O documento é uma edição especial de aniversário do jornal "Estado de Direito" que celebra um ano desde o seu início. O jornal tem como objetivo disseminar a cultura jurídica na sociedade através da educação jurídica e do direito fundamental da pessoa humana. A edição traz artigos de professores estrangeiros, entrevistas e colunas sobre diversos temas jurídicos.
Aula 6 - O Imperialismo e seu discurso civilizatório.pptx
ESTADO DE DIREITO - 6 EDIÇÃO
1. Estado de Direito
PORTO ALEGRE, NOVEMBRO DE 2006 • ANO I • N° 6
Um ano levando a todos a Cultura Jurídica!
Impulsionados pela vontade de criar um instrumento de comunicação direcionado ao
desenvolvimento do ensino jurídico, iniciou, em novembro de 2005, o Jornal Estado
de Direito na busca pela disseminação da Cultura Jurídica, com a transmissão de
valores sociais e a promoção da cidadania, ancorada na educação jurídica e no Direito
Fundamental da Pessoa Humana.
A partir de experiências européias tanto de entidades públicas quanto privadas, o Estado
de Direito assumiu o compromisso de divulgar o ensino jurídico na nossa sociedade
utilizando a tecnologia da informação. Nessa expectativa, busca promover o conhecimento
A Democracia
Deliberativa
O Estado de Direito apresenta a palestra proferida,
em 07/06/06, na UFRGS pelo Professor Luigi
Bobbio da Universidade de Torino. Entitulada de “A
Democracia Deliberativa”, Bobbio lança um olhar
sobre a democracia enquanto procura um caminho
ideal que garanta a representatividade nos processos
de tomada de decisão dos sistemas atuais.
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SAMARA VÍDEO
jurídico com uma proposta a mobilizar a sociedade refl etir sobre temas contemporâneos
que estão presentes no dia a dia do cidadão.
E nesta edição especial de aniversário, trazemos, dentre algumas novidades, a participação
de professores estrangeiros: a palestra do professor italiano, Luigi Bobbio, da Universidade
de Torino, quem nos convida a refl etir em busca de uma sociedade mais igualitária e
democrática; e a entrevista especial concedida pelo professor português, António Pinto
Monteiro, de Coimbra, apresentando seu pensamento sobre a cláusula penal na tradição
do Direito Português; com a integração de diferentes culturas jurídicas.
Direito das
Obrigações
Em entrevista exclusiva ao Estado de Direito, o Prof.
Dr. António Pinto Monteiro tece seus comentários a
respeito da Cláusula Penal nos ordenamentos jurídicos
português e brasileiro, abordando também algumas
diferenças do Direito nesses dois países.
Uma visão sobre
Súmula Vinculante
A Prof.ª Dr.ª Teresa Arruda Alvim Wambier comenta a
vinculação de decisões judiciais à luz da Constituição
Federal e do Código de Processo Civil, sugerindo uma
análise sobre a garantia de princípios fundamentais e
da evolução social e jurídica no país.
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Processo
Penal:Prazo
Razoável
O Prof. Dr. Aury Lopes Junior
comenta o prazo razoável no processo
penal, alertando para a importância
de uma normatização que vincule o
seu cumprimento e a necessidade de
superar estigmas como o da falta de
recursos materiais e pessoais.
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Processo
Civil: Coisa
Julgada
Marcus Vinícius Antunes propõe
uma refl exão sobre os institutos
de revisão e rescisão de decisões
transitadas em julgado.
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Movimento de
Conciliação
Nacional
Prof. Francisco Lima Filho, Juiz titular
da 2ª Vara do Trabalho de Dourados
(MS) e doutorando em Direito Social
na Espanha, comenta a defl agração do
Movimento de Conciliação Nacional
pelo Conselho Nacional de Justiça,
que busca conscientizar a população
para outros meios de acesso à solução
de confl itos e o aperfeiçoamento da
prestação Jurisdicional. Página 8
Refl exões sobre
Direito e Advocacia
O Prof. Sílvio de Salvo Venosa, em seu texto, aborda
a situação atual do bacharelado em Direito e dá
destaque às situações e questionamentos que a classe
encontra quando se propõe a pensar sobre o que,
de fato, pode ser feito pelo bem público por meio do
Direito.
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Edição especial de aniversário!
Agora você ouve o Estado de Direito na 630 AM
Rádio Santamariense todas as sextas-feiras, 7h30min!
2. 2 Estado de Direito, novembro de 2006
O Estado de Direito almeja contribuir para uma sociedade em que
o conhecimento e a informação são valores culturais, sociais e econô-micos
fundamentais para o desenvolvimento de toda a sociedade e,
para isso, estamos ampliando os nossos meios de comunicação.
A partir deste mês, além do jornal impresso e eletrônico, iniciamos
o programa de rádio, Estado de Direito, na Rádio Santamariense
– AM, 630 Khz, da cidade de Santa Maria/RS, alcançando mais de
30 municípios do Rio Grande do Sul, que estarão ouvindo Carmela
Grüne e convidados, todas as sextas-feiras, às 7h30min, com muito
bom humor, descontração e responsabilidade. Podemos dizer que
será uma forma desengravatada de aprender Direito, numa linguagem
simples, analisando os principais fatos do mundo jurídico, bem como
esclarecendo e tirando dúvidas dos nossos ouvintes.
Agradecemos a todos professores e colaboradores que contribuíram
para, em suas precisas lições, disseminar a Cultura Jurídica na nossa
sociedade, transmitindo, nesse um ano de vida do Jornal Estado de
Direito, seus conhecimentos. E muito nos apraz a consciência por
parte dos patrocinadores que apóiam e acreditam na importância do
desenvolvimento da Cultura Jurídica, o que muito nos orgulha nesta
iniciativa por fazerem parte da construção deste veículo e possibilitarem
o aumento da tiragem, neste aniversário, para 15 mil exemplares. E a
vocês, nossos ilustres leitores, que incansavelmente buscam o conhe-cimento
e a qualidade de ensino, igualmente saudamos!
Em nome de toda a equipe do Jornal Estado de Direito, muito
obrigada!
Carmela Grüne
Paulo Vilanova Charge
Estado de Direito Alguns Estranhamentos Atuais
Porto Alegre - RS - Brasil
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*Os artigos publicados nesse jornal
são responsabilidade dos autores e não refl etem
necessariamente a opinião do Jornal
Augusto Jobim do Amaral*
O justiceiro que adormece em cada
ímpeto ordenador, inelutavelmente, não
hesita em recorrer à coerção ao menor sinal
de fadiga do modelo. Para além das amizades
ou inimizades, existem os estranhos. E são
sempre os amigos que classifi cam e defi nem
quem são seus violadores. Nasce, pois, uma
narrativa de dominação baseado no direito
arbitrário de defi nir.
Ele torna-se mais perigoso que o inimigo,
pois é indefi nível e insolúvel nas categorias
binárias de hoje. Os indefi níveis são todos
‘nem uma coisa nem outra’, o que equivale
a dizer que eles militam contra ‘uma coisa ou
outra’. Não se considera o estranho no senso
comum do termo, como alguém que chega
hoje e vai embora amanhã – como um turista
– but rather as the man who comes today
and stays tomorrow. Este alguém que está
perto e longe ao mesmo tempo representa
incontáveis perigos, pois inclassifi cável no
princípio da oposição. Rompem permanen-temente
o incessante esforço de ordenação da
modernidade claramente visto na construção
do Estado-nação.
Ao ponto de se afi rmar que cumpre
ao Estado nacional, no papel de jardineiro
coletivo, lidar não com os inimigos, mas, sim,
com o problema dos estranhos. É o ente
estatal que passou a possuir com o advento
da modernidade a arrogância para proclamar
o estado de coisas que se poderia chamar de
ordem ou caos, e sobretudo impor a todos
a visão sob esta condição. Tal Estado mori-bundo,
ansioso por demonstrar que ainda
possuiria a única fonte de ‘direito’ a violência,
acaba por maximizá-la. Talvez não avisado de
seu falecimento – tal como o clássico persona-gem
de Kafka: Graco, o Caçador , meio vivo
meio morto – continue a perambular por aí
impondo mais dor e sofrimento.
Torna-se assim facilmente vinculável a
visão dos estranhos com a do medo difuso
que parece pairar sobre nós. A resposta
procurada na luta para se atingir a segurança
não-ameaçada, em outras palavras, a cruzada
contra as incertezas enraizadas será confor-tavelmente
encontrada na identifi cação de
“corpos estranhos”. Nada disso dista da ob-sessão
contemporânea de manter à distância
o híbrido, o diferente que não se enquadra
em “meu” projeto puro de existência.
Não é de outra forma que a versão
atualizada do terror moderno acaba recaindo
sobre os criminosos. Duas fi guras acabam
por se tornarem cheias de signifi cado: a do
vagabundo e a do turista. Este contém o
milagre de estar no lugar, entretanto a ele
não pertencer, está dentro e fora ao mesmo
tempo. Já aquele também permanece em
constante deslocamento, todavia, por não
se sentir “em casa” em lugar algum, pois sua
presença nunca é bem vinda. Poderá ser dito
que “não há turistas sem vagabundos”, não
obstante mais claro que isto é que “não se
pode transitar livremente se os vagabundos
não forem presos...”. Uma sociedade com
tendências depressivas não tarda a desembo-car
numa farta criminalização da pobreza.
E por mais que venhamos a alarmar a fa-lência
e a face cadavérica do Estado-nação, isto
não signifi ca a implosão de todo seu conjunto
e nem que ele esteja totalmente desordenado.
É a mais pura ambivalência que também
conduz, de certa forma, à manutenção de uma
razão interna – um logos persecutório – que
parece se auto-reproduzir ao infi nito.
Leia o artigo na íntegra acessando
www.estadodedireito.com.br
* Advogado; Professor Universitário; Doutorando
em Altos Estudos Contemporâneos (COIMBRA
– POR); Mestre em Ciências Criminais (PUCRS);
Especialista em Ciências Penais (PUCRS) e
Especialista em Direito Penal Econômico e
Europeu (COIMBRA – POR).
Ler e ouvir o
Estado de Direito
www estadodedireito.com.br
3. Estado de Direito, novembro de 2006 3
ESPECIAL
Entrevista
A cláusula penal
O direito das obrigações é um ramo do direito civil que muito se aplica às relações civis e
comerciais da sociedade atual, especialmente os contratos são fontes profícuas de obrigações.
Diariamente, as pessoas estão celebrando contratos e submetendo-se a relações obrigacionais
dos mais diversos tipos.
Entrevistamos o Prof. Dr. António Pinto Monteiro* para registrar a sua preleção e, desta forma,
conhecer a cláusula penal no contexto do inadimplemento das obrigações na visão portuguesa.
Estado de Direito (ED): A cláusula penal é suscetível a ser
abusiva?
Prof. Dr. António Pinto Monteiro (AM): Sim, esse poderá
ser mesmo o principal problema da cláusula penal. Esta, como
qualquer outra manifestação da autonomia privada, pese embora
as importantes vantagens que apresenta, poderá, em certos
casos, ser utilizada abusivamente. Daí a necessidade de corrigir
esses abusos, mas sem anular a cláusula penal.
ED: Por que ela é vista como multifuncional?
AM: Porque pode desempenhar uma multiplicidade de fun-ções,
de acordo com a intencionalidade das partes, embora, tipi-camente,
a cláusula panal esteja vocacionada para exercer uma
função indemnizatória ou uma função coercitiva/compulsória.
De multifuncionalidade da cláusula penal fala, com propriedade,
a Professora Judith Martins-Costa.
ED: Qual a natureza jurídica da cláusula penal?
AM: Essa é uma questão muito complexa. Pode ver mais
desenvolvidamente o meu livro sobre “Cláusula penal e indem-nização”,
onde esse ponto é devidamente explicado. De todo o
modo, sempre lhe direi que a natureza jurídica da cláusula penal
depende da espécie que, em concreto, as partes tenham estipula-do.
Pode assim a cláusula penal assumir natureza indemnizatória
ou compulsória. Tradicionalmente, falava-se da natureza mista
da cláusula penal, mas essa é uma tese que eu critico.
ED: Quais as espécies de cláusula penal no direito com-parado?
AM: Neste momento podemos já distinguir, no direito
comparado, a cláusula de fixação antecipada da indemnização
(liquidated damages clause/clause de dommages-intêrets/Scha-densersatzpauschalierung)
da cláusula penal propriamente
dita (penalty clause/clause pénale/Vertragsstrafe). A estas,
acrescento eu a cláusula penal puramente compulsória. Pode
ver, desenvolvidamente, o sentido desta distinção no meu livro
que atrás citei. De todo o modo, muito sinteticamente, sempre
poderei adiantar que, no primeiro caso, a prova, pelo devedor,
de que não há danos, afastará o direito do credor à pena. No se-gundo
caso, a pena, como sanção, é devida independentemente
da existência de danos. No terceiro caso, a pena acrescerá à
indemnização a que houver lugar nos termos gerais. Tudo de-pende
da intencionalidade das partes ao estipularem a cláusula
penal no caso concreto. E eventuais abusos serão combatidos
pela norma que permite a redução de penas excessivas.
ED: No Brasil, utiliza-se o modelo tradicional, que admite a
compulsoridade (eventual) e a indenizatória (mais utilizada). Qual
o modelo que o Senhor considera o mais adequado?
AM: Isso depende. Como já disse, as partes é que saberão
qual o modelo mais adequado, em conformidade
com o interesse que visam acautelar com a esti-pulação
da cláusula penal.
ED: O artigo 412, do Código Civil, diz que o
valor da cominação imposta na cláusula penal
não pode exceder o da obrigação principal e, em
seguida, o artigo 413 diz que a penalidade deve ser
reduzida pelo juiz se a obrigação principal tiver sido
cumprida em parte ou se o montante da penalidade
for manifestamente excessivo, tendo-se em vista
a natureza e a finalidade. Nesse contexto, qual a
sua opinião em relação a essa limitação e qual o
procedimento adotado em Portugal?
AM: O artigo 413 do actual Código Civil
brasileiro é muito importante, ao permitir reduzir
equitativamente penalidades manifestamente ex-cessivas.
É um preceito novo, que corrresponde
ao artigo 812º do Código Civil português e que
está também em conformidade com a situação
no Código Civil alemão, italiano, suíço e francês,
entre outros.
Já o artigo 412 do Código Civil brasileiro me
suscita muitas reservas, para não dizer abertamen-te
que me parece ser uma norma que, interpretada
à letra, parece abolir a cláusula penal da ordem
jurídica brasileira, pois esta deixará de poder exer-cer
as funções para que está vocacionada, muito
especialmente a função compulsória. E é um artigo
que mal se compagina com o artigo imedatiamente
seguinte, o artigo 413. Acho que a ciência jurídica
brasileira tem um importante trabalho a desenvol-ver,
de cunho hermenêutico-correctivo.
ED: Admite-se a cláusula penal ao inverso? Por
exemplo, um chamado “bônus de desconto” se o
devedor pagar dez dias antes do vencimento? (é
comum em locações entre nós).
AM: A situação que me apresenta é, eviden-temente,
de admitir, ao abrigo do princípio da
autonomia privada. Mas não podemos designá-la
de cláusula penal.
ED: A cláusula penal convencional e compul-sória
do artigo 416 do Código Civil é a mesma
que a cláusula de prefixação de perdas e danos?
Eventuais perdas e danos só poderão ser mensuradas quando
ocorrerem de fato? Contudo, pode o contrato prever garantias
para assegurar perdas e danos?
AM: O artigo 416 não é totalmente claro. O credor não tem
de alegar prejuízos para exigir a pena convencional, certo, mas,
pergunto eu: e se o devedor provar que o credor não tem qualquer
prejuízo? Como disse atrás, há que qualificar a espécie de cláusula
penal acordada, em conformidade com a intenção das partes.
ED: O Senhor preside em Portugal uma Comissão que está
estudando a elaboração do Código de Defesa do Consumidor.
O Senhor pode comentar a legislação do consumidor no Brasil
em relação ao que está se projetando em Portugal?
AM: Em Portugal, tal como nos demais países da União Eu-ropeia,
existe muita legislação destinada à defesa do consumidor.
O problema maior é que tal legislação é avulsa, quer dizer, é uma
legislação especial, dispersa e fragmentária. Essa a razão pela
qual, em Portugal, estamos procurando elaborar um código que
unifique, racionalize e sistematize toda essa legislação. Parabéns
ao Brasil que já deu esse passo em 1990 com a aprovação do
(chamado) Código de Defesa do Consumidor.
ED: Na sua opinião, qual a importância do estudo da cláusula
penal no contexto do inadimplemento das obrigações?
AM: A cláusula penal pode ser muito importante como meio de
pressão sobre o devedor para que ele respeite as obrigações assu-midas
e, portanto, como meio de moralização da relação contratual
e de prevenção do inadimplemento das obrigações. Por outro lado,
sendo o contrato violado, a cláusula penal pode facilitar a posição
das partes – e designadamente do credor – na definição dos direitos
que lhe assistem, com isso superando dificuldades e incertezas de
uma avaliação judicial. Repito que eventuais abusos serão comba-tidos
pelo artigo 413 do Código Civil brasileiro de 2002.
SAMARA VÍDEO
António Pinto Monteiro, Sérgio Porto e Judith Martins Costa
*António J. M. Pinto Monteiro nasceu a 23 de Abril de 1951. Licenciatura,
Mestrado e Doutoramento com distinção e louvor, por unanimidade, pela Faculdade
de Direito da Universidade de Coimbra. Agregação também por unanimidade.
Professor Catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Professor
Catedrático convidado da Universidade Portucalense, Membro do Conselho Estratégico
da APDC- Associação Portuguesa Para o Desenvolvimento das Comunicações,
Membro fundador da “Association Internationale de Droit de la Consommation”
(Louvain-la-Neuve), Foi membro do “Grupo de Especialistas sobre Garantias”, junto da
Comissão Europeia em Bruxelas; Presidente da Comissão do Código do Consumidor,
responsável pela elaboração do “Anteprojecto do Código do Consumidor” português,
entregue a 15/03/2006. Autor do Anteprojecto legislativo sobre o contrato de agência
ou de representação comercial (Decreto-Lei nº 178/86, de 3 de Julho).
4. 4 Estado de Direito, novembro de 2006
Vivemos numa sociedade regida pelo
tempo, onde a aceleração é a alavanca do
mundo contemporâneo e a velocidade
um fetiche, um valor. O presenteísmo,
fruto da angustiante consciência de que
vivemos espremidos, entre um passado
que não existe (é memória) e um futuro
aberto, indeterminado (que também não
existe), nos faz viciados na imediatidade,
na hiperaceleração. É uma verdadeira
narcose dromológica.
Nesse ritmo, é inevitável o choque
com a velocidade do direito, principal-mente
com o processo penal, onde o
tempo é o verdadeiro significante da
punição, não só na pena privativa de
liberdade, mas também na prisão cautelar
e, principalmente, no simples fato de
estar sendo processado.
Deve-se encontrar o difícil equilí-brio
entre um processo excessivamente
demorado, que pune ilegitimamente,
mas que também enfraquece a prova
dos fatos e gera uma fundada sensação
de impunidade, e a ilusão de uma justiça
imediata, em que se atropelam direitos
fundamentais de forma ilegítima e com
grande risco de injustiça.
Mas nessa matéria (como em quase
tudo) o Direito precisa acertar suas contas
com a (falta de) interdisciplinaridade:
como pensar no prazo razoável sem
entender o rompimento do paradigma
newtoniano? Inviável. Daí por que, há
que se compreender que com Einstein e a
teoria da relatividade, opera-se uma rup-tura
da noção de tempo absoluto, com ele
variando conforme a posição e a velocida-de
do observador em relação ao objeto.
Logo, o tempo intra-muros (dentro do
presídio) se arrasta e é completamente
diverso do tempo extra-muros.
Também quando o réu está em liber-dade
ele cumpre um conjunto de penas de
natureza processual. Sofre com o estigma
social e jurídico, o estado de angústia pro-longada
pelo fato de estar sendo processado.
Há que se respeitar o seu tempo.
Toda essa problemática temporal é es-truturante
do direito ao processo penal em
um prazo razoável, agora assegurado no
art. 5º, LXXVIII, da Constituição. Quanto
tempo pode durar um processo judicial?
Quanto tempo pode durar uma prisão pro-visória?
Não sabemos. Mais grave do que
não saber, é conformar-se em não saber.
Estamos diante de um poder (jurisdicio-nal)
que exige limites temporais para seu
exercício. Esse tema é tratado há mais de
30 anos pelo Tribunal Europeu de Direitos
Humanos, que também adverte que de
nada serve fi xar prazos sem defi nir sanções
processuais em caso de descumprimento.
É inadmissível transformar em devido o
indevido funcionamento da justiça.
A duração razoável do processo deve
ser considerada com o réu cautelarmente
preso, mas também quando está solto, e é
exigível em caso de absolvição ou mesmo
de condenação. A sentença condenatória
não legitima a demora do processo.
Enquanto não houver uma fi xação
normativa de prazos, conforme explica-mos
na obra “Direito ao Processo Penal
no Prazo Razoável” (publicado pela
Editora Lumen Juris, 2006), deve-se
considerar a complexidade do fato, a
conduta dos agentes públicos e a con-duta
processual do interessado. A esses
elementos, acrescente-se o princípio da
razoabilidade, como integrador.
Reconhecida a violação, devem-se
buscar soluções que compensem, civil
(indenização) e penalmente (por exem-plo,
a atenuação da pena pela demora do
processo), o indevido funcionamento da
justiça. Quanto à possibilidade de indeni-zação
pela indevida apropriação do tempo
do outro, somos céticos em relação a sua
efi cácia, não só porque a fl echa do tempo
é irreversível, mas também pela postura
tímida e corporativista que os tribunais
costumam ter nesse tipo de matéria. Sem
falar na indevida dilação dessas novas e
demoradas ações.
O problema é complexo e vai muito
além da mera falta de recursos materiais
e pessoais. É preciso superar esse lugar
comum da discussão para fazer uma
anamnese séria.
O Brasil acaba de sofrer a primeira
condenação na Corte Interamericana
de Direitos Humanos e novas punições
deverão ocorrer, entre elas, muitas por
violação do direito ao processo penal no
prazo razoável. Um dia, ainda que à custa
de pesadas condenações pecuniárias im-postas
pela Corte, esse país compreenderá
que, além de necessário, pode ser um bom
negócio investir na justiça.
*Advogado Criminalista; Doutor em Direito
Processual Penal; Professor do Prog.Pós-Graduação
em Ciências Criminais da PUCRS; Coordenador do
Curso de Especialização em Ciências Penais da
PUCRS www.aurylopes.com.br.
Entrevista com a Professora Ana Cláucia Redecker
A legislação brasileira contempla uma série de hipóteses de responsabilidade direta dos sócios e
administradores, solidária ou subsidiária, aplicáveis a diversos ramos do direito.
Nos últimos tempos, a responsabilização pessoal dos sócios e administradores vem se tornando
prática pretoriana cada vez mais comum, principalmente nos casos de falência de sociedades
empresárias, seja ela de capital aberto ou fechado e nos diferentes regimes societários.
Assista o programa Direito e Sociedade com Jader Marques
Toda segunda-feira, 19h – Canal 20 da Net
www.direitoesociedade.com.br
(De)Mora Judicial e Prazo
Razoável no Processo Penal:
Ou quando os juristas ajustam
contas com Einstein
Aury Lopes Jr.*
Abuso da Teoria da Desconsideração
da Personalidade Jurídica
ED: Para sua aplicação em um
processo falimentar, de forma a estender
os “efeitos da falência aos sócios”, quais
os procedimentos fundamentais a serem
observados?
Professora Ana Claudia Redecker*
(AC): Num processo falimentar a Lei
11.101/2005 prevê, no artigo 82, a pos-sibilidade
de ser ajuizada ação, que se-guirá
o procedimento ordinário previsto
no Código de Processo Civil, visando a
apuração da “responsabilidade pessoal
dos sócios de responsabilidade limitada,
dos controladores e dos administradores
da sociedade falida”. O juízo competente
para propositura da ação é o próprio
juízo da falência e, o prazo prescricional,
é de 2(dois) anos, contados do trânsito
em julgado da sentença de encerramen-to
da falência (parágrafo 1º do artigo 82
da Lei 11.101/05).
Entendo, contudo, que o juiz
poderá optar pela aplicação da
desconsideração da personalidade
jurídica, para mandar arrecadar o
patrimônio das pessoas que seriam
legitimadas para a ação, quando
houver, nos autos do processo, pro-va
contundente de que a sociedade
foi usada com abuso de direito,
para fraudar a lei ou prejudicar
terceiros.
Estado de Direito (ED): Em que
consiste a teoria da desconsideração da
personalidade jurídica e quais os requisi-tos
fundamentais para sua aplicação?
Professora Ana Claudia Redecker*
(AC): A teoria da desconsideração
da personalidade jurídica consiste na
superação da personalidade jurídica
com o objetivo exclusivo de atingir o
patrimônio particular dos administra-dores
e/ou sócios da sociedade quando
indevidamente utilizada. São requisitos
fundamentais para sua aplicação: prova
substancial de fraude a lei ou a terceiros
em relação à sociedade e seus sócios,
ou seja, a prova da utilização da perso-nalidade
jurídica como instrumento para
prática de abusos generalizados.
ED: Sabe-se que no Dir. Argentino
e no Dir. Francês há previsão legal do
instituto da ‘extensão dos efeitos da
falência’ à pessoa jurídica diversa da
falida. No Dir. brasileiro ocorrem mui-tos
casos de os juizes ‘estenderem
efeitos da falência’ a outras socie-dades
distintas da falida, porém não
há previsão legal desse instituto em
nossa ordem jurídica. Desta forma,
é possível a decretação da ‘extensão
dos efeitos da falência’ à pessoa
jurídica diversa da falida, mesmo
sem previsão legal? E se possível,
como deve ser feita a ‘extensão dos
efeitos da falência’ diante do princípio
do devido processo legal?
AC: É possível a decretação
da extensão da falência à pessoa
jurídica diversa da falida desde
que seja empresária ou, ainda
que inscrita no Registro Civil das
Pessoas Jurídicas, exerça a ativi-dade
empresária. Normalmente o
requerimento, dirigido ao juiz da
falência, é feito pelo administrador
judicial, por credor ou pelo Minis-tério
Público. O juiz, caso entenda
ser pertinente o pedido de exten-são
da falência, deverá intimar os
interessados para que possam
se manifestar sobre o mesmo,
e, neste prazo, proporcionar aos
mesmos a realização do depósito
elisivo (parágrafo único do ar tigo
98 da Lei 11.101/2005).
ED: No caso de sociedades distin-tas
terem quadro social com pessoas
da família ou familiares, caracteriza
grupo econômico? Ou seja, grupo
familiar pode ser considerado como
sinônimo de grupo econômico?
AC: O fato de sociedades distin-tas
possuirem pessoas da família
ou familiares não caracteriza grupo
econômico. Contudo, sociedades
distintas, formadas por pesso-as
da família ou familiares pode
caracterizar um grupo familiar e,
neste caso, ser considerado grupo
econômico.
ED: Dentre o acervo patrimonial
incorpóreo da falida, o fundo de
comércio da falida, mesmo com
a superveniência da quebra, tem
valor econômico? O que é e qual a
importância do fundo de comércio
na falência?
AC: O acervo patrimonial in-corpóreo
da falida, mesmo com a
superveniência da falência, poderá
possuir valor econômico (v.g. marca
Masson). A avaliação deste patrimô-nio
ocorrerá no momento da realiza-ção
do ativo e dependerá do grau de
interesse em utilizar determinados
bens que compõe este patrimônio,
ou, em bloco, na hipótese da aliena-ção
da empresa.
ED: No processo falimentar a
desconsideração da personalidade
jurídica submete todo patrimônio
pessoal dos sócios aos débitos e
obrigações da falida? E de que forma
é esta submissão, subsidiária ou
solidária?
AC: No processo falimentar a
desconsideração da personalidade
jurídica submete todo o patrimônio
pessoal dos sócios e/ou do admi-nistrador,
atingidos pela desconside-ração,
de forma subsidiária, salvo os
bens absolutamente impenhoráveis e
resguardada a meação do cônjuge,
ainda que casados pelo regime de
comunhão universal.
Leia a entrevista na íntegra acessando
o site www.estadodedireito.com.br
*Doutoranda em Ciências Jurídicas-Econômicas
na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa,
Mestre em Direito pela PUC/RS, professora de
direito empresarial da PUC/RS, UniRitter e CEJUR
e advogada responsável pela Área Societária do
Escritório Campos Advocacia Empresarial.
5. Estado de Direito, novembro de 2006 5
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6. 6 Estado de Direito, novembro de 2006
O Futuro da Propriedade Intelectual
na Era da Informação
Na atualidade, a regulamentação sobre direitos de
propriedade intelectual cobre, de forma inexorável, toda
fonte da criatividade. Em todas as épocas as concepções
artísticas e musicais sempre se desenvolveram livremen-te,
ensejando uma mescla entre a produção artística já
existente e sua conjugação com novos elementos cria-tivos
conformando derivativos inovadores. Na verdade,
difi cilmente poder-se-ia imaginar que famosos autores do
passado poderiam estruturar suas obras senão através da
livre inspiração, contrariamente, as normas reguladoras do
sistema de propriedade intelectual reproduzem uma abso-luta
vedação em relação ao uso ou compartilhamento de
inventos senão através de permissões especiais. Isto ocorre
também na área cientifi ca, onde as patentes cobrem seqü-ências
e marcadores genéticos e outras tantas ferramentas
essenciais para o desenvolvimento de pesquisas.
Transpomos a era da informação e já adentramos na
era da informação econômica, ainda assim, muitos pou-cos
entendem o que isso representa. Existe uma errônea
noção de que a informação não possui correspondência
com bens materiais, assim como os direitos de proprieda-de
sobre a informação não possuem equivalência a esses
bens. A informação é defi nida pela consumação não-rival
(como as regras aritméticas que podem ser usadas infi -
nitamente), diferentemente de uma fruta que depois de
ingerida se extingue para sempre (consumo rival).
Logo, é admissível ao nível econômico que se dete-nha
direitos de propriedade sobre um pomar de frutas,
sem qualquer espécie de proteção qualquer um poderia
se apropriar dos frutos do trabalho do agricultor. Nada
obstante, os direitos de propriedade sobre a informação
devem ser concebidos de modo diverso, por exemplo, o
custo incidente sobre qualquer idéia de impedimento ao
uso das regras matemáticas seria não apenas impossível
como não teria qualquer viabilidade econômica.
Assim é que tratamos direitos rivais como não rivais
e os direitos não rivais como rivais, fato determinante da
escassa existência de acesso à informação. Na realidade
os direitos de propriedade concebidos sobre a informação
refl etem uma batalha política e econômica entre seus
atores, com diferentes graus de interesse, isto explica por
que tais direitos são ignorados em alguns casos (poluição e
conservação de recursos naturais) e estritamente forçados
às áreas onde se mostram inapropriados (informação
digital e biotecnologia). Um exemplo recente disso é a
decisão das gravadoras de processar judicialmente 20
usuários de downloads ilegais no Brasil, anunciada no
dia 17 de outubro no Rio de Janeiro.
O exemplo mais proeminente dessa batalha política/
econômica é o denominado Acordo sobre Aspectos de
Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Co-mércio
(TRIPS). O argumento primordial para o acordo
TRIPS é que os direitos de propriedade intelectual enco-rajam
inovações para os Estados em desenvolvimento, no
entanto, é evidente que estes mesmos Estados se lastreiam
em um aprendizado e produção copiada.
Neste sentido, tais Estados necessitam de um siste-ma
de propriedade intelectual mais apropriado, dando
maior fl exibilidade em relação aos níveis de proteção
que suas leis devem prover, como por exemplo, expe-dição
de normas que permitam algum grau de reversão
desta tendência. O acordo TRIPS é bastante complexo
e involve muitas considerações vinculadas ao comércio
internacional. No entanto, a força oculta que delimita o
posicionamento do TRIPS decorre da imposição de uma
concepção universal de direitos de propriedade intelectu-al,
sem que se considerem as diferentes necessidades de
cada povo. Assim sendo, a busca de uma solução única
não condiz com esta diversidade de exigências locais.
Na verdade, o TRIPS desenvolve interesses políticos e
econômicos de certos paises desenvolvidos.
Os países em desenvolvimento como o Brasil
constituem-se nos grandes perdedores diante do atual
sistema maximalista em que se estruturou o instituto da
propriedade intelectual, conforme imposto pelos EUA,
Europa e Japão. Precisamos redefi nir os rumos desta
trajetória buscando alternativas viáveis perante o sistema.
Muitos exemplos alternativos já foram concebidos, tais
como: o Creative Commons (licença alternativa ao direito
de absoluta reserva dos direitos autorais), o Software livre
e Software Código Aberto (licenças copyleft de uso não
excludente como GNU e GPL), o Cultura Livre, o A2K
(acesso ao conhecimento), o Open Business (conhecido em
português como modelos de negócios abertos) e o Open
Source Biotechnology (biotecnologia de código aberto).
Ditos movimentos iniciaram no meio acadêmico,
sendo que o Prof. Peter Drahos escreveu sobre a indis-pensável
necessidade de criação de anexos, núcleos ou
centros de pesquisa na área da propriedade intelectual
dentro de universidades (think tank policy) – centros
de excelência na área da propriedade intelectual que
hospedam estudiosos da área científi ca. Já existem tais
centros como o Berkman Center For Internet and Society
da Universidade de Harvard, o Yale Information and
Society Project, o Berkeley Center for Law and Technology
e o Queen Mary Intellectual Property Research Institute da
Universidade de Londres, que passaram a questionar o
sistema vigente na busca de novas alternativas. No Brasil,
a Fundação Getúlio Vargas antecipou-se a esta tendência,
organizando um Centro para Tecnologia e Sociedade.
Nessa conformidade o momento é ideal para que as
universidades inovem e formem centros de excelência na área
da propriedade intelectual, criando uma saudável interação
entre estudantes de direito, farmácia, biologia, informática,
química etc., cujos objetivos incentivem o pensamento e um
consistente questionamento na busca de alternativas.
*Advogado, mestre em direito pela Universidade de Auckland da Nova
Zelândia e atualmentente doutorando pelo Queen Mary Intellectual
Property Research. Institute da Universidade de Londres. Ele foca sua
pesquisa em sistemas abertos de propriedade intelectual, como o
open source aplicado à biotecnologia.
Mauricio Bauermann Guaragna*
Homoafetividade:
um novo
substantivo
Maria Berenice Dias*
Não adianta procurar no dicionário, não está
lá, ainda. Mas é uma expressão que já se incorpo-rou
ao idioma, não só no nosso, mas também em
espanhol e inglês se passou a falar em “uniones
homoafectivas” e “homoaffective unions”.
Há palavras que carregam o estima do
preconceito. Assim, o afeto a pessoa do mes-mo
sexo chamava-se de “homossexualismo”.
Reconhecido o inconveniência do sufixo
“ismo” que está ligado à doença, passou-se
a falar em “homossexualidade” , que sinaliza
um determinado jeito de ser. Tal mudança,
no entanto não foi suficiente para por um fim
ao repúdio social do amor entre iguais.
A marca da discriminação resta evidente
na omissão da lei em reconhecer direitos aos
homossexuais. A negativa do legislador reve-la
nítida postura punitiva, pois condena à in-visibilidade
os vínculos afetivos envolvendo
pessoas da mesma identidade sexual.
Ao denunciar esta evidente afronta à digni-dade
humana e aos princípios constitucionais da
liberdade e igualdade, acabei por cunhar o neo-logismo
“homoafetividade”, na obra intitulada
“União Homossexual, o Preconceito e a Justiça”,
cuja primeira edição é do ano de 2000. Na pri-meira
decisão judicial que reconheceu direitos
sucessórios ao parceiro sobrevivente, e que data
de 14 de março de 2001 (AC 7000138982, Rel.
Des. José Carlos Teixeira Georgis), a expressão
já foi utilizada, tendo sido referida no último
julgamento do STJ, de 7 de março de 2006, em
que foram assegurados direitos previdenciários
às uniões homoafetivas (Resp 238.715, relator
Min. Humberto Gomes de Barros).
Não há como deixar de reconhecer que
acabou por ser incorporada ao vocabulário
jurídico. Passou-se agora a falar filiação
homoafetiva e até a ser preconizado o
surgimento de um novo ramo do direito:
Direito homoafetivo, não parando de surgir
escritórios especializados nesta área.
Claro que uma palavra não vai acabar
com o preconceito ou eliminar a discrimina-ção,
mas o importante é o reconhecimento de
que as uniões dos homossexuais são vínculos
afetivos e, como tal, merecem ser inseridos
no Direito das Famílias, cujo âmbito de
abrangência é a identificação de um elo de
afetividade.
Já é um bom começo na busca de uma
Justiça mais igual!
*Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande
do Sul; Vice-Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de
Direito de Família-IBDFAM; www.mariaberenice.com.br
Estado democrático de direito como
estado de direitos fundamentais
Importa, inicialmente, que nos situemos em face
de avanços decorrentes de mudanças fundamentais no
modo de se entender o Estado e o Direito, na quadra
histórica em que se passa a viver, em escala mundial, após
a 2a. Grande Guerra, na segunda metade do século XX.
Tais mudanças introduziram o que se pode denominar,
com Pablo Lucas Verdú, uma nova fórmula política,
no cenário jurídico-constitucional, a saber, aquela que
entre nós é formalmente adotada a partir de 1988, sob a
denominação “Estado Democrático de Direito”.
Com a adoção da fórmula política do Estado De-mocrático
de Direito ingressávamos em etapa histórica
do constitucionalismo em que uma série de inversões
se mostraram necessárias, a fi m de evitar as perversões
sofridas pelo Estado de Direito, constitucional, em regimes
políticos autoritários e, mesmo, totalitários, que se valeram
dessa forma jurídico-política para atuar, esvaziando-a de
conteúdos valorativos capazes de dar sustentação à convi-vência
respeitosa entre aqueles que compõem a sociedade,
indiscriminadamente. É assim que regimes ditatoriais,
como aquele que tivemos no País entre as décadas de
1960 e 1980, apresentavam-se como regimes comprome-tidos
com uma ordem constitucional, do mesmo modo
como o regime nazista na Alemanha manteve em vigor a
constituição que foi um modelo em sua época, aquela de
Weimar, de 1919, valendo-se dela própria ou, mais preci-samente,
de seu art. 48, para suspender, indefi nidamente,
e supostamente para defendê-la, diante de uma crise, os
direitos e garantias fundamentais que ali amplamente se
consagravam, mas por normas que então se qualifi cavam
como programáticas (Programmsätze): o resultado foi
a prática dos atos genocidas de todos conhecidos, sem
que contra eles se pudesse invocar a efi cácia de normas
constitucionais formalmente vigentes.
Dos escombros da II Guerra Mundial emerge, então,
uma nova forma jurídica para um Estado de Direito que
se precisava também renovar. O impulso maior para tal
renovação seria dado por um compromisso prioritário
em grau máximo com o respeito à dignidade humana,
tão aviltada durante a Guerra. É o que será consagrado na
Declaração Universal de Direitos Humanos da então re-centemente
criada Organização das Nações Unidas, assim
como na chamada Lei Fundamental de Bonn, que hoje
é a Constituição alemã, de 1949, ano seguinte à procla-mação
da referida Declaração, sendo que em ambas vêm
anunciado, já no primeiro artigo, aquele compromisso,
de respeito à dignidade humana. Este “valor axial”, como
o refere em um de seus escritos, Fábio Comparato, passa
a se ver entronizado no conteúdo essencial de direitos
positivados como fundamentais, agora, com dimensões
mais amplas - e cada vez mais ampliadas ou ampliáveis
– do que aquela de cunho marcadamente individualista,
próprias do Estado liberal. E aí se dá a maior das inver-sões,
a que antes referimos, no sentido de que o Estado
passa a se organizar em função da defesa e realização
dos direitos fundamentais, tidos agora não apenas como
direitos subjetivos inerentes à cidadania, mas também
como pautas objetivas, a determinarem que se consagrem
normas, instituições e políticas públicas para concretizar
tais direitos, efetivando-os e defendendo-os. A própria
topografi a constitucional revela a inversão que estamos
aqui a referir, quando os direitos e garantias fundamentais
passam a ser consagrados entre nós, a partir de outubro de
1988, de maneira ampla, e já no início da Constituição,
ao invés de ocuparem aquela posição inferior, secundária,
que, até então, era a deles, enunciados ao fi nal das consti-tuições,
de maneira sintética, como apenas a determinar
uma área residual de impedimento à interferência estatal
na esfera jurídica de seus cidadãos.
* Professor Titular da Escola de Ciências Jurídicas da
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO).
Docente-Livre em Filosofia do Direito pela Universidade
Federal do Ceará (UFC) e Doutor em Ciência do Direito pela
Universidade de Bielefeld, Alemanha.
Willis Santiago Guerra Filho*
7. Estado de Direito, novembro de 2006 7
V congresso Transdisciplinar
de Estudos Criminais
ITEC – Instituto Transdisciplinar de Estudos Criminais
e PPG em Ciências Criminais da PUCRS
Com presença confirmada:
Juarez Cirino dos Santos, Geraldo Prado, Julieta Lembruger,
Lênio Streck, Jacinto Coutinho, Cezar Bitencourt,
Alexandre Wunderlich, Ruth Gauer, Rodrigo G. Azevedo,
Aramis Nassif, Fabrício Possebon, Nereu Giacomollle,
Aury Lopes Júnior, Marco Aurério Moreira de Oliveira
AGENDE-SE dias 23, 24 e 25 de novembro
Centro de Eventos da PUCRS
Informações: www.itecrs.org
Tenho sempre procurado mos-trar
os caminhos profi ssionais aos
bacharelandos. A conclusão do curso
e a proximidade do exame de quali-fi
cação da OAB têm sempre surgido
como um fantasma, como um novo
vestibular para a vida profi ssional.
Assim, entendo oportuno enfocar
o tema, sob aspectos que às vezes
passam despercebidos aos futuros
operadores do Direito.
Neste novo século, abrem-se
novas e inovadoras perspectivas,
não somente no Brasil mas em todo
mundo ocidental, para a aplicação
do Direito. A par de aspectos van-guardeiros
que podemos analisar,
há sempre que se recordar que a
escola de Direito é, de todos os
cursos de nível superior, a que abre
o mais amplo leque de profi ssões
que o bacharel pode abraçar, quer
nos campos exclusivamente jurí-dicos
quer em campos paralelos.
Ademais, o curso jurídico ensina a
compreender a vida e a sociedade.
Nisso há sempre que ter presente as
palavras do mestre Goffredo Telles
Júnior, nas aulas que recepcionava
os calouros nas velhas Arcadas:
Meus alunos, esta escola, antes de ser
uma faculdade de Direito, é uma escola
da vida. De fato, o curso de Direito
transforma a pessoa, seja aquele
recém saído do curso médio seja
aquele que procura o Direito como
um segundo curso universitário. Sob
esse prisma, sempre enfatizamos
que o médico será melhor médico,
o engenheiro, melhor engenheiro,
o economista melhor economista,
e assim por diante, ao concluírem
eles o curso jurídico. E o jovem que
se bacharela por primeira vez será,
sem dúvida, um ser humano melhor,
porque melhor compreenderá a
sociedade.
Porém, de qualquer forma,
os futuros operadores do Direito
devem estar cientes das perspec-tivas
profi ssionais para nossa era.
O sectarismo de nossos cursos
jurídicos no passado, bem como o
cartorialismo e nepotismo que nos
agrilhoam desde tempos coloniais
são obstáculos árduos de superar.
Há que ser afastada a idéia arraigada
de nossos jovens bacharéis, os quais
em insistente maioria, de que só no
funcionalismo público encontrarão
um salário seguro e um porto tran-qüilo
para a velhice. Não se diga
que não devem ser incentivadas as
verdadeiras vocações para a Magis-tratura,
o Ministério Público e outras
funções públicas. Mas esses cargos
somente devem ser exercidos por
quem efetivamente tenha verdadeira
vocação, o ideal mais alto de servir
à sociedade de coração aberto, com
dedicação e desprendimento. Nada
mais decepcionante e prejudicial à
sociedade do que a mediocridade
ocasionada pelo exercício de uma
função sem vocação.
Por outro lado, o exercício da
advocacia permite atualmente uma
série muito ampla de escolhas. O
futuro dessa profi ssão no mundo
ocidental e em nosso País, mesmo
em comunidades menores, fl utua
entre dois extremos bem nítidos:
De um lado a carreira nos mega-escritórios,
organizações que no
Brasil congregam até mais de qui-nhentos
advogados, com planos de
carreira internos, com possibilidades
profissionais efetivas e uma série
de campos de especialidade dentro
do atendimento à média e grande
empresa. No outro extremo dessa
moderna advocacia situa-se o que o
mercado convencionou chamar de
“butiques jurídicas”, escritórios com
poucos profi ssionais, mas altamente
especializados em um determinado
nicho social e jurídico. A tendên-cia
cada vez mais marcante é a do
desaparecimento dos escritórios ou
advogados generalistas. A sofi stica-ção
do Direito atual não aponta outro
caminho. Tanto num como noutro
extremo dessas duas modalidades
de estruturas profi ssionais, são inú-meros
os novos campos jurídicos
que estão a exigir continuamente
novos profi ssionais, muitos inclu-sive
desbravadores de caminhos
muito pouco trilhados: direito das
franquias, direito ambiental, direito
do consumidor, direito da internet,
direito do agro negócio, direito es-portivo,
direito das agências regula-dores,
direito do petróleo, direito das
telecomunicações, direito da energia
elétrica, planejamentos tributários,
direito da administração pública,
direito societário, contratações in-ternacionais,
sucessão de empresas,
implantações de capital estrangeiro
etc. etc. Mesmo no direito penal, são
novos os campos de especializações
em crimes tributários, crimes pela
internet, crimes fi nanceiros etc. O
direito de família, de seu lado, abre
um campo quase autônomo do di-reito
civil, exigindo um profi ssional
de perfi l específi co, mormente para
o deslinde dos novos conceitos de
entidades familiares e possibilidades
de fertilização assistida. Descor-tina-
se, portanto, um vasto leque
de opções ao novel bacharel, cuja
escolha certamente lhe permitirá
uma vida digna.
Esse novo quadro da advocacia
está a exigir um esforço maior das fa-culdades
para adaptar seus currículos
às novas necessidades de mercado. A
OAB, de seu lado, deve certamente
repensar no exame que promove
para ingresso nos seus quadros. Não
vivemos mais uma fase de exacerba-ção
do processualismo. O advogado
moderno não terá necessariamente
o perfi l de um tribuno, aquele que
peticiona e faz sustentações orais
perante os tribunais ou o Júri. A
maior porcentagem dos profi ssionais
dos grandes escritórios mencionados
nunca redigiu, em anos e anos de
atividade, uma petição inicial, con-testação
ou recurso. Nem por isso
são menos competentes, menos bem
sucedidos ou menos importantes do
que os que atuam no chamado setor
litigioso. Esses profi ssionais atuam
nos diversos campos de advocacia
de prevenção e de assessoria que
prescindem de atividade jurisdicio-nal.
Pelo contrário: o estágio atual
aponta para soluções das pendências
em sede de negociação, conciliação
e arbitragem. A esse fenômeno os
juristas europeus denominam fuga do
Judiciário. De fato, as grandes ques-tões
que movem o mundo nunca vão
aos tribunais. Seria um verdadeiro
desastre mercadológico e social, por
exemplo, que duas grandes empresas
multinacionais litigassem em juízo,
em qualquer país. Para esse perfi l,
exige-se um profi ssional capacitado
a atuar mormente no mercado in-ternacional.
Do outro lado, para os que não
foram abençoados pela fortuna, o
ordenamento está a implantar o
acesso à justiça por meio de juizados
de conciliação, campo que também
exige formação específi ca do bacha-rel,
que contará com auxílio de pro-fi
ssões auxiliares, como psicólogos,
pedagogos, assistentes sociais etc.
Essa fuga ao Judiciário está,
portanto, a exigir do profi ssional
do Direito que necessariamente
não deve ser profundamente ver-sado
nos complexos meandros de
nosso processo. Isto aponta para
uma nova perspectiva para nossas
escolas de Direito, que devem aban-donar
a idéia de que o advogado é
apenas aquele que litiga em juízo.
A tradição de nosso ensino jurídico
por mais de cento e cinqüenta anos
pautou-se por essa diretriz.
Mercê dessa posição, há que se
pensar mesmo numa modifi cação do
exame de qualifi cação, quiçá estabe-lecendo
duas classes de advogados,
aquele com habilitação processual e
aquele com habilitação para a con-sultoria
em geral. Por outro lado,
mesmo para os chamados advogados
litigantes, não é aconselhável nem
oportuno que o advogado recém
ingressado no quadro profi ssional
já possa de plano atuar inexperiente-mente
nos tribunais superiores, sen-do
de se exigir um estágio temporal
de efetiva advocacia, por exemplo,
para que possa fazer sustentações
perante o Supremo Tribunal Federal
e o Superior Tribunal de Justiça,
como ocorre em outros países.
É necessário ter coragem para
acompanhar as transformações so-ciais,
para incrementar o mercado
de trabalho, para recompor a posição
social do advogado em nosso meio,
obtendo assim maior respeito da
sociedade à qual serve, e para dar
alento aos milhares de jovens que
saem dos cursos jurídicos a cada ano.
Aqui traçamos algumas idéias para
refl exão. Outras, talvez mais criativas
e mais apropriadas, serão trazidas
pelos doutos. Algo porém deve fi car
patente: o imobilismo sob as vestes
de um falso tradicionalismo não nos
leva a lugar algum. Se desejarmos um
país mais justo e mais honesto, come-cemos
pela vontade de mudar para o
melhor e para o possível, sem idéias
preconcebidas. Voltaremos ainda a
este tema e a tantos outros que fi cam
em aberto neste nosso texto.
* Sílvio de Salvo Venosa, foi juiz no Estado de São
Paulo, aposentou-se como membro do Primeiro
Tribunal de Alçada Civil, atualmente é consultor e
assessor de escritórios de advocacia, foi professor
em várias Faculdades de Direito em São Paulo e é
membro da Academia Paulista de Magistrados.
Reflexões sobre direito e advocacia
Sílvio de Salvo Venosa*
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8. 8 Estado de Direito, novembro de 2006
Estudo
no Exterior
Movimentação pela Conciliação Nacional
No final do ano de 2002 defendi na Uni- José Paulo Baltazar Junior*
São poucos os estudantes de Direito brasilei-ros
que fazem parte de seus estudos no exterior,
embora sejam bastante difundidos os programas
de intercâmbio de ensino médio. Muitos pensam
que somente é possível fazê-lo na pós-graduação.
Há ainda quem não enxergue vantagem em
conhecer o direito de outros países, se nossa in-tenção
é trabalhar no Brasil. Para os universitários
da Comunidade Européia, porém, estimulados
por um amplo programa de bolsas de estudos,
é muito comum cursar um semestre ou dois, já
na graduação, em outro país, e não apenas para
estudantes de ciências exatas ou da saúde, mas
também das ciências humanas e do Direito.
As vantagens de cursar um período no
exterior são muitas, pois representam a possibi-lidade
de aprofundar o conhecimento em uma
língua estrangeira, além de entrar em contato
com outra cultura.
É claro que nem tudo são fl ores nesse perí-odo,
também existem as difi culdades, que vão
desde o desconhecimento do funcionamento
da burocracia universitária e estatal até o des-conhecimento
dos costumes e da língua local.
Tudo isso, porém, é superável e o resultado é
um crescimento pessoal, pois aprendemos a
lidar com as diferenças culturais que tornam
cada país diferente.
Algumas difi culdades evidentes para um
curso no exterior são as despesas com passagem,
estada e alimentação. Existem, porém, algumas
facilidades, como passagens com desconto para
estudantes, a moradia com custo baixo em casa
de estudantes ou casas de família e ainda a
obtenção de bolsas de estudos. Maiores infor-mações
podem ser obtidas através da internet,
ou no setor de relações internacionais de cada
universidade, que poderá orientar o estudante
também sobre o aproveitamento das disciplinas
na universidade de origem.
Após a graduação, existe ainda a possi-bilidade
de cursar no exterior especialização,
mestrado, doutorado, ou ainda fazer um está-gio
de doutorando, também conhecido como
doutorado-sanduíche, que consiste em fazer
parte da pesquisa no exterior, em bibliotecas
inimagináveis para os padrões brasileiros. Um
curso assim pode oferecer ao profi ssional um
diferencial decisivo em sua formação, em um
mercado de trabalho tão competitivo.
*Juiz Federal, Mestre e Doutorando em Direito na UFRGS,
atualmente faz estágio de doutorando na Eberhard Karls
Universität, em Tübingen, Alemanha.
versidade de Brasília (UNB) Dissertação de
Mestrado (Convênio UNIGRAN/UNB), sob a
orientação do Prof. José Geraldo Sousa Junior
tendo como co-orientador o Prof. Cristiano
Paixão, com o título “Acesso à Justiça e os
Mecanismos Extrajudiciais de Solução de
Conflitos”, posteriormente transformada em
livro, editado pela Sergio Antonio Fabris Edi-tor.
Ali defendi a tese de que o acesso à justiça
não está limitado ao mero acesso à jurisdição
e ao processo e que outras formas, outros
mecanismos, devem ser disciplinados pelo
legislador e colados à disposição da popula-ção,
ainda que em caráter alternativo, como a
negociação e a mediação para a resolução de
seus conflitos.
Esses mecanismos extrajudiciais, além
de terem uma enorme aptidão de manter e
restabelecer as relações sociais rompidas pelo
conflito, levam em conta as causas sociológi-cas
deste e talvez por isso mesmo, e porque a
decisão que deles surge, por ser fruto de um
processo negocial em que os próprios atores
do conflito participam, diretamente ou através
de um terceiro que apenas medeia a solução,
estão vocaciodas a serem mais justas e, por essa
razão, tendem a serem cumpridas voluntaria-mente
pelos seus destinatários restabelecendo
a chamada e almejada paz social.
Passados mais de três anos da defesa da
Dissertação e da edição do livro, constato
com muita alegria que não estava sonhando
quando defendi aquelas propostas ou idéias,
pois tomo conhecimento da deflagração de um
Movimento pela Conciliação Nacional patroci-nado
pelo Conselho Nacional de Justiça, sob a
Presidência da Ministra Ellen Gracie, em que
algumas das proposições que apresentei na
conclusão de meu trabalho estão embutidas
na Proposta apresentada no dia 23/08.
Entretanto, se é necessário e mesmo indis-pensável
emprestar o maior apoio possível à
proposta do Conselho Nacional de Justiça, que
caminha no rumo certo do aperfeiçoamento
da prestação jurisdicional e do efetivo acesso
à justiça, para que a Proposta possa tornar-se
uma realidade na vida do povo brasileiro é
preciso primeiro conscientizar a sociedade
quanto à existência de outros mecanismos de
solução dos conflitos além do tradicional pro-cesso
judicial e das vantagens que eles podem
oferecer para o rápido e efetivo acesso à justiça.
Ademais, torna-se indispensável ainda uma
mudança de mentalidade por parte de alguns
juizes no sentido de que se convencê-los de
que o Direito não está, nem jamais esteve,
reduzido ao fenômeno legal, existindo outras
fontes, não apenas de produção jurídica, mas
também de resolução de controvérsias que a
própria sociedade legitima, ainda que à revelia
do Direito posto e que o processo, quando for
o único e último mecanismo capaz de resolver
o conflito, somente se legitimará e atingirá o
seu objetivo social e jurídico, se for capaz de
responder de forma oportuna, justa e concreta
aos dramas que nele são revelados através do
exercício do direito de ação.
De outro lado, não é demais relembrar,
e isso tentei demonstrar no trabalho acima
citado, que além da necessidade de simpli-ficação
da nossa linguagem de forma que o
povo possa nos entender, precisamos formar
conciliadores e mediadores e para isso, além de
ser indispensável uma mudança dos currículos
das faculdades e universidades de Direito para
neles inserir novas disciplinas, ensinadas há
muitos anos pelas universidades européias e
norte-americanas, quais sejam, a conciliação,
a mediação e a arbitragem, para que possamos
preparar os futuros profissionais do Direito
também para lidarem com esses importantes
mecanismos de resolução de conflitos, é im-perioso
que o Estado destine verbas para o
Judiciário nos seus diferentes níveis para que
esse Poder possa se aparelhar de modo a tornar
concreto esse novo desafio.
Assim, urge que sejam realizados treina-mentos
e cursos para os servidores do Judici-ário
e para os próprios juizes de modo a capa-citá-
los para essa nobre e instigante missão: a
conciliação através da negociação, da mediação
e outras formas de solução de conflitos diversas
do tradicional processo jurisdicional, o que
também demanda da OAB um grande trabalho
para conscientizar os advogados que, como o
processo judicial, os mecanismos extrajudiciais
de solução de conflitos também são legítimos
e poderão proporcionar mais rapidez e maior
eficácia na resolução das demandas que lhe são
entregues para solução.
É preciso, pois, empenho de todos para
que a feliz Proposta do Conselho Nacional de
Justiça, presidido pela Ministra Ellen Gracie,
possa se concretizar e não seja esquecida
como muitas igualmente importantes feitas
no passado o foram.
Vamos todos nós Juizes, Advogados, mem-bros
do Ministério Público, Universidades e
Faculdades de Direito, Associações e outras
instituições que têm a nobre missão de contri-buir
para tornar concreto o direito de acesso à
justiça nos unir independentemente de nossas
posições ideológicas, jurídicas e acadêmicas
em torno dessa Proposta que tem tudo para
se tornar exitosa. Porém, em boa medida a sua
concretização depende do empenho de toda a
sociedade e não apenas do Judiciário.
Mãos à obra, pois!
* Juiz do Trabalho Titular da 2ª Vara do Trabalho de Dourados
– MS. Professor na UNIGRAN. Mestre em Direito (UNB).
Doutorando em Direito Social (UCLM-Espanha).
Francisco das C. Lima Filho*
Declaração de inconstitucionalidade e coisa julgada
O parágrafo 3° do artigo 6° da Lei de Introdução
ao Código Civil defi ne “coisa julgada ou caso julgado”
como “decisão judicial de que já não caiba mais recurso”.
O Código de Processo Civil, por sua vez, em seu artigo
467, denomina coisa julgada material “a efi cácia, que
torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita
a recurso ordinário ou extraordinário.”.
A coisa julgada foi concebida como instrumento de
estabilidade, a fi m de evitar a eternização dos confl itos
judiciais.
Porém, existem a revisão criminal, prevista no artigo
621 do Código de Processo Penal e a ação rescisória
cível, no artigo 485 do Código de Processo Civil, que,
na contrapartida, permitem reexame de decisões com
trânsito em julgado.
Em nosso país, assentou-se na jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal possibilidade de proposição
de ação rescisória, fora das hipóteses originariamente pre-vistas
no art. 485 do Código de Processo Civil: destarte,
o interessado a propõe tendo em vista anular a sentença
transitada em julgado e proferida contra si, com base em
norma declarada inconstitucional em decisão defi nitiva.
O autor pode obter, na mesma ação, nova decisão com-patível
com a pretensão denegada anteriormente.
Neste espaço, examina-se apenas o caso de decisão
proferida em ação, no controle de constitucionalidade
dito abstrato e principal, que tem hoje por força da
Emenda Constitucional 45, de 2004, e da Lei nacional
9868, de 1999, efi cácia vinculante, contra todos. Estas
decisões podem ser proferidas pelo Supremo Tribunal
Federal e pelos Tribunais de Justiça dos Estados, dentro
do sistema federativo brasileiro.
A ação rescisória e a revisão criminal foram
introduzidas para buscar compensar o mal
causado pela aplicação fraudulenta da lei ou
por decisão manifestamente injusta. Na ação
rescisória, deve-se destacar, para os propósi-tos
desse artigo, o inciso V, do referido artigo
485 do Código de Processo Civil, que prevê
a rescisão da sentença proferida “contra literal
dispositivo de lei”. Na revisão, o inciso I, do
aludido artigo 621, com o mesmo sentido.
Conforme a jurisprudência do Supremo Tri-bunal,
a expressão lei é apanhada em sentido
amplo, abrangendo a norma constitucional.
A expressão literal quer dizer, antes de tudo,
violação frontal, direta, da interpretação dada
ao texto normativo.
Deve-se mencionar especialmente um problema
ainda mais delicado: a disposição do artigo 495 do Código
de Processo Civil, pelo qual se extingue em dois anos,
contados do trânsito em julgado da decisão, o direito
de propor a ação. No entanto, a Medida Provisória n°
2180-35, de 24 de agosto de 2001, acrescentou parágrafo
único ao artigo 741 do Código de Processo Civil, que
trata dos embargos à execução fundada em sentença.
Essa disposição reforçou a tese da doutrina mais am-pliativa,
pela qual a impugnação do julgado baseado em
norma inconstitucional pode ser oferecida fora do prazo
de dois anos. Já se sustenta mesmo hoje na doutrina a
impugnação em ação ordinária imprescritível, o que nos
parece razoável, de vez que não está ao alcance do titular
da ação rescisória o agir antes da declaração de inconstitu-cionalidade
eventualmente decretada depois de dois anos.
Importa mencionar, por fi m, ser inteiramente lógico, e
até mais imperioso concluir que se possa, em qualquer
tempo, rescindir também sentença criminal baseada em
norma depois declarada inconstitucional.
*Especialista em Ciência Política pela UFRGS. Mestre em
Direito do Estado, pela PUC/RS. Créditos de Doutoramento
em Direito já cumpridos na UFRGS. Advogado especialista
em Direito Público. Membro do Instituto Brasileiro de Direito
Constitucional, do Instituto Brasileiro dos Advogados e do
Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul. Ex-Procurador-
Geral substituto de Porto Alegre. Atual Professor Adjunto de
Ciência Política, Introdução ao Direito e Direito Constitucional
na PUCRS. Professor licenciado da UNISINOS.
Marcus Vinícius Antunes*
AP
9. Estado de Direito, novembro de 2006 9
Os princípios constitucionais da legalidade e da isonomia, como inspiradores da compreensão de algumas recentes alterações do direito positivo
A vinculação do processo civil à CF
é fenômeno recente entre nós. Até 1988,
poucos eram os trabalhos doutrinários que
tratavam do processo civil a partir das normas
fundantes previstas na CF.
Todavia, esse quadro passou a se alterar a
partir de 1988. Uma das tendências mais mar-cantes
que se vêm manifestando nos últimos
tempos é a de se privilegiar, na interpretação
da norma processual, a perspectiva de visão
que engloba o sistema como um todo, abran-gendo,
portanto, a Constituição Federal.
Assim, e por isso, é que se tem interpre-tado
as normas processuais À LUZ DE PRIN-CÍPIOS
DE ÍNDOLE MARCADAMENTE
CONSTITUCIONAL.
Um deles (e de extrema relevância) é o
princípio da legalidade.
Penso que este princípio tende, por
mais surpreendente que possa parecer, a
diminuir, e, em alguns casos, até a suprimir,
a liberdade do juiz em decidir conforme a
sua convicção.
Portanto, à luz desta nova perspectiva,
a regra do livre convencimento motivado
fi ca mitigada.
Explico os porquês.
Sabe-se que há textos de lei que com-portam
diversas interpretações, todas elas
sustentáveis e, portanto, em tese, possíveis.
Esta é uma das causas em virtude das quais
há Jurisprudência confl itante: Tribunais que
têm entendimentos diferentes a respeito de
qual seja o sentido da lei.
Ao que parece, todavia, o princípio da
legalidade e o da isonomia, verdadeiros pi-lares
da civilização moderna, levam a que se
considerem desejáveis soluções que tendam
a evitar que ocorram estas discrepâncias. É a
necessidade de uniformizar a jurisprudência,
a necessidade de se evitar que a situações
idênticas se dêem soluções diferentes, com
base no mesmo texto de lei. Um destes
“métodos” é o da extensão ampla que se
empresta à efi cácia da sentença e à respectiva
coisa julgada nas ações coletivas lato sensu.
Outro, a possibilidade de o Poder Legislativo
suspender a efi cácia de determinado texto
legal, tido como inconstitucional apenas
incidenter tantum. Pode-se, ainda, pensar no
recurso especial, no recurso extraordinário,
nos embargos de divergência e na uniformi-zação
da jurisprudência.
Estabelece o art. 5º, II, da CF: “Ninguém
será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma
coisa senão em virtude de lei”. Trata-se da for-mulação,
adotada pelo legislador constituinte
brasileiro, para o princípio da legalidade.
O princípio da isonomia se encontra
no caput do mesmo art. 5º, acima citado, e
está nos seguintes termos formulado: “Todos
são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se aos brasi-leiros
e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade,
à igualdade, à segurança e à propriedade, nos
termos seguintes (...)”.
Elencamos, propositadamente, os
princípios da legalidade e da isonomia nesta
ordem.
O princípio da legalidade só restará
realmente respeitado, se situações idênticas
forem, em conformidade com o princípio da
isonomia, decididas de idênticas maneiras
pelos juizes e Tribunais brasileiros.
O fato de o sistema “tolerar” decisões
diferentes acerca de situações absolutamente
idênticas não signifi ca que este fenômeno seja
desejável! É apenas fruto da talvez impossibi-lidade
de que um sistema seja inteiramente
aparelhado para evitar que isto ocorra.
Sempre nos pareceu desejável, para os
fi ns de se gerar dose mais elevada de previsi-bilidade,
que se prestigie a tendência de que
certo texto de lei venha a comportar um só
entendimento, que se considere correto.
O princípio da isonomia signifi ca, grosso
modo, que todos são iguais perante a lei: logo,
a lei deve a todos tratar de modo uniforme
e assim também (sob pena de esvaziar-se
o princípio) devem fazer os tribunais, res-peitando
o entendimento tido por correto
e decidindo de forma idêntica casos iguais,
num mesmo momento histórico.
Evidentemente, não se pode deixar de
reconhecer, por exemplo, que a sobrevivência
de decisões que dêem aos pensionistas e aos
aposentados da Previdência Social a diferença
de 147%, e outras que não reconheçam este
direito a pessoas que estão exata e precisamen-te
na mesma situação, não é “sadio”, porque
esbarra e arranha inevitavelmente ambos os
princípios mencionados.
Esta é a tendência dos povos civili-zados:
criar regras a que todos estejam
submetidos.
Esta tendência se manifesta tanto pela
necessidade de se obedecerem aos precedentes,
quanto pela necessidade de se obedecer à lei. O
que há de relevante é o resultado, consistente
em que toda a comunidade esteja submetida
a uma mesma pauta de conduta, sendo as
diferenças de tratamento racionalmente justifi -
cáveis, para que se instale, no plano social, dose
desejável de segurança e previsibilidade.
Por isso, e nesse contexto, nasceu a
súmula vinculante.
Tal súmula vinculará os demais órgãos
do Poder Judiciário e a Administração Pú-blica,
direta e indireta, municipal, estadual e
federal (art. 103-A, caput). Ou seja, todos os
demais juízes e tribunais terão de adotar o
entendimento previsto na súmula nos casos
concretos que decidirem – nos exatos limites
em vista dos quais a súmula foi editada. E os
agentes da Administração também terão o
dever de adotar tal orientação em situações
concretas com que se deparem. Quando a
Administração ou o Judiciário desrespeitar
súmula vinculante, caberá reclamação para
o STF (art. 102, I, l, e art. 103-A, § 3.º). Já o
Poder Legislativo, no exercício de sua função
normativa, não fi ca vinculado à súmula. Po-derá,
aliás, editar lei em sentido oposto ao da
súmula (art. 103-A, § 2º, parte inicial).
Confi rmando a distinção entre a fi gura
geral da súmula e a súmula vinculante, a
Emenda Constitucional n. 45 prevê ainda
que as súmulas já existentes do STF “somente
produzirão efeito vinculante após sua confi rma-ção
por dois terços de seus integrantes” (EC n.
45/2004, art. 8.º).
Por isso é que temos insistido em que
o art 285 A deve necessariamente ser com-preendido
neste contexto de uniformização
da interpretação das leis, em matéria de
direito de acordo com o que predomina no
sistema, principalmente na jurisprudência
dos Tribunais Superiores.
O juiz deve repetir sua sentença, em caso
idêntico que seja posteriormente submetido à
sua apreciação, se, e somente se, esta estiver de
acordo com súmulas dos Tribunais Superiores,
com a jurisprudência dominante destes Tribu-nais
ou do Tribunal para onde vai o recurso
que virá a ser interposto de sua sentença, ou
com súmula deste mesmo tribunal.
O nosso sistema, conforme doutrina tra-dicional,
não admite que o juiz decida senão
com base, fundamentalmente, na lei. Orienta
a atividade decisória do juiz o princípio do
livre convencimento motivado: há liberdade
para analisar as provas, formar a convicção e
decidir, com base na interpretação da lei que
se entenda correta. O juiz tem, como regra,
portanto, no sistema brasileiro, segundo a
opinião que predomina, a possibilidade de
optar pela interpretação da lei que lhe pareça
a mais acertada. Mas não decidindo com base
num dispositivo cuja função é simplifi car e
“massifi car” o julgamento de processos re-petitivos,
pois que esta uniformização COM
CERTEZA não haverá de ser feita no sistema
com base na opinião dele, juiz!
Não se trata, a toda evidência, de
dispositivo cuja função e razão de ser seja
a de criar a jurisprudência da 1ª vara cível,
diferente da jurisprudência da 2ª vara cível!
Carece quer de sentido, quer de utilidade,
entender-se que o legislador teria criado uma
regra cuja fi nalidade seria a de uniformizar
a jurisprudência do próprio juízo (ou pior,
do juiz!), mesmo que contrária à tendência
manifesta em órgãos superiores.
A falta de contraditório, como comen-tamos
antes, é outro defeito grave de que se
ressente esta regra.
Esta tendência de uniformização da
jurisprudência, que consideramos louvável,
há de ser feita, todavia, com respeito ao
sistema.
Vimos, assim, acima, que o art. 285
A não pode servir para criar UNIFORMI-DADE
das decisões de certo juiz, nem de
certo juízo.
Por outro lado, como também se ob-servou,
só pode haver súmulas vinculantes
do STF. Há quem diga até (opinião da qual
não comungamos) que há necessidade de lei
ordinária, disciplinando o assunto, para que
as súmulas vinculantes sejam editadas.
Veja-se, todavia, que o novo art. 518, A
estabelece a regra no sentido de que o recurso
de apelação não será recebido quando a
decisão estiver de acordo com a súmula do
STF e do STJ.
Trata-se de um dispositivo de lei ordiná-ria
que torna vinculantes todas as súmulas do
STF e do STJ?
Claro que não. Este entendimento não
pode ser considerado como sendo o correto,
já que torna dispositivo irremediavelmente
inconstitucional.
Parece-nos que, para considerar-se
constitucional o mecanismo criado, deve-se
necessariamente admitir que a parte pode,
no agravo, alegar que a súmula em que se
baseou a sentença está errada. Além de, é
claro, poder alegar que a sentença não está
de acordo com a súmula; que a súmula não
foi editada para aquela situação etc. Mas pode
discutir o erro ou o acerto da tese jurídica
adotada na súmula, já que estas não são, até
o presente momento, vinculantes.
Outro há de ser o raciocínio quando se
tratar de súmula vinculante do STF.
*Mestre em Direito pela PUC/SP, Doutora em Direito
pela PUC/SP, livre docente em Direito pela PUC/SP,
professora dos cursos de graduação, especialização,
mestrado e doutorado da PUC/SP, membro do
Instituto Brasileiro de Direito Processual, membro
do Instituto Ibero Americano de Direito Processual,
membro da Academia de Letras Jurídicas do Paraná
e São Paulo, membro do Instituto dos Advogados do
Paraná e membro do Instituto Brasileiro de Direito
de Família.
Para
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Ligue
(51) 3246.3477 e
(51) 3246.0242
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Constituição Federal e CPC
Teresa Arruda Alvim Wambier*
AP
10. 10 Estado de Direito, novembro de 2006
O lobo e o cordeiro
Vou começar falando de uma fábula, a fábula
do lobo e do cordeiro. Acredito que todos nós a
conhecemos. Vocês sabem que o lobo está no alto
do rochedo e o cordeiro está embaixo. O lobo quer
comer o cordeiro e antes fala:
– Você está sujando a minha água.
– Não é possível porque eu estou embaixo, diz
o cordeiro.
Então o lobo fala:
– Eu quero te comer, porque, seis meses atrás,
você falou mal de mim.
E o cordeiro responde:
– Mas seis meses atrás eu ainda não tinha
nascido!
Então o lobo diz:
– Se não foi você que falou mal de mim, talvez
tenha sido teu pai ou teu irmão.
Assim o lobo arruma um pretexto para comê-lo.
Essa é uma fábula que vêm da antiga Grécia e
que já foi contada várias vezes.
Qual é a moral que foi extraída dessa fábula?
A moral é que Fedro, um autor de latim de dois
mil anos atrás, contou essa fábula e conclui com
estas palavras: “Essa fábula foi escrita para aqueles
homens que oprimem os inocentes com falsos
argumentos”.
Aproximadamente quase dois mil anos depois
um poeta francês, Lafontaine, conta a mesma fábula
com a seguinte moral, que é similar: “a razão mais
forte é sempre a melhor”.
Tenho, porém, uma dúvida. Poderíamos encon-trar
uma outra moral nessa fábula. A dúvida que
me veio é está: um verdadeiro lobo teria comido o
cordeiro sem dizer nada. Não teria dado razões para
comer o cordeiro.
Então o problema é este: porque o lobo deve
procurar motivos? Poderia comer o cordeiro sem
dizer nada. Eu me perguntei o porquê?
Uma razão poderia ser para convencer o cor-deiro,
mas é difícil ter que ser convencido para ser
devorado. Segundo motivo poderia ser pela sua
consciência.
Todos nós inventamos várias histórias para
nós mesmos por via da nossa consciência. Para
justifi carmos perante a nossa própria consciência.
Mas certamente as justifi cativas são muito fracas,
ainda que seja para uma consciência frágil como
aquela do lobo.
Então, eu pensei: qual é o motivo verdadeiro
para que o lobo apresente razões? É que envolta têm
muitos animais, tem cervos, gazelas, passarinhos e
tantos outros, e o lobo tem necessidade de justifi car
suas razões perante um público.
Naturalmente as razões são frágeis e não são
muito fundadas, e no fi nal ele acaba comendo o
cordeiro. Mas o fato que ele tenha dado razões
permite ao público de julgá-lo. Tanto é verdade que
ainda agora, dois mil anos depois, continuamos a
julgar o lobo como um usurpador, alguém que
oprime os inocentes.
Então a moral alternativa que podemos dar
a essa fábula antiga poderia ser essa: “também os
potentes têm às vezes necessidade de justifi car as
suas ações”. Isso é importante, pois vocês sabem
que o poder no sentido forte é aquele poder que não
deve se justifi car, que não deve explicar o porquê
cumpre certa ação.
A partir do momento que é forçado perante
o público de justifi car a sua ação é já, de alguma
maneira, uma pequena perda de poder.
As justificativas contam?
Assim, o problema fundamental se torna: as
justifi cativas contam ou são somente um pretexto?
Nós podemos dividir o pensamento fi losófi co
ou político em duas linhas fundamentais, que agora
eu trato de maneira muito superfi cial: aqueles que
pensam que as justifi cações são um pretexto - como
pensava Fedro e Lafontaine - e aqueles que pensam
que, de um modo ou de outro, que as palavras
contam.
Na primeira linha de pensamento estão aqueles
que pensam que contam são os interesses e não as
palavras; que as palavras são um puro revestimento
falso, não essencial do interesse, como falsos eram
os argumentos do lobo.
Colocamos nessa lista, Fedro, e poderíamos
A Democracia Deliberativa
também colocar Lafontaine e Karl Marx, que pensam
que a ideologia é um refl exo falso, aquilo que conta
são os interesses e não as palavras.
Poderíamos colocar no front político oposto, os
teóricos do Public Choice, a teorias dos jogos. Ou
seja, se falamos das explicações do comportamento
humano, nos quais, se nós conhecermos os interesses
das pessoas, podemos prever exatamente o com-portamento
deles. Em outras palavras, os interesses
materiais predizem exatamente o comportamento
das pessoas.
A segunda linha de pensamento toma seriamente
as razões. É como dizer: as palavras contam, os
argumentos contam. Naturalmente, esses que sus-tentam
essa posição não pensam que os interesses
não contam, porém as palavras podem de qualquer
modo modifi cá-los, ou seja, os argumentos usados
são importantes.
Eu coloco nesse fi lão o pensador contemporâneo
que exprime melhor essa segunda linha de pensamen-to
e o fi lósofo alemão, Jürgen Habermas.
Há dois estudiosos de políticas públicas ame-ricanos
que escreveram o “Retorno Argumentativo
no Estudo das Políticas Públicas”. Agora não posso
entrar no mérito, mas podemos colocar no fi nal as
teorias que surgiram nos últimos quinze anos sobre
a democracia deliberativa.
Se nós tomarmos seriamente os argumentos que
são colocados pelos atores sociais, aquilo que conta é
a troca de razões, a discussão, que nós podemos ima-ginar
numa situação na qual as decisões são tomadas
através da discussão baseada sobre os argumentos,
e através do alcance de uma posição comum entre
os participantes. Digamos que seria uma situação
em que também o cordeiro fala e todos falam para
encontrar uma posição comum.
Democracias majoritárias,
consensuais e deliberativas
Se vocês olharem esses três modos de tomar
decisões públicas, podemos dizer que temos três
tipos diferentes de democracia - obviamente e abs-tratamente,
tipos ideais de democracia -, conforme o
método de decisão prevalente, seja um ou outro.
Então, nós podemos ter três tipos de democra-cia:
uma baseada sobre o voto, outra baseada sobre
a negociação e uma baseada sob a deliberação.
Colocamos em confronto esses dois: voto e ne-gociação.
No voto vence a maioria. Já na negociação
é necessário um acordo, uma unanimidade. Por
isso são dois modos diferentes, no qual o primeiro
podemos chamar de democracia majoritária, que são
aquelas democracias nas quais quem vence a eleição,
governa; tem maioria no parlamento e faz passar
aquilo que quer. O modelo clássico de democracia
majoritária é a Inglaterra, mas existem também
muitas outras. Todas as democracias são um tipo
ideal, mas estou pegando uma ou outra.
Porém, podemos ter democracias baseadas pre-valentemente
sobre a negociação. Segundo o termo
usado por um cientista político holandês (Lejiphart),
nós podemos chamar de democracia consensual
quando as decisões fundamentais, as políticas mais
importantes, são concordadas e negociadas entre
todos os principais grupos nos quais se compõem
as sociedades. Não tem uma maioria que governa
contra uma oposição, mas sim uma negociação
continua entre os diversos grupos sociais.
O caso mais típico de democracia consensual
é a Suíça e a Holanda. São países que possuem
grupos étnicos e religiosos diferentes - por exemplo
católicos e protestantes -, portanto, democracias
que só podem funcionar se têm uma contínua ne-gociação
entre os grupos, e não tem uma maioria
que prevalece sob a minoria, por que acabaria em
um confronto intolerável.
Essas duas modalidades são muito diferentes,
quase opostas, mas têm em comum um ponto: a
preferência dos participantes são dadas, ou seja, seja
votando ou negociando, cada um dos participantes
– grupo político, individualmente etc - entra na
arena política com as suas posições, preferências
etc, e não lhes altera durante o processo.
No caso do voto, pode vencer ou perder,
dependendo se é maioria ou minoria. No caso da
negociação, encontrará um compromisso, mas não
deve alterar o seu ponto de vista.
Contra essas duas modalidades, vem a terceira, a
idéia na qual a deliberação é entendida como discus-são
e troca de argumentos onde as preferências dos
Luigi Bobbio*
Especial: Em busca de um sistema ideal
O projeto, “Debatendo Políticas Públicas com Luigi Bobbio”, realizado pelo do
Laboratório de Políticas Públicas e Sociais - LAPPUS (www.lappus.org.br) , Escola
Superior do Ministério Público da União, Escola Superior da Magistrtura do
Rio Grande do Sul, Fundação Escola Superior do Ministério Público Estadual
e Faculdade Meridional, trouxe a Porto Alegre o renomado professor de
ciência política, Luigi Bobbio. Leia, a seguir, sua palestra sobre a democracia,
os processos de tomada de decisão, e a necessidade de fazer representarem-se
todas as porções da sociedade.
CARMELA GRÜNE
11. Estado de Direito, novembro de 2006 11
atores podem ser alteradas – ainda que parcialmente
– e ver o problema de um modo novo, compreender
melhor a razão dos outros e também ter informações
novas que antes não tinham, ou seja, modifi car as
próprias posições. Uma democracia que fosse ba-seada
sob esse método, poderíamos defi ni-la como
democracia deliberativa.
Enquanto as duas primeiras democracias (majo-ritária
e consensual) são reais, a democracia delibe-rativa
é largamente um ideal. Mas, na realidade, há
muitos casos que se acorre algo de muito similar.
Para que se possa falar de democracia delibera-tiva,
é necessário duas condições: pode-se dizer que
a democracia deliberativa é um processo de decisão
1) conduzido sob a base de argumentos imparciais
fundados sob o bem comum, e esse é o aspecto
deliberativo como já falamos.
E por democrática - porque pode haver uma
deliberação não democrática - os fi lósofos dizem
que 2) devam participar em condições de paridade,
todos aqueles que são afetados pela própria decisão.
Ou seja, o ideal deliberativo democrático é a inclu-são
de todos aqueles que são afetados.
O voto, a negociação e a
argumentação
Dito isso, nós podemos imaginar três modos
diferentes da tomada de decisão coletiva, três modos
fundamentais.
O primeiro e muito comum é o voto. Eu aqui falo
do voto não para eleger deputado, mas o voto no qual
se decidem questões, por exemplo, no parlamento,
ou num referendo.
Nós podemos defi nir o voto como um processo
agregativo. Agregativo porque se conta. Existem
preferências que depois nós contamos e ganha quem
tem mais.
O segundo modo é a negociação. Se existe um
confl ito, ao invés de votar, e é possível chegar a um
acordo, encontrar um compromisso entre as diversas
posições. Esses dois modos são bastante óbvios: ou
vota-se ou negocia-se.
Mas o terceiro modo, que seria aquele delibera-tivo,
é aquele da argumentação ou da deliberação.
Ou seja, um processo através do qual as preferências
dos participantes se modifi cam através do uso de
argumentos de um lado e de outro. Argumentos que
dizem respeito ao bem comum, todos argumentam o
que é melhor para o conjunto.
A palavra deliberação, em italiano, e acredito
que também em português, é ambígua. Também em
francês e em todas as línguas latinas. Normalmente
usamos a palavra deliberação como um modo de to-mar
uma decisão formalmente em uma assembléia ou
em um conselho. Uma assembléia deliberou, signifi ca
que tomou uma decisão.
Nós usamos a palavra deliberação em um sentido
inglês, que quer dizer ponderar os prós e os contras de
uma questão, por isso fi quem atentos que quando
falamos democracia deliberativa, podemos dizer de-mocracia
baseada na discussão, ou então democracia
dialógica, baseada sob o diálogo.
Atualmente, como todos falam de democracia
deliberativa, todos usam essa expressão, é importante
fi car atento que, quando falamos de democracia
deliberativa, estamos falando da democracia baseada
sobre os argumentos.
Três modos para realizar a inclusão
A inclusão de todos é muito difícil de realizar.
As pessoas afetadas pela decisão podem ser milhares,
centenas de milhares, milhões. Como é possível
envolver todos? E como é possível organizar a
discussão de tantas pessoas?
O ideal da inclusão completa é provavelmente
inalcançável, mas existe, ao menos, três modos para
aproximar-se deste ideal.
O primeiro modo consiste no “manter a porta
aberta”. Diria que o Orçamento Participativo de Por-to
Alegre é desse tipo. Existem assembléias regionais
onde todos podem entrar, o que é importante, pois
nas decisões das nossas democracias, habitualmente,
as portas são fechadas e nem todos podem entrar.
O segundo modo de realizar a inclusão é
colocar não todas as pessoas juntas, mas todos os
pontos de vista. Nós podemos, diante do problema
dos organismos geneticamente modifi cados, abrir
uma discussão convidando os representantes das
multinacionais de sementes, os agricultores, os
consumidores etc., e abrir um confronto público.
Então, não se tenta incluir todas as pessoas,
mas sim todos os possíveis pontos de vista, e abrir
um diálogo. Existem muitas experiências deste tipo,
sobretudo no campo ambiental. O interessante é
fazer discutir juntos os interesses dos que poluem
e daqueles que sofrem os efeitos da poluição para
entender se existe vias alternativas, e então transfor-mar
as preferências dos pontos de vista.
Existe uma terceira via para inclusão: colocar ao
redor de uma mesa uma amostra casual de cidadãos.
Sorteamos um certo número de cidadãos e os colo-camos
a discutir sobre um certo tema; lhes damos as
informações necessárias, os fazemos escutar diversos
pontos de vista, e depois eles discutirão e tomarão
uma decisão, se conseguirem.
O método de sorteio é um chamamento à de-mocracia
ateniense, e existem muitos experimentos
desse tipo. Por exemplo, o júri dos cidadãos, no
molde do júri dos tribunais, só que obviamente não
devem julgar uma pessoa, mas se pronunciar sobre
um problema. Existem muitas experiências desse
tipo e, na minha opinião, são muito interessantes, já
fi zemos em Turim e faremos outra no outono.
Obviamente que essas três vias têm pontos fracos.
A primeira tem o risco de que, se nós mantermos a
porta aberta, se auto-excluem os mais fracos. Há o
perigo que os grupos mais organizados tenham um
peso muito forte, por exemplo, organizando o envio
dos cidadãos; há o risco da participação ser baixa,
ou seja, abre-se a porta e não entra ninguém. E tem o
risco de desigualdade entre os participantes. Daquilo
que eu sei, esses riscos não foram muito fortes no
Orçamento Participativo de Porto Alegre, mas sobre
isso vocês poderão me dizer. Porém, nas réplicas do
Orçamento Participativo que foram feitas na Europa,
quase todos esses problemas apareceram.
A segunda via tem um outro problema: quem
decidir, quem excluir e quem incluir? É muito
delicado, naturalmente. Existem pontos de vista
que não são representáveis – na questão ambiental
os pontos de vista das gerações futuras – e é um
problema sério porque todos que vivemos neste
momento somos inimigos das gerações futuras e
podemos entrar num acordo para descarregar tudo
sobre eles. É exatamente o já estamos fazendo. O
problema é que não podemos colocar todos os
pontos de vista, então como vamos resolver isso?
Existem os pontos de vista também que não querem
ser representados, e preferem legitimamente manter
um ponto de vista antagonista; não tem vontade de
discutir com os adversários, mas de combatê-los.
Isso é legitimo, obviamente, porém não funciona
na democracia deliberativa.
No último caso, aquele da amostra casual, o
problema é que, se nós sorteamos cidadãos ao acaso,
é difícil que estejam representados aqueles cidadãos
que têm as preferências mais fortes, que sentem mais
de perto o problema. Teremos cidadãos médios, e
são experiências que têm uma duração limitada, pois
não podemos manter os cidadãos por vários anos.
São experiências que duram dois ou três dias e, por
isso, do ponto de vista da consciência política, fun-ciona
pouco, porque se reúnem e depois se dissol-vem,
por isso, há um escasso crescimento coletivo,
não faz crescer muito a participação coletiva.
Nenhuma das três vias é isenta de inconvenien-tes.
Mas, utilizando de vez em quando todas as três
(como já se faz em muitas experiências), é possível
aproximar-se, ao menos um pouco, do ideal da
democracia deliberativa.
Direito e
Sociedade
Aprender
O professor entra na sala de aula e
cumprimenta, timidamente, seus alunos. Vai
até a cadeira, no alto do tablado, e começa a
fazer a chamada. Nome por nome, o professor
vai colhendo a presença e assinalando um
ponto com a caneta no quadradinho respectivo
do caderno de chamada. Terminada a tarefa
inicial, depois que alguns deixam a sala já
antes do início da aula, o professor retoma o
conteúdo a partir da aula anterior, quando
a turma aprendera conceitos importantes,
retirados de autores renomados. Ao longo do
período, o professor será um incansável na
construção dos conceitos, na ordenação do
conteúdo, na programação mental dos alunos,
que deverão estar preparados, ao cabo de tudo,
para as intrigantes perguntas da prova.
Essa tem sido a rotina do magistério nas
faculdades de direito do País há muitos anos.
Professores apáticos, alunos passivos, conteúdo
passado por meio de manuais ou resumos sem
qualquer profundidade, enfi m, um quadro
verdadeiramente preocupante. Os professores,
cada vez mais ocupados em ensinar a matéria;
os alunos, muitos deles, ocupados em
apreender o conteúdo passado em aula.
Não sou especialista em educação e não
tenho o objetivo de criar teses a respeito do
ensino jurídico. Percebo, no entanto, que há
enorme diferença entre apreender (com dois ês) e
aprender (com um e).
A apreensão do conteúdo passado em
aula parece ser a grande busca de alunos
interessados, guiados por professores
altamente preocupados com o programa da
disciplina e todos os seus desdobramentos.
Um quadro cheio de matéria, muitos
esquemas desenhados, cadernos cheios de
conceitos, muitas teorias, muitas correntes.
O produto desta verdadeira gincana jurídica
ou o resultado deste “conteudismo” será a
constatação de que o aluno que sabe é aquele
que tem a posse do conteúdo, no sentido
tangível. A coisifi cação do conteúdo das
disciplinas transforma o saber em um produto,
em algo que se pode tocar, que se pode ter. Os
professores, neste contexto, são apreciados pela
grande quantidade de saber armazenado.
Aprender, com apenas um e, deve
ser algo diferente. Para saber, o sujeito do
aprendizado deve estar aberto para o novo,
tendo em mente que o conhecimento é fonte
de angústia, de inquietação, de transformação,
de vida. Quem aprende, não aprisiona
o conhecimento nos estreitos limites do
caderno, mas liberta o espírito para a busca de
um novo sentido, de uma nova gramática, de
uma nova forma de ver o velho.
Professores que trocam experiências, que
motivam a crítica, que estimulam a atividade,
que não se elevam perante os alunos, como seres
privilegiados detentores de grande quantidade
de conhecimento. Alunos responsáveis pela
construção do próprio conhecimento, sujeitos
ativos do aprendizado, conscientes do seu papel
no mundo e, principalmente, dotados de um
indomável espírito crítico, capaz de revolucionar
tudo o que está posto, fazendo fl orescer o novo,
o inédito, o diferente.
Eis o desafi o: aprender.
Jader Marques
Luigi Bobbio nasceu em Turim (Itália), em
1944, e formou-se em direito dissertando no
campo da sociologia sobre a organização do
trabalho na FIAT. Participou ativamente nas
organizações políticas da esquerda universitária e
depois, em 1968, do movimento estudantil.
Nos anos sucessivos se tornou militante
político, praticamente com dedicação integral
na organização Luta Continua. No final daquele
episódio político, em 1979, escreveu o livro,
Luta Continua. História de uma Organização
Revolucionária.
Em 1975, obteve a cátedra de Direito
e Economia em escolas de ensino superior
ministrando a disciplina durante os quinze anos
sucessivos.
Em 1984, decidiu retomar os estudos
sociológicos, e a sua tese de doutorado foi
concluída, em 1987, com o título A Intervenção
sobre o Patrimônio Cultural entre Estado e
Região. Análise de uma Política Pública,
conduzida através do estudo empírico dos
processos de decisão relativos a algumas
intervenções de restauração no Piemonte.
No campo das políticas territoriais conduziu
diversos estudos sobre processos de decisão
relativos a grandes projetos de transformação
urbana, assim como sobre as políticas dos bens
culturais e políticas ambientais.
Seguindo a estrada do seu pai, Norberto
Bobbio, Luigi é atualmente professor da
Faculdade de Ciência Política da Universidade
de Turim, presidente do Mestrado em Análise
de Políticas Públicas (MAPP) e Diretor do
Laboratório de Políticas (LaPo).
Extraído do livro La democrazia non abita a
gordio, de Luigi Bobbio.