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PORTO ALEGRE, MAIO E JUNHO DE 2009 • ANO III • N° 20 Estado de Direito 
Dieter Grimm 
Página 08 
Veja também 
Página 07 
Página 19 
O Direito que emancipa 
o homem 
Direitos da 
Convivente 
Gustavo Rene Nicolau analisa 
a falta de uma legislação clara 
e eficaz sobre a proteção da 
família no País e questiona 
se é correto a convivente de 
união estável ter mais direitos 
do que a esposa em comunhão 
universal. 
Página 12 
CARLOS BAILON 
O Jornal Estado de Direito é um espaço 
singular de inserção social, através da 
cultura jurídica leva a informação que 
forma, fundamentada no pensamento 
de estudiosos da realidade contempo-rânea. 
É com satisfação que apresen-tamos 
a 20ª edição do Jornal Estado de 
Direito em que reune profi ssionais de 
diversos países para promover a inte-gração 
cultural. O objetivo é colaborar 
nas práticas de cidadania para que 
todos tenham condições de participação 
social e de expressão do pensamento. 
Nessa edição, contamos com a colabo-ração 
de juristas do Brasil, Portugal e 
Alemanha. O destaque é a entrevista 
com o Professor Dieter Grimm um 
dos mais expressivos nomes do direito 
constitucional da atualidade. Leia na 
página 13. 
Princípio da Proporcionalidade: 
“... sempre que está envolvida 
a limitação de direitos 
fundamentais pela lei, ou seja, 
a questão é sempre determinar 
se a restrição que é feita de 
um direito fundamental é 
proporcional ou não.” 
Direito Comum 
Leandro de Mello Schmitt 
aborda os desafi os para se 
pôr em prática o direito 
comum ou mundializado e 
seus refl exos nas sociedades 
Direitos Humanos 
Ubiratan Cazetta avalia a 
efetividade da aplicação dos 
mecanismos de defesa dos 
direitos humanos no Brasil 
e quais as sanções que a 
Comunidade Internacional 
pode impor caso estes não 
Para um Estado de sejam respeitados 
Direito Efectivo 
António Francisco de Sousa 
salienta a importância da 
participação popular para o 
exercício efetivo do Estado de 
Direito não apenas diagnos-tificado 
pelo voto, mas sim 
pela busca do conhecimento 
jurídico a fim de se proteger e 
respeitar direitos alheios. 
Página 04 
CPI de Minoria 
Giovani Corralo apresenta as 
condições para a criação de 
uma CPI e questiona por que 
as comissões necessitam do 
apoio de apenas um terço dos 
parlamentares para serem 
implementadas 
Catedrático Emérito da Universidade de Humboldt de Berlim, membro da 
New York University School of Law 
Sequestro 
Relâmpago 
Válter Kenji Ishida faz um 
painel sobre a tipificação do 
sequestro relâmpago e especi-fica 
nova lei que inclui o pa-rágrafo 
terceiro ao artigo 158 
do Código Penal que relata o 
crime de extorsão. 
Página 21 
Opinião Pública 
Bruno Espiñeira Lemos 
refl ete sobre a prostração 
do Legislativo e o receio 
da infl uência dos meios de 
comunicação e da opinião 
pública de infl uenciar nas 
decisões jurídicas 
Página 20 
Ambiente 
Luís Paulo Sirvinskas 
discorre sobre a necessidade 
de maior conscientização 
de empresas e governos na 
defesa do meio ambiente e no 
cumprimento da legislação 
ambiental em um mercado 
globalizado
Estado 2 de Direito, maio e junho de 2009 
Estado de Direito 
Investir em Conhecimento Estado de Direito Comunicação Social Ltda. 
O Jornal Estado de Direito como referencial científico 
do projeto: “Conhecer o Direito é Desenvolver a Cidada-nia”, 
continua firme na sua linha de disseminar gratui-tamente 
o conhecimento de renomados juristas a toda a 
população. Do mesmo modo, leva palestras, sempre com 
a convicção da importância de sermos agentes promotores 
da esperança de mais conscientização, educação jurídica 
independente da formação de cada pessoa. 
Nessa edição contamos com a colaboração de pro-fissionais 
do Brasil, Portugal e Alemanha. Agradecemos 
ao Professor Ingo Wolfgang Sarlet pelo apoio que, sem 
dúvida, foi fundamental para a realização da entrevista 
com Professor Dieter Grimm. 
Nos dias 5 e 6 de junho participaremos da XIV Jornada 
Internacional de Direito, em Gramado, Rio Grande do Sul 
e nos dias 4 e 5 de julho da Gaia Commitment - Fórum do 
Condomínio da Terra que será realizado, em Portugal, na ci-dade 
de Gaia. O evento marca a passagem do Dia Mundial da 
Terra, que tem como objetivo incentivar o desenvolvimento 
de ações para conservação da Terra. No artigo “Organizar a 
Vizinhança Global”, página 6, elaborado pelo professor Paulo 
Magalhães, coordenador cietífico do evento, poderão obter 
mais informações. Muito nos engrandece por ser o veículo 
de comunicação da área jurídica convidado oficial do evento 
em que estaremos registrando todos os painéis, bem como, 
captando depoimentos e fotografando. 
A próxima edição será feita diretamente de Portugal! 
Aguardem e faço votos que venham novos convites, pois 
desejamos integrar culturas e disseminar a importância 
de se pensar na Terra como um imenso condomínio em 
que devemos propagar a cultura jurídica preventiva para 
melhor participação de cada pessoa. 
Os vídeos dos eventos realizados em abril e maio 
que falo na Rota Jurídica estão sendo postados no site 
http://br.youtube.com/carmelagrune. 
Agradeço o apoio dos patrocinadores e apoiadores 
que são essenciais para a continuidade do nosso trabalho 
e aos professores que compartilham seus conhecimentos 
com os nossos leitores. 
Um abraço, 
Carmela Grüne 
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União estável homoafetiva, até que enfim! 
Apoio 
*Os artigos publicados nesse jornal são responsabilidade dos autores 
e não refl etem necessariamente a opinião do Jornal e informa que os 
autores são únicos responsáveis pela original criação literária. 
As justifi cativas são muitas, mas a causa é uma só: o pre-conceito. 
Outro motivo não existe para a omissão do legislador. 
O Projeto de Lei 1.151, do ano de 1995, que regula a parceria 
civil registrada, para a época, foi considerado arrojado. A 
única referência que existe às uniões homoafetivas é feita Lei 
11.340/06 – a chamada Lei Maria da Penha – que, ao criar 
mecanismos para coibir a violência doméstica, trouxe moderno 
conceito de família: uma relação íntima de afeto, independente 
da orientação sexual. 
O silêncio da lei, no entanto, não impediu conquistas 
no âmbito do Judiciário. Quer fazendo analogia com a união 
estável, quer invocando os princípios constitucionais que asse-guram 
o direito à igualdade e o respeito à dignidade, a Justiça 
vem deferindo direitos no âmbito do Direito das Famílias e do 
Direito Sucessório. O próprio Superior Tribunal de Justiça, ao 
afastar a extinção do processo sob o fundamento da impossi-bilidade 
jurídica do pedido, garantiu às uniões de pessoas do 
mesmo sexo acesso à justiça. 
Tudo isso, porém, não supre o direito à segurança jurídica 
que só a norma legal confere. O silêncio é a forma mais per-versa 
de exclusão, pois impõe constrangedora invisibilidade 
que afronta um dos mais elementares direitos, que é o direito 
à cidadania, base de um Estado que se quer democrático de 
direito. 
A aprovação da Lei da Parceria Civil Registrada, 
nesta altura dos acontecimentos, seria um retrocesso. Daí 
o signifi cado do Projeto de Lei 4.914/2009, que inclui um 
artigo ao Código Civil (1.727-A), para que sejam aplicadas às 
uniões de pessoas do mesmo sexo os dispositivos referentes 
à união estável, exceto a regra que admite sua conversão em 
casamento. 
O projeto tem o mérito de contornar o aparente óbice 
constitucional que limita o reconhecimento da união estável 
aos heterossexuais. De outro lado, para evitar que se diga tratar-se 
do temido “casamento gay”, de modo expresso é afastada 
a incidência do dispositivo que autoriza a transformação da 
união estável em casamento. 
A proposta busca somente consagrar em lei o que de há 
muito vem sendo assegurado pela jurisprudência. Claro que 
esta não é a solução que melhor atende ao princípio da igual-dade, 
mas, ao menos, acaba com histórica omissão que gera 
enorme insegurança e impõe o calvário da via judicial para o 
reconhecimento de direitos. 
Enfi m, é chegada a hora de resgatar o débito que a sociedade 
tem para com signifi cativa parcela da população que não mais 
pode fi car à margem do sistema jurídico. Insistir no silêncio 
afronta o direito fundamental à felicidade – o mais importante 
compromisso do Estado para com todos os cidadãos. 
*Advogada especializada em Direito Homoafetivo, Famílias e Sucessões, 
Ex-Desembargadora do Tribunal de Justiça-RS, Vice-Presidenta Nacional 
do IBDFAM, www.mariaberenice.com.br 
Maria Berenice Dias*
Estado de Direito, maio e junho de 2009 3 
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Estado 4 de Direito, maio e junho de 2009 
Para um Estado de Direito Efectivo 
A expressão Estado de direito está na moda 
há algumas décadas. Não há Estado moderno 
que não invoque para si o atributo de Estado de 
direito, incluindo aqueles que não passam de 
ditaduras disfarçadas. A generalidade das Cons-tituições 
ocidentais não só consagra expressa-mente 
esta forma de Estado, como também re-conhece 
um vasto leque de direitos fundamentais 
que são considerados imprescindíveis no Estado 
de direito. E vão mais longe ao reconhecerem 
expressamente formas de organização adminis-trativa 
e instituições que são exigências próprias 
do Estado de direito, como acontece, por exemplo, 
com o poder local autónomo, no primeiro caso, 
e com os tribunais independentes, no segundo 
caso. Tudo isto é comum ao mundo ocidental (e 
para além dele). A fórmula Estado de direito é 
também frequentemente transformada pelo 
poder político em bandeira de progresso, civis-mo 
e respeito pelos direitos e liberdades dos 
cidadãos. À partida, parece haver toda a justifi-cação 
e razão de ser para este ponto de vista. O 
Parlamento é constituído pelos representantes 
do povo, que o elege em eleições livres e perió-dicas, 
competindo-lhe fazer as leis (mais impor-tantes) 
e fiscalizar a acção do Governo, que 
também goza de legitimidade democrática. Pa-rece 
que o sistema é realmente perfeito. Não 
faltam políticos, talvez mesmo a maioria, segui-dos 
por uma pequena parte da população, a 
sustentar que este não é o sistema perfeito, mas 
será o caminho certo para lá chegarmos. Faltará 
apenas aperfeiçoar alguns “pequenos detalhes”. 
Ora, é preciso discordar frontalmente desta visão 
optimista e simplista, porque de facto estamos 
muito longe do Estado de direito efectivo. Não 
nos faltam apenas os mencionados “pequenos 
detalhes”. O que temos é sobretudo o Estado 
de direito declarado; o que estamos longe al-cançar 
é o Estado de direito efectivo, isto é, o 
Estado de direito tornado realidade, aquele 
que chega efectivamente, nas suas múltiplas 
vertentes, ao dia-a-dia dos cidadãos. O primeiro 
é fácil de conseguir, porque basta apenas escre-vê- 
lo nas leis principais; o segundo é difícil de 
alcançar, sendo tarefa de décadas, se houver 
grande empenho nisso. Para podermos passar 
de um para o outro, temos de ter em linha de 
conta o seguinte: o Estado de direito meramen-te 
declarado, mas ainda não suficientemente 
concretizado, satisfaz muito bem os interesses 
do “poder instituído”, à cabeça do qual estão os 
titulares de cargos políticos e as cúpulas da 
Administração Pública (presidentes, chefes e 
directores de serviço, administradores, etc.). 
Para esses, o Estado de direito declarado satisfaz 
plenamente. Este sistema de “faz de conta” ga-rante- 
lhes a situação de privilégio (traduzida em 
salários elevados, lugares de poder e prestígio 
- que muito bem fazem ao seu ego - , espaço para 
o “tráfico de influências”, etc.) face à maioria da 
população. Por isso, de forma egoísta e insensí-veis 
às dificuldades dos outros, fazem tudo para 
defender o status quo. Estão sentados à mesa do 
grande banquete, vivem no “país das maravi-lhas”, 
tudo lhes corre bem. Por isso, não são 
necessárias mudanças de fundo. Este é o desu-mano 
Estado de direito declarado. As décadas 
de experiência já realizada comprovam-no. In-quieta- 
nos, enquanto seres humanos e humanis-tas, 
que o sistema “Estado de direito” possa ser 
aproveitado para esconder e perpetuar injustiça, 
desigualdade, exploração do homem. Por isso, 
algo terá de ser mudado, para que a esmagadora 
maioria da população deixe de viver no seu “vale 
de lágrimas”, ao mesmo tempo que uma minoria 
se mantém comodamente instalada no seu “país 
das maravilhas”. É longo o caminho a percorrer 
para alcançarmos níveis aceitáveis de igualdade 
e de justiça social. Sabendo, embora, que a 
perfeição é um absoluto humanamente inalcan-çável, 
reconhecemos todavia a possibilidade de 
atingirmos um bom nível de efectivação do Es-tado 
de direito. Por isso, não podemos perder 
tempo. Urge pôr toda a sociedade a reflectir 
sobre o que tem de ser feito. Uma coisa é certa: 
esse não é um trabalho que possa ser deixado 
apenas nas mãos do “poder instalado”, com a 
alegada “participação” pelo voto “livre” e perió-dico 
dos cidadãos. Sabemos que as eleições têm 
servido sobretudo para “legitimar” o “poder 
instalado”, dando-lhe um cariz “democrático”, 
precisamente o que lhes faz falta para manter 
um sistema de aparências. Participação sim, mas 
não apenas essa do voto, de tantos em tantos 
anos. É fundamental interiorizar que não pode-mos 
esperar que sejam os outros, os que estão 
bem, a generosamente proceder às alterações 
necessárias para a efectivação do Estado de 
direito, renegando voluntariamente aos seus 
privilégios (e dos familiares e amigos). Os cida-dãos 
não podem deixar a sua sorte apenas na 
boa vontade do poder instalado que, inequivo-camente, 
cuida antes de mais dos seus próprios 
interesses. Tal atitude de passividade não tem 
produzido frutos. Será mais sensato partir do 
princípio de que ninguém abre mão de privilé-gios, 
se a tal não for obrigado. Cumpre então 
perguntar o que fazer, se o voto afinal se trans-formou 
num instrumento que em larga medida, 
ou mesmo em última análise, se converteu con-tra 
os interesses da maioria? Será que apenas 
restará a revolução sangrenta? A resposta é cla-ramente 
não! Guerras e revoluções sangrentas 
nunca resolveram coisa nenhuma. O que é ne-cessário 
e urgente é criar nos cidadãos uma 
consciencialização dos seus direitos, informá-los 
de que podem e devem protestar e indignar-se 
com a injustiça e a desigualdade, para que o 
“poder instalado” sinta que está a ser atentamen-te 
observado e que não pode “pisar o risco” (por 
exemplo, nas frequentes práticas corruptivas). 
É urgente tornar a actividade administrati-va 
transparente e assegurar um efectivo 
sistema de controlo externo, quer através de 
órgãos independentes face à Administração, quer 
através da acção dos tribunais. Sobretudo o 
controlo jurisdicional tem de ser extrema-mente 
exigente com a Administração, fazen-do 
um cerco apertado em matéria de poderes 
discricionários, “margens de apreciação”, impar-cialidade, 
igualdade, justiça, boa fé, proporcio-nalidade, 
etc. Sem uma acção determinada dos 
tribunais nestes domínios, a Administração tem 
todo o espaço de manobra para criar injustiças 
e desigualdades efectivas, não obstante as leis 
formalmente o proibirem (o que corresponde, 
António Francisco de Sousa* 
“... o Estado de direito tornado 
realidade, aquele que chega 
efectivamente, nas suas 
múltiplas vertentes, ao dia-a-dia 
dos cidadãos.” 
“O que é necessário e urgente 
é criar nos cidadãos uma 
consciencialização dos seus 
direitos...” 
“Os cidadãos não podem 
deixar a sua sorte apenas na 
boa vontade do poder instalado 
que, inequivocamente, cuida 
antes de mais dos seus 
próprios interesses.” 
ONU 
ONU
Estado de Direito, maio e junho de 2009 5 
em geral, à situação que temos). A interpretação 
e aplicação meramente formal do Estado de di-reito 
permite constantes e graves injustiças e 
mesmo ilegalidades materiais. Os tribunais têm 
de se consciencializar que a Administração, sem 
controlo jurisdicional, resvala inevitavelmente 
para o arbítrio e, por conseguinte, não se realiza 
Políticas públicas, sexismo e colonialismo 
A hegemonia do processo de modernidade 
ocidental invisibilizou as relações coloniais, sexistas 
e racistas que com ela estavam entrelaçadas, o que 
tem se refl etido na formulação das políticas públi-cas. 
Reconhecer, pois, o caráter discriminatório ou 
excludente de determinadas medidas legislativas, 
administrativas ou judiciais é a outra face necessária 
da análise dos chamados processos de inclusão. 
Primeiro, porque a inclusão implica, sempre, 
a necessidade de decidir quem são os membros do 
grupo. O agente que estabelece a inclusão está, ele 
mesmo, “além” da inclusão: o processo de inclusão 
é, de certa forma, um processo de novos proces-sos 
de exclusão. Esta dupla face, que permitiu a 
invisibilização dos processos de desigualdade, 
diferença colonial e de exclusão racial e sexual, é 
que se põe a nu quando os mecanismos de inclusão 
hoje utilizados são postos em ação: não é à toa que 
as “ações afi rmativas” passem, até certa medida, 
como “excludentes” daqueles que nunca se viram 
“benefi ciários” do sistema, porque “naturalizadas” 
as relações sociais. Ou que “gente branca de olhos 
azuis” se veja vítima de “discriminação racial” ou 
homens sintam-se “atingidos” por medidas que 
reduzam o grau de desigualdade salarial ou ocupa-cional 
experenciada pelas mulheres. Opera-se ora 
pela negação das diferenças, ora pela absolutização 
das diferenças. 
Segundo, porque mesmo a defi nição dos termos 
- gênero, sexo, sexualidade- não escapa de um 
questionamento de um suposto universalismo. Que 
tipo de relações sociais serão produzidas, ocultadas 
ou mesmo visibilizadas se for utilizado o conceito 
chinês de “xingbie” ao invés do convencional 
“gênero” ou o árabe “shudhudh” para as relações 
designadas como “homoeróticas”? Até que ponto 
a “descolonização” da linguagem permite sejam 
os fenômenos vistos de outra forma? Quais são 
as formas possíveis de tradução entre os distintos 
conhecimentos ( e, pois, de os tornar inteligíveis)? O 
que é visto como eventual violação à dignidade com 
a utilização de novos termos? A constitucionalização 
do bem viver- “sumak kawsay” (no Equador) ou 
“suma qamaña” (na Bolívia)- e atribuição de direitos 
à natureza (“pachamama”) são dois bons exercícios 
legislativos neste sentido. 
Terceiro, porque determinadas práticas e formas 
de lutas são vistas como “naturais” (ou únicas) e, 
portanto, são reproduzidos os mecanismos de um 
contínuo “desenvolvimento” e de etapas “necessá-rias” 
para a “modernidade”. É possível, por exem-plo, 
aceitar a “universalização” do “sair do armário” 
defendido pelo movimento gay internacional ou, 
pelo contrário, as táticas de “coming home” de 
asiáticos são culturalmente mais “empoderadoras” 
dos movimentos naquele continente? O “secula-rismo” 
ocidental clássico é sempre a melhor forma 
de defesa dos direitos das mulheres ou é possível 
pensar um feminismo islâmico, com uma episte-mologia 
corânica que trabalhe com formas mais 
emancipatórias para 49 países que assumem o Islã 
como religião ofi cial? E que dizer de um feminismo 
indígena, assentado numa epistemologia aimará, 
que, conforme salienta Silvia Rivera, está centrada 
no “escutar” a “Pachamama” ( mãe terra) e não mais 
na “visão”? A “descolonização” dos sentidos altera 
o entendimento e a formulação de nossas lutas 
contemporâneas? 
Quarto, porque sendo entrelaçadas as desiguais 
opressões, as lutas contra o racismo, sexismo e 
colonialismo devem estabelecer distintas formas 
de cooperação ou de prevalência. Como lembra 
bell hooks, os homens negros podem ser vítimas 
do racismo, mas o sexismo pode permitir que 
oprimam as mulheres; as mulheres brancas podem 
ser vítimas do sexismo, mas o racismo permite que 
explorem negros e negras. Da mesma forma, as 
mulheres ocidentais e brancas podem estabelecer 
a melhor forma de as islâmicas serem “libertadas” 
(invisibilizando, portanto, o colonialismo), ou o 
movimento ecológico ocidental fi xar os parâmetros 
para “preservação ambiental” a ser realizada pelos 
indígenas ( ignorando, pois, conhecimentos diferen-ciados). 
A luta por justiça cognitiva é a outra face 
da luta por justiça social. 
Quinto, porque todo o debate da intercultura-lização 
nas políticas públicas demonstra o caráter 
“experimental” de tais inovações, que procuram 
“descolonizar”, ainda que parcialmente, as formas 
de intervenção de e no Estado. As políticas “afi rma-tivas” 
( que não se reduzem a “cotas”, mas envolvem 
medidas pró ativas), imperfeitas que sejam na sua 
aplicação, instáveis em sua elaboração, e mesmo 
transitórias na formulação, implicam um grau de 
“experimentação” na busca de soluções, demons-trando 
que a aparente “neutralidade” das políticas 
estatais não impediu o racismo mascarado de 
“miscigenação”, o machismo estabilizado no âmbito 
“privado” e a manutenção de todo um sistema de 
“colonialismo interno”. 
O impacto do reconhecimento da demodiversi-dade 
(diferentes instituições com distintos graus de-mocráticos), 
da sociodiversidade (distintos grupos so-ciais) 
e da cosmodiversidade (diferentes cosmologias) 
dentro de um Estado que sempre se viu homogêneo 
ainda está para ser avaliado e testado nos próximos 
anos. As lutas contra o racismo, o colonialismo e o 
sexismo são muito mais complexas que a teoria social 
e a prática jurídico-política vem admitindo. Terão os 
poderes públicos (Judiciário incluído) ou o Ministério 
Público se dado conta desta realidade? 
*Mestre em Direito ( ULBRA/RS), doutorando Universidad 
Pablo Olavide ( Espanha), chefe de gabinete no TRF-4ª 
Região, é organizador do livro “Direitos humanos na sociedade 
cosmopolita” ( Ed. Renovar, 2004). 
César Augusto Baldi* 
o Estado de direito. Temos, portanto, dois pila-res 
fundamentais para a efectivação do Estado 
de direito: por um lado, cidadãos conscientes, 
informados, exigentes com os detentores do 
poder, dispostos a protestar, a criticar e a de-nunciar 
as injustiças e as violações da lei, apoia-dos 
pelos advogados e pelas instituições políticas 
e administrativas (cujos titulares de cargos têm 
de se concentrar no cumprimento escrupuloso 
dos seus deveres funcionais); por outro lado, 
tribunais, conscientes do seu papel decisivo para 
a efectivação do Estado de direito, fortemente 
empenhados em cumprir efectivamente os seus 
deveres, com exigência e sem receios. Há certa-mente 
outros complementos importantes, tais 
como uma justiça barata e célere, mas os dois 
pilares referidos são, a nosso ver, os pontos 
fulcrais de uma reforma profunda que tem de 
ser feita, se queremos ter, daqui por alguns anos, 
um Estado de direito efectivo. Poderá haver 
necessidade de algumas alterações legislativas 
(sobretudo nos planos do reforço da transpa-rência 
da acção administrativa e de uma 
maior e mais efectiva responsabilização dos 
detentores do poder). Mas o acento tónico está 
sobretudo numa nova atitude dos cidadãos e 
dos tribunais, tudo em nome da justiça social 
e do bem comum. Por enquanto, o que temos é 
a realidade de profunda injustiça social, das 
constantes violações dos direitos e liberdades 
dos cidadãos, da discriminação, da falta de ética, 
enfim, uma sociedade desumanizada que hipo-critamente 
invoca para si o epíteto de Estado de 
direito. A verdade é que as vítimas do sistema 
são os principais responsáveis pela sua existên-cia 
e perpetuação, na medida em que se deixam 
iludir na ideia de que vivem num Estado de 
direito. Acordemos, indignemo-nos, gritemos, 
protestemos, critiquemos, exijamos uma Admi-nistração 
Pública transparente e, com o apoio 
de um controlo intenso e efectivo dos tribunais, 
teremos, daqui por alguns anos ou décadas, um 
Estado de direito efectivo. 
*Mestre em Direito pelas Universidades de Freiburg (Alemanha) 
e de Coimbra, Doutor em Direito e em Letras pela Universidade 
do Porto, Portugal. Professor de Direito Administrativo da 
Faculdade de Direito da Universidade do Porto. 
“As lutas contra o racismo, o 
colonialismo e o sexismo são 
muito mais complexas que a 
teoria social e a prática jurídico-política 
vem admitindo.” 
“... o acento tónico está 
sobretudo numa nova atitude 
dos cidadãos e dos tribunais, 
tudo em nome da justiça social 
e do bem comum.” 
“... o sexismo pode permitir 
que oprimam as mulheres; as 
mulheres brancas podem ser 
vítimas do sexismo, mas o 
racismo permite que explorem 
negros e negras.” 
AGÊNCIA BRASIL
Estado 6 de Direito, maio e junho de 2009 
Organizar a Vizinhança Global 
Este será talvez maior desafio que se colo-cou 
até hoje à humanidade! Ao descobrirmos 
que entre a crosta terrestre, o mar, a atmosfera 
e os seres vivos, existe um emaranhado de in-terligações 
permanentes que sustentam a vida 
no planeta, temos de adaptar o nosso modo 
de vida e organização a este funcionamento 
global da Biosfera. Somos todos vizinhos, todos 
dependemos de todos e problemas globais não 
se resolvem de forma isolada. 
A busca de uma solução, para nos adap-tarmos 
a esta realidade que nos era desconhe-cida, 
passa obrigatoriamente, não pela busca 
de novas formas de sancionar, mas sim, pela 
assunção do papel de “organizador” do direito, 
actuando assim de forma preventiva. E embora 
para muitos este seja um problema do ambiente 
e das ciências ambientais, parece-nos que a 
crise ambiental tem a sua origem na deficiente 
adaptação das nossas sociedades ao funciona-mento 
da Biosfera. Por isso, a solução requer 
uma nova abordagem jurídica a nível planetar 
aliada a uma nova contabilidade relativamente 
aos serviços vitais que os ecossistemas prestam, 
e sem os quais, a vida tal como a conhecemos, 
não é possível. 
Depois de desvendadas estas ligações, as 
abordagens as estas questões não podem ser 
mais isoladas de todas as implicações e inte-racções 
que se operaram como feedbacks, entre 
todos os sistemas. Isto é, por exemplo, a análise 
económica não pode deixar de ter em conta o 
efeitos globais de determinada actividade, bem 
como o sistema jurídico tem de absorver esta 
globalização dos efeitos dos comportamentos de 
cada um, e incorporar em si as consequências 
económicas. 
Este papel preventivo de organização, que 
cabe em primeira linha ao Direito, é quase 
desconhecido na vida de cada cidadão - sempre 
visto de uma maneira impositiva e negativa “o 
que não é proibido é permitido” fazendo com 
que toda a sociedade encare a cultura jurídica 
voltada para o litígio e não a busca da solidarie-dade, 
diálogo, paz e justiça social. Este papel 
tem de ser de novo assumido na sociedade 
do futuro, organizando uma vizinhança, que 
até há pouco tempo nos era completamente 
desconhecida. 
O que é o Condomínio da Terra? 
As últimas descobertas acerca do funcio-namento 
global da atmosfera, alteraram por 
completo a percepção que tínhamos do planeta 
que habitamos. Para o direito poder continuar 
a desempenhar o seu papel de organizador das 
sociedades, terá de ter a capacidade de ques-tionar- 
se sobre alguns institutos jurídicos que 
permaneceram intocáveis durante séculos. 
O facto de todos os cidadãos ou Estados, 
poderem afectar de forma positiva ou negativa 
bens de que todos dependem e em que nenhum 
deles se pode excluir do seu consumo, obriga 
à procura de um sistema que permita a con-ciliação 
dos legítimos interesses individuais 
de cada cidadão ou Estado, com os interesses 
colectivos de todos os habitantes do planeta e 
dos inegáveis direitos das gerações futuras. 
O modelo jurídico do condomínio permite 
precisamente a conciliação destes interesses 
normalmente opostos, através da definição e 
delimitação das partes comuns, e que reque-rem 
uma administração comum, relativamente 
às partes individuais. Consegue de forma 
absolutamente fantástica e com uma perfeita 
“engenharia jurídica”. 
E tal como as escadas, telhado e corredores 
de um prédio, também o nosso planeta tem 
partes comuns. Partes essas que são imprescin-díveis 
à vida humana e que estão a precisar de 
manutenção urgente. Se num prédio garantimos 
a manutenção das partes comuns através do 
Condomínio, porque não fazemos o mesmo para 
o planeta? O Condomínio, depois de separar 
e organizar o que são partes comuns e partes 
individuais, permite que os interesses indivi-duais 
e colectivos, em muitos casos opostos, se 
conciliem e se tornem interdependentes. E se 
aceitássemos o desafio de combinarmos a vida 
com as ideias e pensássemos a Terra como um 
imenso Condomínio? 
Quais são as Partes Comuns? 
A atmosfera, a hidrosfera e a biodiversidade, 
são partes comuns do planeta. Não só porque 
ultrapassam todas as fronteiras e os serviços que 
prestam não podem ser divididos mas também 
porque todos dependemos delas para viver e 
todos as podemos afectar de forma positiva 
ou negativa. 
A atmosfera protege a vida no planeta e 
o facto de criarmos fronteiras, não impede a 
livre circulação do ar, de forma constante, por 
todo o globo. 
A hidrosfera é o conjunto de todas as águas 
do planeta, águas que circulam de forma inces-sante 
por todo o planeta, independentemente 
das fronteiras políticas. Ninguém consegue pa-rar 
ou dividir o ciclo da água, ou sequer prever 
para onde é que a água vai a seguir. 
A biodiversidade define-se como a totalida-de 
dos recursos vivos e dos recursos genéticos 
do planeta. O conjunto das formas de vida do 
planeta compõe um ecossistema global e os 
serviços essenciais que a biodiversidade presta, 
não respeitam qualquer fronteira. 
Serviços dos Ecossistemas 
A Biodiversidade e os ecossistemas, são os 
“motores” das partes comuns, ou seja, são eles 
que sustentam a regulação dos ciclos da nature-za, 
sendo determinantes no funcionamento dos 
serviços ambientais vitais. Estes serviços podem 
ser definidos como aqueles capazes de sustentar 
e satisfazer as condições de vida humana, e 
portanto serviços de interesse comum. 
Soberania Complexa 
A Soberania Complexa é uma proposta 
de coexistência de soberanias autónomas num 
espaço colectivo, ou seja, um poder político, 
supremo e independente, relativo à fracção ter-ritorial 
de cada Estado, e partilhado, no que 
concerne às partes insusceptíveis de divisão ju-rídica, 
(atmosfera, hidrosfera e biodiversidade) 
das quais todos os povos são funcionalmente 
dependentes. 
Economia de Simbiose 
A Economia de Simbiose propõe uma 
articulação daquilo a que se poderia chamar 
de “economia da manutenção dos sistemas 
vitais” com a tradicional economia de produ-ção. 
Aproveitando a valoração económica dos 
Serviços Ecológicos Vitais já desenvolvida pela 
Economia Ambiental, integra-se esta valoração 
com o conceito de partes comuns, proposta pela 
Soberania Complexa. Tornar possível a gestão 
global dos bens indivisíveis, é o objectivo. 
Valoração dos Serviços 
Ambientais 
Para entender o conceito agora proposto, é 
fundamental distinguir a soberania ou proprie-dade 
que é exercida sobre os ecossistemas, dos 
serviços vitais que estes prestam. Estes serviços 
não se confinam a nenhuma linha de fronteira, 
a nenhuma forma de titularidade ou soberania, 
são “usados” por todos, em qualquer ponto 
do planeta e por isso são de interesse comum. 
Se o valor destes serviços vitais é de alguma 
forma incalculável, precisamente porque são 
vitais, resta-nos a certeza de que os ecossis-temas 
prestam serviços cujo valor económico 
deveria ser muito superior aos lucros gerados 
pela exploração tradicional dos seus recursos. 
As árvores deveriam valer mais vivas do que o 
valor da sua madeira! 
Gaia Commitment - Forúm do Condo-mínio 
da Terra - Decorrerá na Cidade de Gaia 
nos próximos dias 4 e 5 de Julho. Este evento 
vai trazer a Portugal vários oradores de todo o 
Mundo das áreas de Ambiente e Ciências asso-ciadas, 
Economia e Direito, para se debater esta 
ideia e juntos procurarmos um projecto global 
para perpetuar as nossas sociedades através 
da preservação do ambiente natural. Entre os 
parceiros que vão debater “Como Organizar a 
Vizinança Global?”, vai estar o Jornal Estado 
de Direito, que desde o início mostrou a 
abertura e o espaço necessário para o jurista 
pensar, imaginar e inventar, buscando novas 
soluções, sem estar preso a paradigmas que 
demonstaram já não funcionarem no planeta 
que conhecemos hoje. Cedo percebeu o papel 
primordial e preventivo de organização que 
falta fazer a nível global e a necessidade de 
envolvimento de toda a sociedade na inserção 
dos cidadãos nas várias dimensões do que é 
o “jurídico”. Por isso, pela sua identificsação 
com este projecto e pelo papel absolutamente 
central que o Brasil irá desenpenhar no futuro 
ambiental do planeta, esta é uma parceria em 
que depositamos todas as esperanças. 
* L i c e n c i a d o p e l a U n i v e r s i d a d e d o Po r t o , P ó s - 
graduado pela Universaidade de Coimbra, e aluno do 
Doutoramento da Universidade de Salamanca. Autor do 
livro “O Condomínio da Terra” publicado pela Editora 
Almedina. 
Paulo Magalhães* 
DIVULGAÇÃO
Estado de Direito, maio e junho de 2009 7 
Já é possível falarmos em um 
Direito comum ou “mundializado”? 
Desde a idéia do Estado de Direito, como forma 
de proteger o indivíduo das arbitrariedades do poder 
temporal, foi pensado e criado um poderoso instru-mento: 
o Direito Positivo. Nos sistemas decorrentes 
da família romano-germânica de Direito, o Direito 
Positivo pode ser simbolizado e explicado a partir da 
idéia de lei. Um mecanismo de “dever-ser” dissociado 
da moral e da religião. Ciência, portanto. 
Ocorre que a partir do aumento cada vez mais 
crescente da sociedade, vamos ver uma profusão de 
normas que torna a ordem jurídica pouco palpável, 
digerível. Sentimos, assim, a necessidade de um 
“Direito comum”, comum em todos os sentidos, 
acessível a todos e que não fosse imposto de cima 
ou por instituições ilegítimas. 
O Direito uniforme vem se apresentando, após 
o advento da criação da sociedade das nações, das 
organizações de Direito Internacional, do consenso 
de Washington, da União Européia, da nova Lex 
Mercatoria, enfi m, de sistemas de formação de ordens 
jurídicas independentes do Estado nacional, como 
um mecanismo plural, mas que, paradoxalmente, 
reduz a complexidade e a própria pluralidade. Não 
permite aos povos manter sua identidade cultural e 
jurídica. As que ainda as mantêm, estão a mercê do 
que André-Jean Arnaud (In: Globalização e Direito 
I) chama de la mondialisation, e que atua como ameaça 
às peculiaridades de cada povo. 
Surge, desta forma, um novo ideário jurídico, 
para além do pluralismo e da complexidade dos 
sistemas de Direito. Um Direito reinventado, um 
“Direito Comum” (Mireille Delmas-Marty. In: Por 
um Direito comum). 
No plano da formação das normas, como ins-tância 
suprema está o Parlamento. Este deve agir 
com prudência e parcimônia, jamais devendo ceder 
a pressões pouco ou nada legítimas dos escritórios 
de legislação a mando de entidades privadas. Embora 
arriscada, a redução da complexidade do sistema 
jurídico-normativo, deve estar voltada à compreensão 
das normas pelos seus destinatários últimos: o cida-dão, 
o “homem médio” dos positivistas exegéticos. 
Como exemplo de áreas do Direito interno 
que devem dispor de normas mais facilmente com-preensíveis 
estão o Direito do Trabalho, Tributário, 
Financeiro, Alfandegário, Ambiental e, sem qualquer 
dúvida, o Econômico, a servir de exemplo as leis 
anti-trust. Atualmente, nestas áreas, o arcabouço 
jurídico apresenta-se tão complexo e confuso que 
até os advogados mais habilidosos encontram difi cul-dades 
de compreender o que o positivismo jurídico 
denominou de mens legis. Onde está, aqui, portanto, 
o Direito Comum pretendido por alguns importantes 
juristas da atualidade? 
Considerados estes desafi os, será ainda possível um 
Direito Comum? Algumas situações que bem retratam a 
difi culdade merecem destaque: em 1987, um tribunal 
de Nova Jersey reconheceu a validade de um contrato de 
“barriga de aluguel” e determinou à locadora da barriga 
a entrega da criança aos pais, tomadores do “serviço”; 
em 1988, um tribunal da Califórnia entendeu que um 
doador de sangue por ser proprietário das células no 
mesmo contidas, tinha direito a royalties sobre os me-dicamentos 
fabricados a partir de tais células; em 1988, 
uma clínica britânica recrutou cidadãos turcos que 
quisessem vender seus rins. Ou seja, nestes exemplos, 
o corpo humano é coisa que faz parte do comércio. Seria 
possível conciliar esta posição com a de outros sistemas 
normativos que entende estar este fora do comércio? 
Até quando, em um cenário de direito mercantilizado, 
alguma coisa permanecerá fora do comércio? Este é 
apenas um dos inúmeros e inimagináveis exemplos 
que podem ser formulados a partir da perspectiva de 
um direito mundial ou “comum”. 
Dentre estes e outros, vai o espaço nacional 
cedendo lugar a novas formas de Direito, fundadas 
em normas internacionais e supranacionais, onde 
prevalece a preocupação econômica que, quase 
sempre, passa ao largo do código dos povos, sendo 
este produto do tempo, da tradição. 
Como exemplo a ser seguido, cabe lembrar 
Malone x Reino Unido (agosto de 1984): a lei deve 
ser “sufi cientemente acessível; o cidadão deve poder 
dispor de informações sufi cientes, nas circunstâncias 
da causa, sobre as normas jurídicas aplicáveis a um 
dado caso; em segundo lugar, só se pode considerar 
como lei uma norma enunciada com sufi ciente preci-são 
para permitir a um cidadão reger sua conduta”. 
E como atores principais na concepção de um 
Direito Comum, estão também juízes e advogados. 
Estes últimos, em especial, deverão cuidar para não se 
transformar em “comerciantes do direito”, expressão 
de Dezalay (In: Marchands de droit, Fayard, 1992). 
Os primeiros, juízes, sem formar uma “ditadura da 
toga”, deverão interpretar o direito de modo a pos-sibilitar 
a concretização dos direitos fundamentais 
do homem e dos povos. Cabe ao legislador, em 
especial, evitar a “orgia das leis” (Grant Gilmore), 
e servir de mecanismo de fi ltro para normas vindas 
de fora pouco ou nada coincidentes com os valores 
que também devem preservar como “fabricantes de 
leis”, em certas situações impostas de forma unilateral 
como condição ao recebimento de vantagem pessoal 
ou outro fi m particular. 
Para fi nalizar este breve ensaio, importante afi r-mar 
que Direito Comum é Direito acessível a todos, 
Direito que não simpatiza com o “abuso do direito 
de legislar”. Lembrando Portalis, o Direito deve ser 
compreendido apenas como meio de comunicação 
entre “a lei e o povo” se o povo saiba ou possa saber 
que a lei existe e que existe como lei. 
*Advogado. Mestre em Direito pela Universidade do Vale do 
Rio dos Sinos. Professor de Direito Internacional na FEEVALE 
(Novo Hamburgo -RS, Brasil) e UNISINOS (São Leopoldo 
– RS, Brasil). 
Leandro de Mello Schmitt*
Estado 8 de Direito, maio e junho de 2009 
Direitos Humanos: realidade ou discurso? 
Falar em redução da importância das frontei-ras 
e em internacionalização crescente do nosso 
cotidiano chega a ser hoje um lugar-comum, um 
clichê que, por vezes, expressa muito pouco. 
Às facilidades tecnológicas que nos permitem 
saber instantaneamente o que se passa em países 
distantes, acompanhar seu cotidiano (conhecer 
da situação do trânsito ao prato do dia no res-taurante 
ou a agenda cultural) e que deixam 
seus habitantes, longes no espaço, ao alcance 
de um toque no teclado, somam-se as intensas 
relações diplomáticas e comerciais, que tornam a 
convivência internacional uma intrincada malha 
social e econômica, em que um incidente na 
Rússia afeta diretamente a bolsa de valores em 
São Paulo, em interesses que se entrelaçam e, 
muitas vezes, se chocam. 
Neste contexto, ganham força as obrigações 
que os países assumem publicamente, prome-tendo 
cumprir e defender um conjunto mínimo 
de valores comuns, que estabelecem mecanismos 
de proteção dos direitos humanos. São vários os 
tratados internacionais já assinados, cuidando de 
direitos civis e políticos, econômicos, sociais e 
culturais, proteção ao meio ambiente, tratamento 
adequado a refugiados, proibição de discriminação 
de gênero, raça ou credo e assim por diante. 
O Brasil, cuja Constituição Federal solene-mente 
eleva a dignidade da pessoa humana à 
condição de fundamento da própria existência 
republicana e que reafirma que a presença do 
país no cenário internacional tem a prevalência 
dos direitos humanos como um de seus prin-cípios, 
é signatário de vários destes tratados 
e aceitou expressamente a jurisdição da Corte 
Interamericana de Direitos Humanos. 
Este gesto, pleno de significados simbólicos, 
demonstra a importância que o respeito aos 
direitos humanos assume em nosso dia-a-dia, 
permitindo que a comunidade internacional 
conheça de casos concretos onde o Estado 
brasileiro tenha descumprido os compromissos 
assumidos e violado direitos daqueles que vivem 
em território nacional. 
Assim, deixar de garantir o direito à vida 
ou à saúde, não decidir em tempo adequado os 
casos que são levados ao Poder Judiciário, não 
investigar crimes, deixar impunes os autores 
de medidas lesivas aos direitos humanos são 
exemplos simples de situações que, acontecidas 
no Brasil, mesmo atingindo apenas brasileiros, 
podem gerar uma condenação internacional. 
Esta condenação pode trazer várias conseqü-ências: 
expor o Brasil a censura internacional (re-conhecimento 
público de desrespeito aos direitos 
humanos), obrigar à reparação dos danos, tanto 
com o pagamento de indenizações em dinheiro, 
quanto com a especificação de obrigação de fazer 
(repor o estado anterior daquele cujo direito foi 
violado; adotar medidas públicas de reconhe-cimento 
da falha estatal e adoção de políticas 
públicas para evitar a repetição do ato etc). 
Como se sabe, no âmbito internacional os 
municípios, o Distrito Federal e os estados-mem-bros 
não tem capacidade de agir e assim como 
não podem assumir encargos (financiamentos, 
acordos, contratos etc), também não podem ser 
responsabilizados. Isso faz com que a punição 
internacional que decorra de atos imputados aos 
estados-membros (por ação ou omissão) recaia 
sobre o ente federal, como se deu, por exemplo, 
na condenação imposta pela Corte Interameri-cana 
de Direitos Humanos em razão da morte 
de Damião Ximenes Lopes, ocorrida no Ceará, 
em uma clínica médica privada, conveniada ao 
Sistema Único de Saúde, onde se internara para 
tratamento psiquiátrico. 
A forma federativa, então, embora possa 
influir em determinados casos concretos, não 
poderá ser utilizada como escudo para evitar a 
punição internacional que decorra da violação 
dos direitos humanos. 
Este quadro permite, então, afirmar a 
existência de, ao menos, um duplo reconheci-mento 
do interesse federal, que decorre quer da 
obrigação da União de implementar as regras 
constitucionais (e não é outro o motivo que pode 
levar à intervenção por violação aos princípios 
sensíveis, prevista no artigo 34, VII, “a”, da 
Constituição Federal), quer da necessidade de 
atribuir eficácia aos compromissos internacio-nais 
assumidos. 
Não se trata, por certo, de extinguir a estru-tura 
federativa, mas, sim, de reconhecer o papel 
reservado à União. 
E é exatamente nesta teia de relações que se 
insere o Incidente de Deslocamento de Competên-cia 
- IDC, introduzido pela Emenda Constitucional 
45/2004, e que permite ao Procurador-Geral da 
República provocar o Superior Tribunal de Justiça 
para transferir, para a Justiça Federal, fatos que 
estejam submetidos ao Poder Judiciário Estadual. 
Situações que, em regra, seriam de com-petência 
da Justiça Estadual, se observada a 
possibilidade de responsabilização internacional 
do Brasil por violação dos atos internacionais 
de proteção dos direitos humanos, poderão ser 
deslocadas para a Justiça Federal, desde que de-monstrada 
a necessidade de tal ato para efetivar 
a proteção que se busca. 
Esta medida de força não implica, é bom 
ressaltar, a criação de um juízo de exceção ou 
uma condenação prévia daqueles que vierem 
a ser apontados como responsáveis pelo ato 
ilícito, uma vez que os fatos serão transferidos 
para o âmbito de atuação de um juiz federal 
previamente instituído, também dotado de 
todas as garantias da magistratura nacional, a 
quem também compete zelar pela ampla defesa 
e devido processo legal. A rigor, o deslocamento 
pode se dar até em benefício do acusado, liberan-do- 
o de um processo custoso e lento ou, ainda, 
direcionado a condená-lo. 
Por ser medida excepcional, normalmente 
vista como um voto de desconfiança na estrutura 
de poder do estado-membro, o IDC deve, de 
fato, ser usado com ponderação, mas não pode 
ser visto como um jogo de força, pois, antes 
de tudo, é um instrumento capaz de ajudar na 
implementação dos direitos humanos, com um 
custo institucional muito inferior ao de uma 
intervenção federal e muito mais efetivo do que 
o simples “empréstimo” temporário da Polícia 
Federal para a investigação de um crime. 
Conhecer e tornar eficaz o IDC é, portanto, 
medida salutar, que pode tornar o debate sobre 
o respeito aos direitos humanos um assunto 
central na agenda pública brasileira, despindo 
a discussão de seu caráter meramente retórico 
e buscando uma efetiva capacidade de mudar a 
triste realidade que ainda nos cerca. 
*Procurador da República. Diretor da ANPR – Associação 
Nacional dos Procuradores da República. Mestre em 
Direitos Humanos pela Universidade Federal do Pará. 
Docente da ESMPU – Escola Superior do Ministério 
Público da União. Autor do livro Direitos Humanos 
e Federalismo: o Incidente de Deslocamento de 
Competência (Atlas, 2009) 
Ubiratan Cazetta* 
“... deixar impunes os autores 
de medidas lesivas aos direitos 
humanos são exemplos 
simples de situações que, 
acontecidas no Brasil, mesmo 
atingindo apenas brasileiros, 
podem gerar uma condenação 
internacional.” 
“... o Incidente de 
Deslocamento de Competência 
- IDC, introduzido pela Emenda 
Constitucional 45/2004, e 
que permite ao Procurador- 
Geral da República provocar 
o Superior Tribunal de Justiça 
para transferir, para a Justiça 
Federal, fatos que estejam 
submetidos ao Poder Judiciário 
Estadual.” 
“A forma federativa, então, 
embora possa influir em 
determinados casos concretos, 
não poderá ser utilizada como 
escudo para evitar a punição 
internacional...” 
MARCO DORMINO, ONU
Estado de Direito, maio e junho de 2009 9 
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Estado 10 de Direito, maio e junho de 2009 
Normatividade constitucional no século XXI 
Completará vinte anos, em 09 de novembro 
de 2009, a queda do Muro de Berlim. A derruba-da 
das paredes e cercas de arame que separaram 
a Alemanha por vinte e oito anos, entretanto, 
pelo menos no que toca ao seu simbolismo, 
tem muito mais a ver com o soerguimento e a 
consolidação de relações políticas, econômicas 
e sociais que, emergindo no início da segunda 
metade do século XX, desestabilizaram concei-tos 
e maneiras de compreender o mundo que, 
até então, revelavam-se suficientes para que se 
pudesse saciar a curiosidade humana. 
Tenho em vista, especialmente, a globaliza-ção, 
que, de acordo com ULRICH BECK (Poder 
y Contra-Poder en La era Global: la nueva 
economia política mundial, Paidós Estado y So-ciedad, 
2004), abarca, simultaneamente, ideias 
de interconexão, de fluxos transfronteiriços e 
de superação de espaço e de tempo, assinalando 
uma transformação histórica de decomposição 
da modernidade ou, nas palavras de ALAIN 
TOURAINE (Crítica da Modernidade, 7ª ed., 
Vozes, 2002.), “de uma modernização endóge-na, 
do triunfo das luzes da razão e das leis da 
natureza”. 
Concepções outras, no entanto, agregaram-se 
ao longo da década de noventa e do início do 
século XXI, contribuindo para uma elucidação 
do atual momento histórico. 
Destaque-se a noção de risco que, para 
ULRICH BECK (World Risk Society, Blackwell 
Publishers, 2001), consubstancia “uma abor-dagem 
moderna para prever e controlar as 
futuras consequências da ação humana, as várias 
consequências não planejadas da modernização 
radicalizada. (...) uma tentativa institucionaliza-da, 
um mapa cognitivo, para colonizar o futuro.” 
Toda sociedade tem experimentado perigos, 
todavia, sustenta BECK, o regime de risco é 
uma função da nova ordem: não nacional, mas 
global. Intimamente conectado com um processo 
de tomada de decisão administrativo e técnico, 
“risco pressupõe decisão (…) previamente 
tomada com normas fixas de calculabilidade, 
conectando meios e fins ou causas e efeitos. Tais 
normas são precisamente o que a ‘sociedade de 
risco mundial’ invalidou. Tudo isso se tornou 
muito evidente com o seguro privado, talvez o 
melhor símbolo da calculabilidade e da seguran-ça 
alternativa – que não cobre desastre nuclear, 
nem mudanças climáticas e suas consequências, 
nem a quebra econômica da Ásia, nem o risco 
pouco-provável e de elevada-consequência das 
várias formas de tecnologia futura.” 
Igualmente relevante se afigura a compreen-são 
das mudanças atinentes ao poder soberano, 
que HARDT, M. e NEGRI, A. analisam sob a 
ideia diretiva de Império. Esclarecem os autores 
(Império, 6ª ed., Record, 2004) que se trata, 
atualmente, de atentar para um novo registro 
de autoridade que alcança toda a produção e 
reprodução da vida. O Império, dizem, “não 
estabelece um centro territorial de poder, nem 
se baseia em fronteiras ou barreiras fixas (...) O 
conceito de Império caracteriza-se fundamen-talmente 
pela ausência de fronteiras: o poder 
exercido pelo Império não tem limites. Antes e 
acima de tudo, portanto, o conceito de Império 
postula um regime que efetivamente abrange a 
totalidade do espaço, ou que de fato governa o 
mundo ‘civilizado’ (...) o Império se apresenta 
(...) como um regime sem fronteiras temporais, 
e, nesse sentido, fora da História ou no fim da 
História (...) O objeto de seu governo é a vida 
social como um todo e assim o Império se apre-senta 
como um paradigma de biopoder.” 
Ideologia que se tem beneficiado da organi-zação 
Imperial – de certa forma sua gestora – é 
o neoliberalismo. Na medida em que o poder 
soberano se organiza de maneira difusa, em 
rede, e o mercado, principalmente na economia 
internacional, consegue mitigar a soberania dos 
Estados em determinados assuntos, espraia-se 
o discurso de que se tem de buscar, prepon-derantemente, 
a liberdade individual e a livre 
empresa. Aos Estados incumbe manter, como no 
liberalismo clássico, a estrutura administrativa 
básica, garantindo, por exemplo, serviços públi-cos 
de base – água, saneamento e educação – a 
integridade da moeda e a segurança mediante 
utilização de recursos militares e ações de 
polícia. A intervenção direta na economia e no 
mercado deve ser evitada. 
A um contexto assim, que denomino situ-ação 
de exceção permanente (CORVAL, P.R.S., 
Teoria Constitucional e Exceção Permanente, 
Juruá, 2009), evidentemente, não está imune 
a Constituição e a sua capacidade reguladora e 
integradora da realidade social: sua normativi-dade. 
Problemático é dizer se continua adequado 
o entendimento acerca da normatividade cons-titucional 
construído sob o influxo da teoria 
pós-1945. 
Embora crítica no que toca ao isolamento 
entre realidade social e normatividade, a teoria 
pós-1945 caracteriza-se por justapor, lado a 
lado, esses elementos. Realidade e norma, aí, 
se condicionariam reciprocamente para atribuir 
à Constituição uma força própria motivadora e 
ordenadora da vida social. 
Onde, contudo, semelhante força normativa 
num cenário político e econômico global-na-cional 
gerador de dominação, propagador de 
violência e contrário à criatividade constituinte 
do ser humano, que revela características se-melhantes 
àquelas encontradas em estados de 
exceção, emergência ou sítio da primeira metade 
do século XX, nos quais os preceitos fixados 
na ordem jurídica, embora vigentes, não são 
efetivados e em que se reafirma a lógica da in-suficiência 
do regime democrático, a capacidade 
de a constituição regular a vida é, sem dúvida, 
ameaçada? 
Nada melhor, portanto, do que buscar na 
ideia mesma de exceção – adjetivada, nos últimos 
tempos, pela permanência – categoria capaz de 
contribuir para o entendimento do fenômeno 
jurídico-político, em especial, do direito cons-titucional. 
A exceção permanente encontra ponto 
de partida na doutrina sustentada por CARL 
SCHMITT – para quem, na exceção, o sujeito 
da soberania não está adstrito a um catálogo de 
competências, mas à decisão, subsistindo, toda-via, 
“em sentido jurídico, uma ordem, mesmo 
que não uma ordem jurídica.” (Teologia Política, 
Del Rey, 2006) É consolidada, entretanto, numa 
perspectiva ideológica distinta, na formulação 
de GIORGIO AGAMBEN (Estado de Exceção, 
Boitempo, 2004), que, em apertada síntese, em 
harmonia com Walter Benjamin, postula ser 
a exceção, o momento político originário, um 
espaço vazio. 
A relação entre norma e vida já não é de 
simples reciprocidade, mas de imanência: o 
dado normativo não é autônomo, estando, como 
numa linha paralela, em mera correspondência 
com a realidade. Em vez disso, a realidade social 
é, além de sua parte integrante, por ele também 
integrada, compondo um espaço de indiscerni-bilidade 
a exigir o exercício de uma violência 
pura, criadora, capaz de se viabilizar por meios 
não-jurídicos de entendimento. 
Enquanto a normatividade autônoma pós- 
1945 pretende manter contato pleno com a 
realidade, mas, ao enfrentá-la, manifesta certa 
repugnância pelo que está diante de si e se 
isola na mera reciprocidade – almeja emanci-pação, 
conquistas pela sua capacidade regente, 
mas, confrontado com o real, transmuta-se 
em imobilidade – a normatividade, à luz da 
exceção permanente, trata da criação/inscri-ção 
do âmbito de sua própria referência na 
vida social, de modo que a distinção entre 
normatividade e realidade perde sua razão de 
ser, emergindo espaços de solução de conflito 
não juridicizados. 
Reestruturada, nessas linhas gerais, a norma-tividade 
constitucional, repercussões surgirão, 
sem dúvida, no que se refere ao entendimento 
da Constituição, dos direitos fundamentais, da 
hermenêutica constitucional e da atividade dos 
tribunais constitucionais. 
Neste artigo, contudo, ponho em relevo 
apenas duas grandes diretivas que, acredito, 
emergem para a teoria constitucional do século 
XXI sob as lentes da exceção permanente: (i) 
a revalorização do processo histórica na com-preensão 
do fenômeno político constitucional 
e (ii) a ampliação do espaço destinado ao agir 
político. 
A influência do processo histórico, ninguém 
ignora, encontra na teoria constitucional clássica 
e na teoria pós-1945 seu ponto de partida. Toda-via, 
na medida em que redimensionada a própria 
compreensão da tensão entre normatividade 
e vida não se poderá ler, de igual maneira, a 
influência do dado histórico. Bem adverte JOSÉ 
RIBAS VIEIRA que “em razão mesmo da grandeza 
desse denso fluir histórico, ao qual a constituição 
de forma constate defronta, não podemos, pro-vavelmente, 
reduzir as fronteiras do atual cons-titucionalismo 
somente a um esgotamento, por 
exemplo, do paradigma constitucional pós-45, a 
uma única variável explicativa seja a de caráter 
valorativo ou de matriz política.” (Perspectivas 
da teoria constitucional contemporânea, Lumen 
Juris, 2007) 
Na óbvia referência da teoria pós-1945 ao 
processo histórico é luz externa para a compre-ensão 
do direito. Sob a categoria da exceção, 
em vez disso, por ele se sinaliza a insuficiência 
mesma das análises que se pretendem exclusi-vamente 
jurídicas no âmbito da teoria consti-tucional. 
A ampliação do espaço destinado ao agir 
político decorre de se reconhecer uma zona de 
indiscernibilidade entre norma e realidade, em 
que não se afigura possível inscrever no registro 
jurídico a totalidade do fenômeno político-cons-titucional. 
Trata-se, grosso modo, de assumir que 
a conquistas e consolidação de direitos e valores 
perpassa, muito mais do que o âmbito de um dis-curso 
jurídico, em específico de direito constitu-cional, 
nosso agir político. Noutras palavras: a 
atribuição de direitos, de uma cidadania jurídica, 
por mais desejável que possa ser não é suficiente 
para viabilizar, qualitativamente, a emancipação 
e a conquista de “novos” direitos, a exemplo dos 
intermináveis debates concernentes aos direitos 
humanos sociais. É preciso explorar a potência 
destrutiva e constituinte da multidão que se 
espalha pelo globo para alcançar ou manter, em 
um nível que transcende a própria juridicidade, 
objetivos e conquistas que, em determinado 
momento histórico, no discurso constitucional 
estrito, não se mostra acessível. 
*Mestre em Ciências Jurídicas pela PUC-Rio; Advogado; 
Assessor na Procuradoria Regional da República – 2ª 
Região/Ministério Público Federal; graduado em Direito 
na PUC-Rio, 2004. Autor do livro “Teoria Constitucional 
e Exceção Permanente - Uma Categoria para a Teoria 
Constitucional no Século XXI” publicado pela Editora 
Juruá. 
Paulo Roberto dos Santos Corval* 
“Aos Estados incumbe manter, 
como no liberalismo clássico, 
a estrutura administrativa 
básica, garantindo, por 
exemplo, serviços públicos de 
base – água, saneamento e 
educação...” 
“A ampliação do espaço 
destinado ao agir político 
decorre de se reconhecer uma 
zona de indiscernibilidade entre 
norma e realidade, em que não 
se afigura possível inscrever 
no registro jurídico a totalidade 
do fenômeno político-constitucional.” 
“... ponho em relevo apenas 
duas grandes diretivas que, 
acredito, emergem para a 
teoria constitucional do século 
XXI sob as lentes da exceção 
permanente: (i) a revalorização 
do processo histórica na 
compreensão do fenômeno 
político constitucional e (ii) a 
ampliação do espaço destinado 
ao agir político.” 
“A relação entre norma e 
vida já não é de simples 
reciprocidade, mas de 
imanência: o dado normativo 
não é autônomo, estando, 
como numa linha paralela, em 
mera correspondência com a 
realidade.”
Estado de Direito, maio e junho de 2009 11 
As normas constitucionais admitem interpretação? 
Já virou lugar comum dizer que a Constituição 
da República de 1988, vintenária no ano passado, 
resulta na mais perfeita expressão do pacto popular, 
representando a democracia brasileira após muitos 
anos de ditadura militar. Não é por outro motivo, 
aliás, que recebe o nome de Constituição Cidadã. 
Ao referendar o Estado Democrático de Direito, ela 
assegura o aprimoramento das instituições sob o 
apanágio das conquistas materializadas mediante 
a tutela das cláusulas pétreas, mecanismos respon-sáveis 
por proteger direitos fundamentais na sua 
mais essencial aptidão qualitativa. 
Ocorre que uma das mais sintomáticas lições 
enraizadas nos manuais de direito constitucional 
– a supremacia e a força normativa do texto cons-titucional– 
vem sofrendo ramifi cações cuja espe-cifi 
cidade merece ser disseminada com profunda 
sobriedade à sociedade brasileira. Isto porque não 
basta a mera proclamação vazia de que o ordena-mento 
constitucional constitui o ápice das leis, 
situando-se acima das demais normas jurídicas, 
devendo estas subordinarem-se hierarquicamente 
na conformidade dos conteúdos expostos na Lei 
Maior. A garantia da constitucionalidade dos atos 
normativos e dos comportamentos em geral ini-cia- 
se da própria interpretação da Magna Carta, 
quando ela mesma sofre o processo interpretativo 
concretizador da justiça que dali emana. 
Daquela lição basilar de proeminência constitu-cional 
retumba a interpretação das leis de acordo com 
a Constituição. Em conseqüência, todas as leis, por 
exemplo, devem guardar conformidade com o acervo 
constitucional de conteúdos e procedimentos, o que 
implica sua regular formação e, mais importante, cor-respondente 
compatibilidade material (de conteúdo 
adequado aos ditames constitucionais). Nessa senda, 
ganhou realce a fi gura dos princípios constitucionais, 
através dos quais se permite não apenas declarar uma 
norma como inconstitucional, mas conferir-lhe inter-pretação 
em consonância aos expedientes axiológicos 
erigidos pelo Texto Maior. 
Porém, e aqui enaltecemos o ponto nevrálgico 
da discussão, será que a própria Constituição 
merece ser interpretada de acordo com os critérios 
nela ditados? Nenhuma resposta no direito merece 
ser dada de antemão, sem o confronto com um 
caso concreto, exatamente pela inerência de ser a 
ciência jurídica descendente da razão prática. Há 
alguns meses o Supremo Tribunal Federal, a quem 
compete dizer o que a Constituição representa na 
sua vitalidade cotidiana, foi confrontado com uma 
situação bastante peculiar. Determinado político 
fora processado perante instância privilegiada, de 
acordo com os ditames legais e, ao ser acossado 
pela iminência de julgamento, resolveu renunciar 
ao seu mandato. A questão posta no STF redun-da 
no seguinte: deve este tribunal adentrar no 
mérito da renúncia – claramente configuradora 
de manejo em prol da imediata procrastinação 
processual e de mediata impunidade do réu, tendo 
em vista que a remessa dos autos para a compe-tência 
ordinária implicará em inevitável extinção 
de punibilidade – ou simplesmente interpretar 
mecanicamente o artigo 53, §1º da Constituição? 
O respectivo artigo deduz, em conformidade aos 
julgamentos desta Corte, que deputados e sena-dores 
serão julgados pelo Tribunal de Cúpula, na 
constância de seu mandato. Uma vez desprovidos 
da condição de parlamentar, seja por qualquer 
motivo, dentre eles, a renúncia, a competência 
de julgamento é retomada pelas regras comuns 
de competência. 
Parte dos Ministros do STF, em minoria, se 
inclinaram pela desconsideração da renúncia por 
qualificá-la nítido abuso de direito, propósito dia-metralmente 
contraditório a um alegado direito 
subjetivo de renunciar; neste sentido, remanes-ceria 
ao Tribunal a prerrogativa de julgar o réu. A 
tese vencedora, no entanto, preferiu – para usar 
do verbo corrente no caso – renunciar à análise 
do caso concreto em benefício, como consta da 
decisão, “do que ocorre normalmente”, sem se 
apegar a circunstâncias “extravagantes”. 
Ora, uma das diretrizes primordiais da nossa 
Constituição revela o desígnio pelo devido proces-so 
legal, nele consagrando a devida consideração 
das especifi cidades do caso concreto para efeito 
de se promover a justiça. Neste exemplo, o STF 
acatou verdadeira exegese do texto constitucional, 
ao simplesmente condecorar o sentido literal 
contido nas palavras de sua expressão, em vez de 
realizar adequada interpretação de acordo com 
os seus cânones mais elevados, como é o caso do 
princípio da moralidade, a informar que também 
as regras constitucionais merecem interpretação 
auto-refl exiva. Ao fi m e ao cabo, parece-nos, a 
interpretação mais recomendável seria aquela 
adotada pela minoria da Corte, ao fazer persistir a 
competência de o STF julgar aquele ex-político. 
* Advogado, Professor Universitário, Mestre e Doutorando em 
Direito pela UNISINOS 
Mauricio Martins Reis* 
“A garantia da 
constitucionalidade dos 
atos normativos e dos 
comportamentos em 
geral inicia-se da própria 
interpretação da Magna 
Carta...” 
“... todas as leis, por 
exemplo, devem guardar 
conformidade com o acervo 
constitucional de conteúdos e 
procedimentos, o que implica 
sua regular formação e, mais 
importante, correspondente 
compatibilidade material.”
Estado 12 de Direito, maio e junho de 2009 
Uma pergunta sem resposta: 
afinal, quais são os direitos sucessórios da convivente? 
Apesar de estarmos em 2009, o Brasil ainda está 
na idade das trevas quando o assunto em pauta é 
a proteção da família, entendida esta no sentido 
constitucional da expressão. Como em muitos 
outros aspectos, não temos um texto constitucional 
efi caz, uma norma suprema que conceda direitos e 
prerrogativas ao indivíduo. 
O art. 226 § 3º da Constituição (que eleva a 
união estável ao status de entidade familiar) parece 
ter a mesma efi cácia do 7º, V (o salário mínimo 
será sufi ciente para atender às necessidades vitais 
básicas do trabalhador e de sua família no que tange 
a moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, 
vestuário, higiene, transporte e previdência social). 
Ninguém responde hoje com segurança e fi rmeza à 
seguinte pergunta: na prática, no formal de partilha, 
quais são os direitos sucessórios da convivente da 
união estável. 
Só a título de curiosidade vale registrar que em 
1940 (!) o art. 258 do Código Civil boliviano (escrito 
pelo jurista Angel Ossório) previu ao concubino 
supérstite direito hereditário idêntico ao do cônju-ge, 
numa regra tão justa quanto clara, eliminando 
quaisquer resquícios de dúvida. 
Dentre os seis artigos que o Código brasileiro 
reservou para regulamentar a união estável está o 
famoso 1.790, talvez um dos piores artigos da his-tória 
jurídica de nosso país. Em síntese o dispositivo 
demarca o conjunto de bens nos quais a convivente 
herdará com o falecimento de seu parceiro. Esse 
local no qual a convivente concorrerá com os outros 
herdeiros do fi nado é exatamente a parte que coube 
ao falecido na meação dos bens comuns. 
Explicando melhor: Reúne-se tudo o que o casal 
construiu ao longo de sua parceria de vida. Metade 
já pertence à convivente, afi nal, o regime é o da 
comunhão parcial de bens (levamos 112 anos de 
República para estabelecer esse regime sem ressalvas 
para a união estável). A outra metade pertencia, 
portanto, ao falecido. É nesta outra metade que a 
convivente herdará, segundo o artigo já citado. 
O detalhe é que – se a hipótese fosse de casa-mento 
sob comunhão parcial – a esposa herdaria 
nos bens particulares do falecido marido (bens que 
ele herdou, recebeu de doação ou mesmo comprou, 
mas antes de casar). 
Neste ponto, cabe uma observação muito 
relevante. Não é sempre que o cônjuge herdará em 
melhores condições do que o companheiro. Imagine 
a hipótese em que há enorme prevalência de bens 
comuns e quantidade reduzida de bens particulares. 
Neste caso, concorrendo com um fi lho comum, o 
companheiro meará e depois herdará metade dos 
bens comuns, enquanto que o cônjuge nas mesmas 
condições apenas meará, fazendo a sucessão sobre 
os reduzidos bens particulares existentes. 
Da maneira pela qual a lei estabelece, a con-vivente 
de união estável pode acabar tendo mais 
direitos do que a esposa em comunhão universal. 
Imagine que José e Maria se uniram no ano de 1970 
e – como a imensa maioria da população brasileira 
– pouco herdaram, conquistando a maior parte 
do seu patrimônio durante a vida de casados. Tal 
enlace durou exatamente 39 anos, quando José 
falece. No momento do inventário, os bens parti-culares 
trazidos por José ao casamento limitam-se 
a poucos livros e um carro muito velho, ao passo 
que o patrimônio construído ao longo da vida do 
casal perfaz considerável soma em dinheiro liquido, 
além de dezenas de bens imóveis a garantir a renda 
da viúva. O casal teve dois fi lhos. 
Se José e Maria tivessem se casado sob o regime 
da comunhão universal de bens, Maria não teria 
direitos sucessórios (a pessoa casada em comunhão 
universal não herda do cônjuge quando concorre 
com descendentes). Faria jus então à sua meação, 
levando 50% da grande massa patrimonial adquirida 
na constância do casamento. 
Se o caso fosse de união estável, pela letra fria 
da lei em vigor, Maria faria jus a 50% da meação e 
ainda herdaria sobre os outros 50%, concorrendo 
com seus dois fi lhos justamente na massa de bens 
mais volumosa, levando, portanto, uma maior 
quantidade de bens do que no primeiro caso. 
Percebe-se, portanto, que vivemos hoje uma 
situação de convulsão legislativa. A lei ora parece 
conceder mais direitos aos cônjuges, ora pende radi-calmente 
para o lado da convivente, não se podendo 
responder ao certo – para efeitos sucessórios – qual 
é a melhor opção patrimonial: se o casamento ou 
a união estável. 
O próprio STJ percebeu tal descompasso: “A 
diferença nas regras adotadas pelo código para um 
e outro regime gera profundas discrepâncias, che-gando 
a criar situações em que, do ponto de vista 
do direito das sucessões, é mais vantajoso não se 
casar” (MC 14.509/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, 
3ª Turma, julgado em 21/8/2008). 
A Escola Paulista da Magistratura em curso reali-zado 
em 2006 proferiu a Conclusão n.º 1 a respeito 
da concorrência sucessória do convivente: “Afi gura-se 
inconstitucional a previsão do art. 1.790 do CC ao 
atribuir a participação do companheiro na sucessão 
em concorrência com os fi lhos sobre os bens havidos 
onerosamente durante a convivência”. 
Juízes de 1ª instância também têm decidido pela 
inconstitucionalidade do art. 1.790:“A regra inscrita 
no art. 1.790 do CC padece, realmente, do vício da 
inconstitucionalidade” (Processo n.º 03.092595-9, 
da 3ª Vara da Família e Sucessões do Foro Central 
de São Paulo). 
Porém, após afastar a incidência do artigo 1.790, 
os magistrados devem se atentar para não deixar 
a convivente sem herança. Exclui-se o art. 1.790 
e concede-se o quê? Nesse cenário parece que os 
princípios gerais do Direito indicam que o caminho 
adotado é mesmo o de se atribuir à convivente os 
mesmos direitos sucessórios da esposa casada em 
comunhão parcial, conforme a Bolívia já fez há 
quase setenta anos. 
A conclusão que se chega é que no Brasil, 
o homicida – antes de praticar seu crime – tem 
informações claras a respeito das conseqüências 
do seu ato. Sabe com precisão qual a pena mínima 
e máxima que poderá sofrer, tem condições de 
conhecer os recursos que terá a sua disposição, 
as regras para o sursis, as normas sobre liberdade 
provisória etc. 
Já a mulher que encontra seu parceiro de vida, 
que deseja com ele formar o núcleo básico da so-ciedade, 
com ingredientes de afeto, consideração, 
amor e respeito, auxiliando o Estado no ofereci-mento 
de pessoas educadas e bem criadas para o 
desenvolvimento de uma sociedade evoluída, não 
obtém respostas seguras a respeito das normas que 
pautarão sua vida familiar, especifi camente no que 
tange às conseqüências sucessórias desta união. 
*Bacharel em Direito, Mestre e doutorando pela Faculdade 
de Direito da USP. Entre os livros publicados pela Editora 
Atlas destacamos “Medidas Provisórias: o Executivo que 
legisla“, “Direito Civil: Sucessões - v. 9” e “Direito Civil: 
Parte Geral - v. 3” 
Gustavo Rene Nicolau* 
MARCELLOCASAL JR ABR
Estado de Direito, maio e junho de 2009 13 
Entrevista 
Lei Fundamental Alemã 
O Professor Dieter Grimm (*) palestrou no dia 08 de abril, no Goethe-Institut Porto Alegre, na Conferên-cia 
Lei Fundamental da Alemanha 60 anos de conquistas, desafi os e perspectivas, nessa oportunidade o 
Jornal Estado de Direito registrou a entrevista. Confi ra! 
Estado de Direito: Primeiramente, gostaría-mos 
que o senhor explicasse um pouco como 
funciona o ingresso na Magistratura alemã, 
considerando também sua atuação como 
Magistrado do Tribunal Constitucional Federal 
Alemão? 
Dieter Grimm: Existe uma diferenciação 
entre um Juiz que atua na Jurisdição ordinária e 
os Juízes do Tribunal Constitucional, em termos 
de ingresso. Um juiz de carreira (togado) é no-meado 
de acordo com a sua qualidade e seus 
conhecimentos pelo Ministério da Justiça, com 
base nas notas auferidas nas provas realizadas 
pelos diversos estados da federação e que 
asseguram o acesso às carreiras jurídicas, exi-gindo 
uma nota mínima para os que pretendem 
ingressar na Magistratura, sendo chamados 
de acordo com as vagas disponibilizadas. Já o 
Juiz do Tribunal Constitucional é eleito. Metade 
dos juízes do Tribunal Constitucional é eleita 
por uma das casas do Parlamento e metade 
pela outra casa, sendo o mandato de doze 
anos. O entrevistado considera esta uma boa 
regra, pois além de ter que ser escolhido por 
uma das casas do Parlamento, a eleição se dá 
pela maioria qualificada de dois terços, o que 
significa que esse juiz vai ter que ter um apoio 
de pelo menos dois partidos majoritários, o que 
impede que seja escolhida uma pessoa que 
tenha posições extremadas. Isso não significa 
que um juiz que não pertença a um determinado 
partido político vá ser preterido, mas é uma boa 
regra na escolha dos juízes. 
ED: O Senhor poderia fazer um balanço 
sobre os 60 anos da lei fundamental alemã ao 
longo de sua trajetória existencial, especialmen-te 
sobre a sua força normativa e receptividade 
pela população? 
DG: Ele acredita que a atual Constituição 
Alemã, a Lei Fundamental de 1949 , é a mais im-portante 
da Alemanha até agora, por pelo menos 
quatro motivos. 1. Num primeiro sentido, temos 
uma questão temporal, visto que a Constituição 
de 1848, do Império, durou 47 anos, a Cons-tituição 
de Weimar, por 17 anos, ao passo que 
a Lei Fundamental de 1949 completa 60 anos 
agora em maio. 2. Em segundo lugar é uma 
questão de relevância. As pessoas vislumbram 
na Constituição uma obra de significado para as 
suas vidas, pois a Constituição tem peso nas 
suas escolhas e elas se identificam com a sua 
Constituição, o que está fortemente vinculada à 
criação e ao papel desempenhado pelo Tribunal 
Constitucional, no que diz com a proteção e 
desenvolvimento do direito constitucional, 
bem como com a formação, na Alemanha, do 
assim designado “patriotismo constitucional”. 
3. Um terceiro fator, vinculado à identificação 
do indivíduo com a Lei Fundamental, reside na 
possibilidade de qualquer pessoa, sempre que 
estiver diante de uma suposta violação a direito 
fundamental, pode ajuizar diretamente uma 
reclamação constitucional sem qualquer cus-to, 
buscando um pronunciamento do Tribunal 
Constitucional. 4. Em quarto lugar porque essa 
Lei Fundamental serviu de exemplo também 
para diversas outras Constituições que foram 
elaboradas após 1949. 
ED: A Lei Fundamental define a Alemanha 
como um Estado Social. Qual a razão dessa 
opção e não a de positivar direitos sociais, 
econômicos e culturais? 
DG: O professor acredita que há especial-mente 
dois motivos pelos quais não foram 
positivados os direitos fundamentais sociais. 
Primeiro, porque a experiência anterior que 
eles tinham era a experiência da Constituição 
de Weimar, que sobre esse aspecto, apesar de 
ter positivado direitos fundamentais sociais, 
não teve sucesso. Sendo eles considerados 
de menor importância, sua força normativa 
não foi desenvolvida e assim eram tidos como 
meras declarações políticas, destituídas de 
vinculatividade. A partir daí, a idéia era não 
repetir essa tentativa de positivar direitos fun-damentais 
sociais. 
A segunda razão, que é a mais importante, 
é que no Conselho Constituinte havia certa 
polarização política entre Liberais e Social- 
Democratas. Ambos os lados tinham mais 
ou menos a mesma força e isso fez com que 
nenhum conseguisse estabelecer - os Liberais 
a ausência total de normas sociais e os Sociais 
Democratas a positivação mais ampla dos 
direitos sociais – predominantemente seus 
interesses. Dada essa igualdade de forças, o 
compromisso entre os dois lados foi alcançado 
justamente na figura dessa norma que institui o 
Estado Alemão como um Estado Social, apesar 
de a Lei Fundamental não positivar direitos 
sociais propriamente ditos. 
ED: Quais os mecanismos de controle de 
constitucionalidade das leis alemãs? 
DG: O entrevistado refere novamente que foi 
precisamente com a Lei Fundamental de 1949 
que, pela primeira vez na historia da Alemanha, 
foi estabelecida uma Corte Constitucional, já 
que isso não foi previsto nas Constituições 
anteriores e essa Corte tem amplos poderes 
para justamente analisar a constitucionalidade 
de atos do governo. Isso foi um reflexo da ex-periência 
com o nazismo, um período durante 
qual praticamente não se ligava para a lei, não 
havia qualquer controle dos atos do governo, 
seja do Poder Executivo, seja do Poder Legis-lativo, 
razão pela qual se previu uma eficiente 
Jurisdição Constitucional, representada pelo 
Tribunal Constitucional Federal, que decide de 
cinco a seis mil casos por ano. 
ED: Para a tutela dos direitos fundamentais a 
população conta com a “queixa ou reclamação 
constitucional”. Como funciona esse procedi-mento 
e qual tem sido seu papel efetivo para 
o desenvolvimento, proteção e promoção dos 
direitos fundamentais? 
DG: No que tange à Reclamação Constitu-cional 
(Verfassungsbeschwerde), o entrevista-do 
asseverou que qualquer pessoa pode trazer 
uma demanda perante a Corte, designadamente 
nos casos de violações de direitos fundamen-tais 
por parte do Estado. Isso significa que 
não são apenas cidadãos alemães que podem 
ajuizar essa reclamação, mas também estran-geiros 
que estejam na Alemanha no momento 
da violação. Claro que há algumas condições 
para o uso da Reclamação Constitucional. 
O primeiro, dentre os mais importantes, é a 
exaustão dos outros meios para a cessação 
dessa violação, ou seja, as instâncias inferiores 
da Jurisdição devem ser acessadas antes de se 
recorrer ao Tribunal Constitucional. Também há 
o limite temporal de quatro semanas, ou seja, 
até quatro semanas após o ato que violou ou 
supostamente violou um direito é que é possível 
ingressar com a Reclamação. O entrevistado 
reiterou que desses cinco a seis mil casos que 
a Corte julga anualmente, em torno de 95% 
são sobre casos individuais. Quando se trata 
de casos mais relevantes, as decisões são 
tomadas pelo Plenário da Corte, ao passo que 
nos demais casos a decisão é afeta a um cole-giado 
composto por três Juízes. Precisamente 
o fato de que qualquer pessoa pode fazer essa 
Reclamação Constitucional contribui para o 
alto respeito que os alemães têm pela Corte 
Constitucional. 
ED: O Princípio da Proporcionalidade tem 
sua origem na Alemanha? A sua aplicação na 
jurisprudência constitucional alemã diverge 
muito da de outros países, como é o caso dos 
Estados Unidos? 
DG: De fato, a origem do Princípio da Pro-porcionalidade 
é alemã. Ele surgiu no direito 
administrativo, no século XIX, em questões vin-culadas 
ao direito de polícia. Apenas em 1950 
é que a Corte Constitucional passou a utilizar 
o princípio, tornando-se ele em um princípio de 
direito constitucional. O princípio é usado pela 
Corte Constitucional sempre que está envolvida 
a limitação de direitos fundamentais pela lei, 
ou seja, a questão é sempre determinar se a 
restrição que é feita de um direito fundamental 
é proporcional ou não. Além disso, é feito 
também um teste de proporcionalidade dos 
atos do Executivo que aplicam as leis. É uma 
aplicação de dois tempos: primeiro verifica-se 
se a lei é proporcional na sua limitação que 
faz dos direitos fundamentais e, no segundo 
momento, se o ato que aplica aquela lei tam-bém 
é proporcional. O entrevistado acredita 
que os direitos fundamentais na Alemanha 
são protegidos justamente pelo Princípio da 
Proporcionalidade. 
ED: Como se dá a relação entre o Tribunal 
Constitucional e os demais Órgãos Estatais? 
DG: A Corte Constitucional Alemã na ver-dade 
é um órgão muito poderoso, justamente 
por essa ampla prerrogativa de controle cons-titucional. 
O que acontece então é que diversos 
atos do governo, bem como algumas decisões 
de instâncias inferiores da jurisdição, são decla-rados 
inconstitucionais. Isso significa que por 
vezes os outros poderes são tolhidos nos seus 
interesses e nas suas intenções e nem sempre 
gostam disso. Neste contexto, o entrevistado 
frisa desconhecer situação na qual a Corte foi 
desobedecida, o que se deve principalmente 
ao grande apoio popular do qual goza a Corte 
Constitucional. Ou seja, como a população 
apóia a Corte o custo político, para os partidos 
políticos e para órgãos dos três Poderes, no 
sentido de não cumprirem uma decisão ema-nada 
pela Corte, seria muito grande. 
ED: Para finalizar, o senhor poderia falar 
CARLOS BAILON 
sobre o que significa o Estado de Direito na sua 
concepção e qual a contribuição alemã e da Lei 
Fundamental para a afirmação e compreensão 
de tal modelo? 
DG: O mais básico de tudo é justamente 
a idéia de que ele consagra o império da lei, 
isso é, assegurar que a forma de exercício do 
poder político esteja em conformidade com a 
lei. Disso resultam pelo menos quatro aspectos 
a considerar: a) que o próprio Estado do qual 
emanam as leis, e não apenas os indivíduos, 
está submetido a essas leis; b) que todos 
aqueles atos estatais que submetem o cidadão 
a fazer ou deixar de fazer alguma coisa emanam 
da lei, o que, para o entrevistado, é justamente 
o contrário do império do arbítrio; c) Outro 
aspecto relevante é que tudo depende então de 
existir a lei, o que significa que algumas coisas 
precisam ser reguladas, como por exemplo, a 
proteção de diversos direitos. A regulação pelo 
legislador, por sua vez, não assegura por si só 
um conteúdo legítimo e justo às leis, de tal sorte 
que são necessárias garantias de conteúdo 
dessas leis, para que elas sejam justas, ou seja, 
que haja respeito dos direitos fundamentais no 
que tange ao conteúdo da lei; d) O quarto as-pecto 
seria que o Estado de Direito não funciona 
sozinho: as instituições muitas vezes sentem-se 
inclinadas a não cumprir a lei (o que inclui a 
Constituição) o que significa que é necessário 
que haja órgãos de controle. É neste plano que 
assume importância a Corte Constitucional. 
Para este controle ser realmente efetivo, 
para garantir o Estado de Direito, é necessário 
que não só a jurisdição como um todo, mas 
especialmente a Corte Constitucional seja inde-pendente 
em relação aos demais poderes. 
(*) Catedrático Emérito da Universidade de Humboldt de Berlim, 
membro da New York University School of Law, Professor 
Visitante de Direito (Georges Lurcy Visiting Professor of Law) da 
Yale Law School e Professor Visitante no Programa “International 
Legal Studies Courses und Reading Groups” (2008-2009) 
da Harvard Law School. Foi Professor na Universidade de 
Bielefeld, no Instituto Max-Planck de História do Direito 
Europeu de Frankfurt, além de Professor e Reitor (2001-2007) 
do Instituto de Estudos Avançados (Wissenschaftskolleg) de 
Berlim, e Magistrado do Tribunal Constitucional Federal Alemão 
(1987-1999). Tradução: Ivar Alberto M. Hartmann. Revisão da 
tradução: Ingo Wolfgang Sarlet 
especial
Estado 14 de Direito, maio e junho de 2009 
Àqueles a que tudo julgam, a que tudo estarão a julgar? 
Chega 2009 e um tema se mantém na pauta. A 
Reforma do Judiciário (ao lado da constante reforma 
processual) ocupa a mente de juristas, juízes, advo-gados, 
políticos, jornalistas e deveria estar na mira 
de todo o brasileiro preocupado com os rumos da 
cidadania, como um bonus pater familias, cuja casa 
esteja (constantemente) em obras. Não obstante a 
importância da horizontalidade do respectivo de-bate, 
o que nos ocupa por ora é o rumo que toma a 
verticalização do tema na Imprensa, no Legislativo e 
dentro do Poder Judiciário, no contexto da Sociedade 
do Espetáculo, pulsante na esfera pública. 
No ano que encerrou, 2008, a jovem Consti-tuição 
Federal festejava seus vinte anos e a idosa 
codifi cação civil os seus cinco anos no Brasil. Dentre 
os muitos eventos dedicados aos aniversários, eu 
destacaria um momento em específi co. Na abertura 
do Congresso da OAB, dedicado ao Código, onde 
tive a honra de ladear o ilustre amigo, Prof. Antonio 
Junqueira de Azevedo (USP), seguindo à sua fala. 
Disse assim, o preclaro doutrinador paulista, como 
arauto do evento: “Nunca se viu, na sociedade bra-sileira, 
tão grande fuga do Poder Judiciário, como 
nesses cinco anos de vigência do Código Civil. A 
sociedade está fugindo do Judiciário. Exemplo disso 
é o crescimento dos juízos de conciliação e das cortes 
de arbitragem.” A fala seguinte, coube a mim. Disse 
eu, no momento vestibular de minha conferência: 
“Nunca se viu, na história desses muitos brasis, uma 
acorrida tão grande ao Poder Judiciário, como nesses 
vinte anos de vigência da Carta. À luz da edifi cação 
de uma Estado Social, no desenvolvimento de sua 
imanente cidadania, o povo, para bem além de suas 
elites, inicia paulatinamente à acessar o Judiciário. Em 
detrimento de juízos excepcionais, não raro dirigidos 
pela mais diversa forma de criminalidade. Onde não 
houver Estado, alguém ocupará seu papel.” 
Destaque maior vai para o fato de que não há 
divergência alguma entre minha conferência e a do 
Prof. Junqueira. Apenas estavamos a falar de brasis 
distintos, dentre os muitos brasis que se abrigam no 
“território real” (?) dentro do “mundo real”. Em um 
deles, de mega-corporações e empreendimentos, essa 
fuga é uma evidência; porém no Brasil-favela, irredu-tível 
a fórmulas em seus paradoxos, uma mudança 
no sentido contrário se pôs em curso. Mesmo que 
fosse em um “horário diferido”, com um algo “fora 
de expediente”, então chamado “Juizado de Pequenas 
Causas”, certas camadas da população passaram 
a acessar espaços de cidadania que não lhes eram 
permitidos. Destaque-se o esforço em prol do cha-mado 
acesso à justiça, corporifi cado em especial nas 
Defensorias Públicas que se espalham nas unidades 
da federação; onde, vergonhosamente, o estado de 
SC até hoje não o implementou, negando realização 
de direitos fundamentais de muitas comunidades 
necessitadas. 
Ocorre que, precedentemente a qualquer dis-cussão 
sobre acesso à justiça, deve-se ter uma sólida 
noção do que tomamos por Jurisdição e, sem dúvida 
relevante perquirir na contemporaneidade nacional, 
o que percebe-se como um mínimo jurisdicional 
necessário. Afi nal, ao vetar a auto-tutela dos direitos 
subjetivos pelos particulares, o Poder Público atrai 
para si um dever de prestar uma adequada juris-dição 
aos respectivos direitos. Ou seja, um dever 
de jurisdicionar minimamente e com efi cácia os 
direitos subjetivos de seus administrados, adequando 
procedimentos e ritos à singularidade das lides que 
aportam diariamente nos foros e tribunais. De modo 
indisponível. 
É nesse contexto que gostaria de proceder alguns 
destaques que viabilizem uma crítica, quiçá útil, aos 
rumos da discussão das muitas reformas pensadas 
em torno do processo e do Judiciário. Principalmente 
para não corrermos o risco de reduzir a discussão à 
tematização, mormente em torno da efi ciência, de 
números e resultados; mera expressão da percepção 
do drama processual das partes como um número 
lançado à capa dos autos. 
Nesse contexto, importante destaque vai para as 
diversas manifestações e a crescente simpatia para 
com as iniciativas conciliatórias. Em 2008 chegou-se 
a ver em solo nacional, mutirões em unidades da 
federação, não sem aplauso da Presidência do STF; 
fato certamente indicativo de uma tendência. Na 
imprensa as respectivas autoridades emolduram tais 
iniciativas sinalizando com a impossibilidade de ins-truir- 
se e julgar tantos processos. Perceba-se o quanto 
isso é chocante. Não a afi rmação, propriamente, mas 
como ela passou em branco. Certamente dissesse 
o Ministro da Saúde, em meio à uma suposta ou 
afi rmada crise do sistema de saúde, que o problema 
do setor decorreria do excesso de doentes no Brasil, 
estaria sendo indagado do sentido de suas palavras. 
Já o Judiciário parece ter certas prerrogativas decor-rentes 
do hermetismo jurídico; não raro úteis para o 
silêncio do espaço público. Desse modo percebe-se 
o quanto é forçado um acordo nos processos, com 
diversas marcações de audiências conciliatórias, não 
raro ancoradas em risíveis (quando não trágicas) 
tentativas quase coativas de não se instruir os feitos. 
Bom para todos... Quais todos ??? Talvez àqueles que 
acusem os recursos como vilões procrastinatórios. 
Serão eles que retiram efetividade do processo ao 
suspender seu trâmite ? Para isso, o efeito suspensivo 
deveria ser regra na esfera recursal... Mas não é... 
Não obstante, distribuída uma separação, esta, antes 
de qualquer apreciação irá, no estado do RS, para o 
Projeto Conciliação. Somente após começar-se-á a 
discutir seu mérito... Depois de quanto tempo ??? 
E se houver alguma urgência nesse ínterim, com 
a alteração do estado fático do objeto litigioso ?? 
Implementa-se a tipologia do atentado. Quem vai 
apreciar a respectiva cautelar ? O Projeto Concilia-ção 
??? E a dependência por conexão que resulta no 
apensamento ?? Basta explicar ao Juiz e apressar o 
Cartório para desapensar, não é ?? Quanto tempo terá 
passado ??? Como apreciar a cautelar em dependência 
(ou seja, não preparatória, incidental) sem os autos 
principais ? 
Perceba-se o quanto da credibilidade da De-mocracia 
é posta em risco com tal aposta da admi-nistração 
da Justiça e regulação do processo. Nesse 
passo, importa perquirir se alguém ousaria apontar 
a realidade processual trabalhista como exemplo de 
efetividade processual, no contexto brasileiro. Qual 
a efi cácia, portanto, da problemática unifi cação do 
processo de conhecimento com o de execução, no 
último conjunto de reformas do processo civil? O 
procedimento mudou ?? Tudo virou uma grande 
monitória ??? Aumentou-se a efetividade do processo 
civil ???? Já iniciativas como juizados especiais intine-rantes 
existentes em regiões mais pobres, ou ainda a 
iniciativa manauara do Juizado Especial de Trânsito, 
onde um pequeno cartório e sala de audiências circula 
em um veículo e julga in loco os respectivos litígios, 
fi cam fora do foco dos “diálogos”. Parece-me, estas 
últimas experiências, estarem muito mais próximas 
de iniciativas em prol da efetividade do processo do 
que as demais. Não obstante, o que comparece ao 
espaço público para um monólogo acéfalo, parece o 
contrário. E isso é muito signifi cativo. 
Voltemos, pois, aos recursos (sem trocadilhos). 
Direito, ao fi m e ao cabo, lida com valores, de modo 
a trazer a subjetividade qual sua sombra (em verdade 
sua luz). Isso é fato (o que também é valor) irretor-quível, 
mesmo quando negado nas teorias apegadas 
ao fetiche da neutralidade. Neutralidade de todos 
!! Sistema, Juiz, Legislador... Isso quando a própria 
teoria é o elemento de menor neutralidade, dentre 
os players metafisicamente privilegiados. Temas 
recorrentes podem revelar problemas recorrentes. 
Aqui não se vislumbra exceção. Por trás de tudo, 
o outro. “O inferno são os outros”, já disse Sartre, 
mesmo “entre quatro paredes”. Diferença. Alteridade. 
O outro. 
Não há processo sem o outro; não havendo 
Direito sem alteridade. Essa frase tem implica-ções 
carentes de serem razoavelmente exploradas 
nos limites de um editorial; mas revela amplas 
possibilidades de investigar o tema em liça. Até 
porque tratar a reforma do Processo é tratar de 
alteridade. De mudança... Ou não... Como se trata 
também, especifi camente no recurso. Reformar... 
Ou não... Simulacro. Paradoxalmente, processo é 
representação e, portanto, sempre mapa; nunca 
território. Assim perceberia Boudrillard. Os atores 
(ou fantoches) processuais, estão imersos na Matrix. 
Em alguma medida, demandar é adormecer. Sonhar 
com conceitos e embalar pretensões. 
A norma é a inimiga da alteridade, sempre que 
tomada no paradigma tradicional. De outra banda, 
ela também é a própria afi rmação dessa alteridade. 
Normaliza-se, e portanto normatiza-se, somente o 
que oscila. Nunca o que é estático ou sem relativos. 
Sem relatividade não há medida. Rule... Sem relati-vidade, 
qualquer medida é desmedida... Qualquer 
verdade é desmentida... 
E sequer chegamos a tocar no tema recursal... Tal-vez 
como um recurso retórico... Talvez não... O tema 
merece editorial próprio. Até lá... Sem recurso... 
* Possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela 
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1992), 
mestrado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica 
do Rio Grande do Sul (1998) e doutorado em Direito pela 
Universidade Federal do Paraná (2000). Atualmente é professor 
titular da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 
profissional liberal - Ricardo Aronne Advocacia e Consultoria 
Jurídica, professor convidado da Universidade Federal do Rio 
Grande do Sul. 
Ricardo Aronne* 
Interrogações sobre Direito Processual e Simulacro na Sociedade do Espetáculo 
LUIZ SILVEIRA -SCO- STF
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ESTADO DE DIREITO - 20 EDIÇÃO

  • 1. Página 16 PORTO ALEGRE, MAIO E JUNHO DE 2009 • ANO III • N° 20 Estado de Direito Dieter Grimm Página 08 Veja também Página 07 Página 19 O Direito que emancipa o homem Direitos da Convivente Gustavo Rene Nicolau analisa a falta de uma legislação clara e eficaz sobre a proteção da família no País e questiona se é correto a convivente de união estável ter mais direitos do que a esposa em comunhão universal. Página 12 CARLOS BAILON O Jornal Estado de Direito é um espaço singular de inserção social, através da cultura jurídica leva a informação que forma, fundamentada no pensamento de estudiosos da realidade contempo-rânea. É com satisfação que apresen-tamos a 20ª edição do Jornal Estado de Direito em que reune profi ssionais de diversos países para promover a inte-gração cultural. O objetivo é colaborar nas práticas de cidadania para que todos tenham condições de participação social e de expressão do pensamento. Nessa edição, contamos com a colabo-ração de juristas do Brasil, Portugal e Alemanha. O destaque é a entrevista com o Professor Dieter Grimm um dos mais expressivos nomes do direito constitucional da atualidade. Leia na página 13. Princípio da Proporcionalidade: “... sempre que está envolvida a limitação de direitos fundamentais pela lei, ou seja, a questão é sempre determinar se a restrição que é feita de um direito fundamental é proporcional ou não.” Direito Comum Leandro de Mello Schmitt aborda os desafi os para se pôr em prática o direito comum ou mundializado e seus refl exos nas sociedades Direitos Humanos Ubiratan Cazetta avalia a efetividade da aplicação dos mecanismos de defesa dos direitos humanos no Brasil e quais as sanções que a Comunidade Internacional pode impor caso estes não Para um Estado de sejam respeitados Direito Efectivo António Francisco de Sousa salienta a importância da participação popular para o exercício efetivo do Estado de Direito não apenas diagnos-tificado pelo voto, mas sim pela busca do conhecimento jurídico a fim de se proteger e respeitar direitos alheios. Página 04 CPI de Minoria Giovani Corralo apresenta as condições para a criação de uma CPI e questiona por que as comissões necessitam do apoio de apenas um terço dos parlamentares para serem implementadas Catedrático Emérito da Universidade de Humboldt de Berlim, membro da New York University School of Law Sequestro Relâmpago Válter Kenji Ishida faz um painel sobre a tipificação do sequestro relâmpago e especi-fica nova lei que inclui o pa-rágrafo terceiro ao artigo 158 do Código Penal que relata o crime de extorsão. Página 21 Opinião Pública Bruno Espiñeira Lemos refl ete sobre a prostração do Legislativo e o receio da infl uência dos meios de comunicação e da opinião pública de infl uenciar nas decisões jurídicas Página 20 Ambiente Luís Paulo Sirvinskas discorre sobre a necessidade de maior conscientização de empresas e governos na defesa do meio ambiente e no cumprimento da legislação ambiental em um mercado globalizado
  • 2. Estado 2 de Direito, maio e junho de 2009 Estado de Direito Investir em Conhecimento Estado de Direito Comunicação Social Ltda. O Jornal Estado de Direito como referencial científico do projeto: “Conhecer o Direito é Desenvolver a Cidada-nia”, continua firme na sua linha de disseminar gratui-tamente o conhecimento de renomados juristas a toda a população. Do mesmo modo, leva palestras, sempre com a convicção da importância de sermos agentes promotores da esperança de mais conscientização, educação jurídica independente da formação de cada pessoa. Nessa edição contamos com a colaboração de pro-fissionais do Brasil, Portugal e Alemanha. Agradecemos ao Professor Ingo Wolfgang Sarlet pelo apoio que, sem dúvida, foi fundamental para a realização da entrevista com Professor Dieter Grimm. Nos dias 5 e 6 de junho participaremos da XIV Jornada Internacional de Direito, em Gramado, Rio Grande do Sul e nos dias 4 e 5 de julho da Gaia Commitment - Fórum do Condomínio da Terra que será realizado, em Portugal, na ci-dade de Gaia. O evento marca a passagem do Dia Mundial da Terra, que tem como objetivo incentivar o desenvolvimento de ações para conservação da Terra. No artigo “Organizar a Vizinhança Global”, página 6, elaborado pelo professor Paulo Magalhães, coordenador cietífico do evento, poderão obter mais informações. Muito nos engrandece por ser o veículo de comunicação da área jurídica convidado oficial do evento em que estaremos registrando todos os painéis, bem como, captando depoimentos e fotografando. A próxima edição será feita diretamente de Portugal! Aguardem e faço votos que venham novos convites, pois desejamos integrar culturas e disseminar a importância de se pensar na Terra como um imenso condomínio em que devemos propagar a cultura jurídica preventiva para melhor participação de cada pessoa. Os vídeos dos eventos realizados em abril e maio que falo na Rota Jurídica estão sendo postados no site http://br.youtube.com/carmelagrune. Agradeço o apoio dos patrocinadores e apoiadores que são essenciais para a continuidade do nosso trabalho e aos professores que compartilham seus conhecimentos com os nossos leitores. Um abraço, Carmela Grüne CNPJ 08.583.884/0001-66 Porto Alegre - RS - Brasil Rua Conselheiro Xavier da Costa, 3004 CEP: 91760-030 - fone: (51) 3246.0242 e 3246.3477 Nextel ID: 84*97060 e-mail: contato@estadodedireito.com.br internet: www.estadodedireito.com.br Diretora Presidente Carmela Grüne carmela@estadodedireito.com.br | carmelagrune@via-rs.net Diretor Financeiro Renato de Oliveira Grüne CRC/RS 45.039 Diretor Institucional - Nordeste José Julio Gomes da Silva Relações Institucionais - Internacional França Karlo Tinoco | karlotinoco@hotmail.fr Jornalista Responsável Esteban Rey Fontan - MTb 8856 Colaboraram nesta Edição Bayard Fos, Cármen Salete Souza, Diego Moreira Alves, Luciano Gazineu, Carlos Bailon, Cláucia Piccoli Faganello e Luis Spadoni Redação redacao@estadodedireito.com.br Anúncios teleanuncios (51) 3246.0242 comercial@estadodedireito.com.br Diagramação Carmela Grüne Tiragem: 40.000 exemplares Pontos de distribuição PORTO ALEGRE Livraria Saraiva Shopping Praia de Belas 1001 Produtos e Serviços de Informática: Matriz - Rua São Luís, 316 - Santana - 3219.1001 Rédito Perícias Andradas, 1270, sala 21 - Centro - 3013.9090 Nossa Livraria Pernambuco e Alagoas Maceió: Av. Moreira e Silva, 430 - Farol Maceió: Rua Íris Alagoense, 438-A - Farol Maceió: Rua Durval de Guimarães, 1217 - lojas 03 e 08 Ponta Verde Recife: Rua do Riachuelo, 267 Recife: Av. Cais do Apolo, 739 - TRT Recife: Av. Dantas Barreto, 191 lojas 22 a 24 - TJ Recife: Rua da Aurora, 325 loja 01 Santa Catarina Nas salas da OAB/SC, com apoio da Caixa de Assitência aos Advogados Com o apoio das empresas patrocinadoras, colaboradores e professores o Jornal Estado de Direito é distribuido em Repartições Públicas, Foros, Tribunais, Cartórios, Tabelionatos e Faculdades: São Paulo, Rio de Janeiro, Curiiitttiiibbbaaa,,, RRReeeccciiifffee,, MMaacceeiióó,, MMaattoo GGrroossssoo ddoo Sul, Belo Horizonte, Espirito Santo, Bahia e Rio Grande do Sul. Você tem interesse em levar o Jornal para sua região? Contate-nos e seja um transformador da realidade social! PAÍSES Através de nossos colaboradores, consulados e escritores o jornal Estado de Direito chega a Portugal, Itália, México, Venezuela, Alemanha, Argentina, Ucrânia e Uruguai Peça a lista dos locais em que o Jornal Estado de Direito é divulgado para comercial@estadodedireito e consulte os mais de 90 pontos de distribuição! União estável homoafetiva, até que enfim! Apoio *Os artigos publicados nesse jornal são responsabilidade dos autores e não refl etem necessariamente a opinião do Jornal e informa que os autores são únicos responsáveis pela original criação literária. As justifi cativas são muitas, mas a causa é uma só: o pre-conceito. Outro motivo não existe para a omissão do legislador. O Projeto de Lei 1.151, do ano de 1995, que regula a parceria civil registrada, para a época, foi considerado arrojado. A única referência que existe às uniões homoafetivas é feita Lei 11.340/06 – a chamada Lei Maria da Penha – que, ao criar mecanismos para coibir a violência doméstica, trouxe moderno conceito de família: uma relação íntima de afeto, independente da orientação sexual. O silêncio da lei, no entanto, não impediu conquistas no âmbito do Judiciário. Quer fazendo analogia com a união estável, quer invocando os princípios constitucionais que asse-guram o direito à igualdade e o respeito à dignidade, a Justiça vem deferindo direitos no âmbito do Direito das Famílias e do Direito Sucessório. O próprio Superior Tribunal de Justiça, ao afastar a extinção do processo sob o fundamento da impossi-bilidade jurídica do pedido, garantiu às uniões de pessoas do mesmo sexo acesso à justiça. Tudo isso, porém, não supre o direito à segurança jurídica que só a norma legal confere. O silêncio é a forma mais per-versa de exclusão, pois impõe constrangedora invisibilidade que afronta um dos mais elementares direitos, que é o direito à cidadania, base de um Estado que se quer democrático de direito. A aprovação da Lei da Parceria Civil Registrada, nesta altura dos acontecimentos, seria um retrocesso. Daí o signifi cado do Projeto de Lei 4.914/2009, que inclui um artigo ao Código Civil (1.727-A), para que sejam aplicadas às uniões de pessoas do mesmo sexo os dispositivos referentes à união estável, exceto a regra que admite sua conversão em casamento. O projeto tem o mérito de contornar o aparente óbice constitucional que limita o reconhecimento da união estável aos heterossexuais. De outro lado, para evitar que se diga tratar-se do temido “casamento gay”, de modo expresso é afastada a incidência do dispositivo que autoriza a transformação da união estável em casamento. A proposta busca somente consagrar em lei o que de há muito vem sendo assegurado pela jurisprudência. Claro que esta não é a solução que melhor atende ao princípio da igual-dade, mas, ao menos, acaba com histórica omissão que gera enorme insegurança e impõe o calvário da via judicial para o reconhecimento de direitos. Enfi m, é chegada a hora de resgatar o débito que a sociedade tem para com signifi cativa parcela da população que não mais pode fi car à margem do sistema jurídico. Insistir no silêncio afronta o direito fundamental à felicidade – o mais importante compromisso do Estado para com todos os cidadãos. *Advogada especializada em Direito Homoafetivo, Famílias e Sucessões, Ex-Desembargadora do Tribunal de Justiça-RS, Vice-Presidenta Nacional do IBDFAM, www.mariaberenice.com.br Maria Berenice Dias*
  • 3. Estado de Direito, maio e junho de 2009 3 WAMBIER & ARRUDA ALVIMWAMBIER ADVOCACIA E CONSULTORIA JURÍDICA PONTA GROSSA 55 (42) 3225-5532 55 (42) 3311-1100 FLORIANÓPOLIS 55 (48) 3225-2628 55 (48) 3733-3700 www.wambier.com.br CURITIBA 55 (41) 3336-1323 55 (41) 3301-3800 PORTO ALEGRE 55 (51) 3232-9902 55 (51) 4009-2500
  • 4. Estado 4 de Direito, maio e junho de 2009 Para um Estado de Direito Efectivo A expressão Estado de direito está na moda há algumas décadas. Não há Estado moderno que não invoque para si o atributo de Estado de direito, incluindo aqueles que não passam de ditaduras disfarçadas. A generalidade das Cons-tituições ocidentais não só consagra expressa-mente esta forma de Estado, como também re-conhece um vasto leque de direitos fundamentais que são considerados imprescindíveis no Estado de direito. E vão mais longe ao reconhecerem expressamente formas de organização adminis-trativa e instituições que são exigências próprias do Estado de direito, como acontece, por exemplo, com o poder local autónomo, no primeiro caso, e com os tribunais independentes, no segundo caso. Tudo isto é comum ao mundo ocidental (e para além dele). A fórmula Estado de direito é também frequentemente transformada pelo poder político em bandeira de progresso, civis-mo e respeito pelos direitos e liberdades dos cidadãos. À partida, parece haver toda a justifi-cação e razão de ser para este ponto de vista. O Parlamento é constituído pelos representantes do povo, que o elege em eleições livres e perió-dicas, competindo-lhe fazer as leis (mais impor-tantes) e fiscalizar a acção do Governo, que também goza de legitimidade democrática. Pa-rece que o sistema é realmente perfeito. Não faltam políticos, talvez mesmo a maioria, segui-dos por uma pequena parte da população, a sustentar que este não é o sistema perfeito, mas será o caminho certo para lá chegarmos. Faltará apenas aperfeiçoar alguns “pequenos detalhes”. Ora, é preciso discordar frontalmente desta visão optimista e simplista, porque de facto estamos muito longe do Estado de direito efectivo. Não nos faltam apenas os mencionados “pequenos detalhes”. O que temos é sobretudo o Estado de direito declarado; o que estamos longe al-cançar é o Estado de direito efectivo, isto é, o Estado de direito tornado realidade, aquele que chega efectivamente, nas suas múltiplas vertentes, ao dia-a-dia dos cidadãos. O primeiro é fácil de conseguir, porque basta apenas escre-vê- lo nas leis principais; o segundo é difícil de alcançar, sendo tarefa de décadas, se houver grande empenho nisso. Para podermos passar de um para o outro, temos de ter em linha de conta o seguinte: o Estado de direito meramen-te declarado, mas ainda não suficientemente concretizado, satisfaz muito bem os interesses do “poder instituído”, à cabeça do qual estão os titulares de cargos políticos e as cúpulas da Administração Pública (presidentes, chefes e directores de serviço, administradores, etc.). Para esses, o Estado de direito declarado satisfaz plenamente. Este sistema de “faz de conta” ga-rante- lhes a situação de privilégio (traduzida em salários elevados, lugares de poder e prestígio - que muito bem fazem ao seu ego - , espaço para o “tráfico de influências”, etc.) face à maioria da população. Por isso, de forma egoísta e insensí-veis às dificuldades dos outros, fazem tudo para defender o status quo. Estão sentados à mesa do grande banquete, vivem no “país das maravi-lhas”, tudo lhes corre bem. Por isso, não são necessárias mudanças de fundo. Este é o desu-mano Estado de direito declarado. As décadas de experiência já realizada comprovam-no. In-quieta- nos, enquanto seres humanos e humanis-tas, que o sistema “Estado de direito” possa ser aproveitado para esconder e perpetuar injustiça, desigualdade, exploração do homem. Por isso, algo terá de ser mudado, para que a esmagadora maioria da população deixe de viver no seu “vale de lágrimas”, ao mesmo tempo que uma minoria se mantém comodamente instalada no seu “país das maravilhas”. É longo o caminho a percorrer para alcançarmos níveis aceitáveis de igualdade e de justiça social. Sabendo, embora, que a perfeição é um absoluto humanamente inalcan-çável, reconhecemos todavia a possibilidade de atingirmos um bom nível de efectivação do Es-tado de direito. Por isso, não podemos perder tempo. Urge pôr toda a sociedade a reflectir sobre o que tem de ser feito. Uma coisa é certa: esse não é um trabalho que possa ser deixado apenas nas mãos do “poder instalado”, com a alegada “participação” pelo voto “livre” e perió-dico dos cidadãos. Sabemos que as eleições têm servido sobretudo para “legitimar” o “poder instalado”, dando-lhe um cariz “democrático”, precisamente o que lhes faz falta para manter um sistema de aparências. Participação sim, mas não apenas essa do voto, de tantos em tantos anos. É fundamental interiorizar que não pode-mos esperar que sejam os outros, os que estão bem, a generosamente proceder às alterações necessárias para a efectivação do Estado de direito, renegando voluntariamente aos seus privilégios (e dos familiares e amigos). Os cida-dãos não podem deixar a sua sorte apenas na boa vontade do poder instalado que, inequivo-camente, cuida antes de mais dos seus próprios interesses. Tal atitude de passividade não tem produzido frutos. Será mais sensato partir do princípio de que ninguém abre mão de privilé-gios, se a tal não for obrigado. Cumpre então perguntar o que fazer, se o voto afinal se trans-formou num instrumento que em larga medida, ou mesmo em última análise, se converteu con-tra os interesses da maioria? Será que apenas restará a revolução sangrenta? A resposta é cla-ramente não! Guerras e revoluções sangrentas nunca resolveram coisa nenhuma. O que é ne-cessário e urgente é criar nos cidadãos uma consciencialização dos seus direitos, informá-los de que podem e devem protestar e indignar-se com a injustiça e a desigualdade, para que o “poder instalado” sinta que está a ser atentamen-te observado e que não pode “pisar o risco” (por exemplo, nas frequentes práticas corruptivas). É urgente tornar a actividade administrati-va transparente e assegurar um efectivo sistema de controlo externo, quer através de órgãos independentes face à Administração, quer através da acção dos tribunais. Sobretudo o controlo jurisdicional tem de ser extrema-mente exigente com a Administração, fazen-do um cerco apertado em matéria de poderes discricionários, “margens de apreciação”, impar-cialidade, igualdade, justiça, boa fé, proporcio-nalidade, etc. Sem uma acção determinada dos tribunais nestes domínios, a Administração tem todo o espaço de manobra para criar injustiças e desigualdades efectivas, não obstante as leis formalmente o proibirem (o que corresponde, António Francisco de Sousa* “... o Estado de direito tornado realidade, aquele que chega efectivamente, nas suas múltiplas vertentes, ao dia-a-dia dos cidadãos.” “O que é necessário e urgente é criar nos cidadãos uma consciencialização dos seus direitos...” “Os cidadãos não podem deixar a sua sorte apenas na boa vontade do poder instalado que, inequivocamente, cuida antes de mais dos seus próprios interesses.” ONU ONU
  • 5. Estado de Direito, maio e junho de 2009 5 em geral, à situação que temos). A interpretação e aplicação meramente formal do Estado de di-reito permite constantes e graves injustiças e mesmo ilegalidades materiais. Os tribunais têm de se consciencializar que a Administração, sem controlo jurisdicional, resvala inevitavelmente para o arbítrio e, por conseguinte, não se realiza Políticas públicas, sexismo e colonialismo A hegemonia do processo de modernidade ocidental invisibilizou as relações coloniais, sexistas e racistas que com ela estavam entrelaçadas, o que tem se refl etido na formulação das políticas públi-cas. Reconhecer, pois, o caráter discriminatório ou excludente de determinadas medidas legislativas, administrativas ou judiciais é a outra face necessária da análise dos chamados processos de inclusão. Primeiro, porque a inclusão implica, sempre, a necessidade de decidir quem são os membros do grupo. O agente que estabelece a inclusão está, ele mesmo, “além” da inclusão: o processo de inclusão é, de certa forma, um processo de novos proces-sos de exclusão. Esta dupla face, que permitiu a invisibilização dos processos de desigualdade, diferença colonial e de exclusão racial e sexual, é que se põe a nu quando os mecanismos de inclusão hoje utilizados são postos em ação: não é à toa que as “ações afi rmativas” passem, até certa medida, como “excludentes” daqueles que nunca se viram “benefi ciários” do sistema, porque “naturalizadas” as relações sociais. Ou que “gente branca de olhos azuis” se veja vítima de “discriminação racial” ou homens sintam-se “atingidos” por medidas que reduzam o grau de desigualdade salarial ou ocupa-cional experenciada pelas mulheres. Opera-se ora pela negação das diferenças, ora pela absolutização das diferenças. Segundo, porque mesmo a defi nição dos termos - gênero, sexo, sexualidade- não escapa de um questionamento de um suposto universalismo. Que tipo de relações sociais serão produzidas, ocultadas ou mesmo visibilizadas se for utilizado o conceito chinês de “xingbie” ao invés do convencional “gênero” ou o árabe “shudhudh” para as relações designadas como “homoeróticas”? Até que ponto a “descolonização” da linguagem permite sejam os fenômenos vistos de outra forma? Quais são as formas possíveis de tradução entre os distintos conhecimentos ( e, pois, de os tornar inteligíveis)? O que é visto como eventual violação à dignidade com a utilização de novos termos? A constitucionalização do bem viver- “sumak kawsay” (no Equador) ou “suma qamaña” (na Bolívia)- e atribuição de direitos à natureza (“pachamama”) são dois bons exercícios legislativos neste sentido. Terceiro, porque determinadas práticas e formas de lutas são vistas como “naturais” (ou únicas) e, portanto, são reproduzidos os mecanismos de um contínuo “desenvolvimento” e de etapas “necessá-rias” para a “modernidade”. É possível, por exem-plo, aceitar a “universalização” do “sair do armário” defendido pelo movimento gay internacional ou, pelo contrário, as táticas de “coming home” de asiáticos são culturalmente mais “empoderadoras” dos movimentos naquele continente? O “secula-rismo” ocidental clássico é sempre a melhor forma de defesa dos direitos das mulheres ou é possível pensar um feminismo islâmico, com uma episte-mologia corânica que trabalhe com formas mais emancipatórias para 49 países que assumem o Islã como religião ofi cial? E que dizer de um feminismo indígena, assentado numa epistemologia aimará, que, conforme salienta Silvia Rivera, está centrada no “escutar” a “Pachamama” ( mãe terra) e não mais na “visão”? A “descolonização” dos sentidos altera o entendimento e a formulação de nossas lutas contemporâneas? Quarto, porque sendo entrelaçadas as desiguais opressões, as lutas contra o racismo, sexismo e colonialismo devem estabelecer distintas formas de cooperação ou de prevalência. Como lembra bell hooks, os homens negros podem ser vítimas do racismo, mas o sexismo pode permitir que oprimam as mulheres; as mulheres brancas podem ser vítimas do sexismo, mas o racismo permite que explorem negros e negras. Da mesma forma, as mulheres ocidentais e brancas podem estabelecer a melhor forma de as islâmicas serem “libertadas” (invisibilizando, portanto, o colonialismo), ou o movimento ecológico ocidental fi xar os parâmetros para “preservação ambiental” a ser realizada pelos indígenas ( ignorando, pois, conhecimentos diferen-ciados). A luta por justiça cognitiva é a outra face da luta por justiça social. Quinto, porque todo o debate da intercultura-lização nas políticas públicas demonstra o caráter “experimental” de tais inovações, que procuram “descolonizar”, ainda que parcialmente, as formas de intervenção de e no Estado. As políticas “afi rma-tivas” ( que não se reduzem a “cotas”, mas envolvem medidas pró ativas), imperfeitas que sejam na sua aplicação, instáveis em sua elaboração, e mesmo transitórias na formulação, implicam um grau de “experimentação” na busca de soluções, demons-trando que a aparente “neutralidade” das políticas estatais não impediu o racismo mascarado de “miscigenação”, o machismo estabilizado no âmbito “privado” e a manutenção de todo um sistema de “colonialismo interno”. O impacto do reconhecimento da demodiversi-dade (diferentes instituições com distintos graus de-mocráticos), da sociodiversidade (distintos grupos so-ciais) e da cosmodiversidade (diferentes cosmologias) dentro de um Estado que sempre se viu homogêneo ainda está para ser avaliado e testado nos próximos anos. As lutas contra o racismo, o colonialismo e o sexismo são muito mais complexas que a teoria social e a prática jurídico-política vem admitindo. Terão os poderes públicos (Judiciário incluído) ou o Ministério Público se dado conta desta realidade? *Mestre em Direito ( ULBRA/RS), doutorando Universidad Pablo Olavide ( Espanha), chefe de gabinete no TRF-4ª Região, é organizador do livro “Direitos humanos na sociedade cosmopolita” ( Ed. Renovar, 2004). César Augusto Baldi* o Estado de direito. Temos, portanto, dois pila-res fundamentais para a efectivação do Estado de direito: por um lado, cidadãos conscientes, informados, exigentes com os detentores do poder, dispostos a protestar, a criticar e a de-nunciar as injustiças e as violações da lei, apoia-dos pelos advogados e pelas instituições políticas e administrativas (cujos titulares de cargos têm de se concentrar no cumprimento escrupuloso dos seus deveres funcionais); por outro lado, tribunais, conscientes do seu papel decisivo para a efectivação do Estado de direito, fortemente empenhados em cumprir efectivamente os seus deveres, com exigência e sem receios. Há certa-mente outros complementos importantes, tais como uma justiça barata e célere, mas os dois pilares referidos são, a nosso ver, os pontos fulcrais de uma reforma profunda que tem de ser feita, se queremos ter, daqui por alguns anos, um Estado de direito efectivo. Poderá haver necessidade de algumas alterações legislativas (sobretudo nos planos do reforço da transpa-rência da acção administrativa e de uma maior e mais efectiva responsabilização dos detentores do poder). Mas o acento tónico está sobretudo numa nova atitude dos cidadãos e dos tribunais, tudo em nome da justiça social e do bem comum. Por enquanto, o que temos é a realidade de profunda injustiça social, das constantes violações dos direitos e liberdades dos cidadãos, da discriminação, da falta de ética, enfim, uma sociedade desumanizada que hipo-critamente invoca para si o epíteto de Estado de direito. A verdade é que as vítimas do sistema são os principais responsáveis pela sua existên-cia e perpetuação, na medida em que se deixam iludir na ideia de que vivem num Estado de direito. Acordemos, indignemo-nos, gritemos, protestemos, critiquemos, exijamos uma Admi-nistração Pública transparente e, com o apoio de um controlo intenso e efectivo dos tribunais, teremos, daqui por alguns anos ou décadas, um Estado de direito efectivo. *Mestre em Direito pelas Universidades de Freiburg (Alemanha) e de Coimbra, Doutor em Direito e em Letras pela Universidade do Porto, Portugal. Professor de Direito Administrativo da Faculdade de Direito da Universidade do Porto. “As lutas contra o racismo, o colonialismo e o sexismo são muito mais complexas que a teoria social e a prática jurídico-política vem admitindo.” “... o acento tónico está sobretudo numa nova atitude dos cidadãos e dos tribunais, tudo em nome da justiça social e do bem comum.” “... o sexismo pode permitir que oprimam as mulheres; as mulheres brancas podem ser vítimas do sexismo, mas o racismo permite que explorem negros e negras.” AGÊNCIA BRASIL
  • 6. Estado 6 de Direito, maio e junho de 2009 Organizar a Vizinhança Global Este será talvez maior desafio que se colo-cou até hoje à humanidade! Ao descobrirmos que entre a crosta terrestre, o mar, a atmosfera e os seres vivos, existe um emaranhado de in-terligações permanentes que sustentam a vida no planeta, temos de adaptar o nosso modo de vida e organização a este funcionamento global da Biosfera. Somos todos vizinhos, todos dependemos de todos e problemas globais não se resolvem de forma isolada. A busca de uma solução, para nos adap-tarmos a esta realidade que nos era desconhe-cida, passa obrigatoriamente, não pela busca de novas formas de sancionar, mas sim, pela assunção do papel de “organizador” do direito, actuando assim de forma preventiva. E embora para muitos este seja um problema do ambiente e das ciências ambientais, parece-nos que a crise ambiental tem a sua origem na deficiente adaptação das nossas sociedades ao funciona-mento da Biosfera. Por isso, a solução requer uma nova abordagem jurídica a nível planetar aliada a uma nova contabilidade relativamente aos serviços vitais que os ecossistemas prestam, e sem os quais, a vida tal como a conhecemos, não é possível. Depois de desvendadas estas ligações, as abordagens as estas questões não podem ser mais isoladas de todas as implicações e inte-racções que se operaram como feedbacks, entre todos os sistemas. Isto é, por exemplo, a análise económica não pode deixar de ter em conta o efeitos globais de determinada actividade, bem como o sistema jurídico tem de absorver esta globalização dos efeitos dos comportamentos de cada um, e incorporar em si as consequências económicas. Este papel preventivo de organização, que cabe em primeira linha ao Direito, é quase desconhecido na vida de cada cidadão - sempre visto de uma maneira impositiva e negativa “o que não é proibido é permitido” fazendo com que toda a sociedade encare a cultura jurídica voltada para o litígio e não a busca da solidarie-dade, diálogo, paz e justiça social. Este papel tem de ser de novo assumido na sociedade do futuro, organizando uma vizinhança, que até há pouco tempo nos era completamente desconhecida. O que é o Condomínio da Terra? As últimas descobertas acerca do funcio-namento global da atmosfera, alteraram por completo a percepção que tínhamos do planeta que habitamos. Para o direito poder continuar a desempenhar o seu papel de organizador das sociedades, terá de ter a capacidade de ques-tionar- se sobre alguns institutos jurídicos que permaneceram intocáveis durante séculos. O facto de todos os cidadãos ou Estados, poderem afectar de forma positiva ou negativa bens de que todos dependem e em que nenhum deles se pode excluir do seu consumo, obriga à procura de um sistema que permita a con-ciliação dos legítimos interesses individuais de cada cidadão ou Estado, com os interesses colectivos de todos os habitantes do planeta e dos inegáveis direitos das gerações futuras. O modelo jurídico do condomínio permite precisamente a conciliação destes interesses normalmente opostos, através da definição e delimitação das partes comuns, e que reque-rem uma administração comum, relativamente às partes individuais. Consegue de forma absolutamente fantástica e com uma perfeita “engenharia jurídica”. E tal como as escadas, telhado e corredores de um prédio, também o nosso planeta tem partes comuns. Partes essas que são imprescin-díveis à vida humana e que estão a precisar de manutenção urgente. Se num prédio garantimos a manutenção das partes comuns através do Condomínio, porque não fazemos o mesmo para o planeta? O Condomínio, depois de separar e organizar o que são partes comuns e partes individuais, permite que os interesses indivi-duais e colectivos, em muitos casos opostos, se conciliem e se tornem interdependentes. E se aceitássemos o desafio de combinarmos a vida com as ideias e pensássemos a Terra como um imenso Condomínio? Quais são as Partes Comuns? A atmosfera, a hidrosfera e a biodiversidade, são partes comuns do planeta. Não só porque ultrapassam todas as fronteiras e os serviços que prestam não podem ser divididos mas também porque todos dependemos delas para viver e todos as podemos afectar de forma positiva ou negativa. A atmosfera protege a vida no planeta e o facto de criarmos fronteiras, não impede a livre circulação do ar, de forma constante, por todo o globo. A hidrosfera é o conjunto de todas as águas do planeta, águas que circulam de forma inces-sante por todo o planeta, independentemente das fronteiras políticas. Ninguém consegue pa-rar ou dividir o ciclo da água, ou sequer prever para onde é que a água vai a seguir. A biodiversidade define-se como a totalida-de dos recursos vivos e dos recursos genéticos do planeta. O conjunto das formas de vida do planeta compõe um ecossistema global e os serviços essenciais que a biodiversidade presta, não respeitam qualquer fronteira. Serviços dos Ecossistemas A Biodiversidade e os ecossistemas, são os “motores” das partes comuns, ou seja, são eles que sustentam a regulação dos ciclos da nature-za, sendo determinantes no funcionamento dos serviços ambientais vitais. Estes serviços podem ser definidos como aqueles capazes de sustentar e satisfazer as condições de vida humana, e portanto serviços de interesse comum. Soberania Complexa A Soberania Complexa é uma proposta de coexistência de soberanias autónomas num espaço colectivo, ou seja, um poder político, supremo e independente, relativo à fracção ter-ritorial de cada Estado, e partilhado, no que concerne às partes insusceptíveis de divisão ju-rídica, (atmosfera, hidrosfera e biodiversidade) das quais todos os povos são funcionalmente dependentes. Economia de Simbiose A Economia de Simbiose propõe uma articulação daquilo a que se poderia chamar de “economia da manutenção dos sistemas vitais” com a tradicional economia de produ-ção. Aproveitando a valoração económica dos Serviços Ecológicos Vitais já desenvolvida pela Economia Ambiental, integra-se esta valoração com o conceito de partes comuns, proposta pela Soberania Complexa. Tornar possível a gestão global dos bens indivisíveis, é o objectivo. Valoração dos Serviços Ambientais Para entender o conceito agora proposto, é fundamental distinguir a soberania ou proprie-dade que é exercida sobre os ecossistemas, dos serviços vitais que estes prestam. Estes serviços não se confinam a nenhuma linha de fronteira, a nenhuma forma de titularidade ou soberania, são “usados” por todos, em qualquer ponto do planeta e por isso são de interesse comum. Se o valor destes serviços vitais é de alguma forma incalculável, precisamente porque são vitais, resta-nos a certeza de que os ecossis-temas prestam serviços cujo valor económico deveria ser muito superior aos lucros gerados pela exploração tradicional dos seus recursos. As árvores deveriam valer mais vivas do que o valor da sua madeira! Gaia Commitment - Forúm do Condo-mínio da Terra - Decorrerá na Cidade de Gaia nos próximos dias 4 e 5 de Julho. Este evento vai trazer a Portugal vários oradores de todo o Mundo das áreas de Ambiente e Ciências asso-ciadas, Economia e Direito, para se debater esta ideia e juntos procurarmos um projecto global para perpetuar as nossas sociedades através da preservação do ambiente natural. Entre os parceiros que vão debater “Como Organizar a Vizinança Global?”, vai estar o Jornal Estado de Direito, que desde o início mostrou a abertura e o espaço necessário para o jurista pensar, imaginar e inventar, buscando novas soluções, sem estar preso a paradigmas que demonstaram já não funcionarem no planeta que conhecemos hoje. Cedo percebeu o papel primordial e preventivo de organização que falta fazer a nível global e a necessidade de envolvimento de toda a sociedade na inserção dos cidadãos nas várias dimensões do que é o “jurídico”. Por isso, pela sua identificsação com este projecto e pelo papel absolutamente central que o Brasil irá desenpenhar no futuro ambiental do planeta, esta é uma parceria em que depositamos todas as esperanças. * L i c e n c i a d o p e l a U n i v e r s i d a d e d o Po r t o , P ó s - graduado pela Universaidade de Coimbra, e aluno do Doutoramento da Universidade de Salamanca. Autor do livro “O Condomínio da Terra” publicado pela Editora Almedina. Paulo Magalhães* DIVULGAÇÃO
  • 7. Estado de Direito, maio e junho de 2009 7 Já é possível falarmos em um Direito comum ou “mundializado”? Desde a idéia do Estado de Direito, como forma de proteger o indivíduo das arbitrariedades do poder temporal, foi pensado e criado um poderoso instru-mento: o Direito Positivo. Nos sistemas decorrentes da família romano-germânica de Direito, o Direito Positivo pode ser simbolizado e explicado a partir da idéia de lei. Um mecanismo de “dever-ser” dissociado da moral e da religião. Ciência, portanto. Ocorre que a partir do aumento cada vez mais crescente da sociedade, vamos ver uma profusão de normas que torna a ordem jurídica pouco palpável, digerível. Sentimos, assim, a necessidade de um “Direito comum”, comum em todos os sentidos, acessível a todos e que não fosse imposto de cima ou por instituições ilegítimas. O Direito uniforme vem se apresentando, após o advento da criação da sociedade das nações, das organizações de Direito Internacional, do consenso de Washington, da União Européia, da nova Lex Mercatoria, enfi m, de sistemas de formação de ordens jurídicas independentes do Estado nacional, como um mecanismo plural, mas que, paradoxalmente, reduz a complexidade e a própria pluralidade. Não permite aos povos manter sua identidade cultural e jurídica. As que ainda as mantêm, estão a mercê do que André-Jean Arnaud (In: Globalização e Direito I) chama de la mondialisation, e que atua como ameaça às peculiaridades de cada povo. Surge, desta forma, um novo ideário jurídico, para além do pluralismo e da complexidade dos sistemas de Direito. Um Direito reinventado, um “Direito Comum” (Mireille Delmas-Marty. In: Por um Direito comum). No plano da formação das normas, como ins-tância suprema está o Parlamento. Este deve agir com prudência e parcimônia, jamais devendo ceder a pressões pouco ou nada legítimas dos escritórios de legislação a mando de entidades privadas. Embora arriscada, a redução da complexidade do sistema jurídico-normativo, deve estar voltada à compreensão das normas pelos seus destinatários últimos: o cida-dão, o “homem médio” dos positivistas exegéticos. Como exemplo de áreas do Direito interno que devem dispor de normas mais facilmente com-preensíveis estão o Direito do Trabalho, Tributário, Financeiro, Alfandegário, Ambiental e, sem qualquer dúvida, o Econômico, a servir de exemplo as leis anti-trust. Atualmente, nestas áreas, o arcabouço jurídico apresenta-se tão complexo e confuso que até os advogados mais habilidosos encontram difi cul-dades de compreender o que o positivismo jurídico denominou de mens legis. Onde está, aqui, portanto, o Direito Comum pretendido por alguns importantes juristas da atualidade? Considerados estes desafi os, será ainda possível um Direito Comum? Algumas situações que bem retratam a difi culdade merecem destaque: em 1987, um tribunal de Nova Jersey reconheceu a validade de um contrato de “barriga de aluguel” e determinou à locadora da barriga a entrega da criança aos pais, tomadores do “serviço”; em 1988, um tribunal da Califórnia entendeu que um doador de sangue por ser proprietário das células no mesmo contidas, tinha direito a royalties sobre os me-dicamentos fabricados a partir de tais células; em 1988, uma clínica britânica recrutou cidadãos turcos que quisessem vender seus rins. Ou seja, nestes exemplos, o corpo humano é coisa que faz parte do comércio. Seria possível conciliar esta posição com a de outros sistemas normativos que entende estar este fora do comércio? Até quando, em um cenário de direito mercantilizado, alguma coisa permanecerá fora do comércio? Este é apenas um dos inúmeros e inimagináveis exemplos que podem ser formulados a partir da perspectiva de um direito mundial ou “comum”. Dentre estes e outros, vai o espaço nacional cedendo lugar a novas formas de Direito, fundadas em normas internacionais e supranacionais, onde prevalece a preocupação econômica que, quase sempre, passa ao largo do código dos povos, sendo este produto do tempo, da tradição. Como exemplo a ser seguido, cabe lembrar Malone x Reino Unido (agosto de 1984): a lei deve ser “sufi cientemente acessível; o cidadão deve poder dispor de informações sufi cientes, nas circunstâncias da causa, sobre as normas jurídicas aplicáveis a um dado caso; em segundo lugar, só se pode considerar como lei uma norma enunciada com sufi ciente preci-são para permitir a um cidadão reger sua conduta”. E como atores principais na concepção de um Direito Comum, estão também juízes e advogados. Estes últimos, em especial, deverão cuidar para não se transformar em “comerciantes do direito”, expressão de Dezalay (In: Marchands de droit, Fayard, 1992). Os primeiros, juízes, sem formar uma “ditadura da toga”, deverão interpretar o direito de modo a pos-sibilitar a concretização dos direitos fundamentais do homem e dos povos. Cabe ao legislador, em especial, evitar a “orgia das leis” (Grant Gilmore), e servir de mecanismo de fi ltro para normas vindas de fora pouco ou nada coincidentes com os valores que também devem preservar como “fabricantes de leis”, em certas situações impostas de forma unilateral como condição ao recebimento de vantagem pessoal ou outro fi m particular. Para fi nalizar este breve ensaio, importante afi r-mar que Direito Comum é Direito acessível a todos, Direito que não simpatiza com o “abuso do direito de legislar”. Lembrando Portalis, o Direito deve ser compreendido apenas como meio de comunicação entre “a lei e o povo” se o povo saiba ou possa saber que a lei existe e que existe como lei. *Advogado. Mestre em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Professor de Direito Internacional na FEEVALE (Novo Hamburgo -RS, Brasil) e UNISINOS (São Leopoldo – RS, Brasil). Leandro de Mello Schmitt*
  • 8. Estado 8 de Direito, maio e junho de 2009 Direitos Humanos: realidade ou discurso? Falar em redução da importância das frontei-ras e em internacionalização crescente do nosso cotidiano chega a ser hoje um lugar-comum, um clichê que, por vezes, expressa muito pouco. Às facilidades tecnológicas que nos permitem saber instantaneamente o que se passa em países distantes, acompanhar seu cotidiano (conhecer da situação do trânsito ao prato do dia no res-taurante ou a agenda cultural) e que deixam seus habitantes, longes no espaço, ao alcance de um toque no teclado, somam-se as intensas relações diplomáticas e comerciais, que tornam a convivência internacional uma intrincada malha social e econômica, em que um incidente na Rússia afeta diretamente a bolsa de valores em São Paulo, em interesses que se entrelaçam e, muitas vezes, se chocam. Neste contexto, ganham força as obrigações que os países assumem publicamente, prome-tendo cumprir e defender um conjunto mínimo de valores comuns, que estabelecem mecanismos de proteção dos direitos humanos. São vários os tratados internacionais já assinados, cuidando de direitos civis e políticos, econômicos, sociais e culturais, proteção ao meio ambiente, tratamento adequado a refugiados, proibição de discriminação de gênero, raça ou credo e assim por diante. O Brasil, cuja Constituição Federal solene-mente eleva a dignidade da pessoa humana à condição de fundamento da própria existência republicana e que reafirma que a presença do país no cenário internacional tem a prevalência dos direitos humanos como um de seus prin-cípios, é signatário de vários destes tratados e aceitou expressamente a jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Este gesto, pleno de significados simbólicos, demonstra a importância que o respeito aos direitos humanos assume em nosso dia-a-dia, permitindo que a comunidade internacional conheça de casos concretos onde o Estado brasileiro tenha descumprido os compromissos assumidos e violado direitos daqueles que vivem em território nacional. Assim, deixar de garantir o direito à vida ou à saúde, não decidir em tempo adequado os casos que são levados ao Poder Judiciário, não investigar crimes, deixar impunes os autores de medidas lesivas aos direitos humanos são exemplos simples de situações que, acontecidas no Brasil, mesmo atingindo apenas brasileiros, podem gerar uma condenação internacional. Esta condenação pode trazer várias conseqü-ências: expor o Brasil a censura internacional (re-conhecimento público de desrespeito aos direitos humanos), obrigar à reparação dos danos, tanto com o pagamento de indenizações em dinheiro, quanto com a especificação de obrigação de fazer (repor o estado anterior daquele cujo direito foi violado; adotar medidas públicas de reconhe-cimento da falha estatal e adoção de políticas públicas para evitar a repetição do ato etc). Como se sabe, no âmbito internacional os municípios, o Distrito Federal e os estados-mem-bros não tem capacidade de agir e assim como não podem assumir encargos (financiamentos, acordos, contratos etc), também não podem ser responsabilizados. Isso faz com que a punição internacional que decorra de atos imputados aos estados-membros (por ação ou omissão) recaia sobre o ente federal, como se deu, por exemplo, na condenação imposta pela Corte Interameri-cana de Direitos Humanos em razão da morte de Damião Ximenes Lopes, ocorrida no Ceará, em uma clínica médica privada, conveniada ao Sistema Único de Saúde, onde se internara para tratamento psiquiátrico. A forma federativa, então, embora possa influir em determinados casos concretos, não poderá ser utilizada como escudo para evitar a punição internacional que decorra da violação dos direitos humanos. Este quadro permite, então, afirmar a existência de, ao menos, um duplo reconheci-mento do interesse federal, que decorre quer da obrigação da União de implementar as regras constitucionais (e não é outro o motivo que pode levar à intervenção por violação aos princípios sensíveis, prevista no artigo 34, VII, “a”, da Constituição Federal), quer da necessidade de atribuir eficácia aos compromissos internacio-nais assumidos. Não se trata, por certo, de extinguir a estru-tura federativa, mas, sim, de reconhecer o papel reservado à União. E é exatamente nesta teia de relações que se insere o Incidente de Deslocamento de Competên-cia - IDC, introduzido pela Emenda Constitucional 45/2004, e que permite ao Procurador-Geral da República provocar o Superior Tribunal de Justiça para transferir, para a Justiça Federal, fatos que estejam submetidos ao Poder Judiciário Estadual. Situações que, em regra, seriam de com-petência da Justiça Estadual, se observada a possibilidade de responsabilização internacional do Brasil por violação dos atos internacionais de proteção dos direitos humanos, poderão ser deslocadas para a Justiça Federal, desde que de-monstrada a necessidade de tal ato para efetivar a proteção que se busca. Esta medida de força não implica, é bom ressaltar, a criação de um juízo de exceção ou uma condenação prévia daqueles que vierem a ser apontados como responsáveis pelo ato ilícito, uma vez que os fatos serão transferidos para o âmbito de atuação de um juiz federal previamente instituído, também dotado de todas as garantias da magistratura nacional, a quem também compete zelar pela ampla defesa e devido processo legal. A rigor, o deslocamento pode se dar até em benefício do acusado, liberan-do- o de um processo custoso e lento ou, ainda, direcionado a condená-lo. Por ser medida excepcional, normalmente vista como um voto de desconfiança na estrutura de poder do estado-membro, o IDC deve, de fato, ser usado com ponderação, mas não pode ser visto como um jogo de força, pois, antes de tudo, é um instrumento capaz de ajudar na implementação dos direitos humanos, com um custo institucional muito inferior ao de uma intervenção federal e muito mais efetivo do que o simples “empréstimo” temporário da Polícia Federal para a investigação de um crime. Conhecer e tornar eficaz o IDC é, portanto, medida salutar, que pode tornar o debate sobre o respeito aos direitos humanos um assunto central na agenda pública brasileira, despindo a discussão de seu caráter meramente retórico e buscando uma efetiva capacidade de mudar a triste realidade que ainda nos cerca. *Procurador da República. Diretor da ANPR – Associação Nacional dos Procuradores da República. Mestre em Direitos Humanos pela Universidade Federal do Pará. Docente da ESMPU – Escola Superior do Ministério Público da União. Autor do livro Direitos Humanos e Federalismo: o Incidente de Deslocamento de Competência (Atlas, 2009) Ubiratan Cazetta* “... deixar impunes os autores de medidas lesivas aos direitos humanos são exemplos simples de situações que, acontecidas no Brasil, mesmo atingindo apenas brasileiros, podem gerar uma condenação internacional.” “... o Incidente de Deslocamento de Competência - IDC, introduzido pela Emenda Constitucional 45/2004, e que permite ao Procurador- Geral da República provocar o Superior Tribunal de Justiça para transferir, para a Justiça Federal, fatos que estejam submetidos ao Poder Judiciário Estadual.” “A forma federativa, então, embora possa influir em determinados casos concretos, não poderá ser utilizada como escudo para evitar a punição internacional...” MARCO DORMINO, ONU
  • 9. Estado de Direito, maio e junho de 2009 9 Um lançamento ESSENCIAL Em linguagem extremamente didática Curso de DIREITOTRIBUTÁRIO CONSTITUIÇÃO E CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL Regina Helena Costa para estudantes, profissionais, pós-graduados e concursandos JÁ NAS LIVRARIAS www.saraivajur.com.br Curso de Direito Tributário Municipal Aires F. Barreto Teoria dos Sistemas e o Direito Brasileiro Orlando Villas Bôas Filho Direito autoral na era digital Manuella Santos Versão On-line Código de Processo Civil e legislação processual em vigor Theotonio Negrão e José Roberto F. Gouvêa Justiça Social e Distributiva Ricardo Castilho Introdução ao Biodireito Claudia Regina Magalhães Loureiro Obras Online com recursos de pesquisa e edição de texto para facilitar o seu trabalho www.saraivajur.com.br
  • 10. Estado 10 de Direito, maio e junho de 2009 Normatividade constitucional no século XXI Completará vinte anos, em 09 de novembro de 2009, a queda do Muro de Berlim. A derruba-da das paredes e cercas de arame que separaram a Alemanha por vinte e oito anos, entretanto, pelo menos no que toca ao seu simbolismo, tem muito mais a ver com o soerguimento e a consolidação de relações políticas, econômicas e sociais que, emergindo no início da segunda metade do século XX, desestabilizaram concei-tos e maneiras de compreender o mundo que, até então, revelavam-se suficientes para que se pudesse saciar a curiosidade humana. Tenho em vista, especialmente, a globaliza-ção, que, de acordo com ULRICH BECK (Poder y Contra-Poder en La era Global: la nueva economia política mundial, Paidós Estado y So-ciedad, 2004), abarca, simultaneamente, ideias de interconexão, de fluxos transfronteiriços e de superação de espaço e de tempo, assinalando uma transformação histórica de decomposição da modernidade ou, nas palavras de ALAIN TOURAINE (Crítica da Modernidade, 7ª ed., Vozes, 2002.), “de uma modernização endóge-na, do triunfo das luzes da razão e das leis da natureza”. Concepções outras, no entanto, agregaram-se ao longo da década de noventa e do início do século XXI, contribuindo para uma elucidação do atual momento histórico. Destaque-se a noção de risco que, para ULRICH BECK (World Risk Society, Blackwell Publishers, 2001), consubstancia “uma abor-dagem moderna para prever e controlar as futuras consequências da ação humana, as várias consequências não planejadas da modernização radicalizada. (...) uma tentativa institucionaliza-da, um mapa cognitivo, para colonizar o futuro.” Toda sociedade tem experimentado perigos, todavia, sustenta BECK, o regime de risco é uma função da nova ordem: não nacional, mas global. Intimamente conectado com um processo de tomada de decisão administrativo e técnico, “risco pressupõe decisão (…) previamente tomada com normas fixas de calculabilidade, conectando meios e fins ou causas e efeitos. Tais normas são precisamente o que a ‘sociedade de risco mundial’ invalidou. Tudo isso se tornou muito evidente com o seguro privado, talvez o melhor símbolo da calculabilidade e da seguran-ça alternativa – que não cobre desastre nuclear, nem mudanças climáticas e suas consequências, nem a quebra econômica da Ásia, nem o risco pouco-provável e de elevada-consequência das várias formas de tecnologia futura.” Igualmente relevante se afigura a compreen-são das mudanças atinentes ao poder soberano, que HARDT, M. e NEGRI, A. analisam sob a ideia diretiva de Império. Esclarecem os autores (Império, 6ª ed., Record, 2004) que se trata, atualmente, de atentar para um novo registro de autoridade que alcança toda a produção e reprodução da vida. O Império, dizem, “não estabelece um centro territorial de poder, nem se baseia em fronteiras ou barreiras fixas (...) O conceito de Império caracteriza-se fundamen-talmente pela ausência de fronteiras: o poder exercido pelo Império não tem limites. Antes e acima de tudo, portanto, o conceito de Império postula um regime que efetivamente abrange a totalidade do espaço, ou que de fato governa o mundo ‘civilizado’ (...) o Império se apresenta (...) como um regime sem fronteiras temporais, e, nesse sentido, fora da História ou no fim da História (...) O objeto de seu governo é a vida social como um todo e assim o Império se apre-senta como um paradigma de biopoder.” Ideologia que se tem beneficiado da organi-zação Imperial – de certa forma sua gestora – é o neoliberalismo. Na medida em que o poder soberano se organiza de maneira difusa, em rede, e o mercado, principalmente na economia internacional, consegue mitigar a soberania dos Estados em determinados assuntos, espraia-se o discurso de que se tem de buscar, prepon-derantemente, a liberdade individual e a livre empresa. Aos Estados incumbe manter, como no liberalismo clássico, a estrutura administrativa básica, garantindo, por exemplo, serviços públi-cos de base – água, saneamento e educação – a integridade da moeda e a segurança mediante utilização de recursos militares e ações de polícia. A intervenção direta na economia e no mercado deve ser evitada. A um contexto assim, que denomino situ-ação de exceção permanente (CORVAL, P.R.S., Teoria Constitucional e Exceção Permanente, Juruá, 2009), evidentemente, não está imune a Constituição e a sua capacidade reguladora e integradora da realidade social: sua normativi-dade. Problemático é dizer se continua adequado o entendimento acerca da normatividade cons-titucional construído sob o influxo da teoria pós-1945. Embora crítica no que toca ao isolamento entre realidade social e normatividade, a teoria pós-1945 caracteriza-se por justapor, lado a lado, esses elementos. Realidade e norma, aí, se condicionariam reciprocamente para atribuir à Constituição uma força própria motivadora e ordenadora da vida social. Onde, contudo, semelhante força normativa num cenário político e econômico global-na-cional gerador de dominação, propagador de violência e contrário à criatividade constituinte do ser humano, que revela características se-melhantes àquelas encontradas em estados de exceção, emergência ou sítio da primeira metade do século XX, nos quais os preceitos fixados na ordem jurídica, embora vigentes, não são efetivados e em que se reafirma a lógica da in-suficiência do regime democrático, a capacidade de a constituição regular a vida é, sem dúvida, ameaçada? Nada melhor, portanto, do que buscar na ideia mesma de exceção – adjetivada, nos últimos tempos, pela permanência – categoria capaz de contribuir para o entendimento do fenômeno jurídico-político, em especial, do direito cons-titucional. A exceção permanente encontra ponto de partida na doutrina sustentada por CARL SCHMITT – para quem, na exceção, o sujeito da soberania não está adstrito a um catálogo de competências, mas à decisão, subsistindo, toda-via, “em sentido jurídico, uma ordem, mesmo que não uma ordem jurídica.” (Teologia Política, Del Rey, 2006) É consolidada, entretanto, numa perspectiva ideológica distinta, na formulação de GIORGIO AGAMBEN (Estado de Exceção, Boitempo, 2004), que, em apertada síntese, em harmonia com Walter Benjamin, postula ser a exceção, o momento político originário, um espaço vazio. A relação entre norma e vida já não é de simples reciprocidade, mas de imanência: o dado normativo não é autônomo, estando, como numa linha paralela, em mera correspondência com a realidade. Em vez disso, a realidade social é, além de sua parte integrante, por ele também integrada, compondo um espaço de indiscerni-bilidade a exigir o exercício de uma violência pura, criadora, capaz de se viabilizar por meios não-jurídicos de entendimento. Enquanto a normatividade autônoma pós- 1945 pretende manter contato pleno com a realidade, mas, ao enfrentá-la, manifesta certa repugnância pelo que está diante de si e se isola na mera reciprocidade – almeja emanci-pação, conquistas pela sua capacidade regente, mas, confrontado com o real, transmuta-se em imobilidade – a normatividade, à luz da exceção permanente, trata da criação/inscri-ção do âmbito de sua própria referência na vida social, de modo que a distinção entre normatividade e realidade perde sua razão de ser, emergindo espaços de solução de conflito não juridicizados. Reestruturada, nessas linhas gerais, a norma-tividade constitucional, repercussões surgirão, sem dúvida, no que se refere ao entendimento da Constituição, dos direitos fundamentais, da hermenêutica constitucional e da atividade dos tribunais constitucionais. Neste artigo, contudo, ponho em relevo apenas duas grandes diretivas que, acredito, emergem para a teoria constitucional do século XXI sob as lentes da exceção permanente: (i) a revalorização do processo histórica na com-preensão do fenômeno político constitucional e (ii) a ampliação do espaço destinado ao agir político. A influência do processo histórico, ninguém ignora, encontra na teoria constitucional clássica e na teoria pós-1945 seu ponto de partida. Toda-via, na medida em que redimensionada a própria compreensão da tensão entre normatividade e vida não se poderá ler, de igual maneira, a influência do dado histórico. Bem adverte JOSÉ RIBAS VIEIRA que “em razão mesmo da grandeza desse denso fluir histórico, ao qual a constituição de forma constate defronta, não podemos, pro-vavelmente, reduzir as fronteiras do atual cons-titucionalismo somente a um esgotamento, por exemplo, do paradigma constitucional pós-45, a uma única variável explicativa seja a de caráter valorativo ou de matriz política.” (Perspectivas da teoria constitucional contemporânea, Lumen Juris, 2007) Na óbvia referência da teoria pós-1945 ao processo histórico é luz externa para a compre-ensão do direito. Sob a categoria da exceção, em vez disso, por ele se sinaliza a insuficiência mesma das análises que se pretendem exclusi-vamente jurídicas no âmbito da teoria consti-tucional. A ampliação do espaço destinado ao agir político decorre de se reconhecer uma zona de indiscernibilidade entre norma e realidade, em que não se afigura possível inscrever no registro jurídico a totalidade do fenômeno político-cons-titucional. Trata-se, grosso modo, de assumir que a conquistas e consolidação de direitos e valores perpassa, muito mais do que o âmbito de um dis-curso jurídico, em específico de direito constitu-cional, nosso agir político. Noutras palavras: a atribuição de direitos, de uma cidadania jurídica, por mais desejável que possa ser não é suficiente para viabilizar, qualitativamente, a emancipação e a conquista de “novos” direitos, a exemplo dos intermináveis debates concernentes aos direitos humanos sociais. É preciso explorar a potência destrutiva e constituinte da multidão que se espalha pelo globo para alcançar ou manter, em um nível que transcende a própria juridicidade, objetivos e conquistas que, em determinado momento histórico, no discurso constitucional estrito, não se mostra acessível. *Mestre em Ciências Jurídicas pela PUC-Rio; Advogado; Assessor na Procuradoria Regional da República – 2ª Região/Ministério Público Federal; graduado em Direito na PUC-Rio, 2004. Autor do livro “Teoria Constitucional e Exceção Permanente - Uma Categoria para a Teoria Constitucional no Século XXI” publicado pela Editora Juruá. Paulo Roberto dos Santos Corval* “Aos Estados incumbe manter, como no liberalismo clássico, a estrutura administrativa básica, garantindo, por exemplo, serviços públicos de base – água, saneamento e educação...” “A ampliação do espaço destinado ao agir político decorre de se reconhecer uma zona de indiscernibilidade entre norma e realidade, em que não se afigura possível inscrever no registro jurídico a totalidade do fenômeno político-constitucional.” “... ponho em relevo apenas duas grandes diretivas que, acredito, emergem para a teoria constitucional do século XXI sob as lentes da exceção permanente: (i) a revalorização do processo histórica na compreensão do fenômeno político constitucional e (ii) a ampliação do espaço destinado ao agir político.” “A relação entre norma e vida já não é de simples reciprocidade, mas de imanência: o dado normativo não é autônomo, estando, como numa linha paralela, em mera correspondência com a realidade.”
  • 11. Estado de Direito, maio e junho de 2009 11 As normas constitucionais admitem interpretação? Já virou lugar comum dizer que a Constituição da República de 1988, vintenária no ano passado, resulta na mais perfeita expressão do pacto popular, representando a democracia brasileira após muitos anos de ditadura militar. Não é por outro motivo, aliás, que recebe o nome de Constituição Cidadã. Ao referendar o Estado Democrático de Direito, ela assegura o aprimoramento das instituições sob o apanágio das conquistas materializadas mediante a tutela das cláusulas pétreas, mecanismos respon-sáveis por proteger direitos fundamentais na sua mais essencial aptidão qualitativa. Ocorre que uma das mais sintomáticas lições enraizadas nos manuais de direito constitucional – a supremacia e a força normativa do texto cons-titucional– vem sofrendo ramifi cações cuja espe-cifi cidade merece ser disseminada com profunda sobriedade à sociedade brasileira. Isto porque não basta a mera proclamação vazia de que o ordena-mento constitucional constitui o ápice das leis, situando-se acima das demais normas jurídicas, devendo estas subordinarem-se hierarquicamente na conformidade dos conteúdos expostos na Lei Maior. A garantia da constitucionalidade dos atos normativos e dos comportamentos em geral ini-cia- se da própria interpretação da Magna Carta, quando ela mesma sofre o processo interpretativo concretizador da justiça que dali emana. Daquela lição basilar de proeminência constitu-cional retumba a interpretação das leis de acordo com a Constituição. Em conseqüência, todas as leis, por exemplo, devem guardar conformidade com o acervo constitucional de conteúdos e procedimentos, o que implica sua regular formação e, mais importante, cor-respondente compatibilidade material (de conteúdo adequado aos ditames constitucionais). Nessa senda, ganhou realce a fi gura dos princípios constitucionais, através dos quais se permite não apenas declarar uma norma como inconstitucional, mas conferir-lhe inter-pretação em consonância aos expedientes axiológicos erigidos pelo Texto Maior. Porém, e aqui enaltecemos o ponto nevrálgico da discussão, será que a própria Constituição merece ser interpretada de acordo com os critérios nela ditados? Nenhuma resposta no direito merece ser dada de antemão, sem o confronto com um caso concreto, exatamente pela inerência de ser a ciência jurídica descendente da razão prática. Há alguns meses o Supremo Tribunal Federal, a quem compete dizer o que a Constituição representa na sua vitalidade cotidiana, foi confrontado com uma situação bastante peculiar. Determinado político fora processado perante instância privilegiada, de acordo com os ditames legais e, ao ser acossado pela iminência de julgamento, resolveu renunciar ao seu mandato. A questão posta no STF redun-da no seguinte: deve este tribunal adentrar no mérito da renúncia – claramente configuradora de manejo em prol da imediata procrastinação processual e de mediata impunidade do réu, tendo em vista que a remessa dos autos para a compe-tência ordinária implicará em inevitável extinção de punibilidade – ou simplesmente interpretar mecanicamente o artigo 53, §1º da Constituição? O respectivo artigo deduz, em conformidade aos julgamentos desta Corte, que deputados e sena-dores serão julgados pelo Tribunal de Cúpula, na constância de seu mandato. Uma vez desprovidos da condição de parlamentar, seja por qualquer motivo, dentre eles, a renúncia, a competência de julgamento é retomada pelas regras comuns de competência. Parte dos Ministros do STF, em minoria, se inclinaram pela desconsideração da renúncia por qualificá-la nítido abuso de direito, propósito dia-metralmente contraditório a um alegado direito subjetivo de renunciar; neste sentido, remanes-ceria ao Tribunal a prerrogativa de julgar o réu. A tese vencedora, no entanto, preferiu – para usar do verbo corrente no caso – renunciar à análise do caso concreto em benefício, como consta da decisão, “do que ocorre normalmente”, sem se apegar a circunstâncias “extravagantes”. Ora, uma das diretrizes primordiais da nossa Constituição revela o desígnio pelo devido proces-so legal, nele consagrando a devida consideração das especifi cidades do caso concreto para efeito de se promover a justiça. Neste exemplo, o STF acatou verdadeira exegese do texto constitucional, ao simplesmente condecorar o sentido literal contido nas palavras de sua expressão, em vez de realizar adequada interpretação de acordo com os seus cânones mais elevados, como é o caso do princípio da moralidade, a informar que também as regras constitucionais merecem interpretação auto-refl exiva. Ao fi m e ao cabo, parece-nos, a interpretação mais recomendável seria aquela adotada pela minoria da Corte, ao fazer persistir a competência de o STF julgar aquele ex-político. * Advogado, Professor Universitário, Mestre e Doutorando em Direito pela UNISINOS Mauricio Martins Reis* “A garantia da constitucionalidade dos atos normativos e dos comportamentos em geral inicia-se da própria interpretação da Magna Carta...” “... todas as leis, por exemplo, devem guardar conformidade com o acervo constitucional de conteúdos e procedimentos, o que implica sua regular formação e, mais importante, correspondente compatibilidade material.”
  • 12. Estado 12 de Direito, maio e junho de 2009 Uma pergunta sem resposta: afinal, quais são os direitos sucessórios da convivente? Apesar de estarmos em 2009, o Brasil ainda está na idade das trevas quando o assunto em pauta é a proteção da família, entendida esta no sentido constitucional da expressão. Como em muitos outros aspectos, não temos um texto constitucional efi caz, uma norma suprema que conceda direitos e prerrogativas ao indivíduo. O art. 226 § 3º da Constituição (que eleva a união estável ao status de entidade familiar) parece ter a mesma efi cácia do 7º, V (o salário mínimo será sufi ciente para atender às necessidades vitais básicas do trabalhador e de sua família no que tange a moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social). Ninguém responde hoje com segurança e fi rmeza à seguinte pergunta: na prática, no formal de partilha, quais são os direitos sucessórios da convivente da união estável. Só a título de curiosidade vale registrar que em 1940 (!) o art. 258 do Código Civil boliviano (escrito pelo jurista Angel Ossório) previu ao concubino supérstite direito hereditário idêntico ao do cônju-ge, numa regra tão justa quanto clara, eliminando quaisquer resquícios de dúvida. Dentre os seis artigos que o Código brasileiro reservou para regulamentar a união estável está o famoso 1.790, talvez um dos piores artigos da his-tória jurídica de nosso país. Em síntese o dispositivo demarca o conjunto de bens nos quais a convivente herdará com o falecimento de seu parceiro. Esse local no qual a convivente concorrerá com os outros herdeiros do fi nado é exatamente a parte que coube ao falecido na meação dos bens comuns. Explicando melhor: Reúne-se tudo o que o casal construiu ao longo de sua parceria de vida. Metade já pertence à convivente, afi nal, o regime é o da comunhão parcial de bens (levamos 112 anos de República para estabelecer esse regime sem ressalvas para a união estável). A outra metade pertencia, portanto, ao falecido. É nesta outra metade que a convivente herdará, segundo o artigo já citado. O detalhe é que – se a hipótese fosse de casa-mento sob comunhão parcial – a esposa herdaria nos bens particulares do falecido marido (bens que ele herdou, recebeu de doação ou mesmo comprou, mas antes de casar). Neste ponto, cabe uma observação muito relevante. Não é sempre que o cônjuge herdará em melhores condições do que o companheiro. Imagine a hipótese em que há enorme prevalência de bens comuns e quantidade reduzida de bens particulares. Neste caso, concorrendo com um fi lho comum, o companheiro meará e depois herdará metade dos bens comuns, enquanto que o cônjuge nas mesmas condições apenas meará, fazendo a sucessão sobre os reduzidos bens particulares existentes. Da maneira pela qual a lei estabelece, a con-vivente de união estável pode acabar tendo mais direitos do que a esposa em comunhão universal. Imagine que José e Maria se uniram no ano de 1970 e – como a imensa maioria da população brasileira – pouco herdaram, conquistando a maior parte do seu patrimônio durante a vida de casados. Tal enlace durou exatamente 39 anos, quando José falece. No momento do inventário, os bens parti-culares trazidos por José ao casamento limitam-se a poucos livros e um carro muito velho, ao passo que o patrimônio construído ao longo da vida do casal perfaz considerável soma em dinheiro liquido, além de dezenas de bens imóveis a garantir a renda da viúva. O casal teve dois fi lhos. Se José e Maria tivessem se casado sob o regime da comunhão universal de bens, Maria não teria direitos sucessórios (a pessoa casada em comunhão universal não herda do cônjuge quando concorre com descendentes). Faria jus então à sua meação, levando 50% da grande massa patrimonial adquirida na constância do casamento. Se o caso fosse de união estável, pela letra fria da lei em vigor, Maria faria jus a 50% da meação e ainda herdaria sobre os outros 50%, concorrendo com seus dois fi lhos justamente na massa de bens mais volumosa, levando, portanto, uma maior quantidade de bens do que no primeiro caso. Percebe-se, portanto, que vivemos hoje uma situação de convulsão legislativa. A lei ora parece conceder mais direitos aos cônjuges, ora pende radi-calmente para o lado da convivente, não se podendo responder ao certo – para efeitos sucessórios – qual é a melhor opção patrimonial: se o casamento ou a união estável. O próprio STJ percebeu tal descompasso: “A diferença nas regras adotadas pelo código para um e outro regime gera profundas discrepâncias, che-gando a criar situações em que, do ponto de vista do direito das sucessões, é mais vantajoso não se casar” (MC 14.509/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, 3ª Turma, julgado em 21/8/2008). A Escola Paulista da Magistratura em curso reali-zado em 2006 proferiu a Conclusão n.º 1 a respeito da concorrência sucessória do convivente: “Afi gura-se inconstitucional a previsão do art. 1.790 do CC ao atribuir a participação do companheiro na sucessão em concorrência com os fi lhos sobre os bens havidos onerosamente durante a convivência”. Juízes de 1ª instância também têm decidido pela inconstitucionalidade do art. 1.790:“A regra inscrita no art. 1.790 do CC padece, realmente, do vício da inconstitucionalidade” (Processo n.º 03.092595-9, da 3ª Vara da Família e Sucessões do Foro Central de São Paulo). Porém, após afastar a incidência do artigo 1.790, os magistrados devem se atentar para não deixar a convivente sem herança. Exclui-se o art. 1.790 e concede-se o quê? Nesse cenário parece que os princípios gerais do Direito indicam que o caminho adotado é mesmo o de se atribuir à convivente os mesmos direitos sucessórios da esposa casada em comunhão parcial, conforme a Bolívia já fez há quase setenta anos. A conclusão que se chega é que no Brasil, o homicida – antes de praticar seu crime – tem informações claras a respeito das conseqüências do seu ato. Sabe com precisão qual a pena mínima e máxima que poderá sofrer, tem condições de conhecer os recursos que terá a sua disposição, as regras para o sursis, as normas sobre liberdade provisória etc. Já a mulher que encontra seu parceiro de vida, que deseja com ele formar o núcleo básico da so-ciedade, com ingredientes de afeto, consideração, amor e respeito, auxiliando o Estado no ofereci-mento de pessoas educadas e bem criadas para o desenvolvimento de uma sociedade evoluída, não obtém respostas seguras a respeito das normas que pautarão sua vida familiar, especifi camente no que tange às conseqüências sucessórias desta união. *Bacharel em Direito, Mestre e doutorando pela Faculdade de Direito da USP. Entre os livros publicados pela Editora Atlas destacamos “Medidas Provisórias: o Executivo que legisla“, “Direito Civil: Sucessões - v. 9” e “Direito Civil: Parte Geral - v. 3” Gustavo Rene Nicolau* MARCELLOCASAL JR ABR
  • 13. Estado de Direito, maio e junho de 2009 13 Entrevista Lei Fundamental Alemã O Professor Dieter Grimm (*) palestrou no dia 08 de abril, no Goethe-Institut Porto Alegre, na Conferên-cia Lei Fundamental da Alemanha 60 anos de conquistas, desafi os e perspectivas, nessa oportunidade o Jornal Estado de Direito registrou a entrevista. Confi ra! Estado de Direito: Primeiramente, gostaría-mos que o senhor explicasse um pouco como funciona o ingresso na Magistratura alemã, considerando também sua atuação como Magistrado do Tribunal Constitucional Federal Alemão? Dieter Grimm: Existe uma diferenciação entre um Juiz que atua na Jurisdição ordinária e os Juízes do Tribunal Constitucional, em termos de ingresso. Um juiz de carreira (togado) é no-meado de acordo com a sua qualidade e seus conhecimentos pelo Ministério da Justiça, com base nas notas auferidas nas provas realizadas pelos diversos estados da federação e que asseguram o acesso às carreiras jurídicas, exi-gindo uma nota mínima para os que pretendem ingressar na Magistratura, sendo chamados de acordo com as vagas disponibilizadas. Já o Juiz do Tribunal Constitucional é eleito. Metade dos juízes do Tribunal Constitucional é eleita por uma das casas do Parlamento e metade pela outra casa, sendo o mandato de doze anos. O entrevistado considera esta uma boa regra, pois além de ter que ser escolhido por uma das casas do Parlamento, a eleição se dá pela maioria qualificada de dois terços, o que significa que esse juiz vai ter que ter um apoio de pelo menos dois partidos majoritários, o que impede que seja escolhida uma pessoa que tenha posições extremadas. Isso não significa que um juiz que não pertença a um determinado partido político vá ser preterido, mas é uma boa regra na escolha dos juízes. ED: O Senhor poderia fazer um balanço sobre os 60 anos da lei fundamental alemã ao longo de sua trajetória existencial, especialmen-te sobre a sua força normativa e receptividade pela população? DG: Ele acredita que a atual Constituição Alemã, a Lei Fundamental de 1949 , é a mais im-portante da Alemanha até agora, por pelo menos quatro motivos. 1. Num primeiro sentido, temos uma questão temporal, visto que a Constituição de 1848, do Império, durou 47 anos, a Cons-tituição de Weimar, por 17 anos, ao passo que a Lei Fundamental de 1949 completa 60 anos agora em maio. 2. Em segundo lugar é uma questão de relevância. As pessoas vislumbram na Constituição uma obra de significado para as suas vidas, pois a Constituição tem peso nas suas escolhas e elas se identificam com a sua Constituição, o que está fortemente vinculada à criação e ao papel desempenhado pelo Tribunal Constitucional, no que diz com a proteção e desenvolvimento do direito constitucional, bem como com a formação, na Alemanha, do assim designado “patriotismo constitucional”. 3. Um terceiro fator, vinculado à identificação do indivíduo com a Lei Fundamental, reside na possibilidade de qualquer pessoa, sempre que estiver diante de uma suposta violação a direito fundamental, pode ajuizar diretamente uma reclamação constitucional sem qualquer cus-to, buscando um pronunciamento do Tribunal Constitucional. 4. Em quarto lugar porque essa Lei Fundamental serviu de exemplo também para diversas outras Constituições que foram elaboradas após 1949. ED: A Lei Fundamental define a Alemanha como um Estado Social. Qual a razão dessa opção e não a de positivar direitos sociais, econômicos e culturais? DG: O professor acredita que há especial-mente dois motivos pelos quais não foram positivados os direitos fundamentais sociais. Primeiro, porque a experiência anterior que eles tinham era a experiência da Constituição de Weimar, que sobre esse aspecto, apesar de ter positivado direitos fundamentais sociais, não teve sucesso. Sendo eles considerados de menor importância, sua força normativa não foi desenvolvida e assim eram tidos como meras declarações políticas, destituídas de vinculatividade. A partir daí, a idéia era não repetir essa tentativa de positivar direitos fun-damentais sociais. A segunda razão, que é a mais importante, é que no Conselho Constituinte havia certa polarização política entre Liberais e Social- Democratas. Ambos os lados tinham mais ou menos a mesma força e isso fez com que nenhum conseguisse estabelecer - os Liberais a ausência total de normas sociais e os Sociais Democratas a positivação mais ampla dos direitos sociais – predominantemente seus interesses. Dada essa igualdade de forças, o compromisso entre os dois lados foi alcançado justamente na figura dessa norma que institui o Estado Alemão como um Estado Social, apesar de a Lei Fundamental não positivar direitos sociais propriamente ditos. ED: Quais os mecanismos de controle de constitucionalidade das leis alemãs? DG: O entrevistado refere novamente que foi precisamente com a Lei Fundamental de 1949 que, pela primeira vez na historia da Alemanha, foi estabelecida uma Corte Constitucional, já que isso não foi previsto nas Constituições anteriores e essa Corte tem amplos poderes para justamente analisar a constitucionalidade de atos do governo. Isso foi um reflexo da ex-periência com o nazismo, um período durante qual praticamente não se ligava para a lei, não havia qualquer controle dos atos do governo, seja do Poder Executivo, seja do Poder Legis-lativo, razão pela qual se previu uma eficiente Jurisdição Constitucional, representada pelo Tribunal Constitucional Federal, que decide de cinco a seis mil casos por ano. ED: Para a tutela dos direitos fundamentais a população conta com a “queixa ou reclamação constitucional”. Como funciona esse procedi-mento e qual tem sido seu papel efetivo para o desenvolvimento, proteção e promoção dos direitos fundamentais? DG: No que tange à Reclamação Constitu-cional (Verfassungsbeschwerde), o entrevista-do asseverou que qualquer pessoa pode trazer uma demanda perante a Corte, designadamente nos casos de violações de direitos fundamen-tais por parte do Estado. Isso significa que não são apenas cidadãos alemães que podem ajuizar essa reclamação, mas também estran-geiros que estejam na Alemanha no momento da violação. Claro que há algumas condições para o uso da Reclamação Constitucional. O primeiro, dentre os mais importantes, é a exaustão dos outros meios para a cessação dessa violação, ou seja, as instâncias inferiores da Jurisdição devem ser acessadas antes de se recorrer ao Tribunal Constitucional. Também há o limite temporal de quatro semanas, ou seja, até quatro semanas após o ato que violou ou supostamente violou um direito é que é possível ingressar com a Reclamação. O entrevistado reiterou que desses cinco a seis mil casos que a Corte julga anualmente, em torno de 95% são sobre casos individuais. Quando se trata de casos mais relevantes, as decisões são tomadas pelo Plenário da Corte, ao passo que nos demais casos a decisão é afeta a um cole-giado composto por três Juízes. Precisamente o fato de que qualquer pessoa pode fazer essa Reclamação Constitucional contribui para o alto respeito que os alemães têm pela Corte Constitucional. ED: O Princípio da Proporcionalidade tem sua origem na Alemanha? A sua aplicação na jurisprudência constitucional alemã diverge muito da de outros países, como é o caso dos Estados Unidos? DG: De fato, a origem do Princípio da Pro-porcionalidade é alemã. Ele surgiu no direito administrativo, no século XIX, em questões vin-culadas ao direito de polícia. Apenas em 1950 é que a Corte Constitucional passou a utilizar o princípio, tornando-se ele em um princípio de direito constitucional. O princípio é usado pela Corte Constitucional sempre que está envolvida a limitação de direitos fundamentais pela lei, ou seja, a questão é sempre determinar se a restrição que é feita de um direito fundamental é proporcional ou não. Além disso, é feito também um teste de proporcionalidade dos atos do Executivo que aplicam as leis. É uma aplicação de dois tempos: primeiro verifica-se se a lei é proporcional na sua limitação que faz dos direitos fundamentais e, no segundo momento, se o ato que aplica aquela lei tam-bém é proporcional. O entrevistado acredita que os direitos fundamentais na Alemanha são protegidos justamente pelo Princípio da Proporcionalidade. ED: Como se dá a relação entre o Tribunal Constitucional e os demais Órgãos Estatais? DG: A Corte Constitucional Alemã na ver-dade é um órgão muito poderoso, justamente por essa ampla prerrogativa de controle cons-titucional. O que acontece então é que diversos atos do governo, bem como algumas decisões de instâncias inferiores da jurisdição, são decla-rados inconstitucionais. Isso significa que por vezes os outros poderes são tolhidos nos seus interesses e nas suas intenções e nem sempre gostam disso. Neste contexto, o entrevistado frisa desconhecer situação na qual a Corte foi desobedecida, o que se deve principalmente ao grande apoio popular do qual goza a Corte Constitucional. Ou seja, como a população apóia a Corte o custo político, para os partidos políticos e para órgãos dos três Poderes, no sentido de não cumprirem uma decisão ema-nada pela Corte, seria muito grande. ED: Para finalizar, o senhor poderia falar CARLOS BAILON sobre o que significa o Estado de Direito na sua concepção e qual a contribuição alemã e da Lei Fundamental para a afirmação e compreensão de tal modelo? DG: O mais básico de tudo é justamente a idéia de que ele consagra o império da lei, isso é, assegurar que a forma de exercício do poder político esteja em conformidade com a lei. Disso resultam pelo menos quatro aspectos a considerar: a) que o próprio Estado do qual emanam as leis, e não apenas os indivíduos, está submetido a essas leis; b) que todos aqueles atos estatais que submetem o cidadão a fazer ou deixar de fazer alguma coisa emanam da lei, o que, para o entrevistado, é justamente o contrário do império do arbítrio; c) Outro aspecto relevante é que tudo depende então de existir a lei, o que significa que algumas coisas precisam ser reguladas, como por exemplo, a proteção de diversos direitos. A regulação pelo legislador, por sua vez, não assegura por si só um conteúdo legítimo e justo às leis, de tal sorte que são necessárias garantias de conteúdo dessas leis, para que elas sejam justas, ou seja, que haja respeito dos direitos fundamentais no que tange ao conteúdo da lei; d) O quarto as-pecto seria que o Estado de Direito não funciona sozinho: as instituições muitas vezes sentem-se inclinadas a não cumprir a lei (o que inclui a Constituição) o que significa que é necessário que haja órgãos de controle. É neste plano que assume importância a Corte Constitucional. Para este controle ser realmente efetivo, para garantir o Estado de Direito, é necessário que não só a jurisdição como um todo, mas especialmente a Corte Constitucional seja inde-pendente em relação aos demais poderes. (*) Catedrático Emérito da Universidade de Humboldt de Berlim, membro da New York University School of Law, Professor Visitante de Direito (Georges Lurcy Visiting Professor of Law) da Yale Law School e Professor Visitante no Programa “International Legal Studies Courses und Reading Groups” (2008-2009) da Harvard Law School. Foi Professor na Universidade de Bielefeld, no Instituto Max-Planck de História do Direito Europeu de Frankfurt, além de Professor e Reitor (2001-2007) do Instituto de Estudos Avançados (Wissenschaftskolleg) de Berlim, e Magistrado do Tribunal Constitucional Federal Alemão (1987-1999). Tradução: Ivar Alberto M. Hartmann. Revisão da tradução: Ingo Wolfgang Sarlet especial
  • 14. Estado 14 de Direito, maio e junho de 2009 Àqueles a que tudo julgam, a que tudo estarão a julgar? Chega 2009 e um tema se mantém na pauta. A Reforma do Judiciário (ao lado da constante reforma processual) ocupa a mente de juristas, juízes, advo-gados, políticos, jornalistas e deveria estar na mira de todo o brasileiro preocupado com os rumos da cidadania, como um bonus pater familias, cuja casa esteja (constantemente) em obras. Não obstante a importância da horizontalidade do respectivo de-bate, o que nos ocupa por ora é o rumo que toma a verticalização do tema na Imprensa, no Legislativo e dentro do Poder Judiciário, no contexto da Sociedade do Espetáculo, pulsante na esfera pública. No ano que encerrou, 2008, a jovem Consti-tuição Federal festejava seus vinte anos e a idosa codifi cação civil os seus cinco anos no Brasil. Dentre os muitos eventos dedicados aos aniversários, eu destacaria um momento em específi co. Na abertura do Congresso da OAB, dedicado ao Código, onde tive a honra de ladear o ilustre amigo, Prof. Antonio Junqueira de Azevedo (USP), seguindo à sua fala. Disse assim, o preclaro doutrinador paulista, como arauto do evento: “Nunca se viu, na sociedade bra-sileira, tão grande fuga do Poder Judiciário, como nesses cinco anos de vigência do Código Civil. A sociedade está fugindo do Judiciário. Exemplo disso é o crescimento dos juízos de conciliação e das cortes de arbitragem.” A fala seguinte, coube a mim. Disse eu, no momento vestibular de minha conferência: “Nunca se viu, na história desses muitos brasis, uma acorrida tão grande ao Poder Judiciário, como nesses vinte anos de vigência da Carta. À luz da edifi cação de uma Estado Social, no desenvolvimento de sua imanente cidadania, o povo, para bem além de suas elites, inicia paulatinamente à acessar o Judiciário. Em detrimento de juízos excepcionais, não raro dirigidos pela mais diversa forma de criminalidade. Onde não houver Estado, alguém ocupará seu papel.” Destaque maior vai para o fato de que não há divergência alguma entre minha conferência e a do Prof. Junqueira. Apenas estavamos a falar de brasis distintos, dentre os muitos brasis que se abrigam no “território real” (?) dentro do “mundo real”. Em um deles, de mega-corporações e empreendimentos, essa fuga é uma evidência; porém no Brasil-favela, irredu-tível a fórmulas em seus paradoxos, uma mudança no sentido contrário se pôs em curso. Mesmo que fosse em um “horário diferido”, com um algo “fora de expediente”, então chamado “Juizado de Pequenas Causas”, certas camadas da população passaram a acessar espaços de cidadania que não lhes eram permitidos. Destaque-se o esforço em prol do cha-mado acesso à justiça, corporifi cado em especial nas Defensorias Públicas que se espalham nas unidades da federação; onde, vergonhosamente, o estado de SC até hoje não o implementou, negando realização de direitos fundamentais de muitas comunidades necessitadas. Ocorre que, precedentemente a qualquer dis-cussão sobre acesso à justiça, deve-se ter uma sólida noção do que tomamos por Jurisdição e, sem dúvida relevante perquirir na contemporaneidade nacional, o que percebe-se como um mínimo jurisdicional necessário. Afi nal, ao vetar a auto-tutela dos direitos subjetivos pelos particulares, o Poder Público atrai para si um dever de prestar uma adequada juris-dição aos respectivos direitos. Ou seja, um dever de jurisdicionar minimamente e com efi cácia os direitos subjetivos de seus administrados, adequando procedimentos e ritos à singularidade das lides que aportam diariamente nos foros e tribunais. De modo indisponível. É nesse contexto que gostaria de proceder alguns destaques que viabilizem uma crítica, quiçá útil, aos rumos da discussão das muitas reformas pensadas em torno do processo e do Judiciário. Principalmente para não corrermos o risco de reduzir a discussão à tematização, mormente em torno da efi ciência, de números e resultados; mera expressão da percepção do drama processual das partes como um número lançado à capa dos autos. Nesse contexto, importante destaque vai para as diversas manifestações e a crescente simpatia para com as iniciativas conciliatórias. Em 2008 chegou-se a ver em solo nacional, mutirões em unidades da federação, não sem aplauso da Presidência do STF; fato certamente indicativo de uma tendência. Na imprensa as respectivas autoridades emolduram tais iniciativas sinalizando com a impossibilidade de ins-truir- se e julgar tantos processos. Perceba-se o quanto isso é chocante. Não a afi rmação, propriamente, mas como ela passou em branco. Certamente dissesse o Ministro da Saúde, em meio à uma suposta ou afi rmada crise do sistema de saúde, que o problema do setor decorreria do excesso de doentes no Brasil, estaria sendo indagado do sentido de suas palavras. Já o Judiciário parece ter certas prerrogativas decor-rentes do hermetismo jurídico; não raro úteis para o silêncio do espaço público. Desse modo percebe-se o quanto é forçado um acordo nos processos, com diversas marcações de audiências conciliatórias, não raro ancoradas em risíveis (quando não trágicas) tentativas quase coativas de não se instruir os feitos. Bom para todos... Quais todos ??? Talvez àqueles que acusem os recursos como vilões procrastinatórios. Serão eles que retiram efetividade do processo ao suspender seu trâmite ? Para isso, o efeito suspensivo deveria ser regra na esfera recursal... Mas não é... Não obstante, distribuída uma separação, esta, antes de qualquer apreciação irá, no estado do RS, para o Projeto Conciliação. Somente após começar-se-á a discutir seu mérito... Depois de quanto tempo ??? E se houver alguma urgência nesse ínterim, com a alteração do estado fático do objeto litigioso ?? Implementa-se a tipologia do atentado. Quem vai apreciar a respectiva cautelar ? O Projeto Concilia-ção ??? E a dependência por conexão que resulta no apensamento ?? Basta explicar ao Juiz e apressar o Cartório para desapensar, não é ?? Quanto tempo terá passado ??? Como apreciar a cautelar em dependência (ou seja, não preparatória, incidental) sem os autos principais ? Perceba-se o quanto da credibilidade da De-mocracia é posta em risco com tal aposta da admi-nistração da Justiça e regulação do processo. Nesse passo, importa perquirir se alguém ousaria apontar a realidade processual trabalhista como exemplo de efetividade processual, no contexto brasileiro. Qual a efi cácia, portanto, da problemática unifi cação do processo de conhecimento com o de execução, no último conjunto de reformas do processo civil? O procedimento mudou ?? Tudo virou uma grande monitória ??? Aumentou-se a efetividade do processo civil ???? Já iniciativas como juizados especiais intine-rantes existentes em regiões mais pobres, ou ainda a iniciativa manauara do Juizado Especial de Trânsito, onde um pequeno cartório e sala de audiências circula em um veículo e julga in loco os respectivos litígios, fi cam fora do foco dos “diálogos”. Parece-me, estas últimas experiências, estarem muito mais próximas de iniciativas em prol da efetividade do processo do que as demais. Não obstante, o que comparece ao espaço público para um monólogo acéfalo, parece o contrário. E isso é muito signifi cativo. Voltemos, pois, aos recursos (sem trocadilhos). Direito, ao fi m e ao cabo, lida com valores, de modo a trazer a subjetividade qual sua sombra (em verdade sua luz). Isso é fato (o que também é valor) irretor-quível, mesmo quando negado nas teorias apegadas ao fetiche da neutralidade. Neutralidade de todos !! Sistema, Juiz, Legislador... Isso quando a própria teoria é o elemento de menor neutralidade, dentre os players metafisicamente privilegiados. Temas recorrentes podem revelar problemas recorrentes. Aqui não se vislumbra exceção. Por trás de tudo, o outro. “O inferno são os outros”, já disse Sartre, mesmo “entre quatro paredes”. Diferença. Alteridade. O outro. Não há processo sem o outro; não havendo Direito sem alteridade. Essa frase tem implica-ções carentes de serem razoavelmente exploradas nos limites de um editorial; mas revela amplas possibilidades de investigar o tema em liça. Até porque tratar a reforma do Processo é tratar de alteridade. De mudança... Ou não... Como se trata também, especifi camente no recurso. Reformar... Ou não... Simulacro. Paradoxalmente, processo é representação e, portanto, sempre mapa; nunca território. Assim perceberia Boudrillard. Os atores (ou fantoches) processuais, estão imersos na Matrix. Em alguma medida, demandar é adormecer. Sonhar com conceitos e embalar pretensões. A norma é a inimiga da alteridade, sempre que tomada no paradigma tradicional. De outra banda, ela também é a própria afi rmação dessa alteridade. Normaliza-se, e portanto normatiza-se, somente o que oscila. Nunca o que é estático ou sem relativos. Sem relatividade não há medida. Rule... Sem relati-vidade, qualquer medida é desmedida... Qualquer verdade é desmentida... E sequer chegamos a tocar no tema recursal... Tal-vez como um recurso retórico... Talvez não... O tema merece editorial próprio. Até lá... Sem recurso... * Possui graduação em Ciências Jurídicas e Sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1992), mestrado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1998) e doutorado em Direito pela Universidade Federal do Paraná (2000). Atualmente é professor titular da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, profissional liberal - Ricardo Aronne Advocacia e Consultoria Jurídica, professor convidado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Ricardo Aronne* Interrogações sobre Direito Processual e Simulacro na Sociedade do Espetáculo LUIZ SILVEIRA -SCO- STF