1. Escrito na primeira fase da carreira de Jorge Amado, Capitães da Areia teve sua primeira edição pela Livraria José Olympio Editora. O aparecimento do romance se dá quando, no plano político, o Estado Novo está prestes a ser implantado, culminando um processo de escalada fascista iniciado anos antes e aprofundado após o Levante de 35. O Estado da Bahia, de 17 de dezembro de 1937, confirma que foram incinerados, em Salvador, no dia 19 de novembro do mesmo ano, na presença dos membros da Comissão de Busca e Apreensão de Livros, nomeada pela Comissão Executora do Estado de Guerra, e a mando do comandante da Sexta Região Militar, mais de mil e setecentos exemplares da produção de Jorge Amado, todos incluídos entre "os livros apreendidos e julgados como simpatizantes do credo comunista, a saber: 808 exemplares de Capitães da Areia , 233 exemplares de Mar Morto , 89 exemplares de Cacau , 93 exemplares de Suor , 267 exemplares de Jubiabá , 214 exemplares de País do Carnaval ". Mesmo com essas medidas, um bom número de estudantes e profissionais liberais encontrava formas para ler Jorge Amado, sobretudo o Capitães da Areia . A história das crianças e jovens lideradas por Pedro Bala despertava interesse e a propaganda "boca-a-boca" só fazia aumentar o número de leitores. A luta pela sobrevivência e a resistência dos capitães da areia já era considerada, juntamente com o futebol, uma "conversa fácil" nas rodas de bate-papo. Centrando a ação na vida dos menores abandonados da cidade de Salvador, Jorge Amado aproveita para mostrar as brutais diferenças de classe, a concentração de renda e os efeitos da marginalidade nas crianças e adolescentes discriminados por um sistema social perverso. Capitães da areia narra o cotidiano de pobres crianças que vivem num velho trapiche abandonado. Liderados por Pedro Bala, menino corajoso, filho de um grevista morto, entregam-se a pequenos furtos para sobreviver. O romance supervaloriza a humanidade das crianças e ironiza a ganância, o egoísmo das classes dominantes.
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9. Companheiros, chegou a hora... A voz o chama. Uma voz que o alegra, que faz bater seu coração. Ajudar a mudar o destino de todos os pobres. Uma voz que atravessa a cidade, que parece vir dos atabaques que ressoam nas macumbas da religião ilegal dos negros. Uma voz que vem com o ruído dos bondes, onde vão os condutores e motorneiros grevistas. Uma voz que vem do cais, do peito dos estivadores, de João de Adão, de seu pai morrendo num comício, dos marinheiros dos navios, dos saveiristas e dos canoeiros. Uma voz que vem do grupo que joga a luta da capoeira, que vem dos golpes que o Querido-de-Deus aplica. Uma voz que vem mesmo do padre José Pedro, padre pobre de olhos espantados diante do destino terrível dos Capitães da Areia. Uma voz que vem das filhas-de-santo do candomblé de Don’Aninha, na noite que a polícia levou Ogum. Voz que vem do trapiche dos Capitães da Areia. Que vem do reformatório e do orfanato. Que vem do ódio do Sem-Pernas se atirando do elevador para não se entregar: Que vem no trem da Leste Brasileira, através do sertão, do grupo de Lampião pedindo justiça para os sertanejos. Que vem de Alberto, o estudante pedindo escolas e liberdade para a cultura. Que vem dos quadros de Professor, onde meninos esfarrapados lutam naquela exposição da rua Chile. Que vem de Boa-Vida e dos malandros da cidade, do bojo dos seus violões, dos sambas tristes que eles cantam. Uma voz que vem de todos os pobres, do peito de todos os pobres. Uma voz que diz uma palavra bonita de solidariedade, de amizade: companheiro.