1. O juiz pede esclarecimentos adicionais do Ministério Público sobre as alegações no caso, incluindo planilhas e quadros com os fundamentos das acusações.
2. Ele defere alguns pedidos do MP, mas indefere o bloqueio de todas as contas da Bancoop.
3. O juiz quer garantir que as decisões se baseiam apenas nos elementos dos autos e não em interpretações políticas, dada a repercussão do caso.
Despacho do juiz Carlos Eduardo Lora Franco sobre o caso Bancoop.
1. PODER JUDICIÁRIO 1
SÃO PAULO
DEPARTAMENTO DE INQUÉRITOS POLICIAIS E CORREGEDORIA DA
POLÍCIA JUDICIÁRIA DA CAPITAL - DIPO
Ref.: IP n° 050.07.017872-0 - Cooperativa Habitacional dos Bancários de São Paulo - Bancoop
Vistos, etc.
Inicialmente não se pode desconsiderar a
repercussão política que a presente investigação passou a ter a partir do momento
em que o teor do requerimento do Ministério Público de fls. 5649 e ss. veio a ser
divulgado pela imprensa no último final de semana, antes mesmo que fosse
apresentado em juízo. E isso porque, faltando cerca de apenas sete meses para as
eleições presidenciais, uma das pessoas de quem foi requerida a quebra de sigilo
(João Vaccari Neto) estaria sendo indicado como possível integrante da equipe de
campanha da virtual candidata do partido atualmente ocupante da Presidência da
República.
Tal contexto, porém, apenas reforça ainda
mais a necessidade de cautela e rigor no exame dos requerimentos formulados,
justamente para que tal atmosfera política não venha a contaminar a presente
investigação ou, noutro sentido, que esta não venha a ser utilizada por terceiros
para manipulação da opinião pública por propósitos políticos.
O Ministério Público e o Poder Judiciário são,
antes que tudo, instituições de Estado, e não de governo. Assim, é imprescindível
que sua atuação fique acima de circunstâncias ou convicções políticas.
E não basta que cada integrante destas
instituições exclua internamente suas convicções políticas de influência em suas
atuações. É imprescindível também que fique absolutamente claro, para toda a
sociedade, que suas atuações são isentas de outros interesses que não os
decorrentes de suas próprias atribuições institucionais.
Em analogia ao dito popular, não basta ser
honesto; é preciso parecer honesto. Ou, no caso dos autos, não basta ser isento, é
preciso parecer isento.
Carlos Eduardo Lora Franco
Juiz de Direito
2. PODER JUDICIÁRIO 2
SÃO PAULO
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Portanto, a partir do momento em que este
inquérito passou a ter tamanha repercussão política, é preciso que cada decisão ou
providência tomada esteja ainda mais firmemente embasada em elementos de
prova e de direitos sólidos e claros.
A manifestação apresentada pelo Ministério
Público descreve uma série de fatos e circunstâncias, narrando como seria o
suposto esquema de desvio de valores da Bancoop, inclusive para fins de
financiamento ilícito de campanhas políticas.
Porém, não há em tal manifestação a indicação
clara e precisa dos elementos de prova dos autos que sustentam tal narrativa, bem
como os pedidos formulados.
E, sendo este um feito bastante complexo, já
com 26 volumes (mais de 5.600 páginas), além de 59 anexos, como citado pelo
próprio Ministério Público, é imprescindível que indique de forma discriminada e
detalhada os elementos que sustentem cada uma de suas afirmações.
A manifestação cita, por exemplo, que
“aproximadamente 40% da movimentação das contas correntes de titularidade da
Bancoop tiveram recursos sacados em dinheiro na própria agência bancária” (fls.
5652), mas como base para tal alegação indica apenas um cheque, no valor de R$
50.000,00, sem sequer citar em que volume ou apenso, e folha, consta tal
informação. Cita, ainda, que numa avaliação, entre 2001 e 2008, teria constatado
que os valores assim circulados chegariam a R$ 18.000.000,00, mas novamente
não há indicação precisa da fonte de tais informações.
Tem-se, portanto, como imprescindível que os
autos tornem ao Ministério Público para que indique com precisão quais os
fundamentos de cada uma de suas afirmações que invoca como razões para os
pedidos formulados.
E isso para que, como dito, fique bem claro
para toda a sociedade que os pedidos e as decisões estão fundados apenas em
Carlos Eduardo Lora Franco
Juiz de Direito
3. PODER JUDICIÁRIO 3
SÃO PAULO
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elementos e razões contidas nos autos, e são efetivamente necessários e oportunos,
neste momento.
E não é demais dizer que tal providência
naturalmente incumbe ao órgão requerente. Os fatos, com respectivos
fundamentos, devem ser apresentados pela parte ao Magistrado, para que então
possa decidir.
Se assim não for, atribuindo-se ao Juiz a
obrigação de investigar as provas para buscar os elementos que sustentem a
acusação, óbvio que perderá seu olhar imparcial.
É verdade que a fls. 5648 v., item 3, o
Ministério Público alegou que apresentaria planilhas sobre a movimentação
bancária oportunamente.
Porém, tais planilhas, além de outras
informações, são imprescindíveis para o próprio conhecimento da maior parte dos
pedidos apresentados. E das providências pedidas (excluída apenas a que é
manifestamente descabida e fica já rejeitada como abaixo indicado), tais como a
oitiva de pessoas e solicitação de informações bancárias, nenhuma delas corre
risco de perecimento, não sendo urgentes a ponto de ensejar a necessidade de
apreciação antes dos esclarecimentos determinados.
Por outro lado, e sem prejuízo dos
esclarecimentos a serem prestados pelo Ministério Público, observo que há alguns
pedidos que já podem de plano ser apreciados, e deferidos ou não.
Quanto ao item 1 de fls. 5659 (expedição de
ofício ao Banco Bradesco para que forneça toda a movimentação do fundo FDIC -
Bancoop), observo que a vinda de tais informações desta natureza já havia sido
determinada a fls. 5507, mas requisitada à empresa Planner Corretora de Valores
S/A, que respondeu a fls. 5518/5521 informando que quem poderia prestá-las
seria o Banco Bradesco, por ser o atual banco custodiante. Assim, o ofício ora
pretendido nada mais é do que o que já havia sido antes deferido.
Carlos Eduardo Lora Franco
Juiz de Direito
4. PODER JUDICIÁRIO 4
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Já, quanto ao item 6 (bloqueio imediato de
todas as contas bancárias, fundos e aplicações da Bancoop), observo que é
manifesto seu descabimento e despropósito nestes autos, sendo de rigor o pronto
indeferimento.
Ora, é informação disponível na internet, e que
foi também trazida a estes autos pela própria Bancoop após o requerimento
ministerial, de que foi proposta pelo próprio Ministério Público uma ação civil
pública (autos n° 583.00.2007.245877-1, da 37ª Vara Cível do Fórum Central -
fls. 5701/5720) contra a cooperativa e que nesta houve um acordo homologado
judicialmente em março de 2009 estabelecendo uma série de providências a serem
adotadas para garantia dos cooperados, inclusive pela realização de auditorias.
Evidente, portanto, que a administração da cooperativa, se foi temerária em algum
momento, ao menos agora está sendo acompanhada pelo Ministério Público, e que
foram tomadas medidas saneadoras (ao menos é o que se deve presumir pelo
próprio fato de o Ministério Público ter firmado um acordo nesse sentido).
Nesse panorama, o pedido feito pelo
Ministério Público nestes autos (bloqueio de todos os valores da Bancoop)
implicaria, basicamente, na imediata interrupção de todas as suas atividades, com
prejuízo evidente não só para todos os seus cooperados, como, por exemplo,
impedimento até do pagamento dos salários dos funcionários da cooperativa. E
tudo isso baseado apenas num retrato do passado, que é o que se tem nestes autos,
e não do presente, que é o que deve estar sendo acompanhado pela Promotoria de
Justiça do Consumidor, na citada ação civil pública.
Por outro lado, se a situação atual recomendar
tal medida, o que só poderá ser perfeitamente conhecido no âmbito daqueles autos
e da Promotoria do Consumidor, é naquela esfera que tal providência deve ser
requerida.
Evidente, portanto, que não tem como ser
acolhido.
Carlos Eduardo Lora Franco
Juiz de Direito
5. PODER JUDICIÁRIO 5
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Ante o exposto, assim decido:
1- Defiro o item 1 de fls. 5648
(desentranhamento de alguns documentos para juntadas em apensos, para melhor
organização);
2- Defiro a expedição do ofício requerido no
item 1 de fls. 5659 (obtenção de informações da movimentação financeira do
fundo FDIC-Bancoop);
3- Indefiro de plano o requerido no item 6 de
fls. 5661 (bloqueio de todas as contas da Bancoop);
4- Determino que tornem os autos ao
Ministério Público para que complemente seu requerimento, indicando de forma
clara e detalhada quais os fundamentos dos autos para suas alegações, e
especialmente:
a- Apresente um quadro com planilhas
indicando em resumo quais os valores recebidos pela Bancoop em cada um dos
meses (sua entrada) e quais os cheques que teriam sido emitidos e descontados
diretamente no caixa, sem indicação do destinatário, informando seu valor, data
de desconto, e folha, volume e apenso dos autos no qual consta a informação,
demonstrando que superam R$ 18.000.000,00 e 40% da movimentação da
cooperativa, como alegado;
b- Apresente quadro, nos mesmos termos,
referente à movimentação entre a Bancoop e a Germany, indicando também a
origem nos autos da informação de que as empresas Germany e Mizu/Mirante
eram fornecedoras exclusivas da Bancoop, demonstrando especialmente o grau
vinculação da Mizu com a Bancoop, que levou à alegação de que o esquema de
desvio se destinava ao financiamento político, demonstrando assim a alegação de
“confusão negocial” entre as empresas (3° par. de fls. 5653);
c- Apresente um resumo, indicando as folhas
dos autos que contenham tais informações, sobre quais os integrantes da Diretoria
Carlos Eduardo Lora Franco
Juiz de Direito
6. PODER JUDICIÁRIO 6
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da Bancoop em todo o período investigado, bem como quais deles já tiveram seu
sigilo quebrado, ou assim requerido, nestes autos, e demonstrando as razões da
opção, agora, pelo pedido de quebra de sigilo especificamente de João Vaccari
Neto e Ana Maria Érnica1;
d- Esclareça a conveniência da oitiva de tais
pessoas pela autoridade policial nesse momento (tem 5 de fls. 5661), e não após
eventual vinda das informações bancárias, quando então poderão ser indagados e
esclarecer também sobre o que eventualmente se revelar;
e- Em complementação ao quadro de item ‘c’
supra, apresente um quadro informando os sócios de cada uma das empresas
citadas a fls. 5650 e 5651 (Germany e Mirante), indicando quais pertencem aos
quadros da Bancoop, e indicando as fls. dos contratos sociais nos autos;
f- Esclareça a pertinência quanto ao pedido do
item 2 nestes autos (cópia de cheques de R$ 20.000,00 e R$ 1.200,00 de
titularidade da Mizu, que teriam sido dados em doação para o Partido dos
Trabalhadores), posto que, em tese, se trata de fato a ser apurado pela Justiça
Eleitoral.
Com o atendimento de todo o acima, tornem
conclusos.
Int.
São Paulo, 12 de março de 2010.
Carlos Eduardo Lora Franco
Juiz de Direito
1
Tais esclarecimentos são especialmente convenientes para a transparência acima citada quanto à
oportunidade de tal requerimento, dado o momento do calendário eleitoral, evitando qualquer
interpretação política que terceiros venham querer emprestar-lhe.
Carlos Eduardo Lora Franco
Juiz de Direito