira antes; uma esperança tranqüilizante e uma alegria sobre o porvir afluíram-lhe. Essa noite ele passou ao ar livre, e na manhã seguinte apareceu com os olhos tão radiantes diante de Abu Talib, que este não pôde compreender o milagre. Os dias transcorriam monótonos, mas Maomé, que tão depressa se enfadava de todas as coisas, entreteve-se com seus próprios pensamentos e conservou um alegre equilíbrio. Um dia surgiu uma agitação na caravana.O condutor aproximou-se deAbu Talib e perguntou se não achava preferível acampar o quanto antes, porque temia a aproxima- ção de uma tempestade de areia. No entanto, como se achavam pouco protegidos nesse lugar,Abu Talib achou aconselhável prosseguirem a viagem um pouco mais adiante. Umventoquentevinhaseaproximandodelespelascostas,trazendograndesmas- sas de areia consigo.Então,viram-se forçados a descer. Os camelos deitaram-se rapidamente e os homens procuraram proteger-se atrás e no meio deles.A areia caiu tão densamente,que ameaçou soterrar tudo o que estava vivo. O coração de Maomé batia fortemente.Não sentiu medo,pois estava por demais absorto nas emoções pelas quais havia passado. Trêmulos de susto, os cameleiros repentinamente começaram a entoar uma canção monótona, cujo texto Maomé não pôde entender. Um dos homens moveu- se agachado, e arrastou-se para o camelo da frente, sobre cujas costas colocou e amarrou uma das abjetas figuras de fetiche. Esta inclinou-se no vento, foi sacudida, mas ficou de pé. Então os homens começaram a regozijar-se: o seu fetiche dominaria a tempes- tade e eles seriam poupados. Na alma do rapaz algo começou a agitar-se. Será que esse hediondo ídolo do- minaria? Antes mesmo que Abu Talib pudesse percebê-lo, Maomé saiu do seu abrigo; deslizou serpenteante até o camelo da frente e subiu nas suas costas, de sorte que ficou ao lado do fetiche, em pé. Um grito de muitas gargantas ressoou. Todos o advertiram de que voltasse ao seu lugar seguro e de que seria sua morte, se não o fizesse. Com gesto autoritário movi- mentou a cabeça para trás.
  • 18. MAOMÉ - 18 - Nesse instante parecia que por alguns minutos a ventania parou,e o rapaz apro- veitou essa pausa para exclamar aos homens o que agitava sua alma: - Por que eu não haveria de ficar aqui tão bem quanto o vosso fetiche? Se ele não está em perigo, eu estou muitas vezes mais seguro. Sabeis que ele foi feito por mãos humanas, mas eu fui criado por Deus! Por Deus, o mais supremo nos céus e na Terra! Escutai, ó homens! Eu sou criatura de Deus e serei o Seu servo quando alcançar a idade em que Ele poderá precisar dos meus serviços! Perplexos, os homens fitavam-no. O que ele disse? A tempestade continuou. Maomé teve de calar-se. Mas ele permaneceu em pé. E nem se segurou. Orando, estendeu os braços ao céu. Isso já se tornara um hábito para ele, desde a noite em que sentiu aquela profunda emoção na alma. Sua figura esbelta oscilava na tempestade, porém, nada lhe aconteceu. E outra vez a ventania parou por uns instantes. Então Maomé exclamou, extasiado: - Pedi a Deus, o Todo-poderoso, que a tempestade cessasse. Cessará se tirardes o fetiche daqui. Quereis fazê-lo? Ele vos mostrou que não pode proteger ninguém.Agora deixai que eu vos mostre que Deus, o Senhor, pode! Comoquedominadopelaspalavrasinfantis,umdosárabeslevantou-seearran- cou dali o fetiche.Com isso ele chegou a rolar no chão e a imagem caiu no meio de suas pernas, quebrando-se. O que certamente para eles teria significado um mau augúrio, agora lhes parecia uma prova ditosa do poder Divino. Uma única rajada de vento levantou-se ainda e varreu para longe no deserto os farrapos do ídolo. Então o vento cessou. O ar acalmou-se e os animais respiraram e levantaram-se. O temporal passara. No meio dos homens contentes, encontrava-se em pé o rapaz, dominado pelo acontecido. Tudo isso veio sem que ele pudesse antecipadamente raciocinar e sem que pudesse tornar-se consciente da transcendência das suas palavras. Ante esse acontecimento sentiu-se arrebatado e fortalecido. Quão grande era Deus,quão Todo-poderoso! E ele pôde anunciá-Lo! Realmente,Deus já agora se utiliza- ra dele.Agora também consagraria a vida inteira a Ele. Caminhou devagar para a sua montaria e nela subiu.Depois de sentar-se,encos- tou-se inconscientemente no tio. Abu Talib compreendeu o que se passava na alma do rapaz. Não disse nenhuma palavra sobre o que havia se passado. Também não corres- pondeu à inconsciente carícia. Deixou Maomé recuperar sozinho o equilíbrio anímico. Seguiram-se dias calmos e repletos de paz.Abu Talib percebeu que o rapaz pas- sava por uma transformação íntima, para a qual qualquer palavra humana seria supér- flua. Deixou-o completamente entregue aos seus pensamentos e apenas cuidava para que ele não se esquecesse de comer.
  • 19. MAOMÉ - 19 - A região mudou de aspecto. Na direção que seguiam, começou uma subida suave monte acima. O deserto de areia ficou para trás. Para onde quer que dirigis- sem seus olhares, viam rochas cobertas de vegetação e lindos pomares. - Isto é a Síria? Perguntou Maomé, como que despertando de um sonho. Abu Talib confirmou que sim e que dali para frente tudo haveria de ficar cada dia mais belo. - Para onde iremos na Síria? Como se chama a cidade onde ficaremos? In- terrogou o rapaz. Ficou surpreso ao saber que dependeria das notícias que o tio aguardava para a próxima noite. - Chegaremos amanhã num convento, onde encontraremos algum recado. Nisso se baseará a continuidade da minha viagem. Nesse convento moram somente homens devotos, que são servos de Deus, Maomé. Terás prazer em vê-los e em po- der falar com eles. - São judeus? Perguntou solicitamente o rapaz. - Não, são cristãos, e afirmam ter sido um dos discípulos de Cristo que fun- dou a comunidade. Talvez eles te contem sobre isso, se solicitares. - É conveniente para mim escutar uma vez verdadeiros cristãos, declarou o rapaz. Com exceção de Sara, ainda não vi nenhum. - Tua mãe também era cristã, não o esqueças, rapaz, admoestou Abu Talib; porém, como resposta, obteve: - Ah! eu também ainda era novo, quando mamãe vivia, mas sempre senti que ela não dava muita importância a sua crença, pois com a Sara eu aprendi mais do que com ela. - Mas era uma boa mulher; tu ainda não podes julgá-la acertadamente, repe- liu Abu Talib, a quem doeu escutar o filho falar dessa maneira sobre sua mãe. Entretanto, essa leve repreensão não impediu Maomé de defender a sua opi- nião. Em muitas coisas, intimamente, o tio tinha de dar-lhe razão. Por isso achou mais acertado interromper a conversa. Ao anoitecer do dia seguinte, chegaram a um convento, que se encontrava situado numa fértil planície, no meio de pomares em florescência. Monges vestidos com longas batinas de cor marrom e com uma corda branca amarrada pelos qua- dris, trabalhavam nas árvores e nos canteiros. Com a aproximação da caravana eles levantaram os olhos. Então dois deles chegaram ao portão,o qual se achava no baixo muro branco que cercava aquele imen- so terreno. O portão foi aberto, mas somente Abu Talib, com sua montaria, entrou, enquanto, após ligeira chamada, a caravana se pôs novamente em movimento.
  • 20. MAOMÉ - 20 - Um pouco assustado, Maomé olhou para os companheiros, que iam seguin- do viagem: - Para onde eles vão? Ficaremos sozinhos aqui? Interrogou, um tanto ame- drontado. Abu Talib não teve tempo para responder. Com muita dificuldade ele desceu de sua montaria, que estava bem adestrada para suportar com paciência todos os movimentos do seu aleijado cavaleiro. Maomé saltou atrás com agilidade e, quando se defrontou com os monges, olhou admirado em redor de si. Um outro irmão, que acorrera, pegou nas rédeas e conduziu o camelo para fora dali. E este também desapareceu. O rapaz sentiu um mal-estar. Involuntariamente ele pegou na mão de Abu Talib e disse imperiosamente: - Tu ficas aqui! Com isso os monges tiveram a sua atenção voltada para o jovem hóspede. Nos seus rostos estampava-se a admiração, mas não perguntaram nada; conduzi- ram os hóspedes para o interior do convento, onde estava preparado um aposento para receber Abu Talib. Prontamente prepararam também uma cama para o rapaz e serviram a am- bos uma ligeira refeição. Depois disso, os irmãos retiraram-se e deixaram tio e rapaz entregues ao repouso da noite. Maomé muito quis saber: por que os monges usavam esses hábitos compridos; por que não tinham cintos bordados, mas sim essas longas e feias cordas cheias de nós. Abu Talib explicou da maneira que sabia. A pergunta que ele esperava, antes de todas, não foi pronunciada. Então, ele mesmo a fez, embora não soubesse nenhuma resposta para ela. - Tu viste, Maomé, que todos esses monges têm os cabelos tosados no mesmo lugar. Sabes por quê? Sem hesitar o rapaz respondeu: - Eu penso que eles rasparam os cabelos para que a força de cima possa pe- netrar melhor neles. - A força de cima? Perguntou Abu Talib admirado. O que sabes disso? - Eu mesmo a senti, replicou Maomé, resoluto e sem a mínima vaidade. Um monge entrou e trouxe notícias para o tio, o qual se aprofundou nos pa- péis a ele entregues e ordenou que o rapaz fosse deitar. Este achou muito esquisito não poder fazer sua oração ao ar livre, conforme já se tornara hábito para ele, desde há pouco tempo. Antes mesmo que ele chegasse a resolver se podia pedir para sair para fora, no pátio, Abu Talib levantou-se e deixou o aposento. Então o rapaz rezou em pé, na frente da sua cama, e logo depois se deitou, adormecendo rapidamente. Na manhã seguinte o tio levou Maomé à presença do superior do convento.
  • 21. MAOMÉ - 21 - Abade Paulo ainda era um homem moço, com olhos ardentes e traços severos. Lan- çou um olhar penetrante no rapaz. - É como nós presumíamos, disse, dirigindo-se depois para Abu Talib, po- rém eu quero mandar chamar o padre Benjamin. Ele verá melhor do que eu o que pode ser visto. O padre foi chamado. Os homens esperaram em silêncio e Maomé, que se sentiu deprimido por algo inexplicável, nem levantou os olhos, que estavam sempre tão sedentos de saber. Então entrou um homem de idade, o qual, obedecendo à chamada do abade, colocou-se ao lado deste e inquiriu Maomé: - De que crença és, meu filho? Este levantou rapidamente os olhos e replicou sem raciocinar: - Sou da crença de que os adoradores de fetiches devem ser auxiliados. Abade e padre trocaram um rápido olhar. Abu Talib, porém, embaraçado com a resposta do rapaz, dirigiu-se a este explicando: - Tu entendeste mal a pergunta do padre. Ele queria saber a que crença per- tences; se és pagão, judeu ou cristão. Maomé encarou o padre. - Não sou nada, respondeu com impassibilidade. Aí, Abu Talib assustou-se mais ainda e quis dar esclarecimentos ao rapaz; entretanto, o abade interrompeu-o: - Deves ter nascido em alguma religião e nela recebido ensinamentos. A esta, então, pertences, não é, meu filho? Maomé sacudiu a cabeça, característica de sua índole liberal. - Eu nasci como cristão, mas ainda não cheguei a conhecer verdadeiros cris- tãos. Depois cresci entre judeus e fui ensinado junto com judeus e fetichistas. Não sou cristão; judeu também não gosto de ser, porquanto a sua crença estagnou e não pode ir adiante. Então, encontrei Deus, bem sozinho. Agora só posso dizer: eu sou Maomé, que crê em Deus! O embaraço de Abu Talib aumentava cada vez mais; o abade, todavia, lançou um olhar bondoso para o rapaz e disse: - Se aquilo que dizes,com toda a tua convicção e de toda a tua alma,estiver certo, então está bom. Seja sempre Maomé, que acredita em Deus, até achares algo melhor. O padre Benjamin dirigiu-se outra vez ao rapaz: - Em que reconheceste que Aquele que achaste é realmente Deus? Com a rapidez de um raio veio a resposta: - Na Sua grandeza e onipotência. Ao proferir essas palavras, parecia a Maomé que forças invisíveis o elevavam. Teve tonturas.Vastas planícies estendiam-se diante dos seus olhos espirituais e uma cla- ridade rodeou-o.
  • 22. MAOMÉ - 22 - Isso levou apenas poucos instantes, então ele tornou a si, porém uma grande sensação de felicidade íntima o dominava. O mais novo dos padres entrou e recebeu ordem para mostrar a Maomé o jardim do convento. Assim que os dois saíram do aposento, o padre Benjamin disse pensativo: - E como esperávamos, pela mensagem que nos foi dada: esse rapaz é algo fora do comum. Deus, o Senhor, destinou-o para levar o Seu saber a longínquas regiões. Um portador da Verdade ele deverá ser, não somente para o seu povo, como também para inúmeros homens da Terra. - Queres confiar-nos o rapaz, Abu Talib? Perguntou o abade. Com muito prazer formaremos a sua alma. Certo é que ainda não tivemos alunos tão jovens no convento, mas também nunca alguém com dotes tão extraordinários cruzou nosso caminho. Após um breve entendimento,o tio concordou e o rapaz foi chamado. - Escuta,Maomé,tomou o abade a palavra,quando o rapaz se encontrava ansio- sonasuafrente,seutiorecebeunotíciasqueochamamalugaresdistantes,paraondenão poderá levar-te. Como disseste que ainda não tiveste a oportunidade de conhecer cris- tãos,entãovamosoferecer-teestaocasião.Ficaconosconoconvento,enquantoAbuTalib irá prosseguindo sua viagem.Tu podes aprender tudo aquilo que nós próprios sabemos. Incerto,MaoméolhavaparaAbuTalib.Seráqueotioestavadeacordo?Omelhor seria convencer-se disso,antes de responder. - Tu aprovas que eu fique? Perguntou.Abu Talib acenou afirmativamente. - Então eu fico com boa vontade convosco no convento, porquanto me agrada aqui. Mas para que não vos arrependais de me ter dado internato, quero dizer, desde já, que até agora sempre tenho imposto a minha vontade. O abade fez menção de dizer algo em resposta, mas Maomé não o deixou e con- tinuou: - Obedecerei aqui, mas nem sempre o conseguirei logo; por isso digo-o anteci- padamente. Essas palavras foram pronunciadas de maneira tão infantil,que conquistaram os corações do abade e do padre. Eles asseveraram que o tolerariam de bom gosto ao redor de si e que a vida simples e regrada do convento já por si sufocaria qualquer vontade própria. Tudo se passou com tanta rapidez, que o rapaz quase não teve tempo para refle- xões. Abu Talib partira, e Maomé encontrava-se numa pequena cela, que de agora em diante lhe serviria como morada.Ainda não havia conseguido saber qual a profissão que o seu tio exercia! Isso o preocupava muito. Maomé podia tomar parte nas refeições com os alunos mais novos do convento; também foi admitido nas aulas, depois de um exame que provou ter ele sido excelente- mente preparado na escola do templo de Meca.
  • 23. MAOMÉ - 23 - Em pouco tempo, apelidaram-no de “pequeno escriba”, expressão esta que provocou indignação da parte de Maomé. Doutor nas escrituras sagradas ele não queria ser.“Experiente da vida” parecia-lhe ser melhor. Como agora lhe sobravam algumas horas do dia, durante as quais os outros se extenuavam em adquirir um saber que ele já possuía, foi decidido que durante as horas vagas ajudasse o jardineiro. Isso foi motivo de grande alegria para o rapaz, que era tão ligado à natureza. Ele encurtava o repouso unicamente para poder estar o mais possível no jardim. Diversos trabalhos lhe couberam, para os quais as suas mãos de criança possuíam uma habilidade especial, e o que tocava desenvolvia-se bem. Se algumas vezes chovia fortemente, impedindo-o de ficar ao ar livre, então se ocupava com um trabalho na cela, ao qual se dedicava espontaneamente: escrevia textos da doutrina judaica, que lhe pareciam conter algo da doutrina cristã. Logo depois começou a procurar contradições entre as duas. Havia recebido permissão para perguntar sobre tudo aquilo que lhe pareces- se duvidoso. Uma das primeiras perguntas foi sobre a morte de Jesus na cruz. - Por que Deus, o Todo-poderoso, permitiu que Seu Filho fosse assassinado? Perguntou com insistência. Os monges olharam-se e ficaram embaraçados. Um repreendeu-o por pen- sar de tal modo. - Tu não deves falar aqui de assassinato, disse. Jesus Cristo morreu para tra- zer à humanidade o resgate de suas culpas! - Nisso eu não acredito, retrucou o rapaz com veemência. A salvação, o Filho de Deus trouxe-a aos homens através de sua presença e de sua Palavra. Sua morte apenas aumentou enormemente a culpa dos homens.Que Deus,o Senhor,não quisesse arrancar a humanidade do abismo, isso eu compreendo. Ela era má demais. Mas que Ele deixasse ficar o Filho para vítima,isso para mim é incompreensível e incompatível com o Seu ser. - Muita coisa mais ainda não entenderás, soou a resposta insatisfatória do abade. Desse modo, Maomé não foi auxiliado, e então procurou de novo encontrar sozinho as respostas. Às vezes se insinuava a tentação: “Não cismes! Joga fora tudo isso como coisa incompreendida. Vive alegre e contente todo o dia, assim como ele se apresenta, e não o ensombres por ti mesmo com raciocínios, para os quais ainda és muito novo.” Por pouco teria cedido a essas vozes que impulsionavam o seu íntimo, po- rém, a sua experiência vivencial ainda pairava luminosa e bastante nítida diante de sua alma. Ele tinha que continuar a pesquisar. Uma palavra de um jovem padre veio lançar um pouco de luz na torrente de seus pensamentos impetuosos. Esse jovem professor certo dia esclareceu aos alu-
  • 24. MAOMÉ - 24 - nos a necessidade da disciplina no convento. Sem ela cada um faria o que bem lhe aprouvesse, porquanto, embora Deus tenha concedido ao homem o livre-arbítrio para proceder como quiser, pela sua própria vontade, o homem não sabe aproveitar esse dom; por isso deve subordinar-se à disciplina terrena! A palavra “livre-arbítrio” vibrou em Maomé. Com esforço dominou o im- pulso de fazer, já durante a aula, mais perguntas a esse respeito. No final da aula, todavia, Maomé procurou o padre e fez suas perguntas, as quais deram provas de uma vivacidade intrínseca. O monge esforçava-se seriamente para acalmar a alma do rapaz. Ele, aliás, nunca se ocupou com tais ponderações, mas pôde penetrar intimamente nas idéias de Maomé. - Pondera nisso uma vez,padre,exclamou entusiasmado.O livre-arbítrio é uma das maiores dádivas que Deus deu à humanidade! Se o empregarmos certo, então, po- deremos ascender às alturas, ao passo que do contrário ficaremos sempre presos. O doutrinador não respondeu. Esses pensamentos eram altos demais para ele. O rapaz, porém, continuou: - Por isso Deus também não interveio, quando Cristo foi assassinado. Ele tinha que deixar os homens sofrerem as conseqüências do seu próprio querer. Real- mente, Ele é grande, acima de toda a imaginação humana! E eu, tolo, queria acusá- Lo justamente por isso! - Rapaz, pensa no que dizes; como podes atrever-te a falar dessa maneira do Todo-poderoso! Repreendeu o professor, pois ele não era mais capaz de seguir os pensamentos do jovem. - Apenas me arrependo do modo de pensar anterior, defendeu-se Maomé. Então calou-se. Tanta coisa lhe afluía intimamente em reconhecimentos, que ele não dava conta de tudo. Mas o padre foi procurar o abade, para informar-lhe sobre a conversação. - Já te disse, padre Jakobus, sorriu o superior, que Maomé é um rapaz extra- ordinário. Tu não podes exigir que o espírito infantil compreenda as grandes coisas, como um homem maduro pode compreender. Não o intimides, senão ele perde a confiança em ti e em todos nós. Isso seria grave, porque não poderíamos controlar o que se passa nele. Em vista dessa palestra, o abade resolveu encarregar-se sozinho da educação do rapaz. Concedeu-lhe diariamente uma hora, durante a qual ele podia ficar tra- balhando ao seu lado e formular as perguntas que quisesse. Isso agradou a Maomé, e ele envidou todos os esforços para aproveitar essa oportunidade que lhe fora facultada. Quanto mais paciência o abade demonstrava, tanto mais liberais ousavam sair as perguntas de sua alma. Abade Paulo nunca lhe chamou a atenção sobre expressões audaciosas, mas
  • 25. MAOMÉ - 25 - também nunca lhe deu demonstração de que não estava à altura para acompanhar os seus elevados pensamentos. Já há muito examinara os escritos de Maomé, e ficara admirado com que nitidez o rapaz descobrira as diferenças entre as duas doutrinas. Desse modo se passou mais de um ano. No maravilhoso clima da Síria, Ma- omé recuperava-se. As perigosas crises convulsivas, que ainda algumas vezes se re- petiram, desapareceram, no entanto, nos últimos meses. Os monges fizeram de tudo para fortificar o seu corpo, mas para o espírito pouco puderam fazer. Ensinaram-lhe tudo o que sabiam e tiveram de passar pela experiência de que, com poucas palavras, o aluno demolia sempre qualquer edifica- ção das suas sabedorias erigidas em bases artificiais. Um dia, abade Paulo perguntou: - Então, Maomé, agora já conheces verdadeiros cristãos. Comparaste a nossa doutrina com a dos judeus. Para qual das duas te sentes atraído: queres ser cristão ou judeu? - Nenhum dos dois, confessou francamente Maomé. O judaísmo foi maravi- lhoso, da maneira como foi iniciado. Mas então os homens perverteram-no, e agora estagnou, porque os tolos ainda esperam o Messias, em vez de reconhecerem que ele já peregrinou pela Terra. Agora o judaísmo nunca mais progredirá. Excluiu-se da própria vida. - E o cristianismo? Animava-o o abade, ao qual agradaram as ponderações do jovem. Como encaras o cristianismo? - Seria a continuação do judaísmo, disse Maomé meditando. Reconheceu o Messias, mas não faz desse reconhecimento o uso devido. - Rapaz, como tu entendes isso? Perguntou o abade, espantado. Ele pôde escutar meio divertido, quando o jovem falou com menosprezo da doutrina dos judeus, mas como agora se referia de maneira idêntica ao cristianis- mo, não conseguiu mais calar-se. Maomé replicou calmamente: -Vós reconhecestes Cristo como o Filho de Deus,que trouxe a salvação.Porém, agora disputais sobre quem de vós o interpreta com mais precisão. Fazeis desse reco- nhecimento um assunto do raciocínio, em lugar de um assunto do espírito. Em vez de aspirar às alturas pela Verdade que ele trouxe, ficais parados no mesmo lugar e deixais a Verdade escapar pelas vossas mãos, até que ela se torne completamente vulgar. Expressão e palavra não eram mais as de uma criança. Estupefato, o abade olhou para Maomé, que ousou dizer-lhe tais coisas. Como isso era possível? Em nenhum instante lhe surgiu o pensamento de que Maomé, sendo
  • 26. MAOMÉ - 26 - um enviado da Luz, estaria realmente em condições de trazer a ele, o inteligente abade, Luz e Verdade. Sentiu vontade de escutar mais, por isso perguntou-lhe: - Como imaginas a crença verdadeira, se repudias uniformemente o judaísmo e o cristianismo? - Sobre isso já meditei muitas vezes,foi a resposta surpreendente.Devia-se fazer a tentativa de conseguir a transição do judaísmo para o cristianismo, porém espiritua- lizá-lo, porquanto a fé é uma atribuição do espírito, e não do intelecto. Perplexo, o abade fixou os olhos no seu interlocutor, não conseguindo quase mais segui-lo. - Isso não vem de ti, rapaz! Exclamou. Quem te disse tudo isso? Quem te ensi- nou a pensar assim? - Isso surge em mim à noite,quando faço a minha prece,e eu o retenho porque sinto que é verdade. Logo que eu tiver alcançado mais idade, então pedirei a Deus para ajudar-me a encontrar a verdadeira crença, que possa ser ensinada aos homens. Essa crença conterá então a força para conquistar o mundo e conduzirá todos os homens aos pés do Criador, em gratidão e veneração. Comovido,o rapaz calou-se.O abade,no entanto,em vez de deixar atuar sobre si essa sabedoria, que não proveio desta Terra, desejou saber: - Com quem já falaste sobre isso, Maomé? - És o primeiro, soou a resposta, mas agora estou arrependido por tê-lo feito, porquanto tu não recebes aquilo que eu disse no sentido como me foi dado. Sempre queres medir tudo pelo teu cristianismo, em vez de distinguir que Deus quer te ofere- cer aqui coisa melhor! Se, porém, durante a refeição não esvaziares bem a tua tigela de comida do dia anterior, como pode caber coisa nova nela? Sobre a face do rapaz faziam-se notar contrações.A agitação e a tensão tinham sido demais para ele. Sinais de novas convulsões surgiram. Apesar disso, continuou a falar por um impulso íntimo que predominava nele: - Não achas, abade Paulo, que eu tenha sido conduzido para o teu convento para fazer-te ver isso? Deus às vezes se serve de pequenos instrumentos para fazer gran- des coisas.Escuta-me,porquanto eu sei que Deus manda por meu intermédio dizer-te: tira o cristianismo intelectualizado do teu coração e do teu convento e aceita o que o espírito te oferece! Mais ele não pôde falar, pois a pertinaz doença o atacou com grande intensida- de. Com menosprezo o abade olhou para esse débil instrumento de Deus. - Rapaz, quem te deu coragem de falar assim comigo? Tua altivez e tua pre- sunção merecem castigo! Agora te chamarei à ordem, murmurou o abade, enquanto deixava o aposento a fim de chamar um irmão servente para cuidar do jovem. Nessa noite Maomé escutou uma voz alta, que o chamou pelo nome. Ele sabia que não era terrena e imediatamente respondeu.
  • 27. MAOMÉ - 27 - Então a voz lhe ordenou que deixasse o convento ainda antes do ama- nhecer. Se caminhasse em direção ao sol nascente, chegaria a uma cidade onde deveria perguntar pelo devoto irmão Cirilo. “Senhor, sou Teu instrumento e farei o que me mandas!”, rezava Maomé. Por essa razão pegou os poucos objetos da sua bagagem e fez uma trouxa, saindo cautelosamente para o pátio. Observando e espreitando atentamente, viu que um dos pequenos portões laterais não estava fechado. Conseguiu passar. Aliviado, encontrava-se fora do muro. “Todos hão de pensar que estou temendo o castigo do abade”, murmurou algo nele. Hesitante, meditou: “Não seria um ato mais corajoso eu voltar e enfren- tar a pena que me foi imposta?” Logo, porém, superou essa tentação. “Eu o faço por ordem de Deus!”, disse ele em voz alta, “portanto, não devo incomodar-me com o que os homens pensam e dizem de mim. Sou Ma- omé, o instrumento de Deus! Vós, homens, sois indiferentes para mim!” Para certificar-se da direção do seu caminho, lançou um ligeiro olhar em redor de si e então caminhou corajosamente para frente. Em geral, após os acessos de convulsão, ele não podia deixar a cama por dois ou três dias. Foi uma visível ajuda de Deus! Quando o sol nasceu, sentiu fome. Ele não pôde levar provisões de víve- res consigo, e os figos nas inúmeras árvores e arbustos ainda não estavam ma- duros. Então sorriu da fome. O Deus, que deu forças aos seus débeis membros para caminhar, também o ajudaria a achar alimento. Na beira do caminho encontrou uma pequena propriedade, porém ele quase não a percebeu. Então ressoou a voz de uma mulher: - Rapaz, queres ganhar uma merenda matinal? Ligeiro como uma lebre, virou-se e respondeu afirmativamente. Então a mulher encarregou-o de tirar de uma árvore alta um precioso pano de seda que o vento havia carregado para lá, durante a noite. - Tu és bastante esbelto para tal trabalho, disse, enquanto mirava a figura delgada. Sem mais delongas, Maomé tratou de subir na árvore. Com a costumeira agilidade com que fazia tudo, tirou a seda e a trouxe incólume. A mulher ficou satisfeita e não foi mesquinha na sua recompensa; deu-lhe comida e bebida com fartura, de sorte que até sobrou, e ele pôde levar as sobras consigo. Então, ao continuar sua peregrinação, agradeceu a Deus de todo o co- ração e formou suas palavras de agradecimento à maneira dos salmos, num cântico de louvor:
  • 28. MAOMÉ - 28 - “Grande é Jeová, o Senhor! Infinitamente grande e majestoso é Ele! E, todavia, nada Lhe é insignificante demais para que não o transforme num instrumento, desde que o mesmo tenha boa vontade. Grande e majestoso é o Senhor! E sempre se lembra dos humildes e os ajuda até nas mínimas necessidades. Antes mesmo de pedirem, Ele atende, porquanto Sua misericórdia é infinita. Louvai-O, todas as criaturas que Ele criou! Todos os vossos atos deviam ser um louvor ao Todo-poderoso! Ínfimos que sois, não devíeis pensar em vós mesmos. Pensai em Deus, agradecei-Lhe”. Maomé entoava sempre de novo o seu salmo, que lhe dava prazer. Então veio um tropeiro no caminho, com um burro bem alimentado. - Escuta, pequeno cantor, para onde queres ir? A pergunta foi feita com tanta bondade, que Maomé respondeu prontamente: - Para a próxima cidade, em direção ao sol nascente! - Então monta, meu burro pode carregar-te bem, e os teus cânticos podem encurtar-me o caminho. Canta outra vez a canção que acabaste de cantar. “Senhor Deus, agradeço- Te!” exclamou o rapaz, entusiasmado. “Eu estava cansado, mas não Te quis dizer, depois de teres me fartado de alimento! Agora dás outra vez, antes de eu pedir!” E com entusiasmo entoou seu canto de louvor e cantou-o duas vezes, em gratidão e felicidade. Ao tropeiro agradou o esperto rapaz; com muito gosto tê-lo-ia sempre em sua companhia. Talvez o jovem estivesse à procura de serviço; então, se o aceitasse, ambos seriam ajudados. - Quem vais procurar na cidade? Indagou. Sou muito conhecido lá e posso conduzir-te logo ao destino certo. Maomé meditou um instante. Devia dizer aonde queria ir? Mas para alguém teria de perguntar e por que não a esse homem simpático. Então ele disse calmamente: - Tenho de ir ao devoto irmão Cirilo. - Ao irmão Cirilo? Esse eu conheço de fato, disse o homem, que via desfaze- rem-se suas esperanças. E o que queres com ele? - Mandaram-me a ele, e ele sabe o porquê. Essa resposta pareceu muito misteriosa ao homem, e perguntou mais: - De onde vens? Sem medo, Maomé disse o nome do mosteiro. Tornou-se evidente ao tro- peiro que o rapaz era um aluno do convento, que empreendeu a peregrinação por ordem do seu abade. Um desses não devia ser desviado da sua vereda.
  • 29. MAOMÉ - 29 - Conversou alegremente com Maomé, mostrando-lhe a cidade que surgia no horizonte e o conduziu, ao anoitecer, com segurança até lá. Então descreveu-lhe o caminho que levava ao devoto Cirilo e despediu-se. A Maomé agradou bastante poder caminhar novamente, após tão longa ca- valgada. Bem-disposto, andava pelos becos e ruazinhas até que chegou ao portal que lhe foi descrito pelo tropeiro. Bateu algumas vezes, mas em vão. Então experi- mentou abrir o portão, porém estava fechado. “Deus não me mandou até aqui para deixar-me ficar parado em frente de um portão trancado”, disse ele a meia voz. Nesse momento uma voz amável o chamou: - O que queres neste lugar bom, no lugar de descanso dos mortos, rapaz? Maomé assustou-se, pois os mortos ele não queria perturbar. - Procuro o devoto irmão Cirilo, respondeu humildemente. - Então vem para este lado da rua, disse a voz. Ao mesmo tempo, no outro lado, duma cabana baixa saiu um ancião robus- to com olhar afável. - Esta casinha não se encontraria se não estivesse situada perto do imponen- te portão, declarou. Sempre que um estranho pergunta por mim, então lhe descre- vem o caminho até esse portão. Isso basta. - Então és tu o devoto Cirilo? Certificou-se Maomé, que adquiriu confiança nesse homem. - Sou eu mesmo e tu certamente és Maomé, meu novo aluno, que me foi anunciado por Deus, o Senhor. Tão empolgado ficou pelo que de novo passou em vivência, que em lugar de qualquer resposta, entoou o seu salmo de agradecimento. Quando terminou, aproximou-se do irmão e aguardou o que este lhe mandaria fazer. Cirilo, no entanto, sorriu satisfeito. - Eis que um cantor alegre me vem voando em casa. Bem-vindo, Maomé! Se tu sempre cantares e louvares assim, então nos tornaremos bons companheiros. Levou-o consigo para a sua casa e o instruiu com amor e bondade, duran- te cinco anos. Não havia para Maomé nenhuma pergunta, para a qual Cirilo não procurasse achar uma solução junto com ele. Às vezes tinham de ficar meditando por longo tempo, ou pedir a ajuda de Deus, mas sempre acharam explicação para as perguntas e os dois tiraram proveito disso. Durante o primeiro ano, a pedido de Cirilo, Maomé relatou toda a sua vida. Com isso surgiu-lhe o pensamento de que Abu Talib poderia estar preocupado com
  • 30. MAOMÉ - 30 - o seu desaparecimento. Mas de pronto consolou-se, e disse: “Deus mandou-me para cá. Ele também achará meios e caminhos para fazer chegar ao conhecimento de meu tio o meu paradeiro, se ele deve saber disso”. Quando se aproximou o término do quinto ano, Cirilo convidou o jovem adolescente a acompanhá-lo numa curta viagem. Numa cidade no litoral devia realizar-se uma reunião pública, na qual, aliás, iam ser tratados assuntos de interesse geral do povo, mas Cirilo achou necessário que o jovem participasse alguma vez dessas coisas. Após uma boa caminhada chegaram ainda em tempo na cidade de Halef, de sorte que o jovem pôde primeiro contemplar o mar e habituar-se com o magnífico panorama. Cirilo julgou bem certo ao pensar que antes disso Maomé não estaria receptivo para outras coisas. No dia da reunião dirigiram-se cedo ao lugar determinado para isso, onde se encontrava uma variada multidão. Grupos de pessoas de todos os países da região e homens de todas as tribos pareciam estar ali reunidos. Cirilo perguntou a um dos assistentes quem iria falar ao povo, nesse dia. Re- cebeu a resposta de que seria o árabe Talib ben Muttalib, o maior amigo do povo de todas as tribos. O bom irmão ficou contente ao saber que Maomé iria logo escutar um homem importante. O nome do orador nada lhe significou. Cirilo escolheu um lugar, do qual não só se podia escutar, como também ver. Devido à popularidade que ele gozava nessa região, ninguém disputava seu lugar, nem o do seu protegido. Jubilosos aplausos anunciaram a chegada do esperado orador. A massa do povo dividiu-se para deixá-lo passar para o lugar mais alto, de onde deveria falar. Ao dirigir um olhar curioso para aquele lugar, Maomé de repente viu na sua frente o seu tio. Essa era, portanto, a profissão que Abu Talib exercia ocultamente! Um orador popular era ele? O que teria a dizer à multidão. Pálido de emoção, o jovem escutava. Tudo, tudo ele queria absorver; não somente as palavras que ali ressoariam, mas sobretudo o sentido contido nelas. Ele ficou admirado. Era um Abu Talib diferente daquele que conhecera. Per- dera todo o acanhamento na sua conduta. A multidão esquecia-se dos seus defeitos ante a projeção de sua personalidade, que dominava em volta dele, como o poder de um soberano nato. Não pronunciou nenhuma palavra a mais. Cada uma teve sentido e signi- ficação, e cada uma impressionava o público com poder arrebatador. Não usava a gesticulação, como em geral se via nos oradores. Exteriormente aparentava calma, mas seus olhos flamejavam, faiscavam ou ensombreavam-se. Falavam sua própria linguagem.
  • 31. MAOMÉ - 31 - Tudo isso Maomé percebeu no seu íntimo, antes mesmo de ser capaz de acompanhar audivelmente as palavras. Abu Talib falava que em todas as partes do território, muito além das fronteiras de El Árabe, moravam árabes, que tinham que se curvar ao domínio estranho. Aclamações interromperam-no. Calou-se um instante. Então continuou do mesmo modo a convencer o povo ali reunido de que os árabes deviam unir-se num só todo, porque assim se tornariam grandes e poderosos. Esse foi o significado do seu discurso, enfeitado com muitas exemplificações e impressionantes imagens. Então ele convidou os ouvintes a externarem os seus pensamentos sobre aquilo que haviam escutado. Cada objeção ele replicou prontamente e com sensatez. Finalmente um dos fidalgos exclamou: - Aqui na Síria, mais do que a metade dos habitantes são árabes. Se nós nos unirmos ao país natal, então a Síria deixará de existir! - Seria lamentável isso? Perguntou Abu Talib. Suas palavras tiveram o efeito de uma chicotada. Um verdadeiro tumulto irrompeu. - Então achas, Talib ben Muttalib, exclamavam os homens, que podemos fazer conquistas sem guerras, e que devemos simplesmente anexar os países vizinhos? - Se isso fosse para o bem do nosso país, então sem dúvida, refutou o orador. - Não acrediteis, ele é judeu! Fez-se ouvir de repente uma voz gritante. Todas as cabeças se viraram para o lado de onde soaram essas palavras. Ali estava um sacerdote fetichista, com a face contorcida impetuosamente. - Ele quer conquistar todos os povos para o seu Deus e subjugá-los! Isso não podemos tolerar. Sou um filho fiel da Arábia, e justamente por isso não a quero entregar aos judeus! - Enganas-te, sacerdote, respondeu a voz serena de Abu Talib. Realmente nasci de pais judaicos, porém reconheci que é mais importante ajudar o povo sobre a Terra a conquistar grandeza, felicidade, união e poderio, do que adorar um Deus invisível, o Qual talvez nem no Além poderemos chegar a ver. - Para, blasfemador! Estridentes soaram essas palavras pela grande praça da reunião. Todos de- veriam tê-las escutado. O orador empalideceu. Em sua frente estava de pé o seu sobrinho, que julga- ra morto; o menino transformara-se num moço; e os monges lhe haviam dito que ele era destinado a ser um portador da Verdade. O homem sentiu calafrios. Quando Abu Talib, no regresso de sua viagem, pretendeu cuidar de Maomé, o abade informou-lhe que o rapaz sucumbira de uma grave enfermidade. Isso deu
  • 32. MAOMÉ - 32 - muito o que pensar ao tio. Se Deus deixava morrer um portador da Verdade, então Lhe era indiferente que a Verdade fosse propagada. Isso foi o começo do declínio da fé.Abu Talib raciocinou e meditou longo tem- po até que jogou de si todos os pensamentos em Deus e no Divino. Desde então lhe foi mais fácil falar ao povo. Nunca se defrontou com algo como naquele momento. Maomé, sem hesitar, continuou dizendo em voz alta: - O Deus invisível, que Abu Talib nega, se bem que ele outrora O adorou, está no meio de nós! Ele criou todos nós, por isso é nosso Senhor! Guia maravi- lhosamente todos os homens que Nele crêem. Eu o sei, porquanto eu mesmo tive provas disso! Surgiu uma grande agitação. - Quem é esse jovem que tem a ousadia de falar numa reunião de homens? Exclamavam alguns exacerbados, enquanto outros manifestavam sua aprovação ao que Maomé havia dito. Os já excitados ânimos exaltaram-se; chegaram a agredir-se e toda a reunião findou numa violenta discussão,de sorte que policiais armados da cidade tiveram que intervir, para separar os que já estavam se enfrentando com faca, corpo a corpo. Abu Talib retirou-se com alguns partidários, antes de começar a contenda. Cirilo forçou Maomé a abandonar igualmente o recinto. O jovem teve a compreen- são de que por ora em nada poderia ser útil. Estava abalado pelo acontecido e tre- meu de pesar ao ver que o tio, a quem sua alma havia se afeiçoado, ficara tão mau. Cirilo achou que teria sido melhor se Maomé tivesse calado, mas também não pôde repreendê-lo. Por isso não falou nenhuma palavra, e deixou o jovem en- tregue aos seus agitados pensamentos. Maomé sentiu a reprovação e evitou por sua vez falar com o irmão. Após ter perdurado por alguns dias esse silêncio, ao qual, aliás, se habitua- ram, ambos sentiram que não podiam continuar convivendo dessa maneira. Enquanto Cirilo meditava como poderia reaproximar-se do jovem, sem dar o braço a torcer, Maomé achou a única solução numa rápida separação. O que ain- da devia fazer aqui? Aprendera tudo o que Cirilo lhe pôde ensinar. Queria sair pelo mundo e ganhar o seu sustento, até chegar o tempo em que poderia atuar como instrumento de Deus. Anteriormente ele sempre supunha que após um certo aprendizado regressa- ria à vida abundante do palácio paterno,visto ser ele o herdeiro e não o tio,que,como segundo filho, tinha direito apenas a pequena parte. Após o recente incidente, achou completamente impossível poder alguma vez defrontar-se novamente com o seu tio. Portanto, tornar-se-ia independente. Isso com certeza era da vontade de Deus. A noite declarou o que havia decidido ao irmão Cirilo, surpreendendo-o. Este não quis concordar, porém Maomé não se deixou convencer e assegurou que
  • 33. MAOMÉ - 33 - na manhã seguinte continuaria sua peregrinação. Agradeceu ao irmão por tudo o que ele lhe havia proporcionado espiritual e terrenamente, e com este agradecimen- to ficou comovido. A antiga simpatia pelo mestre despertou novamente, e fez com que se separassem em paz. Durante a noite Maomé teve uma visão. Viu Abu Talib desaparecer numa casa velha situada numa rua estreita da cidade de Halef. Concomitantemente, uma voz chamou: “Maomé, procura teu tio! Ele precisa de ti”. Impulsos de obstinação excitavam a alma do rapaz. Agora ainda ter que cor- rer atrás desse renegado! Mas quando pensou que foi a voz de um mensageiro de Deus que lhe trouxe a ordem, então a sua exaltação se desfez, e ele conformou-se. Conquanto não conhecesse a rua que vira em sonho, confiou nos guias espirituais e caminhou em direção a Halef. Entretido com os próprios pensamentos, o caminho não lhe pareceu lon- go. Alcançou, antes do que esperava, as primeiras casas, e encontrou um menino que chorava amargamente. A criança havia pisado num caco de vidro e machucara gravemente o pé, de sorte que não podia dar nenhum passo. Maomé amarrou uma atadura na ferida e dispôs-se a carregar a criança. - Podes dizer-me onde moras? Perguntou ao já confiante menino. - Sim, realmente, posso dizer-te quais as esquinas que deves dobrar. Então logo chegaremos a nossa casa. Como a mamãe vai ficar contente, quando afinal eu chegar em casa! Verificou que a criança passara a noite toda fora. Suas contínuas tentativas de andar agravaram cada vez mais o ferimento. - Já estamos perto de nossa casa, explicou subitamente o pequeno. Maomé olhou em redor de si e reconheceu a rua que vira de noite. Novamente foi tomado de um sentimento de gratidão ao tornar-se consciente da direção da Luz, sob a qual se encontrava, de maneira que teve de desabafar o seu coração. Pôs o menino ferido no chão, levantou as mãos e agradeceu a Deus do fundo do coração. Então tomou de novo o seu protegido nos braços e nem se admirou de que as indicações deste o levavam realmente àquela casa, que, aliás, já conhecia. Uma mulher em pranto precipitou-se para fora, tomou nos seus braços o menino que ela pensava ter morrido, e pediu a Maomé que entrasse e fosse seu hóspede. Assim, sem muita dificuldade, ele chegou a casa na qual desejava entrar e novamente disse do fundo da alma: “Senhor, Deus de Israel, eu Te agradeço!”
  • 34. MAOMÉ - 34 - O menino foi deitado na cama e a mãe o tratou carinhosamente. Depois se dirigiu ao hóspede, o portador do socorro, agradeceu-lhe e deu-lhe alimentos. Ma- omé, enquanto tomava a refeição, perguntou à mulher se havia um outro hóspede sob seu teto. Ela negou. Penetrante e perscrutante, Maomé encarou-a; então, enrubescen- do, ela disse: - Hospedei por pouco tempo um parente adoentado em minha casa. - Ah! nesse caso também nós somos parentes, retrucou sorridente Maomé, pois Abu Talib é meu tio. Perplexa, a mulher olhou para o rapaz sorridente. - Não digas esse nome, amigo hóspede, implorou. Esse de quem estás fa- lando está sendo procurado por espiões. Por isso, ocultou-se aqui, numa das mais pobres habitações, onde por certo ninguém pensará em procurá-lo. De onde sabes que ele está aqui? - Eu o sei, replicou Maomé. E devo falar com ele. Ele mesmo o quererá, se disseres que Maomé de Meca está aqui. A mulher retirou-se. Logo depois voltou e fez sinal para segui-la. Subiram uma escada horrível e encontraram-se na frente de uma porta. A mulher mandou Maomé pedir licença para entrar e desceu outra vez a escada apressadamente. Sem se fazer notar, o rapaz entrou. Numa pobre cama encontrou Abu Talib, o qual realmente parecia doente e decaído. Quando este avistou aquele que julgara estar morto, arrepiou-se de medo. - O que queres de mim, Maomé, tu, mensageiro de Deus, o Todo-poderoso, contra o Qual depus em público? Perguntou tremendo. Toda a ira desapareceu do jovem. Cheio de compaixão, aproximou-se do penitente e disse: - Deus deu-me ordem para procurar-te, por estares necessitando de mim. Abu Talib começou a chorar. - Tão bondoso é Deus com um indigno como eu? Exclamou repetidamente. Não podia acreditar em tamanha misericórdia. Maomé por ora nada fez para facilitar-lhe essa crença. Começou a tratar em primeiro lugar das necessidades terrenas do tio. No bolso do vestuário encontrou dinheiro, com o qual fez compras. Arrumou melhor a cama e deu-lhe uma bebida soporífera. Assim que Abu Talib adormeceu, Maomé dirigiu-se para o menino machu- cado, o qual encontrou bem acomodado na sua cama. - Canta mais uma vez o belo cântico que cantaste na rua, pediu. Minha mãe gostaria de escutá-lo. Maomé entoou seu salmo e sentiu alegria em poder fazê-lo.
  • 35. MAOMÉ - 35 - Pela face da mulher escorriam lágrimas. - És judeu, amigo hóspede? Perguntou. Antes que pudesse responder, ela contou que era judia, mas casara-se com um fetichista.Antes, isso tinha sido indiferente para ela, porém nesse momento sentiu des- pertar nela a ânsia de escutar novamente falar em Deus. Maomé então contou o que sabia do Deus dos judeus. Os três esqueceram-se das horas; estavam inteiramente absortos. Ele falou do Messias que veio e que foi re- conhecido apenas por poucos; os outros então o assassinaram. Como sempre quando falava disso, ficava amargurado. O pesar pelo assassinato do Filho de Deus oprimia-lhe o coração. A porta abriu-se, sem ruído algum. Abu Talib, que acordara do sono reparador, entrou precisamente no instante em que Maomé começou a falar do Messias. Sem ser visto pelos outros, abaixou-se ao lado da porta e sentou-se no chão, ficando à escuta daquilo que o seu sobrinho anunciava com palavras eloqüentes. No entanto, dominado por uma forte emoção, começou a chorar. Isso desper- tou a atenção dos outros, que o conduziram a um lugar mais cômodo e dirigiram-lhe palavras animadoras. Então confessou sua grande culpa perante Deus. - Tu podes repará-la,Abu Talib,disse Maomé gentilmente.Assim como foste um negador, torna-te um pregador de Deus. - O povo não me dará mais ouvidos, desde que interrompeste minha reunião, Maomé, suspirou o tio. - Se não podes mais falar a grandes massas, então recomeça em pequenos cír- culos, replicou Maomé despreocupadamente. Acredita-me que o tempo para os teus planos ainda não amadureceu. Primeiro devemos oferecer aos homens algo de novo e melhor, antes de fazê-los abandonar o antigo que adotaram. - E quando poderemos fazer isso? Como se dará isso? Perguntou Abu Talib, desalentado. - Assim que eu tiver maturidade suficiente para poder servir como instru- mento de Deus! Foi a réplica de Maomé. Ainda falaram disso e daquilo, depois procuraram o refúgio de Abu Talib, para passarem a noite ali. Na manhã seguinte, o tio quis saber como Maomé ima- ginava o futuro próximo. - Levar-te-ei para Meca, prometeu o jovem com toda a firmeza. Lá estarás a salvo das perseguições. - Nisso também acredito, dizia o outro. Apenas no caminho e aqui dentro da cidade é que estou exposto a perigos. - Esses nós venceremos, exclamou Maomé, cuja aventura lhe despertou atração. Após um entendimento com a dona da casa, alugou um burro forte com uma
  • 36. MAOMÉ - 36 - sela cômoda, como era usada por mulheres. Abu Talib teve de vestir traje feminino e pôr um véu. Maomé conduziu o burro.Assim saíram da cidade sem impedimentos. Tam- bém durante toda a viagem não houve nenhum incidente. Somente perto de Meca, Abu Talib achou melhor trocar de vestuário, porquanto lhe parecia por demais ig- nóbil aparecer no palácio paterno em trajes femininos. Maomé sentiu-se satisfeito em rever o lugar de sua infância. Ali os velhos serviçais, em primeiro lugar Mustafá, cumprimentaram-no alegremente. Todos vi- ram nele o senhor e herdeiro. Perguntou por Sara e soube que ela já havia falecido. Por alguns dias Maomé ficou descansando, depois se apresentou perante Abu Talib para declarar-lhe que do- ravante trataria sozinho do seu próprio sustento.Havia esperado que o tio lhe dissesse em resposta que não necessitava disso, visto que toda a riqueza dos seus pais lhe per- tencia. Preparou-se internamente contra essa objeção, porém foi em vão. Abu Talib pediu-lhe que fosse seu hóspede. Havia bens em profusão, mais do que o suficiente para que os dois pudessem viver disso. Esse modo de pensar fortaleceu ainda mais em Maomé a resolução de se livrar de todo o existente. Sabia que devia encontrar-se independente quando lhe viesse a chamada de Deus. - E o que pensas fazer? Perguntou Abu Talib, inconscientemente satisfeito por ter Maomé lhe facilitado tudo, para ficar de posse das adotadas riquezas. - Quero ser comerciante, como meu pai o foi antes de mim, replicou o jo- vem. Minhas relações com os empregados no comércio e os conhecimentos adqui- ridos na infância, quando lidava na galeria, facilitarão minha adaptação. Ademais, isso será apenas uma transição, concluiu. Já no dia seguinte abandonou o palácio, para ir à procura de um emprego. Dirigiu-se a um amigo do seu pai, que o recebeu com alegria e aconselhou-o. Também sabia onde Maomé poderia colocar-se logo, se realmente estivesse levando a sério o propósito de tornar-se comerciante. - Há pouco tempo faleceu um mercador de jóias, cuja viúva deseja conti- nuar o comércio. Esta procura um homem moço, de bons costumes, para servir de auxiliar junto com os empregados da sua casa comercial. Este seria o lugar certo para ti. - Não serei muito inexperiente para isso? Indagou. O mais velho repeliu a objeção. Chadidsha, a viúva, procurava justamente alguém que ela mesma pudesse introduzir nas particularidades dos seus negócios.
  • 37. MAOMÉ - 37 - Ela possuía bastante conhecimento do comércio, porquanto sempre ajudara o ma- rido. Não tendo filhos, pôde dedicar-se todo o tempo às jóias. - É judia? Quis saber Maomé. Sobre isso o amigo não pôde dar informações. Porém, como se ele o animasse, Maomé resolveu procurar logo a viúva do comerciante, assim já veria como era e quem era. Os depósitos e a loja ficavam den- tro da mesma casa, numa das melhores ruas de Meca. Como a galeria de vendas do seu pai estivesse situada num outro ponto do extremo da cidade, e não no palácio, Maomé raras vezes estivera lá. Apesar disso, ao entrar nessa loja, defrontou-se com uma grande diferença. Aqui predominava a cobiça comercial, que visava unicamente lucros, ao passo que lá existiu comércio que tinha em mira os objetos preciosos. Abdallah tinha somente pedras selecionadas à venda. Aqui, aliás, também havia, porém enterradas debaixo de montões de coisas baratas e inferiores. Involuntariamente Maomé pensou: “Será que a alma dessa mulher é igual a esta loja? E se assim for, valerá a pena procurar nela a pérola preciosa?” Ele mesmo admirou-se desse pensamento, que lhe surgiu como se viesse voando ao seu encontro. Depois de solicitar a um empregado, que acorreu para atendê-lo, permissão para falar com dona Chadidsha, foi pedido que aguardasse um instante. Enquanto ele ficou em pé ao lado de uma mesa, passando os olhos por cima das mercadorias expostas, sentiu que um olhar penetrante e ardente lhe estava sendo dirigido de al- guma parte. Não pôde ver de quem era, até que observou um cortinado arredar-se levemente nos fundos. Essa espreita sigilosa pareceu-lhe tão esquisita, que teve de sorrir. Então, abriu-se o cortinado; uma mulher ainda jovem e encorpada entrou na loja. Com passos ondulantes veio em direção ao rapaz, cujas feições já haviam tomado de novo a expressão de sua costumeira seriedade. - Por que riste ainda agora? Perguntou Chadidsha, em lugar de qualquer cumprimento. Com isso provocou novamente um sorriso na face de quem se encontrava à sua frente. - Imaginei como alguém atrás do cortinado experimentava observar-me, a fim de ver se sou um homem honesto, confessou francamente. Um ardente rubor subiu às faces da mulher, toda maquilada. Querendo apa- rentar desembaraço, disse: - Também tu muitas vezes te esconderás atrás do cortinado, para observar os compradores, se é que vieste para ajudar-me na minha loja.
  • 38. MAOMÉ - 38 - Maomé calou-se. O que havia de responder! A mulher causou-lhe ao mesmo temporepulsaesimpatia.Podiateraproximadamenteunsvinteequatroanos,portanto quase dez anos mais velha do que ele, mas, apesar disso, sentiu-se superior a ela. Como ele se calasse, ela retomou a palavra: - Queres empregar-te aqui, para ajudar-me nas vendas e compras? - Com tal propósito é que cheguei até aqui, replicou Maomé, hesitante. Os empregados retiraram-se para o depósito. Os dois ficaram sozinhos. Então Maomé continuou: - Quero dizer-te que em verdade não possuo os conhecimentos de um comerciante, apesar de meu pai ter sido um deles. Antes de tudo, porém, devo dizer-te que assim como esta loja é dirigida, eu não estou acostumado. Custar- me-á habituar-me aqui. Admirada, a viúva replicou: - Sabes que nos últimos dias despachei cerca de trinta pessoas que pediram insistentemente para trabalhar aqui, e tu, talvez o mais jovem de todos, ousas dizer-me que o meu comércio não te agrada. Não te chamei. Podes ir para lá de onde vieste. Sem dizer nada, Maomé virou-se para abandonar o local. Mas isso con- trariou a expectativa da mulher. Ela havia esperado rogos suplicantes, pois estava disposta a atendê-los, porquanto o rapaz lhe agradara. Algo na aparência e nas maneiras dele atraiu-a. Se, porém, ela o quisesse, deveria agir com rapidez. Estava somente a poucos passos da rua. - Ei! Escuta! Chamou atrás dele, mais alto do que o necessário. Ainda não me disseste quem és e de onde vens! - Como me mandaste embora, torna-se desnecessário que te diga! Repli- cou Maomé, andando rumo à saída. - Quem te diz que eu te mando embora? Zangou-se a mulher. Aqui se pesam as pedras preciosas e não as palavras. Ouem é jovem como tu não deve ser tão incompreensível. - Isso eu poderia ter imaginado, que as tuas palavras nem sempre refletem os teus pensamentos, escapou de Maomé. - No que notas isso? Perguntou a mulher, atraída involuntariamente pela curiosidade. Maomé hesitou alguns instantes, e então, num impulso como lhe era pecu- liar em momentos decisivos, movimentou a cabeça para trás, e replicou: - Quem acoberta as faces que recebeu de Deus, também dissimula os pen- samentos que a alma gera. Novamente ela se zangou, entretanto, o rapaz era diferente de todos aque- les que ela até então chegara a conhecer. E se ele sempre falasse assim, então po-
  • 39. MAOMÉ - 39 - deria vir a ser um bom passatempo tê-lo perto de si. - Tu podes ficar empregado aqui comigo, ofereceu-lhe magnanimamente, esperando um alegre agradecimento. Maomé, entretanto, ficou vacilante por alguns instantes, enquanto con- centrava a sua alma em oração; finalmente disse: - Quero fazer a tentativa, se suportarei a loja e a ti. Ambas sois disfarçadas. Nesse momento ela se arrependeu da oferta feita. Apressadamente ia reti- rá-la, quando entrou um comprador na loja e ela teve que dirigir sua atenção para ele. Era difícil contentá-lo. De todos os lados tinham de ser buscados objetos. Com um rápido olhar, Maomé percebeu o que foi pedido, trouxe-o, e en- tregou-o a Chadidsha com naturalidade, como se a loja fosse dele. O homem comprou mais do que pediu inicialmente, e a mulher viu que recebeu um ativo auxiliar. Na sua alegria pelo bom negócio, ela esqueceu as palavras ofensivas. Assim animada, dirigiu-se a Maomé e perguntou: - Como posso chamar-te? De onde vens? - Sou Maomé ben Abdallah. Meu pai era comerciante de jóias. Com grande admiração a mulher olhou para Maomé. Um filho da mais con- ceituada estirpe viera à sua procura, para tornar-se seu auxiliar! Podia ser possível isso? Quando Maomé viu sua estranheza e incredulidade, disse: - Podes perguntar a Ibrahim Ben Jussuf. Ele mandou-me aqui. - Não é necessário, fez-se ouvir a voz de Ibrahim Ben Jussuf, que acabava de entrar na loja. Ele ficou contente em saber que os dois haviam chegado a um acordo. Pro- pôs então a Maomé que mandasse buscar por um empregado os seus pertences. O rapaz compreendeu que o amigo queria ficar a sós com a viúva, e retirou-se. Quando Maomé deixou a loja, Ibrahim perguntou à mulher se ela se agra- dara do novo auxiliar. Ela respondeu que quase não sabia como julgá-lo. Ele era bem-educado, mas falava uma língua completamente sem disfarce. Mal pronunciara essa palavra, lembrou-se da comparação de Maomé. Agora quase se arrependia novamente de ter empregado esse observador perspi- caz. Ibrahim, no entanto, persuadiu-a a regozijar-se. Um auxiliar melhor ela não acharia. O fato de que o jovem preferisse sofrer injustiças e tornar-se independente, do que expulsar o tio aleijado, honrava-o muito. Além do mais, só soube o me- lhor a respeito de Maomé, o qual, com certeza, tornar-se-ia em breve um valioso auxiliar para ela. Maomé ficou na casa da viúva, e acostumou-se a ser comerciante. Suas obrigações levava a sério. Muito lhe valeu ter recebido excelente instrução na es-
  • 40. MAOMÉ - 40 - cola do templo; principalmente na aritmética ele superou até a patroa. Em pouco tempo ela pôde deixá-lo sozinho com as vendas, mas teve de observar muitas coisas novas. Estranhou como ele tratou com franco desvelo em recomendar e vender os artigos baratos e artificiais. Será que já se acostumara com o artificial e aprendera a estimá-lo? Uma noite, ao descobrir que ele vendera até o último dos muitos objetos, ela perguntou-lhe por pilhéria sobre isso. - Ter aprendido a estimar? Essas bugigangas? Interrogou com desdém. Não, Chadidsha, acabei com elas, para arranjar lugar para coisas melhores. - Então não queres encomendar mais nada em substituição aos artigos desse gênero? Indagou receosa. Meu marido sempre dizia que artigos baratos atraem fregueses. - De compradores que se deixam atrair por isso, podemos prescindir. Acre- dita-me, Chadidsha, que a tua loja será mais reputada e freqüentada por fregueses mais distintos, se tu ofereceres somente artigos de qualidade genuína e de valor integral. Vagarosamente e a muito custo Maomé pôde convencê-la. Afinal concordou. Após três anos, quem entrasse na loja, encontrá-la-ia completamente mo- dificada. Objetos selecionados eram oferecidos; tudo o que era artificial havia desaparecido. A maior modificação registrou-se na dona da loja. Seu rosto dispensara toda maquilagem; seus trajes eram simples e elegantes. Apenas seus movimentos impulsivos e rudes ainda denunciavam que não descendia de linhagem fidalga. Do mesmo modo sua voz tornava-se desafinada, quando algo a irritava. Suas relações com seu auxiliar, de aproximadamente dezoito anos, eram singulares. Às vezes parecia que ela temia as repreensões que ele pronunciava com franqueza. Ele ficou sendo senhor absoluto de todo o comércio, e o que dizia era válido. Os empregados dedicavam-lhe toda a consideração; mesmo sendo um tanto mais jovem que os outros, era um modelo de honradez, fidelidade e ama- bilidade. A par disso, a agudeza de sua vista aumentara. No primeiro ano esteve na loja um freguês, que a proprietária mesma atendeu, enquanto Maomé trazia as mercadorias. De repente o jovem pegou no pulso do freguês e disse a meia voz, porém, energicamente: - Coloca de novo sobre a mesa as pérolas que acabaste de tirar! Chadidsha assustou-se. Como podia Maomé dizer isso, pois ele não podia ter notado nada dos fundos da loja onde se encontrava!
  • 41. MAOMÉ - 41 - O homem rebelou-se furiosamente: - Solta-me, imediatamente! Como te atreves a tocar-me? - Solto-te assim que as pérolas estiverem nas mãos de Chadidsha. - Não tenho pérolas. Então Maomé meteu a mão na frente do vestuário do homem e puxou dali um saco habilmente preparado, que além das pérolas furtadas continha uma porção de outras coisas. O ladrão desmascarado opôs resistência, mas Chadidsha mandou chamar guardas, que o subjugaram e o levaram. E enquanto a mulher, excitada, não podia chegar ao fim da conversa sobre o acontecido, Maomé disse apenas: - Estás vendo que também enxergo sem olhar pela fresta do cortinado. Maomé empenhava-se assiduamente pelo bom andamento dos negócios durante o horário de vendas, mas depois de fechada a loja, retirava-se regularmente para seus aposentos. Todos os convites de Chadidsha para tomarem refeições jun- tos, ou acompanhá-Ia em visitas, ele recusava. - Nas famílias onde fui criado,os homens mantinham-se afastados das mulhe- res,disse ele com seriedade.Não por se julgarem melhores,mas porque eles dignifica- vam a natureza da mulher, que é mais delicada. Assim eu também quero proceder. Ela queria muito saber com que ele se ocupava nas horas de folga, porém ele não falava sobre isso e todas as interrogações foram inúteis. Então um dia foi chamado com urgência pelo tio, o qual tinha coisa impor- tante a dizer-lhe. Tão urgente foi o recado, que Maomé deixou seu aposento sem guardar primeiro aquilo em que estava trabalhando. Chadidsha entrou furtivamente, mas ficou decepcionada ao deparar apenas com folhas cheias de letras manuscritas, que não pôde ler, pois eram em hebraico. Mas pelo menos sabia agora que ele se dedicava a um estudo qualquer. Pois bem, ele ainda era jovem; que continuasse a fazer isso ainda por uns anos. Ao chegar na casa de Abu Talib, Maomé encontrou-o muito excitado. Ele pedira uma viúva rica em casamento e tinha sido atendido! Ele, o aleijado, ainda chegaria a gozar uma felicidade que julgava vedada para si definitivamente. Pelo direito, Maomé era o chefe da família e tinha de dar a sua anuência para o casamento; do contrário, não teria validade. Abu Talib temia que nessa ocasião Maomé pudesse descobrir que ele retivera até então a sua herança paterna. Se o jovem exigisse agora a sua parte da herança, então os bens restantes seriam pouco cobiçáveis. Poderia nesse caso ser provável que o casamento não che- gasse a realizar-se. Maomé teve a impressão de olhar como por uma vidraça no coração do tio, e vendo a sua cobiça pelo dinheiro, apiedou-se dele. No entanto, se não dissesse nada, isso se lhe afiguraria injusto e, além disso, o estado de incerteza de Abu Talib nunca chegaria a ter um fim. Assim, ele disse calmamente: