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DAN B. ALLENDER
LÁGRIMAS SECRETAS
Cura para as Vítimas de Abuso Sexual na Infância
2
SUMÁRIO
Prefácio...........................................................................................................................................................................04
Prólogo
Em busca da cura............................................................................................................................................................06
Prefácio da edição revisada
Uma questão de lembrança.............................................................................................................................................11
Parte I
A dinâmica do abuso.......................................................................................................................................................20
1. A realidade de uma guerra; encarando a batalha .........................................................................................21
2. O inimigo: pecado e vergonha.....................................................................................................................27
3. Desvio: em choque com a crítica....................................................................................................................36
4. A zona de batalha: estratégias de abuso.......................................................................................................42
Parte II
Os danos do abuso......................................................................................................................................................52
5. Impotência..................................................................................................................................................53
6. Traição........................................................................................................................................................60
7. Ambivalência...............................................................................................................................................67
8. Sintomas secundários..................................................................................................................................74
9. Estilo de relacionamento..............................................................................................................................80
Parte III
Pré-requisitos para o crescimento...............................................................................................................................87
10. A improvável rota para a alegria.................................................................................................................88
11. Honestidade................................................................................................................................................93
12. Arrependimento.........................................................................................................................................100
13. Amor intenso.............................................................................................................................................109
Epílogo
Palavras aos sábios........................................................................................................................................................119
Notas.............................................................................................................................................................................122
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AGRADECIMENTOS
Minha filha de oito anos perguntou-me certo dia: "Papai, por que você está interessado em abuso sexual?".
Felizmente, antes que eu pudesse começar a responder, ela me fez outra pergunta: "Papai, é verdade que as pessoas
que sofreram abuso têm paredes em seus corações que impedem que sejam felizes e, depois de lerem o seu livro, elas
terão menos tijolos nas paredes?". Chorei. Suas perguntas simples expressavam o cerne de minha vocação pessoal
(por que estou interessado em abuso?), de minha atividade profissional (este livro será útil?), além de abrir as portas
para que eu pudesse expressar uma enorme gratidão. Aquelas perguntas, a vocação e as tarefas não poderiam ser
executadas sem um enorme grupo de pessoas - clientes, amigos, meu mentor e minha família -, os quais me deram a
liberdade de fazer perguntas difíceis e formular respostas que nem sempre foram (ou até agora não estão) claras,
precisas ou úteis, sem medo de rejeição ou condenação. Isto é uma coisa única na comunidade cristã.
As faces de incontáveis homens e mulheres passaram diante de mim enquanto escrevia este livro. Suas
vidas me ensinaram, partiram meu coração e aprofundaram minha convicção de que um Deus bondoso está
trabalhando, ainda que de maneira singular e surpreendente. Não posso mencionar seus nomes, mas muitos ouvirão
nestas páginas os ecos de nossas conversas, alegrando-se ou chorando. Não posso agradecer-lhes do modo como
vocês merecem.
Fui profundamente encorajado pelos diversos amigos que separaram um tempo para ler os manuscritos e
comentar ou interagir com o material. Menciono aqueles cujo envolvimento tem sido de mais longo prazo, de
maneira firme e desprendida: Al e Nita Andrews, Sandy Burdick, Karla Denlinger, Sandy Edwards, Lottie Hillard,
Nancy Lodwick, Tremper Longman III, Shannon Rainey, Robin Reisert, Melissa Trevathon, Tom Varney e Lori
Wheeler. Uma mulher que literalmente transformou o material através de sua sabedoria, bondade e bom humor foi
minha editora, Traci Mullins. Eu jamais teria suportado o processo todo sem sua ministração competente e sem sua
poesia tão expressiva. Seu coração está presente em cada página.
De uma forma ainda mais sensível, o coração e a alma de meu colega, mentor e melhor amigo, Larry Crabb,
estão transcritos na vida desta obra. Sua honestidade íntegra e inexorável e seu apaixonado desejo de conhecer mais e
mais a Deus foram o impulso que me levou a querer alcançar almas abatidas e feridas com a esperança de profunda e
eterna transformação. Sou seu devedor e apreciador.
Finalmente, minha esposa Rebecca, minha Estrela do Norte. Sua sensibilidade e poderosa voz em favor
daqueles que têm um coração ferido deu-me ainda mais prazer em desenvolver este trabalho. Seu coração é um
presente que me traz alegria indescritível. Rebecca, minha gratidão a você nunca será corretamente expressa, mesmo
que eu passasse o resto de minha vida agradecendo-lhe por seu amor. Os anos gastos na preparação deste trabalho
não seriam possíveis sem seu coração gentil.
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PREFÁCIO
Eu queria que as coisas fossem simples. Gostaria que todos os problemas pudessem ser resolvidos
facilmente através da sincera determinação em obedecer a Deus, de investir tempo regularmente na leitura de sua
Palavra e em fervorosa oração.
De certo modo, eles podem. O coração que se preocupa de modo sincero com seu compromisso de seguir a
Cristo vai conhecer um amor altruísta, vai ser consumido pela maravilha de Deus, e proporcionar alegria a outros será
um prazer tão grande para essa pessoa que as preocupações passarão a ter uma merecida segunda prioridade.
Mas nossos corações são enganosos. A simples decisão de render-se completamente a Jesus pode dar início
a um processo bom; mas existe dentro de nós uma legião tão grande de coisas más, feias e difíceis de serem tratadas,
que preferimos nos omitir ao invés de nos rendermos totalmente.
Às vezes tentamos provar a nós mesmos que Deus está contente com nosso grau de maturidade, ao passo
que, de fato, o Espírito Santo está gentilmente nos levando às regiões mais escuras de nossa alma, as quais fazemos
de conta que não existem.
Cristãos que têm a coragem de seguir o Espírito pelas regiões menos amigáveis de nossas almas passam por maus
momentos quando acham que o processo de amadurecimento acontece de um modo calmo e tranqüilo. Eles encaram
o fato de que viver em um mundo decaído muitas vezes expõe as pessoas a experiências que nenhum filho de Deus
jamais imaginou enfrentar; e nossas reações a estas experiências são muitas vezes manchadas por nossa própria ruína.
Quando as pessoas são confrontadas - ainda que não por sua própria vontade - com terríveis pecados e
crimes contra Deus, como abuso sexual, forças poderosas começam a agir dentro delas dc modo a fazê-las odiar a
experiência de dar-se a outras pessoas. Exortá-las a que "confiem em Deus" geralmente causa frustração e provoca
dúvidas atrozes sobre a realidade e validade da fé cristã.
Um dos grandes desafios da igreja de hoje é trocar um modelo simplista de santificação por uma
compreensão do Evangelho que seja ao mesmo tempo simples e contundente, penetrando com poder no íntimo de
almas arruinadas e cheias de pecado. Esta mudança exige um trabalho pioneiro voltado à questão de problemas como
abuso sexual na infância. Problemas que, pelo fato de não permitirem que reconheçamos tão facilmente a vitória
absoluta de Cristo, tendem a ser ignorados.
Se este esforço pioneiro é bíblico, ele deve enfatizar que a imagem de Deus é o ponto central ao redor do
qual deve-se desenvolver uma visão sólida da personalidade; deve ratificar que nossa propensão ao pecado - e não os
pecados que foram cometidos contra nós - é que é o nosso maior problema; deve proclamar que o perdão - e não a
plenitude - é a nossa maior necessidade neste momento; deve asseverar que o arrependimento - não insights - é que
vai promover a verdadeira mudança.
Lágrimas Secretas é um livro notável. Vai muito além das idéias tradicionais de mudança, mas continua
firmemente alicerçado nos princípios bíblicos à medida que explora com profundidade os danos causados às vítimas
de abuso sexual. Considero-o como um trabalho realmente pioneiro. Não dá a última palavra sobre o tratamento
destas pessoas, mas apresenta muito mais do que palavras iniciais.
As discussões cuidadosamente fundamentadas sobre como o abuso sexual danifica a alma e quais as
primeiras coisas que a vítima deverá superar vão, inicialmente, causar dor; posteriormente talvez resistência, mas
sempre trarão esperanças ao leitor sincero, seja ele uma vítima ou uma pessoa querendo ajudar.
O Dr. Allender resolveu escrever sobre um assunto que é alvo fácil do sensacionalismo, sem cruzar a linha
da decência, mantendo-se focado no Evangelho. Proclama a confiança no poder das Escrituras de restaurar as vítimas
de abuso à sua dignidade original de pessoas perdoadas, voltando a amar sem medo e podendo perdoar com o coração
- antes triste - agora repleto de alegria.
A leitura do livro vai dar uma idéia do preço pago pelo autor em sua abnegada busca pela compreensão dos
problemas relativos ao abuso. Acompanhei Dan durante os vários anos em que ele esteve imerso nas centenas de
detalhes sobre a questão do abuso sexual, alguns dos quais impublicáveis por suas características grotescas. Vi seu
sofrimento. Ele leu muito, pensou muito, conversou muito, importou-se sinceramente com as pessoas e não se
afastou, mesmo nos momentos em que era requerido mais do que ele podia dar para ajudar estas vítimas. Este livro
representa sua resposta ao chamado de Deus.
Não fiz nenhum esforço para escrever um prefácio isento, simplesmente porque sou incapaz de fazê-lo.
Tenho grande apreço por este homem. Pude acompanhar sua vida desde que Deus iniciou uma grande mudança nele,
transformando-o de um brilhante seminarista, com mais ousadia que sabedoria, em um psicólogo maduro, possuidor
da poderosa combinação de insights penetrantes com paciência gentil, os quais advêm de uma rica consciência de ter
sido perdoado. Dan e eu somos ligados por uma lealdade mútua, afeição e respeito, desenvolvidos através de
momentos bons e ruins, que é a melhor definição da palavra amizade.
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Mas não pense, em momento algum, que minhas palavras favoráveis têm a ver apenas com nossa
proximidade. Com a maior objetividade que pude desenvolver - e eu sou um amigo extremamente crítico - concluí
que Lágrimas Secretas não somente é o melhor livro disponível para ajudar de modo mais profundo a abordagem do
assunto abuso sexual na infância, como é um ótimo exemplo de como se podem abordar temas que não são tratados
diretamente pelas Escrituras.
Nada é mais importante do que saber que o Evangelho de Cristo aborda todas as questões da vida com
compaixão e poder. Este livro ajudou-me a ver mais claramente esta verdade. Creio que ele fará o mesmo com você.
Dr. Larry Crabb
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PRÓLOGO
Em Busca da Cura
Todo aquele que escolhe ler um livro sobre abuso sexual tem um propósito bem definido em mente. Alguns
se chateariam demais em ter nas mãos um livro que fala de dor e sofrimento se seu objetivo fosse distrair-se com a
leitura. Na maioria dos casos, este livro será lido por aqueles que estão lutando para compreender o próprio abuso que
sofreram. Outros poderão lê-lo para entender melhor o problema que seu irmão da igreja, cliente ou cônjuge estão
enfrentando. Qualquer que seja a razão para a leitura deste material, creio ser justo que o leitor faça a seguinte
pergunta: Por que outro livro sobre este assunto?
Uma resposta óbvia seria: oferecer ajuda àqueles que experimentaram o abuso sexual em suas vidas e dar
subsídios aos que lidam com estas pessoas. Uma das principais mensagens dos livros sobre abuso, incluindo a deste, é
a libertação da culpa do passado. O que aconteceu não foi culpa sua!
Infelizmente, esta mensagem é ouvida primeiro como uma boa notícia, mas com freqüência não dura por
muito tempo.
Tenho ouvido várias vítimas de abuso sexual dizerem: "Outros são perdoados, mas não eu. Meu caso foi
diferente. Se você soubesse dos fatos, saberia que, ao menos parcialmente, eu fui culpada. Eu o levei a isso. Eu não
falava com ninguém sobre o assunto, e sei que deveria ter encontrado uma saída para frear seus avanços".
Por alguma razão, essa anistia geral oferecida às vítimas de abuso sexual se esvai após o alívio inicial. Esta
diminuição não invalida as boas novas. Simplesmente sinaliza que há mais coisas a serem feitas do que apoiar as
pessoas que sofreram abuso e implorar que elas perdoem a si próprias.
Quem é o inimigo? Quais são os fatores que fazem com que o abuso sexual seja tão vergonhoso? Quais são
os fundamentos deste doloroso autodesprezo? O que precisa ser feito para levantar este véu de vergonha e rejeição? A
resposta envolve uma estratégia que parece intensificar o problema: analise profundamente o coração machucado. O
primeiro grande inimigo da cura permanente é a propensão a tirarmos os olhos da ferida e fingir que as coisas estão
bem. O trabalho de restauração não pode ser iniciado até que o problema seja encarado de frente.
Este é um livro sobre danos: danos causados à alma pelo abuso sexual. Também é um livro que fala de
esperança, mas esperança que surge somente depois que o perigo do abuso tenha sido encarado. Se há um propósito
central para este livro, ele é visto na necessidade de enxergar o que de fato o abuso faz à alma, e os danos causados a
outras pessoas relacionadas com o abuso.
Há uma relutância natural em encarar o problema. Cristãos tendem a desprezar a realidade1
. Tendemos a
ficar melindrados quando vemos os efeitos devastadores do pecado. Não há prazer em ver as conseqüências do
pecado - seja nosso ou de outros. Fazer isso nos dá a idéia de estarmos menosprezando o trabalho de nosso Salvador.
Assim, fingimos que estamos bem quando, de fato, alguma coisa está perturbando nossa alma.
Ocasionalmente alguma dor aflora, algumas lembranças vagas retornam durante os sonhos ou surgem em
devaneios durante o dia. Mas por que se preocupar com estes estranhos sentimentos se nossa salvação está garantida e
a única tarefa que temos na vida é confiar e obedecer?
A cultura da descrença não é tão desonesta. Nossa sociedade passa por situações que, em outros tempos,
foram deixadas de lado. Infelizmente, contudo, ela oferece soluções que levam a negações ainda maiores. O caminho
secular (afastado de Deus) para a mudança parece envolver alguma forma de auto-afirmação, em que cada um
estabelece seus próprios limites e escolhe viver baseado em seu próprio sistema de valores. Invariavelmente, o
resultado é um humanismo centrado no eu de maneira ainda mais forte, e que valoriza mais os benefícios e vantagens
pessoais do que o amar a outros.
A solução do caminho secular está, na verdade, enchendo um copo furado com água morna: deixa a alma
tanto insatisfeita quanto vazia. Nunca admite que o maior dano não é aquilo que alguém me fez, mas o que eu fiz em
relação ao Criador do Universo. O dano causado pelo abuso é horrível e hediondo, mas é considerado menor quando
comparado com a dinâmica que distorce o relacionamento da vítima com Deus e que lhe tira a alegria de amar e ser
amada por outros.
Este processo é o fim das soluções que o mundo oferece, mas muitas alternativas chamadas cristãs são, em
diversos casos, até piores. Várias saídas apresentadas às vítimas de abuso freqüentemente aumentam o fardo e levam
a um novo tipo de culpa: o perdão baseado na negação, pressões para amar e alívio rápido da dor através de
dramáticas intervenções espirituais.
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Perdão baseado na negação
Perdão baseado no esquecimento é a versão cristã de uma lobotomia frontal2
(cirurgia realizada nos lobos
cerebrais em casos de síndromes esquizofrênicas ou de dores intratáveis de outras formas). Uma mulher que havia
sofrido abuso ouviu de seu pastor que ela deveria esquecer o passado e parar de se penitenciar, porque muitas pessoas
haviam suportado coisas piores do que sofrer abuso por parte dos pais. Este conselho não provocou nenhuma reflexão
sobre o egoísmo e ilegitimidade do abuso. Seu comentário foi tão doloroso quanto o próprio abuso que ela sofreu.
Ouvir: "o passado é passado e nós somos novas criaturas em Cristo; portanto não se preocupe com o que
você não pode mudar" a priori alivia o peso de encarar a realidade destrutiva do passado.
Depois de um tempo, entretanto, a dor não resolvida do passado clama por um desfecho e a única solução é
continuar negando3
. O resultado é um sentimento de autodesprezo pela inabilidade de perdoar e esquecer, ou o
aprofundamento de um sentimento de traição por parte daqueles que tentam calar a dor de quem sofreu abuso,
semelhantemente à atitude daquele que cometeu o abuso e queria calar a vítima.
Esconder o passado sempre implica negação; negação do passado é sempre a negação de Deus. Esquecer
sua história pessoal é o equivalente a tentar esquecer-se de si mesmo e da jornada que Deus o chamou a trilhar.
Qual deve ser a motivação para aqueles que são adeptos da filosofia do "perdoar e esquecer"? A resposta
pode ser encontrada num legítimo e profundo desejo de proteger a honra de Deus. Uma pergunta fundamental na
mente da vítima de abuso é: "Onde Deus estava?". Isto leva muitos a responderem negando a influência de eventos
passados sobre os acontecimentos de hoje. Se o passado é insignificante, então eu não preciso ficar ponderando sobre
a questão "por que Deus não interveio?".
O mundo incrédulo se dispõe a ver o dano do abuso porque ele não sente necessidade de defender o Deus
que poderia ter feito algum tipo de intervenção para impedir aquele ato. Por outro lado, a comunidade cristã se dispõe
a negar qualquer dado que possa lançar alguma dúvida sobre a presença de Deus ou sobre seu desejo de agir em favor
de um de seus filhos.
"Onde Deus estava?" é um lamento legítimo da alma, visando entender o que significa confiar em Deus.
Independentemente da resposta, a pergunta não deve ser evitada. Se Deus é digno de confiança, então podemos
confiar nele sem nossos esforços em distorcer ou negar o passado.
Há outro fator que pode estar envolvido na questão de "esquecer" o passado. Os cristãos acreditam na
possibilidade da cura ou de uma mudança profunda. Mudança - ou, melhor dizendo, o fruto do Espírito - é o resultado
do trabalho de Deus em uma pessoa.
Este trabalho nos habilita a amarmos como Cristo amou, a servir como ele serviu e a estarmos unidos a
outras pessoas da mesma forma como ele é um com o Pai. São objetivos altos. Os resultados raramente chegam perto
do ideal - se é que chegam a acontecer. Basta observar nossa propensão à crendice, materialismo e superficialidade,
bem como nosso senso crítico exacerbado em relação àqueles que diferem de nossas posições doutrinárias, para
colocarmos em dúvida o processo de mudança promovido pelo Espírito Santo.
Uma pessoa não crente poderia facilmente nos processar por propaganda enganosa... Será que o Evangelho
realmente transforma vidas? Esta informação muitas vezes é questionável. Daí a comunidade cristã se sentir disposta
a negar qualquer coisa que aponte para os espinhos e cardos na vicia daqueles que clamam por serem cheios do poder
de Deus.
O mundo incrédulo reconhece os efeitos do pecado mas oferece soluções incompletas; o mundo cristão é,
muitas vezes, descrente com relação aos atuais efeitos do pecado, mas pode trazer cura eficaz.
A resposta é bastante simples. Nós, cristãos, precisamos reconhecer, sem vergonha ou medo, que a
regeneração não alivia ou diminui rapidamente - ou até permanentemente - os efeitos do pecado na vida da pessoa.
Ao aceitarmos este fato, estaremos livres para encarar as partes de nossas almas que continuam aterrorizadas e
danificadas pelos efeitos do abuso sexual, sem sentir com isto que estamos negando o Evangelho.
Encarar a realidade da queda do homem e iniciar o processo de recuperação da terra coberta de mato é o
maravilhoso trabalho que o jardineiro do Reino deve executar. É um trabalho eminentemente digno para cada cristão
recuperar as partes da alma de alguém que continua separado e incapaz de produzir frutos. E a negação do passado
retarda este trabalho de recuperação.
Pressão para amar
Uma mulher ouviu de suas amigas que ela estava se expondo ao julgamento de Deus pelo fato de estar
levando seu agressor a um tribunal. Disseram-lhe que seu desejo de processá-lo não revelava amor, mas vingança.
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Ela fez um comentário sarcástico dizendo que um amigo comum havia recebido recentemente uma quantia razoável
em dinheiro por um acordo judicial feito em função de um acidente automobilístico, e ninguém moveu um músculo
para expressar desaprovação. Parece que é aceitável ir à justiça por danos materiais, mas não o é para os danos da
alma.
Outro homem se recusa a visitar, receber telefonemas ou abrir cartas de seu pai, que o violentou dos sete
aos dez anos. O pai, um honrado membro de uma igreja, está irritado com a teimosia de seu filho em não se
relacionar com ele, mas nega terminantemente ter cometido o abuso, chegando ao ponto de questionar a sanidade e
salvação do filho.
O que significa amar nossos inimigos? Significa simplesmente fazer o bem, apesar daquilo que você esteja
sentindo? Se a resposta é sim, então o que significa fazer o bem a um pai cuja total teimosia em encarar o abuso do
passado é equivalente a viver uma mentira, enraizada em um coração tomado pelo mal? Como odiar o que é mau e se
apegar ao que é bom, e ao mesmo tempo amar o inimigo?
Há respostas para estas perguntas, mas a típica solução de ser pressionado a amar implica ser bondoso, não
causar conflito, e fazer de conta que os relacionamentos estão em ordem quando as palavras nem sempre são
amáveis.
Sob esta versão do cristianismo, a pessoa que sofreu o abuso sente-se segura e morta. Há segurança na
rigidez que entorpece a alma, a qual não exige nenhum pensamento, reflexão ou risco. Mas uma pessoa honesta sabe
que esta conformidade cruel nunca leva à mudança que vivifica.
Não se pode definir facilmente o que é amor, e ele também não nasce apenas de um pequeno desejo. Amar
um inimigo, particularmente, requer que o coração esteja cheio da liberdade e do poder que Deus introduz em alguém
que deseja estender a graça a um inimigo. O amor pode ser forçado, mas será que atinge sua plenitude somente pelo
exercício de fazer as coisas correias, em detrimento da falta de paixão, desejo ou autenticidade demonstrada em
relação à pessoa que causou o dano?
Muito freqüentemente a pessoa que sofreu abuso é forçada a fazer o bem ou a amar a pessoa que abusou
dela sem explorar as complexidades do que significa amar ou do que pode estar bloqueando o desejo de amar dado
por Deus. O resultado mais freqüente é um enfraquecimento da alma, visando abrir caminho para a execução desta
pesada tarefa, ou então um ataque de raiva contra Deus ou contra qualquer outra pessoa que o encoraje a trilhar este
doloroso caminho.
O que se ensina em muitos grupos cristãos é que as emoções vão caminhar de acordo com a escolha de sua
vontade. Se você sente raiva, faça coisas boas, pois, ao fazê-las, você vai terminar deixando de ficar irado. Melhor
ainda se você continuar fazendo estas coisas boas, pois vai começar a sentir algumas emoções semelhantes ao amor
com relação à pessoa que lhe causou danos.
Este não é o foro adequado para a discussão das intrincadas relações entre escolhas, pensamentos, emoções
e desejos, mas uma conclusão óbvia deve ser tirada. Todos os esforços do mundo para se chegar ao lugar "certo"
serão de pouca valia se aquele que caminha está se movendo na direção errada ou tem razões, conhecidas ou não,
para querer chegar ao destino. Algo mais precisa ser feito do que simplesmente dar-se ordens para amar.
O amor está no centro do processo de mudança. Mas, como já definido por alguém, ele carece de propósito,
paixão e força. Em reação a uma cultura que vê o amor como um capricho baseado na imprevisibilidade da emoção,
alguns cristãos optaram por uma decisão firmada na atitude de ser agradável e não ofender, sem qualquer emoção. O
amor significa muitas coisas, mas nunca fraqueza ou falta de paixão. Simplesmente dizer a uma pessoa que sofreu o
abuso que deve amar seu agressor não ajuda em nada, ainda que o amor seja uma parte importante do processo de
mudança.
Intervenções espirituais dramáticas
Recentemente conversei com uma mulher que fazia parte de uma igreja carismática, ligada a um ministério
nacional de cura e milagres, o qual assume que pessoas que sofreram abuso sexual são oprimidas pelo diabo. As
lembranças podem ser uma trama dos demônios, o que anula a veracidade do abuso; ou as lembranças são eventos
reais colocados na mente pela entidade maligna que habita na pessoa. Em ambos os casos, a estratégia é expulsar os
demônios através do ritual do exorcismo.
Os diversos anos de abuso sofrido pela mulher com quem falei a ensinaram a manter a boca fechada. Se ela
discordava de alguém, logo presumia que deveria estar fazendo algo errado. A pessoa que sofre abuso procura por
alguém forte e autoritário e logo se convence de que o dano pode ser curado rapidamente e sem dor. Aquela igreja
dava esta esperança.
Por fim, ela passou por várias sessões de exorcismo, nas quais vivenciou a situação abusiva e vexatória
criada por aqueles que intervinham, apesar de, às vezes, sentir-se aliviada e descansada. Este período acabou no
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momento em que conseguiu manter sua débil fé um pouco mais estável, especialmente quando passava por situações
de apoio constante ou de entusiasmo emocional, semelhante a um estado de embriaguez ou entorpecimento.
Curas rápidas nunca resolvem problemas profundos. Ao contrário, oferecem uma mudança que requer
pouco mais do que se deixar anestesiar antes de uma cirurgia: relaxe e deixe os especialistas fazerem seu trabalho. A
confiança é definida como a permissão para que o processo ocorra, sem criar barreiras que retardem o trabalho.
Passividade santa é a chave para a maioria das soluções dadas pela cura rápida. A mulher foi sincera o
suficiente para reconhecer que a cura não aconteceu e que os exorcistas estavam cegos quanto ao real dano de sua
alma. Uma vez que uma "cura mágica" ocorrera, alguns justificavam que ainda havia muito mais a ser tratado.
A cura rápida não é exclusividade de um único grupo. Muitos oferecem solução para emoções ou
lembranças indesejadas através da tentativa de abordar o problema de uma forma "positiva". O resultado é uma
recuperação agradável dos eventos passados. É como se as lembranças dolorosas pudessem ser vistas de um modo
seguro, sem temer a destruição ou vingança.
Receio que muitos parem no ponto em que surge o alívio inicial, sem se aprofundar no dano. Simplesmente
limpar a ferida não é suficiente para curar a infecção, a não ser que remédios mais fortes sejam usados. O anseio por
uma cura rápida é tão forte quanto o desejo de ir para o céu. A tragédia acontece quando muitos se contentam com a
cura barata e se desviam do caminho do alívio verdadeiro que somente será obtido no céu.
O melhor caminho
Existem muitas opções para os cristãos lidarem com o abuso passado, mas o resultado não é atraente:
perdão e esquecimento - negação; amor imposto - conformismo; cura rápida - passividade irresponsável. Não é difícil
de entender porque cristãos que sofreram abusos preferem buscar ajuda fora da igreja ou aprender por si próprios a
como lidar com a situação fazendo de conta que ela simplesmente não existe. Creio firmemente que as Escrituras
oferecem melhores caminhos para se alcançar esperança e obter mudanças.
Qual é o melhor caminho? O argumento deste livro baseia-se na idéia de que o melhor caminho passa pelo
vale da sombra da morte. Os penhascos da dúvida e os vales do desespero oferecem um visão do trabalho de Deus
que nenhum outro terreno pode dar. Deus se mostra fiel; mas a geografia freqüentemente é a de um deserto seco e
montanhoso, de tal forma que o caminho parece ser doloroso demais para ser trilhado. Quem gostaria de viajar com
os parcos recursos de que dispomos ou com os mapas desatualizados que aparentemente estamos seguindo, se guias e
recursos muito mais modernos estão à nossa disposição?
A jornada envolve a entrega de nossos corações machucados a Deus, um coração cheio de ódio,
sobrepujado pela dúvida, ensangüentado mas não partido, rebelde, manchado e solitário. Não nos parece possível que
alguém possa cuidar dele, abraçá-lo, ou que alguém se importe com nosso coração cheio de pecado. Mas o caminho
envolve o risco de colocarmos em palavras a condição de nosso ser e colocar estas palavras perante Deus, aguardando
sua resposta.
Deus prometeu que não esmagaria a cana quebrada e não apagaria a torcida (ou tição) que fumega (Is 42:3).
Mas outras promessas já foram feitas por pessoas que se mostravam dignas de confiança, e juramos que a última
coisa que faríamos seria trairmos estas promessas. O obstáculo para a vida é a convicção de Deus vai nos machucar
e destruir. O problema é que o caminho realmente implica a questão de Deus nos ferir, mas somente com o objetivo
de nos curar.
Por que o abuso faz com que seja tão difícil nossa aproximação do Senhor por cujo socorro e vida
ansiamos? Qual é o inimigo do processo de cura? De modo resumido, o inimigo é a vergonha e o desprezo. O dano
do passado coloca em ação um complexo esquema de defesas e autoproteção que atua muito além de nossa
consciência, guiando nosso relacionamento com os outros, determinando o cônjuge que escolhemos, o emprego que
desejamos, as teologias que adotamos e o sistema de nossa vida inteira. Este livro lança um olhar sobre o trabalho
interior desta dinâmica, com a esperança de que um quadro mais claro do dano possa fazer com que tomemos
decisões mais conscientes e piedosas para o tratamento de outros e de nós mesmos.
Há limites daquilo que pode ser tratado em um livro. O leitor perceberá rapidamente que o foco do livro
não é lidar com crianças e adolescentes que sofreram abuso. Há possibilidade de se usar material para estes grupos,
mas o ponto principal não é este. De modo semelhante, a maioria de minhas ilustrações envolve mulheres. Pode-se
inferir, portanto, que o abuso de garotos é limitado tanto em quantidade quanto nas conseqüências negativas;
nenhuma destas conclusões é precisa ou representa meu ponto de vista.
Há duas razões para que minha concentração seja direcionada a vítimas de abuso do sexo feminino. A
primeira é que é muito mais provável que mulheres busquem conselhos ou orientação na questão do abuso; portanto,
minha ênfase se concentra no provável grupo interessado na leitura deste livro.
A segunda é que o foco está no dano que toda vítima vai vivenciar, independentemente do grau e natureza
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do abuso; portanto, as ilustrações revelam as questões principais comuns a todas as vítimas do abuso, lançando uma
base teórica que, espero, ofereça uma direção para aplicações específicas em problemas individuais.
Há outra razão para escrever este livro. Todo livro é uma odisséia. Alguns são teóricos, outros são buscas
pessoais pelas respostas que ultrapassam nossa compreensão. Esta minha odisseia abrange as duas coisas.
Primeiramente, é uma aventura que tenta colocar em palavras as experiências de muitos amigos que
confiaram suas vidas a mim. Um conselheiro é um memorial do sofrimento passado e uma esperança de seus amigos,
semelhante ao memorial do Museu do Holocausto em Jerusalém, o qual leva todos a encararem os danos causados
por se viver em um mundo caído e freqüentemente diabólico.
As histórias de meus amigos clamam por cura, por justiça, pelo dia em que todas as lágrimas serão
enxugadas e todos os erros corrigidos. Minha oração é que eu seja digno das palavras que me foram ditas.
Este livro também é uma discussão bastante pessoal sobre o abuso sexual. Tanto minha esposa quanto eu
compartilhamos histórias de abuso no passado. O fato de eu ter um episódio pessoal de abuso sexual e, portanto, uma
vivência no assunto, não assegura a validade de minhas reflexões ou a utilidade deste material. Contudo, requer sim
que eu trilhe o caminho da compreensão do abuso sexual, por aqueles cujas histórias estou contando e por mim
mesmo. Minha oração não é apenas no sentido de fazer justiça às suas palavras, mas oferecer a perspectiva daquele
cuja história é o fato mais importante da vida; aquele cujo abuso sofrido na cruz dá perspectiva e direção para que
lidemos com todos os abusos menores que cada um de nós sofre neste mundo perdido. Assim, eu realmente terei feito
um bom trabalho ao contar as histórias de todos nós.
Convido-os, com pesar e alegria, a se juntarem a mim nesta busca por uma nova perspectiva.
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PREFÁCIO DA EDIÇÃO REVISADA
Uma Questão de Lembrança
Desde a publicação da primeira edição de Lágrimas Secretas em 1990, milhares de pessoas, de ex-coroinhas a ex-
misses América têm vindo a público para dizer que sofreram abuso sexual quando crianças. Alguns dos agressores
e/ou suas famílias contestam tais acusações, alegando que as lembranças das pessoas são falsas. Em alguns casos, as
supostas vítimas culpam seus analistas e terapeutas por haverem criado as "lembranças" de modo falso. Em outros
casos, ainda, as supostas vítimas alegam haver sido lembradas subitamente de seus eventos traumáticos após anos de
esquecimento.
Ser falsamente acusado de um crime tão hediondo quanto o de abuso sexual é devastador. Ser uma vítima
real de abuso e ser desmentido por sua família é igualmente terrível. As questões levantadas pelo debate da falsa
lembrança merecem tratamento intensivo, e espero tratar delas mais profundamente em outro livro. Entretanto,
gostaria de abordá-las aqui, ainda que de maneira superficial, de forma que o leitor possa estar pelo menos ciente de
suas conseqüências à medida que surgirem no resto do texto.
Minha prática em aconselhamento tem se desenvolvido especialmente entre as pessoas que sofreram abuso
sexual. A grande maioria se lembra muito bem do ato. Um grupo menor tem lembranças fragmentadas e incompletas,
mas indicam a existência de abuso no passado. Um grupo ainda menor não tem recordações do abuso, mas durante o
processo de aconselhamento se lembram de traumas antigos que foram bloqueados do consciente.
Há dois lados nestas informações. Alguns dizem que lembranças "reprimidas" são comumente o resultado
da dor do trauma. Outros asseveram que, se a pessoa não se lembra do abuso passado e, de alguma forma,
repentinamente se lembra dele, esta lembrança é falsa, sendo, na verdade, o resultado de alguma "sugestão" que tenha
sido feita por um terapeuta ou outro tipo de autoridade (como um grupo de amigos). Esta é uma questão amplamente
debatida, mas insuficientemente pesquisada, sendo impossível respondê-la agora. Contudo, creio que existem
parâmetros bíblicos capazes de nos guiar no processo de avaliação do abuso na vida de alguém.
Em meu trabalho com vítimas, criminosos e supostos agressores que alegam ter sido falsamente acusados,
tenho chegado a uma conclusão sobre afirmações e reivindicações relativas ao abuso: O clamor verdadeiro de uma
vítima que diz "Acredite em mim " e a alegação daqueles que dizem estar sendo falsamente acusados estão quase
sempre fora do âmbito da comprovação. É praticamente impossível avaliar as afirmações de ambos os lados e chegar
a uma conclusão incontestável sobre o que é realmente verdade, a não ser que haja outros fatos, como testemunhas
oculares, registros médicos e/ou testemunho de outras vítimas.
Isto quer dizer que estamos atolados no pântano da incerteza sobre alegações quanto ao abuso passado?
Não creio. Mas a questão realmente nos leva a fazer perguntas ainda mais duras, tais como: "A alegação de abuso é
real, aparentemente verdadeira, ou falsa?". O ponto da comprovação leva ao cerne do problema: "O que são
lembranças?". O que é verdade e o que é tomado como verdadeiro? Que partes de nossas lembranças podem ser
consideradas verdadeiras? Como sabemos se uma coisa é verdadeira? É possível acreditar que uma lembrança do
passado possa ser verdadeira quando ela mais parece uma ficção ou uma mescla de fragmentos da imaginação,
conjecturas e fatos reais?
Há verdade nas afirmações sobre o passado - o passado não é uma mera construção mental. A morte de
Jesus, por exemplo, ocorreu no tempo e no espaço. Se alguém estivesse presente, então a afirmação da veracidade do
evento seria incontestável, ainda que os registros do fato reflitam diferentes perspectivas. Uma leitura cuidadosa dos
Evangelhos nos mostra diferentes considerações de um mesmo evento. Isto torna o evento falso? A visão diferenciada
das testemunhas oculares faz com que o evento do Gólgota se transforme numa falsa lembrança? É óbvio que não,
mas isto mostra que as lembranças registradas nas narrativas bíblicas não são uma reportagem fotográfica que não se
altera, independente do modo como sejam exibidas, mantendo sempre o mesmo nível de detalhe e significância.
Três aspectos devem ser considerados em meio a esta trágica questão:
1. Qual é a natureza e o efeito do trauma no ser humano, especialmente com relação ao abuso
sexual? O efeito daquilo que ocorre com o coração quando se sofre o abuso é algo acidental ou
trágico? Se é algo trágico, então qual é o dano e, portanto, o potencial para o bem ou para o mal
que o abuso traz?
2. Qual é a relação entre lembranças, abuso e sintomas? Pode o abuso apagar memórias do
consciente de uma pessoa? Se pode, esta perda segue o mesmo processo empregado no
esquecimento ou trabalha com uma dinâmica diferente de percepção, armazenamento e,
posteriormente, um processo de recuperação baseada em outras regras que não as normalmente
utilizadas nas funções da memória? É possível que alguém nos sugira a ocorrência de um abuso e
12
que nossa mente, então, comece a gerar lembranças que, na verdade, podem ser falsas? E qual é a
relação entre lembranças -conscientes ou não - e os claros sintomas de angústia, normalmente
associados a um abuso passado, como depressão, vícios e problemas de relacionamento?
3. Se o abuso de fato ocorreu, qual é o processo bíblico e mais útil para se lidar com estas feridas?
Qual é o objetivo do aconselhamento e que processos podem retardá-lo? Em outras palavras, é
prudente procurar por lembranças através de técnicas como busca diretiva, regressão e hipnose?
Ou é melhor manter-se os olhos no passado, assumindo que a verdadeira cura não pode ocorrer a
não ser que o passado seja recuperado? Como deve agir uma pessoa no momento em que um
analista se concentra em recuperar lembranças que podem ter sido reprimidas?
Permita-me esquematizar respostas para estas três questões neste momento. O resto do livro vai tornar estes
esquemas mais claros, mas a abordagem profunda será destinada a outro livro.
Qual é o problema?
O que o trauma faz ao coração?
Necessidade psicológica?
Os irmãos Menéndez, que incontestavelmente assassinaram seus pais, foram defendidos por um grupo de
advogados, liderados por Leslie Abrahms. Ele argumentou que os réus tinham uma "necessidade psicológica" de
matar seus pais devido aos efeitos do abuso que sofreram. Eu gritei. Lembrei-me que o mesmo argumento foi usado
para defender Richard Speck, o assassino de seis enfermeiras em Chicago. Isto é uma linha de defesa muito bem
armada, especialmente quando o crime é grotesco ou bizarro. A idéia é simples: se a ação é anormal, então ela deve
ter sido consumada por alguém levado, compelido ou impossibilitado de impedir suas próprias atitudes. E, se a
pessoa é "anormal", algo deve ter acontecido de forma que ela não pode ser responsabilizada.
Esta argumentação nega a existência do mal, que pode agir com calma, deliberação e firme propósito para
executar crimes terríveis. Nega também que todo comportamento - destrutivo, bizarro ou de desobediência completa -
é de responsabilidade do agente, independentemente da história, das circunstâncias e/ou motivações que
influenciaram suas escolhas. Em outras palavras, não acredito que uma vítima de abuso possa ter razão ao dizer: "Eu
não tenho nenhuma condição para, agora ou no futuro, impedir reações destrutivas ou mudar a direção de minha
vida".
É imaturo assumir que nossas escolhas são livres em todas as questões, seja com relação a conforto, sucesso
ou tranqüilidade. Uma vítima de abuso pode tremer com a experiência ou simplesmente a idéia de ter momentos de
intimidade com seu cônjuge, e o processo de mudança (seja nesta ou em outras áreas) pode envolver tempo,
meditação e experimentação, todas acompanhadas de lutas e derrotas. Mas dizer "o abuso de que fui vítima 'fez' com
que eu cometesse este ato ou 'evita' que eu faça ou não faça certas coisas" é uma violação da glória, liberdade e
responsabilidade humanas.
A escolha por desconfiar de Deus
Portanto, o que o trauma do abuso causa ao coração humano? Qual é o dano causado pelo abuso? De
maneira simplista, o abuso cria o ambiente propício que tenta nos convencer de que Deus não é bom. A vítima
imagina que Deus é semelhante a seu pai agressor ou sua mãe preocupada (partindo-se da premissa que as crianças
aprendem de seus pais suas primeiras lições sobre Deus). Ou então a vítima determina que Deus é alguém que estava
olhando para o outro lado quando seu primo a molestava. Conclusão: confiar é bobagem; portanto, sou compelido a
viver minha vida independente da vontade de Deus. Minha experiência contradiz diretamente as promessas feitas por
Deus de cuidar de minha alma e de nutri-la, de modo que posso me escusar das pesadas cobranças para me tornar
santo e a justificativa está em minha falha por não refletir a glória de Deus em minha vida.
A tragédia do abuso se apresenta de diversos modos, mas uma característica que se repete em muitos casos
é que as vítimas do abuso freqüentemente se vêem repetindo padrões e iniciando relacionamentos em que passam por
violações semelhantes ao abuso sofrido no passado. A nova ofensa apenas intensifica a decisão de se refugiar em suas
próprias fontes de força e defesa. A conseqüência é perda e tristeza, para eles e para outros. Mas, o que é pior, é que
eles afastaram seus corações do anseio pela glória de Deus.
Esta falta de paixão por Deus pode não ser óbvia. Eles podem ser ateus militantes ou agnósticos frios, ou
mesmo cristãos devotos e interessados nas atividades de promoção da doutrina cristã. Podem até mesmo desejar
desesperadamente crer em um Deus que é digno de confiança. Mas até que eles confrontem as escolhas que fizeram
em função de seu abuso, nem seu ativismo nem o desespero vai levá-los a uma genuína paixão pelo Deus que
realmente existe. Sua paixão (se é que eles têm alguma) será por um deus distorcido, um deus que é apenas um ídolo
criado por sua própria imaginação.
Não escapamos de confiar em alguém ou alguma coisa quando deixamos de confiar no Deus verdadeiro.
13
Confiar, assim como respirar e, na verdade, adorar, é algo inevitável. A questão não é que alguns confiam, outros
respiram, outros adoram e ainda outros não fazem nada disso. Se falhamos em confiar em Deus, essa confiança será
desviada inevitavelmente para outra coisa, que acaba se tornando o nosso deus.
Quando a experiência de abuso faz um corte profundo no coração, a vítima se distancia mais facilmente de
Deus ou banaliza o abuso, transformando a confiança em algo com o que se pode lidar. Em qualquer uma das
situações, a confiança se volta para deuses que não são Deus. O problema, então, não é o abuso em si, mas a energia
pecaminosa que confia naquilo que não é confiável, presente em seu coração.
Isto vale apenas para as vítimas de abuso? É claro que não. A propensão para não crer em Deus e confiar
em ídolos está profundamente enraizada na humanidade desde seu nascimento. Como conseqüência, o problema
principal e a cura para uma vítima de abuso sexual não difere de nenhum outro pecador em sua essência.
Alguns leitores devem estar aterrorizados com a insinuação de que uma menina de cinco anos de idade
estuprada por seu pai é pecadora por concluir que Deus não é digno de confiança. Entenda: não creio que nenhuma
criança de cinco anos, com exceção de Jesus que nunca teve pecado, possa continuar a confiar plenamente em Deus
depois de sofrer tal abuso.
A criança que tenha sido vitimada, machucada e sofrido abuso tomará a mesma decisão que qualquer outra
criança tomaria na mesma situação. Fiz esta escolha várias vezes quando criança. Mas é uma escolha manchada pelo
pecado e, à medida que esta criança caminha em direção à sua vida adulta, esta mesma escolha trágica continuará a
assombrá-la.
Apesar de todo coração humano ser inclinado à idolatria (confiar em outros deuses para prover vida), a
vítima do abuso lutará mais ainda para confiar a Deus sua vida e seus relacionamentos.
Nenhuma vítima é responsável pelo abuso, mas ele fornece subsídios fortíssimos para que algumas
perguntas sejam levantadas: "Onde estava Deus naquele momento? Deus me ama? Posso confiar nele? Se posso, o
que me leva a confiar nele?"
O fator diabólico do abuso é que ele executa o trabalho de Satanás de iludir a vítima quanto à verdadeira
natureza de Deus, encorajando-a a desconfiar do Senhor. Ao temer confiar em Deus, a vítima do abuso vai
naturalmente procurar por outros deuses que lhe dêem vida, seja através do álcool, da promiscuidade ou da busca de
aprovação.
Portanto, o principal inimigo da vítima do abuso é o pecado: a recusa em confiar em Deus, com quem ela
está magoada. O Espírito Santo está trabalhando duro cm seu coração para revelar a verdadeira natureza de Deus e
confrontá-la com seu medo e desconfiança, mas esse trabalho precisa da cooperação da pessoa.
O propósito de encarar as lembranças
O foco no ponto principal - se e o quanto confiamos em Deus, independentemente da situação ou do
relacionamento - coloca a questão do abuso em seu devido lugar. A dor do abuso não é o principal problema a ser
resolvido. O abuso sexual não deve ser visto como o equivalente psicológico do herpes. Herpes pode ser curado com
medicação adequada e tratamento. É extremamente doloroso mas, na maioria dos casos, dcsenvol-ve-se de uma
forma previsível se tratado adequadamente.
Por outro lado, o abuso sexual é uma tragédia, mas não é uma doença. À luz de minha teoria, a doença é o
pecado. Ele é o problema principal, alimentado por lembranças ou histórias que expõem a luta de nosso coração
contra Deus.
Portanto, a decisão de encarar nossas lembranças e lamentar nosso sofrimento não é apenas um tipo de
catarse. O objetivo é expor nossa visão distorcida de Deus, encontrar as raízes de nossa descrença nele e eliminar o
poder que nosso sofrimento tem de nos levar a fazer escolhas erradas. Ao encararmos a dor, a luta e a vitimização de
um modo que honre a Deus, estaremos primeira e principalmente lidando com nosso relacionamento com Deus -
ainda que pareça que tenhamos um foco horizontalmente humano.
A mulher que enfrenta seu complexo com a beleza comprando um belo vestido parece estar agindo de
modo puramente comportamental, tentando mudar apenas no nível horizontal. Na verdade, pode ser exatamente isto.
Mas, para um crente, isto pode ser tão grande quanto um ato de fé, um reconhecimento da confiança, tal como
ocorreu com os amigos de Daniel que passaram uma longa noite na fornalha.
A escolha por não obedecer a Deus é rebelião, mas não adianta nada admoestar a vítima sobre seu pecado
ou exortá-la a viver uma vida mais santa. Ela deveria fazer de tudo para crer cm um Deus bondoso, mas suas escolhas
feitas já na infância impedem que ela veja Deus pelo prisma correto. Estas lembranças vão impedi-la de, mesmo
adulta, decidir-se por confiar em Deus, até que encare as escolhas e razões que a conduziram a tomar tais decisões.
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O que são lembranças?
Como devo encarar minhas recordações do passado?
O debate sobre repressão cai numa questão importante: "É possível que as lembranças sejam tão
radicalmente esquecidas de modo que não apenas os fatos, mas o próprio processo de esquecimento seja
inconsciente?". Muitos dos que lerem este livro jamais se esquecerão de seu passado. Pode ser que eles nunca tenham
contado nada a ninguém, nem dado muito importância ao fato, mas eles estavam plenamente cientes de sua história.
Outros, porém, alegam não ter nenhum tipo de lembrança, nenhum traço de qualquer recordação do abuso passado e,
de repente, ao assistir um programa de TV sobre abuso, as memórias entram na área do consciente. Os assustadores
fragmentos antigos de memória se juntam como um quebra-cabeças que revela a natureza, o contexto e o executor do
abuso.
Será que esta repressão e recuperação são reais, ou são a piada do século como o psicólogo social Richard
Ofshe sustenta?1
Há dois fatos que complicam o assunto: influência cultural e dificuldade de pesquisa.
Freud usou o termo repressão como uma metáfora para descrever a relutância de uma pessoa em encarar
informações dolorosas que terminaram instalando-se no inconsciente. Outros vêem o termo como um fenômeno
muito específico e assumiram-no como real, sem muito esforço para validar ou se aprofundar no processo. O que
começou como uma metáfora criou vida própria.
A tradição da psicanálise tem sido contaminada pela ação de muitos terapeutas que presumem que a
repressão ocorre quando um evento é muito doloroso para ser encarado. O evento passa simplesmente para uma
gaveta do inconsciente, perdido, até que alguma coisa provoque seu retorno ao consciente.
Repressão é como atirar uma pedra na areia movediça: a lembrança vai afundando calmamente e sem
qualquer obstáculo até que desapareça da visão; ela não será vista até que um cataclisma lance-a das profundezas, ou
até que um especialista comece a cavar e procurar por ela, tirando-a de seu esconderijo.
Este modelo de repressão torna a pessoa passiva no processo de lembrança e mudança. Ele reforça a
convicção de que eu não tenho nada a ver com o processo. "Sou uma vítima - como você pode me culpar pela dor que
estou sentindo?". E de consenso geral que este tipo de repressão é praticamente impossível de ser desafiado.
Uma segunda questão envolve pesquisa e validação. Pode-se provar a existência da repressão? De certo
modo, é um enigma da pesquisa: como podemos medir algo que, supostamente, a pessoa sequer sabe que possui? A
psicóloga Elizabeth Loftus, uma especialista em lembranças da Universidade de Washington, diz o seguinte:
Mas como um cientista busca por evidências que provem ou contestem um processo mental inconsciente
envolvendo uma série de eventos internos e espontâneos sem estar ciente ou ter qualquer sinal exterior que
indique que alguma coisa está prestes a acontecer, está acontecendo ou já aconteceu? E como pode um
cientista provar ou contestar que uma lembrança recuperada espontaneamente representa a verdade e nada
mais que a verdade ao invés de ser algum tipo de mistura de realidade e imaginação ou, talvez, um plano ou
pura invenção?2
Há dados que indicam que vítimas de abuso sexual esquecem ou reprimem lembranças. Lenore Terr relata:
A pesquisadora do tema abuso sexual Linda Meyer Williams entrevistou um grupo de cem mulheres que,
quando tinham menos de 12 anos de idade, passaram por exames na sala de emergência de um grande
hospital pelo fato de elas ou seus parentes haverem relatado às autoridades a ocorrência de abuso sexual.
Fia descobriu que 38 mulheres não tinham qualquer lembrança deste incidente. Ao invés de mostrar
relutância em conversar sobre um assunto tão embaraçoso como este, estas mulheres pareciam
completamente incapazes de se lembrar até mesmo da visita à sala de emergência, sobre as quais as
autoridades tinham registros em suas mãos. Isto foi repressão, ou algum outro tipo de defesa baseado no
esquecimento estava acontecendo3
.
Mas este estudo apenas indica que as lembranças podem ser "esquecidas", e não que elas estejam
escondidas em algum canto esperando para serem recuperadas por alguma força exterior. Isto é enganoso e requer o
reconhecimento honesto de todas as partes de que não há pesquisas ou trabalhos suficientes para assumir como válida
a questão da repressão.
Por outro lado, torna-se cada vez mais claro que as lembranças do abuso passado podem se misturar com
conjecturas, fantasias e imaginação. Nestes casos, o evento do abuso é verdadeiro, mas alguns dos detalhes não.
Especialistas em lembranças afirmam que informações presenciadas, armazenadas e posteriormente recuperadas em
meio a uma situação de grande estresse emocional são frequentemente imprecisas com relação a certos detalhes ou à
sequência dos eventos4
.
15
Neste caso não se questiona o evento, mas a precisão dos detalhes. Loftus pediu a um aluno que roubasse a
carteira de outro no início de uma aula. Ela pediu a descrição do ladrão e disse, no começo das investigações, que ele
usava barba. Várias descrições feitas pelos alunos foram compiladas - e a maioria incluía a barba. Na verdade, o
ladrão tinha o rosto muito bem barbeado5
.
Loftus argumentou que a figura de uma autoridade pode influenciar a lembrança de uma pessoa suscetível
de modo que ela inclua detalhes que simplesmente não são verdadeiros. Outro de seus alunos investigou se era
realmente possível introduzir falsas lembranças. Perguntou-se aos alunos se eles se lembravam de estarem perdidos
numa loja de departamentos. Por várias vezes, os alunos se lembraram de situações como esta, acrescentando
diversos detalhes e narrativas ao evento, sem, na verdade, nunca terem passado por tal situação6
.
Estes estudos sugerem que detalhes e até lembranças completas podem ser sugeridas e elaboradas até que o
evento ganhe vida própria. Obviamente, estes estudos não tratam de questões traumáticas e lembranças pessoais. É
um processo difícil de ser estudado e não seria ético submeter alguém a um abuso para estudar suas reações.
Como se estudam, então, lembranças traumáticas? Seria necessário o estudo cuidadoso de vítimas que
sofreram comprovadamente abuso sexual durante décadas para se saber exatamente como a memória é afetada, quais
variáveis da personalidade estão relacionadas com a lembrança ou com o "esquecimento", e qual é o efeito da terapia
sobre os relacionamentos, sintomas psicológicos e desenvolvimento da personalidade. Estes estudos são de altíssimo
custo e não sei de nenhum que esteja em andamento. Portanto, é tolice definir uma posição final sobre estes assuntos.
Minhas convicções atuais, porém, levam-me a definir as seguintes premissas:
Lembrança não é uma fita de vídeo do passado
A lembrança é, de certo modo, uma reconstrução do passado bastante suscetível à erosão, às opiniões
tendenciosas e à inexatidão. E um erro considerar as lembranças de uma pessoa como algo completamente perfeito
sem levar em conta o nível de intensidade emocional ou os detalhes associados àquela lembrança.
Deveríamos lançar uma visão aberta, especulativa e não dogmática sobre nossas lembranças. Vítimas de
abuso que mantiveram presente em suas vidas a lembrança do sofrimento causado por aquele evento deveriam
admitir que detalhes importantes podem ser construídos de maneira errônea, ser esquecidos, ou podem simplesmente
não retratar a realidade com perfeição.
O que ela deve fazer, então? Há duas possibilidades: Uma é pedir ao agressor a confirmação do ato e a
descrição de detalhes. Na maioria dos casos, ele vai negar o abuso ou também já se terá esquecido de muitos detalhes.
Em ambos os casos é possível que as lembranças não sejam tão precisas quanto eram originalmente.
A outra opção é viver sem "requerer precisão fotográfica". Esta opção nos leva a uma pergunta: Afinal de
contas, para que se lembrar? Por que buscar lembranças potencialmente imprecisas?
Em parte, a resposta é: para elucidar o presente. Nossas lembranças passam a ser importantes quando
permitem uma compreensão repentina e intuitiva do nosso presente. Sugiro duas áreas em que as lembranças são
importantes:
• As lembranças nos ajudam a perceber como temos desenvolvido nossos padrões de afastamento
de Deus e definido nossos próprios caminhos para encontrar significância longe de Deus.
• As lembranças nos ajudam a compreender por que escolhemos não confiar em Deus.
O passado não nos exime de nossa rebelião, mas põe nossa desobediência no contexto relativo ao por que
achamos ser difícil confiar em Deus. Estas imagens abrem as portas para uma maior consciência de nossa luta contra
Deus e nos permitem ver a dimensão do que significará nos humilharmos perante ele em arrependimento.
Há um fenômeno de esquecimento que impede que nos lembremos daquilo que é verdadeiro em relação a
Deus, à vida e a nós mesmos
A Bíblia é clara ao dizer que escondemos a verdade em função da injustiça (Rm 1:18-23). Muitos
psicólogos pensam que supressão é diferente de repressão. Se a repressão é um ato inconsciente de "esquecimento",
na maioria dos círculos de psicólogos a supressão é considerada como a atitude deliberada de alguém de tirar os olhos
de um problema que o aflige.
As Escrituras, porém, nos mostram a supressão como algo mais traiçoeiro. Supressão significa manter
alguma coisa escondida - semelhante a colocar uma bola de futebol embaixo da água e sentar em cima dela para que
não venha à tona. O subproduto da supressão, conforme o relato de Romanos, é o culto à criatura em vez de ao
Criador. Paulo vê isso como uma insanidade moral que gera graves sintomas e conseqüências.
Uma das conseqüências é o endurecimento do coração, que leva à cegueira pessoal e moral. Se dermos
16
lugar à supressão, nossos olhos se fecharão e seremos iludidos tanto moralmente quanto em nossos relacionamentos.
O processo parece caminhar de uma recusa consciente de encarar a verdade para uma inabilidade de perceber
facilmente essa verdade. É esse o fenômeno que Freud e outros chamam de repressão? Se é, então ele envolve uma
diferença fundamental: supressão é a recusa consciente de encarar o que é verdadeiro. Num certo momento, isso pode
se transformar numa distorção e, finalmente, levar a aceitar uma ilusão.
As Escrituras nada falam sobre repressão passiva, mas elas realmente tratam de nossa propensão natural ao
esquecimento, aqui representado não pela falha em se lembrar de algo, mas como uma determinação teimosa de
empurrar para bem longe aquilo que é verdadeiro, e abraçar uma "verdade" que viola a natureza da realidade.
Sou da opinião de que não existe a repressão, no sentido de um processo de esquecimento passivo e
inconsciente. Ao contrário, nós realmente esquecemos - muitas vezes de lembranças trágicas e traumáticas - mas
apenas como uma estratégia para esconder constantemente a verdade atrás da injustiça.
Freqüentemente me perguntam: "Você está dizendo que uma criança de cinco anos que foi violentada está
escondendo a verdade atrás da injustiça?" Gostaria que a resposta não fosse nem complexa nem facilmente mal
interpretada.
Paulo não está abordando esta questão em Romanos 1, mas está descrevendo o processo através do qual
todo coração humano fica cego e insensível à verdade. Será que isto é verdade no caso de uma criança de cinco anos?
Tal criança peca? Eu creio que meus filhos fizeram isso aos cinco anos de idade.
O pecado está presente em nós desde o nascimento, apesar de inocente e rudimentar. O que determina a
dimensão em que o pecado vai se desenvolver? Apesar de este ser um assunto extremamente complexo, creio que os
eventos que compõem nossa vida dão forma à matéria-prima do pecado como um meio de defesa contra um mundo
pecaminoso e caído e de clamar por algum tipo de similaridade com o Éden, que, intuitivamente, achamos que
merecemos.
Conseqüentemente, creio que o processo de "bloquear lembranças" surge, em qualquer idade, a partir da
confusão, da vergonha e da tristeza. De modo objetivo, o que causa o bloqueio é algo maior que a dor. É a sensação
de vermos o mundo desmoronar sem a ajuda de que gostaríamos: ordem sendo substituída pelo caos; relacionamentos
rompidos pela traição; alegria e felicidade subjugadas pelo desespero. Alguém com cinco anos de idade é incapaz de
articular as coisas desta forma, e sua fuga da realidade pode ser inevitável, natural e não censurável, mas tem sua
origem no mesmo tipo de rebelião que uma pessoa mais velha apresenta ao dizer em alto e bom som: "Por que eu
devo confiar em Deus se ele permitiu que isto acontecesse comigo?".
Em resumo, creio que a supressão consciente pode se transformar numa distorção e até mesmo numa ilusão
que bloqueia completamente as lembranças do passado. Sendo assim, nunca somos chamados primeiramente a nos
lembrar de coisas passadas, mas sim a entendermos em que momento demos lugar à idolatria - a crer em outra coisa
que não Deus. Em alguns casos, as lembranças de abusos realmente voltam, mas recuperar a memória não é nem a
base da mudança, nem a prova dos fatos. Ao contrário, as lembranças são informações que nos ajudam a ver mais
claramente a energia que alimentou nossa idolatria e como temos expressado esta idolatria em nosso relacionamento
com Deus e com os outros.
Lembranças imprecisas ou totalmente falsas podem ser consideradas verdadeiras quando baseadas em
confirmação emocional, explicações forçadas e/ou concordância com uma autoridade
Dados extraídos de pesquisas e observações indicam que falsas lembranças podem ser geradas e misturadas
com fantasias, com outras lembranças imprecisas e suposições e, então, serem consideradas verdadeiras. Mais do que
isso. Sabemos através das Escrituras que é extremamente difícil conhecer o coração humano e que somos criaturas
dadas à imaginação. Somos capazes de magoar a nós mesmos com a mais sincera, honrosa e boa intenção. Isto é
verdade, também, quando se refere a crentes, e não apenas àqueles que passam a vida inteira escondendo a verdade
atrás da injustiça.
Atualmente a questão da lembrança está sob severa investigação como um lugar de decepção e ilusão - não
como uma distorção fingida e inconsciente da verdade, mas como um aterrorizante, sincero e bem-intencionado
truque.
A história de pais acusados de danos hediondos é cada dia mais comum. Alguns que afirmam terem sofrido
abuso estão errados. Outros que dizem estar sendo falsamente acusados estão mentindo. Mas a batalha contra falsas
lembranças não está sendo motivada por vítimas sedentas de vingança, nem por pais mentirosos. Parece que as falsas
lembranças estão mais presentes quando:
• O terapeuta pressupõe que certos sintomas, sinais ou sonhos de seu cliente são a prova de abusos
passados, e afirma com segurança e confiança que o abuso ocorreu e está sendo reprimido.
• O cliente, presumindo que o terapeuta é o especialista que conhece a verdade, concorda com
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técnicas usadas para recuperar lembranças "reprimidas" com o objetivo de explicar seus sintomas
e suas dificuldades.
• O terapeuta usa técnicas dissociativas — como regressão, hipnose, indução ou análise de sonhos
— para recuperar os fragmentos da imaginação, das fantasias, suposições e memórias de seu
cliente e transformá-los numa "história" supostamente verdadeira, que explica as dificuldades e
alivia o cliente da responsabilidade de encarar seu próprio pecado.
Quando estes elementos estão presentes, creio que há uma enorme possibilidade de se desenvolver falsas
lembranças. Eu sinceramente duvido (apesar de tudo ser possível quando se fala de seres humanos) que uma
lembrança falsa possa ser implantada apenas por sugestão, assistindo a um programa de entrevistas ou ouvindo
alguém falar sobre abuso sexual. Lembranças que surgem de modo espontâneo nas atividades do dia-a-dia raramente
têm as mesmas "características" de lembranças recuperadas através de técnicas destrutivas de processos terapêuticos.
Na imensa maioria dos casos, o advento das lembranças falsas não é uma conspiração sinistra arquitetada
por um terapeuta malévolo que queria causar dano a alguém. Se este fosse o caso, a questão de falsas lembranças
seria habilmente tratada pelo sistema judiciário. Ela tem sido tragicamente trazida à tona por pais sinceros, clientes e
terapeutas pegos numa rede de confusão, injúria e dogmatismo. Levará anos até que se possa articular uma linha de
pensamento e disseminá-la entre os meios profissionais e leigos. O que fazer até que isto aconteça?
A coisa mais sábia a fazer é se concentrar em quem nós somos
Encorajo aqueles que mantêm lembranças reminiscentes a se concentrarem naquilo que aprenderam —com
esses eventos— sobre tipos de relacionamento que visem a autopreservação, e sobre o seu relacionamento com Deus,
em vez de se concentrarem em obter lembranças mais precisas.
Incentivo aqueles com os quais trabalho as questões de lembranças parciais a conversarem com outras
pessoas associadas ao fato para que busquem dados que possam preencher os espaços vazios na memória. Uma visita
ao local onde ocorreu o evento freqüentemente adiciona mais detalhes. Os detalhes se tornam mais claros quando o
cliente se dispõe a escrever aquilo de que realmente se lembra, embora seja importante orientá-los para que não se
afastem demais da verdade.
Fazer deduções lógicas a partir daquilo que é relatado também é bom ("lembro-me de estar em uma
banheira, o que me leva a concluir que a ação ocorreu à noite, pois só tomo banho antes de dormir"), contanto que
tanto eu quanto meu cliente saibamos separar exatamente o que é de fato lembrança daquilo que é dedução. Deduções
relativas à identidade do agressor ("deve ter sido meu pai, pois ele era o único homem por ali") devem ser encaradas
com extremo cuidado e não ser usadas como base para acusações.
Mas é muito mais importante perguntar: "O que vai me levar a desistir de querer saber?". Se as lembranças
são do período em que a pessoa tinha três ou quatro anos, então todas elas serão apenas flashes, sempre incompletas
devido ao processo pelo qual o cérebro humano amadurece. Lembranças abaixo dos três anos são quase sempre
suspeitas e, a não ser que sejam corroboradas por fatos, devem ser recebidas com desconfiança.
Lembranças de idades mais avançadas, porém, estão normalmente bloqueadas pelo fato de carregarem
profunda mágoa. Podem existir várias razões para que as lembranças não sejam trazidas, mas é legítimo pedir:
Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração: prova-me e conhece os meus pensamentos; vê se há em mim algum
caminho mau, e guia-me pelo caminho eterno
Salmo 139:23,24
Para aqueles que não estão plenamente certos de que o abuso ocorreu de fato, incentivo a pensarem que as
lembranças não são a chave para a mudança. Ao nos concentrarmos no passado ou na recuperação de lembranças,
estaremos sendo levados a crer na ilusão de que conhecer o passado pode mudar o presente. De fato, o oposto é que é
verdadeiro. De acordo com a intensidade com que lutamos com o presente, assumindo a responsabilidade da idolatria
expressa na autoglorificação e na autoproteção, o que precisamos saber sobre o passado irá se tornando claro a cada
dia. Neste sentido, o passado é servo do presente. Mudar no presente abre caminho para qualquer coisa que Deus
queira que saibamos sobre o passado.
Ainda estou tentado a crer que as lembranças do abuso passado podem ser esquecidas, mas normalmente
haverá informação suficiente para indicar que a pessoa tem uma longa história de fuga da realidade. A supressão da
verdade requer uma energia enorme e os sintomas da "opção pelo esquecimento" serão crônicos e destrutivos.
Infelizmente nenhum sintoma ou até uma constelação de sintomas pode ser "lido" como uma chapa de raios
X através da qual se possa diagnosticar a possibilidade de o esquecimento ter sido uma opção. Portanto, meu
relacionamento com Deus e minha decisão quanto a amar ou não os outros representam o fator dominante e
impulsionador que vai abrir meu coração à realidade e à possibilidade de acessar lembranças ainda congeladas pela
supressão.
18
Se entendermos o arrependimento (deixar de lado a confiança idólatra em alguém ou alguma coisa que não
seja Deus e lutar para conhecê-lo mais, desejando sua glória e confiando em sua bondade) como a chave para a
mudança, então estaremos nos precavendo contra a busca destrutiva de lembranças, sem negar que o passado
representa um papel crucial na definição de nosso presente. Mas se virmos a idolatria, ao invés da recuperação do
"eu", como a questão central do aconselhamento, então acharemos mais difícil explicar, satisfatoriamente, o pecado
por causa do abuso.
Isto nos leva à terceira pergunta: Qual é o melhor contexto para a mudança? Ou, mais especificamente: O
aconselhamento realmente ajuda ou causará na pessoa um dano significativo?
Preciso de ajuda para mudar?
Qual a validade do aconselhamento?
A questão levantada pela controvérsia das falsas lembranças leva-nos ao cerne daquilo que chamamos
terapia ou aconselhamento. O que o aconselhamento faz diferentemente de um relacionamento bom, estável e
interessado? O terapeuta faz algo tão importante que não pode ser encontrado em nenhum outro lugar? É óbvio que
ninguém mais deve tratar de uma cárie a não ser um dentista. Uma ponte pode ser projetada somente por um
engenheiro. Mas isto também é verdade na área da psique humana?
Em certas queixas de distúrbios psicológicos, como depressão, a melhor coisa a fazer é procurar um
psiquiatra e conversar com pessoas que saibam como lidar com esta situação. Mas será que esta pessoa deveria
procurar um terapeuta? O que dizer de alguém excessivamente ansioso ou que sente nojo ao manter relações com seu
cônjuge?
Estes não são assuntos fáceis, nem podem ser abordados de modo apropriado em apenas alguns parágrafos.
Na maioria dos casos, as pessoas mais bem preparadas para lidar com ansiedade e nojo em relações sexuais são os
terapeutas. E não é errado procurar ajuda de alguém que investiu grande parte de sua vida para tratar de questões tão
complexas. Mas o que qualifica uma pessoa a poder falar com outra sobre questões existenciais?
Creio que o treinamento profissional não é a qualificação mais importante, apesar de eu lecionar no curso
de mestrado na área de aconselhamento. Creio, em vez disso, que o que habilita uma pessoa a conversar sobre
questões existenciais de forma produtiva é o hábito constante de pensar, ler e discutir questões existenciais.
Na minha opinião, a terapia é uma concessão à recusa de nossa cultura de falar e pensar de modo sério
sobre nossa existência à luz da vontade revelada de Deus - a Bíblia. Conversas sérias sobre nossa existência que
incluam discussão honesta e orientada à nossa dignidade como pessoas feitas à imagem de Deus e, ao mesmo tempo,
destruídas pelo pecado é o ponto principal do que deveria ser abordado no aconselhamento.
Infelizmente, este tipo de interação em que tanto se valoriza a dignidade quanto se expõem os perniciosos
tentáculos da depravação são raros na comunidade cristã. Por esta razão, o aconselhamento existe como um meio de
se encarar a realidade com mais integridade.
Isto quer dizer que a terapia não é cristã ou é necessariamente destrutiva? Claro que não - contanto que o
terapeuta leve em conta tanto a dignidade quanto a depravação. A "conversa" será distorcida e suas conseqüências
destrutivas na mesma proporção em que algum dos componentes da personalidade humana sejam ignorados ou
desvalorizados.
Creio que a mudança mais profunda dentro de nós ocorre no momento em que nos mantemos fiéis, abertos
e engajados em um relacionamento. Igreja é comunidade - ela falha, machuca e não cumpre seu papel como noiva de
Cristo, mas nenhuma outra forma de relação consegue refletir melhor o envolvimento horizontal com outros crentes e
vertical com Deus, em oração.
Esta intersecção constante entre oração e discussão revigora nossa fome de Deus, elimina ideias falsas e
cria um clima perfeito para a adoração. Portanto, vejo o aconselhamento como uma concessão - não imoral, mas
trágica, pois o aconselhamento produz o tipo de comunhão que deveria ser providenciado no contexto normal, na
intimidade diária e na palavra profética, que é mútua, igualitária e livre.
Espero que todos aqueles que procuram seriamente conhecer melhor a vontade Deus leiam este e quaisquer
outros livros que julguem interessantes sobre este assunto mantendo como pano de fundo a conversação. Conversas
precisam de comunhão. Exigem diálogo, discordância e liberdade de expressão, mantendo, ao mesmo tempo, um
relacionamento sincero e comprometido. Esta discussão pode acontecer com um terapeuta, dentro de um pequeno
grupo de estudo bíblico, entre cônjuges ou com um bom amigo. Mas deve-se perguntar:
• Minha "comunidade" assume que o problema principal é o abuso sexual (ou de qualquer outro tipo),
lembranças reprimidas e problemas de personalidade? Se sim, subitamente haverá uma pressão para
recuperar, encarar o passado e se sentir pleno e livre. O resultado será um distanciamento gradual do
arrependimento e da fé como os componentes principais e centrais para que a mudança ocorra. Ou então
19
estes elementos de um contexto bíblico serão transformados de modo a significar: "pare de se machucar,
faça o que quiser e não permita que ninguém exerça qualquer tipo de influência sobre você". Se deixará,
então, o Evangelho para acolher as boas-novas da auto-ajuda da indústria da psicologia.
• Minha "comunidade" usa técnicas para se lembrar do passado - hipnose, regressão, imagens ou qualquer
outra técnica dissociativa - com a convicção de que aquilo que é recuperado com emoção é verdadeiro? Se
usa, não apenas a questão principal não foi compreendida, como o processo de mudança é alguma coisa
diferente do arrependimento. Este é o solo fértil para a criação de falsas lembranças. Eu recomendo
fortemente que você não participe de grupos que utilizam técnicas dissociativas, que reduzem o problema a
uma questão de lembranças reprimidas. Minha "comunidade" determina que o abuso sofrido requer
automaticamente um rompimento com o agressor ou sua família? Em nenhum lugar das Escrituras
encontramos uma orientação para confrontar cada pecado ou para quebrarmos o relacionamento com
aqueles que tenham nos causado algum dano. Há um ponto em que devemos limitar o dano; há também
momentos em que devemos nos separar daqueles que vivem na maldade ou daqueles que decidem viver
longe do Evangelho ao escolher o pecado. Muitos dos que sofreram abuso, porém, escolhem o caminho do
confronto com o agressor ou sua família e, quando as coisas não dão certo, preferem romper o
relacionamento. Esta decisão tem separado famílias de maneira trágica e criado um clima propício para as
acusações e separações. Um bom ajudador - seja um terapeuta, um amigo próximo ou um grupo - tentará,
antes de tudo, levar em consideração o clamor e o paradoxo do amor que ousa.
Ao procurar um terapeuta ou uma comunidade, é sábio considerar como ele (ou ela) encara o tipo de problema a
ser tratado, como promoverá a transformação e quão persistente ele ou ela será em avaliar o crescimento da vítima de
abuso quanto ao seu amor a Deus e aos outros. Estas preocupações devem intensificar nossa abertura para que
vejamos as ciladas de Satanás ao tentar levar muitos cativos a ignorar o passado ou a transformar o abuso no
problema principal. Se estivermos atentos a isto, até mesmo a incerteza quanto a estas questões evitará que caiamos
nas armadilhas colocadas no caminho por Satanás. Então poderemos continuar a difícil mas vivificante busca do
conhecimento de Deus.
20
Parte I
A Dinâmica do
Abuso
21
CAPÍTULO 01
A Realidade de uma Guerra: Encarando a Batalha
Às vezes fico pensando se cada pessoa do mundo, homem ou mulher, jovem ou velho, sofreu abuso sexual.
A natureza de meu trabalho, sem dúvida, cria uma visão tendenciosa, talvez até demais. Como psicólogo e professor
na área de aconselhamento, sou convidado a entrar na vida de inúmeras pessoas: pessoas que moram na vizinhança, o
professor da escola dominical, o pastor, o médico e - este pode machucar -sua esposa ou marido. Para muitos deles, a
história do abuso sexual permanece como uma dor de dente crônica, tão familiar que nem se percebe mais a sua
existência, amortecendo os sentidos mas sem impedir a execução da rotina diária.
Na maioria dos casos você não vai nem imaginar que passou por uma situação de abuso sexual. Se forem
questionados diretamente, muitos sequer vão se lembrar do abuso; outros mentiriam para evitar a vergonha de admitir
que foram vítimas de um dos poucos crimes em que a vítima se sente mais sozinha e rejeitada do que o próprio
criminoso.
Abuso sexual é um assunto difícil. Muito mais que outros, este tema causa um sentimento de vergonha
horrível e desconfortável, tanto no conselheiro quanto na vítima. Em muitos grupos, a pessoa que admite ter um
histórico de abuso torna-se o pára-raios do temor e do ódio daqueles que sofreram o mesmo mas não admitem. Para
as vítimas é realmente muito fácil negar o passado, ignorando as lembranças, a dor e o sofrimento atual que possam
estar relacionados ao abuso.
Lembro-me das palavras melancólicas de uma jovem senhora que estava enfrentando as lembranças do
abuso cometido por seu pai, um respeitado pastor: "Eu preferia estar morta a encarar a verdade das lembranças. Se
admitir que elas são verdadeiras, serei totalmente abandonada por meus pais, pela família e pela igreja. Se continuar a
viver uma mentira, começarei a apodrecer de dentro para fora, fingindo que tudo está bem quando eu sei que não é
verdade".
Suas escolhas eram claras: mentir, e morrer lentamente; falar, e ser imediatamente rejeitada. Colocar deste
modo pode parecer um pouco trágico mas, em sua mente, viver (ou seja, admitir que tudo aquilo era verdadeiro)
implicava esquecer sua única esperança de vida: o apoio da família e dos amigos.
Seu pacto não é incomum. Parece que um terrível preço precisa ser pago todas as vezes que homens e
mulheres que sofreram abuso entram no horror de seu passado. Esta situação é similar à de um amigo meu, que
quebrou o pulso quando era criança. Devido à negligência de seus pais, o osso nunca foi tratado corretamente, mas a
união dos ossos aconteceu.
O osso se uniu de um modo que permitia uma função normal, exceto o movimento de dobrar o pulso. Ele
estava curado, mas de um jeito que não lhe permitia praticar, corretamente, nenhum esporte que usasse raquetes. Ele
aceitou isso bem, mas os efeitos da negligência de seus pais estão constantemente com ele.
Se quisesse corrigir o problema, teria que quebrar seu pulso novamente, passar por um longo processo de
recuperação, colocando um fardo razoável sobre sua família durante algum tempo. Por que se importar se ele já
aprendeu a conviver tão bem com seu problema? Uma pergunta semelhante a esta invade a alma das vítimas de
abuso.
O processo de penetrar no passado causará uma ruptura na vida, ou pelo menos naquela existência
travestida de vida. O caminho fácil da negação silenciosa que transforma alguém num ser servil e vazio, ainda que
com aparência feliz, ou num articulado líder de estudo bíblico, será substituído pelo tumulto, medo, confusão,
angústia e mudança. Casamentos precisarão passar por mudanças; relações sexuais poderão ser postergadas durante o
período em que o casal se dedicar a jejum e oração. O tecido da vida vai precisar ser desfiado linha por linha,
enquanto o Mestre tece novamente a vida da pessoa conforme seus desígnios.
O processo seria difícil mesmo num mundo ideal, com parceiros, amigos e igrejas que dessem total apoio.
Em muitos casos a batalha exterior é dramaticamente difícil pelo fato de que os outros preferem que aquela doce
mulher continue simpática; que a mulher competente continue no controle, e que aquele "arroz de festa" continue
sendo a alegria da reunião.
Quando a mudança é radical e desastrosa e se, particularmente, ela impele outros a mudarem também, é
vista com suspeita e com o mesmo rancor reservado aos piores hereges. Mas aquilo que é visto como a maior heresia
é em geral o que motiva aqueles que estão confortavelmente acomodados a mudarem de modo profundo.
Alguém poderia desejar que a santificação fosse um agradável passeio por um caminho florido. Na verdade,
o caminho passa por vales escuros e pelas trevas aparentemente impenetráveis que eclipsam a luz do Filho de Deus.
22
O horror à mudança é tanto que parece envolver um tipo de morte que acaba com a vida de um modo tal que nem a
ressurreição pode trazer de volta. Portanto, a única esperança aparente é a negação e a crença de que Deus quer que
sejamos complacentes, verdadeiros robôs espirituais. Vejo isto como um mascaramento diabólico, uma mentira de
tamanhas proporções e verossimilhança que parece extraordinariamente razoável. Além do mais, o que fazer com
uma dor de dimensões astronômicas que aparentemente fica pior a cada vez que se toca nela? A ladainha "estou em
paz" é cantada por uma multidão de vozes cujas experiências de vida e suas razões pessoais para se manterem afasta-
dos apenas banalizam a dor da alma e o peso do coração.
Qual é o objetivo de se procurar esperança real e alegria verdadeira? A resposta é simples: viver o
Evangelho. A razão para iniciar a batalha é um desejo por mais, um sabor do que a vida poderia ser se nos
libertássemos das lembranças negativas e da vergonha profunda. Ninguém sai da letargia da negação a não ser que
haja uma ponta de descontentamento que penetre na escuridão da dormência diária. Viver abaixo do padrão para o
qual alguém foi feito é trair a alma de modo tão grave quanto aquilo que foi feito pelo abuso.
Nossa motivação para mudar, entretanto, é muito maior do que uma simples insatisfação com uma vida
vazia. Somos motivados pelos mesmos objetivos que impulsionam os outros crentes. Paulo falou sobre o fim, citando
uma coroa de justiça (2 Tm 4:8). O apóstolo desejava ser derramado aos outros como uma bebida revigorante, lutar o
bom combate e acabar a carreira, pois ele sabia que seu desejo por ver a face de Deus seria recompensado com o
prémio da comenda do Senhor. Receber do próprio Senhor o prêmio de seu abraço, seguido da frase "bom trabalho",
era uma recompensa que suplantava as preocupações tradicionais com o bem-estar.
A pessoa que deseja lidar com as feridas do abuso não se sentirá corajosa e nem receberá de imediato
palavras de incentivo por estar iniciando uma nova caminhada. Os laços da alma não serão imediatamente liberados
ou quebrados. Então, o que a motivará a agir para receber o abraço de Deus? Mais uma vez, a resposta é o desejo por
algo mais. Deus nos criou com um desejo natural de sermos como ele é: vivos, justos, puros, motivados, prontos para
amar. Cumprir aquilo para o que Deus nos criou é a razão pela qual alguém escolhe trilhar o caminho da mudança.
O lado trágico disto tudo é que os adultos que decidirem enfrentar seu passado de abuso sexual precisam
estar motivados a enfrentar uma selvagem batalha interna e externa, travada entre cristãos1
. Estes tristes fatos, quando
ocorrem, se transformam em vitórias sobrenaturais de enormes proporções. É imperativo que o homem ou a mulher
que tenha sofrido o abuso entre nessa batalha mas apenas com uma consciência do preço a pagar, mas também com
uma profunda convicção de que a vida vivida na lama da negação não é vida. Se o Senhor Jesus veio para dar-nos
vida, e vida em abundância, então uma vida de fingimento envolve uma clara negação do Evangelho, não importando
quão moral, virtuosa ou chamativa esta vida pareça ser.
O que é preciso levar em conta quando alguém decide entrar na trincheira, na esperança de ver mudanças?
Em poucas palavras, deve-se aceitar que há uma guerra, que há um inimigo e que a batalha deve ser travada. A guerra
existe, e entra-se nela quando se reconhece a realidade do abuso passado.
A realidade da guerra
Um problema não pode ser resolvido até que seja encarado. Uma mudança ocorre quando colocamos em
palavras aquilo que é tido como verdadeiro: Eu sofri um abuso sexual2
. É difícil imaginar o tamanho da batalha e dar
um nome à realidade.
Uma mulher com a qual trabalhei por um ano participou recentemente de um grupo de pessoas que passou
pela experiência do incesto. Ela estava relutante em participar do grupo, apesar de nosso trabalho ter-se concentrado
nos efeitos do abuso. Confessou que a dificuldade estava em admitir para si própria que a única razão para estar se
juntando ao grupo era que ela mesma havia sido vítima de abuso. Apesar de a grande maioria de nossas conversas
naquele tempo ter sido sobre o abuso sofrido anteriormente, além do fato de sempre ter tido lembranças claras do
ocorrido, ela estava evitando terminantemente reconhecer que sofrera abuso.
Sempre achei muito estranha a relutância em encarar os fatos de frente até o dia em que me encontrei com
um amigo. Eu já estava conversando com pessoas envolvidas com abuso há quase um ano quando, então, liderei um
seminário sobre o assunto.
Durante o evento, várias pessoas me perguntaram se eu havia sofrido abuso. Minha resposta foi sempre não.
Aquele bom amigo ouviu-me na palestra e fez a mesma pergunta, à qual respondi da mesma maneira. Ele insistiu e
perguntou se eu já havia passado por uma situação na qual tivesse me sentido sexualmente desconfortável, inibido ou
humilhado. Minha resposta foi tão rápida que até eu me surpreendi: "Sim, com certeza". Ele me perguntou alguns
detalhes e, em questão de minutos, lembrei-me da masturbação forçada em um acampamento de adolescentes, um
convite a uma relação homossexual, ao qual rejeitei, no campo de escoteiros e uma investida sexual que ocorreu num
campo de futebol.
Ele olhou para mim com um ar de surpresa e ao mesmo tempo tristeza, perguntando: "Isto não se encaixa
em sua definição de abuso sexual?". Fiquei atônito. Não é que eu tivesse esquecido daqueles fatos, mas nunca havia
permitido que aquelas situações fossem rotuladas com uma palavra que abrisse a porta para uma investigação mais
23
profunda. Não admitir que o dano ocorreu gera uma enorme relutância em iniciar o processo de mudança.
Uma mulher veio a mim recentemente com o firme propósito de que eu definisse se ela havia sofrido abuso
sexual ou não. Ela possuía uma boa formação, era brilhante e competente. Muitos a conheciam como uma mulher
realista, uma pessoa muito bem equilibrada. Depois de ter explicado, com bastante acanhamento, as razões pelas
quais me procurara, ela me informou que, durante quatorze anos, fora levada por seus pais a uma colónia de nudismo.
Todos os verões, aquela comunidade era convidada a participar de um concurso de beleza naturista.
Durante um dos desfiles, ela foi forçada a posar, durante toda a noite, em várias posições, algumas
pornográficas. Sua alma se despedaçou. Ela estava aterrorizada com a idéia de estar associada à nudez de seus pais e
da colônia, mas, pior ainda, ela ignorava que naquela noite do desfile anual diversos homens estariam urrando e se
excitando pela visão de seu corpo adolescente em pleno amadurecimento. Mais uma vez fiquei surpreso. Como é que
ela ainda perguntava se havia sofrido abuso? Este registro não deixava as coisas mil por cento claras?
Uma mulher que sofreu abuso por parte de seu pai, tio e avô concordou que ela havia sido prejudicada por
seu comportamento, mas relutava em chamar isto de abuso sexual. Seu pai e seu tio forçaram-na a praticar sexo oral
com eles. Seu avô gostava de se exibir na frente dela. Com grande sinceridade, ela disse o seguinte: "eu não relutaria
em chamar de abuso se tivesse sido estuprada, mas tudo o que eles fizeram foi o mesmo que uma dezena dc outros
homens fizeram comigo em diversas ocasiões. Então, por que chamar aquilo de abuso?".
O que é abuso sexual? Parece que as pessoas trabalham de forma a achar que tudo o que sofreram não foi
abuso, mas, se tivesse acontecido com outras pessoas, ou tivesse sido um pouco mais extremo, então poderia ser
considerado como sendo abusivo. Um homem disse literalmente: "Minha mãe sempre desfilava pela casa sem
nenhuma peça de roupa. Vez por outra ela me pedia para apertar seus seios ou ver se havia algum machucado em
suas pernas. Sei que não era correto, mas como isto poderia ser chamado de abuso?". Pelo fato de haver este tipo de
confusão sobre o que exatamente constitui um abuso sexual, é necessária uma definição clara:
Caracteriza-se como abuso sexual qualquer contato ou interação (visual, verbal ou psicológica) entre uma
criança ou adolescente e um adulto, na qual a criança ou adolescente esteja sendo usada para a estimulação
sexual daquele que comete o ato, ou de outra pessoa.
Abuso sexual pode ser cometido por uma pessoa com menos de dezoito anos, desde que haja uma diferença
significativa de idade entre ele e a vítima, ou quando aquele que pratica o ato está numa posição de dominação e
controle da criança ou do adolescente. Quando o abuso sexual é cometido por uma pessoa que tenha relações
sanguíneas ou legais caracteriza-se um incesto ou abuso sexual intrafamiliar.
Existem duas grandes categorias de abuso: contato sexual e interação sexual. Contato sexual envolve
qualquer tipo de toque físico que objetiva o despertamento de desejo sexual (físico ou psicológico) na vítima ou
naquele que comete o abuso. Contato físico pode abranger, em nível muito severo, relações sexuais forçadas ou não,
sexo anal ou oral (24 por cento das vítimas3
); em nível severo, encontram-se a estimulação forçada ou não da vagina
(incluindo penetração), carícias nos seios ou qualquer forma de simulação de uma relação (40 por cento); em nível
menos severo, encontram-se beijos sensuais forçados ou não, toque nos seios, nádegas, coxas ou genitais por cima de
roupas (36 por cento).
As categorias implicam uma gradação da severidade, mas todo contato sexual não apropriado é perverso e
danoso à alma. Setenta e três por cento das vítimas das categorias mais leves de abuso relatam algum tipo de dano, e
trinta e nove por cento relatam traumas que variam de leves a extremos, decorrentes de abuso sofrido no passado4
.
Interações sexuais são mais difíceis de ser reconhecidas pelo fato de não envolverem contato físico e,
portanto, não parecerem tão severas. Em muitos casos ela é representada por uma súbita abordagem sexual que deixa
a vítima pensando se o fato realmente ocorreu ou se é produto de sua imaginação.
Interações podem ser qualificadas como visuais, verbais ou psicológicas. Abuso sexual visual envolve
interações em que crianças são forçadas ou convidadas a assistir a cenas ou imagens que despertam desejos sexuais
ou quando são observadas nuas pelo agressor, de uma forma que excite um adulto.
O pai de uma cliente costumava levar literatura pornográfica ao banheiro antes de ela entrar no chuveiro.
Depois que ela havia começado a tomar banho, ele entrava no banheiro para pegar a revista, demorando-se um
momento para observar o corpo adolescente da filha através da porta do box. Este não era uma acontecimento
incomum: o padrão foi confirmado em outras intrusões visuais.
Um jovem adolescente voltava para casa todos os dias com um misto de tremor e excitação, imaginando se
sua mãe alcoólatra estaria bêbada e, em conseqüência de seu estado, nua ou parcialmente vestida, deitada no sofá da
sala de estar. A cada dia ele jurava que não iria olhar, mas sua curiosidade adolescente e seu despertamento natural
para as questões sexuais sempre o traíam.
Um pai ou adulto que se excita ao ver uma criança nua ou apresenta à criança coisas que a levem a uma
estimulação sexual (através de pornografia ou exposição sexual exibicionista) sem dúvida vitimou sexualmente
24
aquela criança.
Interações sexuais verbais podem ser igualmente abusivas. Uma grande amiga minha falou casualmente
sobre o hábito de seu pai de falar sobre o corpo dela como se demonstrasse interesse em seu desenvolvimento. Todo
dia ele percorria visualmente seu corpo em processo de amadurecimento, como se estivesse em busca de piolhos. Ele
media sua saia, analisava o cabelo, avaliava e julgava os namorados e, o que era mais embaraçoso, fazia comentários
sobre seu corpo na frente dos garotos. O termo mais amável que ele usava para descrevê-la era T. T. Ninguém soube,
por anos, o que aquilo significava, mas ela sabia que ele se referia a seus seios. Este tipo de degradação verbal
contínua obviamente se constitui num abuso emocional, mas não deveria ser ignorado pois está claro que violava a
identidade sexual da garota.
O abuso sexual verbal também pode vir na forma de interações sugestivas ou sedutoras. Uma mulher
lembra-se do nojo que sentia quando estava perto de seu avô. Toda vez que a via ele piscava e cacarejava como um
galo. Seu desconforto interior era visto por seus pais como desrespeito e um sintoma de desvio da garota.
Isto perdurou por trinta anos até que, por outras interações, pôde-se chegar a uma conclusão. Finalmente veio à luz o
fato de que ele esperava o momento em que ninguém estivesse por perto e dizia: "Você é tão doce que eu seria capaz
de comer você. Venha cá, doçura, e deixe-me experimentar seus lábios". Ele era um velho louco ou inocente, ainda
que bastante inconveniente? Ou ele era um agressor sexual que usava as palavras como estimulante para seus
perversos desejos sexuais?
Uma indicação disso era que ele somente falava estas coisas quando estava sozinho com sua neta. Seus
abraços típicos de avô não eram notados, pois eles estavam inocentemente distantes de seus comentários sugestivos,
de forma que seus demorados beijos e abraços não apresentavam nenhuma relação com seu comportamento. Portanto,
todas as vezes que ele a tocava sua reação era de nojo e aflição.
Interações verbais claramente sedutoras são percebidas de modo mais fácil na maioria dos casos. Ser
convidada a tomar um banho com o papai, descer ao porão com o irmão ou dar um longo passeio pelo bosque com o
tio, momento em que pequenas insinuações sexuais são proferidas ou quando um abuso sexual já ocorreu
anteriormente são, obviamente, encontros abusivos.
Abuso verbal é uma ferida séria e profunda. Palavras abusivas relacionadas ao sexo causam o mesmo dano
de um contato sexual abusivo. O dano potencial gerado pela minimização dos fatos ou pelo sentimento de estranheza
que o dano causa torna a cura ainda mais difícil para aqueles que sofreram abusos subliminares do que para os que
sofreram severos abusos.
Uma última categoria de interação é o abuso sexual psicológico5
. Há uma distância clara entre os abusos
verbais e visuais e o abuso psicológico. O abuso sexual psicológico ocorre através de meios visuais ou verbais
(normalmente ambos), mas vai envolver um tipo de comunicação mais sutil (não específica, capaz de alterar o humor
mais facilmente), que normalmente rompe a barreira entre adultos e crianças.
Temos o exemplo de uma mãe que busca conselhos ou conforto com um filho adolescente sobre os
problemas sexuais que ela tem com o pai dele. Ela está prestes a cruzar a linha divisória entre uma conversa honesta e
uma conversa de alcova. Alcovitar é a ação de servir de intermediário em relações amorosas ou ser um alcoviteiro.
Um alcoviteiro se envolve em questões sexuais alheias em seu próprio benefício. Um pai que usa sua filha como
confidente ou substituta de sua esposa está enlaçando o coração de sua filha ao seu de uma maneira sexualmente
dissimulada.
Tipos de abuso sexual: Contato e interação
Contato:
Muito severo: relação genital (forçada ou não); sexo anal ou oral (forçado ou não).
Severo: contato com a genitália descoberta, incluindo toque manual ou penetração (forçada ou não);
contato com os seios descobertos (forçado ou não); simulação de relação sexual. Menos severo: beijos com
conotação sexual (forçados ou não); toque com conotação sexual das nádegas, coxas, pernas, ou genitais e
seios cobertos.
Interações
Verbais:solicitação direta de atividade sexual; sedução (sutil), solicitação ou alusão direta; descrição de
práticas sexuais; uso contínuo de linguagem sexual ou de termos sexuais relativamente a pessoas.
Visual: exposição ou uso de pornografia; exposição a relações sexuais, órgãos sexuais e/ou material
sexualmente provocativo (sutiãs, camisolas, cuecas e outras roupas íntimas); olhar de maneira inadequada
para partes do corpo (cobertas ou não) ou peças de roupa com propósitos de excitação sexual.
Psicológica: violação de limites físicos e sexuais; interesse exacerbado em menstruação, roupas,
Lágrimas Secretas
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  • 1. 1 DAN B. ALLENDER LÁGRIMAS SECRETAS Cura para as Vítimas de Abuso Sexual na Infância
  • 2. 2 SUMÁRIO Prefácio...........................................................................................................................................................................04 Prólogo Em busca da cura............................................................................................................................................................06 Prefácio da edição revisada Uma questão de lembrança.............................................................................................................................................11 Parte I A dinâmica do abuso.......................................................................................................................................................20 1. A realidade de uma guerra; encarando a batalha .........................................................................................21 2. O inimigo: pecado e vergonha.....................................................................................................................27 3. Desvio: em choque com a crítica....................................................................................................................36 4. A zona de batalha: estratégias de abuso.......................................................................................................42 Parte II Os danos do abuso......................................................................................................................................................52 5. Impotência..................................................................................................................................................53 6. Traição........................................................................................................................................................60 7. Ambivalência...............................................................................................................................................67 8. Sintomas secundários..................................................................................................................................74 9. Estilo de relacionamento..............................................................................................................................80 Parte III Pré-requisitos para o crescimento...............................................................................................................................87 10. A improvável rota para a alegria.................................................................................................................88 11. Honestidade................................................................................................................................................93 12. Arrependimento.........................................................................................................................................100 13. Amor intenso.............................................................................................................................................109 Epílogo Palavras aos sábios........................................................................................................................................................119 Notas.............................................................................................................................................................................122
  • 3. 3 AGRADECIMENTOS Minha filha de oito anos perguntou-me certo dia: "Papai, por que você está interessado em abuso sexual?". Felizmente, antes que eu pudesse começar a responder, ela me fez outra pergunta: "Papai, é verdade que as pessoas que sofreram abuso têm paredes em seus corações que impedem que sejam felizes e, depois de lerem o seu livro, elas terão menos tijolos nas paredes?". Chorei. Suas perguntas simples expressavam o cerne de minha vocação pessoal (por que estou interessado em abuso?), de minha atividade profissional (este livro será útil?), além de abrir as portas para que eu pudesse expressar uma enorme gratidão. Aquelas perguntas, a vocação e as tarefas não poderiam ser executadas sem um enorme grupo de pessoas - clientes, amigos, meu mentor e minha família -, os quais me deram a liberdade de fazer perguntas difíceis e formular respostas que nem sempre foram (ou até agora não estão) claras, precisas ou úteis, sem medo de rejeição ou condenação. Isto é uma coisa única na comunidade cristã. As faces de incontáveis homens e mulheres passaram diante de mim enquanto escrevia este livro. Suas vidas me ensinaram, partiram meu coração e aprofundaram minha convicção de que um Deus bondoso está trabalhando, ainda que de maneira singular e surpreendente. Não posso mencionar seus nomes, mas muitos ouvirão nestas páginas os ecos de nossas conversas, alegrando-se ou chorando. Não posso agradecer-lhes do modo como vocês merecem. Fui profundamente encorajado pelos diversos amigos que separaram um tempo para ler os manuscritos e comentar ou interagir com o material. Menciono aqueles cujo envolvimento tem sido de mais longo prazo, de maneira firme e desprendida: Al e Nita Andrews, Sandy Burdick, Karla Denlinger, Sandy Edwards, Lottie Hillard, Nancy Lodwick, Tremper Longman III, Shannon Rainey, Robin Reisert, Melissa Trevathon, Tom Varney e Lori Wheeler. Uma mulher que literalmente transformou o material através de sua sabedoria, bondade e bom humor foi minha editora, Traci Mullins. Eu jamais teria suportado o processo todo sem sua ministração competente e sem sua poesia tão expressiva. Seu coração está presente em cada página. De uma forma ainda mais sensível, o coração e a alma de meu colega, mentor e melhor amigo, Larry Crabb, estão transcritos na vida desta obra. Sua honestidade íntegra e inexorável e seu apaixonado desejo de conhecer mais e mais a Deus foram o impulso que me levou a querer alcançar almas abatidas e feridas com a esperança de profunda e eterna transformação. Sou seu devedor e apreciador. Finalmente, minha esposa Rebecca, minha Estrela do Norte. Sua sensibilidade e poderosa voz em favor daqueles que têm um coração ferido deu-me ainda mais prazer em desenvolver este trabalho. Seu coração é um presente que me traz alegria indescritível. Rebecca, minha gratidão a você nunca será corretamente expressa, mesmo que eu passasse o resto de minha vida agradecendo-lhe por seu amor. Os anos gastos na preparação deste trabalho não seriam possíveis sem seu coração gentil.
  • 4. 4 PREFÁCIO Eu queria que as coisas fossem simples. Gostaria que todos os problemas pudessem ser resolvidos facilmente através da sincera determinação em obedecer a Deus, de investir tempo regularmente na leitura de sua Palavra e em fervorosa oração. De certo modo, eles podem. O coração que se preocupa de modo sincero com seu compromisso de seguir a Cristo vai conhecer um amor altruísta, vai ser consumido pela maravilha de Deus, e proporcionar alegria a outros será um prazer tão grande para essa pessoa que as preocupações passarão a ter uma merecida segunda prioridade. Mas nossos corações são enganosos. A simples decisão de render-se completamente a Jesus pode dar início a um processo bom; mas existe dentro de nós uma legião tão grande de coisas más, feias e difíceis de serem tratadas, que preferimos nos omitir ao invés de nos rendermos totalmente. Às vezes tentamos provar a nós mesmos que Deus está contente com nosso grau de maturidade, ao passo que, de fato, o Espírito Santo está gentilmente nos levando às regiões mais escuras de nossa alma, as quais fazemos de conta que não existem. Cristãos que têm a coragem de seguir o Espírito pelas regiões menos amigáveis de nossas almas passam por maus momentos quando acham que o processo de amadurecimento acontece de um modo calmo e tranqüilo. Eles encaram o fato de que viver em um mundo decaído muitas vezes expõe as pessoas a experiências que nenhum filho de Deus jamais imaginou enfrentar; e nossas reações a estas experiências são muitas vezes manchadas por nossa própria ruína. Quando as pessoas são confrontadas - ainda que não por sua própria vontade - com terríveis pecados e crimes contra Deus, como abuso sexual, forças poderosas começam a agir dentro delas dc modo a fazê-las odiar a experiência de dar-se a outras pessoas. Exortá-las a que "confiem em Deus" geralmente causa frustração e provoca dúvidas atrozes sobre a realidade e validade da fé cristã. Um dos grandes desafios da igreja de hoje é trocar um modelo simplista de santificação por uma compreensão do Evangelho que seja ao mesmo tempo simples e contundente, penetrando com poder no íntimo de almas arruinadas e cheias de pecado. Esta mudança exige um trabalho pioneiro voltado à questão de problemas como abuso sexual na infância. Problemas que, pelo fato de não permitirem que reconheçamos tão facilmente a vitória absoluta de Cristo, tendem a ser ignorados. Se este esforço pioneiro é bíblico, ele deve enfatizar que a imagem de Deus é o ponto central ao redor do qual deve-se desenvolver uma visão sólida da personalidade; deve ratificar que nossa propensão ao pecado - e não os pecados que foram cometidos contra nós - é que é o nosso maior problema; deve proclamar que o perdão - e não a plenitude - é a nossa maior necessidade neste momento; deve asseverar que o arrependimento - não insights - é que vai promover a verdadeira mudança. Lágrimas Secretas é um livro notável. Vai muito além das idéias tradicionais de mudança, mas continua firmemente alicerçado nos princípios bíblicos à medida que explora com profundidade os danos causados às vítimas de abuso sexual. Considero-o como um trabalho realmente pioneiro. Não dá a última palavra sobre o tratamento destas pessoas, mas apresenta muito mais do que palavras iniciais. As discussões cuidadosamente fundamentadas sobre como o abuso sexual danifica a alma e quais as primeiras coisas que a vítima deverá superar vão, inicialmente, causar dor; posteriormente talvez resistência, mas sempre trarão esperanças ao leitor sincero, seja ele uma vítima ou uma pessoa querendo ajudar. O Dr. Allender resolveu escrever sobre um assunto que é alvo fácil do sensacionalismo, sem cruzar a linha da decência, mantendo-se focado no Evangelho. Proclama a confiança no poder das Escrituras de restaurar as vítimas de abuso à sua dignidade original de pessoas perdoadas, voltando a amar sem medo e podendo perdoar com o coração - antes triste - agora repleto de alegria. A leitura do livro vai dar uma idéia do preço pago pelo autor em sua abnegada busca pela compreensão dos problemas relativos ao abuso. Acompanhei Dan durante os vários anos em que ele esteve imerso nas centenas de detalhes sobre a questão do abuso sexual, alguns dos quais impublicáveis por suas características grotescas. Vi seu sofrimento. Ele leu muito, pensou muito, conversou muito, importou-se sinceramente com as pessoas e não se afastou, mesmo nos momentos em que era requerido mais do que ele podia dar para ajudar estas vítimas. Este livro representa sua resposta ao chamado de Deus. Não fiz nenhum esforço para escrever um prefácio isento, simplesmente porque sou incapaz de fazê-lo. Tenho grande apreço por este homem. Pude acompanhar sua vida desde que Deus iniciou uma grande mudança nele, transformando-o de um brilhante seminarista, com mais ousadia que sabedoria, em um psicólogo maduro, possuidor da poderosa combinação de insights penetrantes com paciência gentil, os quais advêm de uma rica consciência de ter sido perdoado. Dan e eu somos ligados por uma lealdade mútua, afeição e respeito, desenvolvidos através de momentos bons e ruins, que é a melhor definição da palavra amizade.
  • 5. 5 Mas não pense, em momento algum, que minhas palavras favoráveis têm a ver apenas com nossa proximidade. Com a maior objetividade que pude desenvolver - e eu sou um amigo extremamente crítico - concluí que Lágrimas Secretas não somente é o melhor livro disponível para ajudar de modo mais profundo a abordagem do assunto abuso sexual na infância, como é um ótimo exemplo de como se podem abordar temas que não são tratados diretamente pelas Escrituras. Nada é mais importante do que saber que o Evangelho de Cristo aborda todas as questões da vida com compaixão e poder. Este livro ajudou-me a ver mais claramente esta verdade. Creio que ele fará o mesmo com você. Dr. Larry Crabb
  • 6. 6 PRÓLOGO Em Busca da Cura Todo aquele que escolhe ler um livro sobre abuso sexual tem um propósito bem definido em mente. Alguns se chateariam demais em ter nas mãos um livro que fala de dor e sofrimento se seu objetivo fosse distrair-se com a leitura. Na maioria dos casos, este livro será lido por aqueles que estão lutando para compreender o próprio abuso que sofreram. Outros poderão lê-lo para entender melhor o problema que seu irmão da igreja, cliente ou cônjuge estão enfrentando. Qualquer que seja a razão para a leitura deste material, creio ser justo que o leitor faça a seguinte pergunta: Por que outro livro sobre este assunto? Uma resposta óbvia seria: oferecer ajuda àqueles que experimentaram o abuso sexual em suas vidas e dar subsídios aos que lidam com estas pessoas. Uma das principais mensagens dos livros sobre abuso, incluindo a deste, é a libertação da culpa do passado. O que aconteceu não foi culpa sua! Infelizmente, esta mensagem é ouvida primeiro como uma boa notícia, mas com freqüência não dura por muito tempo. Tenho ouvido várias vítimas de abuso sexual dizerem: "Outros são perdoados, mas não eu. Meu caso foi diferente. Se você soubesse dos fatos, saberia que, ao menos parcialmente, eu fui culpada. Eu o levei a isso. Eu não falava com ninguém sobre o assunto, e sei que deveria ter encontrado uma saída para frear seus avanços". Por alguma razão, essa anistia geral oferecida às vítimas de abuso sexual se esvai após o alívio inicial. Esta diminuição não invalida as boas novas. Simplesmente sinaliza que há mais coisas a serem feitas do que apoiar as pessoas que sofreram abuso e implorar que elas perdoem a si próprias. Quem é o inimigo? Quais são os fatores que fazem com que o abuso sexual seja tão vergonhoso? Quais são os fundamentos deste doloroso autodesprezo? O que precisa ser feito para levantar este véu de vergonha e rejeição? A resposta envolve uma estratégia que parece intensificar o problema: analise profundamente o coração machucado. O primeiro grande inimigo da cura permanente é a propensão a tirarmos os olhos da ferida e fingir que as coisas estão bem. O trabalho de restauração não pode ser iniciado até que o problema seja encarado de frente. Este é um livro sobre danos: danos causados à alma pelo abuso sexual. Também é um livro que fala de esperança, mas esperança que surge somente depois que o perigo do abuso tenha sido encarado. Se há um propósito central para este livro, ele é visto na necessidade de enxergar o que de fato o abuso faz à alma, e os danos causados a outras pessoas relacionadas com o abuso. Há uma relutância natural em encarar o problema. Cristãos tendem a desprezar a realidade1 . Tendemos a ficar melindrados quando vemos os efeitos devastadores do pecado. Não há prazer em ver as conseqüências do pecado - seja nosso ou de outros. Fazer isso nos dá a idéia de estarmos menosprezando o trabalho de nosso Salvador. Assim, fingimos que estamos bem quando, de fato, alguma coisa está perturbando nossa alma. Ocasionalmente alguma dor aflora, algumas lembranças vagas retornam durante os sonhos ou surgem em devaneios durante o dia. Mas por que se preocupar com estes estranhos sentimentos se nossa salvação está garantida e a única tarefa que temos na vida é confiar e obedecer? A cultura da descrença não é tão desonesta. Nossa sociedade passa por situações que, em outros tempos, foram deixadas de lado. Infelizmente, contudo, ela oferece soluções que levam a negações ainda maiores. O caminho secular (afastado de Deus) para a mudança parece envolver alguma forma de auto-afirmação, em que cada um estabelece seus próprios limites e escolhe viver baseado em seu próprio sistema de valores. Invariavelmente, o resultado é um humanismo centrado no eu de maneira ainda mais forte, e que valoriza mais os benefícios e vantagens pessoais do que o amar a outros. A solução do caminho secular está, na verdade, enchendo um copo furado com água morna: deixa a alma tanto insatisfeita quanto vazia. Nunca admite que o maior dano não é aquilo que alguém me fez, mas o que eu fiz em relação ao Criador do Universo. O dano causado pelo abuso é horrível e hediondo, mas é considerado menor quando comparado com a dinâmica que distorce o relacionamento da vítima com Deus e que lhe tira a alegria de amar e ser amada por outros. Este processo é o fim das soluções que o mundo oferece, mas muitas alternativas chamadas cristãs são, em diversos casos, até piores. Várias saídas apresentadas às vítimas de abuso freqüentemente aumentam o fardo e levam a um novo tipo de culpa: o perdão baseado na negação, pressões para amar e alívio rápido da dor através de dramáticas intervenções espirituais.
  • 7. 7 Perdão baseado na negação Perdão baseado no esquecimento é a versão cristã de uma lobotomia frontal2 (cirurgia realizada nos lobos cerebrais em casos de síndromes esquizofrênicas ou de dores intratáveis de outras formas). Uma mulher que havia sofrido abuso ouviu de seu pastor que ela deveria esquecer o passado e parar de se penitenciar, porque muitas pessoas haviam suportado coisas piores do que sofrer abuso por parte dos pais. Este conselho não provocou nenhuma reflexão sobre o egoísmo e ilegitimidade do abuso. Seu comentário foi tão doloroso quanto o próprio abuso que ela sofreu. Ouvir: "o passado é passado e nós somos novas criaturas em Cristo; portanto não se preocupe com o que você não pode mudar" a priori alivia o peso de encarar a realidade destrutiva do passado. Depois de um tempo, entretanto, a dor não resolvida do passado clama por um desfecho e a única solução é continuar negando3 . O resultado é um sentimento de autodesprezo pela inabilidade de perdoar e esquecer, ou o aprofundamento de um sentimento de traição por parte daqueles que tentam calar a dor de quem sofreu abuso, semelhantemente à atitude daquele que cometeu o abuso e queria calar a vítima. Esconder o passado sempre implica negação; negação do passado é sempre a negação de Deus. Esquecer sua história pessoal é o equivalente a tentar esquecer-se de si mesmo e da jornada que Deus o chamou a trilhar. Qual deve ser a motivação para aqueles que são adeptos da filosofia do "perdoar e esquecer"? A resposta pode ser encontrada num legítimo e profundo desejo de proteger a honra de Deus. Uma pergunta fundamental na mente da vítima de abuso é: "Onde Deus estava?". Isto leva muitos a responderem negando a influência de eventos passados sobre os acontecimentos de hoje. Se o passado é insignificante, então eu não preciso ficar ponderando sobre a questão "por que Deus não interveio?". O mundo incrédulo se dispõe a ver o dano do abuso porque ele não sente necessidade de defender o Deus que poderia ter feito algum tipo de intervenção para impedir aquele ato. Por outro lado, a comunidade cristã se dispõe a negar qualquer dado que possa lançar alguma dúvida sobre a presença de Deus ou sobre seu desejo de agir em favor de um de seus filhos. "Onde Deus estava?" é um lamento legítimo da alma, visando entender o que significa confiar em Deus. Independentemente da resposta, a pergunta não deve ser evitada. Se Deus é digno de confiança, então podemos confiar nele sem nossos esforços em distorcer ou negar o passado. Há outro fator que pode estar envolvido na questão de "esquecer" o passado. Os cristãos acreditam na possibilidade da cura ou de uma mudança profunda. Mudança - ou, melhor dizendo, o fruto do Espírito - é o resultado do trabalho de Deus em uma pessoa. Este trabalho nos habilita a amarmos como Cristo amou, a servir como ele serviu e a estarmos unidos a outras pessoas da mesma forma como ele é um com o Pai. São objetivos altos. Os resultados raramente chegam perto do ideal - se é que chegam a acontecer. Basta observar nossa propensão à crendice, materialismo e superficialidade, bem como nosso senso crítico exacerbado em relação àqueles que diferem de nossas posições doutrinárias, para colocarmos em dúvida o processo de mudança promovido pelo Espírito Santo. Uma pessoa não crente poderia facilmente nos processar por propaganda enganosa... Será que o Evangelho realmente transforma vidas? Esta informação muitas vezes é questionável. Daí a comunidade cristã se sentir disposta a negar qualquer coisa que aponte para os espinhos e cardos na vicia daqueles que clamam por serem cheios do poder de Deus. O mundo incrédulo reconhece os efeitos do pecado mas oferece soluções incompletas; o mundo cristão é, muitas vezes, descrente com relação aos atuais efeitos do pecado, mas pode trazer cura eficaz. A resposta é bastante simples. Nós, cristãos, precisamos reconhecer, sem vergonha ou medo, que a regeneração não alivia ou diminui rapidamente - ou até permanentemente - os efeitos do pecado na vida da pessoa. Ao aceitarmos este fato, estaremos livres para encarar as partes de nossas almas que continuam aterrorizadas e danificadas pelos efeitos do abuso sexual, sem sentir com isto que estamos negando o Evangelho. Encarar a realidade da queda do homem e iniciar o processo de recuperação da terra coberta de mato é o maravilhoso trabalho que o jardineiro do Reino deve executar. É um trabalho eminentemente digno para cada cristão recuperar as partes da alma de alguém que continua separado e incapaz de produzir frutos. E a negação do passado retarda este trabalho de recuperação. Pressão para amar Uma mulher ouviu de suas amigas que ela estava se expondo ao julgamento de Deus pelo fato de estar levando seu agressor a um tribunal. Disseram-lhe que seu desejo de processá-lo não revelava amor, mas vingança.
  • 8. 8 Ela fez um comentário sarcástico dizendo que um amigo comum havia recebido recentemente uma quantia razoável em dinheiro por um acordo judicial feito em função de um acidente automobilístico, e ninguém moveu um músculo para expressar desaprovação. Parece que é aceitável ir à justiça por danos materiais, mas não o é para os danos da alma. Outro homem se recusa a visitar, receber telefonemas ou abrir cartas de seu pai, que o violentou dos sete aos dez anos. O pai, um honrado membro de uma igreja, está irritado com a teimosia de seu filho em não se relacionar com ele, mas nega terminantemente ter cometido o abuso, chegando ao ponto de questionar a sanidade e salvação do filho. O que significa amar nossos inimigos? Significa simplesmente fazer o bem, apesar daquilo que você esteja sentindo? Se a resposta é sim, então o que significa fazer o bem a um pai cuja total teimosia em encarar o abuso do passado é equivalente a viver uma mentira, enraizada em um coração tomado pelo mal? Como odiar o que é mau e se apegar ao que é bom, e ao mesmo tempo amar o inimigo? Há respostas para estas perguntas, mas a típica solução de ser pressionado a amar implica ser bondoso, não causar conflito, e fazer de conta que os relacionamentos estão em ordem quando as palavras nem sempre são amáveis. Sob esta versão do cristianismo, a pessoa que sofreu o abuso sente-se segura e morta. Há segurança na rigidez que entorpece a alma, a qual não exige nenhum pensamento, reflexão ou risco. Mas uma pessoa honesta sabe que esta conformidade cruel nunca leva à mudança que vivifica. Não se pode definir facilmente o que é amor, e ele também não nasce apenas de um pequeno desejo. Amar um inimigo, particularmente, requer que o coração esteja cheio da liberdade e do poder que Deus introduz em alguém que deseja estender a graça a um inimigo. O amor pode ser forçado, mas será que atinge sua plenitude somente pelo exercício de fazer as coisas correias, em detrimento da falta de paixão, desejo ou autenticidade demonstrada em relação à pessoa que causou o dano? Muito freqüentemente a pessoa que sofreu abuso é forçada a fazer o bem ou a amar a pessoa que abusou dela sem explorar as complexidades do que significa amar ou do que pode estar bloqueando o desejo de amar dado por Deus. O resultado mais freqüente é um enfraquecimento da alma, visando abrir caminho para a execução desta pesada tarefa, ou então um ataque de raiva contra Deus ou contra qualquer outra pessoa que o encoraje a trilhar este doloroso caminho. O que se ensina em muitos grupos cristãos é que as emoções vão caminhar de acordo com a escolha de sua vontade. Se você sente raiva, faça coisas boas, pois, ao fazê-las, você vai terminar deixando de ficar irado. Melhor ainda se você continuar fazendo estas coisas boas, pois vai começar a sentir algumas emoções semelhantes ao amor com relação à pessoa que lhe causou danos. Este não é o foro adequado para a discussão das intrincadas relações entre escolhas, pensamentos, emoções e desejos, mas uma conclusão óbvia deve ser tirada. Todos os esforços do mundo para se chegar ao lugar "certo" serão de pouca valia se aquele que caminha está se movendo na direção errada ou tem razões, conhecidas ou não, para querer chegar ao destino. Algo mais precisa ser feito do que simplesmente dar-se ordens para amar. O amor está no centro do processo de mudança. Mas, como já definido por alguém, ele carece de propósito, paixão e força. Em reação a uma cultura que vê o amor como um capricho baseado na imprevisibilidade da emoção, alguns cristãos optaram por uma decisão firmada na atitude de ser agradável e não ofender, sem qualquer emoção. O amor significa muitas coisas, mas nunca fraqueza ou falta de paixão. Simplesmente dizer a uma pessoa que sofreu o abuso que deve amar seu agressor não ajuda em nada, ainda que o amor seja uma parte importante do processo de mudança. Intervenções espirituais dramáticas Recentemente conversei com uma mulher que fazia parte de uma igreja carismática, ligada a um ministério nacional de cura e milagres, o qual assume que pessoas que sofreram abuso sexual são oprimidas pelo diabo. As lembranças podem ser uma trama dos demônios, o que anula a veracidade do abuso; ou as lembranças são eventos reais colocados na mente pela entidade maligna que habita na pessoa. Em ambos os casos, a estratégia é expulsar os demônios através do ritual do exorcismo. Os diversos anos de abuso sofrido pela mulher com quem falei a ensinaram a manter a boca fechada. Se ela discordava de alguém, logo presumia que deveria estar fazendo algo errado. A pessoa que sofre abuso procura por alguém forte e autoritário e logo se convence de que o dano pode ser curado rapidamente e sem dor. Aquela igreja dava esta esperança. Por fim, ela passou por várias sessões de exorcismo, nas quais vivenciou a situação abusiva e vexatória criada por aqueles que intervinham, apesar de, às vezes, sentir-se aliviada e descansada. Este período acabou no
  • 9. 9 momento em que conseguiu manter sua débil fé um pouco mais estável, especialmente quando passava por situações de apoio constante ou de entusiasmo emocional, semelhante a um estado de embriaguez ou entorpecimento. Curas rápidas nunca resolvem problemas profundos. Ao contrário, oferecem uma mudança que requer pouco mais do que se deixar anestesiar antes de uma cirurgia: relaxe e deixe os especialistas fazerem seu trabalho. A confiança é definida como a permissão para que o processo ocorra, sem criar barreiras que retardem o trabalho. Passividade santa é a chave para a maioria das soluções dadas pela cura rápida. A mulher foi sincera o suficiente para reconhecer que a cura não aconteceu e que os exorcistas estavam cegos quanto ao real dano de sua alma. Uma vez que uma "cura mágica" ocorrera, alguns justificavam que ainda havia muito mais a ser tratado. A cura rápida não é exclusividade de um único grupo. Muitos oferecem solução para emoções ou lembranças indesejadas através da tentativa de abordar o problema de uma forma "positiva". O resultado é uma recuperação agradável dos eventos passados. É como se as lembranças dolorosas pudessem ser vistas de um modo seguro, sem temer a destruição ou vingança. Receio que muitos parem no ponto em que surge o alívio inicial, sem se aprofundar no dano. Simplesmente limpar a ferida não é suficiente para curar a infecção, a não ser que remédios mais fortes sejam usados. O anseio por uma cura rápida é tão forte quanto o desejo de ir para o céu. A tragédia acontece quando muitos se contentam com a cura barata e se desviam do caminho do alívio verdadeiro que somente será obtido no céu. O melhor caminho Existem muitas opções para os cristãos lidarem com o abuso passado, mas o resultado não é atraente: perdão e esquecimento - negação; amor imposto - conformismo; cura rápida - passividade irresponsável. Não é difícil de entender porque cristãos que sofreram abusos preferem buscar ajuda fora da igreja ou aprender por si próprios a como lidar com a situação fazendo de conta que ela simplesmente não existe. Creio firmemente que as Escrituras oferecem melhores caminhos para se alcançar esperança e obter mudanças. Qual é o melhor caminho? O argumento deste livro baseia-se na idéia de que o melhor caminho passa pelo vale da sombra da morte. Os penhascos da dúvida e os vales do desespero oferecem um visão do trabalho de Deus que nenhum outro terreno pode dar. Deus se mostra fiel; mas a geografia freqüentemente é a de um deserto seco e montanhoso, de tal forma que o caminho parece ser doloroso demais para ser trilhado. Quem gostaria de viajar com os parcos recursos de que dispomos ou com os mapas desatualizados que aparentemente estamos seguindo, se guias e recursos muito mais modernos estão à nossa disposição? A jornada envolve a entrega de nossos corações machucados a Deus, um coração cheio de ódio, sobrepujado pela dúvida, ensangüentado mas não partido, rebelde, manchado e solitário. Não nos parece possível que alguém possa cuidar dele, abraçá-lo, ou que alguém se importe com nosso coração cheio de pecado. Mas o caminho envolve o risco de colocarmos em palavras a condição de nosso ser e colocar estas palavras perante Deus, aguardando sua resposta. Deus prometeu que não esmagaria a cana quebrada e não apagaria a torcida (ou tição) que fumega (Is 42:3). Mas outras promessas já foram feitas por pessoas que se mostravam dignas de confiança, e juramos que a última coisa que faríamos seria trairmos estas promessas. O obstáculo para a vida é a convicção de Deus vai nos machucar e destruir. O problema é que o caminho realmente implica a questão de Deus nos ferir, mas somente com o objetivo de nos curar. Por que o abuso faz com que seja tão difícil nossa aproximação do Senhor por cujo socorro e vida ansiamos? Qual é o inimigo do processo de cura? De modo resumido, o inimigo é a vergonha e o desprezo. O dano do passado coloca em ação um complexo esquema de defesas e autoproteção que atua muito além de nossa consciência, guiando nosso relacionamento com os outros, determinando o cônjuge que escolhemos, o emprego que desejamos, as teologias que adotamos e o sistema de nossa vida inteira. Este livro lança um olhar sobre o trabalho interior desta dinâmica, com a esperança de que um quadro mais claro do dano possa fazer com que tomemos decisões mais conscientes e piedosas para o tratamento de outros e de nós mesmos. Há limites daquilo que pode ser tratado em um livro. O leitor perceberá rapidamente que o foco do livro não é lidar com crianças e adolescentes que sofreram abuso. Há possibilidade de se usar material para estes grupos, mas o ponto principal não é este. De modo semelhante, a maioria de minhas ilustrações envolve mulheres. Pode-se inferir, portanto, que o abuso de garotos é limitado tanto em quantidade quanto nas conseqüências negativas; nenhuma destas conclusões é precisa ou representa meu ponto de vista. Há duas razões para que minha concentração seja direcionada a vítimas de abuso do sexo feminino. A primeira é que é muito mais provável que mulheres busquem conselhos ou orientação na questão do abuso; portanto, minha ênfase se concentra no provável grupo interessado na leitura deste livro. A segunda é que o foco está no dano que toda vítima vai vivenciar, independentemente do grau e natureza
  • 10. 10 do abuso; portanto, as ilustrações revelam as questões principais comuns a todas as vítimas do abuso, lançando uma base teórica que, espero, ofereça uma direção para aplicações específicas em problemas individuais. Há outra razão para escrever este livro. Todo livro é uma odisséia. Alguns são teóricos, outros são buscas pessoais pelas respostas que ultrapassam nossa compreensão. Esta minha odisseia abrange as duas coisas. Primeiramente, é uma aventura que tenta colocar em palavras as experiências de muitos amigos que confiaram suas vidas a mim. Um conselheiro é um memorial do sofrimento passado e uma esperança de seus amigos, semelhante ao memorial do Museu do Holocausto em Jerusalém, o qual leva todos a encararem os danos causados por se viver em um mundo caído e freqüentemente diabólico. As histórias de meus amigos clamam por cura, por justiça, pelo dia em que todas as lágrimas serão enxugadas e todos os erros corrigidos. Minha oração é que eu seja digno das palavras que me foram ditas. Este livro também é uma discussão bastante pessoal sobre o abuso sexual. Tanto minha esposa quanto eu compartilhamos histórias de abuso no passado. O fato de eu ter um episódio pessoal de abuso sexual e, portanto, uma vivência no assunto, não assegura a validade de minhas reflexões ou a utilidade deste material. Contudo, requer sim que eu trilhe o caminho da compreensão do abuso sexual, por aqueles cujas histórias estou contando e por mim mesmo. Minha oração não é apenas no sentido de fazer justiça às suas palavras, mas oferecer a perspectiva daquele cuja história é o fato mais importante da vida; aquele cujo abuso sofrido na cruz dá perspectiva e direção para que lidemos com todos os abusos menores que cada um de nós sofre neste mundo perdido. Assim, eu realmente terei feito um bom trabalho ao contar as histórias de todos nós. Convido-os, com pesar e alegria, a se juntarem a mim nesta busca por uma nova perspectiva.
  • 11. 11 PREFÁCIO DA EDIÇÃO REVISADA Uma Questão de Lembrança Desde a publicação da primeira edição de Lágrimas Secretas em 1990, milhares de pessoas, de ex-coroinhas a ex- misses América têm vindo a público para dizer que sofreram abuso sexual quando crianças. Alguns dos agressores e/ou suas famílias contestam tais acusações, alegando que as lembranças das pessoas são falsas. Em alguns casos, as supostas vítimas culpam seus analistas e terapeutas por haverem criado as "lembranças" de modo falso. Em outros casos, ainda, as supostas vítimas alegam haver sido lembradas subitamente de seus eventos traumáticos após anos de esquecimento. Ser falsamente acusado de um crime tão hediondo quanto o de abuso sexual é devastador. Ser uma vítima real de abuso e ser desmentido por sua família é igualmente terrível. As questões levantadas pelo debate da falsa lembrança merecem tratamento intensivo, e espero tratar delas mais profundamente em outro livro. Entretanto, gostaria de abordá-las aqui, ainda que de maneira superficial, de forma que o leitor possa estar pelo menos ciente de suas conseqüências à medida que surgirem no resto do texto. Minha prática em aconselhamento tem se desenvolvido especialmente entre as pessoas que sofreram abuso sexual. A grande maioria se lembra muito bem do ato. Um grupo menor tem lembranças fragmentadas e incompletas, mas indicam a existência de abuso no passado. Um grupo ainda menor não tem recordações do abuso, mas durante o processo de aconselhamento se lembram de traumas antigos que foram bloqueados do consciente. Há dois lados nestas informações. Alguns dizem que lembranças "reprimidas" são comumente o resultado da dor do trauma. Outros asseveram que, se a pessoa não se lembra do abuso passado e, de alguma forma, repentinamente se lembra dele, esta lembrança é falsa, sendo, na verdade, o resultado de alguma "sugestão" que tenha sido feita por um terapeuta ou outro tipo de autoridade (como um grupo de amigos). Esta é uma questão amplamente debatida, mas insuficientemente pesquisada, sendo impossível respondê-la agora. Contudo, creio que existem parâmetros bíblicos capazes de nos guiar no processo de avaliação do abuso na vida de alguém. Em meu trabalho com vítimas, criminosos e supostos agressores que alegam ter sido falsamente acusados, tenho chegado a uma conclusão sobre afirmações e reivindicações relativas ao abuso: O clamor verdadeiro de uma vítima que diz "Acredite em mim " e a alegação daqueles que dizem estar sendo falsamente acusados estão quase sempre fora do âmbito da comprovação. É praticamente impossível avaliar as afirmações de ambos os lados e chegar a uma conclusão incontestável sobre o que é realmente verdade, a não ser que haja outros fatos, como testemunhas oculares, registros médicos e/ou testemunho de outras vítimas. Isto quer dizer que estamos atolados no pântano da incerteza sobre alegações quanto ao abuso passado? Não creio. Mas a questão realmente nos leva a fazer perguntas ainda mais duras, tais como: "A alegação de abuso é real, aparentemente verdadeira, ou falsa?". O ponto da comprovação leva ao cerne do problema: "O que são lembranças?". O que é verdade e o que é tomado como verdadeiro? Que partes de nossas lembranças podem ser consideradas verdadeiras? Como sabemos se uma coisa é verdadeira? É possível acreditar que uma lembrança do passado possa ser verdadeira quando ela mais parece uma ficção ou uma mescla de fragmentos da imaginação, conjecturas e fatos reais? Há verdade nas afirmações sobre o passado - o passado não é uma mera construção mental. A morte de Jesus, por exemplo, ocorreu no tempo e no espaço. Se alguém estivesse presente, então a afirmação da veracidade do evento seria incontestável, ainda que os registros do fato reflitam diferentes perspectivas. Uma leitura cuidadosa dos Evangelhos nos mostra diferentes considerações de um mesmo evento. Isto torna o evento falso? A visão diferenciada das testemunhas oculares faz com que o evento do Gólgota se transforme numa falsa lembrança? É óbvio que não, mas isto mostra que as lembranças registradas nas narrativas bíblicas não são uma reportagem fotográfica que não se altera, independente do modo como sejam exibidas, mantendo sempre o mesmo nível de detalhe e significância. Três aspectos devem ser considerados em meio a esta trágica questão: 1. Qual é a natureza e o efeito do trauma no ser humano, especialmente com relação ao abuso sexual? O efeito daquilo que ocorre com o coração quando se sofre o abuso é algo acidental ou trágico? Se é algo trágico, então qual é o dano e, portanto, o potencial para o bem ou para o mal que o abuso traz? 2. Qual é a relação entre lembranças, abuso e sintomas? Pode o abuso apagar memórias do consciente de uma pessoa? Se pode, esta perda segue o mesmo processo empregado no esquecimento ou trabalha com uma dinâmica diferente de percepção, armazenamento e, posteriormente, um processo de recuperação baseada em outras regras que não as normalmente utilizadas nas funções da memória? É possível que alguém nos sugira a ocorrência de um abuso e
  • 12. 12 que nossa mente, então, comece a gerar lembranças que, na verdade, podem ser falsas? E qual é a relação entre lembranças -conscientes ou não - e os claros sintomas de angústia, normalmente associados a um abuso passado, como depressão, vícios e problemas de relacionamento? 3. Se o abuso de fato ocorreu, qual é o processo bíblico e mais útil para se lidar com estas feridas? Qual é o objetivo do aconselhamento e que processos podem retardá-lo? Em outras palavras, é prudente procurar por lembranças através de técnicas como busca diretiva, regressão e hipnose? Ou é melhor manter-se os olhos no passado, assumindo que a verdadeira cura não pode ocorrer a não ser que o passado seja recuperado? Como deve agir uma pessoa no momento em que um analista se concentra em recuperar lembranças que podem ter sido reprimidas? Permita-me esquematizar respostas para estas três questões neste momento. O resto do livro vai tornar estes esquemas mais claros, mas a abordagem profunda será destinada a outro livro. Qual é o problema? O que o trauma faz ao coração? Necessidade psicológica? Os irmãos Menéndez, que incontestavelmente assassinaram seus pais, foram defendidos por um grupo de advogados, liderados por Leslie Abrahms. Ele argumentou que os réus tinham uma "necessidade psicológica" de matar seus pais devido aos efeitos do abuso que sofreram. Eu gritei. Lembrei-me que o mesmo argumento foi usado para defender Richard Speck, o assassino de seis enfermeiras em Chicago. Isto é uma linha de defesa muito bem armada, especialmente quando o crime é grotesco ou bizarro. A idéia é simples: se a ação é anormal, então ela deve ter sido consumada por alguém levado, compelido ou impossibilitado de impedir suas próprias atitudes. E, se a pessoa é "anormal", algo deve ter acontecido de forma que ela não pode ser responsabilizada. Esta argumentação nega a existência do mal, que pode agir com calma, deliberação e firme propósito para executar crimes terríveis. Nega também que todo comportamento - destrutivo, bizarro ou de desobediência completa - é de responsabilidade do agente, independentemente da história, das circunstâncias e/ou motivações que influenciaram suas escolhas. Em outras palavras, não acredito que uma vítima de abuso possa ter razão ao dizer: "Eu não tenho nenhuma condição para, agora ou no futuro, impedir reações destrutivas ou mudar a direção de minha vida". É imaturo assumir que nossas escolhas são livres em todas as questões, seja com relação a conforto, sucesso ou tranqüilidade. Uma vítima de abuso pode tremer com a experiência ou simplesmente a idéia de ter momentos de intimidade com seu cônjuge, e o processo de mudança (seja nesta ou em outras áreas) pode envolver tempo, meditação e experimentação, todas acompanhadas de lutas e derrotas. Mas dizer "o abuso de que fui vítima 'fez' com que eu cometesse este ato ou 'evita' que eu faça ou não faça certas coisas" é uma violação da glória, liberdade e responsabilidade humanas. A escolha por desconfiar de Deus Portanto, o que o trauma do abuso causa ao coração humano? Qual é o dano causado pelo abuso? De maneira simplista, o abuso cria o ambiente propício que tenta nos convencer de que Deus não é bom. A vítima imagina que Deus é semelhante a seu pai agressor ou sua mãe preocupada (partindo-se da premissa que as crianças aprendem de seus pais suas primeiras lições sobre Deus). Ou então a vítima determina que Deus é alguém que estava olhando para o outro lado quando seu primo a molestava. Conclusão: confiar é bobagem; portanto, sou compelido a viver minha vida independente da vontade de Deus. Minha experiência contradiz diretamente as promessas feitas por Deus de cuidar de minha alma e de nutri-la, de modo que posso me escusar das pesadas cobranças para me tornar santo e a justificativa está em minha falha por não refletir a glória de Deus em minha vida. A tragédia do abuso se apresenta de diversos modos, mas uma característica que se repete em muitos casos é que as vítimas do abuso freqüentemente se vêem repetindo padrões e iniciando relacionamentos em que passam por violações semelhantes ao abuso sofrido no passado. A nova ofensa apenas intensifica a decisão de se refugiar em suas próprias fontes de força e defesa. A conseqüência é perda e tristeza, para eles e para outros. Mas, o que é pior, é que eles afastaram seus corações do anseio pela glória de Deus. Esta falta de paixão por Deus pode não ser óbvia. Eles podem ser ateus militantes ou agnósticos frios, ou mesmo cristãos devotos e interessados nas atividades de promoção da doutrina cristã. Podem até mesmo desejar desesperadamente crer em um Deus que é digno de confiança. Mas até que eles confrontem as escolhas que fizeram em função de seu abuso, nem seu ativismo nem o desespero vai levá-los a uma genuína paixão pelo Deus que realmente existe. Sua paixão (se é que eles têm alguma) será por um deus distorcido, um deus que é apenas um ídolo criado por sua própria imaginação. Não escapamos de confiar em alguém ou alguma coisa quando deixamos de confiar no Deus verdadeiro.
  • 13. 13 Confiar, assim como respirar e, na verdade, adorar, é algo inevitável. A questão não é que alguns confiam, outros respiram, outros adoram e ainda outros não fazem nada disso. Se falhamos em confiar em Deus, essa confiança será desviada inevitavelmente para outra coisa, que acaba se tornando o nosso deus. Quando a experiência de abuso faz um corte profundo no coração, a vítima se distancia mais facilmente de Deus ou banaliza o abuso, transformando a confiança em algo com o que se pode lidar. Em qualquer uma das situações, a confiança se volta para deuses que não são Deus. O problema, então, não é o abuso em si, mas a energia pecaminosa que confia naquilo que não é confiável, presente em seu coração. Isto vale apenas para as vítimas de abuso? É claro que não. A propensão para não crer em Deus e confiar em ídolos está profundamente enraizada na humanidade desde seu nascimento. Como conseqüência, o problema principal e a cura para uma vítima de abuso sexual não difere de nenhum outro pecador em sua essência. Alguns leitores devem estar aterrorizados com a insinuação de que uma menina de cinco anos de idade estuprada por seu pai é pecadora por concluir que Deus não é digno de confiança. Entenda: não creio que nenhuma criança de cinco anos, com exceção de Jesus que nunca teve pecado, possa continuar a confiar plenamente em Deus depois de sofrer tal abuso. A criança que tenha sido vitimada, machucada e sofrido abuso tomará a mesma decisão que qualquer outra criança tomaria na mesma situação. Fiz esta escolha várias vezes quando criança. Mas é uma escolha manchada pelo pecado e, à medida que esta criança caminha em direção à sua vida adulta, esta mesma escolha trágica continuará a assombrá-la. Apesar de todo coração humano ser inclinado à idolatria (confiar em outros deuses para prover vida), a vítima do abuso lutará mais ainda para confiar a Deus sua vida e seus relacionamentos. Nenhuma vítima é responsável pelo abuso, mas ele fornece subsídios fortíssimos para que algumas perguntas sejam levantadas: "Onde estava Deus naquele momento? Deus me ama? Posso confiar nele? Se posso, o que me leva a confiar nele?" O fator diabólico do abuso é que ele executa o trabalho de Satanás de iludir a vítima quanto à verdadeira natureza de Deus, encorajando-a a desconfiar do Senhor. Ao temer confiar em Deus, a vítima do abuso vai naturalmente procurar por outros deuses que lhe dêem vida, seja através do álcool, da promiscuidade ou da busca de aprovação. Portanto, o principal inimigo da vítima do abuso é o pecado: a recusa em confiar em Deus, com quem ela está magoada. O Espírito Santo está trabalhando duro cm seu coração para revelar a verdadeira natureza de Deus e confrontá-la com seu medo e desconfiança, mas esse trabalho precisa da cooperação da pessoa. O propósito de encarar as lembranças O foco no ponto principal - se e o quanto confiamos em Deus, independentemente da situação ou do relacionamento - coloca a questão do abuso em seu devido lugar. A dor do abuso não é o principal problema a ser resolvido. O abuso sexual não deve ser visto como o equivalente psicológico do herpes. Herpes pode ser curado com medicação adequada e tratamento. É extremamente doloroso mas, na maioria dos casos, dcsenvol-ve-se de uma forma previsível se tratado adequadamente. Por outro lado, o abuso sexual é uma tragédia, mas não é uma doença. À luz de minha teoria, a doença é o pecado. Ele é o problema principal, alimentado por lembranças ou histórias que expõem a luta de nosso coração contra Deus. Portanto, a decisão de encarar nossas lembranças e lamentar nosso sofrimento não é apenas um tipo de catarse. O objetivo é expor nossa visão distorcida de Deus, encontrar as raízes de nossa descrença nele e eliminar o poder que nosso sofrimento tem de nos levar a fazer escolhas erradas. Ao encararmos a dor, a luta e a vitimização de um modo que honre a Deus, estaremos primeira e principalmente lidando com nosso relacionamento com Deus - ainda que pareça que tenhamos um foco horizontalmente humano. A mulher que enfrenta seu complexo com a beleza comprando um belo vestido parece estar agindo de modo puramente comportamental, tentando mudar apenas no nível horizontal. Na verdade, pode ser exatamente isto. Mas, para um crente, isto pode ser tão grande quanto um ato de fé, um reconhecimento da confiança, tal como ocorreu com os amigos de Daniel que passaram uma longa noite na fornalha. A escolha por não obedecer a Deus é rebelião, mas não adianta nada admoestar a vítima sobre seu pecado ou exortá-la a viver uma vida mais santa. Ela deveria fazer de tudo para crer cm um Deus bondoso, mas suas escolhas feitas já na infância impedem que ela veja Deus pelo prisma correto. Estas lembranças vão impedi-la de, mesmo adulta, decidir-se por confiar em Deus, até que encare as escolhas e razões que a conduziram a tomar tais decisões.
  • 14. 14 O que são lembranças? Como devo encarar minhas recordações do passado? O debate sobre repressão cai numa questão importante: "É possível que as lembranças sejam tão radicalmente esquecidas de modo que não apenas os fatos, mas o próprio processo de esquecimento seja inconsciente?". Muitos dos que lerem este livro jamais se esquecerão de seu passado. Pode ser que eles nunca tenham contado nada a ninguém, nem dado muito importância ao fato, mas eles estavam plenamente cientes de sua história. Outros, porém, alegam não ter nenhum tipo de lembrança, nenhum traço de qualquer recordação do abuso passado e, de repente, ao assistir um programa de TV sobre abuso, as memórias entram na área do consciente. Os assustadores fragmentos antigos de memória se juntam como um quebra-cabeças que revela a natureza, o contexto e o executor do abuso. Será que esta repressão e recuperação são reais, ou são a piada do século como o psicólogo social Richard Ofshe sustenta?1 Há dois fatos que complicam o assunto: influência cultural e dificuldade de pesquisa. Freud usou o termo repressão como uma metáfora para descrever a relutância de uma pessoa em encarar informações dolorosas que terminaram instalando-se no inconsciente. Outros vêem o termo como um fenômeno muito específico e assumiram-no como real, sem muito esforço para validar ou se aprofundar no processo. O que começou como uma metáfora criou vida própria. A tradição da psicanálise tem sido contaminada pela ação de muitos terapeutas que presumem que a repressão ocorre quando um evento é muito doloroso para ser encarado. O evento passa simplesmente para uma gaveta do inconsciente, perdido, até que alguma coisa provoque seu retorno ao consciente. Repressão é como atirar uma pedra na areia movediça: a lembrança vai afundando calmamente e sem qualquer obstáculo até que desapareça da visão; ela não será vista até que um cataclisma lance-a das profundezas, ou até que um especialista comece a cavar e procurar por ela, tirando-a de seu esconderijo. Este modelo de repressão torna a pessoa passiva no processo de lembrança e mudança. Ele reforça a convicção de que eu não tenho nada a ver com o processo. "Sou uma vítima - como você pode me culpar pela dor que estou sentindo?". E de consenso geral que este tipo de repressão é praticamente impossível de ser desafiado. Uma segunda questão envolve pesquisa e validação. Pode-se provar a existência da repressão? De certo modo, é um enigma da pesquisa: como podemos medir algo que, supostamente, a pessoa sequer sabe que possui? A psicóloga Elizabeth Loftus, uma especialista em lembranças da Universidade de Washington, diz o seguinte: Mas como um cientista busca por evidências que provem ou contestem um processo mental inconsciente envolvendo uma série de eventos internos e espontâneos sem estar ciente ou ter qualquer sinal exterior que indique que alguma coisa está prestes a acontecer, está acontecendo ou já aconteceu? E como pode um cientista provar ou contestar que uma lembrança recuperada espontaneamente representa a verdade e nada mais que a verdade ao invés de ser algum tipo de mistura de realidade e imaginação ou, talvez, um plano ou pura invenção?2 Há dados que indicam que vítimas de abuso sexual esquecem ou reprimem lembranças. Lenore Terr relata: A pesquisadora do tema abuso sexual Linda Meyer Williams entrevistou um grupo de cem mulheres que, quando tinham menos de 12 anos de idade, passaram por exames na sala de emergência de um grande hospital pelo fato de elas ou seus parentes haverem relatado às autoridades a ocorrência de abuso sexual. Fia descobriu que 38 mulheres não tinham qualquer lembrança deste incidente. Ao invés de mostrar relutância em conversar sobre um assunto tão embaraçoso como este, estas mulheres pareciam completamente incapazes de se lembrar até mesmo da visita à sala de emergência, sobre as quais as autoridades tinham registros em suas mãos. Isto foi repressão, ou algum outro tipo de defesa baseado no esquecimento estava acontecendo3 . Mas este estudo apenas indica que as lembranças podem ser "esquecidas", e não que elas estejam escondidas em algum canto esperando para serem recuperadas por alguma força exterior. Isto é enganoso e requer o reconhecimento honesto de todas as partes de que não há pesquisas ou trabalhos suficientes para assumir como válida a questão da repressão. Por outro lado, torna-se cada vez mais claro que as lembranças do abuso passado podem se misturar com conjecturas, fantasias e imaginação. Nestes casos, o evento do abuso é verdadeiro, mas alguns dos detalhes não. Especialistas em lembranças afirmam que informações presenciadas, armazenadas e posteriormente recuperadas em meio a uma situação de grande estresse emocional são frequentemente imprecisas com relação a certos detalhes ou à sequência dos eventos4 .
  • 15. 15 Neste caso não se questiona o evento, mas a precisão dos detalhes. Loftus pediu a um aluno que roubasse a carteira de outro no início de uma aula. Ela pediu a descrição do ladrão e disse, no começo das investigações, que ele usava barba. Várias descrições feitas pelos alunos foram compiladas - e a maioria incluía a barba. Na verdade, o ladrão tinha o rosto muito bem barbeado5 . Loftus argumentou que a figura de uma autoridade pode influenciar a lembrança de uma pessoa suscetível de modo que ela inclua detalhes que simplesmente não são verdadeiros. Outro de seus alunos investigou se era realmente possível introduzir falsas lembranças. Perguntou-se aos alunos se eles se lembravam de estarem perdidos numa loja de departamentos. Por várias vezes, os alunos se lembraram de situações como esta, acrescentando diversos detalhes e narrativas ao evento, sem, na verdade, nunca terem passado por tal situação6 . Estes estudos sugerem que detalhes e até lembranças completas podem ser sugeridas e elaboradas até que o evento ganhe vida própria. Obviamente, estes estudos não tratam de questões traumáticas e lembranças pessoais. É um processo difícil de ser estudado e não seria ético submeter alguém a um abuso para estudar suas reações. Como se estudam, então, lembranças traumáticas? Seria necessário o estudo cuidadoso de vítimas que sofreram comprovadamente abuso sexual durante décadas para se saber exatamente como a memória é afetada, quais variáveis da personalidade estão relacionadas com a lembrança ou com o "esquecimento", e qual é o efeito da terapia sobre os relacionamentos, sintomas psicológicos e desenvolvimento da personalidade. Estes estudos são de altíssimo custo e não sei de nenhum que esteja em andamento. Portanto, é tolice definir uma posição final sobre estes assuntos. Minhas convicções atuais, porém, levam-me a definir as seguintes premissas: Lembrança não é uma fita de vídeo do passado A lembrança é, de certo modo, uma reconstrução do passado bastante suscetível à erosão, às opiniões tendenciosas e à inexatidão. E um erro considerar as lembranças de uma pessoa como algo completamente perfeito sem levar em conta o nível de intensidade emocional ou os detalhes associados àquela lembrança. Deveríamos lançar uma visão aberta, especulativa e não dogmática sobre nossas lembranças. Vítimas de abuso que mantiveram presente em suas vidas a lembrança do sofrimento causado por aquele evento deveriam admitir que detalhes importantes podem ser construídos de maneira errônea, ser esquecidos, ou podem simplesmente não retratar a realidade com perfeição. O que ela deve fazer, então? Há duas possibilidades: Uma é pedir ao agressor a confirmação do ato e a descrição de detalhes. Na maioria dos casos, ele vai negar o abuso ou também já se terá esquecido de muitos detalhes. Em ambos os casos é possível que as lembranças não sejam tão precisas quanto eram originalmente. A outra opção é viver sem "requerer precisão fotográfica". Esta opção nos leva a uma pergunta: Afinal de contas, para que se lembrar? Por que buscar lembranças potencialmente imprecisas? Em parte, a resposta é: para elucidar o presente. Nossas lembranças passam a ser importantes quando permitem uma compreensão repentina e intuitiva do nosso presente. Sugiro duas áreas em que as lembranças são importantes: • As lembranças nos ajudam a perceber como temos desenvolvido nossos padrões de afastamento de Deus e definido nossos próprios caminhos para encontrar significância longe de Deus. • As lembranças nos ajudam a compreender por que escolhemos não confiar em Deus. O passado não nos exime de nossa rebelião, mas põe nossa desobediência no contexto relativo ao por que achamos ser difícil confiar em Deus. Estas imagens abrem as portas para uma maior consciência de nossa luta contra Deus e nos permitem ver a dimensão do que significará nos humilharmos perante ele em arrependimento. Há um fenômeno de esquecimento que impede que nos lembremos daquilo que é verdadeiro em relação a Deus, à vida e a nós mesmos A Bíblia é clara ao dizer que escondemos a verdade em função da injustiça (Rm 1:18-23). Muitos psicólogos pensam que supressão é diferente de repressão. Se a repressão é um ato inconsciente de "esquecimento", na maioria dos círculos de psicólogos a supressão é considerada como a atitude deliberada de alguém de tirar os olhos de um problema que o aflige. As Escrituras, porém, nos mostram a supressão como algo mais traiçoeiro. Supressão significa manter alguma coisa escondida - semelhante a colocar uma bola de futebol embaixo da água e sentar em cima dela para que não venha à tona. O subproduto da supressão, conforme o relato de Romanos, é o culto à criatura em vez de ao Criador. Paulo vê isso como uma insanidade moral que gera graves sintomas e conseqüências. Uma das conseqüências é o endurecimento do coração, que leva à cegueira pessoal e moral. Se dermos
  • 16. 16 lugar à supressão, nossos olhos se fecharão e seremos iludidos tanto moralmente quanto em nossos relacionamentos. O processo parece caminhar de uma recusa consciente de encarar a verdade para uma inabilidade de perceber facilmente essa verdade. É esse o fenômeno que Freud e outros chamam de repressão? Se é, então ele envolve uma diferença fundamental: supressão é a recusa consciente de encarar o que é verdadeiro. Num certo momento, isso pode se transformar numa distorção e, finalmente, levar a aceitar uma ilusão. As Escrituras nada falam sobre repressão passiva, mas elas realmente tratam de nossa propensão natural ao esquecimento, aqui representado não pela falha em se lembrar de algo, mas como uma determinação teimosa de empurrar para bem longe aquilo que é verdadeiro, e abraçar uma "verdade" que viola a natureza da realidade. Sou da opinião de que não existe a repressão, no sentido de um processo de esquecimento passivo e inconsciente. Ao contrário, nós realmente esquecemos - muitas vezes de lembranças trágicas e traumáticas - mas apenas como uma estratégia para esconder constantemente a verdade atrás da injustiça. Freqüentemente me perguntam: "Você está dizendo que uma criança de cinco anos que foi violentada está escondendo a verdade atrás da injustiça?" Gostaria que a resposta não fosse nem complexa nem facilmente mal interpretada. Paulo não está abordando esta questão em Romanos 1, mas está descrevendo o processo através do qual todo coração humano fica cego e insensível à verdade. Será que isto é verdade no caso de uma criança de cinco anos? Tal criança peca? Eu creio que meus filhos fizeram isso aos cinco anos de idade. O pecado está presente em nós desde o nascimento, apesar de inocente e rudimentar. O que determina a dimensão em que o pecado vai se desenvolver? Apesar de este ser um assunto extremamente complexo, creio que os eventos que compõem nossa vida dão forma à matéria-prima do pecado como um meio de defesa contra um mundo pecaminoso e caído e de clamar por algum tipo de similaridade com o Éden, que, intuitivamente, achamos que merecemos. Conseqüentemente, creio que o processo de "bloquear lembranças" surge, em qualquer idade, a partir da confusão, da vergonha e da tristeza. De modo objetivo, o que causa o bloqueio é algo maior que a dor. É a sensação de vermos o mundo desmoronar sem a ajuda de que gostaríamos: ordem sendo substituída pelo caos; relacionamentos rompidos pela traição; alegria e felicidade subjugadas pelo desespero. Alguém com cinco anos de idade é incapaz de articular as coisas desta forma, e sua fuga da realidade pode ser inevitável, natural e não censurável, mas tem sua origem no mesmo tipo de rebelião que uma pessoa mais velha apresenta ao dizer em alto e bom som: "Por que eu devo confiar em Deus se ele permitiu que isto acontecesse comigo?". Em resumo, creio que a supressão consciente pode se transformar numa distorção e até mesmo numa ilusão que bloqueia completamente as lembranças do passado. Sendo assim, nunca somos chamados primeiramente a nos lembrar de coisas passadas, mas sim a entendermos em que momento demos lugar à idolatria - a crer em outra coisa que não Deus. Em alguns casos, as lembranças de abusos realmente voltam, mas recuperar a memória não é nem a base da mudança, nem a prova dos fatos. Ao contrário, as lembranças são informações que nos ajudam a ver mais claramente a energia que alimentou nossa idolatria e como temos expressado esta idolatria em nosso relacionamento com Deus e com os outros. Lembranças imprecisas ou totalmente falsas podem ser consideradas verdadeiras quando baseadas em confirmação emocional, explicações forçadas e/ou concordância com uma autoridade Dados extraídos de pesquisas e observações indicam que falsas lembranças podem ser geradas e misturadas com fantasias, com outras lembranças imprecisas e suposições e, então, serem consideradas verdadeiras. Mais do que isso. Sabemos através das Escrituras que é extremamente difícil conhecer o coração humano e que somos criaturas dadas à imaginação. Somos capazes de magoar a nós mesmos com a mais sincera, honrosa e boa intenção. Isto é verdade, também, quando se refere a crentes, e não apenas àqueles que passam a vida inteira escondendo a verdade atrás da injustiça. Atualmente a questão da lembrança está sob severa investigação como um lugar de decepção e ilusão - não como uma distorção fingida e inconsciente da verdade, mas como um aterrorizante, sincero e bem-intencionado truque. A história de pais acusados de danos hediondos é cada dia mais comum. Alguns que afirmam terem sofrido abuso estão errados. Outros que dizem estar sendo falsamente acusados estão mentindo. Mas a batalha contra falsas lembranças não está sendo motivada por vítimas sedentas de vingança, nem por pais mentirosos. Parece que as falsas lembranças estão mais presentes quando: • O terapeuta pressupõe que certos sintomas, sinais ou sonhos de seu cliente são a prova de abusos passados, e afirma com segurança e confiança que o abuso ocorreu e está sendo reprimido. • O cliente, presumindo que o terapeuta é o especialista que conhece a verdade, concorda com
  • 17. 17 técnicas usadas para recuperar lembranças "reprimidas" com o objetivo de explicar seus sintomas e suas dificuldades. • O terapeuta usa técnicas dissociativas — como regressão, hipnose, indução ou análise de sonhos — para recuperar os fragmentos da imaginação, das fantasias, suposições e memórias de seu cliente e transformá-los numa "história" supostamente verdadeira, que explica as dificuldades e alivia o cliente da responsabilidade de encarar seu próprio pecado. Quando estes elementos estão presentes, creio que há uma enorme possibilidade de se desenvolver falsas lembranças. Eu sinceramente duvido (apesar de tudo ser possível quando se fala de seres humanos) que uma lembrança falsa possa ser implantada apenas por sugestão, assistindo a um programa de entrevistas ou ouvindo alguém falar sobre abuso sexual. Lembranças que surgem de modo espontâneo nas atividades do dia-a-dia raramente têm as mesmas "características" de lembranças recuperadas através de técnicas destrutivas de processos terapêuticos. Na imensa maioria dos casos, o advento das lembranças falsas não é uma conspiração sinistra arquitetada por um terapeuta malévolo que queria causar dano a alguém. Se este fosse o caso, a questão de falsas lembranças seria habilmente tratada pelo sistema judiciário. Ela tem sido tragicamente trazida à tona por pais sinceros, clientes e terapeutas pegos numa rede de confusão, injúria e dogmatismo. Levará anos até que se possa articular uma linha de pensamento e disseminá-la entre os meios profissionais e leigos. O que fazer até que isto aconteça? A coisa mais sábia a fazer é se concentrar em quem nós somos Encorajo aqueles que mantêm lembranças reminiscentes a se concentrarem naquilo que aprenderam —com esses eventos— sobre tipos de relacionamento que visem a autopreservação, e sobre o seu relacionamento com Deus, em vez de se concentrarem em obter lembranças mais precisas. Incentivo aqueles com os quais trabalho as questões de lembranças parciais a conversarem com outras pessoas associadas ao fato para que busquem dados que possam preencher os espaços vazios na memória. Uma visita ao local onde ocorreu o evento freqüentemente adiciona mais detalhes. Os detalhes se tornam mais claros quando o cliente se dispõe a escrever aquilo de que realmente se lembra, embora seja importante orientá-los para que não se afastem demais da verdade. Fazer deduções lógicas a partir daquilo que é relatado também é bom ("lembro-me de estar em uma banheira, o que me leva a concluir que a ação ocorreu à noite, pois só tomo banho antes de dormir"), contanto que tanto eu quanto meu cliente saibamos separar exatamente o que é de fato lembrança daquilo que é dedução. Deduções relativas à identidade do agressor ("deve ter sido meu pai, pois ele era o único homem por ali") devem ser encaradas com extremo cuidado e não ser usadas como base para acusações. Mas é muito mais importante perguntar: "O que vai me levar a desistir de querer saber?". Se as lembranças são do período em que a pessoa tinha três ou quatro anos, então todas elas serão apenas flashes, sempre incompletas devido ao processo pelo qual o cérebro humano amadurece. Lembranças abaixo dos três anos são quase sempre suspeitas e, a não ser que sejam corroboradas por fatos, devem ser recebidas com desconfiança. Lembranças de idades mais avançadas, porém, estão normalmente bloqueadas pelo fato de carregarem profunda mágoa. Podem existir várias razões para que as lembranças não sejam trazidas, mas é legítimo pedir: Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração: prova-me e conhece os meus pensamentos; vê se há em mim algum caminho mau, e guia-me pelo caminho eterno Salmo 139:23,24 Para aqueles que não estão plenamente certos de que o abuso ocorreu de fato, incentivo a pensarem que as lembranças não são a chave para a mudança. Ao nos concentrarmos no passado ou na recuperação de lembranças, estaremos sendo levados a crer na ilusão de que conhecer o passado pode mudar o presente. De fato, o oposto é que é verdadeiro. De acordo com a intensidade com que lutamos com o presente, assumindo a responsabilidade da idolatria expressa na autoglorificação e na autoproteção, o que precisamos saber sobre o passado irá se tornando claro a cada dia. Neste sentido, o passado é servo do presente. Mudar no presente abre caminho para qualquer coisa que Deus queira que saibamos sobre o passado. Ainda estou tentado a crer que as lembranças do abuso passado podem ser esquecidas, mas normalmente haverá informação suficiente para indicar que a pessoa tem uma longa história de fuga da realidade. A supressão da verdade requer uma energia enorme e os sintomas da "opção pelo esquecimento" serão crônicos e destrutivos. Infelizmente nenhum sintoma ou até uma constelação de sintomas pode ser "lido" como uma chapa de raios X através da qual se possa diagnosticar a possibilidade de o esquecimento ter sido uma opção. Portanto, meu relacionamento com Deus e minha decisão quanto a amar ou não os outros representam o fator dominante e impulsionador que vai abrir meu coração à realidade e à possibilidade de acessar lembranças ainda congeladas pela supressão.
  • 18. 18 Se entendermos o arrependimento (deixar de lado a confiança idólatra em alguém ou alguma coisa que não seja Deus e lutar para conhecê-lo mais, desejando sua glória e confiando em sua bondade) como a chave para a mudança, então estaremos nos precavendo contra a busca destrutiva de lembranças, sem negar que o passado representa um papel crucial na definição de nosso presente. Mas se virmos a idolatria, ao invés da recuperação do "eu", como a questão central do aconselhamento, então acharemos mais difícil explicar, satisfatoriamente, o pecado por causa do abuso. Isto nos leva à terceira pergunta: Qual é o melhor contexto para a mudança? Ou, mais especificamente: O aconselhamento realmente ajuda ou causará na pessoa um dano significativo? Preciso de ajuda para mudar? Qual a validade do aconselhamento? A questão levantada pela controvérsia das falsas lembranças leva-nos ao cerne daquilo que chamamos terapia ou aconselhamento. O que o aconselhamento faz diferentemente de um relacionamento bom, estável e interessado? O terapeuta faz algo tão importante que não pode ser encontrado em nenhum outro lugar? É óbvio que ninguém mais deve tratar de uma cárie a não ser um dentista. Uma ponte pode ser projetada somente por um engenheiro. Mas isto também é verdade na área da psique humana? Em certas queixas de distúrbios psicológicos, como depressão, a melhor coisa a fazer é procurar um psiquiatra e conversar com pessoas que saibam como lidar com esta situação. Mas será que esta pessoa deveria procurar um terapeuta? O que dizer de alguém excessivamente ansioso ou que sente nojo ao manter relações com seu cônjuge? Estes não são assuntos fáceis, nem podem ser abordados de modo apropriado em apenas alguns parágrafos. Na maioria dos casos, as pessoas mais bem preparadas para lidar com ansiedade e nojo em relações sexuais são os terapeutas. E não é errado procurar ajuda de alguém que investiu grande parte de sua vida para tratar de questões tão complexas. Mas o que qualifica uma pessoa a poder falar com outra sobre questões existenciais? Creio que o treinamento profissional não é a qualificação mais importante, apesar de eu lecionar no curso de mestrado na área de aconselhamento. Creio, em vez disso, que o que habilita uma pessoa a conversar sobre questões existenciais de forma produtiva é o hábito constante de pensar, ler e discutir questões existenciais. Na minha opinião, a terapia é uma concessão à recusa de nossa cultura de falar e pensar de modo sério sobre nossa existência à luz da vontade revelada de Deus - a Bíblia. Conversas sérias sobre nossa existência que incluam discussão honesta e orientada à nossa dignidade como pessoas feitas à imagem de Deus e, ao mesmo tempo, destruídas pelo pecado é o ponto principal do que deveria ser abordado no aconselhamento. Infelizmente, este tipo de interação em que tanto se valoriza a dignidade quanto se expõem os perniciosos tentáculos da depravação são raros na comunidade cristã. Por esta razão, o aconselhamento existe como um meio de se encarar a realidade com mais integridade. Isto quer dizer que a terapia não é cristã ou é necessariamente destrutiva? Claro que não - contanto que o terapeuta leve em conta tanto a dignidade quanto a depravação. A "conversa" será distorcida e suas conseqüências destrutivas na mesma proporção em que algum dos componentes da personalidade humana sejam ignorados ou desvalorizados. Creio que a mudança mais profunda dentro de nós ocorre no momento em que nos mantemos fiéis, abertos e engajados em um relacionamento. Igreja é comunidade - ela falha, machuca e não cumpre seu papel como noiva de Cristo, mas nenhuma outra forma de relação consegue refletir melhor o envolvimento horizontal com outros crentes e vertical com Deus, em oração. Esta intersecção constante entre oração e discussão revigora nossa fome de Deus, elimina ideias falsas e cria um clima perfeito para a adoração. Portanto, vejo o aconselhamento como uma concessão - não imoral, mas trágica, pois o aconselhamento produz o tipo de comunhão que deveria ser providenciado no contexto normal, na intimidade diária e na palavra profética, que é mútua, igualitária e livre. Espero que todos aqueles que procuram seriamente conhecer melhor a vontade Deus leiam este e quaisquer outros livros que julguem interessantes sobre este assunto mantendo como pano de fundo a conversação. Conversas precisam de comunhão. Exigem diálogo, discordância e liberdade de expressão, mantendo, ao mesmo tempo, um relacionamento sincero e comprometido. Esta discussão pode acontecer com um terapeuta, dentro de um pequeno grupo de estudo bíblico, entre cônjuges ou com um bom amigo. Mas deve-se perguntar: • Minha "comunidade" assume que o problema principal é o abuso sexual (ou de qualquer outro tipo), lembranças reprimidas e problemas de personalidade? Se sim, subitamente haverá uma pressão para recuperar, encarar o passado e se sentir pleno e livre. O resultado será um distanciamento gradual do arrependimento e da fé como os componentes principais e centrais para que a mudança ocorra. Ou então
  • 19. 19 estes elementos de um contexto bíblico serão transformados de modo a significar: "pare de se machucar, faça o que quiser e não permita que ninguém exerça qualquer tipo de influência sobre você". Se deixará, então, o Evangelho para acolher as boas-novas da auto-ajuda da indústria da psicologia. • Minha "comunidade" usa técnicas para se lembrar do passado - hipnose, regressão, imagens ou qualquer outra técnica dissociativa - com a convicção de que aquilo que é recuperado com emoção é verdadeiro? Se usa, não apenas a questão principal não foi compreendida, como o processo de mudança é alguma coisa diferente do arrependimento. Este é o solo fértil para a criação de falsas lembranças. Eu recomendo fortemente que você não participe de grupos que utilizam técnicas dissociativas, que reduzem o problema a uma questão de lembranças reprimidas. Minha "comunidade" determina que o abuso sofrido requer automaticamente um rompimento com o agressor ou sua família? Em nenhum lugar das Escrituras encontramos uma orientação para confrontar cada pecado ou para quebrarmos o relacionamento com aqueles que tenham nos causado algum dano. Há um ponto em que devemos limitar o dano; há também momentos em que devemos nos separar daqueles que vivem na maldade ou daqueles que decidem viver longe do Evangelho ao escolher o pecado. Muitos dos que sofreram abuso, porém, escolhem o caminho do confronto com o agressor ou sua família e, quando as coisas não dão certo, preferem romper o relacionamento. Esta decisão tem separado famílias de maneira trágica e criado um clima propício para as acusações e separações. Um bom ajudador - seja um terapeuta, um amigo próximo ou um grupo - tentará, antes de tudo, levar em consideração o clamor e o paradoxo do amor que ousa. Ao procurar um terapeuta ou uma comunidade, é sábio considerar como ele (ou ela) encara o tipo de problema a ser tratado, como promoverá a transformação e quão persistente ele ou ela será em avaliar o crescimento da vítima de abuso quanto ao seu amor a Deus e aos outros. Estas preocupações devem intensificar nossa abertura para que vejamos as ciladas de Satanás ao tentar levar muitos cativos a ignorar o passado ou a transformar o abuso no problema principal. Se estivermos atentos a isto, até mesmo a incerteza quanto a estas questões evitará que caiamos nas armadilhas colocadas no caminho por Satanás. Então poderemos continuar a difícil mas vivificante busca do conhecimento de Deus.
  • 21. 21 CAPÍTULO 01 A Realidade de uma Guerra: Encarando a Batalha Às vezes fico pensando se cada pessoa do mundo, homem ou mulher, jovem ou velho, sofreu abuso sexual. A natureza de meu trabalho, sem dúvida, cria uma visão tendenciosa, talvez até demais. Como psicólogo e professor na área de aconselhamento, sou convidado a entrar na vida de inúmeras pessoas: pessoas que moram na vizinhança, o professor da escola dominical, o pastor, o médico e - este pode machucar -sua esposa ou marido. Para muitos deles, a história do abuso sexual permanece como uma dor de dente crônica, tão familiar que nem se percebe mais a sua existência, amortecendo os sentidos mas sem impedir a execução da rotina diária. Na maioria dos casos você não vai nem imaginar que passou por uma situação de abuso sexual. Se forem questionados diretamente, muitos sequer vão se lembrar do abuso; outros mentiriam para evitar a vergonha de admitir que foram vítimas de um dos poucos crimes em que a vítima se sente mais sozinha e rejeitada do que o próprio criminoso. Abuso sexual é um assunto difícil. Muito mais que outros, este tema causa um sentimento de vergonha horrível e desconfortável, tanto no conselheiro quanto na vítima. Em muitos grupos, a pessoa que admite ter um histórico de abuso torna-se o pára-raios do temor e do ódio daqueles que sofreram o mesmo mas não admitem. Para as vítimas é realmente muito fácil negar o passado, ignorando as lembranças, a dor e o sofrimento atual que possam estar relacionados ao abuso. Lembro-me das palavras melancólicas de uma jovem senhora que estava enfrentando as lembranças do abuso cometido por seu pai, um respeitado pastor: "Eu preferia estar morta a encarar a verdade das lembranças. Se admitir que elas são verdadeiras, serei totalmente abandonada por meus pais, pela família e pela igreja. Se continuar a viver uma mentira, começarei a apodrecer de dentro para fora, fingindo que tudo está bem quando eu sei que não é verdade". Suas escolhas eram claras: mentir, e morrer lentamente; falar, e ser imediatamente rejeitada. Colocar deste modo pode parecer um pouco trágico mas, em sua mente, viver (ou seja, admitir que tudo aquilo era verdadeiro) implicava esquecer sua única esperança de vida: o apoio da família e dos amigos. Seu pacto não é incomum. Parece que um terrível preço precisa ser pago todas as vezes que homens e mulheres que sofreram abuso entram no horror de seu passado. Esta situação é similar à de um amigo meu, que quebrou o pulso quando era criança. Devido à negligência de seus pais, o osso nunca foi tratado corretamente, mas a união dos ossos aconteceu. O osso se uniu de um modo que permitia uma função normal, exceto o movimento de dobrar o pulso. Ele estava curado, mas de um jeito que não lhe permitia praticar, corretamente, nenhum esporte que usasse raquetes. Ele aceitou isso bem, mas os efeitos da negligência de seus pais estão constantemente com ele. Se quisesse corrigir o problema, teria que quebrar seu pulso novamente, passar por um longo processo de recuperação, colocando um fardo razoável sobre sua família durante algum tempo. Por que se importar se ele já aprendeu a conviver tão bem com seu problema? Uma pergunta semelhante a esta invade a alma das vítimas de abuso. O processo de penetrar no passado causará uma ruptura na vida, ou pelo menos naquela existência travestida de vida. O caminho fácil da negação silenciosa que transforma alguém num ser servil e vazio, ainda que com aparência feliz, ou num articulado líder de estudo bíblico, será substituído pelo tumulto, medo, confusão, angústia e mudança. Casamentos precisarão passar por mudanças; relações sexuais poderão ser postergadas durante o período em que o casal se dedicar a jejum e oração. O tecido da vida vai precisar ser desfiado linha por linha, enquanto o Mestre tece novamente a vida da pessoa conforme seus desígnios. O processo seria difícil mesmo num mundo ideal, com parceiros, amigos e igrejas que dessem total apoio. Em muitos casos a batalha exterior é dramaticamente difícil pelo fato de que os outros preferem que aquela doce mulher continue simpática; que a mulher competente continue no controle, e que aquele "arroz de festa" continue sendo a alegria da reunião. Quando a mudança é radical e desastrosa e se, particularmente, ela impele outros a mudarem também, é vista com suspeita e com o mesmo rancor reservado aos piores hereges. Mas aquilo que é visto como a maior heresia é em geral o que motiva aqueles que estão confortavelmente acomodados a mudarem de modo profundo. Alguém poderia desejar que a santificação fosse um agradável passeio por um caminho florido. Na verdade, o caminho passa por vales escuros e pelas trevas aparentemente impenetráveis que eclipsam a luz do Filho de Deus.
  • 22. 22 O horror à mudança é tanto que parece envolver um tipo de morte que acaba com a vida de um modo tal que nem a ressurreição pode trazer de volta. Portanto, a única esperança aparente é a negação e a crença de que Deus quer que sejamos complacentes, verdadeiros robôs espirituais. Vejo isto como um mascaramento diabólico, uma mentira de tamanhas proporções e verossimilhança que parece extraordinariamente razoável. Além do mais, o que fazer com uma dor de dimensões astronômicas que aparentemente fica pior a cada vez que se toca nela? A ladainha "estou em paz" é cantada por uma multidão de vozes cujas experiências de vida e suas razões pessoais para se manterem afasta- dos apenas banalizam a dor da alma e o peso do coração. Qual é o objetivo de se procurar esperança real e alegria verdadeira? A resposta é simples: viver o Evangelho. A razão para iniciar a batalha é um desejo por mais, um sabor do que a vida poderia ser se nos libertássemos das lembranças negativas e da vergonha profunda. Ninguém sai da letargia da negação a não ser que haja uma ponta de descontentamento que penetre na escuridão da dormência diária. Viver abaixo do padrão para o qual alguém foi feito é trair a alma de modo tão grave quanto aquilo que foi feito pelo abuso. Nossa motivação para mudar, entretanto, é muito maior do que uma simples insatisfação com uma vida vazia. Somos motivados pelos mesmos objetivos que impulsionam os outros crentes. Paulo falou sobre o fim, citando uma coroa de justiça (2 Tm 4:8). O apóstolo desejava ser derramado aos outros como uma bebida revigorante, lutar o bom combate e acabar a carreira, pois ele sabia que seu desejo por ver a face de Deus seria recompensado com o prémio da comenda do Senhor. Receber do próprio Senhor o prêmio de seu abraço, seguido da frase "bom trabalho", era uma recompensa que suplantava as preocupações tradicionais com o bem-estar. A pessoa que deseja lidar com as feridas do abuso não se sentirá corajosa e nem receberá de imediato palavras de incentivo por estar iniciando uma nova caminhada. Os laços da alma não serão imediatamente liberados ou quebrados. Então, o que a motivará a agir para receber o abraço de Deus? Mais uma vez, a resposta é o desejo por algo mais. Deus nos criou com um desejo natural de sermos como ele é: vivos, justos, puros, motivados, prontos para amar. Cumprir aquilo para o que Deus nos criou é a razão pela qual alguém escolhe trilhar o caminho da mudança. O lado trágico disto tudo é que os adultos que decidirem enfrentar seu passado de abuso sexual precisam estar motivados a enfrentar uma selvagem batalha interna e externa, travada entre cristãos1 . Estes tristes fatos, quando ocorrem, se transformam em vitórias sobrenaturais de enormes proporções. É imperativo que o homem ou a mulher que tenha sofrido o abuso entre nessa batalha mas apenas com uma consciência do preço a pagar, mas também com uma profunda convicção de que a vida vivida na lama da negação não é vida. Se o Senhor Jesus veio para dar-nos vida, e vida em abundância, então uma vida de fingimento envolve uma clara negação do Evangelho, não importando quão moral, virtuosa ou chamativa esta vida pareça ser. O que é preciso levar em conta quando alguém decide entrar na trincheira, na esperança de ver mudanças? Em poucas palavras, deve-se aceitar que há uma guerra, que há um inimigo e que a batalha deve ser travada. A guerra existe, e entra-se nela quando se reconhece a realidade do abuso passado. A realidade da guerra Um problema não pode ser resolvido até que seja encarado. Uma mudança ocorre quando colocamos em palavras aquilo que é tido como verdadeiro: Eu sofri um abuso sexual2 . É difícil imaginar o tamanho da batalha e dar um nome à realidade. Uma mulher com a qual trabalhei por um ano participou recentemente de um grupo de pessoas que passou pela experiência do incesto. Ela estava relutante em participar do grupo, apesar de nosso trabalho ter-se concentrado nos efeitos do abuso. Confessou que a dificuldade estava em admitir para si própria que a única razão para estar se juntando ao grupo era que ela mesma havia sido vítima de abuso. Apesar de a grande maioria de nossas conversas naquele tempo ter sido sobre o abuso sofrido anteriormente, além do fato de sempre ter tido lembranças claras do ocorrido, ela estava evitando terminantemente reconhecer que sofrera abuso. Sempre achei muito estranha a relutância em encarar os fatos de frente até o dia em que me encontrei com um amigo. Eu já estava conversando com pessoas envolvidas com abuso há quase um ano quando, então, liderei um seminário sobre o assunto. Durante o evento, várias pessoas me perguntaram se eu havia sofrido abuso. Minha resposta foi sempre não. Aquele bom amigo ouviu-me na palestra e fez a mesma pergunta, à qual respondi da mesma maneira. Ele insistiu e perguntou se eu já havia passado por uma situação na qual tivesse me sentido sexualmente desconfortável, inibido ou humilhado. Minha resposta foi tão rápida que até eu me surpreendi: "Sim, com certeza". Ele me perguntou alguns detalhes e, em questão de minutos, lembrei-me da masturbação forçada em um acampamento de adolescentes, um convite a uma relação homossexual, ao qual rejeitei, no campo de escoteiros e uma investida sexual que ocorreu num campo de futebol. Ele olhou para mim com um ar de surpresa e ao mesmo tempo tristeza, perguntando: "Isto não se encaixa em sua definição de abuso sexual?". Fiquei atônito. Não é que eu tivesse esquecido daqueles fatos, mas nunca havia permitido que aquelas situações fossem rotuladas com uma palavra que abrisse a porta para uma investigação mais
  • 23. 23 profunda. Não admitir que o dano ocorreu gera uma enorme relutância em iniciar o processo de mudança. Uma mulher veio a mim recentemente com o firme propósito de que eu definisse se ela havia sofrido abuso sexual ou não. Ela possuía uma boa formação, era brilhante e competente. Muitos a conheciam como uma mulher realista, uma pessoa muito bem equilibrada. Depois de ter explicado, com bastante acanhamento, as razões pelas quais me procurara, ela me informou que, durante quatorze anos, fora levada por seus pais a uma colónia de nudismo. Todos os verões, aquela comunidade era convidada a participar de um concurso de beleza naturista. Durante um dos desfiles, ela foi forçada a posar, durante toda a noite, em várias posições, algumas pornográficas. Sua alma se despedaçou. Ela estava aterrorizada com a idéia de estar associada à nudez de seus pais e da colônia, mas, pior ainda, ela ignorava que naquela noite do desfile anual diversos homens estariam urrando e se excitando pela visão de seu corpo adolescente em pleno amadurecimento. Mais uma vez fiquei surpreso. Como é que ela ainda perguntava se havia sofrido abuso? Este registro não deixava as coisas mil por cento claras? Uma mulher que sofreu abuso por parte de seu pai, tio e avô concordou que ela havia sido prejudicada por seu comportamento, mas relutava em chamar isto de abuso sexual. Seu pai e seu tio forçaram-na a praticar sexo oral com eles. Seu avô gostava de se exibir na frente dela. Com grande sinceridade, ela disse o seguinte: "eu não relutaria em chamar de abuso se tivesse sido estuprada, mas tudo o que eles fizeram foi o mesmo que uma dezena dc outros homens fizeram comigo em diversas ocasiões. Então, por que chamar aquilo de abuso?". O que é abuso sexual? Parece que as pessoas trabalham de forma a achar que tudo o que sofreram não foi abuso, mas, se tivesse acontecido com outras pessoas, ou tivesse sido um pouco mais extremo, então poderia ser considerado como sendo abusivo. Um homem disse literalmente: "Minha mãe sempre desfilava pela casa sem nenhuma peça de roupa. Vez por outra ela me pedia para apertar seus seios ou ver se havia algum machucado em suas pernas. Sei que não era correto, mas como isto poderia ser chamado de abuso?". Pelo fato de haver este tipo de confusão sobre o que exatamente constitui um abuso sexual, é necessária uma definição clara: Caracteriza-se como abuso sexual qualquer contato ou interação (visual, verbal ou psicológica) entre uma criança ou adolescente e um adulto, na qual a criança ou adolescente esteja sendo usada para a estimulação sexual daquele que comete o ato, ou de outra pessoa. Abuso sexual pode ser cometido por uma pessoa com menos de dezoito anos, desde que haja uma diferença significativa de idade entre ele e a vítima, ou quando aquele que pratica o ato está numa posição de dominação e controle da criança ou do adolescente. Quando o abuso sexual é cometido por uma pessoa que tenha relações sanguíneas ou legais caracteriza-se um incesto ou abuso sexual intrafamiliar. Existem duas grandes categorias de abuso: contato sexual e interação sexual. Contato sexual envolve qualquer tipo de toque físico que objetiva o despertamento de desejo sexual (físico ou psicológico) na vítima ou naquele que comete o abuso. Contato físico pode abranger, em nível muito severo, relações sexuais forçadas ou não, sexo anal ou oral (24 por cento das vítimas3 ); em nível severo, encontram-se a estimulação forçada ou não da vagina (incluindo penetração), carícias nos seios ou qualquer forma de simulação de uma relação (40 por cento); em nível menos severo, encontram-se beijos sensuais forçados ou não, toque nos seios, nádegas, coxas ou genitais por cima de roupas (36 por cento). As categorias implicam uma gradação da severidade, mas todo contato sexual não apropriado é perverso e danoso à alma. Setenta e três por cento das vítimas das categorias mais leves de abuso relatam algum tipo de dano, e trinta e nove por cento relatam traumas que variam de leves a extremos, decorrentes de abuso sofrido no passado4 . Interações sexuais são mais difíceis de ser reconhecidas pelo fato de não envolverem contato físico e, portanto, não parecerem tão severas. Em muitos casos ela é representada por uma súbita abordagem sexual que deixa a vítima pensando se o fato realmente ocorreu ou se é produto de sua imaginação. Interações podem ser qualificadas como visuais, verbais ou psicológicas. Abuso sexual visual envolve interações em que crianças são forçadas ou convidadas a assistir a cenas ou imagens que despertam desejos sexuais ou quando são observadas nuas pelo agressor, de uma forma que excite um adulto. O pai de uma cliente costumava levar literatura pornográfica ao banheiro antes de ela entrar no chuveiro. Depois que ela havia começado a tomar banho, ele entrava no banheiro para pegar a revista, demorando-se um momento para observar o corpo adolescente da filha através da porta do box. Este não era uma acontecimento incomum: o padrão foi confirmado em outras intrusões visuais. Um jovem adolescente voltava para casa todos os dias com um misto de tremor e excitação, imaginando se sua mãe alcoólatra estaria bêbada e, em conseqüência de seu estado, nua ou parcialmente vestida, deitada no sofá da sala de estar. A cada dia ele jurava que não iria olhar, mas sua curiosidade adolescente e seu despertamento natural para as questões sexuais sempre o traíam. Um pai ou adulto que se excita ao ver uma criança nua ou apresenta à criança coisas que a levem a uma estimulação sexual (através de pornografia ou exposição sexual exibicionista) sem dúvida vitimou sexualmente
  • 24. 24 aquela criança. Interações sexuais verbais podem ser igualmente abusivas. Uma grande amiga minha falou casualmente sobre o hábito de seu pai de falar sobre o corpo dela como se demonstrasse interesse em seu desenvolvimento. Todo dia ele percorria visualmente seu corpo em processo de amadurecimento, como se estivesse em busca de piolhos. Ele media sua saia, analisava o cabelo, avaliava e julgava os namorados e, o que era mais embaraçoso, fazia comentários sobre seu corpo na frente dos garotos. O termo mais amável que ele usava para descrevê-la era T. T. Ninguém soube, por anos, o que aquilo significava, mas ela sabia que ele se referia a seus seios. Este tipo de degradação verbal contínua obviamente se constitui num abuso emocional, mas não deveria ser ignorado pois está claro que violava a identidade sexual da garota. O abuso sexual verbal também pode vir na forma de interações sugestivas ou sedutoras. Uma mulher lembra-se do nojo que sentia quando estava perto de seu avô. Toda vez que a via ele piscava e cacarejava como um galo. Seu desconforto interior era visto por seus pais como desrespeito e um sintoma de desvio da garota. Isto perdurou por trinta anos até que, por outras interações, pôde-se chegar a uma conclusão. Finalmente veio à luz o fato de que ele esperava o momento em que ninguém estivesse por perto e dizia: "Você é tão doce que eu seria capaz de comer você. Venha cá, doçura, e deixe-me experimentar seus lábios". Ele era um velho louco ou inocente, ainda que bastante inconveniente? Ou ele era um agressor sexual que usava as palavras como estimulante para seus perversos desejos sexuais? Uma indicação disso era que ele somente falava estas coisas quando estava sozinho com sua neta. Seus abraços típicos de avô não eram notados, pois eles estavam inocentemente distantes de seus comentários sugestivos, de forma que seus demorados beijos e abraços não apresentavam nenhuma relação com seu comportamento. Portanto, todas as vezes que ele a tocava sua reação era de nojo e aflição. Interações verbais claramente sedutoras são percebidas de modo mais fácil na maioria dos casos. Ser convidada a tomar um banho com o papai, descer ao porão com o irmão ou dar um longo passeio pelo bosque com o tio, momento em que pequenas insinuações sexuais são proferidas ou quando um abuso sexual já ocorreu anteriormente são, obviamente, encontros abusivos. Abuso verbal é uma ferida séria e profunda. Palavras abusivas relacionadas ao sexo causam o mesmo dano de um contato sexual abusivo. O dano potencial gerado pela minimização dos fatos ou pelo sentimento de estranheza que o dano causa torna a cura ainda mais difícil para aqueles que sofreram abusos subliminares do que para os que sofreram severos abusos. Uma última categoria de interação é o abuso sexual psicológico5 . Há uma distância clara entre os abusos verbais e visuais e o abuso psicológico. O abuso sexual psicológico ocorre através de meios visuais ou verbais (normalmente ambos), mas vai envolver um tipo de comunicação mais sutil (não específica, capaz de alterar o humor mais facilmente), que normalmente rompe a barreira entre adultos e crianças. Temos o exemplo de uma mãe que busca conselhos ou conforto com um filho adolescente sobre os problemas sexuais que ela tem com o pai dele. Ela está prestes a cruzar a linha divisória entre uma conversa honesta e uma conversa de alcova. Alcovitar é a ação de servir de intermediário em relações amorosas ou ser um alcoviteiro. Um alcoviteiro se envolve em questões sexuais alheias em seu próprio benefício. Um pai que usa sua filha como confidente ou substituta de sua esposa está enlaçando o coração de sua filha ao seu de uma maneira sexualmente dissimulada. Tipos de abuso sexual: Contato e interação Contato: Muito severo: relação genital (forçada ou não); sexo anal ou oral (forçado ou não). Severo: contato com a genitália descoberta, incluindo toque manual ou penetração (forçada ou não); contato com os seios descobertos (forçado ou não); simulação de relação sexual. Menos severo: beijos com conotação sexual (forçados ou não); toque com conotação sexual das nádegas, coxas, pernas, ou genitais e seios cobertos. Interações Verbais:solicitação direta de atividade sexual; sedução (sutil), solicitação ou alusão direta; descrição de práticas sexuais; uso contínuo de linguagem sexual ou de termos sexuais relativamente a pessoas. Visual: exposição ou uso de pornografia; exposição a relações sexuais, órgãos sexuais e/ou material sexualmente provocativo (sutiãs, camisolas, cuecas e outras roupas íntimas); olhar de maneira inadequada para partes do corpo (cobertas ou não) ou peças de roupa com propósitos de excitação sexual. Psicológica: violação de limites físicos e sexuais; interesse exacerbado em menstruação, roupas,