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Estado de Direito 
PORTO ALEGRE, NOVEMBRO DE 2006 • ANO I • N° 6 
Um ano levando a todos a Cultura Jurídica! 
Impulsionados pela vontade de criar um instrumento de comunicação direcionado ao 
desenvolvimento do ensino jurídico, iniciou, em novembro de 2005, o Jornal Estado 
de Direito na busca pela disseminação da Cultura Jurídica, com a transmissão de 
valores sociais e a promoção da cidadania, ancorada na educação jurídica e no Direito 
Fundamental da Pessoa Humana. 
A partir de experiências européias tanto de entidades públicas quanto privadas, o Estado 
de Direito assumiu o compromisso de divulgar o ensino jurídico na nossa sociedade 
utilizando a tecnologia da informação. Nessa expectativa, busca promover o conhecimento 
A Democracia 
Deliberativa 
O Estado de Direito apresenta a palestra proferida, 
em 07/06/06, na UFRGS pelo Professor Luigi 
Bobbio da Universidade de Torino. Entitulada de “A 
Democracia Deliberativa”, Bobbio lança um olhar 
sobre a democracia enquanto procura um caminho 
ideal que garanta a representatividade nos processos 
de tomada de decisão dos sistemas atuais. 
Página 10 
SAMARA VÍDEO 
jurídico com uma proposta a mobilizar a sociedade refl etir sobre temas contemporâneos 
que estão presentes no dia a dia do cidadão. 
E nesta edição especial de aniversário, trazemos, dentre algumas novidades, a participação 
de professores estrangeiros: a palestra do professor italiano, Luigi Bobbio, da Universidade 
de Torino, quem nos convida a refl etir em busca de uma sociedade mais igualitária e 
democrática; e a entrevista especial concedida pelo professor português, António Pinto 
Monteiro, de Coimbra, apresentando seu pensamento sobre a cláusula penal na tradição 
do Direito Português; com a integração de diferentes culturas jurídicas. 
Direito das 
Obrigações 
Em entrevista exclusiva ao Estado de Direito, o Prof. 
Dr. António Pinto Monteiro tece seus comentários a 
respeito da Cláusula Penal nos ordenamentos jurídicos 
português e brasileiro, abordando também algumas 
diferenças do Direito nesses dois países. 
Uma visão sobre 
Súmula Vinculante 
A Prof.ª Dr.ª Teresa Arruda Alvim Wambier comenta a 
vinculação de decisões judiciais à luz da Constituição 
Federal e do Código de Processo Civil, sugerindo uma 
análise sobre a garantia de princípios fundamentais e 
da evolução social e jurídica no país. 
Página 9 
Página 3 
Processo 
Penal:Prazo 
Razoável 
O Prof. Dr. Aury Lopes Junior 
comenta o prazo razoável no processo 
penal, alertando para a importância 
de uma normatização que vincule o 
seu cumprimento e a necessidade de 
superar estigmas como o da falta de 
recursos materiais e pessoais. 
Página 4 
Processo 
Civil: Coisa 
Julgada 
Marcus Vinícius Antunes propõe 
uma refl exão sobre os institutos 
de revisão e rescisão de decisões 
transitadas em julgado. 
Página 8 
Movimento de 
Conciliação 
Nacional 
Prof. Francisco Lima Filho, Juiz titular 
da 2ª Vara do Trabalho de Dourados 
(MS) e doutorando em Direito Social 
na Espanha, comenta a defl agração do 
Movimento de Conciliação Nacional 
pelo Conselho Nacional de Justiça, 
que busca conscientizar a população 
para outros meios de acesso à solução 
de confl itos e o aperfeiçoamento da 
prestação Jurisdicional. Página 8 
Refl exões sobre 
Direito e Advocacia 
O Prof. Sílvio de Salvo Venosa, em seu texto, aborda 
a situação atual do bacharelado em Direito e dá 
destaque às situações e questionamentos que a classe 
encontra quando se propõe a pensar sobre o que, 
de fato, pode ser feito pelo bem público por meio do 
Direito. 
Página 7 
Edição especial de aniversário! 
Agora você ouve o Estado de Direito na 630 AM 
Rádio Santamariense todas as sextas-feiras, 7h30min!
2 Estado de Direito, novembro de 2006 
O Estado de Direito almeja contribuir para uma sociedade em que 
o conhecimento e a informação são valores culturais, sociais e econô-micos 
fundamentais para o desenvolvimento de toda a sociedade e, 
para isso, estamos ampliando os nossos meios de comunicação. 
A partir deste mês, além do jornal impresso e eletrônico, iniciamos 
o programa de rádio, Estado de Direito, na Rádio Santamariense 
– AM, 630 Khz, da cidade de Santa Maria/RS, alcançando mais de 
30 municípios do Rio Grande do Sul, que estarão ouvindo Carmela 
Grüne e convidados, todas as sextas-feiras, às 7h30min, com muito 
bom humor, descontração e responsabilidade. Podemos dizer que 
será uma forma desengravatada de aprender Direito, numa linguagem 
simples, analisando os principais fatos do mundo jurídico, bem como 
esclarecendo e tirando dúvidas dos nossos ouvintes. 
Agradecemos a todos professores e colaboradores que contribuíram 
para, em suas precisas lições, disseminar a Cultura Jurídica na nossa 
sociedade, transmitindo, nesse um ano de vida do Jornal Estado de 
Direito, seus conhecimentos. E muito nos apraz a consciência por 
parte dos patrocinadores que apóiam e acreditam na importância do 
desenvolvimento da Cultura Jurídica, o que muito nos orgulha nesta 
iniciativa por fazerem parte da construção deste veículo e possibilitarem 
o aumento da tiragem, neste aniversário, para 15 mil exemplares. E a 
vocês, nossos ilustres leitores, que incansavelmente buscam o conhe-cimento 
e a qualidade de ensino, igualmente saudamos! 
Em nome de toda a equipe do Jornal Estado de Direito, muito 
obrigada! 
Carmela Grüne 
Paulo Vilanova Charge 
Estado de Direito Alguns Estranhamentos Atuais 
Porto Alegre - RS - Brasil 
Rua Conselheiro Xavier da Costa, 3004 
CEP: 91760-030 – fone: (51) 3246.0242 e 3246.3477 
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Demais regiões contatar (51) 3246.3477 
*Os artigos publicados nesse jornal 
são responsabilidade dos autores e não refl etem 
necessariamente a opinião do Jornal 
Augusto Jobim do Amaral* 
O justiceiro que adormece em cada 
ímpeto ordenador, inelutavelmente, não 
hesita em recorrer à coerção ao menor sinal 
de fadiga do modelo. Para além das amizades 
ou inimizades, existem os estranhos. E são 
sempre os amigos que classifi cam e defi nem 
quem são seus violadores. Nasce, pois, uma 
narrativa de dominação baseado no direito 
arbitrário de defi nir. 
Ele torna-se mais perigoso que o inimigo, 
pois é indefi nível e insolúvel nas categorias 
binárias de hoje. Os indefi níveis são todos 
‘nem uma coisa nem outra’, o que equivale 
a dizer que eles militam contra ‘uma coisa ou 
outra’. Não se considera o estranho no senso 
comum do termo, como alguém que chega 
hoje e vai embora amanhã – como um turista 
– but rather as the man who comes today 
and stays tomorrow. Este alguém que está 
perto e longe ao mesmo tempo representa 
incontáveis perigos, pois inclassifi cável no 
princípio da oposição. Rompem permanen-temente 
o incessante esforço de ordenação da 
modernidade claramente visto na construção 
do Estado-nação. 
Ao ponto de se afi rmar que cumpre 
ao Estado nacional, no papel de jardineiro 
coletivo, lidar não com os inimigos, mas, sim, 
com o problema dos estranhos. É o ente 
estatal que passou a possuir com o advento 
da modernidade a arrogância para proclamar 
o estado de coisas que se poderia chamar de 
ordem ou caos, e sobretudo impor a todos 
a visão sob esta condição. Tal Estado mori-bundo, 
ansioso por demonstrar que ainda 
possuiria a única fonte de ‘direito’ a violência, 
acaba por maximizá-la. Talvez não avisado de 
seu falecimento – tal como o clássico persona-gem 
de Kafka: Graco, o Caçador , meio vivo 
meio morto – continue a perambular por aí 
impondo mais dor e sofrimento. 
Torna-se assim facilmente vinculável a 
visão dos estranhos com a do medo difuso 
que parece pairar sobre nós. A resposta 
procurada na luta para se atingir a segurança 
não-ameaçada, em outras palavras, a cruzada 
contra as incertezas enraizadas será confor-tavelmente 
encontrada na identifi cação de 
“corpos estranhos”. Nada disso dista da ob-sessão 
contemporânea de manter à distância 
o híbrido, o diferente que não se enquadra 
em “meu” projeto puro de existência. 
Não é de outra forma que a versão 
atualizada do terror moderno acaba recaindo 
sobre os criminosos. Duas fi guras acabam 
por se tornarem cheias de signifi cado: a do 
vagabundo e a do turista. Este contém o 
milagre de estar no lugar, entretanto a ele 
não pertencer, está dentro e fora ao mesmo 
tempo. Já aquele também permanece em 
constante deslocamento, todavia, por não 
se sentir “em casa” em lugar algum, pois sua 
presença nunca é bem vinda. Poderá ser dito 
que “não há turistas sem vagabundos”, não 
obstante mais claro que isto é que “não se 
pode transitar livremente se os vagabundos 
não forem presos...”. Uma sociedade com 
tendências depressivas não tarda a desembo-car 
numa farta criminalização da pobreza. 
E por mais que venhamos a alarmar a fa-lência 
e a face cadavérica do Estado-nação, isto 
não signifi ca a implosão de todo seu conjunto 
e nem que ele esteja totalmente desordenado. 
É a mais pura ambivalência que também 
conduz, de certa forma, à manutenção de uma 
razão interna – um logos persecutório – que 
parece se auto-reproduzir ao infi nito. 
Leia o artigo na íntegra acessando 
www.estadodedireito.com.br 
* Advogado; Professor Universitário; Doutorando 
em Altos Estudos Contemporâneos (COIMBRA 
– POR); Mestre em Ciências Criminais (PUCRS); 
Especialista em Ciências Penais (PUCRS) e 
Especialista em Direito Penal Econômico e 
Europeu (COIMBRA – POR). 
Ler e ouvir o 
Estado de Direito 
www estadodedireito.com.br
Estado de Direito, novembro de 2006 3 
ESPECIAL 
Entrevista 
A cláusula penal 
O direito das obrigações é um ramo do direito civil que muito se aplica às relações civis e 
comerciais da sociedade atual, especialmente os contratos são fontes profícuas de obrigações. 
Diariamente, as pessoas estão celebrando contratos e submetendo-se a relações obrigacionais 
dos mais diversos tipos. 
Entrevistamos o Prof. Dr. António Pinto Monteiro* para registrar a sua preleção e, desta forma, 
conhecer a cláusula penal no contexto do inadimplemento das obrigações na visão portuguesa. 
Estado de Direito (ED): A cláusula penal é suscetível a ser 
abusiva? 
Prof. Dr. António Pinto Monteiro (AM): Sim, esse poderá 
ser mesmo o principal problema da cláusula penal. Esta, como 
qualquer outra manifestação da autonomia privada, pese embora 
as importantes vantagens que apresenta, poderá, em certos 
casos, ser utilizada abusivamente. Daí a necessidade de corrigir 
esses abusos, mas sem anular a cláusula penal. 
ED: Por que ela é vista como multifuncional? 
AM: Porque pode desempenhar uma multiplicidade de fun-ções, 
de acordo com a intencionalidade das partes, embora, tipi-camente, 
a cláusula panal esteja vocacionada para exercer uma 
função indemnizatória ou uma função coercitiva/compulsória. 
De multifuncionalidade da cláusula penal fala, com propriedade, 
a Professora Judith Martins-Costa. 
ED: Qual a natureza jurídica da cláusula penal? 
AM: Essa é uma questão muito complexa. Pode ver mais 
desenvolvidamente o meu livro sobre “Cláusula penal e indem-nização”, 
onde esse ponto é devidamente explicado. De todo o 
modo, sempre lhe direi que a natureza jurídica da cláusula penal 
depende da espécie que, em concreto, as partes tenham estipula-do. 
Pode assim a cláusula penal assumir natureza indemnizatória 
ou compulsória. Tradicionalmente, falava-se da natureza mista 
da cláusula penal, mas essa é uma tese que eu critico. 
ED: Quais as espécies de cláusula penal no direito com-parado? 
AM: Neste momento podemos já distinguir, no direito 
comparado, a cláusula de fixação antecipada da indemnização 
(liquidated damages clause/clause de dommages-intêrets/Scha-densersatzpauschalierung) 
da cláusula penal propriamente 
dita (penalty clause/clause pénale/Vertragsstrafe). A estas, 
acrescento eu a cláusula penal puramente compulsória. Pode 
ver, desenvolvidamente, o sentido desta distinção no meu livro 
que atrás citei. De todo o modo, muito sinteticamente, sempre 
poderei adiantar que, no primeiro caso, a prova, pelo devedor, 
de que não há danos, afastará o direito do credor à pena. No se-gundo 
caso, a pena, como sanção, é devida independentemente 
da existência de danos. No terceiro caso, a pena acrescerá à 
indemnização a que houver lugar nos termos gerais. Tudo de-pende 
da intencionalidade das partes ao estipularem a cláusula 
penal no caso concreto. E eventuais abusos serão combatidos 
pela norma que permite a redução de penas excessivas. 
ED: No Brasil, utiliza-se o modelo tradicional, que admite a 
compulsoridade (eventual) e a indenizatória (mais utilizada). Qual 
o modelo que o Senhor considera o mais adequado? 
AM: Isso depende. Como já disse, as partes é que saberão 
qual o modelo mais adequado, em conformidade 
com o interesse que visam acautelar com a esti-pulação 
da cláusula penal. 
ED: O artigo 412, do Código Civil, diz que o 
valor da cominação imposta na cláusula penal 
não pode exceder o da obrigação principal e, em 
seguida, o artigo 413 diz que a penalidade deve ser 
reduzida pelo juiz se a obrigação principal tiver sido 
cumprida em parte ou se o montante da penalidade 
for manifestamente excessivo, tendo-se em vista 
a natureza e a finalidade. Nesse contexto, qual a 
sua opinião em relação a essa limitação e qual o 
procedimento adotado em Portugal? 
AM: O artigo 413 do actual Código Civil 
brasileiro é muito importante, ao permitir reduzir 
equitativamente penalidades manifestamente ex-cessivas. 
É um preceito novo, que corrresponde 
ao artigo 812º do Código Civil português e que 
está também em conformidade com a situação 
no Código Civil alemão, italiano, suíço e francês, 
entre outros. 
Já o artigo 412 do Código Civil brasileiro me 
suscita muitas reservas, para não dizer abertamen-te 
que me parece ser uma norma que, interpretada 
à letra, parece abolir a cláusula penal da ordem 
jurídica brasileira, pois esta deixará de poder exer-cer 
as funções para que está vocacionada, muito 
especialmente a função compulsória. E é um artigo 
que mal se compagina com o artigo imedatiamente 
seguinte, o artigo 413. Acho que a ciência jurídica 
brasileira tem um importante trabalho a desenvol-ver, 
de cunho hermenêutico-correctivo. 
ED: Admite-se a cláusula penal ao inverso? Por 
exemplo, um chamado “bônus de desconto” se o 
devedor pagar dez dias antes do vencimento? (é 
comum em locações entre nós). 
AM: A situação que me apresenta é, eviden-temente, 
de admitir, ao abrigo do princípio da 
autonomia privada. Mas não podemos designá-la 
de cláusula penal. 
ED: A cláusula penal convencional e compul-sória 
do artigo 416 do Código Civil é a mesma 
que a cláusula de prefixação de perdas e danos? 
Eventuais perdas e danos só poderão ser mensuradas quando 
ocorrerem de fato? Contudo, pode o contrato prever garantias 
para assegurar perdas e danos? 
AM: O artigo 416 não é totalmente claro. O credor não tem 
de alegar prejuízos para exigir a pena convencional, certo, mas, 
pergunto eu: e se o devedor provar que o credor não tem qualquer 
prejuízo? Como disse atrás, há que qualificar a espécie de cláusula 
penal acordada, em conformidade com a intenção das partes. 
ED: O Senhor preside em Portugal uma Comissão que está 
estudando a elaboração do Código de Defesa do Consumidor. 
O Senhor pode comentar a legislação do consumidor no Brasil 
em relação ao que está se projetando em Portugal? 
AM: Em Portugal, tal como nos demais países da União Eu-ropeia, 
existe muita legislação destinada à defesa do consumidor. 
O problema maior é que tal legislação é avulsa, quer dizer, é uma 
legislação especial, dispersa e fragmentária. Essa a razão pela 
qual, em Portugal, estamos procurando elaborar um código que 
unifique, racionalize e sistematize toda essa legislação. Parabéns 
ao Brasil que já deu esse passo em 1990 com a aprovação do 
(chamado) Código de Defesa do Consumidor. 
ED: Na sua opinião, qual a importância do estudo da cláusula 
penal no contexto do inadimplemento das obrigações? 
AM: A cláusula penal pode ser muito importante como meio de 
pressão sobre o devedor para que ele respeite as obrigações assu-midas 
e, portanto, como meio de moralização da relação contratual 
e de prevenção do inadimplemento das obrigações. Por outro lado, 
sendo o contrato violado, a cláusula penal pode facilitar a posição 
das partes – e designadamente do credor – na definição dos direitos 
que lhe assistem, com isso superando dificuldades e incertezas de 
uma avaliação judicial. Repito que eventuais abusos serão comba-tidos 
pelo artigo 413 do Código Civil brasileiro de 2002. 
SAMARA VÍDEO 
António Pinto Monteiro, Sérgio Porto e Judith Martins Costa 
*António J. M. Pinto Monteiro nasceu a 23 de Abril de 1951. Licenciatura, 
Mestrado e Doutoramento com distinção e louvor, por unanimidade, pela Faculdade 
de Direito da Universidade de Coimbra. Agregação também por unanimidade. 
Professor Catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Professor 
Catedrático convidado da Universidade Portucalense, Membro do Conselho Estratégico 
da APDC- Associação Portuguesa Para o Desenvolvimento das Comunicações, 
Membro fundador da “Association Internationale de Droit de la Consommation” 
(Louvain-la-Neuve), Foi membro do “Grupo de Especialistas sobre Garantias”, junto da 
Comissão Europeia em Bruxelas; Presidente da Comissão do Código do Consumidor, 
responsável pela elaboração do “Anteprojecto do Código do Consumidor” português, 
entregue a 15/03/2006. Autor do Anteprojecto legislativo sobre o contrato de agência 
ou de representação comercial (Decreto-Lei nº 178/86, de 3 de Julho).
4 Estado de Direito, novembro de 2006 
Vivemos numa sociedade regida pelo 
tempo, onde a aceleração é a alavanca do 
mundo contemporâneo e a velocidade 
um fetiche, um valor. O presenteísmo, 
fruto da angustiante consciência de que 
vivemos espremidos, entre um passado 
que não existe (é memória) e um futuro 
aberto, indeterminado (que também não 
existe), nos faz viciados na imediatidade, 
na hiperaceleração. É uma verdadeira 
narcose dromológica. 
Nesse ritmo, é inevitável o choque 
com a velocidade do direito, principal-mente 
com o processo penal, onde o 
tempo é o verdadeiro significante da 
punição, não só na pena privativa de 
liberdade, mas também na prisão cautelar 
e, principalmente, no simples fato de 
estar sendo processado. 
Deve-se encontrar o difícil equilí-brio 
entre um processo excessivamente 
demorado, que pune ilegitimamente, 
mas que também enfraquece a prova 
dos fatos e gera uma fundada sensação 
de impunidade, e a ilusão de uma justiça 
imediata, em que se atropelam direitos 
fundamentais de forma ilegítima e com 
grande risco de injustiça. 
Mas nessa matéria (como em quase 
tudo) o Direito precisa acertar suas contas 
com a (falta de) interdisciplinaridade: 
como pensar no prazo razoável sem 
entender o rompimento do paradigma 
newtoniano? Inviável. Daí por que, há 
que se compreender que com Einstein e a 
teoria da relatividade, opera-se uma rup-tura 
da noção de tempo absoluto, com ele 
variando conforme a posição e a velocida-de 
do observador em relação ao objeto. 
Logo, o tempo intra-muros (dentro do 
presídio) se arrasta e é completamente 
diverso do tempo extra-muros. 
Também quando o réu está em liber-dade 
ele cumpre um conjunto de penas de 
natureza processual. Sofre com o estigma 
social e jurídico, o estado de angústia pro-longada 
pelo fato de estar sendo processado. 
Há que se respeitar o seu tempo. 
Toda essa problemática temporal é es-truturante 
do direito ao processo penal em 
um prazo razoável, agora assegurado no 
art. 5º, LXXVIII, da Constituição. Quanto 
tempo pode durar um processo judicial? 
Quanto tempo pode durar uma prisão pro-visória? 
Não sabemos. Mais grave do que 
não saber, é conformar-se em não saber. 
Estamos diante de um poder (jurisdicio-nal) 
que exige limites temporais para seu 
exercício. Esse tema é tratado há mais de 
30 anos pelo Tribunal Europeu de Direitos 
Humanos, que também adverte que de 
nada serve fi xar prazos sem defi nir sanções 
processuais em caso de descumprimento. 
É inadmissível transformar em devido o 
indevido funcionamento da justiça. 
A duração razoável do processo deve 
ser considerada com o réu cautelarmente 
preso, mas também quando está solto, e é 
exigível em caso de absolvição ou mesmo 
de condenação. A sentença condenatória 
não legitima a demora do processo. 
Enquanto não houver uma fi xação 
normativa de prazos, conforme explica-mos 
na obra “Direito ao Processo Penal 
no Prazo Razoável” (publicado pela 
Editora Lumen Juris, 2006), deve-se 
considerar a complexidade do fato, a 
conduta dos agentes públicos e a con-duta 
processual do interessado. A esses 
elementos, acrescente-se o princípio da 
razoabilidade, como integrador. 
Reconhecida a violação, devem-se 
buscar soluções que compensem, civil 
(indenização) e penalmente (por exem-plo, 
a atenuação da pena pela demora do 
processo), o indevido funcionamento da 
justiça. Quanto à possibilidade de indeni-zação 
pela indevida apropriação do tempo 
do outro, somos céticos em relação a sua 
efi cácia, não só porque a fl echa do tempo 
é irreversível, mas também pela postura 
tímida e corporativista que os tribunais 
costumam ter nesse tipo de matéria. Sem 
falar na indevida dilação dessas novas e 
demoradas ações. 
O problema é complexo e vai muito 
além da mera falta de recursos materiais 
e pessoais. É preciso superar esse lugar 
comum da discussão para fazer uma 
anamnese séria. 
O Brasil acaba de sofrer a primeira 
condenação na Corte Interamericana 
de Direitos Humanos e novas punições 
deverão ocorrer, entre elas, muitas por 
violação do direito ao processo penal no 
prazo razoável. Um dia, ainda que à custa 
de pesadas condenações pecuniárias im-postas 
pela Corte, esse país compreenderá 
que, além de necessário, pode ser um bom 
negócio investir na justiça. 
*Advogado Criminalista; Doutor em Direito 
Processual Penal; Professor do Prog.Pós-Graduação 
em Ciências Criminais da PUCRS; Coordenador do 
Curso de Especialização em Ciências Penais da 
PUCRS www.aurylopes.com.br. 
Entrevista com a Professora Ana Cláucia Redecker 
A legislação brasileira contempla uma série de hipóteses de responsabilidade direta dos sócios e 
administradores, solidária ou subsidiária, aplicáveis a diversos ramos do direito. 
Nos últimos tempos, a responsabilização pessoal dos sócios e administradores vem se tornando 
prática pretoriana cada vez mais comum, principalmente nos casos de falência de sociedades 
empresárias, seja ela de capital aberto ou fechado e nos diferentes regimes societários. 
Assista o programa Direito e Sociedade com Jader Marques 
Toda segunda-feira, 19h – Canal 20 da Net 
www.direitoesociedade.com.br 
(De)Mora Judicial e Prazo 
Razoável no Processo Penal: 
Ou quando os juristas ajustam 
contas com Einstein 
Aury Lopes Jr.* 
Abuso da Teoria da Desconsideração 
da Personalidade Jurídica 
ED: Para sua aplicação em um 
processo falimentar, de forma a estender 
os “efeitos da falência aos sócios”, quais 
os procedimentos fundamentais a serem 
observados? 
Professora Ana Claudia Redecker* 
(AC): Num processo falimentar a Lei 
11.101/2005 prevê, no artigo 82, a pos-sibilidade 
de ser ajuizada ação, que se-guirá 
o procedimento ordinário previsto 
no Código de Processo Civil, visando a 
apuração da “responsabilidade pessoal 
dos sócios de responsabilidade limitada, 
dos controladores e dos administradores 
da sociedade falida”. O juízo competente 
para propositura da ação é o próprio 
juízo da falência e, o prazo prescricional, 
é de 2(dois) anos, contados do trânsito 
em julgado da sentença de encerramen-to 
da falência (parágrafo 1º do artigo 82 
da Lei 11.101/05). 
Entendo, contudo, que o juiz 
poderá optar pela aplicação da 
desconsideração da personalidade 
jurídica, para mandar arrecadar o 
patrimônio das pessoas que seriam 
legitimadas para a ação, quando 
houver, nos autos do processo, pro-va 
contundente de que a sociedade 
foi usada com abuso de direito, 
para fraudar a lei ou prejudicar 
terceiros. 
Estado de Direito (ED): Em que 
consiste a teoria da desconsideração da 
personalidade jurídica e quais os requisi-tos 
fundamentais para sua aplicação? 
Professora Ana Claudia Redecker* 
(AC): A teoria da desconsideração 
da personalidade jurídica consiste na 
superação da personalidade jurídica 
com o objetivo exclusivo de atingir o 
patrimônio particular dos administra-dores 
e/ou sócios da sociedade quando 
indevidamente utilizada. São requisitos 
fundamentais para sua aplicação: prova 
substancial de fraude a lei ou a terceiros 
em relação à sociedade e seus sócios, 
ou seja, a prova da utilização da perso-nalidade 
jurídica como instrumento para 
prática de abusos generalizados. 
ED: Sabe-se que no Dir. Argentino 
e no Dir. Francês há previsão legal do 
instituto da ‘extensão dos efeitos da 
falência’ à pessoa jurídica diversa da 
falida. No Dir. brasileiro ocorrem mui-tos 
casos de os juizes ‘estenderem 
efeitos da falência’ a outras socie-dades 
distintas da falida, porém não 
há previsão legal desse instituto em 
nossa ordem jurídica. Desta forma, 
é possível a decretação da ‘extensão 
dos efeitos da falência’ à pessoa 
jurídica diversa da falida, mesmo 
sem previsão legal? E se possível, 
como deve ser feita a ‘extensão dos 
efeitos da falência’ diante do princípio 
do devido processo legal? 
AC: É possível a decretação 
da extensão da falência à pessoa 
jurídica diversa da falida desde 
que seja empresária ou, ainda 
que inscrita no Registro Civil das 
Pessoas Jurídicas, exerça a ativi-dade 
empresária. Normalmente o 
requerimento, dirigido ao juiz da 
falência, é feito pelo administrador 
judicial, por credor ou pelo Minis-tério 
Público. O juiz, caso entenda 
ser pertinente o pedido de exten-são 
da falência, deverá intimar os 
interessados para que possam 
se manifestar sobre o mesmo, 
e, neste prazo, proporcionar aos 
mesmos a realização do depósito 
elisivo (parágrafo único do ar tigo 
98 da Lei 11.101/2005). 
ED: No caso de sociedades distin-tas 
terem quadro social com pessoas 
da família ou familiares, caracteriza 
grupo econômico? Ou seja, grupo 
familiar pode ser considerado como 
sinônimo de grupo econômico? 
AC: O fato de sociedades distin-tas 
possuirem pessoas da família 
ou familiares não caracteriza grupo 
econômico. Contudo, sociedades 
distintas, formadas por pesso-as 
da família ou familiares pode 
caracterizar um grupo familiar e, 
neste caso, ser considerado grupo 
econômico. 
ED: Dentre o acervo patrimonial 
incorpóreo da falida, o fundo de 
comércio da falida, mesmo com 
a superveniência da quebra, tem 
valor econômico? O que é e qual a 
importância do fundo de comércio 
na falência? 
AC: O acervo patrimonial in-corpóreo 
da falida, mesmo com a 
superveniência da falência, poderá 
possuir valor econômico (v.g. marca 
Masson). A avaliação deste patrimô-nio 
ocorrerá no momento da realiza-ção 
do ativo e dependerá do grau de 
interesse em utilizar determinados 
bens que compõe este patrimônio, 
ou, em bloco, na hipótese da aliena-ção 
da empresa. 
ED: No processo falimentar a 
desconsideração da personalidade 
jurídica submete todo patrimônio 
pessoal dos sócios aos débitos e 
obrigações da falida? E de que forma 
é esta submissão, subsidiária ou 
solidária? 
AC: No processo falimentar a 
desconsideração da personalidade 
jurídica submete todo o patrimônio 
pessoal dos sócios e/ou do admi-nistrador, 
atingidos pela desconside-ração, 
de forma subsidiária, salvo os 
bens absolutamente impenhoráveis e 
resguardada a meação do cônjuge, 
ainda que casados pelo regime de 
comunhão universal. 
Leia a entrevista na íntegra acessando 
o site www.estadodedireito.com.br 
*Doutoranda em Ciências Jurídicas-Econômicas 
na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, 
Mestre em Direito pela PUC/RS, professora de 
direito empresarial da PUC/RS, UniRitter e CEJUR 
e advogada responsável pela Área Societária do 
Escritório Campos Advocacia Empresarial.
Estado de Direito, novembro de 2006 5 
www estadodedireito.com.br 
Ouça o Estado de Direito na 630 AM 
rádio Santamariense todas as sextas-feiras, 7h30min!
6 Estado de Direito, novembro de 2006 
O Futuro da Propriedade Intelectual 
na Era da Informação 
Na atualidade, a regulamentação sobre direitos de 
propriedade intelectual cobre, de forma inexorável, toda 
fonte da criatividade. Em todas as épocas as concepções 
artísticas e musicais sempre se desenvolveram livremen-te, 
ensejando uma mescla entre a produção artística já 
existente e sua conjugação com novos elementos cria-tivos 
conformando derivativos inovadores. Na verdade, 
difi cilmente poder-se-ia imaginar que famosos autores do 
passado poderiam estruturar suas obras senão através da 
livre inspiração, contrariamente, as normas reguladoras do 
sistema de propriedade intelectual reproduzem uma abso-luta 
vedação em relação ao uso ou compartilhamento de 
inventos senão através de permissões especiais. Isto ocorre 
também na área cientifi ca, onde as patentes cobrem seqü-ências 
e marcadores genéticos e outras tantas ferramentas 
essenciais para o desenvolvimento de pesquisas. 
Transpomos a era da informação e já adentramos na 
era da informação econômica, ainda assim, muitos pou-cos 
entendem o que isso representa. Existe uma errônea 
noção de que a informação não possui correspondência 
com bens materiais, assim como os direitos de proprieda-de 
sobre a informação não possuem equivalência a esses 
bens. A informação é defi nida pela consumação não-rival 
(como as regras aritméticas que podem ser usadas infi - 
nitamente), diferentemente de uma fruta que depois de 
ingerida se extingue para sempre (consumo rival). 
Logo, é admissível ao nível econômico que se dete-nha 
direitos de propriedade sobre um pomar de frutas, 
sem qualquer espécie de proteção qualquer um poderia 
se apropriar dos frutos do trabalho do agricultor. Nada 
obstante, os direitos de propriedade sobre a informação 
devem ser concebidos de modo diverso, por exemplo, o 
custo incidente sobre qualquer idéia de impedimento ao 
uso das regras matemáticas seria não apenas impossível 
como não teria qualquer viabilidade econômica. 
Assim é que tratamos direitos rivais como não rivais 
e os direitos não rivais como rivais, fato determinante da 
escassa existência de acesso à informação. Na realidade 
os direitos de propriedade concebidos sobre a informação 
refl etem uma batalha política e econômica entre seus 
atores, com diferentes graus de interesse, isto explica por 
que tais direitos são ignorados em alguns casos (poluição e 
conservação de recursos naturais) e estritamente forçados 
às áreas onde se mostram inapropriados (informação 
digital e biotecnologia). Um exemplo recente disso é a 
decisão das gravadoras de processar judicialmente 20 
usuários de downloads ilegais no Brasil, anunciada no 
dia 17 de outubro no Rio de Janeiro. 
O exemplo mais proeminente dessa batalha política/ 
econômica é o denominado Acordo sobre Aspectos de 
Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Co-mércio 
(TRIPS). O argumento primordial para o acordo 
TRIPS é que os direitos de propriedade intelectual enco-rajam 
inovações para os Estados em desenvolvimento, no 
entanto, é evidente que estes mesmos Estados se lastreiam 
em um aprendizado e produção copiada. 
Neste sentido, tais Estados necessitam de um siste-ma 
de propriedade intelectual mais apropriado, dando 
maior fl exibilidade em relação aos níveis de proteção 
que suas leis devem prover, como por exemplo, expe-dição 
de normas que permitam algum grau de reversão 
desta tendência. O acordo TRIPS é bastante complexo 
e involve muitas considerações vinculadas ao comércio 
internacional. No entanto, a força oculta que delimita o 
posicionamento do TRIPS decorre da imposição de uma 
concepção universal de direitos de propriedade intelectu-al, 
sem que se considerem as diferentes necessidades de 
cada povo. Assim sendo, a busca de uma solução única 
não condiz com esta diversidade de exigências locais. 
Na verdade, o TRIPS desenvolve interesses políticos e 
econômicos de certos paises desenvolvidos. 
Os países em desenvolvimento como o Brasil 
constituem-se nos grandes perdedores diante do atual 
sistema maximalista em que se estruturou o instituto da 
propriedade intelectual, conforme imposto pelos EUA, 
Europa e Japão. Precisamos redefi nir os rumos desta 
trajetória buscando alternativas viáveis perante o sistema. 
Muitos exemplos alternativos já foram concebidos, tais 
como: o Creative Commons (licença alternativa ao direito 
de absoluta reserva dos direitos autorais), o Software livre 
e Software Código Aberto (licenças copyleft de uso não 
excludente como GNU e GPL), o Cultura Livre, o A2K 
(acesso ao conhecimento), o Open Business (conhecido em 
português como modelos de negócios abertos) e o Open 
Source Biotechnology (biotecnologia de código aberto). 
Ditos movimentos iniciaram no meio acadêmico, 
sendo que o Prof. Peter Drahos escreveu sobre a indis-pensável 
necessidade de criação de anexos, núcleos ou 
centros de pesquisa na área da propriedade intelectual 
dentro de universidades (think tank policy) – centros 
de excelência na área da propriedade intelectual que 
hospedam estudiosos da área científi ca. Já existem tais 
centros como o Berkman Center For Internet and Society 
da Universidade de Harvard, o Yale Information and 
Society Project, o Berkeley Center for Law and Technology 
e o Queen Mary Intellectual Property Research Institute da 
Universidade de Londres, que passaram a questionar o 
sistema vigente na busca de novas alternativas. No Brasil, 
a Fundação Getúlio Vargas antecipou-se a esta tendência, 
organizando um Centro para Tecnologia e Sociedade. 
Nessa conformidade o momento é ideal para que as 
universidades inovem e formem centros de excelência na área 
da propriedade intelectual, criando uma saudável interação 
entre estudantes de direito, farmácia, biologia, informática, 
química etc., cujos objetivos incentivem o pensamento e um 
consistente questionamento na busca de alternativas. 
*Advogado, mestre em direito pela Universidade de Auckland da Nova 
Zelândia e atualmentente doutorando pelo Queen Mary Intellectual 
Property Research. Institute da Universidade de Londres. Ele foca sua 
pesquisa em sistemas abertos de propriedade intelectual, como o 
open source aplicado à biotecnologia. 
Mauricio Bauermann Guaragna* 
Homoafetividade: 
um novo 
substantivo 
Maria Berenice Dias* 
Não adianta procurar no dicionário, não está 
lá, ainda. Mas é uma expressão que já se incorpo-rou 
ao idioma, não só no nosso, mas também em 
espanhol e inglês se passou a falar em “uniones 
homoafectivas” e “homoaffective unions”. 
Há palavras que carregam o estima do 
preconceito. Assim, o afeto a pessoa do mes-mo 
sexo chamava-se de “homossexualismo”. 
Reconhecido o inconveniência do sufixo 
“ismo” que está ligado à doença, passou-se 
a falar em “homossexualidade” , que sinaliza 
um determinado jeito de ser. Tal mudança, 
no entanto não foi suficiente para por um fim 
ao repúdio social do amor entre iguais. 
A marca da discriminação resta evidente 
na omissão da lei em reconhecer direitos aos 
homossexuais. A negativa do legislador reve-la 
nítida postura punitiva, pois condena à in-visibilidade 
os vínculos afetivos envolvendo 
pessoas da mesma identidade sexual. 
Ao denunciar esta evidente afronta à digni-dade 
humana e aos princípios constitucionais da 
liberdade e igualdade, acabei por cunhar o neo-logismo 
“homoafetividade”, na obra intitulada 
“União Homossexual, o Preconceito e a Justiça”, 
cuja primeira edição é do ano de 2000. Na pri-meira 
decisão judicial que reconheceu direitos 
sucessórios ao parceiro sobrevivente, e que data 
de 14 de março de 2001 (AC 7000138982, Rel. 
Des. José Carlos Teixeira Georgis), a expressão 
já foi utilizada, tendo sido referida no último 
julgamento do STJ, de 7 de março de 2006, em 
que foram assegurados direitos previdenciários 
às uniões homoafetivas (Resp 238.715, relator 
Min. Humberto Gomes de Barros). 
Não há como deixar de reconhecer que 
acabou por ser incorporada ao vocabulário 
jurídico. Passou-se agora a falar filiação 
homoafetiva e até a ser preconizado o 
surgimento de um novo ramo do direito: 
Direito homoafetivo, não parando de surgir 
escritórios especializados nesta área. 
Claro que uma palavra não vai acabar 
com o preconceito ou eliminar a discrimina-ção, 
mas o importante é o reconhecimento de 
que as uniões dos homossexuais são vínculos 
afetivos e, como tal, merecem ser inseridos 
no Direito das Famílias, cujo âmbito de 
abrangência é a identificação de um elo de 
afetividade. 
Já é um bom começo na busca de uma 
Justiça mais igual! 
*Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande 
do Sul; Vice-Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de 
Direito de Família-IBDFAM; www.mariaberenice.com.br 
Estado democrático de direito como 
estado de direitos fundamentais 
Importa, inicialmente, que nos situemos em face 
de avanços decorrentes de mudanças fundamentais no 
modo de se entender o Estado e o Direito, na quadra 
histórica em que se passa a viver, em escala mundial, após 
a 2a. Grande Guerra, na segunda metade do século XX. 
Tais mudanças introduziram o que se pode denominar, 
com Pablo Lucas Verdú, uma nova fórmula política, 
no cenário jurídico-constitucional, a saber, aquela que 
entre nós é formalmente adotada a partir de 1988, sob a 
denominação “Estado Democrático de Direito”. 
Com a adoção da fórmula política do Estado De-mocrático 
de Direito ingressávamos em etapa histórica 
do constitucionalismo em que uma série de inversões 
se mostraram necessárias, a fi m de evitar as perversões 
sofridas pelo Estado de Direito, constitucional, em regimes 
políticos autoritários e, mesmo, totalitários, que se valeram 
dessa forma jurídico-política para atuar, esvaziando-a de 
conteúdos valorativos capazes de dar sustentação à convi-vência 
respeitosa entre aqueles que compõem a sociedade, 
indiscriminadamente. É assim que regimes ditatoriais, 
como aquele que tivemos no País entre as décadas de 
1960 e 1980, apresentavam-se como regimes comprome-tidos 
com uma ordem constitucional, do mesmo modo 
como o regime nazista na Alemanha manteve em vigor a 
constituição que foi um modelo em sua época, aquela de 
Weimar, de 1919, valendo-se dela própria ou, mais preci-samente, 
de seu art. 48, para suspender, indefi nidamente, 
e supostamente para defendê-la, diante de uma crise, os 
direitos e garantias fundamentais que ali amplamente se 
consagravam, mas por normas que então se qualifi cavam 
como programáticas (Programmsätze): o resultado foi 
a prática dos atos genocidas de todos conhecidos, sem 
que contra eles se pudesse invocar a efi cácia de normas 
constitucionais formalmente vigentes. 
Dos escombros da II Guerra Mundial emerge, então, 
uma nova forma jurídica para um Estado de Direito que 
se precisava também renovar. O impulso maior para tal 
renovação seria dado por um compromisso prioritário 
em grau máximo com o respeito à dignidade humana, 
tão aviltada durante a Guerra. É o que será consagrado na 
Declaração Universal de Direitos Humanos da então re-centemente 
criada Organização das Nações Unidas, assim 
como na chamada Lei Fundamental de Bonn, que hoje 
é a Constituição alemã, de 1949, ano seguinte à procla-mação 
da referida Declaração, sendo que em ambas vêm 
anunciado, já no primeiro artigo, aquele compromisso, 
de respeito à dignidade humana. Este “valor axial”, como 
o refere em um de seus escritos, Fábio Comparato, passa 
a se ver entronizado no conteúdo essencial de direitos 
positivados como fundamentais, agora, com dimensões 
mais amplas - e cada vez mais ampliadas ou ampliáveis 
– do que aquela de cunho marcadamente individualista, 
próprias do Estado liberal. E aí se dá a maior das inver-sões, 
a que antes referimos, no sentido de que o Estado 
passa a se organizar em função da defesa e realização 
dos direitos fundamentais, tidos agora não apenas como 
direitos subjetivos inerentes à cidadania, mas também 
como pautas objetivas, a determinarem que se consagrem 
normas, instituições e políticas públicas para concretizar 
tais direitos, efetivando-os e defendendo-os. A própria 
topografi a constitucional revela a inversão que estamos 
aqui a referir, quando os direitos e garantias fundamentais 
passam a ser consagrados entre nós, a partir de outubro de 
1988, de maneira ampla, e já no início da Constituição, 
ao invés de ocuparem aquela posição inferior, secundária, 
que, até então, era a deles, enunciados ao fi nal das consti-tuições, 
de maneira sintética, como apenas a determinar 
uma área residual de impedimento à interferência estatal 
na esfera jurídica de seus cidadãos. 
* Professor Titular da Escola de Ciências Jurídicas da 
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). 
Docente-Livre em Filosofia do Direito pela Universidade 
Federal do Ceará (UFC) e Doutor em Ciência do Direito pela 
Universidade de Bielefeld, Alemanha. 
Willis Santiago Guerra Filho*
Estado de Direito, novembro de 2006 7 
V congresso Transdisciplinar 
de Estudos Criminais 
ITEC – Instituto Transdisciplinar de Estudos Criminais 
e PPG em Ciências Criminais da PUCRS 
Com presença confirmada: 
Juarez Cirino dos Santos, Geraldo Prado, Julieta Lembruger, 
Lênio Streck, Jacinto Coutinho, Cezar Bitencourt, 
Alexandre Wunderlich, Ruth Gauer, Rodrigo G. Azevedo, 
Aramis Nassif, Fabrício Possebon, Nereu Giacomollle, 
Aury Lopes Júnior, Marco Aurério Moreira de Oliveira 
AGENDE-SE dias 23, 24 e 25 de novembro 
Centro de Eventos da PUCRS 
Informações: www.itecrs.org 
Tenho sempre procurado mos-trar 
os caminhos profi ssionais aos 
bacharelandos. A conclusão do curso 
e a proximidade do exame de quali-fi 
cação da OAB têm sempre surgido 
como um fantasma, como um novo 
vestibular para a vida profi ssional. 
Assim, entendo oportuno enfocar 
o tema, sob aspectos que às vezes 
passam despercebidos aos futuros 
operadores do Direito. 
Neste novo século, abrem-se 
novas e inovadoras perspectivas, 
não somente no Brasil mas em todo 
mundo ocidental, para a aplicação 
do Direito. A par de aspectos van-guardeiros 
que podemos analisar, 
há sempre que se recordar que a 
escola de Direito é, de todos os 
cursos de nível superior, a que abre 
o mais amplo leque de profi ssões 
que o bacharel pode abraçar, quer 
nos campos exclusivamente jurí-dicos 
quer em campos paralelos. 
Ademais, o curso jurídico ensina a 
compreender a vida e a sociedade. 
Nisso há sempre que ter presente as 
palavras do mestre Goffredo Telles 
Júnior, nas aulas que recepcionava 
os calouros nas velhas Arcadas: 
Meus alunos, esta escola, antes de ser 
uma faculdade de Direito, é uma escola 
da vida. De fato, o curso de Direito 
transforma a pessoa, seja aquele 
recém saído do curso médio seja 
aquele que procura o Direito como 
um segundo curso universitário. Sob 
esse prisma, sempre enfatizamos 
que o médico será melhor médico, 
o engenheiro, melhor engenheiro, 
o economista melhor economista, 
e assim por diante, ao concluírem 
eles o curso jurídico. E o jovem que 
se bacharela por primeira vez será, 
sem dúvida, um ser humano melhor, 
porque melhor compreenderá a 
sociedade. 
Porém, de qualquer forma, 
os futuros operadores do Direito 
devem estar cientes das perspec-tivas 
profi ssionais para nossa era. 
O sectarismo de nossos cursos 
jurídicos no passado, bem como o 
cartorialismo e nepotismo que nos 
agrilhoam desde tempos coloniais 
são obstáculos árduos de superar. 
Há que ser afastada a idéia arraigada 
de nossos jovens bacharéis, os quais 
em insistente maioria, de que só no 
funcionalismo público encontrarão 
um salário seguro e um porto tran-qüilo 
para a velhice. Não se diga 
que não devem ser incentivadas as 
verdadeiras vocações para a Magis-tratura, 
o Ministério Público e outras 
funções públicas. Mas esses cargos 
somente devem ser exercidos por 
quem efetivamente tenha verdadeira 
vocação, o ideal mais alto de servir 
à sociedade de coração aberto, com 
dedicação e desprendimento. Nada 
mais decepcionante e prejudicial à 
sociedade do que a mediocridade 
ocasionada pelo exercício de uma 
função sem vocação. 
Por outro lado, o exercício da 
advocacia permite atualmente uma 
série muito ampla de escolhas. O 
futuro dessa profi ssão no mundo 
ocidental e em nosso País, mesmo 
em comunidades menores, fl utua 
entre dois extremos bem nítidos: 
De um lado a carreira nos mega-escritórios, 
organizações que no 
Brasil congregam até mais de qui-nhentos 
advogados, com planos de 
carreira internos, com possibilidades 
profissionais efetivas e uma série 
de campos de especialidade dentro 
do atendimento à média e grande 
empresa. No outro extremo dessa 
moderna advocacia situa-se o que o 
mercado convencionou chamar de 
“butiques jurídicas”, escritórios com 
poucos profi ssionais, mas altamente 
especializados em um determinado 
nicho social e jurídico. A tendên-cia 
cada vez mais marcante é a do 
desaparecimento dos escritórios ou 
advogados generalistas. A sofi stica-ção 
do Direito atual não aponta outro 
caminho. Tanto num como noutro 
extremo dessas duas modalidades 
de estruturas profi ssionais, são inú-meros 
os novos campos jurídicos 
que estão a exigir continuamente 
novos profi ssionais, muitos inclu-sive 
desbravadores de caminhos 
muito pouco trilhados: direito das 
franquias, direito ambiental, direito 
do consumidor, direito da internet, 
direito do agro negócio, direito es-portivo, 
direito das agências regula-dores, 
direito do petróleo, direito das 
telecomunicações, direito da energia 
elétrica, planejamentos tributários, 
direito da administração pública, 
direito societário, contratações in-ternacionais, 
sucessão de empresas, 
implantações de capital estrangeiro 
etc. etc. Mesmo no direito penal, são 
novos os campos de especializações 
em crimes tributários, crimes pela 
internet, crimes fi nanceiros etc. O 
direito de família, de seu lado, abre 
um campo quase autônomo do di-reito 
civil, exigindo um profi ssional 
de perfi l específi co, mormente para 
o deslinde dos novos conceitos de 
entidades familiares e possibilidades 
de fertilização assistida. Descor-tina- 
se, portanto, um vasto leque 
de opções ao novel bacharel, cuja 
escolha certamente lhe permitirá 
uma vida digna. 
Esse novo quadro da advocacia 
está a exigir um esforço maior das fa-culdades 
para adaptar seus currículos 
às novas necessidades de mercado. A 
OAB, de seu lado, deve certamente 
repensar no exame que promove 
para ingresso nos seus quadros. Não 
vivemos mais uma fase de exacerba-ção 
do processualismo. O advogado 
moderno não terá necessariamente 
o perfi l de um tribuno, aquele que 
peticiona e faz sustentações orais 
perante os tribunais ou o Júri. A 
maior porcentagem dos profi ssionais 
dos grandes escritórios mencionados 
nunca redigiu, em anos e anos de 
atividade, uma petição inicial, con-testação 
ou recurso. Nem por isso 
são menos competentes, menos bem 
sucedidos ou menos importantes do 
que os que atuam no chamado setor 
litigioso. Esses profi ssionais atuam 
nos diversos campos de advocacia 
de prevenção e de assessoria que 
prescindem de atividade jurisdicio-nal. 
Pelo contrário: o estágio atual 
aponta para soluções das pendências 
em sede de negociação, conciliação 
e arbitragem. A esse fenômeno os 
juristas europeus denominam fuga do 
Judiciário. De fato, as grandes ques-tões 
que movem o mundo nunca vão 
aos tribunais. Seria um verdadeiro 
desastre mercadológico e social, por 
exemplo, que duas grandes empresas 
multinacionais litigassem em juízo, 
em qualquer país. Para esse perfi l, 
exige-se um profi ssional capacitado 
a atuar mormente no mercado in-ternacional. 
Do outro lado, para os que não 
foram abençoados pela fortuna, o 
ordenamento está a implantar o 
acesso à justiça por meio de juizados 
de conciliação, campo que também 
exige formação específi ca do bacha-rel, 
que contará com auxílio de pro-fi 
ssões auxiliares, como psicólogos, 
pedagogos, assistentes sociais etc. 
Essa fuga ao Judiciário está, 
portanto, a exigir do profi ssional 
do Direito que necessariamente 
não deve ser profundamente ver-sado 
nos complexos meandros de 
nosso processo. Isto aponta para 
uma nova perspectiva para nossas 
escolas de Direito, que devem aban-donar 
a idéia de que o advogado é 
apenas aquele que litiga em juízo. 
A tradição de nosso ensino jurídico 
por mais de cento e cinqüenta anos 
pautou-se por essa diretriz. 
Mercê dessa posição, há que se 
pensar mesmo numa modifi cação do 
exame de qualifi cação, quiçá estabe-lecendo 
duas classes de advogados, 
aquele com habilitação processual e 
aquele com habilitação para a con-sultoria 
em geral. Por outro lado, 
mesmo para os chamados advogados 
litigantes, não é aconselhável nem 
oportuno que o advogado recém 
ingressado no quadro profi ssional 
já possa de plano atuar inexperiente-mente 
nos tribunais superiores, sen-do 
de se exigir um estágio temporal 
de efetiva advocacia, por exemplo, 
para que possa fazer sustentações 
perante o Supremo Tribunal Federal 
e o Superior Tribunal de Justiça, 
como ocorre em outros países. 
É necessário ter coragem para 
acompanhar as transformações so-ciais, 
para incrementar o mercado 
de trabalho, para recompor a posição 
social do advogado em nosso meio, 
obtendo assim maior respeito da 
sociedade à qual serve, e para dar 
alento aos milhares de jovens que 
saem dos cursos jurídicos a cada ano. 
Aqui traçamos algumas idéias para 
refl exão. Outras, talvez mais criativas 
e mais apropriadas, serão trazidas 
pelos doutos. Algo porém deve fi car 
patente: o imobilismo sob as vestes 
de um falso tradicionalismo não nos 
leva a lugar algum. Se desejarmos um 
país mais justo e mais honesto, come-cemos 
pela vontade de mudar para o 
melhor e para o possível, sem idéias 
preconcebidas. Voltaremos ainda a 
este tema e a tantos outros que fi cam 
em aberto neste nosso texto. 
* Sílvio de Salvo Venosa, foi juiz no Estado de São 
Paulo, aposentou-se como membro do Primeiro 
Tribunal de Alçada Civil, atualmente é consultor e 
assessor de escritórios de advocacia, foi professor 
em várias Faculdades de Direito em São Paulo e é 
membro da Academia Paulista de Magistrados. 
Reflexões sobre direito e advocacia 
Sílvio de Salvo Venosa* 
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8 Estado de Direito, novembro de 2006 
Estudo 
no Exterior 
Movimentação pela Conciliação Nacional 
No final do ano de 2002 defendi na Uni- José Paulo Baltazar Junior* 
São poucos os estudantes de Direito brasilei-ros 
que fazem parte de seus estudos no exterior, 
embora sejam bastante difundidos os programas 
de intercâmbio de ensino médio. Muitos pensam 
que somente é possível fazê-lo na pós-graduação. 
Há ainda quem não enxergue vantagem em 
conhecer o direito de outros países, se nossa in-tenção 
é trabalhar no Brasil. Para os universitários 
da Comunidade Européia, porém, estimulados 
por um amplo programa de bolsas de estudos, 
é muito comum cursar um semestre ou dois, já 
na graduação, em outro país, e não apenas para 
estudantes de ciências exatas ou da saúde, mas 
também das ciências humanas e do Direito. 
As vantagens de cursar um período no 
exterior são muitas, pois representam a possibi-lidade 
de aprofundar o conhecimento em uma 
língua estrangeira, além de entrar em contato 
com outra cultura. 
É claro que nem tudo são fl ores nesse perí-odo, 
também existem as difi culdades, que vão 
desde o desconhecimento do funcionamento 
da burocracia universitária e estatal até o des-conhecimento 
dos costumes e da língua local. 
Tudo isso, porém, é superável e o resultado é 
um crescimento pessoal, pois aprendemos a 
lidar com as diferenças culturais que tornam 
cada país diferente. 
Algumas difi culdades evidentes para um 
curso no exterior são as despesas com passagem, 
estada e alimentação. Existem, porém, algumas 
facilidades, como passagens com desconto para 
estudantes, a moradia com custo baixo em casa 
de estudantes ou casas de família e ainda a 
obtenção de bolsas de estudos. Maiores infor-mações 
podem ser obtidas através da internet, 
ou no setor de relações internacionais de cada 
universidade, que poderá orientar o estudante 
também sobre o aproveitamento das disciplinas 
na universidade de origem. 
Após a graduação, existe ainda a possi-bilidade 
de cursar no exterior especialização, 
mestrado, doutorado, ou ainda fazer um está-gio 
de doutorando, também conhecido como 
doutorado-sanduíche, que consiste em fazer 
parte da pesquisa no exterior, em bibliotecas 
inimagináveis para os padrões brasileiros. Um 
curso assim pode oferecer ao profi ssional um 
diferencial decisivo em sua formação, em um 
mercado de trabalho tão competitivo. 
*Juiz Federal, Mestre e Doutorando em Direito na UFRGS, 
atualmente faz estágio de doutorando na Eberhard Karls 
Universität, em Tübingen, Alemanha. 
versidade de Brasília (UNB) Dissertação de 
Mestrado (Convênio UNIGRAN/UNB), sob a 
orientação do Prof. José Geraldo Sousa Junior 
tendo como co-orientador o Prof. Cristiano 
Paixão, com o título “Acesso à Justiça e os 
Mecanismos Extrajudiciais de Solução de 
Conflitos”, posteriormente transformada em 
livro, editado pela Sergio Antonio Fabris Edi-tor. 
Ali defendi a tese de que o acesso à justiça 
não está limitado ao mero acesso à jurisdição 
e ao processo e que outras formas, outros 
mecanismos, devem ser disciplinados pelo 
legislador e colados à disposição da popula-ção, 
ainda que em caráter alternativo, como a 
negociação e a mediação para a resolução de 
seus conflitos. 
Esses mecanismos extrajudiciais, além 
de terem uma enorme aptidão de manter e 
restabelecer as relações sociais rompidas pelo 
conflito, levam em conta as causas sociológi-cas 
deste e talvez por isso mesmo, e porque a 
decisão que deles surge, por ser fruto de um 
processo negocial em que os próprios atores 
do conflito participam, diretamente ou através 
de um terceiro que apenas medeia a solução, 
estão vocaciodas a serem mais justas e, por essa 
razão, tendem a serem cumpridas voluntaria-mente 
pelos seus destinatários restabelecendo 
a chamada e almejada paz social. 
Passados mais de três anos da defesa da 
Dissertação e da edição do livro, constato 
com muita alegria que não estava sonhando 
quando defendi aquelas propostas ou idéias, 
pois tomo conhecimento da deflagração de um 
Movimento pela Conciliação Nacional patroci-nado 
pelo Conselho Nacional de Justiça, sob a 
Presidência da Ministra Ellen Gracie, em que 
algumas das proposições que apresentei na 
conclusão de meu trabalho estão embutidas 
na Proposta apresentada no dia 23/08. 
Entretanto, se é necessário e mesmo indis-pensável 
emprestar o maior apoio possível à 
proposta do Conselho Nacional de Justiça, que 
caminha no rumo certo do aperfeiçoamento 
da prestação jurisdicional e do efetivo acesso 
à justiça, para que a Proposta possa tornar-se 
uma realidade na vida do povo brasileiro é 
preciso primeiro conscientizar a sociedade 
quanto à existência de outros mecanismos de 
solução dos conflitos além do tradicional pro-cesso 
judicial e das vantagens que eles podem 
oferecer para o rápido e efetivo acesso à justiça. 
Ademais, torna-se indispensável ainda uma 
mudança de mentalidade por parte de alguns 
juizes no sentido de que se convencê-los de 
que o Direito não está, nem jamais esteve, 
reduzido ao fenômeno legal, existindo outras 
fontes, não apenas de produção jurídica, mas 
também de resolução de controvérsias que a 
própria sociedade legitima, ainda que à revelia 
do Direito posto e que o processo, quando for 
o único e último mecanismo capaz de resolver 
o conflito, somente se legitimará e atingirá o 
seu objetivo social e jurídico, se for capaz de 
responder de forma oportuna, justa e concreta 
aos dramas que nele são revelados através do 
exercício do direito de ação. 
De outro lado, não é demais relembrar, 
e isso tentei demonstrar no trabalho acima 
citado, que além da necessidade de simpli-ficação 
da nossa linguagem de forma que o 
povo possa nos entender, precisamos formar 
conciliadores e mediadores e para isso, além de 
ser indispensável uma mudança dos currículos 
das faculdades e universidades de Direito para 
neles inserir novas disciplinas, ensinadas há 
muitos anos pelas universidades européias e 
norte-americanas, quais sejam, a conciliação, 
a mediação e a arbitragem, para que possamos 
preparar os futuros profissionais do Direito 
também para lidarem com esses importantes 
mecanismos de resolução de conflitos, é im-perioso 
que o Estado destine verbas para o 
Judiciário nos seus diferentes níveis para que 
esse Poder possa se aparelhar de modo a tornar 
concreto esse novo desafio. 
Assim, urge que sejam realizados treina-mentos 
e cursos para os servidores do Judici-ário 
e para os próprios juizes de modo a capa-citá- 
los para essa nobre e instigante missão: a 
conciliação através da negociação, da mediação 
e outras formas de solução de conflitos diversas 
do tradicional processo jurisdicional, o que 
também demanda da OAB um grande trabalho 
para conscientizar os advogados que, como o 
processo judicial, os mecanismos extrajudiciais 
de solução de conflitos também são legítimos 
e poderão proporcionar mais rapidez e maior 
eficácia na resolução das demandas que lhe são 
entregues para solução. 
É preciso, pois, empenho de todos para 
que a feliz Proposta do Conselho Nacional de 
Justiça, presidido pela Ministra Ellen Gracie, 
possa se concretizar e não seja esquecida 
como muitas igualmente importantes feitas 
no passado o foram. 
Vamos todos nós Juizes, Advogados, mem-bros 
do Ministério Público, Universidades e 
Faculdades de Direito, Associações e outras 
instituições que têm a nobre missão de contri-buir 
para tornar concreto o direito de acesso à 
justiça nos unir independentemente de nossas 
posições ideológicas, jurídicas e acadêmicas 
em torno dessa Proposta que tem tudo para 
se tornar exitosa. Porém, em boa medida a sua 
concretização depende do empenho de toda a 
sociedade e não apenas do Judiciário. 
Mãos à obra, pois! 
* Juiz do Trabalho Titular da 2ª Vara do Trabalho de Dourados 
– MS. Professor na UNIGRAN. Mestre em Direito (UNB). 
Doutorando em Direito Social (UCLM-Espanha). 
Francisco das C. Lima Filho* 
Declaração de inconstitucionalidade e coisa julgada 
O parágrafo 3° do artigo 6° da Lei de Introdução 
ao Código Civil defi ne “coisa julgada ou caso julgado” 
como “decisão judicial de que já não caiba mais recurso”. 
O Código de Processo Civil, por sua vez, em seu artigo 
467, denomina coisa julgada material “a efi cácia, que 
torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita 
a recurso ordinário ou extraordinário.”. 
A coisa julgada foi concebida como instrumento de 
estabilidade, a fi m de evitar a eternização dos confl itos 
judiciais. 
Porém, existem a revisão criminal, prevista no artigo 
621 do Código de Processo Penal e a ação rescisória 
cível, no artigo 485 do Código de Processo Civil, que, 
na contrapartida, permitem reexame de decisões com 
trânsito em julgado. 
Em nosso país, assentou-se na jurisprudência do 
Supremo Tribunal Federal possibilidade de proposição 
de ação rescisória, fora das hipóteses originariamente pre-vistas 
no art. 485 do Código de Processo Civil: destarte, 
o interessado a propõe tendo em vista anular a sentença 
transitada em julgado e proferida contra si, com base em 
norma declarada inconstitucional em decisão defi nitiva. 
O autor pode obter, na mesma ação, nova decisão com-patível 
com a pretensão denegada anteriormente. 
Neste espaço, examina-se apenas o caso de decisão 
proferida em ação, no controle de constitucionalidade 
dito abstrato e principal, que tem hoje por força da 
Emenda Constitucional 45, de 2004, e da Lei nacional 
9868, de 1999, efi cácia vinculante, contra todos. Estas 
decisões podem ser proferidas pelo Supremo Tribunal 
Federal e pelos Tribunais de Justiça dos Estados, dentro 
do sistema federativo brasileiro. 
A ação rescisória e a revisão criminal foram 
introduzidas para buscar compensar o mal 
causado pela aplicação fraudulenta da lei ou 
por decisão manifestamente injusta. Na ação 
rescisória, deve-se destacar, para os propósi-tos 
desse artigo, o inciso V, do referido artigo 
485 do Código de Processo Civil, que prevê 
a rescisão da sentença proferida “contra literal 
dispositivo de lei”. Na revisão, o inciso I, do 
aludido artigo 621, com o mesmo sentido. 
Conforme a jurisprudência do Supremo Tri-bunal, 
a expressão lei é apanhada em sentido 
amplo, abrangendo a norma constitucional. 
A expressão literal quer dizer, antes de tudo, 
violação frontal, direta, da interpretação dada 
ao texto normativo. 
Deve-se mencionar especialmente um problema 
ainda mais delicado: a disposição do artigo 495 do Código 
de Processo Civil, pelo qual se extingue em dois anos, 
contados do trânsito em julgado da decisão, o direito 
de propor a ação. No entanto, a Medida Provisória n° 
2180-35, de 24 de agosto de 2001, acrescentou parágrafo 
único ao artigo 741 do Código de Processo Civil, que 
trata dos embargos à execução fundada em sentença. 
Essa disposição reforçou a tese da doutrina mais am-pliativa, 
pela qual a impugnação do julgado baseado em 
norma inconstitucional pode ser oferecida fora do prazo 
de dois anos. Já se sustenta mesmo hoje na doutrina a 
impugnação em ação ordinária imprescritível, o que nos 
parece razoável, de vez que não está ao alcance do titular 
da ação rescisória o agir antes da declaração de inconstitu-cionalidade 
eventualmente decretada depois de dois anos. 
Importa mencionar, por fi m, ser inteiramente lógico, e 
até mais imperioso concluir que se possa, em qualquer 
tempo, rescindir também sentença criminal baseada em 
norma depois declarada inconstitucional. 
*Especialista em Ciência Política pela UFRGS. Mestre em 
Direito do Estado, pela PUC/RS. Créditos de Doutoramento 
em Direito já cumpridos na UFRGS. Advogado especialista 
em Direito Público. Membro do Instituto Brasileiro de Direito 
Constitucional, do Instituto Brasileiro dos Advogados e do 
Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul. Ex-Procurador- 
Geral substituto de Porto Alegre. Atual Professor Adjunto de 
Ciência Política, Introdução ao Direito e Direito Constitucional 
na PUCRS. Professor licenciado da UNISINOS. 
Marcus Vinícius Antunes* 
AP
Estado de Direito, novembro de 2006 9 
Os princípios constitucionais da legalidade e da isonomia, como inspiradores da compreensão de algumas recentes alterações do direito positivo 
A vinculação do processo civil à CF 
é fenômeno recente entre nós. Até 1988, 
poucos eram os trabalhos doutrinários que 
tratavam do processo civil a partir das normas 
fundantes previstas na CF. 
Todavia, esse quadro passou a se alterar a 
partir de 1988. Uma das tendências mais mar-cantes 
que se vêm manifestando nos últimos 
tempos é a de se privilegiar, na interpretação 
da norma processual, a perspectiva de visão 
que engloba o sistema como um todo, abran-gendo, 
portanto, a Constituição Federal. 
Assim, e por isso, é que se tem interpre-tado 
as normas processuais À LUZ DE PRIN-CÍPIOS 
DE ÍNDOLE MARCADAMENTE 
CONSTITUCIONAL. 
Um deles (e de extrema relevância) é o 
princípio da legalidade. 
Penso que este princípio tende, por 
mais surpreendente que possa parecer, a 
diminuir, e, em alguns casos, até a suprimir, 
a liberdade do juiz em decidir conforme a 
sua convicção. 
Portanto, à luz desta nova perspectiva, 
a regra do livre convencimento motivado 
fi ca mitigada. 
Explico os porquês. 
Sabe-se que há textos de lei que com-portam 
diversas interpretações, todas elas 
sustentáveis e, portanto, em tese, possíveis. 
Esta é uma das causas em virtude das quais 
há Jurisprudência confl itante: Tribunais que 
têm entendimentos diferentes a respeito de 
qual seja o sentido da lei. 
Ao que parece, todavia, o princípio da 
legalidade e o da isonomia, verdadeiros pi-lares 
da civilização moderna, levam a que se 
considerem desejáveis soluções que tendam 
a evitar que ocorram estas discrepâncias. É a 
necessidade de uniformizar a jurisprudência, 
a necessidade de se evitar que a situações 
idênticas se dêem soluções diferentes, com 
base no mesmo texto de lei. Um destes 
“métodos” é o da extensão ampla que se 
empresta à efi cácia da sentença e à respectiva 
coisa julgada nas ações coletivas lato sensu. 
Outro, a possibilidade de o Poder Legislativo 
suspender a efi cácia de determinado texto 
legal, tido como inconstitucional apenas 
incidenter tantum. Pode-se, ainda, pensar no 
recurso especial, no recurso extraordinário, 
nos embargos de divergência e na uniformi-zação 
da jurisprudência. 
Estabelece o art. 5º, II, da CF: “Ninguém 
será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma 
coisa senão em virtude de lei”. Trata-se da for-mulação, 
adotada pelo legislador constituinte 
brasileiro, para o princípio da legalidade. 
O princípio da isonomia se encontra 
no caput do mesmo art. 5º, acima citado, e 
está nos seguintes termos formulado: “Todos 
são iguais perante a lei, sem distinção de 
qualquer natureza, garantindo-se aos brasi-leiros 
e aos estrangeiros residentes no País a 
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, 
à igualdade, à segurança e à propriedade, nos 
termos seguintes (...)”. 
Elencamos, propositadamente, os 
princípios da legalidade e da isonomia nesta 
ordem. 
O princípio da legalidade só restará 
realmente respeitado, se situações idênticas 
forem, em conformidade com o princípio da 
isonomia, decididas de idênticas maneiras 
pelos juizes e Tribunais brasileiros. 
O fato de o sistema “tolerar” decisões 
diferentes acerca de situações absolutamente 
idênticas não signifi ca que este fenômeno seja 
desejável! É apenas fruto da talvez impossibi-lidade 
de que um sistema seja inteiramente 
aparelhado para evitar que isto ocorra. 
Sempre nos pareceu desejável, para os 
fi ns de se gerar dose mais elevada de previsi-bilidade, 
que se prestigie a tendência de que 
certo texto de lei venha a comportar um só 
entendimento, que se considere correto. 
O princípio da isonomia signifi ca, grosso 
modo, que todos são iguais perante a lei: logo, 
a lei deve a todos tratar de modo uniforme 
e assim também (sob pena de esvaziar-se 
o princípio) devem fazer os tribunais, res-peitando 
o entendimento tido por correto 
e decidindo de forma idêntica casos iguais, 
num mesmo momento histórico. 
Evidentemente, não se pode deixar de 
reconhecer, por exemplo, que a sobrevivência 
de decisões que dêem aos pensionistas e aos 
aposentados da Previdência Social a diferença 
de 147%, e outras que não reconheçam este 
direito a pessoas que estão exata e precisamen-te 
na mesma situação, não é “sadio”, porque 
esbarra e arranha inevitavelmente ambos os 
princípios mencionados. 
Esta é a tendência dos povos civili-zados: 
criar regras a que todos estejam 
submetidos. 
Esta tendência se manifesta tanto pela 
necessidade de se obedecerem aos precedentes, 
quanto pela necessidade de se obedecer à lei. O 
que há de relevante é o resultado, consistente 
em que toda a comunidade esteja submetida 
a uma mesma pauta de conduta, sendo as 
diferenças de tratamento racionalmente justifi - 
cáveis, para que se instale, no plano social, dose 
desejável de segurança e previsibilidade. 
Por isso, e nesse contexto, nasceu a 
súmula vinculante. 
Tal súmula vinculará os demais órgãos 
do Poder Judiciário e a Administração Pú-blica, 
direta e indireta, municipal, estadual e 
federal (art. 103-A, caput). Ou seja, todos os 
demais juízes e tribunais terão de adotar o 
entendimento previsto na súmula nos casos 
concretos que decidirem – nos exatos limites 
em vista dos quais a súmula foi editada. E os 
agentes da Administração também terão o 
dever de adotar tal orientação em situações 
concretas com que se deparem. Quando a 
Administração ou o Judiciário desrespeitar 
súmula vinculante, caberá reclamação para 
o STF (art. 102, I, l, e art. 103-A, § 3.º). Já o 
Poder Legislativo, no exercício de sua função 
normativa, não fi ca vinculado à súmula. Po-derá, 
aliás, editar lei em sentido oposto ao da 
súmula (art. 103-A, § 2º, parte inicial). 
Confi rmando a distinção entre a fi gura 
geral da súmula e a súmula vinculante, a 
Emenda Constitucional n. 45 prevê ainda 
que as súmulas já existentes do STF “somente 
produzirão efeito vinculante após sua confi rma-ção 
por dois terços de seus integrantes” (EC n. 
45/2004, art. 8.º). 
Por isso é que temos insistido em que 
o art 285 A deve necessariamente ser com-preendido 
neste contexto de uniformização 
da interpretação das leis, em matéria de 
direito de acordo com o que predomina no 
sistema, principalmente na jurisprudência 
dos Tribunais Superiores. 
O juiz deve repetir sua sentença, em caso 
idêntico que seja posteriormente submetido à 
sua apreciação, se, e somente se, esta estiver de 
acordo com súmulas dos Tribunais Superiores, 
com a jurisprudência dominante destes Tribu-nais 
ou do Tribunal para onde vai o recurso 
que virá a ser interposto de sua sentença, ou 
com súmula deste mesmo tribunal. 
O nosso sistema, conforme doutrina tra-dicional, 
não admite que o juiz decida senão 
com base, fundamentalmente, na lei. Orienta 
a atividade decisória do juiz o princípio do 
livre convencimento motivado: há liberdade 
para analisar as provas, formar a convicção e 
decidir, com base na interpretação da lei que 
se entenda correta. O juiz tem, como regra, 
portanto, no sistema brasileiro, segundo a 
opinião que predomina, a possibilidade de 
optar pela interpretação da lei que lhe pareça 
a mais acertada. Mas não decidindo com base 
num dispositivo cuja função é simplifi car e 
“massifi car” o julgamento de processos re-petitivos, 
pois que esta uniformização COM 
CERTEZA não haverá de ser feita no sistema 
com base na opinião dele, juiz! 
Não se trata, a toda evidência, de 
dispositivo cuja função e razão de ser seja 
a de criar a jurisprudência da 1ª vara cível, 
diferente da jurisprudência da 2ª vara cível! 
Carece quer de sentido, quer de utilidade, 
entender-se que o legislador teria criado uma 
regra cuja fi nalidade seria a de uniformizar 
a jurisprudência do próprio juízo (ou pior, 
do juiz!), mesmo que contrária à tendência 
manifesta em órgãos superiores. 
A falta de contraditório, como comen-tamos 
antes, é outro defeito grave de que se 
ressente esta regra. 
Esta tendência de uniformização da 
jurisprudência, que consideramos louvável, 
há de ser feita, todavia, com respeito ao 
sistema. 
Vimos, assim, acima, que o art. 285 
A não pode servir para criar UNIFORMI-DADE 
das decisões de certo juiz, nem de 
certo juízo. 
Por outro lado, como também se ob-servou, 
só pode haver súmulas vinculantes 
do STF. Há quem diga até (opinião da qual 
não comungamos) que há necessidade de lei 
ordinária, disciplinando o assunto, para que 
as súmulas vinculantes sejam editadas. 
Veja-se, todavia, que o novo art. 518, A 
estabelece a regra no sentido de que o recurso 
de apelação não será recebido quando a 
decisão estiver de acordo com a súmula do 
STF e do STJ. 
Trata-se de um dispositivo de lei ordiná-ria 
que torna vinculantes todas as súmulas do 
STF e do STJ? 
Claro que não. Este entendimento não 
pode ser considerado como sendo o correto, 
já que torna dispositivo irremediavelmente 
inconstitucional. 
Parece-nos que, para considerar-se 
constitucional o mecanismo criado, deve-se 
necessariamente admitir que a parte pode, 
no agravo, alegar que a súmula em que se 
baseou a sentença está errada. Além de, é 
claro, poder alegar que a sentença não está 
de acordo com a súmula; que a súmula não 
foi editada para aquela situação etc. Mas pode 
discutir o erro ou o acerto da tese jurídica 
adotada na súmula, já que estas não são, até 
o presente momento, vinculantes. 
Outro há de ser o raciocínio quando se 
tratar de súmula vinculante do STF. 
*Mestre em Direito pela PUC/SP, Doutora em Direito 
pela PUC/SP, livre docente em Direito pela PUC/SP, 
professora dos cursos de graduação, especialização, 
mestrado e doutorado da PUC/SP, membro do 
Instituto Brasileiro de Direito Processual, membro 
do Instituto Ibero Americano de Direito Processual, 
membro da Academia de Letras Jurídicas do Paraná 
e São Paulo, membro do Instituto dos Advogados do 
Paraná e membro do Instituto Brasileiro de Direito 
de Família. 
Para 
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Constituição Federal e CPC 
Teresa Arruda Alvim Wambier* 
AP
10 Estado de Direito, novembro de 2006 
O lobo e o cordeiro 
Vou começar falando de uma fábula, a fábula 
do lobo e do cordeiro. Acredito que todos nós a 
conhecemos. Vocês sabem que o lobo está no alto 
do rochedo e o cordeiro está embaixo. O lobo quer 
comer o cordeiro e antes fala: 
– Você está sujando a minha água. 
– Não é possível porque eu estou embaixo, diz 
o cordeiro. 
Então o lobo fala: 
– Eu quero te comer, porque, seis meses atrás, 
você falou mal de mim. 
E o cordeiro responde: 
– Mas seis meses atrás eu ainda não tinha 
nascido! 
Então o lobo diz: 
– Se não foi você que falou mal de mim, talvez 
tenha sido teu pai ou teu irmão. 
Assim o lobo arruma um pretexto para comê-lo. 
Essa é uma fábula que vêm da antiga Grécia e 
que já foi contada várias vezes. 
Qual é a moral que foi extraída dessa fábula? 
A moral é que Fedro, um autor de latim de dois 
mil anos atrás, contou essa fábula e conclui com 
estas palavras: “Essa fábula foi escrita para aqueles 
homens que oprimem os inocentes com falsos 
argumentos”. 
Aproximadamente quase dois mil anos depois 
um poeta francês, Lafontaine, conta a mesma fábula 
com a seguinte moral, que é similar: “a razão mais 
forte é sempre a melhor”. 
Tenho, porém, uma dúvida. Poderíamos encon-trar 
uma outra moral nessa fábula. A dúvida que 
me veio é está: um verdadeiro lobo teria comido o 
cordeiro sem dizer nada. Não teria dado razões para 
comer o cordeiro. 
Então o problema é este: porque o lobo deve 
procurar motivos? Poderia comer o cordeiro sem 
dizer nada. Eu me perguntei o porquê? 
Uma razão poderia ser para convencer o cor-deiro, 
mas é difícil ter que ser convencido para ser 
devorado. Segundo motivo poderia ser pela sua 
consciência. 
Todos nós inventamos várias histórias para 
nós mesmos por via da nossa consciência. Para 
justifi carmos perante a nossa própria consciência. 
Mas certamente as justifi cativas são muito fracas, 
ainda que seja para uma consciência frágil como 
aquela do lobo. 
Então, eu pensei: qual é o motivo verdadeiro 
para que o lobo apresente razões? É que envolta têm 
muitos animais, tem cervos, gazelas, passarinhos e 
tantos outros, e o lobo tem necessidade de justifi car 
suas razões perante um público. 
Naturalmente as razões são frágeis e não são 
muito fundadas, e no fi nal ele acaba comendo o 
cordeiro. Mas o fato que ele tenha dado razões 
permite ao público de julgá-lo. Tanto é verdade que 
ainda agora, dois mil anos depois, continuamos a 
julgar o lobo como um usurpador, alguém que 
oprime os inocentes. 
Então a moral alternativa que podemos dar 
a essa fábula antiga poderia ser essa: “também os 
potentes têm às vezes necessidade de justifi car as 
suas ações”. Isso é importante, pois vocês sabem 
que o poder no sentido forte é aquele poder que não 
deve se justifi car, que não deve explicar o porquê 
cumpre certa ação. 
A partir do momento que é forçado perante 
o público de justifi car a sua ação é já, de alguma 
maneira, uma pequena perda de poder. 
As justificativas contam? 
Assim, o problema fundamental se torna: as 
justifi cativas contam ou são somente um pretexto? 
Nós podemos dividir o pensamento fi losófi co 
ou político em duas linhas fundamentais, que agora 
eu trato de maneira muito superfi cial: aqueles que 
pensam que as justifi cações são um pretexto - como 
pensava Fedro e Lafontaine - e aqueles que pensam 
que, de um modo ou de outro, que as palavras 
contam. 
Na primeira linha de pensamento estão aqueles 
que pensam que contam são os interesses e não as 
palavras; que as palavras são um puro revestimento 
falso, não essencial do interesse, como falsos eram 
os argumentos do lobo. 
Colocamos nessa lista, Fedro, e poderíamos 
A Democracia Deliberativa 
também colocar Lafontaine e Karl Marx, que pensam 
que a ideologia é um refl exo falso, aquilo que conta 
são os interesses e não as palavras. 
Poderíamos colocar no front político oposto, os 
teóricos do Public Choice, a teorias dos jogos. Ou 
seja, se falamos das explicações do comportamento 
humano, nos quais, se nós conhecermos os interesses 
das pessoas, podemos prever exatamente o com-portamento 
deles. Em outras palavras, os interesses 
materiais predizem exatamente o comportamento 
das pessoas. 
A segunda linha de pensamento toma seriamente 
as razões. É como dizer: as palavras contam, os 
argumentos contam. Naturalmente, esses que sus-tentam 
essa posição não pensam que os interesses 
não contam, porém as palavras podem de qualquer 
modo modifi cá-los, ou seja, os argumentos usados 
são importantes. 
Eu coloco nesse fi lão o pensador contemporâneo 
que exprime melhor essa segunda linha de pensamen-to 
e o fi lósofo alemão, Jürgen Habermas. 
Há dois estudiosos de políticas públicas ame-ricanos 
que escreveram o “Retorno Argumentativo 
no Estudo das Políticas Públicas”. Agora não posso 
entrar no mérito, mas podemos colocar no fi nal as 
teorias que surgiram nos últimos quinze anos sobre 
a democracia deliberativa. 
Se nós tomarmos seriamente os argumentos que 
são colocados pelos atores sociais, aquilo que conta é 
a troca de razões, a discussão, que nós podemos ima-ginar 
numa situação na qual as decisões são tomadas 
através da discussão baseada sobre os argumentos, 
e através do alcance de uma posição comum entre 
os participantes. Digamos que seria uma situação 
em que também o cordeiro fala e todos falam para 
encontrar uma posição comum. 
Democracias majoritárias, 
consensuais e deliberativas 
Se vocês olharem esses três modos de tomar 
decisões públicas, podemos dizer que temos três 
tipos diferentes de democracia - obviamente e abs-tratamente, 
tipos ideais de democracia -, conforme o 
método de decisão prevalente, seja um ou outro. 
Então, nós podemos ter três tipos de democra-cia: 
uma baseada sobre o voto, outra baseada sobre 
a negociação e uma baseada sob a deliberação. 
Colocamos em confronto esses dois: voto e ne-gociação. 
No voto vence a maioria. Já na negociação 
é necessário um acordo, uma unanimidade. Por 
isso são dois modos diferentes, no qual o primeiro 
podemos chamar de democracia majoritária, que são 
aquelas democracias nas quais quem vence a eleição, 
governa; tem maioria no parlamento e faz passar 
aquilo que quer. O modelo clássico de democracia 
majoritária é a Inglaterra, mas existem também 
muitas outras. Todas as democracias são um tipo 
ideal, mas estou pegando uma ou outra. 
Porém, podemos ter democracias baseadas pre-valentemente 
sobre a negociação. Segundo o termo 
usado por um cientista político holandês (Lejiphart), 
nós podemos chamar de democracia consensual 
quando as decisões fundamentais, as políticas mais 
importantes, são concordadas e negociadas entre 
todos os principais grupos nos quais se compõem 
as sociedades. Não tem uma maioria que governa 
contra uma oposição, mas sim uma negociação 
continua entre os diversos grupos sociais. 
O caso mais típico de democracia consensual 
é a Suíça e a Holanda. São países que possuem 
grupos étnicos e religiosos diferentes - por exemplo 
católicos e protestantes -, portanto, democracias 
que só podem funcionar se têm uma contínua ne-gociação 
entre os grupos, e não tem uma maioria 
que prevalece sob a minoria, por que acabaria em 
um confronto intolerável. 
Essas duas modalidades são muito diferentes, 
quase opostas, mas têm em comum um ponto: a 
preferência dos participantes são dadas, ou seja, seja 
votando ou negociando, cada um dos participantes 
– grupo político, individualmente etc - entra na 
arena política com as suas posições, preferências 
etc, e não lhes altera durante o processo. 
No caso do voto, pode vencer ou perder, 
dependendo se é maioria ou minoria. No caso da 
negociação, encontrará um compromisso, mas não 
deve alterar o seu ponto de vista. 
Contra essas duas modalidades, vem a terceira, a 
idéia na qual a deliberação é entendida como discus-são 
e troca de argumentos onde as preferências dos 
Luigi Bobbio* 
Especial: Em busca de um sistema ideal 
O projeto, “Debatendo Políticas Públicas com Luigi Bobbio”, realizado pelo do 
Laboratório de Políticas Públicas e Sociais - LAPPUS (www.lappus.org.br) , Escola 
Superior do Ministério Público da União, Escola Superior da Magistrtura do 
Rio Grande do Sul, Fundação Escola Superior do Ministério Público Estadual 
e Faculdade Meridional, trouxe a Porto Alegre o renomado professor de 
ciência política, Luigi Bobbio. Leia, a seguir, sua palestra sobre a democracia, 
os processos de tomada de decisão, e a necessidade de fazer representarem-se 
todas as porções da sociedade. 
CARMELA GRÜNE
Estado de Direito, novembro de 2006 11 
atores podem ser alteradas – ainda que parcialmente 
– e ver o problema de um modo novo, compreender 
melhor a razão dos outros e também ter informações 
novas que antes não tinham, ou seja, modifi car as 
próprias posições. Uma democracia que fosse ba-seada 
sob esse método, poderíamos defi ni-la como 
democracia deliberativa. 
Enquanto as duas primeiras democracias (majo-ritária 
e consensual) são reais, a democracia delibe-rativa 
é largamente um ideal. Mas, na realidade, há 
muitos casos que se acorre algo de muito similar. 
Para que se possa falar de democracia delibera-tiva, 
é necessário duas condições: pode-se dizer que 
a democracia deliberativa é um processo de decisão 
1) conduzido sob a base de argumentos imparciais 
fundados sob o bem comum, e esse é o aspecto 
deliberativo como já falamos. 
E por democrática - porque pode haver uma 
deliberação não democrática - os fi lósofos dizem 
que 2) devam participar em condições de paridade, 
todos aqueles que são afetados pela própria decisão. 
Ou seja, o ideal deliberativo democrático é a inclu-são 
de todos aqueles que são afetados. 
O voto, a negociação e a 
argumentação 
Dito isso, nós podemos imaginar três modos 
diferentes da tomada de decisão coletiva, três modos 
fundamentais. 
O primeiro e muito comum é o voto. Eu aqui falo 
do voto não para eleger deputado, mas o voto no qual 
se decidem questões, por exemplo, no parlamento, 
ou num referendo. 
Nós podemos defi nir o voto como um processo 
agregativo. Agregativo porque se conta. Existem 
preferências que depois nós contamos e ganha quem 
tem mais. 
O segundo modo é a negociação. Se existe um 
confl ito, ao invés de votar, e é possível chegar a um 
acordo, encontrar um compromisso entre as diversas 
posições. Esses dois modos são bastante óbvios: ou 
vota-se ou negocia-se. 
Mas o terceiro modo, que seria aquele delibera-tivo, 
é aquele da argumentação ou da deliberação. 
Ou seja, um processo através do qual as preferências 
dos participantes se modifi cam através do uso de 
argumentos de um lado e de outro. Argumentos que 
dizem respeito ao bem comum, todos argumentam o 
que é melhor para o conjunto. 
A palavra deliberação, em italiano, e acredito 
que também em português, é ambígua. Também em 
francês e em todas as línguas latinas. Normalmente 
usamos a palavra deliberação como um modo de to-mar 
uma decisão formalmente em uma assembléia ou 
em um conselho. Uma assembléia deliberou, signifi ca 
que tomou uma decisão. 
Nós usamos a palavra deliberação em um sentido 
inglês, que quer dizer ponderar os prós e os contras de 
uma questão, por isso fi quem atentos que quando 
falamos democracia deliberativa, podemos dizer de-mocracia 
baseada na discussão, ou então democracia 
dialógica, baseada sob o diálogo. 
Atualmente, como todos falam de democracia 
deliberativa, todos usam essa expressão, é importante 
fi car atento que, quando falamos de democracia 
deliberativa, estamos falando da democracia baseada 
sobre os argumentos. 
Três modos para realizar a inclusão 
A inclusão de todos é muito difícil de realizar. 
As pessoas afetadas pela decisão podem ser milhares, 
centenas de milhares, milhões. Como é possível 
envolver todos? E como é possível organizar a 
discussão de tantas pessoas? 
O ideal da inclusão completa é provavelmente 
inalcançável, mas existe, ao menos, três modos para 
aproximar-se deste ideal. 
O primeiro modo consiste no “manter a porta 
aberta”. Diria que o Orçamento Participativo de Por-to 
Alegre é desse tipo. Existem assembléias regionais 
onde todos podem entrar, o que é importante, pois 
nas decisões das nossas democracias, habitualmente, 
as portas são fechadas e nem todos podem entrar. 
O segundo modo de realizar a inclusão é 
colocar não todas as pessoas juntas, mas todos os 
pontos de vista. Nós podemos, diante do problema 
dos organismos geneticamente modifi cados, abrir 
uma discussão convidando os representantes das 
multinacionais de sementes, os agricultores, os 
consumidores etc., e abrir um confronto público. 
Então, não se tenta incluir todas as pessoas, 
mas sim todos os possíveis pontos de vista, e abrir 
um diálogo. Existem muitas experiências deste tipo, 
sobretudo no campo ambiental. O interessante é 
fazer discutir juntos os interesses dos que poluem 
e daqueles que sofrem os efeitos da poluição para 
entender se existe vias alternativas, e então transfor-mar 
as preferências dos pontos de vista. 
Existe uma terceira via para inclusão: colocar ao 
redor de uma mesa uma amostra casual de cidadãos. 
Sorteamos um certo número de cidadãos e os colo-camos 
a discutir sobre um certo tema; lhes damos as 
informações necessárias, os fazemos escutar diversos 
pontos de vista, e depois eles discutirão e tomarão 
uma decisão, se conseguirem. 
O método de sorteio é um chamamento à de-mocracia 
ateniense, e existem muitos experimentos 
desse tipo. Por exemplo, o júri dos cidadãos, no 
molde do júri dos tribunais, só que obviamente não 
devem julgar uma pessoa, mas se pronunciar sobre 
um problema. Existem muitas experiências desse 
tipo e, na minha opinião, são muito interessantes, já 
fi zemos em Turim e faremos outra no outono. 
Obviamente que essas três vias têm pontos fracos. 
A primeira tem o risco de que, se nós mantermos a 
porta aberta, se auto-excluem os mais fracos. Há o 
perigo que os grupos mais organizados tenham um 
peso muito forte, por exemplo, organizando o envio 
dos cidadãos; há o risco da participação ser baixa, 
ou seja, abre-se a porta e não entra ninguém. E tem o 
risco de desigualdade entre os participantes. Daquilo 
que eu sei, esses riscos não foram muito fortes no 
Orçamento Participativo de Porto Alegre, mas sobre 
isso vocês poderão me dizer. Porém, nas réplicas do 
Orçamento Participativo que foram feitas na Europa, 
quase todos esses problemas apareceram. 
A segunda via tem um outro problema: quem 
decidir, quem excluir e quem incluir? É muito 
delicado, naturalmente. Existem pontos de vista 
que não são representáveis – na questão ambiental 
os pontos de vista das gerações futuras – e é um 
problema sério porque todos que vivemos neste 
momento somos inimigos das gerações futuras e 
podemos entrar num acordo para descarregar tudo 
sobre eles. É exatamente o já estamos fazendo. O 
problema é que não podemos colocar todos os 
pontos de vista, então como vamos resolver isso? 
Existem os pontos de vista também que não querem 
ser representados, e preferem legitimamente manter 
um ponto de vista antagonista; não tem vontade de 
discutir com os adversários, mas de combatê-los. 
Isso é legitimo, obviamente, porém não funciona 
na democracia deliberativa. 
No último caso, aquele da amostra casual, o 
problema é que, se nós sorteamos cidadãos ao acaso, 
é difícil que estejam representados aqueles cidadãos 
que têm as preferências mais fortes, que sentem mais 
de perto o problema. Teremos cidadãos médios, e 
são experiências que têm uma duração limitada, pois 
não podemos manter os cidadãos por vários anos. 
São experiências que duram dois ou três dias e, por 
isso, do ponto de vista da consciência política, fun-ciona 
pouco, porque se reúnem e depois se dissol-vem, 
por isso, há um escasso crescimento coletivo, 
não faz crescer muito a participação coletiva. 
Nenhuma das três vias é isenta de inconvenien-tes. 
Mas, utilizando de vez em quando todas as três 
(como já se faz em muitas experiências), é possível 
aproximar-se, ao menos um pouco, do ideal da 
democracia deliberativa. 
Direito e 
Sociedade 
Aprender 
O professor entra na sala de aula e 
cumprimenta, timidamente, seus alunos. Vai 
até a cadeira, no alto do tablado, e começa a 
fazer a chamada. Nome por nome, o professor 
vai colhendo a presença e assinalando um 
ponto com a caneta no quadradinho respectivo 
do caderno de chamada. Terminada a tarefa 
inicial, depois que alguns deixam a sala já 
antes do início da aula, o professor retoma o 
conteúdo a partir da aula anterior, quando 
a turma aprendera conceitos importantes, 
retirados de autores renomados. Ao longo do 
período, o professor será um incansável na 
construção dos conceitos, na ordenação do 
conteúdo, na programação mental dos alunos, 
que deverão estar preparados, ao cabo de tudo, 
para as intrigantes perguntas da prova. 
Essa tem sido a rotina do magistério nas 
faculdades de direito do País há muitos anos. 
Professores apáticos, alunos passivos, conteúdo 
passado por meio de manuais ou resumos sem 
qualquer profundidade, enfi m, um quadro 
verdadeiramente preocupante. Os professores, 
cada vez mais ocupados em ensinar a matéria; 
os alunos, muitos deles, ocupados em 
apreender o conteúdo passado em aula. 
Não sou especialista em educação e não 
tenho o objetivo de criar teses a respeito do 
ensino jurídico. Percebo, no entanto, que há 
enorme diferença entre apreender (com dois ês) e 
aprender (com um e). 
A apreensão do conteúdo passado em 
aula parece ser a grande busca de alunos 
interessados, guiados por professores 
altamente preocupados com o programa da 
disciplina e todos os seus desdobramentos. 
Um quadro cheio de matéria, muitos 
esquemas desenhados, cadernos cheios de 
conceitos, muitas teorias, muitas correntes. 
O produto desta verdadeira gincana jurídica 
ou o resultado deste “conteudismo” será a 
constatação de que o aluno que sabe é aquele 
que tem a posse do conteúdo, no sentido 
tangível. A coisifi cação do conteúdo das 
disciplinas transforma o saber em um produto, 
em algo que se pode tocar, que se pode ter. Os 
professores, neste contexto, são apreciados pela 
grande quantidade de saber armazenado. 
Aprender, com apenas um e, deve 
ser algo diferente. Para saber, o sujeito do 
aprendizado deve estar aberto para o novo, 
tendo em mente que o conhecimento é fonte 
de angústia, de inquietação, de transformação, 
de vida. Quem aprende, não aprisiona 
o conhecimento nos estreitos limites do 
caderno, mas liberta o espírito para a busca de 
um novo sentido, de uma nova gramática, de 
uma nova forma de ver o velho. 
Professores que trocam experiências, que 
motivam a crítica, que estimulam a atividade, 
que não se elevam perante os alunos, como seres 
privilegiados detentores de grande quantidade 
de conhecimento. Alunos responsáveis pela 
construção do próprio conhecimento, sujeitos 
ativos do aprendizado, conscientes do seu papel 
no mundo e, principalmente, dotados de um 
indomável espírito crítico, capaz de revolucionar 
tudo o que está posto, fazendo fl orescer o novo, 
o inédito, o diferente. 
Eis o desafi o: aprender. 
Jader Marques 
Luigi Bobbio nasceu em Turim (Itália), em 
1944, e formou-se em direito dissertando no 
campo da sociologia sobre a organização do 
trabalho na FIAT. Participou ativamente nas 
organizações políticas da esquerda universitária e 
depois, em 1968, do movimento estudantil. 
Nos anos sucessivos se tornou militante 
político, praticamente com dedicação integral 
na organização Luta Continua. No final daquele 
episódio político, em 1979, escreveu o livro, 
Luta Continua. História de uma Organização 
Revolucionária. 
Em 1975, obteve a cátedra de Direito 
e Economia em escolas de ensino superior 
ministrando a disciplina durante os quinze anos 
sucessivos. 
Em 1984, decidiu retomar os estudos 
sociológicos, e a sua tese de doutorado foi 
concluída, em 1987, com o título A Intervenção 
sobre o Patrimônio Cultural entre Estado e 
Região. Análise de uma Política Pública, 
conduzida através do estudo empírico dos 
processos de decisão relativos a algumas 
intervenções de restauração no Piemonte. 
No campo das políticas territoriais conduziu 
diversos estudos sobre processos de decisão 
relativos a grandes projetos de transformação 
urbana, assim como sobre as políticas dos bens 
culturais e políticas ambientais. 
Seguindo a estrada do seu pai, Norberto 
Bobbio, Luigi é atualmente professor da 
Faculdade de Ciência Política da Universidade 
de Turim, presidente do Mestrado em Análise 
de Políticas Públicas (MAPP) e Diretor do 
Laboratório de Políticas (LaPo). 
Extraído do livro La democrazia non abita a 
gordio, de Luigi Bobbio.
ESTADO DE DIREITO - 6 EDIÇÃO

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ESTADO DE DIREITO - 6 EDIÇÃO

  • 1. Estado de Direito PORTO ALEGRE, NOVEMBRO DE 2006 • ANO I • N° 6 Um ano levando a todos a Cultura Jurídica! Impulsionados pela vontade de criar um instrumento de comunicação direcionado ao desenvolvimento do ensino jurídico, iniciou, em novembro de 2005, o Jornal Estado de Direito na busca pela disseminação da Cultura Jurídica, com a transmissão de valores sociais e a promoção da cidadania, ancorada na educação jurídica e no Direito Fundamental da Pessoa Humana. A partir de experiências européias tanto de entidades públicas quanto privadas, o Estado de Direito assumiu o compromisso de divulgar o ensino jurídico na nossa sociedade utilizando a tecnologia da informação. Nessa expectativa, busca promover o conhecimento A Democracia Deliberativa O Estado de Direito apresenta a palestra proferida, em 07/06/06, na UFRGS pelo Professor Luigi Bobbio da Universidade de Torino. Entitulada de “A Democracia Deliberativa”, Bobbio lança um olhar sobre a democracia enquanto procura um caminho ideal que garanta a representatividade nos processos de tomada de decisão dos sistemas atuais. Página 10 SAMARA VÍDEO jurídico com uma proposta a mobilizar a sociedade refl etir sobre temas contemporâneos que estão presentes no dia a dia do cidadão. E nesta edição especial de aniversário, trazemos, dentre algumas novidades, a participação de professores estrangeiros: a palestra do professor italiano, Luigi Bobbio, da Universidade de Torino, quem nos convida a refl etir em busca de uma sociedade mais igualitária e democrática; e a entrevista especial concedida pelo professor português, António Pinto Monteiro, de Coimbra, apresentando seu pensamento sobre a cláusula penal na tradição do Direito Português; com a integração de diferentes culturas jurídicas. Direito das Obrigações Em entrevista exclusiva ao Estado de Direito, o Prof. Dr. António Pinto Monteiro tece seus comentários a respeito da Cláusula Penal nos ordenamentos jurídicos português e brasileiro, abordando também algumas diferenças do Direito nesses dois países. Uma visão sobre Súmula Vinculante A Prof.ª Dr.ª Teresa Arruda Alvim Wambier comenta a vinculação de decisões judiciais à luz da Constituição Federal e do Código de Processo Civil, sugerindo uma análise sobre a garantia de princípios fundamentais e da evolução social e jurídica no país. Página 9 Página 3 Processo Penal:Prazo Razoável O Prof. Dr. Aury Lopes Junior comenta o prazo razoável no processo penal, alertando para a importância de uma normatização que vincule o seu cumprimento e a necessidade de superar estigmas como o da falta de recursos materiais e pessoais. Página 4 Processo Civil: Coisa Julgada Marcus Vinícius Antunes propõe uma refl exão sobre os institutos de revisão e rescisão de decisões transitadas em julgado. Página 8 Movimento de Conciliação Nacional Prof. Francisco Lima Filho, Juiz titular da 2ª Vara do Trabalho de Dourados (MS) e doutorando em Direito Social na Espanha, comenta a defl agração do Movimento de Conciliação Nacional pelo Conselho Nacional de Justiça, que busca conscientizar a população para outros meios de acesso à solução de confl itos e o aperfeiçoamento da prestação Jurisdicional. Página 8 Refl exões sobre Direito e Advocacia O Prof. Sílvio de Salvo Venosa, em seu texto, aborda a situação atual do bacharelado em Direito e dá destaque às situações e questionamentos que a classe encontra quando se propõe a pensar sobre o que, de fato, pode ser feito pelo bem público por meio do Direito. Página 7 Edição especial de aniversário! Agora você ouve o Estado de Direito na 630 AM Rádio Santamariense todas as sextas-feiras, 7h30min!
  • 2. 2 Estado de Direito, novembro de 2006 O Estado de Direito almeja contribuir para uma sociedade em que o conhecimento e a informação são valores culturais, sociais e econô-micos fundamentais para o desenvolvimento de toda a sociedade e, para isso, estamos ampliando os nossos meios de comunicação. A partir deste mês, além do jornal impresso e eletrônico, iniciamos o programa de rádio, Estado de Direito, na Rádio Santamariense – AM, 630 Khz, da cidade de Santa Maria/RS, alcançando mais de 30 municípios do Rio Grande do Sul, que estarão ouvindo Carmela Grüne e convidados, todas as sextas-feiras, às 7h30min, com muito bom humor, descontração e responsabilidade. Podemos dizer que será uma forma desengravatada de aprender Direito, numa linguagem simples, analisando os principais fatos do mundo jurídico, bem como esclarecendo e tirando dúvidas dos nossos ouvintes. Agradecemos a todos professores e colaboradores que contribuíram para, em suas precisas lições, disseminar a Cultura Jurídica na nossa sociedade, transmitindo, nesse um ano de vida do Jornal Estado de Direito, seus conhecimentos. E muito nos apraz a consciência por parte dos patrocinadores que apóiam e acreditam na importância do desenvolvimento da Cultura Jurídica, o que muito nos orgulha nesta iniciativa por fazerem parte da construção deste veículo e possibilitarem o aumento da tiragem, neste aniversário, para 15 mil exemplares. E a vocês, nossos ilustres leitores, que incansavelmente buscam o conhe-cimento e a qualidade de ensino, igualmente saudamos! Em nome de toda a equipe do Jornal Estado de Direito, muito obrigada! Carmela Grüne Paulo Vilanova Charge Estado de Direito Alguns Estranhamentos Atuais Porto Alegre - RS - Brasil Rua Conselheiro Xavier da Costa, 3004 CEP: 91760-030 – fone: (51) 3246.0242 e 3246.3477 e-mail: contato@estadodedireito.com.br internet: www.estadodedireito.com.br Direção: Carmela Grüne carmela@estadodedireito.com.br | (51) 9985.7340 Jornalista Responsável: Angelo Müller - MTB 11.453 Colaboradores: Bayard Fos, Carlos Bailon, Diego Moreira Alves, Filipe Tisbierek, Gustavo André Gradaschi Van Helden, Ricardo Amadesi Costa, Juliano Araujo dos Santos, Renata Becher, Marcelo Ruivo, Ticiano Ferreira Marins, Fotos: Samara Vídeo Porto Alegre Charge: Vilanova Projeto Gráfi co, Diagramação e Produção Gráfi ca: Luciano Gazineu | (51) 9952.3177 Impressão: Zero Hora Tiragem: 15.000 exemplares Assinatura: assinatura@estadodedireito.com.br Atendimento ao Assinante: (51) 3246.3477 Para Assinar: (51) 3246.0242 Assinatura: assinatura@estadodedireito.com.br Redação: redacao@estadodedireito.com.br Anuncios: teleanuncios (51) 3246.3477 comercial@estadodedireito.com.br Pontos de distribuição: (51) 3246.0242 Livraria Saraiva Shopping Praia de Belas - Porto Alegre Demais regiões contatar (51) 3246.3477 *Os artigos publicados nesse jornal são responsabilidade dos autores e não refl etem necessariamente a opinião do Jornal Augusto Jobim do Amaral* O justiceiro que adormece em cada ímpeto ordenador, inelutavelmente, não hesita em recorrer à coerção ao menor sinal de fadiga do modelo. Para além das amizades ou inimizades, existem os estranhos. E são sempre os amigos que classifi cam e defi nem quem são seus violadores. Nasce, pois, uma narrativa de dominação baseado no direito arbitrário de defi nir. Ele torna-se mais perigoso que o inimigo, pois é indefi nível e insolúvel nas categorias binárias de hoje. Os indefi níveis são todos ‘nem uma coisa nem outra’, o que equivale a dizer que eles militam contra ‘uma coisa ou outra’. Não se considera o estranho no senso comum do termo, como alguém que chega hoje e vai embora amanhã – como um turista – but rather as the man who comes today and stays tomorrow. Este alguém que está perto e longe ao mesmo tempo representa incontáveis perigos, pois inclassifi cável no princípio da oposição. Rompem permanen-temente o incessante esforço de ordenação da modernidade claramente visto na construção do Estado-nação. Ao ponto de se afi rmar que cumpre ao Estado nacional, no papel de jardineiro coletivo, lidar não com os inimigos, mas, sim, com o problema dos estranhos. É o ente estatal que passou a possuir com o advento da modernidade a arrogância para proclamar o estado de coisas que se poderia chamar de ordem ou caos, e sobretudo impor a todos a visão sob esta condição. Tal Estado mori-bundo, ansioso por demonstrar que ainda possuiria a única fonte de ‘direito’ a violência, acaba por maximizá-la. Talvez não avisado de seu falecimento – tal como o clássico persona-gem de Kafka: Graco, o Caçador , meio vivo meio morto – continue a perambular por aí impondo mais dor e sofrimento. Torna-se assim facilmente vinculável a visão dos estranhos com a do medo difuso que parece pairar sobre nós. A resposta procurada na luta para se atingir a segurança não-ameaçada, em outras palavras, a cruzada contra as incertezas enraizadas será confor-tavelmente encontrada na identifi cação de “corpos estranhos”. Nada disso dista da ob-sessão contemporânea de manter à distância o híbrido, o diferente que não se enquadra em “meu” projeto puro de existência. Não é de outra forma que a versão atualizada do terror moderno acaba recaindo sobre os criminosos. Duas fi guras acabam por se tornarem cheias de signifi cado: a do vagabundo e a do turista. Este contém o milagre de estar no lugar, entretanto a ele não pertencer, está dentro e fora ao mesmo tempo. Já aquele também permanece em constante deslocamento, todavia, por não se sentir “em casa” em lugar algum, pois sua presença nunca é bem vinda. Poderá ser dito que “não há turistas sem vagabundos”, não obstante mais claro que isto é que “não se pode transitar livremente se os vagabundos não forem presos...”. Uma sociedade com tendências depressivas não tarda a desembo-car numa farta criminalização da pobreza. E por mais que venhamos a alarmar a fa-lência e a face cadavérica do Estado-nação, isto não signifi ca a implosão de todo seu conjunto e nem que ele esteja totalmente desordenado. É a mais pura ambivalência que também conduz, de certa forma, à manutenção de uma razão interna – um logos persecutório – que parece se auto-reproduzir ao infi nito. Leia o artigo na íntegra acessando www.estadodedireito.com.br * Advogado; Professor Universitário; Doutorando em Altos Estudos Contemporâneos (COIMBRA – POR); Mestre em Ciências Criminais (PUCRS); Especialista em Ciências Penais (PUCRS) e Especialista em Direito Penal Econômico e Europeu (COIMBRA – POR). Ler e ouvir o Estado de Direito www estadodedireito.com.br
  • 3. Estado de Direito, novembro de 2006 3 ESPECIAL Entrevista A cláusula penal O direito das obrigações é um ramo do direito civil que muito se aplica às relações civis e comerciais da sociedade atual, especialmente os contratos são fontes profícuas de obrigações. Diariamente, as pessoas estão celebrando contratos e submetendo-se a relações obrigacionais dos mais diversos tipos. Entrevistamos o Prof. Dr. António Pinto Monteiro* para registrar a sua preleção e, desta forma, conhecer a cláusula penal no contexto do inadimplemento das obrigações na visão portuguesa. Estado de Direito (ED): A cláusula penal é suscetível a ser abusiva? Prof. Dr. António Pinto Monteiro (AM): Sim, esse poderá ser mesmo o principal problema da cláusula penal. Esta, como qualquer outra manifestação da autonomia privada, pese embora as importantes vantagens que apresenta, poderá, em certos casos, ser utilizada abusivamente. Daí a necessidade de corrigir esses abusos, mas sem anular a cláusula penal. ED: Por que ela é vista como multifuncional? AM: Porque pode desempenhar uma multiplicidade de fun-ções, de acordo com a intencionalidade das partes, embora, tipi-camente, a cláusula panal esteja vocacionada para exercer uma função indemnizatória ou uma função coercitiva/compulsória. De multifuncionalidade da cláusula penal fala, com propriedade, a Professora Judith Martins-Costa. ED: Qual a natureza jurídica da cláusula penal? AM: Essa é uma questão muito complexa. Pode ver mais desenvolvidamente o meu livro sobre “Cláusula penal e indem-nização”, onde esse ponto é devidamente explicado. De todo o modo, sempre lhe direi que a natureza jurídica da cláusula penal depende da espécie que, em concreto, as partes tenham estipula-do. Pode assim a cláusula penal assumir natureza indemnizatória ou compulsória. Tradicionalmente, falava-se da natureza mista da cláusula penal, mas essa é uma tese que eu critico. ED: Quais as espécies de cláusula penal no direito com-parado? AM: Neste momento podemos já distinguir, no direito comparado, a cláusula de fixação antecipada da indemnização (liquidated damages clause/clause de dommages-intêrets/Scha-densersatzpauschalierung) da cláusula penal propriamente dita (penalty clause/clause pénale/Vertragsstrafe). A estas, acrescento eu a cláusula penal puramente compulsória. Pode ver, desenvolvidamente, o sentido desta distinção no meu livro que atrás citei. De todo o modo, muito sinteticamente, sempre poderei adiantar que, no primeiro caso, a prova, pelo devedor, de que não há danos, afastará o direito do credor à pena. No se-gundo caso, a pena, como sanção, é devida independentemente da existência de danos. No terceiro caso, a pena acrescerá à indemnização a que houver lugar nos termos gerais. Tudo de-pende da intencionalidade das partes ao estipularem a cláusula penal no caso concreto. E eventuais abusos serão combatidos pela norma que permite a redução de penas excessivas. ED: No Brasil, utiliza-se o modelo tradicional, que admite a compulsoridade (eventual) e a indenizatória (mais utilizada). Qual o modelo que o Senhor considera o mais adequado? AM: Isso depende. Como já disse, as partes é que saberão qual o modelo mais adequado, em conformidade com o interesse que visam acautelar com a esti-pulação da cláusula penal. ED: O artigo 412, do Código Civil, diz que o valor da cominação imposta na cláusula penal não pode exceder o da obrigação principal e, em seguida, o artigo 413 diz que a penalidade deve ser reduzida pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade. Nesse contexto, qual a sua opinião em relação a essa limitação e qual o procedimento adotado em Portugal? AM: O artigo 413 do actual Código Civil brasileiro é muito importante, ao permitir reduzir equitativamente penalidades manifestamente ex-cessivas. É um preceito novo, que corrresponde ao artigo 812º do Código Civil português e que está também em conformidade com a situação no Código Civil alemão, italiano, suíço e francês, entre outros. Já o artigo 412 do Código Civil brasileiro me suscita muitas reservas, para não dizer abertamen-te que me parece ser uma norma que, interpretada à letra, parece abolir a cláusula penal da ordem jurídica brasileira, pois esta deixará de poder exer-cer as funções para que está vocacionada, muito especialmente a função compulsória. E é um artigo que mal se compagina com o artigo imedatiamente seguinte, o artigo 413. Acho que a ciência jurídica brasileira tem um importante trabalho a desenvol-ver, de cunho hermenêutico-correctivo. ED: Admite-se a cláusula penal ao inverso? Por exemplo, um chamado “bônus de desconto” se o devedor pagar dez dias antes do vencimento? (é comum em locações entre nós). AM: A situação que me apresenta é, eviden-temente, de admitir, ao abrigo do princípio da autonomia privada. Mas não podemos designá-la de cláusula penal. ED: A cláusula penal convencional e compul-sória do artigo 416 do Código Civil é a mesma que a cláusula de prefixação de perdas e danos? Eventuais perdas e danos só poderão ser mensuradas quando ocorrerem de fato? Contudo, pode o contrato prever garantias para assegurar perdas e danos? AM: O artigo 416 não é totalmente claro. O credor não tem de alegar prejuízos para exigir a pena convencional, certo, mas, pergunto eu: e se o devedor provar que o credor não tem qualquer prejuízo? Como disse atrás, há que qualificar a espécie de cláusula penal acordada, em conformidade com a intenção das partes. ED: O Senhor preside em Portugal uma Comissão que está estudando a elaboração do Código de Defesa do Consumidor. O Senhor pode comentar a legislação do consumidor no Brasil em relação ao que está se projetando em Portugal? AM: Em Portugal, tal como nos demais países da União Eu-ropeia, existe muita legislação destinada à defesa do consumidor. O problema maior é que tal legislação é avulsa, quer dizer, é uma legislação especial, dispersa e fragmentária. Essa a razão pela qual, em Portugal, estamos procurando elaborar um código que unifique, racionalize e sistematize toda essa legislação. Parabéns ao Brasil que já deu esse passo em 1990 com a aprovação do (chamado) Código de Defesa do Consumidor. ED: Na sua opinião, qual a importância do estudo da cláusula penal no contexto do inadimplemento das obrigações? AM: A cláusula penal pode ser muito importante como meio de pressão sobre o devedor para que ele respeite as obrigações assu-midas e, portanto, como meio de moralização da relação contratual e de prevenção do inadimplemento das obrigações. Por outro lado, sendo o contrato violado, a cláusula penal pode facilitar a posição das partes – e designadamente do credor – na definição dos direitos que lhe assistem, com isso superando dificuldades e incertezas de uma avaliação judicial. Repito que eventuais abusos serão comba-tidos pelo artigo 413 do Código Civil brasileiro de 2002. SAMARA VÍDEO António Pinto Monteiro, Sérgio Porto e Judith Martins Costa *António J. M. Pinto Monteiro nasceu a 23 de Abril de 1951. Licenciatura, Mestrado e Doutoramento com distinção e louvor, por unanimidade, pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Agregação também por unanimidade. Professor Catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Professor Catedrático convidado da Universidade Portucalense, Membro do Conselho Estratégico da APDC- Associação Portuguesa Para o Desenvolvimento das Comunicações, Membro fundador da “Association Internationale de Droit de la Consommation” (Louvain-la-Neuve), Foi membro do “Grupo de Especialistas sobre Garantias”, junto da Comissão Europeia em Bruxelas; Presidente da Comissão do Código do Consumidor, responsável pela elaboração do “Anteprojecto do Código do Consumidor” português, entregue a 15/03/2006. Autor do Anteprojecto legislativo sobre o contrato de agência ou de representação comercial (Decreto-Lei nº 178/86, de 3 de Julho).
  • 4. 4 Estado de Direito, novembro de 2006 Vivemos numa sociedade regida pelo tempo, onde a aceleração é a alavanca do mundo contemporâneo e a velocidade um fetiche, um valor. O presenteísmo, fruto da angustiante consciência de que vivemos espremidos, entre um passado que não existe (é memória) e um futuro aberto, indeterminado (que também não existe), nos faz viciados na imediatidade, na hiperaceleração. É uma verdadeira narcose dromológica. Nesse ritmo, é inevitável o choque com a velocidade do direito, principal-mente com o processo penal, onde o tempo é o verdadeiro significante da punição, não só na pena privativa de liberdade, mas também na prisão cautelar e, principalmente, no simples fato de estar sendo processado. Deve-se encontrar o difícil equilí-brio entre um processo excessivamente demorado, que pune ilegitimamente, mas que também enfraquece a prova dos fatos e gera uma fundada sensação de impunidade, e a ilusão de uma justiça imediata, em que se atropelam direitos fundamentais de forma ilegítima e com grande risco de injustiça. Mas nessa matéria (como em quase tudo) o Direito precisa acertar suas contas com a (falta de) interdisciplinaridade: como pensar no prazo razoável sem entender o rompimento do paradigma newtoniano? Inviável. Daí por que, há que se compreender que com Einstein e a teoria da relatividade, opera-se uma rup-tura da noção de tempo absoluto, com ele variando conforme a posição e a velocida-de do observador em relação ao objeto. Logo, o tempo intra-muros (dentro do presídio) se arrasta e é completamente diverso do tempo extra-muros. Também quando o réu está em liber-dade ele cumpre um conjunto de penas de natureza processual. Sofre com o estigma social e jurídico, o estado de angústia pro-longada pelo fato de estar sendo processado. Há que se respeitar o seu tempo. Toda essa problemática temporal é es-truturante do direito ao processo penal em um prazo razoável, agora assegurado no art. 5º, LXXVIII, da Constituição. Quanto tempo pode durar um processo judicial? Quanto tempo pode durar uma prisão pro-visória? Não sabemos. Mais grave do que não saber, é conformar-se em não saber. Estamos diante de um poder (jurisdicio-nal) que exige limites temporais para seu exercício. Esse tema é tratado há mais de 30 anos pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos, que também adverte que de nada serve fi xar prazos sem defi nir sanções processuais em caso de descumprimento. É inadmissível transformar em devido o indevido funcionamento da justiça. A duração razoável do processo deve ser considerada com o réu cautelarmente preso, mas também quando está solto, e é exigível em caso de absolvição ou mesmo de condenação. A sentença condenatória não legitima a demora do processo. Enquanto não houver uma fi xação normativa de prazos, conforme explica-mos na obra “Direito ao Processo Penal no Prazo Razoável” (publicado pela Editora Lumen Juris, 2006), deve-se considerar a complexidade do fato, a conduta dos agentes públicos e a con-duta processual do interessado. A esses elementos, acrescente-se o princípio da razoabilidade, como integrador. Reconhecida a violação, devem-se buscar soluções que compensem, civil (indenização) e penalmente (por exem-plo, a atenuação da pena pela demora do processo), o indevido funcionamento da justiça. Quanto à possibilidade de indeni-zação pela indevida apropriação do tempo do outro, somos céticos em relação a sua efi cácia, não só porque a fl echa do tempo é irreversível, mas também pela postura tímida e corporativista que os tribunais costumam ter nesse tipo de matéria. Sem falar na indevida dilação dessas novas e demoradas ações. O problema é complexo e vai muito além da mera falta de recursos materiais e pessoais. É preciso superar esse lugar comum da discussão para fazer uma anamnese séria. O Brasil acaba de sofrer a primeira condenação na Corte Interamericana de Direitos Humanos e novas punições deverão ocorrer, entre elas, muitas por violação do direito ao processo penal no prazo razoável. Um dia, ainda que à custa de pesadas condenações pecuniárias im-postas pela Corte, esse país compreenderá que, além de necessário, pode ser um bom negócio investir na justiça. *Advogado Criminalista; Doutor em Direito Processual Penal; Professor do Prog.Pós-Graduação em Ciências Criminais da PUCRS; Coordenador do Curso de Especialização em Ciências Penais da PUCRS www.aurylopes.com.br. Entrevista com a Professora Ana Cláucia Redecker A legislação brasileira contempla uma série de hipóteses de responsabilidade direta dos sócios e administradores, solidária ou subsidiária, aplicáveis a diversos ramos do direito. Nos últimos tempos, a responsabilização pessoal dos sócios e administradores vem se tornando prática pretoriana cada vez mais comum, principalmente nos casos de falência de sociedades empresárias, seja ela de capital aberto ou fechado e nos diferentes regimes societários. Assista o programa Direito e Sociedade com Jader Marques Toda segunda-feira, 19h – Canal 20 da Net www.direitoesociedade.com.br (De)Mora Judicial e Prazo Razoável no Processo Penal: Ou quando os juristas ajustam contas com Einstein Aury Lopes Jr.* Abuso da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica ED: Para sua aplicação em um processo falimentar, de forma a estender os “efeitos da falência aos sócios”, quais os procedimentos fundamentais a serem observados? Professora Ana Claudia Redecker* (AC): Num processo falimentar a Lei 11.101/2005 prevê, no artigo 82, a pos-sibilidade de ser ajuizada ação, que se-guirá o procedimento ordinário previsto no Código de Processo Civil, visando a apuração da “responsabilidade pessoal dos sócios de responsabilidade limitada, dos controladores e dos administradores da sociedade falida”. O juízo competente para propositura da ação é o próprio juízo da falência e, o prazo prescricional, é de 2(dois) anos, contados do trânsito em julgado da sentença de encerramen-to da falência (parágrafo 1º do artigo 82 da Lei 11.101/05). Entendo, contudo, que o juiz poderá optar pela aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, para mandar arrecadar o patrimônio das pessoas que seriam legitimadas para a ação, quando houver, nos autos do processo, pro-va contundente de que a sociedade foi usada com abuso de direito, para fraudar a lei ou prejudicar terceiros. Estado de Direito (ED): Em que consiste a teoria da desconsideração da personalidade jurídica e quais os requisi-tos fundamentais para sua aplicação? Professora Ana Claudia Redecker* (AC): A teoria da desconsideração da personalidade jurídica consiste na superação da personalidade jurídica com o objetivo exclusivo de atingir o patrimônio particular dos administra-dores e/ou sócios da sociedade quando indevidamente utilizada. São requisitos fundamentais para sua aplicação: prova substancial de fraude a lei ou a terceiros em relação à sociedade e seus sócios, ou seja, a prova da utilização da perso-nalidade jurídica como instrumento para prática de abusos generalizados. ED: Sabe-se que no Dir. Argentino e no Dir. Francês há previsão legal do instituto da ‘extensão dos efeitos da falência’ à pessoa jurídica diversa da falida. No Dir. brasileiro ocorrem mui-tos casos de os juizes ‘estenderem efeitos da falência’ a outras socie-dades distintas da falida, porém não há previsão legal desse instituto em nossa ordem jurídica. Desta forma, é possível a decretação da ‘extensão dos efeitos da falência’ à pessoa jurídica diversa da falida, mesmo sem previsão legal? E se possível, como deve ser feita a ‘extensão dos efeitos da falência’ diante do princípio do devido processo legal? AC: É possível a decretação da extensão da falência à pessoa jurídica diversa da falida desde que seja empresária ou, ainda que inscrita no Registro Civil das Pessoas Jurídicas, exerça a ativi-dade empresária. Normalmente o requerimento, dirigido ao juiz da falência, é feito pelo administrador judicial, por credor ou pelo Minis-tério Público. O juiz, caso entenda ser pertinente o pedido de exten-são da falência, deverá intimar os interessados para que possam se manifestar sobre o mesmo, e, neste prazo, proporcionar aos mesmos a realização do depósito elisivo (parágrafo único do ar tigo 98 da Lei 11.101/2005). ED: No caso de sociedades distin-tas terem quadro social com pessoas da família ou familiares, caracteriza grupo econômico? Ou seja, grupo familiar pode ser considerado como sinônimo de grupo econômico? AC: O fato de sociedades distin-tas possuirem pessoas da família ou familiares não caracteriza grupo econômico. Contudo, sociedades distintas, formadas por pesso-as da família ou familiares pode caracterizar um grupo familiar e, neste caso, ser considerado grupo econômico. ED: Dentre o acervo patrimonial incorpóreo da falida, o fundo de comércio da falida, mesmo com a superveniência da quebra, tem valor econômico? O que é e qual a importância do fundo de comércio na falência? AC: O acervo patrimonial in-corpóreo da falida, mesmo com a superveniência da falência, poderá possuir valor econômico (v.g. marca Masson). A avaliação deste patrimô-nio ocorrerá no momento da realiza-ção do ativo e dependerá do grau de interesse em utilizar determinados bens que compõe este patrimônio, ou, em bloco, na hipótese da aliena-ção da empresa. ED: No processo falimentar a desconsideração da personalidade jurídica submete todo patrimônio pessoal dos sócios aos débitos e obrigações da falida? E de que forma é esta submissão, subsidiária ou solidária? AC: No processo falimentar a desconsideração da personalidade jurídica submete todo o patrimônio pessoal dos sócios e/ou do admi-nistrador, atingidos pela desconside-ração, de forma subsidiária, salvo os bens absolutamente impenhoráveis e resguardada a meação do cônjuge, ainda que casados pelo regime de comunhão universal. Leia a entrevista na íntegra acessando o site www.estadodedireito.com.br *Doutoranda em Ciências Jurídicas-Econômicas na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Mestre em Direito pela PUC/RS, professora de direito empresarial da PUC/RS, UniRitter e CEJUR e advogada responsável pela Área Societária do Escritório Campos Advocacia Empresarial.
  • 5. Estado de Direito, novembro de 2006 5 www estadodedireito.com.br Ouça o Estado de Direito na 630 AM rádio Santamariense todas as sextas-feiras, 7h30min!
  • 6. 6 Estado de Direito, novembro de 2006 O Futuro da Propriedade Intelectual na Era da Informação Na atualidade, a regulamentação sobre direitos de propriedade intelectual cobre, de forma inexorável, toda fonte da criatividade. Em todas as épocas as concepções artísticas e musicais sempre se desenvolveram livremen-te, ensejando uma mescla entre a produção artística já existente e sua conjugação com novos elementos cria-tivos conformando derivativos inovadores. Na verdade, difi cilmente poder-se-ia imaginar que famosos autores do passado poderiam estruturar suas obras senão através da livre inspiração, contrariamente, as normas reguladoras do sistema de propriedade intelectual reproduzem uma abso-luta vedação em relação ao uso ou compartilhamento de inventos senão através de permissões especiais. Isto ocorre também na área cientifi ca, onde as patentes cobrem seqü-ências e marcadores genéticos e outras tantas ferramentas essenciais para o desenvolvimento de pesquisas. Transpomos a era da informação e já adentramos na era da informação econômica, ainda assim, muitos pou-cos entendem o que isso representa. Existe uma errônea noção de que a informação não possui correspondência com bens materiais, assim como os direitos de proprieda-de sobre a informação não possuem equivalência a esses bens. A informação é defi nida pela consumação não-rival (como as regras aritméticas que podem ser usadas infi - nitamente), diferentemente de uma fruta que depois de ingerida se extingue para sempre (consumo rival). Logo, é admissível ao nível econômico que se dete-nha direitos de propriedade sobre um pomar de frutas, sem qualquer espécie de proteção qualquer um poderia se apropriar dos frutos do trabalho do agricultor. Nada obstante, os direitos de propriedade sobre a informação devem ser concebidos de modo diverso, por exemplo, o custo incidente sobre qualquer idéia de impedimento ao uso das regras matemáticas seria não apenas impossível como não teria qualquer viabilidade econômica. Assim é que tratamos direitos rivais como não rivais e os direitos não rivais como rivais, fato determinante da escassa existência de acesso à informação. Na realidade os direitos de propriedade concebidos sobre a informação refl etem uma batalha política e econômica entre seus atores, com diferentes graus de interesse, isto explica por que tais direitos são ignorados em alguns casos (poluição e conservação de recursos naturais) e estritamente forçados às áreas onde se mostram inapropriados (informação digital e biotecnologia). Um exemplo recente disso é a decisão das gravadoras de processar judicialmente 20 usuários de downloads ilegais no Brasil, anunciada no dia 17 de outubro no Rio de Janeiro. O exemplo mais proeminente dessa batalha política/ econômica é o denominado Acordo sobre Aspectos de Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Co-mércio (TRIPS). O argumento primordial para o acordo TRIPS é que os direitos de propriedade intelectual enco-rajam inovações para os Estados em desenvolvimento, no entanto, é evidente que estes mesmos Estados se lastreiam em um aprendizado e produção copiada. Neste sentido, tais Estados necessitam de um siste-ma de propriedade intelectual mais apropriado, dando maior fl exibilidade em relação aos níveis de proteção que suas leis devem prover, como por exemplo, expe-dição de normas que permitam algum grau de reversão desta tendência. O acordo TRIPS é bastante complexo e involve muitas considerações vinculadas ao comércio internacional. No entanto, a força oculta que delimita o posicionamento do TRIPS decorre da imposição de uma concepção universal de direitos de propriedade intelectu-al, sem que se considerem as diferentes necessidades de cada povo. Assim sendo, a busca de uma solução única não condiz com esta diversidade de exigências locais. Na verdade, o TRIPS desenvolve interesses políticos e econômicos de certos paises desenvolvidos. Os países em desenvolvimento como o Brasil constituem-se nos grandes perdedores diante do atual sistema maximalista em que se estruturou o instituto da propriedade intelectual, conforme imposto pelos EUA, Europa e Japão. Precisamos redefi nir os rumos desta trajetória buscando alternativas viáveis perante o sistema. Muitos exemplos alternativos já foram concebidos, tais como: o Creative Commons (licença alternativa ao direito de absoluta reserva dos direitos autorais), o Software livre e Software Código Aberto (licenças copyleft de uso não excludente como GNU e GPL), o Cultura Livre, o A2K (acesso ao conhecimento), o Open Business (conhecido em português como modelos de negócios abertos) e o Open Source Biotechnology (biotecnologia de código aberto). Ditos movimentos iniciaram no meio acadêmico, sendo que o Prof. Peter Drahos escreveu sobre a indis-pensável necessidade de criação de anexos, núcleos ou centros de pesquisa na área da propriedade intelectual dentro de universidades (think tank policy) – centros de excelência na área da propriedade intelectual que hospedam estudiosos da área científi ca. Já existem tais centros como o Berkman Center For Internet and Society da Universidade de Harvard, o Yale Information and Society Project, o Berkeley Center for Law and Technology e o Queen Mary Intellectual Property Research Institute da Universidade de Londres, que passaram a questionar o sistema vigente na busca de novas alternativas. No Brasil, a Fundação Getúlio Vargas antecipou-se a esta tendência, organizando um Centro para Tecnologia e Sociedade. Nessa conformidade o momento é ideal para que as universidades inovem e formem centros de excelência na área da propriedade intelectual, criando uma saudável interação entre estudantes de direito, farmácia, biologia, informática, química etc., cujos objetivos incentivem o pensamento e um consistente questionamento na busca de alternativas. *Advogado, mestre em direito pela Universidade de Auckland da Nova Zelândia e atualmentente doutorando pelo Queen Mary Intellectual Property Research. Institute da Universidade de Londres. Ele foca sua pesquisa em sistemas abertos de propriedade intelectual, como o open source aplicado à biotecnologia. Mauricio Bauermann Guaragna* Homoafetividade: um novo substantivo Maria Berenice Dias* Não adianta procurar no dicionário, não está lá, ainda. Mas é uma expressão que já se incorpo-rou ao idioma, não só no nosso, mas também em espanhol e inglês se passou a falar em “uniones homoafectivas” e “homoaffective unions”. Há palavras que carregam o estima do preconceito. Assim, o afeto a pessoa do mes-mo sexo chamava-se de “homossexualismo”. Reconhecido o inconveniência do sufixo “ismo” que está ligado à doença, passou-se a falar em “homossexualidade” , que sinaliza um determinado jeito de ser. Tal mudança, no entanto não foi suficiente para por um fim ao repúdio social do amor entre iguais. A marca da discriminação resta evidente na omissão da lei em reconhecer direitos aos homossexuais. A negativa do legislador reve-la nítida postura punitiva, pois condena à in-visibilidade os vínculos afetivos envolvendo pessoas da mesma identidade sexual. Ao denunciar esta evidente afronta à digni-dade humana e aos princípios constitucionais da liberdade e igualdade, acabei por cunhar o neo-logismo “homoafetividade”, na obra intitulada “União Homossexual, o Preconceito e a Justiça”, cuja primeira edição é do ano de 2000. Na pri-meira decisão judicial que reconheceu direitos sucessórios ao parceiro sobrevivente, e que data de 14 de março de 2001 (AC 7000138982, Rel. Des. José Carlos Teixeira Georgis), a expressão já foi utilizada, tendo sido referida no último julgamento do STJ, de 7 de março de 2006, em que foram assegurados direitos previdenciários às uniões homoafetivas (Resp 238.715, relator Min. Humberto Gomes de Barros). Não há como deixar de reconhecer que acabou por ser incorporada ao vocabulário jurídico. Passou-se agora a falar filiação homoafetiva e até a ser preconizado o surgimento de um novo ramo do direito: Direito homoafetivo, não parando de surgir escritórios especializados nesta área. Claro que uma palavra não vai acabar com o preconceito ou eliminar a discrimina-ção, mas o importante é o reconhecimento de que as uniões dos homossexuais são vínculos afetivos e, como tal, merecem ser inseridos no Direito das Famílias, cujo âmbito de abrangência é a identificação de um elo de afetividade. Já é um bom começo na busca de uma Justiça mais igual! *Desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul; Vice-Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família-IBDFAM; www.mariaberenice.com.br Estado democrático de direito como estado de direitos fundamentais Importa, inicialmente, que nos situemos em face de avanços decorrentes de mudanças fundamentais no modo de se entender o Estado e o Direito, na quadra histórica em que se passa a viver, em escala mundial, após a 2a. Grande Guerra, na segunda metade do século XX. Tais mudanças introduziram o que se pode denominar, com Pablo Lucas Verdú, uma nova fórmula política, no cenário jurídico-constitucional, a saber, aquela que entre nós é formalmente adotada a partir de 1988, sob a denominação “Estado Democrático de Direito”. Com a adoção da fórmula política do Estado De-mocrático de Direito ingressávamos em etapa histórica do constitucionalismo em que uma série de inversões se mostraram necessárias, a fi m de evitar as perversões sofridas pelo Estado de Direito, constitucional, em regimes políticos autoritários e, mesmo, totalitários, que se valeram dessa forma jurídico-política para atuar, esvaziando-a de conteúdos valorativos capazes de dar sustentação à convi-vência respeitosa entre aqueles que compõem a sociedade, indiscriminadamente. É assim que regimes ditatoriais, como aquele que tivemos no País entre as décadas de 1960 e 1980, apresentavam-se como regimes comprome-tidos com uma ordem constitucional, do mesmo modo como o regime nazista na Alemanha manteve em vigor a constituição que foi um modelo em sua época, aquela de Weimar, de 1919, valendo-se dela própria ou, mais preci-samente, de seu art. 48, para suspender, indefi nidamente, e supostamente para defendê-la, diante de uma crise, os direitos e garantias fundamentais que ali amplamente se consagravam, mas por normas que então se qualifi cavam como programáticas (Programmsätze): o resultado foi a prática dos atos genocidas de todos conhecidos, sem que contra eles se pudesse invocar a efi cácia de normas constitucionais formalmente vigentes. Dos escombros da II Guerra Mundial emerge, então, uma nova forma jurídica para um Estado de Direito que se precisava também renovar. O impulso maior para tal renovação seria dado por um compromisso prioritário em grau máximo com o respeito à dignidade humana, tão aviltada durante a Guerra. É o que será consagrado na Declaração Universal de Direitos Humanos da então re-centemente criada Organização das Nações Unidas, assim como na chamada Lei Fundamental de Bonn, que hoje é a Constituição alemã, de 1949, ano seguinte à procla-mação da referida Declaração, sendo que em ambas vêm anunciado, já no primeiro artigo, aquele compromisso, de respeito à dignidade humana. Este “valor axial”, como o refere em um de seus escritos, Fábio Comparato, passa a se ver entronizado no conteúdo essencial de direitos positivados como fundamentais, agora, com dimensões mais amplas - e cada vez mais ampliadas ou ampliáveis – do que aquela de cunho marcadamente individualista, próprias do Estado liberal. E aí se dá a maior das inver-sões, a que antes referimos, no sentido de que o Estado passa a se organizar em função da defesa e realização dos direitos fundamentais, tidos agora não apenas como direitos subjetivos inerentes à cidadania, mas também como pautas objetivas, a determinarem que se consagrem normas, instituições e políticas públicas para concretizar tais direitos, efetivando-os e defendendo-os. A própria topografi a constitucional revela a inversão que estamos aqui a referir, quando os direitos e garantias fundamentais passam a ser consagrados entre nós, a partir de outubro de 1988, de maneira ampla, e já no início da Constituição, ao invés de ocuparem aquela posição inferior, secundária, que, até então, era a deles, enunciados ao fi nal das consti-tuições, de maneira sintética, como apenas a determinar uma área residual de impedimento à interferência estatal na esfera jurídica de seus cidadãos. * Professor Titular da Escola de Ciências Jurídicas da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Docente-Livre em Filosofia do Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC) e Doutor em Ciência do Direito pela Universidade de Bielefeld, Alemanha. Willis Santiago Guerra Filho*
  • 7. Estado de Direito, novembro de 2006 7 V congresso Transdisciplinar de Estudos Criminais ITEC – Instituto Transdisciplinar de Estudos Criminais e PPG em Ciências Criminais da PUCRS Com presença confirmada: Juarez Cirino dos Santos, Geraldo Prado, Julieta Lembruger, Lênio Streck, Jacinto Coutinho, Cezar Bitencourt, Alexandre Wunderlich, Ruth Gauer, Rodrigo G. Azevedo, Aramis Nassif, Fabrício Possebon, Nereu Giacomollle, Aury Lopes Júnior, Marco Aurério Moreira de Oliveira AGENDE-SE dias 23, 24 e 25 de novembro Centro de Eventos da PUCRS Informações: www.itecrs.org Tenho sempre procurado mos-trar os caminhos profi ssionais aos bacharelandos. A conclusão do curso e a proximidade do exame de quali-fi cação da OAB têm sempre surgido como um fantasma, como um novo vestibular para a vida profi ssional. Assim, entendo oportuno enfocar o tema, sob aspectos que às vezes passam despercebidos aos futuros operadores do Direito. Neste novo século, abrem-se novas e inovadoras perspectivas, não somente no Brasil mas em todo mundo ocidental, para a aplicação do Direito. A par de aspectos van-guardeiros que podemos analisar, há sempre que se recordar que a escola de Direito é, de todos os cursos de nível superior, a que abre o mais amplo leque de profi ssões que o bacharel pode abraçar, quer nos campos exclusivamente jurí-dicos quer em campos paralelos. Ademais, o curso jurídico ensina a compreender a vida e a sociedade. Nisso há sempre que ter presente as palavras do mestre Goffredo Telles Júnior, nas aulas que recepcionava os calouros nas velhas Arcadas: Meus alunos, esta escola, antes de ser uma faculdade de Direito, é uma escola da vida. De fato, o curso de Direito transforma a pessoa, seja aquele recém saído do curso médio seja aquele que procura o Direito como um segundo curso universitário. Sob esse prisma, sempre enfatizamos que o médico será melhor médico, o engenheiro, melhor engenheiro, o economista melhor economista, e assim por diante, ao concluírem eles o curso jurídico. E o jovem que se bacharela por primeira vez será, sem dúvida, um ser humano melhor, porque melhor compreenderá a sociedade. Porém, de qualquer forma, os futuros operadores do Direito devem estar cientes das perspec-tivas profi ssionais para nossa era. O sectarismo de nossos cursos jurídicos no passado, bem como o cartorialismo e nepotismo que nos agrilhoam desde tempos coloniais são obstáculos árduos de superar. Há que ser afastada a idéia arraigada de nossos jovens bacharéis, os quais em insistente maioria, de que só no funcionalismo público encontrarão um salário seguro e um porto tran-qüilo para a velhice. Não se diga que não devem ser incentivadas as verdadeiras vocações para a Magis-tratura, o Ministério Público e outras funções públicas. Mas esses cargos somente devem ser exercidos por quem efetivamente tenha verdadeira vocação, o ideal mais alto de servir à sociedade de coração aberto, com dedicação e desprendimento. Nada mais decepcionante e prejudicial à sociedade do que a mediocridade ocasionada pelo exercício de uma função sem vocação. Por outro lado, o exercício da advocacia permite atualmente uma série muito ampla de escolhas. O futuro dessa profi ssão no mundo ocidental e em nosso País, mesmo em comunidades menores, fl utua entre dois extremos bem nítidos: De um lado a carreira nos mega-escritórios, organizações que no Brasil congregam até mais de qui-nhentos advogados, com planos de carreira internos, com possibilidades profissionais efetivas e uma série de campos de especialidade dentro do atendimento à média e grande empresa. No outro extremo dessa moderna advocacia situa-se o que o mercado convencionou chamar de “butiques jurídicas”, escritórios com poucos profi ssionais, mas altamente especializados em um determinado nicho social e jurídico. A tendên-cia cada vez mais marcante é a do desaparecimento dos escritórios ou advogados generalistas. A sofi stica-ção do Direito atual não aponta outro caminho. Tanto num como noutro extremo dessas duas modalidades de estruturas profi ssionais, são inú-meros os novos campos jurídicos que estão a exigir continuamente novos profi ssionais, muitos inclu-sive desbravadores de caminhos muito pouco trilhados: direito das franquias, direito ambiental, direito do consumidor, direito da internet, direito do agro negócio, direito es-portivo, direito das agências regula-dores, direito do petróleo, direito das telecomunicações, direito da energia elétrica, planejamentos tributários, direito da administração pública, direito societário, contratações in-ternacionais, sucessão de empresas, implantações de capital estrangeiro etc. etc. Mesmo no direito penal, são novos os campos de especializações em crimes tributários, crimes pela internet, crimes fi nanceiros etc. O direito de família, de seu lado, abre um campo quase autônomo do di-reito civil, exigindo um profi ssional de perfi l específi co, mormente para o deslinde dos novos conceitos de entidades familiares e possibilidades de fertilização assistida. Descor-tina- se, portanto, um vasto leque de opções ao novel bacharel, cuja escolha certamente lhe permitirá uma vida digna. Esse novo quadro da advocacia está a exigir um esforço maior das fa-culdades para adaptar seus currículos às novas necessidades de mercado. A OAB, de seu lado, deve certamente repensar no exame que promove para ingresso nos seus quadros. Não vivemos mais uma fase de exacerba-ção do processualismo. O advogado moderno não terá necessariamente o perfi l de um tribuno, aquele que peticiona e faz sustentações orais perante os tribunais ou o Júri. A maior porcentagem dos profi ssionais dos grandes escritórios mencionados nunca redigiu, em anos e anos de atividade, uma petição inicial, con-testação ou recurso. Nem por isso são menos competentes, menos bem sucedidos ou menos importantes do que os que atuam no chamado setor litigioso. Esses profi ssionais atuam nos diversos campos de advocacia de prevenção e de assessoria que prescindem de atividade jurisdicio-nal. Pelo contrário: o estágio atual aponta para soluções das pendências em sede de negociação, conciliação e arbitragem. A esse fenômeno os juristas europeus denominam fuga do Judiciário. De fato, as grandes ques-tões que movem o mundo nunca vão aos tribunais. Seria um verdadeiro desastre mercadológico e social, por exemplo, que duas grandes empresas multinacionais litigassem em juízo, em qualquer país. Para esse perfi l, exige-se um profi ssional capacitado a atuar mormente no mercado in-ternacional. Do outro lado, para os que não foram abençoados pela fortuna, o ordenamento está a implantar o acesso à justiça por meio de juizados de conciliação, campo que também exige formação específi ca do bacha-rel, que contará com auxílio de pro-fi ssões auxiliares, como psicólogos, pedagogos, assistentes sociais etc. Essa fuga ao Judiciário está, portanto, a exigir do profi ssional do Direito que necessariamente não deve ser profundamente ver-sado nos complexos meandros de nosso processo. Isto aponta para uma nova perspectiva para nossas escolas de Direito, que devem aban-donar a idéia de que o advogado é apenas aquele que litiga em juízo. A tradição de nosso ensino jurídico por mais de cento e cinqüenta anos pautou-se por essa diretriz. Mercê dessa posição, há que se pensar mesmo numa modifi cação do exame de qualifi cação, quiçá estabe-lecendo duas classes de advogados, aquele com habilitação processual e aquele com habilitação para a con-sultoria em geral. Por outro lado, mesmo para os chamados advogados litigantes, não é aconselhável nem oportuno que o advogado recém ingressado no quadro profi ssional já possa de plano atuar inexperiente-mente nos tribunais superiores, sen-do de se exigir um estágio temporal de efetiva advocacia, por exemplo, para que possa fazer sustentações perante o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, como ocorre em outros países. É necessário ter coragem para acompanhar as transformações so-ciais, para incrementar o mercado de trabalho, para recompor a posição social do advogado em nosso meio, obtendo assim maior respeito da sociedade à qual serve, e para dar alento aos milhares de jovens que saem dos cursos jurídicos a cada ano. Aqui traçamos algumas idéias para refl exão. Outras, talvez mais criativas e mais apropriadas, serão trazidas pelos doutos. Algo porém deve fi car patente: o imobilismo sob as vestes de um falso tradicionalismo não nos leva a lugar algum. Se desejarmos um país mais justo e mais honesto, come-cemos pela vontade de mudar para o melhor e para o possível, sem idéias preconcebidas. Voltaremos ainda a este tema e a tantos outros que fi cam em aberto neste nosso texto. * Sílvio de Salvo Venosa, foi juiz no Estado de São Paulo, aposentou-se como membro do Primeiro Tribunal de Alçada Civil, atualmente é consultor e assessor de escritórios de advocacia, foi professor em várias Faculdades de Direito em São Paulo e é membro da Academia Paulista de Magistrados. Reflexões sobre direito e advocacia Sílvio de Salvo Venosa* Produtos de Informática Computadores, Componentes, Periféricos, Software, Acessórios e Suprimentos Serviços de Informática Recargas de cartuchos p/ impressoras - NBR ISO 9001 Up grade Manutenção de Computadores e Impressoras Telentrega: (51) 3219-1001 atendimentoaocliente@1001.com.br Seja um patrocinador do jornal Estado de Direito Saiba como Lige (51) 3246.3277 Para assinar e/ou anunciar Ligue (51) 3246.3477 e (51) 3246.0242 www.estadodedireito.com.br
  • 8. 8 Estado de Direito, novembro de 2006 Estudo no Exterior Movimentação pela Conciliação Nacional No final do ano de 2002 defendi na Uni- José Paulo Baltazar Junior* São poucos os estudantes de Direito brasilei-ros que fazem parte de seus estudos no exterior, embora sejam bastante difundidos os programas de intercâmbio de ensino médio. Muitos pensam que somente é possível fazê-lo na pós-graduação. Há ainda quem não enxergue vantagem em conhecer o direito de outros países, se nossa in-tenção é trabalhar no Brasil. Para os universitários da Comunidade Européia, porém, estimulados por um amplo programa de bolsas de estudos, é muito comum cursar um semestre ou dois, já na graduação, em outro país, e não apenas para estudantes de ciências exatas ou da saúde, mas também das ciências humanas e do Direito. As vantagens de cursar um período no exterior são muitas, pois representam a possibi-lidade de aprofundar o conhecimento em uma língua estrangeira, além de entrar em contato com outra cultura. É claro que nem tudo são fl ores nesse perí-odo, também existem as difi culdades, que vão desde o desconhecimento do funcionamento da burocracia universitária e estatal até o des-conhecimento dos costumes e da língua local. Tudo isso, porém, é superável e o resultado é um crescimento pessoal, pois aprendemos a lidar com as diferenças culturais que tornam cada país diferente. Algumas difi culdades evidentes para um curso no exterior são as despesas com passagem, estada e alimentação. Existem, porém, algumas facilidades, como passagens com desconto para estudantes, a moradia com custo baixo em casa de estudantes ou casas de família e ainda a obtenção de bolsas de estudos. Maiores infor-mações podem ser obtidas através da internet, ou no setor de relações internacionais de cada universidade, que poderá orientar o estudante também sobre o aproveitamento das disciplinas na universidade de origem. Após a graduação, existe ainda a possi-bilidade de cursar no exterior especialização, mestrado, doutorado, ou ainda fazer um está-gio de doutorando, também conhecido como doutorado-sanduíche, que consiste em fazer parte da pesquisa no exterior, em bibliotecas inimagináveis para os padrões brasileiros. Um curso assim pode oferecer ao profi ssional um diferencial decisivo em sua formação, em um mercado de trabalho tão competitivo. *Juiz Federal, Mestre e Doutorando em Direito na UFRGS, atualmente faz estágio de doutorando na Eberhard Karls Universität, em Tübingen, Alemanha. versidade de Brasília (UNB) Dissertação de Mestrado (Convênio UNIGRAN/UNB), sob a orientação do Prof. José Geraldo Sousa Junior tendo como co-orientador o Prof. Cristiano Paixão, com o título “Acesso à Justiça e os Mecanismos Extrajudiciais de Solução de Conflitos”, posteriormente transformada em livro, editado pela Sergio Antonio Fabris Edi-tor. Ali defendi a tese de que o acesso à justiça não está limitado ao mero acesso à jurisdição e ao processo e que outras formas, outros mecanismos, devem ser disciplinados pelo legislador e colados à disposição da popula-ção, ainda que em caráter alternativo, como a negociação e a mediação para a resolução de seus conflitos. Esses mecanismos extrajudiciais, além de terem uma enorme aptidão de manter e restabelecer as relações sociais rompidas pelo conflito, levam em conta as causas sociológi-cas deste e talvez por isso mesmo, e porque a decisão que deles surge, por ser fruto de um processo negocial em que os próprios atores do conflito participam, diretamente ou através de um terceiro que apenas medeia a solução, estão vocaciodas a serem mais justas e, por essa razão, tendem a serem cumpridas voluntaria-mente pelos seus destinatários restabelecendo a chamada e almejada paz social. Passados mais de três anos da defesa da Dissertação e da edição do livro, constato com muita alegria que não estava sonhando quando defendi aquelas propostas ou idéias, pois tomo conhecimento da deflagração de um Movimento pela Conciliação Nacional patroci-nado pelo Conselho Nacional de Justiça, sob a Presidência da Ministra Ellen Gracie, em que algumas das proposições que apresentei na conclusão de meu trabalho estão embutidas na Proposta apresentada no dia 23/08. Entretanto, se é necessário e mesmo indis-pensável emprestar o maior apoio possível à proposta do Conselho Nacional de Justiça, que caminha no rumo certo do aperfeiçoamento da prestação jurisdicional e do efetivo acesso à justiça, para que a Proposta possa tornar-se uma realidade na vida do povo brasileiro é preciso primeiro conscientizar a sociedade quanto à existência de outros mecanismos de solução dos conflitos além do tradicional pro-cesso judicial e das vantagens que eles podem oferecer para o rápido e efetivo acesso à justiça. Ademais, torna-se indispensável ainda uma mudança de mentalidade por parte de alguns juizes no sentido de que se convencê-los de que o Direito não está, nem jamais esteve, reduzido ao fenômeno legal, existindo outras fontes, não apenas de produção jurídica, mas também de resolução de controvérsias que a própria sociedade legitima, ainda que à revelia do Direito posto e que o processo, quando for o único e último mecanismo capaz de resolver o conflito, somente se legitimará e atingirá o seu objetivo social e jurídico, se for capaz de responder de forma oportuna, justa e concreta aos dramas que nele são revelados através do exercício do direito de ação. De outro lado, não é demais relembrar, e isso tentei demonstrar no trabalho acima citado, que além da necessidade de simpli-ficação da nossa linguagem de forma que o povo possa nos entender, precisamos formar conciliadores e mediadores e para isso, além de ser indispensável uma mudança dos currículos das faculdades e universidades de Direito para neles inserir novas disciplinas, ensinadas há muitos anos pelas universidades européias e norte-americanas, quais sejam, a conciliação, a mediação e a arbitragem, para que possamos preparar os futuros profissionais do Direito também para lidarem com esses importantes mecanismos de resolução de conflitos, é im-perioso que o Estado destine verbas para o Judiciário nos seus diferentes níveis para que esse Poder possa se aparelhar de modo a tornar concreto esse novo desafio. Assim, urge que sejam realizados treina-mentos e cursos para os servidores do Judici-ário e para os próprios juizes de modo a capa-citá- los para essa nobre e instigante missão: a conciliação através da negociação, da mediação e outras formas de solução de conflitos diversas do tradicional processo jurisdicional, o que também demanda da OAB um grande trabalho para conscientizar os advogados que, como o processo judicial, os mecanismos extrajudiciais de solução de conflitos também são legítimos e poderão proporcionar mais rapidez e maior eficácia na resolução das demandas que lhe são entregues para solução. É preciso, pois, empenho de todos para que a feliz Proposta do Conselho Nacional de Justiça, presidido pela Ministra Ellen Gracie, possa se concretizar e não seja esquecida como muitas igualmente importantes feitas no passado o foram. Vamos todos nós Juizes, Advogados, mem-bros do Ministério Público, Universidades e Faculdades de Direito, Associações e outras instituições que têm a nobre missão de contri-buir para tornar concreto o direito de acesso à justiça nos unir independentemente de nossas posições ideológicas, jurídicas e acadêmicas em torno dessa Proposta que tem tudo para se tornar exitosa. Porém, em boa medida a sua concretização depende do empenho de toda a sociedade e não apenas do Judiciário. Mãos à obra, pois! * Juiz do Trabalho Titular da 2ª Vara do Trabalho de Dourados – MS. Professor na UNIGRAN. Mestre em Direito (UNB). Doutorando em Direito Social (UCLM-Espanha). Francisco das C. Lima Filho* Declaração de inconstitucionalidade e coisa julgada O parágrafo 3° do artigo 6° da Lei de Introdução ao Código Civil defi ne “coisa julgada ou caso julgado” como “decisão judicial de que já não caiba mais recurso”. O Código de Processo Civil, por sua vez, em seu artigo 467, denomina coisa julgada material “a efi cácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário.”. A coisa julgada foi concebida como instrumento de estabilidade, a fi m de evitar a eternização dos confl itos judiciais. Porém, existem a revisão criminal, prevista no artigo 621 do Código de Processo Penal e a ação rescisória cível, no artigo 485 do Código de Processo Civil, que, na contrapartida, permitem reexame de decisões com trânsito em julgado. Em nosso país, assentou-se na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal possibilidade de proposição de ação rescisória, fora das hipóteses originariamente pre-vistas no art. 485 do Código de Processo Civil: destarte, o interessado a propõe tendo em vista anular a sentença transitada em julgado e proferida contra si, com base em norma declarada inconstitucional em decisão defi nitiva. O autor pode obter, na mesma ação, nova decisão com-patível com a pretensão denegada anteriormente. Neste espaço, examina-se apenas o caso de decisão proferida em ação, no controle de constitucionalidade dito abstrato e principal, que tem hoje por força da Emenda Constitucional 45, de 2004, e da Lei nacional 9868, de 1999, efi cácia vinculante, contra todos. Estas decisões podem ser proferidas pelo Supremo Tribunal Federal e pelos Tribunais de Justiça dos Estados, dentro do sistema federativo brasileiro. A ação rescisória e a revisão criminal foram introduzidas para buscar compensar o mal causado pela aplicação fraudulenta da lei ou por decisão manifestamente injusta. Na ação rescisória, deve-se destacar, para os propósi-tos desse artigo, o inciso V, do referido artigo 485 do Código de Processo Civil, que prevê a rescisão da sentença proferida “contra literal dispositivo de lei”. Na revisão, o inciso I, do aludido artigo 621, com o mesmo sentido. Conforme a jurisprudência do Supremo Tri-bunal, a expressão lei é apanhada em sentido amplo, abrangendo a norma constitucional. A expressão literal quer dizer, antes de tudo, violação frontal, direta, da interpretação dada ao texto normativo. Deve-se mencionar especialmente um problema ainda mais delicado: a disposição do artigo 495 do Código de Processo Civil, pelo qual se extingue em dois anos, contados do trânsito em julgado da decisão, o direito de propor a ação. No entanto, a Medida Provisória n° 2180-35, de 24 de agosto de 2001, acrescentou parágrafo único ao artigo 741 do Código de Processo Civil, que trata dos embargos à execução fundada em sentença. Essa disposição reforçou a tese da doutrina mais am-pliativa, pela qual a impugnação do julgado baseado em norma inconstitucional pode ser oferecida fora do prazo de dois anos. Já se sustenta mesmo hoje na doutrina a impugnação em ação ordinária imprescritível, o que nos parece razoável, de vez que não está ao alcance do titular da ação rescisória o agir antes da declaração de inconstitu-cionalidade eventualmente decretada depois de dois anos. Importa mencionar, por fi m, ser inteiramente lógico, e até mais imperioso concluir que se possa, em qualquer tempo, rescindir também sentença criminal baseada em norma depois declarada inconstitucional. *Especialista em Ciência Política pela UFRGS. Mestre em Direito do Estado, pela PUC/RS. Créditos de Doutoramento em Direito já cumpridos na UFRGS. Advogado especialista em Direito Público. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Constitucional, do Instituto Brasileiro dos Advogados e do Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul. Ex-Procurador- Geral substituto de Porto Alegre. Atual Professor Adjunto de Ciência Política, Introdução ao Direito e Direito Constitucional na PUCRS. Professor licenciado da UNISINOS. Marcus Vinícius Antunes* AP
  • 9. Estado de Direito, novembro de 2006 9 Os princípios constitucionais da legalidade e da isonomia, como inspiradores da compreensão de algumas recentes alterações do direito positivo A vinculação do processo civil à CF é fenômeno recente entre nós. Até 1988, poucos eram os trabalhos doutrinários que tratavam do processo civil a partir das normas fundantes previstas na CF. Todavia, esse quadro passou a se alterar a partir de 1988. Uma das tendências mais mar-cantes que se vêm manifestando nos últimos tempos é a de se privilegiar, na interpretação da norma processual, a perspectiva de visão que engloba o sistema como um todo, abran-gendo, portanto, a Constituição Federal. Assim, e por isso, é que se tem interpre-tado as normas processuais À LUZ DE PRIN-CÍPIOS DE ÍNDOLE MARCADAMENTE CONSTITUCIONAL. Um deles (e de extrema relevância) é o princípio da legalidade. Penso que este princípio tende, por mais surpreendente que possa parecer, a diminuir, e, em alguns casos, até a suprimir, a liberdade do juiz em decidir conforme a sua convicção. Portanto, à luz desta nova perspectiva, a regra do livre convencimento motivado fi ca mitigada. Explico os porquês. Sabe-se que há textos de lei que com-portam diversas interpretações, todas elas sustentáveis e, portanto, em tese, possíveis. Esta é uma das causas em virtude das quais há Jurisprudência confl itante: Tribunais que têm entendimentos diferentes a respeito de qual seja o sentido da lei. Ao que parece, todavia, o princípio da legalidade e o da isonomia, verdadeiros pi-lares da civilização moderna, levam a que se considerem desejáveis soluções que tendam a evitar que ocorram estas discrepâncias. É a necessidade de uniformizar a jurisprudência, a necessidade de se evitar que a situações idênticas se dêem soluções diferentes, com base no mesmo texto de lei. Um destes “métodos” é o da extensão ampla que se empresta à efi cácia da sentença e à respectiva coisa julgada nas ações coletivas lato sensu. Outro, a possibilidade de o Poder Legislativo suspender a efi cácia de determinado texto legal, tido como inconstitucional apenas incidenter tantum. Pode-se, ainda, pensar no recurso especial, no recurso extraordinário, nos embargos de divergência e na uniformi-zação da jurisprudência. Estabelece o art. 5º, II, da CF: “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Trata-se da for-mulação, adotada pelo legislador constituinte brasileiro, para o princípio da legalidade. O princípio da isonomia se encontra no caput do mesmo art. 5º, acima citado, e está nos seguintes termos formulado: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasi-leiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes (...)”. Elencamos, propositadamente, os princípios da legalidade e da isonomia nesta ordem. O princípio da legalidade só restará realmente respeitado, se situações idênticas forem, em conformidade com o princípio da isonomia, decididas de idênticas maneiras pelos juizes e Tribunais brasileiros. O fato de o sistema “tolerar” decisões diferentes acerca de situações absolutamente idênticas não signifi ca que este fenômeno seja desejável! É apenas fruto da talvez impossibi-lidade de que um sistema seja inteiramente aparelhado para evitar que isto ocorra. Sempre nos pareceu desejável, para os fi ns de se gerar dose mais elevada de previsi-bilidade, que se prestigie a tendência de que certo texto de lei venha a comportar um só entendimento, que se considere correto. O princípio da isonomia signifi ca, grosso modo, que todos são iguais perante a lei: logo, a lei deve a todos tratar de modo uniforme e assim também (sob pena de esvaziar-se o princípio) devem fazer os tribunais, res-peitando o entendimento tido por correto e decidindo de forma idêntica casos iguais, num mesmo momento histórico. Evidentemente, não se pode deixar de reconhecer, por exemplo, que a sobrevivência de decisões que dêem aos pensionistas e aos aposentados da Previdência Social a diferença de 147%, e outras que não reconheçam este direito a pessoas que estão exata e precisamen-te na mesma situação, não é “sadio”, porque esbarra e arranha inevitavelmente ambos os princípios mencionados. Esta é a tendência dos povos civili-zados: criar regras a que todos estejam submetidos. Esta tendência se manifesta tanto pela necessidade de se obedecerem aos precedentes, quanto pela necessidade de se obedecer à lei. O que há de relevante é o resultado, consistente em que toda a comunidade esteja submetida a uma mesma pauta de conduta, sendo as diferenças de tratamento racionalmente justifi - cáveis, para que se instale, no plano social, dose desejável de segurança e previsibilidade. Por isso, e nesse contexto, nasceu a súmula vinculante. Tal súmula vinculará os demais órgãos do Poder Judiciário e a Administração Pú-blica, direta e indireta, municipal, estadual e federal (art. 103-A, caput). Ou seja, todos os demais juízes e tribunais terão de adotar o entendimento previsto na súmula nos casos concretos que decidirem – nos exatos limites em vista dos quais a súmula foi editada. E os agentes da Administração também terão o dever de adotar tal orientação em situações concretas com que se deparem. Quando a Administração ou o Judiciário desrespeitar súmula vinculante, caberá reclamação para o STF (art. 102, I, l, e art. 103-A, § 3.º). Já o Poder Legislativo, no exercício de sua função normativa, não fi ca vinculado à súmula. Po-derá, aliás, editar lei em sentido oposto ao da súmula (art. 103-A, § 2º, parte inicial). Confi rmando a distinção entre a fi gura geral da súmula e a súmula vinculante, a Emenda Constitucional n. 45 prevê ainda que as súmulas já existentes do STF “somente produzirão efeito vinculante após sua confi rma-ção por dois terços de seus integrantes” (EC n. 45/2004, art. 8.º). Por isso é que temos insistido em que o art 285 A deve necessariamente ser com-preendido neste contexto de uniformização da interpretação das leis, em matéria de direito de acordo com o que predomina no sistema, principalmente na jurisprudência dos Tribunais Superiores. O juiz deve repetir sua sentença, em caso idêntico que seja posteriormente submetido à sua apreciação, se, e somente se, esta estiver de acordo com súmulas dos Tribunais Superiores, com a jurisprudência dominante destes Tribu-nais ou do Tribunal para onde vai o recurso que virá a ser interposto de sua sentença, ou com súmula deste mesmo tribunal. O nosso sistema, conforme doutrina tra-dicional, não admite que o juiz decida senão com base, fundamentalmente, na lei. Orienta a atividade decisória do juiz o princípio do livre convencimento motivado: há liberdade para analisar as provas, formar a convicção e decidir, com base na interpretação da lei que se entenda correta. O juiz tem, como regra, portanto, no sistema brasileiro, segundo a opinião que predomina, a possibilidade de optar pela interpretação da lei que lhe pareça a mais acertada. Mas não decidindo com base num dispositivo cuja função é simplifi car e “massifi car” o julgamento de processos re-petitivos, pois que esta uniformização COM CERTEZA não haverá de ser feita no sistema com base na opinião dele, juiz! Não se trata, a toda evidência, de dispositivo cuja função e razão de ser seja a de criar a jurisprudência da 1ª vara cível, diferente da jurisprudência da 2ª vara cível! Carece quer de sentido, quer de utilidade, entender-se que o legislador teria criado uma regra cuja fi nalidade seria a de uniformizar a jurisprudência do próprio juízo (ou pior, do juiz!), mesmo que contrária à tendência manifesta em órgãos superiores. A falta de contraditório, como comen-tamos antes, é outro defeito grave de que se ressente esta regra. Esta tendência de uniformização da jurisprudência, que consideramos louvável, há de ser feita, todavia, com respeito ao sistema. Vimos, assim, acima, que o art. 285 A não pode servir para criar UNIFORMI-DADE das decisões de certo juiz, nem de certo juízo. Por outro lado, como também se ob-servou, só pode haver súmulas vinculantes do STF. Há quem diga até (opinião da qual não comungamos) que há necessidade de lei ordinária, disciplinando o assunto, para que as súmulas vinculantes sejam editadas. Veja-se, todavia, que o novo art. 518, A estabelece a regra no sentido de que o recurso de apelação não será recebido quando a decisão estiver de acordo com a súmula do STF e do STJ. Trata-se de um dispositivo de lei ordiná-ria que torna vinculantes todas as súmulas do STF e do STJ? Claro que não. Este entendimento não pode ser considerado como sendo o correto, já que torna dispositivo irremediavelmente inconstitucional. Parece-nos que, para considerar-se constitucional o mecanismo criado, deve-se necessariamente admitir que a parte pode, no agravo, alegar que a súmula em que se baseou a sentença está errada. Além de, é claro, poder alegar que a sentença não está de acordo com a súmula; que a súmula não foi editada para aquela situação etc. Mas pode discutir o erro ou o acerto da tese jurídica adotada na súmula, já que estas não são, até o presente momento, vinculantes. Outro há de ser o raciocínio quando se tratar de súmula vinculante do STF. *Mestre em Direito pela PUC/SP, Doutora em Direito pela PUC/SP, livre docente em Direito pela PUC/SP, professora dos cursos de graduação, especialização, mestrado e doutorado da PUC/SP, membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual, membro do Instituto Ibero Americano de Direito Processual, membro da Academia de Letras Jurídicas do Paraná e São Paulo, membro do Instituto dos Advogados do Paraná e membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família. Para assinar e/ou anunciar Ligue (51) 3246.3477 e (51) 3246.0242 www.estadodedireito.com.br Constituição Federal e CPC Teresa Arruda Alvim Wambier* AP
  • 10. 10 Estado de Direito, novembro de 2006 O lobo e o cordeiro Vou começar falando de uma fábula, a fábula do lobo e do cordeiro. Acredito que todos nós a conhecemos. Vocês sabem que o lobo está no alto do rochedo e o cordeiro está embaixo. O lobo quer comer o cordeiro e antes fala: – Você está sujando a minha água. – Não é possível porque eu estou embaixo, diz o cordeiro. Então o lobo fala: – Eu quero te comer, porque, seis meses atrás, você falou mal de mim. E o cordeiro responde: – Mas seis meses atrás eu ainda não tinha nascido! Então o lobo diz: – Se não foi você que falou mal de mim, talvez tenha sido teu pai ou teu irmão. Assim o lobo arruma um pretexto para comê-lo. Essa é uma fábula que vêm da antiga Grécia e que já foi contada várias vezes. Qual é a moral que foi extraída dessa fábula? A moral é que Fedro, um autor de latim de dois mil anos atrás, contou essa fábula e conclui com estas palavras: “Essa fábula foi escrita para aqueles homens que oprimem os inocentes com falsos argumentos”. Aproximadamente quase dois mil anos depois um poeta francês, Lafontaine, conta a mesma fábula com a seguinte moral, que é similar: “a razão mais forte é sempre a melhor”. Tenho, porém, uma dúvida. Poderíamos encon-trar uma outra moral nessa fábula. A dúvida que me veio é está: um verdadeiro lobo teria comido o cordeiro sem dizer nada. Não teria dado razões para comer o cordeiro. Então o problema é este: porque o lobo deve procurar motivos? Poderia comer o cordeiro sem dizer nada. Eu me perguntei o porquê? Uma razão poderia ser para convencer o cor-deiro, mas é difícil ter que ser convencido para ser devorado. Segundo motivo poderia ser pela sua consciência. Todos nós inventamos várias histórias para nós mesmos por via da nossa consciência. Para justifi carmos perante a nossa própria consciência. Mas certamente as justifi cativas são muito fracas, ainda que seja para uma consciência frágil como aquela do lobo. Então, eu pensei: qual é o motivo verdadeiro para que o lobo apresente razões? É que envolta têm muitos animais, tem cervos, gazelas, passarinhos e tantos outros, e o lobo tem necessidade de justifi car suas razões perante um público. Naturalmente as razões são frágeis e não são muito fundadas, e no fi nal ele acaba comendo o cordeiro. Mas o fato que ele tenha dado razões permite ao público de julgá-lo. Tanto é verdade que ainda agora, dois mil anos depois, continuamos a julgar o lobo como um usurpador, alguém que oprime os inocentes. Então a moral alternativa que podemos dar a essa fábula antiga poderia ser essa: “também os potentes têm às vezes necessidade de justifi car as suas ações”. Isso é importante, pois vocês sabem que o poder no sentido forte é aquele poder que não deve se justifi car, que não deve explicar o porquê cumpre certa ação. A partir do momento que é forçado perante o público de justifi car a sua ação é já, de alguma maneira, uma pequena perda de poder. As justificativas contam? Assim, o problema fundamental se torna: as justifi cativas contam ou são somente um pretexto? Nós podemos dividir o pensamento fi losófi co ou político em duas linhas fundamentais, que agora eu trato de maneira muito superfi cial: aqueles que pensam que as justifi cações são um pretexto - como pensava Fedro e Lafontaine - e aqueles que pensam que, de um modo ou de outro, que as palavras contam. Na primeira linha de pensamento estão aqueles que pensam que contam são os interesses e não as palavras; que as palavras são um puro revestimento falso, não essencial do interesse, como falsos eram os argumentos do lobo. Colocamos nessa lista, Fedro, e poderíamos A Democracia Deliberativa também colocar Lafontaine e Karl Marx, que pensam que a ideologia é um refl exo falso, aquilo que conta são os interesses e não as palavras. Poderíamos colocar no front político oposto, os teóricos do Public Choice, a teorias dos jogos. Ou seja, se falamos das explicações do comportamento humano, nos quais, se nós conhecermos os interesses das pessoas, podemos prever exatamente o com-portamento deles. Em outras palavras, os interesses materiais predizem exatamente o comportamento das pessoas. A segunda linha de pensamento toma seriamente as razões. É como dizer: as palavras contam, os argumentos contam. Naturalmente, esses que sus-tentam essa posição não pensam que os interesses não contam, porém as palavras podem de qualquer modo modifi cá-los, ou seja, os argumentos usados são importantes. Eu coloco nesse fi lão o pensador contemporâneo que exprime melhor essa segunda linha de pensamen-to e o fi lósofo alemão, Jürgen Habermas. Há dois estudiosos de políticas públicas ame-ricanos que escreveram o “Retorno Argumentativo no Estudo das Políticas Públicas”. Agora não posso entrar no mérito, mas podemos colocar no fi nal as teorias que surgiram nos últimos quinze anos sobre a democracia deliberativa. Se nós tomarmos seriamente os argumentos que são colocados pelos atores sociais, aquilo que conta é a troca de razões, a discussão, que nós podemos ima-ginar numa situação na qual as decisões são tomadas através da discussão baseada sobre os argumentos, e através do alcance de uma posição comum entre os participantes. Digamos que seria uma situação em que também o cordeiro fala e todos falam para encontrar uma posição comum. Democracias majoritárias, consensuais e deliberativas Se vocês olharem esses três modos de tomar decisões públicas, podemos dizer que temos três tipos diferentes de democracia - obviamente e abs-tratamente, tipos ideais de democracia -, conforme o método de decisão prevalente, seja um ou outro. Então, nós podemos ter três tipos de democra-cia: uma baseada sobre o voto, outra baseada sobre a negociação e uma baseada sob a deliberação. Colocamos em confronto esses dois: voto e ne-gociação. No voto vence a maioria. Já na negociação é necessário um acordo, uma unanimidade. Por isso são dois modos diferentes, no qual o primeiro podemos chamar de democracia majoritária, que são aquelas democracias nas quais quem vence a eleição, governa; tem maioria no parlamento e faz passar aquilo que quer. O modelo clássico de democracia majoritária é a Inglaterra, mas existem também muitas outras. Todas as democracias são um tipo ideal, mas estou pegando uma ou outra. Porém, podemos ter democracias baseadas pre-valentemente sobre a negociação. Segundo o termo usado por um cientista político holandês (Lejiphart), nós podemos chamar de democracia consensual quando as decisões fundamentais, as políticas mais importantes, são concordadas e negociadas entre todos os principais grupos nos quais se compõem as sociedades. Não tem uma maioria que governa contra uma oposição, mas sim uma negociação continua entre os diversos grupos sociais. O caso mais típico de democracia consensual é a Suíça e a Holanda. São países que possuem grupos étnicos e religiosos diferentes - por exemplo católicos e protestantes -, portanto, democracias que só podem funcionar se têm uma contínua ne-gociação entre os grupos, e não tem uma maioria que prevalece sob a minoria, por que acabaria em um confronto intolerável. Essas duas modalidades são muito diferentes, quase opostas, mas têm em comum um ponto: a preferência dos participantes são dadas, ou seja, seja votando ou negociando, cada um dos participantes – grupo político, individualmente etc - entra na arena política com as suas posições, preferências etc, e não lhes altera durante o processo. No caso do voto, pode vencer ou perder, dependendo se é maioria ou minoria. No caso da negociação, encontrará um compromisso, mas não deve alterar o seu ponto de vista. Contra essas duas modalidades, vem a terceira, a idéia na qual a deliberação é entendida como discus-são e troca de argumentos onde as preferências dos Luigi Bobbio* Especial: Em busca de um sistema ideal O projeto, “Debatendo Políticas Públicas com Luigi Bobbio”, realizado pelo do Laboratório de Políticas Públicas e Sociais - LAPPUS (www.lappus.org.br) , Escola Superior do Ministério Público da União, Escola Superior da Magistrtura do Rio Grande do Sul, Fundação Escola Superior do Ministério Público Estadual e Faculdade Meridional, trouxe a Porto Alegre o renomado professor de ciência política, Luigi Bobbio. Leia, a seguir, sua palestra sobre a democracia, os processos de tomada de decisão, e a necessidade de fazer representarem-se todas as porções da sociedade. CARMELA GRÜNE
  • 11. Estado de Direito, novembro de 2006 11 atores podem ser alteradas – ainda que parcialmente – e ver o problema de um modo novo, compreender melhor a razão dos outros e também ter informações novas que antes não tinham, ou seja, modifi car as próprias posições. Uma democracia que fosse ba-seada sob esse método, poderíamos defi ni-la como democracia deliberativa. Enquanto as duas primeiras democracias (majo-ritária e consensual) são reais, a democracia delibe-rativa é largamente um ideal. Mas, na realidade, há muitos casos que se acorre algo de muito similar. Para que se possa falar de democracia delibera-tiva, é necessário duas condições: pode-se dizer que a democracia deliberativa é um processo de decisão 1) conduzido sob a base de argumentos imparciais fundados sob o bem comum, e esse é o aspecto deliberativo como já falamos. E por democrática - porque pode haver uma deliberação não democrática - os fi lósofos dizem que 2) devam participar em condições de paridade, todos aqueles que são afetados pela própria decisão. Ou seja, o ideal deliberativo democrático é a inclu-são de todos aqueles que são afetados. O voto, a negociação e a argumentação Dito isso, nós podemos imaginar três modos diferentes da tomada de decisão coletiva, três modos fundamentais. O primeiro e muito comum é o voto. Eu aqui falo do voto não para eleger deputado, mas o voto no qual se decidem questões, por exemplo, no parlamento, ou num referendo. Nós podemos defi nir o voto como um processo agregativo. Agregativo porque se conta. Existem preferências que depois nós contamos e ganha quem tem mais. O segundo modo é a negociação. Se existe um confl ito, ao invés de votar, e é possível chegar a um acordo, encontrar um compromisso entre as diversas posições. Esses dois modos são bastante óbvios: ou vota-se ou negocia-se. Mas o terceiro modo, que seria aquele delibera-tivo, é aquele da argumentação ou da deliberação. Ou seja, um processo através do qual as preferências dos participantes se modifi cam através do uso de argumentos de um lado e de outro. Argumentos que dizem respeito ao bem comum, todos argumentam o que é melhor para o conjunto. A palavra deliberação, em italiano, e acredito que também em português, é ambígua. Também em francês e em todas as línguas latinas. Normalmente usamos a palavra deliberação como um modo de to-mar uma decisão formalmente em uma assembléia ou em um conselho. Uma assembléia deliberou, signifi ca que tomou uma decisão. Nós usamos a palavra deliberação em um sentido inglês, que quer dizer ponderar os prós e os contras de uma questão, por isso fi quem atentos que quando falamos democracia deliberativa, podemos dizer de-mocracia baseada na discussão, ou então democracia dialógica, baseada sob o diálogo. Atualmente, como todos falam de democracia deliberativa, todos usam essa expressão, é importante fi car atento que, quando falamos de democracia deliberativa, estamos falando da democracia baseada sobre os argumentos. Três modos para realizar a inclusão A inclusão de todos é muito difícil de realizar. As pessoas afetadas pela decisão podem ser milhares, centenas de milhares, milhões. Como é possível envolver todos? E como é possível organizar a discussão de tantas pessoas? O ideal da inclusão completa é provavelmente inalcançável, mas existe, ao menos, três modos para aproximar-se deste ideal. O primeiro modo consiste no “manter a porta aberta”. Diria que o Orçamento Participativo de Por-to Alegre é desse tipo. Existem assembléias regionais onde todos podem entrar, o que é importante, pois nas decisões das nossas democracias, habitualmente, as portas são fechadas e nem todos podem entrar. O segundo modo de realizar a inclusão é colocar não todas as pessoas juntas, mas todos os pontos de vista. Nós podemos, diante do problema dos organismos geneticamente modifi cados, abrir uma discussão convidando os representantes das multinacionais de sementes, os agricultores, os consumidores etc., e abrir um confronto público. Então, não se tenta incluir todas as pessoas, mas sim todos os possíveis pontos de vista, e abrir um diálogo. Existem muitas experiências deste tipo, sobretudo no campo ambiental. O interessante é fazer discutir juntos os interesses dos que poluem e daqueles que sofrem os efeitos da poluição para entender se existe vias alternativas, e então transfor-mar as preferências dos pontos de vista. Existe uma terceira via para inclusão: colocar ao redor de uma mesa uma amostra casual de cidadãos. Sorteamos um certo número de cidadãos e os colo-camos a discutir sobre um certo tema; lhes damos as informações necessárias, os fazemos escutar diversos pontos de vista, e depois eles discutirão e tomarão uma decisão, se conseguirem. O método de sorteio é um chamamento à de-mocracia ateniense, e existem muitos experimentos desse tipo. Por exemplo, o júri dos cidadãos, no molde do júri dos tribunais, só que obviamente não devem julgar uma pessoa, mas se pronunciar sobre um problema. Existem muitas experiências desse tipo e, na minha opinião, são muito interessantes, já fi zemos em Turim e faremos outra no outono. Obviamente que essas três vias têm pontos fracos. A primeira tem o risco de que, se nós mantermos a porta aberta, se auto-excluem os mais fracos. Há o perigo que os grupos mais organizados tenham um peso muito forte, por exemplo, organizando o envio dos cidadãos; há o risco da participação ser baixa, ou seja, abre-se a porta e não entra ninguém. E tem o risco de desigualdade entre os participantes. Daquilo que eu sei, esses riscos não foram muito fortes no Orçamento Participativo de Porto Alegre, mas sobre isso vocês poderão me dizer. Porém, nas réplicas do Orçamento Participativo que foram feitas na Europa, quase todos esses problemas apareceram. A segunda via tem um outro problema: quem decidir, quem excluir e quem incluir? É muito delicado, naturalmente. Existem pontos de vista que não são representáveis – na questão ambiental os pontos de vista das gerações futuras – e é um problema sério porque todos que vivemos neste momento somos inimigos das gerações futuras e podemos entrar num acordo para descarregar tudo sobre eles. É exatamente o já estamos fazendo. O problema é que não podemos colocar todos os pontos de vista, então como vamos resolver isso? Existem os pontos de vista também que não querem ser representados, e preferem legitimamente manter um ponto de vista antagonista; não tem vontade de discutir com os adversários, mas de combatê-los. Isso é legitimo, obviamente, porém não funciona na democracia deliberativa. No último caso, aquele da amostra casual, o problema é que, se nós sorteamos cidadãos ao acaso, é difícil que estejam representados aqueles cidadãos que têm as preferências mais fortes, que sentem mais de perto o problema. Teremos cidadãos médios, e são experiências que têm uma duração limitada, pois não podemos manter os cidadãos por vários anos. São experiências que duram dois ou três dias e, por isso, do ponto de vista da consciência política, fun-ciona pouco, porque se reúnem e depois se dissol-vem, por isso, há um escasso crescimento coletivo, não faz crescer muito a participação coletiva. Nenhuma das três vias é isenta de inconvenien-tes. Mas, utilizando de vez em quando todas as três (como já se faz em muitas experiências), é possível aproximar-se, ao menos um pouco, do ideal da democracia deliberativa. Direito e Sociedade Aprender O professor entra na sala de aula e cumprimenta, timidamente, seus alunos. Vai até a cadeira, no alto do tablado, e começa a fazer a chamada. Nome por nome, o professor vai colhendo a presença e assinalando um ponto com a caneta no quadradinho respectivo do caderno de chamada. Terminada a tarefa inicial, depois que alguns deixam a sala já antes do início da aula, o professor retoma o conteúdo a partir da aula anterior, quando a turma aprendera conceitos importantes, retirados de autores renomados. Ao longo do período, o professor será um incansável na construção dos conceitos, na ordenação do conteúdo, na programação mental dos alunos, que deverão estar preparados, ao cabo de tudo, para as intrigantes perguntas da prova. Essa tem sido a rotina do magistério nas faculdades de direito do País há muitos anos. Professores apáticos, alunos passivos, conteúdo passado por meio de manuais ou resumos sem qualquer profundidade, enfi m, um quadro verdadeiramente preocupante. Os professores, cada vez mais ocupados em ensinar a matéria; os alunos, muitos deles, ocupados em apreender o conteúdo passado em aula. Não sou especialista em educação e não tenho o objetivo de criar teses a respeito do ensino jurídico. Percebo, no entanto, que há enorme diferença entre apreender (com dois ês) e aprender (com um e). A apreensão do conteúdo passado em aula parece ser a grande busca de alunos interessados, guiados por professores altamente preocupados com o programa da disciplina e todos os seus desdobramentos. Um quadro cheio de matéria, muitos esquemas desenhados, cadernos cheios de conceitos, muitas teorias, muitas correntes. O produto desta verdadeira gincana jurídica ou o resultado deste “conteudismo” será a constatação de que o aluno que sabe é aquele que tem a posse do conteúdo, no sentido tangível. A coisifi cação do conteúdo das disciplinas transforma o saber em um produto, em algo que se pode tocar, que se pode ter. Os professores, neste contexto, são apreciados pela grande quantidade de saber armazenado. Aprender, com apenas um e, deve ser algo diferente. Para saber, o sujeito do aprendizado deve estar aberto para o novo, tendo em mente que o conhecimento é fonte de angústia, de inquietação, de transformação, de vida. Quem aprende, não aprisiona o conhecimento nos estreitos limites do caderno, mas liberta o espírito para a busca de um novo sentido, de uma nova gramática, de uma nova forma de ver o velho. Professores que trocam experiências, que motivam a crítica, que estimulam a atividade, que não se elevam perante os alunos, como seres privilegiados detentores de grande quantidade de conhecimento. Alunos responsáveis pela construção do próprio conhecimento, sujeitos ativos do aprendizado, conscientes do seu papel no mundo e, principalmente, dotados de um indomável espírito crítico, capaz de revolucionar tudo o que está posto, fazendo fl orescer o novo, o inédito, o diferente. Eis o desafi o: aprender. Jader Marques Luigi Bobbio nasceu em Turim (Itália), em 1944, e formou-se em direito dissertando no campo da sociologia sobre a organização do trabalho na FIAT. Participou ativamente nas organizações políticas da esquerda universitária e depois, em 1968, do movimento estudantil. Nos anos sucessivos se tornou militante político, praticamente com dedicação integral na organização Luta Continua. No final daquele episódio político, em 1979, escreveu o livro, Luta Continua. História de uma Organização Revolucionária. Em 1975, obteve a cátedra de Direito e Economia em escolas de ensino superior ministrando a disciplina durante os quinze anos sucessivos. Em 1984, decidiu retomar os estudos sociológicos, e a sua tese de doutorado foi concluída, em 1987, com o título A Intervenção sobre o Patrimônio Cultural entre Estado e Região. Análise de uma Política Pública, conduzida através do estudo empírico dos processos de decisão relativos a algumas intervenções de restauração no Piemonte. No campo das políticas territoriais conduziu diversos estudos sobre processos de decisão relativos a grandes projetos de transformação urbana, assim como sobre as políticas dos bens culturais e políticas ambientais. Seguindo a estrada do seu pai, Norberto Bobbio, Luigi é atualmente professor da Faculdade de Ciência Política da Universidade de Turim, presidente do Mestrado em Análise de Políticas Públicas (MAPP) e Diretor do Laboratório de Políticas (LaPo). Extraído do livro La democrazia non abita a gordio, de Luigi Bobbio.