SlideShare ist ein Scribd-Unternehmen logo
1 von 15
Downloaden Sie, um offline zu lesen
SAO FRANCISCO DE ASSIS A homenagem ao santo
                                                             pobre constitui uma carta de intenções do papado

    Bergoglio mantinha hábitos espar-     mensagem evangelizadora: "Não mais         ponto não passou despercebido aos car-
tanos. Sua rotina de trabalho começava    esperar que o povo vá à Igreja, mas le-    deais que o elegeram. Deram a vez ao
às 4 e meia da manhã e terminava às 9     var a Igreja até o povo". O primeiro       homem que poderia ter sido papa há oi-
horas da noite. Morava sozinho, em um     amálgama entre o pastor e os fiéis é,      to anos. VEJA apurou que, na primeira
                 o
apartamento no 2 andar do edifício da     como se viu na noite de 13 de março, a     das cinco votações, os votos se distribuí-
arquidiocese, ao lado da Catedral de      oração. Fazia tempo que não se rezava      ram entre vários nomes. Na segunda,
Buenos Aires, na Praça de Maio. Fazia     um Pai-Nosso e uma Ave-Maria de for-       três candidatos se destacaram: Bergo-
sua própria comida. Andava de ônibus      ma tão unida e fervorosa na Praça de       glio, o italiano Angelo Scola, conside-
e de metro. Ao ser nomeado cardeal,       São Pedro.                                 rado o favorito, e o canadense Mare
não comprou batina nova — pediu que           O cardeal Bergoglio desembarcou        Ouellet, outra opção citada ao nome
lhe fosse dada a de seu antecessor, An-   em Roma duas semanas antes do início       lançado pela Cúria, o do brasileiro Odi-
tonio Quarracino, mono havia três         do conclave. Não usou o carro do Vati-     lo Scherer. A vantagem de Bergoglio
anos. E propôs aos fiéis desejosos de     cano à sua disposição. Ia a pé para a      consolidou-se no terceiro escrutínio.
vir à Itália, para acompanhar a entrega   Santa Sé, onde se desenrolaram as con-     No quinto, ele obteve um "grande con-
do chapéu cardinalício, que doassem       gregações-gerais—mas, convenhamos,         senso". A Capela Sistina explodiu em
aos pobres o dinheiro destinado à via-    é um prazer andar em Roma. Aos 76          aplausos quando se atingiu o mínimo de
gem. Esteve no Brasil em 2007, para a     anos, parecia velho demais para enfren-    dois terços dos votos, 77 de 115. Um
 a
5 Conferência do Episcopado Latino-       tar o jogo pesado imposto por uma Cú-      dos principais articuladores da candida-
Americano e do Caribe, realizada em
                                          ria corrupta e pervertida. Em 2005, no     tura vitoriosa foi Óscar Maradiaga, de
Aparecida, durante a visita de Bento
                                          entanto, ele foi o principal oponente de   Honduras. "Caros irmãos, que Deus
X V I . É um dos que assinam o docu-
                                          Ratzinger, nas quatro votações do con-     lhes perdoe", disse o papa Francisco.
mento final do encontro, com fone
                                          clave vencido pelo ex-alemão — e esse      Que tenham feito a escolha certa.        •

                                                                                                    veja   | 20 DE MARÇO, 2013 |   69
»apa •      AS IDEIAS




O MUNDO E A FE
SEGUNDO BERGOGLIO
Como arcebispo de Buenos Aires, o novo pontífice                             CRENÇA
refletiu com clareza — e simplicidade até exagerada
— sobre questões fundamentais do cotidiano                                   mA Igreja defende a autonomia das questões
                                                                             humanas. Uma autonomia saudável é uma
                                                                             laicidade saudável, em que se respeitam as
      ABORTO                                                                 diferentes competências. A Igreja não vai dizer
                                                                             aos médicos como devem realizar uma operação.
       é é O problema moral do aborto é de natureza pré-religiosa. No        O que não é bom é o laicismo militante, aquele
      momento da concepção está o código genético da pessoa. Ali             que toma uma posição antitranscendental ou exige
      já existe um ser humano. Separo o tema do aborto de qualquer           que o religioso não saia da sacristia. A Igreja dá os
      concepção religiosa. É um problema científico. Não permitir o          valores, e os outros que façam o resto. 93
      desenvolvimento de um ser que já dispõe do código genético
      de um sçr humano não é ético. Abortar é matar alguém que não
      pode se defender. f¥                                                   DEUS
                                                                             66 Ao homem de hoje lhe diria que faça a
      ATEÍSMO                                                                experiência de entrar na intimidade para
                                                                             conhecer a experiência, o rosto de Deus. Por
      ééQuando eu me encontro com pessoas ateias, compartilho com            isso me agrada tanto o que disse Jó depois
      elas as questões humanas, mas não coloco logo de cara em discussão     de sua dura experiência e de diálogos que
      a questão de Deus, exceto se elas me incitam a isso. Quando isso       não lhe esclareceram nada: 'Antes eu te
      ocorre, eu explico a elas por que creio. (...) Não pretendo fazer      conhecia só por ouvir falar, mas agora
      proselitismo — eu as respeito e me mostro como sou. (...) Não tenho    eu te vejo com meus próprios olhos'.
      nenhum tipo de reticências. Não diria que um ateu está condenado       Ao homem, digo que não conheça
      porque estou convencido de que não tenho o direito de julgar           a Deus de ouvidos. O Deus vivo é
      sua honestidade — sobretudo se ele tiver virtudes, aquelas que         aquele que se vê com seus olhos,
      engrandecem as pessoas. De toda forma, conheço mais gente              dentro de seu coração, f f
      agnóstica do que ateia. O agnóstico duvida; o ateu está convencido.
      Temos de ser coerentes com a mensagem que recebemos da Bíblia:
      todo homem é a imagem de Deus, seja ele crente ou não. Por essa        DIVÓRCIO
      única razão, tem uma série de virtudes, qualidades, grandezas.
      Caso tenha baixezas, como eu também as tenho, podemos                  66A discussão em torno do
      compartilhá-las para nos ajudarmos mutuamente a superá-las. 99         divórcio é diferente daquela
                                                                             do matrimónio de pessoas do
                                                                             mesmo sexo. A Igreja sempre
      CIÊNCIA                                                                repudiou a lei do divórcio, mas
                                                                             há antecedentes antropológicos
      66A ciência tem sua autonomia, que deve ser respeitada e               distintos neste caso. (...) É um valor
                                                                                                                                     Ni
      encorajada. Não se deve interferir na autonomia dos cientistas.        muito forte no catolicismo o casamento até
      Exceto se extrapolarem seu campo de atuação e se envolverem            que a morte os separe. Hoje, contudo, na doutrina
      com o transcendente. A ciência é fundamentalmente instrumento          católica, lembra-se a seus fiéis divorciados e
      do mandato de Deus, que disse: Tenham muitos e muitos filhos,          recasados que eles não estão excomungados —
      espalhem-se por toda a terra e a dominem'. Dentro de sua autonomia,    ainda que vivam em uma situação à margem do
      a ciência transforma a incultura em cultura. Mas cuidado: quando a     que exigem a indissolubilidade matrimonial e o
      autonomia da ciência não põe limites a si mesma e vai além. ela pode   sacramento do matrimónio — e é pedido a eles
      sair das mãos de sua própria criação. É o mito de Frankenstein. 99     que participem da vida paroquial, f f

70 | 20 DE MARÇO. 2013 | veja
IGREJA
66 Uma coisa boa que aconteceu com a Igreja foi a perda dos Estados
Pontifícios, porque deixa claro que a única posse do papa é meio quilómetro
quadrado. Mas, quando o papa era rei temporal e rei espiritual, aí se
misturavam as intrigas de corte e tudo isso. Agora não se misturam? Sim,
ainda existe isso, porque existe ambição em homens da Igreja, existe
— lamentavelmente — pecado de carreirismo. Somos humanos e nos
tentamos, temos de estar muito atentos para cuidar da unção que recebemos,
porque ela é um presente de Deus. As disputas pelo poder, que existiram
e existem na Igreja, se devem a nossa condição humana. Mas, nesse
momento, a pessoa deixa de ser eleita para o serviço e se converte em uma
pessoa que escolhe viver como quer e se mistura com o lixo interior.?^

66 Um líder religioso pode ser muito fone, muito firme, mas isso
sem exercer a agressão. Jesus disse que aquele que manda deve ser
como aquele que serve. Para mim, essa ideia é válida para a pessoa
religiosa de qualquer credo. O verdadeiro poder de uma liderança religiosa
vem de seu serviço. Quando deixa de servir, o religioso se transforma
em um mero gestor, em um agente de ONG. O líder religioso compartilha,
sofre, serve a seus irmãos.**


PEDOFILIA
Sé Que o celibato traga como consequência a pedofilia está descartado. Mais
de 70% dos casos de pedofilia se dão no entorno familiar e na vizinhança:
  avôs, tios, padrastos e vizinhos. O problema não está vinculado ao
    celibato. Se um padre é pedófilo, ele o é antes de ser padre. Agora,
     quando isso ocone, jamais se deve fazer vista grossa. Não se pode estar
     em uma posição de poder e destruir a vida de outra pessoa. (...) Não
      creio em posições que pleiteiam sustentar ceno espírito corporativo
        para evitar danos à imagem da instituição. Esta solução creio que
          foi proposta certa vez nos Estados Unidos: mudar os padres de
             paróquia. Isso e' uma estupidez porque, dessa forma, o padre
                 leva o problema na bagagem. A reação corporativa leva a tal
                    consequência, por isso não concordo com essas medidas.
                      Recentemente, na Irlanda, foram revelados casos após
                      vinte anos, e o papa disse claramente: 'Tolerância zero
                      com este crime'. Admiro a valentia e a retidão de Bento
                      X V I sobre esse assunto.ff




                   é é A vida crista também é uma espécie de atletismo,
                   de disputa, de corrida, em que é preciso se desvencilhar
                   das coisas que nos separam de Deus. Além disso,
                  quero salientar que uma questão &o demónio e outra
                 é demonizar as coisas ou as pessoas. O homem está sob
      tentação constante, mas não é por isso que temos de demonizá-lo.ff


UNIÃO HOMOSSEXUAL
é é N ã o sejamos ingénuos: não se trata de uma simples luta política.
Pretende-se a destruição do plano de Deus. É uma jogada do pai
da mentira para confundir e enganar os filhos de Deus.ff

                                                    veja | 20 DE MARÇO, 2013 | 71
Papa 1       A ORDEM RELIGIOSA




A TROPA DE
CHOQUE DA
IGREJA
Fundada no século X V I por Inácio de Loyola, um
ex-militar espanhol, a Companhia de Jesus tem uma
dedicação histórica à propagação da fé. Foi nessa
disciplina missionária que se formou o papa Francisco

              í          J E R Ô N I M O TEIXEIRA   China à África, do Canadá ao Paraguai,




B
                                                    os jesuítas — como são chamados os
         astaram alguns cartazes espalha-           membros da Companhia — levaram a
         dos pôr Paris, em outubro de               cruz a todos os recantos do planeta. Se o
         1534, para lançar a cidade em um           espírito orientador da ordem serve como
         frenesi de violência religiosa. No         pista para a atuação do novo papa. pode-
espírito provocador da Reforma, os pan-             se esperar o compromisso missionário de
fletos denunciavam a falsidade da missa             propagar e defender a fé católica — e, se
papal, atacando uma das bases doutriná-             o esforço no século X V I era fazer frente
rias do catolicismo: a transubstanciação,           aos reformadores Lutero e Calvino, ago-
na Eucaristia, do pão e do vinho em carne           ra o desafio é conter a sangria que as igre-
e sangue de Jesus. Em resposta, o rei               jas neopentecostais têm promovido no
Francisco I conduziu procissões solenes.            rebanho católico. Também se poderá pre-
Protestantes foram perseguidos, espanca-            ver uma inabalável ortodoxia doutrinária:
dos, mortos. Alguns foram queimados em              fundada por um ex-soldado. a Compa-
frente à Catedral de Notre Dame. Pode-se            nhia de Jesus exige disciplina férrea e
supor que a tensão que eclodiu nesses               obediência absoluta de seus membros.
episódios tenebrosos já estivesse latente                Dois dos participantes do encontro
dois meses antes, quando sete compa-                em Paris foram consagrados como san-
nheiros de devoção, com idade entre 19 e            tos da igreja (Pierre Favre foi apenas
43 anos, se reuniram para uma cerimónia             beatificado): os espanhóis Francisco Xa-
simples em uma capela do bairro de                   vier, um dos possíveis inspiradores do
Montmartre. Mas a reunião se deu na                 nome do novo papa — ao lado do óbvio
mais disciplinada serenidade: o grupo fez           Francisco de Assis —, e Inácio de Loyo-
votos de obediência à Igreja Católica, e             la. Missionário por excelência, Xavier
Pierre Favre, o único que já havia sido             levou sua pregação a Goa, possessão
ordenado padre, oficiou uma missa. Lan-             portuguesa na índia, à China e ao Japão.
çava-se ali a semente de um empreendi-               Mais do que a do companheiro Loyola,
mento monumental, que se desenvolveu                 sua biografia mistura-se a histórias de
nos cinco continentes e atravessou cinco            milagres e portentos: um caranguejo le-
séculos até alcançar, na semana passada,            ria certa vez lhe devolvido um crucifixo
a consagração superlativa do papado. A               que caíra no mar, e consta que o cadáver «
Companhia de Jesus, ordem à qual per-                do santo — ele morreu na China, em 1
tence o papa Francisco, dedicou-se sobre-            1552 — não se decompôs ao longo dos E
tudo ao ensino e à propagação da fé. Da              quinze meses entre o falecimento e a I

 72 | 20 DE MARÇO. 2013 | Veja
OBEDIENTE COMO UM CADÁVER
Loyola (em vestes douradas)
em quadro de Rubens: poma
de lança da Comrarreforrna

chegada a Goa. Mas Inácio de Loyola é
o fundador e o grande teórico da Com-
panhia de Jesus. Nascido em 1491, na
juventude ele se dedicou à carreira mili-
tar, abreviada em um combate contra os
franceses, em 1521, em Pamplona,
quando uma bala de canhão dilacerou
suas pernas. Na lenta e dolorosa conva-
lescença, lendo obras devocionais sobre
a vida de Cristo, Loyola decidiu consa-
grar sua vida à fé. Seu empreendimento
caiu nas boas graças do papa Paulo I I I ,
que deu a aprovação canónica à nova
ordem, em 1540. Loyola foi o primeiro
superior-geral dos jesuítas, e nesse pos-
to morreu, em Roma, em 1556. Legou à
ordem os Exercícios Espirituais — uma
série de orações e meditações a ser se-
guidas, com rigor, ao longo de um mês
— e um código de disciplina estrito: o
jesuíta deveria ser obediente "como um
cadáver" (perinde ac cadáver; na fórmu-
la latina). Outra citação célebre do santo
recomenda que. se a Igreja disser que
aquilo que vemos como branco é na ver-
dade preto, se aceite o que a Igreja diz,
por dever de obediência.
     O combate ao protestantismo nas-
cente nao estava na ordem imediata de
prioridades de Inácio de Loyola. Os je-
 suítas, porém, logo ocuparam a linha de
 frente da Contrarreforma. "Nao há hoje
nenhum instrumento erguido por Deus
contra os hereges maior do que sua or-
dem sagrada", dizia Gregório X I I I , papa
de 1572 a 1585. A Companhia também
 foi a ponta de lança do catolicismo na
colonização da América. Com ímpeto
 aventureiro, embrenhou-se nas matas,
 fundou colégios e povoações e conver-
 teu povos indígenas reunidos nas suas
Reduções. "Esta terra é nossa empresa",
 disse Manuel da Nóbrega, chefe da pri-
 meira missão jesuíta no Brasil. Nóbrega
e o companheiro de ordem José de An-
 chieta fundaram, em 1554, o colégio do
Planalto de Piratininga, embrião da ci-
 dade de São Paulo. Os objetivos religio-
 sos dos jesuítas nem sempre coincidiam
 com as ambições terrenas dos europeus
 que se aventuravam na América selva-
 gem. Por se oporem à escravização dos
 índios, jesuítas como Nóbrega, Anchieta

               veja 120 D E MARÇO, 2013 | 73
INIMIGOS NO PODER O marquês de Pombal expulsou os jesuítas de Portugal
(no quadro abaixo, eles são recebidos com fogos na Itália): a Independência da   e, j á no século X V I I , Antônio Vieira an-
Companhia era vista como ameaça petas monarquias europeias                       daram às tunas com os colonos portu-
                                                                                 gueses. Os jesuítas não tinham pruridos
                                                                                 em reconer às armas quando necessário
                                                                                 — na Guena dos Trinta Anos, houve
                                                                                 inacianos que apontaram canhões para
                                                                                 tropas protestantes — , mas, no geral,
                                                                                 acreditavam na propagação da fé antes
                                                                                 pela persuasão do que pela espada. Tam-
                                                                                 bém se dedicavam a entender minima-
                                                                                 mente a cultura dos povos que preten-
                                                                                 diam catequizar: Anchieta aprendeu tu-
                                                                                 pi, e o jesuíta italiano Matteo Ricci,
                                                                                 missionário na China nofimdo século
                                                                                 X V I , foi o primeiro tradutor ocidental de
                                                                                 Confúcio. Houve quem idealizasse essa
                                                                                 propensão intelectual dos inacianos,
                                                                                 vendo aí uma espécie de multiculturalis-
                                                                                 mo avant la leme. Mas o fim último
                                                                                 sempre foi o crescimento da Igreja: Ric-
                                                                                 ci só se dedicou ao pensamento de Con-
                                                                                 fúcio porque viu nele compatibilidades
                                                                                 com o cristianismo; Anchieta e outros
                                                                                 missionários na América só aprenderam
                                                                                 línguas nativas porque isso era necessá-
                                                                                 rio à catequese dos índios. Poderosos,
                                                                                 numerosos, cultos, os jesuítas eram alvo
                                                                                 de muito rancor, dentro e fora da Igreja,
                                                                                 e não estranha que só agora um jesuíta

74   | 20 D E MARÇO. 201.Í |   veja
Papa m A ORDEM                  RELIGIOSA




HERÓI CIVILIZADOR
José de Anchieia, um
dos fundadores de São             MULTICULTURAIS
Paulo: o jesuíta                  Jesuítas (de preto)
estudou tupi para                   na corte de Akbar,
catequizar os índios            índia, no século XVI:
                                   ímpeto aventureiro

tenha chegado ao papado. Foram cos-          determinação papal, e a Companhia de       trema direita do entreguerras, o francês
tumeiramente associados a fantasiosas        Jesus seguiu forte e atuante no império    Louis Billot, um jesuíta, foi o único car-
conspirações para assassinar monarcas.       russo. A reabilitação efetiva dos jesuí-   deal do século X X a ser forçado pela
No século XV11I, os inimigos da ordem        tas viiiasó em 1814.                       Igreja à renúncia. Na 11 Guerra, porém,
teriam seu momento de triunfo. Gover-       ^QIoje?)sob o comando do superior-          houve jesuítas que protegeram judeus e
nante de fato no reinado do débil José       geraTSríolfo Nicolas, um espanhol, a       foram mortos em campos de concentra-
I . Sebastião José de Carvalho e Melo,       Companhia de Jesus é a maior ordem da      ção. O credo marxista da Teologia da
futuro marquês de Pombal, considerava        Igreja Católica, com cerca de 19000        Libertação teve sua penetração na ordem,
a ordem uma ameaça ao poder central          membros em mais de 130 países. No          que, no entanto, também abriga conser-
da coroa — e a expulsou de Portugal e        mundo todo. administra 180 colégios e      vadores como Jorge Mário Bergoglio,
de suas colónias em 1759. Seguiu-se          200 universidades e faculdades (seis no    agora papa Francisco. Sob essa aparente
um decreto do mesmo teor na França,          Brasil). Em face das forças agressiva-     variedade, porém, estão as diretrizes que
em 1764. Em 1773, finalmente, o papa         mente temporais dos séculos XTX e XX.      o ex-soldado Inácio de Loyola deitou no
Clemente XIV, sob pressão das monar-         a Companhia teria reações variadas. Em     século X V I : disciplina, educação, ímpe-
quias europeias, extinguiu a ordem.          consequência de sua adesão à Action        to missionário — prováveis linhas de
Catarina, a Grande, optou por ignorar a      Française, malogrado movimento de ex-      força do novo papado.                    •

76 | ao DE MARÇO. 2013 | veja
Papa 1 A IGREJA NA                    POLÍTICA




marcfiB                                   Jel orgu                                           INIMIGOS CORDIAIS
                                                                                             Criftimi            cm o
É s aay - trxv**0                                                                            -.'í i..
                                                                                                 r




                                                                                             •:m-OúS. A
                                                                                                        í'"-(t>') R r , i r
                                                                                                           :
                                                                                                                    _
                                                                                                                         ^ou-dd.


                                                                                             do u ; x ; " ; ! : ; i Í J V
                                                                                                                 :   ;


                                                                                             em          fíliclIOy   .-//Y>




  E AGORA,
  CRISTINA?
 Nestor considerava-o seu único verdadeiro opositor.
 Cristina herdou o crítico severo. Bergoglio
 se tomou papa, sabe muito bem quem são os
 Kirchner e não vai esquecer
                       NATHALIA WATKINS E        porém, ele se revelava ainda mais incó-   Congresso uma lei do Partido Socialis-




 0
               A N D R É ELER, DE BUENOS AIRES   modo. Em um país onde a política é        ta para regulamentar o casamento entre
                                                 disputada nas trincheiras, reunia-se fre- homossexuais. De alguns expoentes da
          verdadeiro representante da            quentemente com os principais líderes     oposição, ouvia-se que a iniciativa não
          oposição." Foi assim que o ex-         da oposição e setores marginalizados      passava de uma investida pessoal de
          presidente argentino Nestor            pelo governo. "O novo papa é o religio-   Nestor para atingir seu rival de batina.
          Kirchner definiu o arcebispo           so mais politizado que poderíamos ter",   O confronto entre o cardeal e o kirch-
 de Buenos Aires, Jorge Mário Bergoglio          diz Julio Burdman, cientista político da  nerismo renasce agora com a nomea-
 — o agora papa Francisco. Em suas ho-           Universidade de Belgrano, em Buenos       ção de Bergoglio, apenas protocolar-
 milias dominicais na Catedral Metro-            Aires. "Ele é metade teólogo, metade      mente comemorada por Cristina e j á
 politana, Bergoglio mandava mensa-              político." As rusgas com o governo        muito explicitamente politizada pela
 gens ásperas para os governantes na             atingiram o ápice entre 2009 e 2010,      presidente.
 Casa Rosada. Distante das colunas que           quando a presidente Cristina Kirchner         Como arcebispo da capital, Bergo-
 sustentam o frontispício da catedral.           e o marido, Nestor, impulsionaram no glio liderou uma campanha nacional

 78120 on MARÇO, 20131 veja
contra a lei pelo matrimónio homosse-      uma carta. Cristina rebateu dizendo         25 de maio para celebrar a independên-
xual, convocando os fiéis a protestar às   que "o discurso dos líderes da Igreja       cia do país. "Nosso Deus é de todos,
portas do Congresso. Em uma cidade         parece do tempo das Cruzadas".              mas cuidado que o diabo também chega
conhecida pelo liberalismo de seus             A relação com o casal presidencial      a todos, aos que usam calças e aos que
costumes e por ser um dos principais       já havia se transformado numa guerra        usam batina", disse o presidente, em
destinos turísticos da comunidade gay.     surda em 2004. Um ano depois da posse       uma mais do que explícita referência ao
o cardeal ousou defender princípios        de Nestor Kirchner, Bergoglio alertou,      adversário. Três anos depois, quando os
que a Igreja considera imutáveis. "Aqui    em uma homilia, para os riscos dos          agricultores paralisaram as estradas
também está a inveja do Demónio, pe-       "anúncios estridentes" e do "exibicio-      contra uma lei que aumentava os im-
la qual entrou o pecado no mundo, que      nismo", definindo, ainda bem cedo, o        postos sobre as exportações, Bergoglio
arteiramente pretende destruir a ima-      que viria a ser a essência do governo ar-   sentou-se com os trabalhadores para,
gem de Deus: homem e mulher que            gentino. Em 2005, Nestor, pouco afeito      em seguida, pedir a Cristina que tivesse
recebem a ordem de crescer, se multi-      à religião, cancelou sua presença na        "um gesto de grandeza" que resolvesse
plicar e dominar a terra", escreveu, em    missa que ocorre na catedral todo dia       o conflito. Não foi atendido.

                                                                                                    veja   | 20 DE MARÇO, 2013 |   79
EMOÇÃO NA PARÓQUIA                         ja. A iniciativa, mais o fato de ela ser,   seguiu na direção oposta. Há dois me-
Fiéis na Catedral de Buenos Aires,         como o novo papa, contrária ao aborto,      ses, supostamente com o propósito de
na qual Bergoglio rezava missas,           prenunciava uma trégua com o cardeal.       encontrar os responsáveis pelo atenta-
celebram a escolha do papa argentino       Mas a votação sobre o casamento gay         do, ela formalizou com o Irã um acordo
                                           de novo os separou, e um velho assunto      cujas condições favorecem muito mais
    O episódio marcou a radicalização      entrou em pauta para reforçar a discór-     o escamoteamento do que o esclareci-
do kirchnerismo e deu início à perse-      dia: a relação do governo com a comu-       mento dos fatos e a punição dos culpa-
guição ao grupo de comunicações Cla-       nidade judaica na Argentina, a maior da     dos. Até agora, as investigações apon-
rín, crítico do governo. Em uma nação      América Latina. Favorável ao diálogo        tam para a autoria do grupo radical liba-
onde a oposição política foi reduzida a    entre as crenças, Bergoglio aproximou-      nês xiita Hezbollah, financiado pelos
pó, o arcebispo foi uma das poucas vo-     se dos rabinos depois do atentado con-      iranianos. "Estes últimos dias têm sido
zes que insistiram em incomodar os ou-     tra a Associação Mutual Israelita Ar-       difíceis para Cristina", diz o cientista
vidos dos Kirchner. Após a morte de        gentina (Amia), em 1994, que deixou         político argentino Orlando D'Adamo,
Nestor, em 2010. Cristina, católica pra-   85 mortos e mais de 300 feridos no cen-     do Centro de Opinião Pública da Uni-
ticante, retomou os contatos com a Igre-   tro de Buenos Aires. Cristina Kirchner      versidade de Belgrano. "Há duas sema-

80 120 DE   MARÇO. 2013   | veja
ELE LAVOU AS MÃOS?
                                           A     acusação de que o cardeal Bergo-
                                                 glio entregou à ditadura militar
                                           argentina dois padres acusados de
                                                                                        nalista Sergio Rubin conta que durante
                                                                                        o regime militar Bergoglio protegeu alu-
                                                                                        nos e deu os próprios documentos de
                                           subversão tem poucos elementos que           identidade a um estudante parecido
                                           a sustentam, muitos que a enfraque-          com ele para que escapasse pela Trí-
                                           cem e pelo menos um que ajuda a              plice Fronteira. Bergoglio nuncafoiacu-
                                           fazer com que a sua discussão seja           sado de colaborar com o regime em
                                           obscurecida pela paixão. Em 1976, os         nenhum dos inquéritos oficiais. 0 pró-
                                           jesuítas Orlando Yorio e Francisco Jalics    prio cardeal, em um relato nunca con-
                                           foram presos e levados para a Escola         testado, contou ter persuadido o padre
                                           Superior de Mecânica da Armada, que          que rezava missas para o ditador Jorge
                                           de superior mesmo tinha apenas o em-         Videla a dizer que estava doente, para
                                           prego detécnicasde tortura. Yorio e Jalics   substituí-lo na função e interceder
                                           ficaram seis meses presos, foram tortu-      pessoalmente pela libertação dos je-
                                           rados mas escaparam da morte, destino        suítas - o que de fato ocorreu. As cir-
                                           de 150 outros religiosos assassinados        cunstâncias em que esses fatos se
                                           pelo regime entre 1976 e 1983.               passaram ficou conhecida como "a
                                                Jalics, que hoje vive na Alemanha,      guerra suja" - e em uma guerra a pri-
                                           relata em um livro que, pouco antes de       meira vítima é a verdade. Não é sur-
                                           sua prisão, pediu a "um homem" que           presa que essas acusações tenham
                                           fizesse saber aos militares que ele e        sido ressuscitadas pouco antes de
                                           Yorio não eram terroristas. Esse homem,      Bergoglio ser escolhido papa e tenham
                                           cujo nome ele não revela, teria descum-      ganhado corpo depois de sua eleição.
                                           prido a promessa e feito "uma falsa          Ele é critico da presidente Cristina Kirch-
                                           denúncia" sobre eles aos militares. A        ner, o que para seus fanáticos segui-
                                           conclusão de que esse homem seria            dores constitui um pecado mortal.
                                           Bergoglio é de Horácio
                                           Verbistky, um jornalista
                                           que trabalhava ao
                                           mesmotempopara os
                                           esquerdistas e para os
                                           militares. Horácio diz
                                           ter tido acesso a uma
                                           carta que Yorio man-
                                           dara a um amigo antes
                                           de morrer em que ele
                                           acusa Bergoglio.
                                                Alice Oliveira, mi-
                                            litante de direitos hu-
nas. ela perdeu seu maior aliado, Hugo     manos e ex-juíza, é
Chavez. Agora viu seu opositor tomar-       uma das testemunhas
se papa."                                   isentas que absolvem
    Em Roma, a intromissão do novo          Bergoglio da acusa-
papa em temas mundanos deve arrefe-        ção. Na biografia que
cer — como arrefeceu o poder temporal      escreveu sobre o car-
desde a Reforma Protestante, que redu-     deal, O Jesuíta, o jor-
ziu os limites do papado na Europa, e o
surgimento de movimentos como o Re-        PEDIDO AO GENERAL
nascimento e o Iluminismo, que favore-           Bergoglio diz ter
ceram a razão e enfraqueceram os pila-           intercedido junto
res do poder divino. Mesmo assim, são         a Videla (na foto,
diversos os exemplos de representantes     numa missa em 1975)
da Igreja que se imiscuíram no jogo do       pelos jesuítas presos
poder nas últimas décadas.
Papa B A IGREJA NA POLÍTICA




    Pio XTJ, que comandou a Igreja du-        e do mundo pós-guerra. Pio X I I soube                 PODER O futuro papa Pio XII
rante a I I Guerra, foi o exemplo mais        que o líder soviético havia se referido a           (em 1920, em Berlim), sobre quem
controverso. Por um lado. conseguiu           ele com ironia. Ao tomar conhecimento                     Stalin perguntou: "Quantas
manter-se neutro o suficiente para poupar     de que o papa pedira o fim da opressão                             divisões ele tem?"
Roma de um ataque destruidor. Usando          aos católicos, Stalin perguntou: "O papa?
de sua habilidade diplomática, evitou que     Quantas divisões (exércitos) ele tem'?"      que, por baixo da cortina, a Polónia era o
hospitais, escolas e templos católicos fos-   Resposta de Pio X I I : "Ele encontrará      mais católico dos países sob o domínio
sem destruídos por tropas nazistas e fas-     nossas divisões no céu".                     dos governos comunistas ateus. A viagem
cistas ao redor da Europa. Contudo, não           Os regimes totalitários que Stalin im-   abalou o regime e fortaleceu seus oposi-
se furtou a costurar acordos com os regi-     plantou à força no Leste Europeu ruiriam     tores, como o sindicato Solidariedade.
mes da Alemanha e Itália em torno de          nas mãos de outro papa, o polonês João       Nascida clandestina, a entidade foi reco-
disputas entre Igreja e estado. O fato de     Paulo U. Logo após sua nomeação, ele         nhecida meses depois, em negociações
ter resolvido questões administrativas        afirmou sua intenção de visitar a Polónia,   com o governo. Em um gesto simbólico,
importantes para a instituição nesses paí-    até então isolada atrás da Cortina de Fer-   o líder do movimento, o operário Lech
ses não o livrou de ser lembrado como o       ro. Na ocasião, o presidente soviético       Walesa, sacou do bolso uma caneta com
papa que, em nome da defesa dos interes-      Leonid Brejnev orientou o Partido Co-        o retrato do papa na hora de assinar o do-
ses da Igreja, cruzou os braços diante da     munista daquele país a não receber o pa-     cumento do sindicato. A relação enne o
morte de milhões de judeus. Saiu-se um        pa — sem sucesso. No que se tornou a         papa e Walesa, mais tarde eleito presi-
pouco melhor no confronto verbal com          viagem mais importante do pontificado        dente da República, foi fundamental não
Josef Stalin. Por meio do primeiro-minis-     de João Paulo I I , mais de 10 milhões de    só para a abertura da Polónia, mas para
tro inglês Winston Churchill, com quem        pessoas, quase um terço da população,        todo o Leste Europeu. As pregações de
se encontrou após a Conferência de lalta,     saíram às ruas para recebê-lo. O compa-      João Paulo I I contra o totalitarismo apro-
a qual redefiniu os contornos da Europa       recimento das multidões deixou claro         ximaram o pontífice dos Estados Unidos

 82 | 20 D E MARÇO, 2013 | veja
Papa •   A IGREJA NA POLÍTICA


                                GUERRA FRIA João Paulo II
                                com o presidente Ronald Reagan,
                                em 1987: contra o comunismo

                                e o integraram ao tabuleiro da Guerra
                                Fria. Mais tarde, ajudaram no desmonte
                                dos países sob a esfera soviética e na ins-
                                tauração de vários governos democráti-
                                cos em toda a região.
                                    É cedo para saber quais bandeiras o
                                papa Francisco vai tomar para si, mas o
                                mais provável é que os assuntos internos
                                da Argentina sejam reduzidos à sua de-
                                vida dimensão. O país vive a euforia de
                                ser o berço do primeiro papa latíno-ame-
                                ricano. Na quinta-feira, um jornal porte-
                                nho anunciou a escolha de Bergoglio
                                com a manchete "La mano de Dios",
                                uma referência ao gol irregular feito na
                                Copa do México, em 1986, por Marado-
                                na (que agora terá de conviver com mais
                                alguém lhe fazendo sombra, além de
                                Lionel Messi).
                                     No dia anterior, o anúncio do papa
                                argentino havia levado milhares de por-
                                tenhos a se aglomerar em frente à Cate-
                                dral de Buenos Aires. A algazarra que se
                                formou lá podia ser ouvida até da Casa
                                Rosada. Mesmo assim, só duas horas
                                depois que as notícias do Vaticano j á ti-
                                nham corrido o mundo a presidente
                                Cristina Kirchner divulgou uma carta
                                parabenizando seu conterrâneo.
                                     Do cumprimento frio—que não men-
                                cionava nem o nome do cardeal nem o
                                fato de ele ser argentino —, a presidente
                                seguiu sem escalas para a provocação.
                                Disse desejar que, "em sua missão pasto-
                                ral, ele (o novo papa) carregue uma men-
                                sagem para que as grandes potências mun-
                                diais dialoguem. Que as grandes potências
                                do mundo, que têm armas e poder finan-
                                ceiro, possam ser finalmente convencidas
                                de que devem dar atenção aos países emer-
                                gentes e que elas se comprometam com
                                um diálogo de civilizações, em que as coi-
                                sas são resolvidas pela via diplomática e
                                não pela força". Mais do que uma referên-
                                cia disfarçada à derrota argentina na dis-
                                puta com a Inglaterra pelas Ilhas Malvi-
                                nas, os "cumprimentos" da presidente
                                soaram como uma tentativa de colocar o
                                adversário no ringue, e bem perto das cor-
                                das. Para desgosto de Cristina, porém, o
                                papa Francisco não deve ceder ao seu cha-
                                mado. Sua pátria agora é o mundo. A Ar-
                                gentina terá de esperar.                m
                                        COM REPORTAGEM DE T Â M A R A FISCH
A visão evolutiva
 do aprendizado
                           A
                             té Freud, que só pensava... naquilo, reco-
                             nheceu a descoberta mental como uma im-
                             portante fonte de prazer para o homem em
                             "A civilização e seus descontentes". De fa-
                      to, há poucas atividades mais estimulantes do que
                      aprender coisas novas, conseguir perceber a luz
                      onde antes só havia trevas.
                          O aprendizado ocorre no cérebro. Durante
                      muitos séculos, o cérebro foi tratado como uma
                 *    cãixa-preta, à qual não podíamos ter acesso di-
                 í    reto, e cujas maquinações só poderiam ser de-
                      preendidas por meio da observação cuidadosa e
                      perspicaz do comportamento de pessoas. A
                      maioria dos profissionais de educação ainda
                      subscreve a esse paradigma. Sua visão sobre o
                      funcionamento cerebral é, portanto, formada pe-
                      las hipóteses não científicas de pensadores da
                      virada do século X I X para o X X , especialmente
                      Jean Piaget (1896-1980), Lev Vygotsky (1896-
                      1934) e Henri Wallon (1879-1962).
                          Desde essa é p o c a porém, a compreensão que
                                                                vas sinapses (as estruturas neuronais que permi-
                      temos do cérebro fez grandes avanços, e a neuro-
                                                                tem a passagem de um sinal químico ou elétrico
                      ciência está conseguindo ligar habilidades e
                                                                entre neurónios vizinhos). É tão impossível en-
                      comportamentos humanos a áreas e processostender como seres humanos aprendem sem com-
                   m cerebrais específicos, abandonando o modelopreender o funcionamento do cérebro quanto
    /

     J
                 W "caixa-preta" por outro em que o cérebro é per-
                                                                querer chegar de um lugar a outro sem saber o
                    | cebido como um órgão material, que tem umaque são ruas, estradas, rios e pontes. E a maneira
                    I fisiologia, no qual agem células, neurotransmis-
                                                                responsável de buscar esse conhecimento é por
                                                                                    meio da ciência. Por mais
 A maneira responsável de buscar conhecimento é por meio da                         brilhante que seja um obser-
 ciência. Por mais brilhante que seja um observador da fase vador da fase avanço da ci-
                                                                                    ignorar todo o
                                                                                                     pré-científica,

 pré-científica, ignorar todo o avanço da ciência nas últimas ência nas últimas décadas se-
 décadas seria não apenas anacrónico como irresponsável                             ria não apenas anacrónico
                                                                                    como irresponsável.
                                                                                        Um dos insights mais
              sores etc. Uma das descobertas que essa ciência   importantes desse período de pesquisa é que o
              já conseguiu fazer é que, ao aprendermos, mudamos cérebro é, assim como um olho ou braço, fruto
              a própria arquitetura física do órgão. Como bem   de um processo evolutivo, moldado ao longo de
              descreve, no fascinante In Search of Memory,      centenas de milhares de anos para aumentar
              Eric Kandel — um dos líderes da pesquisa nesse    nossas possibilidades de reprodução e sobrevi-
              campo, vencedor do Nobel de Medicina por suas     vência. Como bem mostra Steven Pinker em
              contribuições —. a formação de uma memória de     livros como How the Mind Works e The Blank
              longo prazo altera nossa rede neuronal em pelo    Slate, a ideia de que nosso cérebro é uma tabu-
              menos duas maneiras: não só aumenta a força do    la rasa cujos conteúdos são preenchidos exclu-
              sinal da sinapse na área relevante como cria no-  sivamente por processos culturais é equivoca-

94   | 20 DE MARÇO. 2013   | veja
HA 2500 ANOS
                                                                           Escola de Atenas, pintura do
                                                                           renascentista italiano Rafael:
                                                                           a Academia de Platão ainda
                                                                           não tem substituto no ensino

                                                                           demais e o aprendiz já sabe
                                                                           a resposta antes de pensar,
                                                                           não há pensamento nem,
                                                                           portanto, dopamina. Se ele
                                                                           é difícil demais e a pessoa
                                                                           já pressente que não conse-
                                                                           guirá encontrar a solução, o
                                                                           cérebro "desliga-se": não
                                                                           havendo a possibilidade de
                                                                           dopamina, não vale a pena
                                                                           gastar o maquinário neural.
                                                                               Mas o que é, em termos
                                                                           neurológicos, pensar? Pen-
                                                                           sar é combinar informações
                                                                           de maneira diferente. Essas
                                                                           informações podem vir do
                                                                           ambiente externo e/ou da
                                                                           memória de longo prazo. A
                                                                           memória de longo prazo é
                                                                           aquela que armazena infor-
                                                                           mações e processos que es-
                                                                           tão fora da nossa consciên-
                                                                           cia imediata. A tabuada, por
da. Entre os muitos achados dessa visão evolu-       exemplo: ela não estava na sua mente antes de eu
tiva está a descoberta de que o cérebro evita o      mencioná-la e desaparecerá de novo em alguns
pensar. Pensar é uma atividade dispendiosa,          minutos, mas, sempre que você precisar fazer
tanto em termos de tempo como de energia, e          uma multiplicação, ela virá, facilmente, à mente.
sempre que possível o cérebro substitui o pen-       O local do cérebro em que esse novo processa-
samento por um procedimento automático gra-          mento de informações se dá é a memória opera-
vado na memória. (Já imaginou como seria im-         cional (ou "de trabalho", do inglês working me-
possível, por exemplo, dirigir um carro, se a        mory). A memória operacional tem capacidade
cada esquina precisássemos pensar em como            limitada — e, quanto mais perto ela estiver de seu
fazer uma curva, como indicar aos outros mo-         limite, mais difícil vai ficando o pensar. Sua ca-
toristas que estamos dobrando, calcular o ân-        pacidade é determinada geneticamente. Pensar
gulo certo da virada do volante, pensar onde         bem, portanto, envolve quatro variáveis: infor-
está a alavanca do pisca-alerta etc?)                mações externas, do ambiente; fatos na memória
    Como mostra o psicólogo cognitivo Daniel         de longo prazo; procedimentos na memória de
Willingham em Why Don 7 Siudenrs Like School?,       longo prazo; e o tamanho do espaço disponível
o cérebro pensa em duas situações: quando é es-      na memória operacional.
tritamente necessário (não há procedimento na           A primeira implicação dessa descoberta é
memória que nos ajude) e quando nós acredita-        que o domínio de fatos não apenas ajuda no ato
mos que seremos recompensados por resolver           de pensar: ele é indispensável. Como mostra
determinado problema. A recompensa? Peque-           Willingham, décadas de pesquisa em ciência
nas doses de dopamina, um poderoso neurotrans-       cognitiva revelam que, se você não domina as in-
missor associado aos circuitos de prazer do cére-    formações básicas de determinado assunto, não
bro, liberado quando se resolve uma questão (e       conseguirá ter um raciocínio analítico/crítico a
também durante o consumo de cocaína). Para           seu respeito. Até a leitura se torna mais fácil se o
que a dopamina seja liberada, o fundamental é        cérebro j á conhece o assunto em questão: a pes-
calibrar a dificuldade do problema. Se ele é fácil   quisa mostra que uma pessoa com ótima habili-

                                                                                                   veja |   20 DE MARÇO. 2013 |   95

Weitere ähnliche Inhalte

Was ist angesagt?

Comentário: 6° Domingo do Tempo Comum - Ano B
Comentário: 6° Domingo do Tempo Comum - Ano BComentário: 6° Domingo do Tempo Comum - Ano B
Comentário: 6° Domingo do Tempo Comum - Ano BJosé Lima
 
O espiritismo e a umbanda
O espiritismo e a umbandaO espiritismo e a umbanda
O espiritismo e a umbandaCandice Gunther
 
Pentecostalismo e a heresia unicista professor alberto
Pentecostalismo e a heresia unicista   professor albertoPentecostalismo e a heresia unicista   professor alberto
Pentecostalismo e a heresia unicista professor albertoJose Ventura
 
A igreja se tornou uma prisão
A igreja se tornou uma prisãoA igreja se tornou uma prisão
A igreja se tornou uma prisãoJuraci Rocha
 
Remanescente 1 - Realidade ou Ilusão?
Remanescente 1 - Realidade ou Ilusão?Remanescente 1 - Realidade ou Ilusão?
Remanescente 1 - Realidade ou Ilusão?Walter Mendes
 
Remanescente 4 - Entre a Santidade e a Verdade
Remanescente 4 - Entre a Santidade e a VerdadeRemanescente 4 - Entre a Santidade e a Verdade
Remanescente 4 - Entre a Santidade e a VerdadeWalter Mendes
 
Trabalhar na seara espírita
Trabalhar na seara espíritaTrabalhar na seara espírita
Trabalhar na seara espíritaHelio Cruz
 
Pequena história-do-povo-chamado-metodista
Pequena história-do-povo-chamado-metodistaPequena história-do-povo-chamado-metodista
Pequena história-do-povo-chamado-metodistaPaulo Dias Nogueira
 
Augustus Nicodemus - Calvino o teologo do espirito santo
Augustus Nicodemus - Calvino  o teologo do espirito santoAugustus Nicodemus - Calvino  o teologo do espirito santo
Augustus Nicodemus - Calvino o teologo do espirito santoAndrea Leite
 
Souza leal espiritismo_a_magia_sete_linhas_de_umbanda
Souza leal espiritismo_a_magia_sete_linhas_de_umbandaSouza leal espiritismo_a_magia_sete_linhas_de_umbanda
Souza leal espiritismo_a_magia_sete_linhas_de_umbandarenatopaulo_gomes
 
Trabalhar na seara espírita
Trabalhar na seara espíritaTrabalhar na seara espírita
Trabalhar na seara espíritaHelio Cruz
 
A prática da homilética de joão wesley
A prática da homilética de joão wesleyA prática da homilética de joão wesley
A prática da homilética de joão wesleyPaulo Dias Nogueira
 
Caio fábio batalha espiritual
Caio fábio   batalha espiritualCaio fábio   batalha espiritual
Caio fábio batalha espiritualFabiano Santos
 
Estudo SuíçA Heresias
Estudo SuíçA HeresiasEstudo SuíçA Heresias
Estudo SuíçA Heresiasguest1b3a53
 
John fullerton mac arthur
John fullerton mac arthurJohn fullerton mac arthur
John fullerton mac arthurpires65
 

Was ist angesagt? (20)

Comentário: 6° Domingo do Tempo Comum - Ano B
Comentário: 6° Domingo do Tempo Comum - Ano BComentário: 6° Domingo do Tempo Comum - Ano B
Comentário: 6° Domingo do Tempo Comum - Ano B
 
O espiritismo e a umbanda
O espiritismo e a umbandaO espiritismo e a umbanda
O espiritismo e a umbanda
 
Questões
QuestõesQuestões
Questões
 
Pentecostalismo e a heresia unicista professor alberto
Pentecostalismo e a heresia unicista   professor albertoPentecostalismo e a heresia unicista   professor alberto
Pentecostalismo e a heresia unicista professor alberto
 
A igreja se tornou uma prisão
A igreja se tornou uma prisãoA igreja se tornou uma prisão
A igreja se tornou uma prisão
 
Remanescente 1 - Realidade ou Ilusão?
Remanescente 1 - Realidade ou Ilusão?Remanescente 1 - Realidade ou Ilusão?
Remanescente 1 - Realidade ou Ilusão?
 
Remanescente 4 - Entre a Santidade e a Verdade
Remanescente 4 - Entre a Santidade e a VerdadeRemanescente 4 - Entre a Santidade e a Verdade
Remanescente 4 - Entre a Santidade e a Verdade
 
Pagina 06
Pagina 06Pagina 06
Pagina 06
 
Trabalhar na seara espírita
Trabalhar na seara espíritaTrabalhar na seara espírita
Trabalhar na seara espírita
 
Pequena história-do-povo-chamado-metodista
Pequena história-do-povo-chamado-metodistaPequena história-do-povo-chamado-metodista
Pequena história-do-povo-chamado-metodista
 
Aespiritualidadeeoreino
AespiritualidadeeoreinoAespiritualidadeeoreino
Aespiritualidadeeoreino
 
Augustus Nicodemus - Calvino o teologo do espirito santo
Augustus Nicodemus - Calvino  o teologo do espirito santoAugustus Nicodemus - Calvino  o teologo do espirito santo
Augustus Nicodemus - Calvino o teologo do espirito santo
 
Souza leal espiritismo_a_magia_sete_linhas_de_umbanda
Souza leal espiritismo_a_magia_sete_linhas_de_umbandaSouza leal espiritismo_a_magia_sete_linhas_de_umbanda
Souza leal espiritismo_a_magia_sete_linhas_de_umbanda
 
Trabalhar na seara espírita
Trabalhar na seara espíritaTrabalhar na seara espírita
Trabalhar na seara espírita
 
A prática da homilética de joão wesley
A prática da homilética de joão wesleyA prática da homilética de joão wesley
A prática da homilética de joão wesley
 
Carta 5
Carta 5Carta 5
Carta 5
 
João wesley e o metodismo
João wesley e o metodismoJoão wesley e o metodismo
João wesley e o metodismo
 
Caio fábio batalha espiritual
Caio fábio   batalha espiritualCaio fábio   batalha espiritual
Caio fábio batalha espiritual
 
Estudo SuíçA Heresias
Estudo SuíçA HeresiasEstudo SuíçA Heresias
Estudo SuíçA Heresias
 
John fullerton mac arthur
John fullerton mac arthurJohn fullerton mac arthur
John fullerton mac arthur
 

Andere mochten auch

Direito penal 8ª apostila
Direito penal 8ª apostilaDireito penal 8ª apostila
Direito penal 8ª apostilaDireito2012sl08
 
Direito penal 13ª apostila
Direito penal 13ª apostila Direito penal 13ª apostila
Direito penal 13ª apostila Direito2012sl08
 
Filosofia jurídica 06 set
Filosofia jurídica  06 setFilosofia jurídica  06 set
Filosofia jurídica 06 setDireito2012sl08
 
Direito penal 12ª apostila - 08/04/2013
Direito penal 12ª apostila - 08/04/2013Direito penal 12ª apostila - 08/04/2013
Direito penal 12ª apostila - 08/04/2013Direito2012sl08
 
Seminário de direito do trabalho i
Seminário de direito do trabalho  iSeminário de direito do trabalho  i
Seminário de direito do trabalho iDireito2012sl08
 
O manifesto do partido politico
O manifesto do partido politicoO manifesto do partido politico
O manifesto do partido politicoDireito2012sl08
 
Calendário escolar 2013_1º_semestre
Calendário escolar 2013_1º_semestreCalendário escolar 2013_1º_semestre
Calendário escolar 2013_1º_semestreDireito2012sl08
 
Material de filosofia i (4)
Material de filosofia i  (4)Material de filosofia i  (4)
Material de filosofia i (4)Direito2012sl08
 
Conteudo programatico direito civil
Conteudo programatico direito civilConteudo programatico direito civil
Conteudo programatico direito civilDireito2012sl08
 
Direito penal 5ª apostila
Direito penal 5ª apostilaDireito penal 5ª apostila
Direito penal 5ª apostilaDireito2012sl08
 
1ªapostila penal 3º semestre teoria do crime - dolo
1ªapostila penal 3º semestre   teoria do crime - dolo1ªapostila penal 3º semestre   teoria do crime - dolo
1ªapostila penal 3º semestre teoria do crime - doloDireito2012sl08
 
Direito penal 11ª apostila
Direito penal 11ª apostilaDireito penal 11ª apostila
Direito penal 11ª apostilaDireito2012sl08
 
Direito penal 4ª apostila
Direito penal 4ª apostilaDireito penal 4ª apostila
Direito penal 4ª apostilaDireito2012sl08
 
Direito penal 6ª apostila
Direito penal 6ª apostilaDireito penal 6ª apostila
Direito penal 6ª apostilaDireito2012sl08
 
Direito penal 9ª apostila
Direito penal 9ª apostilaDireito penal 9ª apostila
Direito penal 9ª apostilaDireito2012sl08
 
Filosofia jurídica 23 ago
Filosofia jurídica   23 agoFilosofia jurídica   23 ago
Filosofia jurídica 23 agoDireito2012sl08
 
2ªapostila penal 3º semestre teoria do crime -culpa
2ªapostila penal 3º semestre   teoria do crime -culpa2ªapostila penal 3º semestre   teoria do crime -culpa
2ªapostila penal 3º semestre teoria do crime -culpaDireito2012sl08
 

Andere mochten auch (20)

Direito penal 8ª apostila
Direito penal 8ª apostilaDireito penal 8ª apostila
Direito penal 8ª apostila
 
Direito penal 13ª apostila
Direito penal 13ª apostila Direito penal 13ª apostila
Direito penal 13ª apostila
 
Filosofia jurídica 06 set
Filosofia jurídica  06 setFilosofia jurídica  06 set
Filosofia jurídica 06 set
 
Direito penal 12ª apostila - 08/04/2013
Direito penal 12ª apostila - 08/04/2013Direito penal 12ª apostila - 08/04/2013
Direito penal 12ª apostila - 08/04/2013
 
Seminário de direito do trabalho i
Seminário de direito do trabalho  iSeminário de direito do trabalho  i
Seminário de direito do trabalho i
 
O manifesto do partido politico
O manifesto do partido politicoO manifesto do partido politico
O manifesto do partido politico
 
Calendário escolar 2013_1º_semestre
Calendário escolar 2013_1º_semestreCalendário escolar 2013_1º_semestre
Calendário escolar 2013_1º_semestre
 
Material de filosofia i (4)
Material de filosofia i  (4)Material de filosofia i  (4)
Material de filosofia i (4)
 
Conteudo programatico direito civil
Conteudo programatico direito civilConteudo programatico direito civil
Conteudo programatico direito civil
 
Direito constitucional
Direito constitucionalDireito constitucional
Direito constitucional
 
Direito penal 5ª apostila
Direito penal 5ª apostilaDireito penal 5ª apostila
Direito penal 5ª apostila
 
1ªapostila penal 3º semestre teoria do crime - dolo
1ªapostila penal 3º semestre   teoria do crime - dolo1ªapostila penal 3º semestre   teoria do crime - dolo
1ªapostila penal 3º semestre teoria do crime - dolo
 
Direito penal 11ª apostila
Direito penal 11ª apostilaDireito penal 11ª apostila
Direito penal 11ª apostila
 
Direito penal 4ª apostila
Direito penal 4ª apostilaDireito penal 4ª apostila
Direito penal 4ª apostila
 
Direito penal 6ª apostila
Direito penal 6ª apostilaDireito penal 6ª apostila
Direito penal 6ª apostila
 
Direito penal 9ª apostila
Direito penal 9ª apostilaDireito penal 9ª apostila
Direito penal 9ª apostila
 
Direito do trabalho
Direito do trabalhoDireito do trabalho
Direito do trabalho
 
Filosofia jurídica 23 ago
Filosofia jurídica   23 agoFilosofia jurídica   23 ago
Filosofia jurídica 23 ago
 
2ªapostila penal 3º semestre teoria do crime -culpa
2ªapostila penal 3º semestre   teoria do crime -culpa2ªapostila penal 3º semestre   teoria do crime -culpa
2ªapostila penal 3º semestre teoria do crime -culpa
 
Psicologia
PsicologiaPsicologia
Psicologia
 

Ähnlich wie O pensamento de Bergoglio sobre temas-chave

15 - O cristianismo na pos-modernidade1.pptx
15 - O cristianismo na pos-modernidade1.pptx15 - O cristianismo na pos-modernidade1.pptx
15 - O cristianismo na pos-modernidade1.pptxPIB Penha - SP
 
Espiritismo e catolicismo
Espiritismo e catolicismoEspiritismo e catolicismo
Espiritismo e catolicismoCandice Gunther
 
Contemporaneidade na Igreja
Contemporaneidade na IgrejaContemporaneidade na Igreja
Contemporaneidade na IgrejaJessé Lopes
 
14 o cristianismo na pós-modernidade- 14ª aula
14   o cristianismo na pós-modernidade- 14ª aula14   o cristianismo na pós-modernidade- 14ª aula
14 o cristianismo na pós-modernidade- 14ª aulaPIB Penha
 
Estudo do livro Roteiro lição 12
Estudo do livro Roteiro lição 12Estudo do livro Roteiro lição 12
Estudo do livro Roteiro lição 12Candice Gunther
 
Os Iasd fazendo parte da união das igrejas prevista por e.g. white
Os Iasd fazendo parte da união das igrejas prevista por e.g. whiteOs Iasd fazendo parte da união das igrejas prevista por e.g. white
Os Iasd fazendo parte da união das igrejas prevista por e.g. whiteASD Remanescentes
 
IASD FAZENDO PARTE DA UNIÃO DAS IGREJAS PREVISTA POR ELLEN WHITE
IASD FAZENDO PARTE DA UNIÃO DAS IGREJAS PREVISTA POR ELLEN WHITEIASD FAZENDO PARTE DA UNIÃO DAS IGREJAS PREVISTA POR ELLEN WHITE
IASD FAZENDO PARTE DA UNIÃO DAS IGREJAS PREVISTA POR ELLEN WHITEASD Remanescentes
 
Catolicos carismaticos e_pentecostais_ca
Catolicos carismaticos e_pentecostais_caCatolicos carismaticos e_pentecostais_ca
Catolicos carismaticos e_pentecostais_caWillams Fernanda
 
O OCULTO DO OCULTISMO - VÓL I
O OCULTO DO OCULTISMO - VÓL IO OCULTO DO OCULTISMO - VÓL I
O OCULTO DO OCULTISMO - VÓL ICristiane Patricio
 
Ressurreiçào e reencarnação
Ressurreiçào e reencarnaçãoRessurreiçào e reencarnação
Ressurreiçào e reencarnaçãoSergio Menezes
 
Informativo Luterano - Agosto 2011
Informativo Luterano - Agosto 2011Informativo Luterano - Agosto 2011
Informativo Luterano - Agosto 2011Congregação da Paz
 
Boletim o pae setembro 2018
Boletim o pae   setembro 2018Boletim o pae   setembro 2018
Boletim o pae setembro 2018O PAE PAE
 
Religiões seitas & heresias pdf-pronta
Religiões seitas & heresias   pdf-prontaReligiões seitas & heresias   pdf-pronta
Religiões seitas & heresias pdf-prontaAbdias Barreto
 
Resumo Das Lições do II Trimestre E.B.D
Resumo Das Lições do II Trimestre E.B.DResumo Das Lições do II Trimestre E.B.D
Resumo Das Lições do II Trimestre E.B.DKonker Labs
 

Ähnlich wie O pensamento de Bergoglio sobre temas-chave (20)

15 - O cristianismo na pos-modernidade1.pptx
15 - O cristianismo na pos-modernidade1.pptx15 - O cristianismo na pos-modernidade1.pptx
15 - O cristianismo na pos-modernidade1.pptx
 
Espiritismo e catolicismo
Espiritismo e catolicismoEspiritismo e catolicismo
Espiritismo e catolicismo
 
Espiral 12
Espiral 12Espiral 12
Espiral 12
 
Contemporaneidade na Igreja
Contemporaneidade na IgrejaContemporaneidade na Igreja
Contemporaneidade na Igreja
 
14 o cristianismo na pós-modernidade- 14ª aula
14   o cristianismo na pós-modernidade- 14ª aula14   o cristianismo na pós-modernidade- 14ª aula
14 o cristianismo na pós-modernidade- 14ª aula
 
Estudo do livro Roteiro lição 12
Estudo do livro Roteiro lição 12Estudo do livro Roteiro lição 12
Estudo do livro Roteiro lição 12
 
Os Iasd fazendo parte da união das igrejas prevista por e.g. white
Os Iasd fazendo parte da união das igrejas prevista por e.g. whiteOs Iasd fazendo parte da união das igrejas prevista por e.g. white
Os Iasd fazendo parte da união das igrejas prevista por e.g. white
 
IASD FAZENDO PARTE DA UNIÃO DAS IGREJAS PREVISTA POR ELLEN WHITE
IASD FAZENDO PARTE DA UNIÃO DAS IGREJAS PREVISTA POR ELLEN WHITEIASD FAZENDO PARTE DA UNIÃO DAS IGREJAS PREVISTA POR ELLEN WHITE
IASD FAZENDO PARTE DA UNIÃO DAS IGREJAS PREVISTA POR ELLEN WHITE
 
Seitas e heresias.pdf
Seitas e heresias.pdfSeitas e heresias.pdf
Seitas e heresias.pdf
 
Catolicos carismaticos e_pentecostais_ca
Catolicos carismaticos e_pentecostais_caCatolicos carismaticos e_pentecostais_ca
Catolicos carismaticos e_pentecostais_ca
 
O OCULTO DO OCULTISMO - VÓL I
O OCULTO DO OCULTISMO - VÓL IO OCULTO DO OCULTISMO - VÓL I
O OCULTO DO OCULTISMO - VÓL I
 
Espiral 28
Espiral 28Espiral 28
Espiral 28
 
Edição n. 37 do CH Noticias - Julho/2018
Edição n. 37 do CH Noticias - Julho/2018Edição n. 37 do CH Noticias - Julho/2018
Edição n. 37 do CH Noticias - Julho/2018
 
Ressurreiçào e reencarnação
Ressurreiçào e reencarnaçãoRessurreiçào e reencarnação
Ressurreiçào e reencarnação
 
Boletim cbg n°_41_12_out_2014
Boletim cbg n°_41_12_out_2014Boletim cbg n°_41_12_out_2014
Boletim cbg n°_41_12_out_2014
 
Informativo Luterano - Agosto 2011
Informativo Luterano - Agosto 2011Informativo Luterano - Agosto 2011
Informativo Luterano - Agosto 2011
 
Eae 74 - ciencia e religião 5a. parte
Eae   74 - ciencia e religião 5a. parteEae   74 - ciencia e religião 5a. parte
Eae 74 - ciencia e religião 5a. parte
 
Boletim o pae setembro 2018
Boletim o pae   setembro 2018Boletim o pae   setembro 2018
Boletim o pae setembro 2018
 
Religiões seitas & heresias pdf-pronta
Religiões seitas & heresias   pdf-prontaReligiões seitas & heresias   pdf-pronta
Religiões seitas & heresias pdf-pronta
 
Resumo Das Lições do II Trimestre E.B.D
Resumo Das Lições do II Trimestre E.B.DResumo Das Lições do II Trimestre E.B.D
Resumo Das Lições do II Trimestre E.B.D
 

Mehr von Direito2012sl08

Programação semana jurídica 2013
Programação semana jurídica 2013Programação semana jurídica 2013
Programação semana jurídica 2013Direito2012sl08
 
Questionario direito do trabalho
Questionario direito do trabalhoQuestionario direito do trabalho
Questionario direito do trabalhoDireito2012sl08
 
Conteudo programatico direito constitucional
Conteudo programatico direito constitucionalConteudo programatico direito constitucional
Conteudo programatico direito constitucionalDireito2012sl08
 
Atividdaes complementares
Atividdaes complementaresAtividdaes complementares
Atividdaes complementaresDireito2012sl08
 
Exemplos de lei Direito do Trabalho
Exemplos de lei Direito do TrabalhoExemplos de lei Direito do Trabalho
Exemplos de lei Direito do TrabalhoDireito2012sl08
 
1ªapostila penal 3º semestre teoria do crime - dolo
1ªapostila penal 3º semestre   teoria do crime - dolo1ªapostila penal 3º semestre   teoria do crime - dolo
1ªapostila penal 3º semestre teoria do crime - doloDireito2012sl08
 
2ªapostila penal 3º semestre teoria do crime -culpa
2ªapostila penal 3º semestre   teoria do crime -culpa2ªapostila penal 3º semestre   teoria do crime -culpa
2ªapostila penal 3º semestre teoria do crime -culpaDireito2012sl08
 
3ªapostila penal 3º semestre teoria do crime - erro de tipo
3ªapostila penal 3º semestre   teoria do crime - erro de tipo3ªapostila penal 3º semestre   teoria do crime - erro de tipo
3ªapostila penal 3º semestre teoria do crime - erro de tipoDireito2012sl08
 
Princípios do direito do trabalho texto
Princípios do direito do trabalho   textoPrincípios do direito do trabalho   texto
Princípios do direito do trabalho textoDireito2012sl08
 
Folha do trabalho de Direito do Trabalho em grupo
Folha do trabalho de Direito do Trabalho em grupoFolha do trabalho de Direito do Trabalho em grupo
Folha do trabalho de Direito do Trabalho em grupoDireito2012sl08
 
Calendário acadêmico 20132_-_uni_capital
Calendário acadêmico 20132_-_uni_capitalCalendário acadêmico 20132_-_uni_capital
Calendário acadêmico 20132_-_uni_capitalDireito2012sl08
 
Plano de ensino constitucional
Plano de ensino constitucionalPlano de ensino constitucional
Plano de ensino constitucionalDireito2012sl08
 
Direito penal 10ª apostila
Direito penal 10ª apostilaDireito penal 10ª apostila
Direito penal 10ª apostilaDireito2012sl08
 
Direito penal 7ª apostila
Direito penal 7ª apostilaDireito penal 7ª apostila
Direito penal 7ª apostilaDireito2012sl08
 

Mehr von Direito2012sl08 (17)

Programação semana jurídica 2013
Programação semana jurídica 2013Programação semana jurídica 2013
Programação semana jurídica 2013
 
Questionario direito do trabalho
Questionario direito do trabalhoQuestionario direito do trabalho
Questionario direito do trabalho
 
Conteudo programatico direito constitucional
Conteudo programatico direito constitucionalConteudo programatico direito constitucional
Conteudo programatico direito constitucional
 
Atividdaes complementares
Atividdaes complementaresAtividdaes complementares
Atividdaes complementares
 
Exemplos de lei Direito do Trabalho
Exemplos de lei Direito do TrabalhoExemplos de lei Direito do Trabalho
Exemplos de lei Direito do Trabalho
 
1ªapostila penal 3º semestre teoria do crime - dolo
1ªapostila penal 3º semestre   teoria do crime - dolo1ªapostila penal 3º semestre   teoria do crime - dolo
1ªapostila penal 3º semestre teoria do crime - dolo
 
2ªapostila penal 3º semestre teoria do crime -culpa
2ªapostila penal 3º semestre   teoria do crime -culpa2ªapostila penal 3º semestre   teoria do crime -culpa
2ªapostila penal 3º semestre teoria do crime -culpa
 
3ªapostila penal 3º semestre teoria do crime - erro de tipo
3ªapostila penal 3º semestre   teoria do crime - erro de tipo3ªapostila penal 3º semestre   teoria do crime - erro de tipo
3ªapostila penal 3º semestre teoria do crime - erro de tipo
 
Trabalho i
Trabalho iTrabalho i
Trabalho i
 
Princípios do direito do trabalho texto
Princípios do direito do trabalho   textoPrincípios do direito do trabalho   texto
Princípios do direito do trabalho texto
 
Folha do trabalho de Direito do Trabalho em grupo
Folha do trabalho de Direito do Trabalho em grupoFolha do trabalho de Direito do Trabalho em grupo
Folha do trabalho de Direito do Trabalho em grupo
 
Direito civil
Direito civilDireito civil
Direito civil
 
Calendário acadêmico 20132_-_uni_capital
Calendário acadêmico 20132_-_uni_capitalCalendário acadêmico 20132_-_uni_capital
Calendário acadêmico 20132_-_uni_capital
 
Horario 3º semestre
Horario 3º semestreHorario 3º semestre
Horario 3º semestre
 
Plano de ensino constitucional
Plano de ensino constitucionalPlano de ensino constitucional
Plano de ensino constitucional
 
Direito penal 10ª apostila
Direito penal 10ª apostilaDireito penal 10ª apostila
Direito penal 10ª apostila
 
Direito penal 7ª apostila
Direito penal 7ª apostilaDireito penal 7ª apostila
Direito penal 7ª apostila
 

O pensamento de Bergoglio sobre temas-chave

  • 1. SAO FRANCISCO DE ASSIS A homenagem ao santo pobre constitui uma carta de intenções do papado Bergoglio mantinha hábitos espar- mensagem evangelizadora: "Não mais ponto não passou despercebido aos car- tanos. Sua rotina de trabalho começava esperar que o povo vá à Igreja, mas le- deais que o elegeram. Deram a vez ao às 4 e meia da manhã e terminava às 9 var a Igreja até o povo". O primeiro homem que poderia ter sido papa há oi- horas da noite. Morava sozinho, em um amálgama entre o pastor e os fiéis é, to anos. VEJA apurou que, na primeira o apartamento no 2 andar do edifício da como se viu na noite de 13 de março, a das cinco votações, os votos se distribuí- arquidiocese, ao lado da Catedral de oração. Fazia tempo que não se rezava ram entre vários nomes. Na segunda, Buenos Aires, na Praça de Maio. Fazia um Pai-Nosso e uma Ave-Maria de for- três candidatos se destacaram: Bergo- sua própria comida. Andava de ônibus ma tão unida e fervorosa na Praça de glio, o italiano Angelo Scola, conside- e de metro. Ao ser nomeado cardeal, São Pedro. rado o favorito, e o canadense Mare não comprou batina nova — pediu que O cardeal Bergoglio desembarcou Ouellet, outra opção citada ao nome lhe fosse dada a de seu antecessor, An- em Roma duas semanas antes do início lançado pela Cúria, o do brasileiro Odi- tonio Quarracino, mono havia três do conclave. Não usou o carro do Vati- lo Scherer. A vantagem de Bergoglio anos. E propôs aos fiéis desejosos de cano à sua disposição. Ia a pé para a consolidou-se no terceiro escrutínio. vir à Itália, para acompanhar a entrega Santa Sé, onde se desenrolaram as con- No quinto, ele obteve um "grande con- do chapéu cardinalício, que doassem gregações-gerais—mas, convenhamos, senso". A Capela Sistina explodiu em aos pobres o dinheiro destinado à via- é um prazer andar em Roma. Aos 76 aplausos quando se atingiu o mínimo de gem. Esteve no Brasil em 2007, para a anos, parecia velho demais para enfren- dois terços dos votos, 77 de 115. Um a 5 Conferência do Episcopado Latino- tar o jogo pesado imposto por uma Cú- dos principais articuladores da candida- Americano e do Caribe, realizada em ria corrupta e pervertida. Em 2005, no tura vitoriosa foi Óscar Maradiaga, de Aparecida, durante a visita de Bento entanto, ele foi o principal oponente de Honduras. "Caros irmãos, que Deus X V I . É um dos que assinam o docu- Ratzinger, nas quatro votações do con- lhes perdoe", disse o papa Francisco. mento final do encontro, com fone clave vencido pelo ex-alemão — e esse Que tenham feito a escolha certa. • veja | 20 DE MARÇO, 2013 | 69
  • 2. »apa • AS IDEIAS O MUNDO E A FE SEGUNDO BERGOGLIO Como arcebispo de Buenos Aires, o novo pontífice CRENÇA refletiu com clareza — e simplicidade até exagerada — sobre questões fundamentais do cotidiano mA Igreja defende a autonomia das questões humanas. Uma autonomia saudável é uma laicidade saudável, em que se respeitam as ABORTO diferentes competências. A Igreja não vai dizer aos médicos como devem realizar uma operação. é é O problema moral do aborto é de natureza pré-religiosa. No O que não é bom é o laicismo militante, aquele momento da concepção está o código genético da pessoa. Ali que toma uma posição antitranscendental ou exige já existe um ser humano. Separo o tema do aborto de qualquer que o religioso não saia da sacristia. A Igreja dá os concepção religiosa. É um problema científico. Não permitir o valores, e os outros que façam o resto. 93 desenvolvimento de um ser que já dispõe do código genético de um sçr humano não é ético. Abortar é matar alguém que não pode se defender. f¥ DEUS 66 Ao homem de hoje lhe diria que faça a ATEÍSMO experiência de entrar na intimidade para conhecer a experiência, o rosto de Deus. Por ééQuando eu me encontro com pessoas ateias, compartilho com isso me agrada tanto o que disse Jó depois elas as questões humanas, mas não coloco logo de cara em discussão de sua dura experiência e de diálogos que a questão de Deus, exceto se elas me incitam a isso. Quando isso não lhe esclareceram nada: 'Antes eu te ocorre, eu explico a elas por que creio. (...) Não pretendo fazer conhecia só por ouvir falar, mas agora proselitismo — eu as respeito e me mostro como sou. (...) Não tenho eu te vejo com meus próprios olhos'. nenhum tipo de reticências. Não diria que um ateu está condenado Ao homem, digo que não conheça porque estou convencido de que não tenho o direito de julgar a Deus de ouvidos. O Deus vivo é sua honestidade — sobretudo se ele tiver virtudes, aquelas que aquele que se vê com seus olhos, engrandecem as pessoas. De toda forma, conheço mais gente dentro de seu coração, f f agnóstica do que ateia. O agnóstico duvida; o ateu está convencido. Temos de ser coerentes com a mensagem que recebemos da Bíblia: todo homem é a imagem de Deus, seja ele crente ou não. Por essa DIVÓRCIO única razão, tem uma série de virtudes, qualidades, grandezas. Caso tenha baixezas, como eu também as tenho, podemos 66A discussão em torno do compartilhá-las para nos ajudarmos mutuamente a superá-las. 99 divórcio é diferente daquela do matrimónio de pessoas do mesmo sexo. A Igreja sempre CIÊNCIA repudiou a lei do divórcio, mas há antecedentes antropológicos 66A ciência tem sua autonomia, que deve ser respeitada e distintos neste caso. (...) É um valor Ni encorajada. Não se deve interferir na autonomia dos cientistas. muito forte no catolicismo o casamento até Exceto se extrapolarem seu campo de atuação e se envolverem que a morte os separe. Hoje, contudo, na doutrina com o transcendente. A ciência é fundamentalmente instrumento católica, lembra-se a seus fiéis divorciados e do mandato de Deus, que disse: Tenham muitos e muitos filhos, recasados que eles não estão excomungados — espalhem-se por toda a terra e a dominem'. Dentro de sua autonomia, ainda que vivam em uma situação à margem do a ciência transforma a incultura em cultura. Mas cuidado: quando a que exigem a indissolubilidade matrimonial e o autonomia da ciência não põe limites a si mesma e vai além. ela pode sacramento do matrimónio — e é pedido a eles sair das mãos de sua própria criação. É o mito de Frankenstein. 99 que participem da vida paroquial, f f 70 | 20 DE MARÇO. 2013 | veja
  • 3. IGREJA 66 Uma coisa boa que aconteceu com a Igreja foi a perda dos Estados Pontifícios, porque deixa claro que a única posse do papa é meio quilómetro quadrado. Mas, quando o papa era rei temporal e rei espiritual, aí se misturavam as intrigas de corte e tudo isso. Agora não se misturam? Sim, ainda existe isso, porque existe ambição em homens da Igreja, existe — lamentavelmente — pecado de carreirismo. Somos humanos e nos tentamos, temos de estar muito atentos para cuidar da unção que recebemos, porque ela é um presente de Deus. As disputas pelo poder, que existiram e existem na Igreja, se devem a nossa condição humana. Mas, nesse momento, a pessoa deixa de ser eleita para o serviço e se converte em uma pessoa que escolhe viver como quer e se mistura com o lixo interior.?^ 66 Um líder religioso pode ser muito fone, muito firme, mas isso sem exercer a agressão. Jesus disse que aquele que manda deve ser como aquele que serve. Para mim, essa ideia é válida para a pessoa religiosa de qualquer credo. O verdadeiro poder de uma liderança religiosa vem de seu serviço. Quando deixa de servir, o religioso se transforma em um mero gestor, em um agente de ONG. O líder religioso compartilha, sofre, serve a seus irmãos.** PEDOFILIA Sé Que o celibato traga como consequência a pedofilia está descartado. Mais de 70% dos casos de pedofilia se dão no entorno familiar e na vizinhança: avôs, tios, padrastos e vizinhos. O problema não está vinculado ao celibato. Se um padre é pedófilo, ele o é antes de ser padre. Agora, quando isso ocone, jamais se deve fazer vista grossa. Não se pode estar em uma posição de poder e destruir a vida de outra pessoa. (...) Não creio em posições que pleiteiam sustentar ceno espírito corporativo para evitar danos à imagem da instituição. Esta solução creio que foi proposta certa vez nos Estados Unidos: mudar os padres de paróquia. Isso e' uma estupidez porque, dessa forma, o padre leva o problema na bagagem. A reação corporativa leva a tal consequência, por isso não concordo com essas medidas. Recentemente, na Irlanda, foram revelados casos após vinte anos, e o papa disse claramente: 'Tolerância zero com este crime'. Admiro a valentia e a retidão de Bento X V I sobre esse assunto.ff é é A vida crista também é uma espécie de atletismo, de disputa, de corrida, em que é preciso se desvencilhar das coisas que nos separam de Deus. Além disso, quero salientar que uma questão &o demónio e outra é demonizar as coisas ou as pessoas. O homem está sob tentação constante, mas não é por isso que temos de demonizá-lo.ff UNIÃO HOMOSSEXUAL é é N ã o sejamos ingénuos: não se trata de uma simples luta política. Pretende-se a destruição do plano de Deus. É uma jogada do pai da mentira para confundir e enganar os filhos de Deus.ff veja | 20 DE MARÇO, 2013 | 71
  • 4. Papa 1 A ORDEM RELIGIOSA A TROPA DE CHOQUE DA IGREJA Fundada no século X V I por Inácio de Loyola, um ex-militar espanhol, a Companhia de Jesus tem uma dedicação histórica à propagação da fé. Foi nessa disciplina missionária que se formou o papa Francisco í J E R Ô N I M O TEIXEIRA China à África, do Canadá ao Paraguai, B os jesuítas — como são chamados os astaram alguns cartazes espalha- membros da Companhia — levaram a dos pôr Paris, em outubro de cruz a todos os recantos do planeta. Se o 1534, para lançar a cidade em um espírito orientador da ordem serve como frenesi de violência religiosa. No pista para a atuação do novo papa. pode- espírito provocador da Reforma, os pan- se esperar o compromisso missionário de fletos denunciavam a falsidade da missa propagar e defender a fé católica — e, se papal, atacando uma das bases doutriná- o esforço no século X V I era fazer frente rias do catolicismo: a transubstanciação, aos reformadores Lutero e Calvino, ago- na Eucaristia, do pão e do vinho em carne ra o desafio é conter a sangria que as igre- e sangue de Jesus. Em resposta, o rei jas neopentecostais têm promovido no Francisco I conduziu procissões solenes. rebanho católico. Também se poderá pre- Protestantes foram perseguidos, espanca- ver uma inabalável ortodoxia doutrinária: dos, mortos. Alguns foram queimados em fundada por um ex-soldado. a Compa- frente à Catedral de Notre Dame. Pode-se nhia de Jesus exige disciplina férrea e supor que a tensão que eclodiu nesses obediência absoluta de seus membros. episódios tenebrosos já estivesse latente Dois dos participantes do encontro dois meses antes, quando sete compa- em Paris foram consagrados como san- nheiros de devoção, com idade entre 19 e tos da igreja (Pierre Favre foi apenas 43 anos, se reuniram para uma cerimónia beatificado): os espanhóis Francisco Xa- simples em uma capela do bairro de vier, um dos possíveis inspiradores do Montmartre. Mas a reunião se deu na nome do novo papa — ao lado do óbvio mais disciplinada serenidade: o grupo fez Francisco de Assis —, e Inácio de Loyo- votos de obediência à Igreja Católica, e la. Missionário por excelência, Xavier Pierre Favre, o único que já havia sido levou sua pregação a Goa, possessão ordenado padre, oficiou uma missa. Lan- portuguesa na índia, à China e ao Japão. çava-se ali a semente de um empreendi- Mais do que a do companheiro Loyola, mento monumental, que se desenvolveu sua biografia mistura-se a histórias de nos cinco continentes e atravessou cinco milagres e portentos: um caranguejo le- séculos até alcançar, na semana passada, ria certa vez lhe devolvido um crucifixo a consagração superlativa do papado. A que caíra no mar, e consta que o cadáver « Companhia de Jesus, ordem à qual per- do santo — ele morreu na China, em 1 tence o papa Francisco, dedicou-se sobre- 1552 — não se decompôs ao longo dos E tudo ao ensino e à propagação da fé. Da quinze meses entre o falecimento e a I 72 | 20 DE MARÇO. 2013 | Veja
  • 5. OBEDIENTE COMO UM CADÁVER Loyola (em vestes douradas) em quadro de Rubens: poma de lança da Comrarreforrna chegada a Goa. Mas Inácio de Loyola é o fundador e o grande teórico da Com- panhia de Jesus. Nascido em 1491, na juventude ele se dedicou à carreira mili- tar, abreviada em um combate contra os franceses, em 1521, em Pamplona, quando uma bala de canhão dilacerou suas pernas. Na lenta e dolorosa conva- lescença, lendo obras devocionais sobre a vida de Cristo, Loyola decidiu consa- grar sua vida à fé. Seu empreendimento caiu nas boas graças do papa Paulo I I I , que deu a aprovação canónica à nova ordem, em 1540. Loyola foi o primeiro superior-geral dos jesuítas, e nesse pos- to morreu, em Roma, em 1556. Legou à ordem os Exercícios Espirituais — uma série de orações e meditações a ser se- guidas, com rigor, ao longo de um mês — e um código de disciplina estrito: o jesuíta deveria ser obediente "como um cadáver" (perinde ac cadáver; na fórmu- la latina). Outra citação célebre do santo recomenda que. se a Igreja disser que aquilo que vemos como branco é na ver- dade preto, se aceite o que a Igreja diz, por dever de obediência. O combate ao protestantismo nas- cente nao estava na ordem imediata de prioridades de Inácio de Loyola. Os je- suítas, porém, logo ocuparam a linha de frente da Contrarreforma. "Nao há hoje nenhum instrumento erguido por Deus contra os hereges maior do que sua or- dem sagrada", dizia Gregório X I I I , papa de 1572 a 1585. A Companhia também foi a ponta de lança do catolicismo na colonização da América. Com ímpeto aventureiro, embrenhou-se nas matas, fundou colégios e povoações e conver- teu povos indígenas reunidos nas suas Reduções. "Esta terra é nossa empresa", disse Manuel da Nóbrega, chefe da pri- meira missão jesuíta no Brasil. Nóbrega e o companheiro de ordem José de An- chieta fundaram, em 1554, o colégio do Planalto de Piratininga, embrião da ci- dade de São Paulo. Os objetivos religio- sos dos jesuítas nem sempre coincidiam com as ambições terrenas dos europeus que se aventuravam na América selva- gem. Por se oporem à escravização dos índios, jesuítas como Nóbrega, Anchieta veja 120 D E MARÇO, 2013 | 73
  • 6. INIMIGOS NO PODER O marquês de Pombal expulsou os jesuítas de Portugal (no quadro abaixo, eles são recebidos com fogos na Itália): a Independência da e, j á no século X V I I , Antônio Vieira an- Companhia era vista como ameaça petas monarquias europeias daram às tunas com os colonos portu- gueses. Os jesuítas não tinham pruridos em reconer às armas quando necessário — na Guena dos Trinta Anos, houve inacianos que apontaram canhões para tropas protestantes — , mas, no geral, acreditavam na propagação da fé antes pela persuasão do que pela espada. Tam- bém se dedicavam a entender minima- mente a cultura dos povos que preten- diam catequizar: Anchieta aprendeu tu- pi, e o jesuíta italiano Matteo Ricci, missionário na China nofimdo século X V I , foi o primeiro tradutor ocidental de Confúcio. Houve quem idealizasse essa propensão intelectual dos inacianos, vendo aí uma espécie de multiculturalis- mo avant la leme. Mas o fim último sempre foi o crescimento da Igreja: Ric- ci só se dedicou ao pensamento de Con- fúcio porque viu nele compatibilidades com o cristianismo; Anchieta e outros missionários na América só aprenderam línguas nativas porque isso era necessá- rio à catequese dos índios. Poderosos, numerosos, cultos, os jesuítas eram alvo de muito rancor, dentro e fora da Igreja, e não estranha que só agora um jesuíta 74 | 20 D E MARÇO. 201.Í | veja
  • 7. Papa m A ORDEM RELIGIOSA HERÓI CIVILIZADOR José de Anchieia, um dos fundadores de São MULTICULTURAIS Paulo: o jesuíta Jesuítas (de preto) estudou tupi para na corte de Akbar, catequizar os índios índia, no século XVI: ímpeto aventureiro tenha chegado ao papado. Foram cos- determinação papal, e a Companhia de trema direita do entreguerras, o francês tumeiramente associados a fantasiosas Jesus seguiu forte e atuante no império Louis Billot, um jesuíta, foi o único car- conspirações para assassinar monarcas. russo. A reabilitação efetiva dos jesuí- deal do século X X a ser forçado pela No século XV11I, os inimigos da ordem tas viiiasó em 1814. Igreja à renúncia. Na 11 Guerra, porém, teriam seu momento de triunfo. Gover- ^QIoje?)sob o comando do superior- houve jesuítas que protegeram judeus e nante de fato no reinado do débil José geraTSríolfo Nicolas, um espanhol, a foram mortos em campos de concentra- I . Sebastião José de Carvalho e Melo, Companhia de Jesus é a maior ordem da ção. O credo marxista da Teologia da futuro marquês de Pombal, considerava Igreja Católica, com cerca de 19000 Libertação teve sua penetração na ordem, a ordem uma ameaça ao poder central membros em mais de 130 países. No que, no entanto, também abriga conser- da coroa — e a expulsou de Portugal e mundo todo. administra 180 colégios e vadores como Jorge Mário Bergoglio, de suas colónias em 1759. Seguiu-se 200 universidades e faculdades (seis no agora papa Francisco. Sob essa aparente um decreto do mesmo teor na França, Brasil). Em face das forças agressiva- variedade, porém, estão as diretrizes que em 1764. Em 1773, finalmente, o papa mente temporais dos séculos XTX e XX. o ex-soldado Inácio de Loyola deitou no Clemente XIV, sob pressão das monar- a Companhia teria reações variadas. Em século X V I : disciplina, educação, ímpe- quias europeias, extinguiu a ordem. consequência de sua adesão à Action to missionário — prováveis linhas de Catarina, a Grande, optou por ignorar a Française, malogrado movimento de ex- força do novo papado. • 76 | ao DE MARÇO. 2013 | veja
  • 8. Papa 1 A IGREJA NA POLÍTICA marcfiB Jel orgu INIMIGOS CORDIAIS Criftimi cm o É s aay - trxv**0 -.'í i.. r •:m-OúS. A í'"-(t>') R r , i r : _ ^ou-dd. do u ; x ; " ; ! : ; i Í J V : ; em fíliclIOy .-//Y> E AGORA, CRISTINA? Nestor considerava-o seu único verdadeiro opositor. Cristina herdou o crítico severo. Bergoglio se tomou papa, sabe muito bem quem são os Kirchner e não vai esquecer NATHALIA WATKINS E porém, ele se revelava ainda mais incó- Congresso uma lei do Partido Socialis- 0 A N D R É ELER, DE BUENOS AIRES modo. Em um país onde a política é ta para regulamentar o casamento entre disputada nas trincheiras, reunia-se fre- homossexuais. De alguns expoentes da verdadeiro representante da quentemente com os principais líderes oposição, ouvia-se que a iniciativa não oposição." Foi assim que o ex- da oposição e setores marginalizados passava de uma investida pessoal de presidente argentino Nestor pelo governo. "O novo papa é o religio- Nestor para atingir seu rival de batina. Kirchner definiu o arcebispo so mais politizado que poderíamos ter", O confronto entre o cardeal e o kirch- de Buenos Aires, Jorge Mário Bergoglio diz Julio Burdman, cientista político da nerismo renasce agora com a nomea- — o agora papa Francisco. Em suas ho- Universidade de Belgrano, em Buenos ção de Bergoglio, apenas protocolar- milias dominicais na Catedral Metro- Aires. "Ele é metade teólogo, metade mente comemorada por Cristina e j á politana, Bergoglio mandava mensa- político." As rusgas com o governo muito explicitamente politizada pela gens ásperas para os governantes na atingiram o ápice entre 2009 e 2010, presidente. Casa Rosada. Distante das colunas que quando a presidente Cristina Kirchner Como arcebispo da capital, Bergo- sustentam o frontispício da catedral. e o marido, Nestor, impulsionaram no glio liderou uma campanha nacional 78120 on MARÇO, 20131 veja
  • 9. contra a lei pelo matrimónio homosse- uma carta. Cristina rebateu dizendo 25 de maio para celebrar a independên- xual, convocando os fiéis a protestar às que "o discurso dos líderes da Igreja cia do país. "Nosso Deus é de todos, portas do Congresso. Em uma cidade parece do tempo das Cruzadas". mas cuidado que o diabo também chega conhecida pelo liberalismo de seus A relação com o casal presidencial a todos, aos que usam calças e aos que costumes e por ser um dos principais já havia se transformado numa guerra usam batina", disse o presidente, em destinos turísticos da comunidade gay. surda em 2004. Um ano depois da posse uma mais do que explícita referência ao o cardeal ousou defender princípios de Nestor Kirchner, Bergoglio alertou, adversário. Três anos depois, quando os que a Igreja considera imutáveis. "Aqui em uma homilia, para os riscos dos agricultores paralisaram as estradas também está a inveja do Demónio, pe- "anúncios estridentes" e do "exibicio- contra uma lei que aumentava os im- la qual entrou o pecado no mundo, que nismo", definindo, ainda bem cedo, o postos sobre as exportações, Bergoglio arteiramente pretende destruir a ima- que viria a ser a essência do governo ar- sentou-se com os trabalhadores para, gem de Deus: homem e mulher que gentino. Em 2005, Nestor, pouco afeito em seguida, pedir a Cristina que tivesse recebem a ordem de crescer, se multi- à religião, cancelou sua presença na "um gesto de grandeza" que resolvesse plicar e dominar a terra", escreveu, em missa que ocorre na catedral todo dia o conflito. Não foi atendido. veja | 20 DE MARÇO, 2013 | 79
  • 10. EMOÇÃO NA PARÓQUIA ja. A iniciativa, mais o fato de ela ser, seguiu na direção oposta. Há dois me- Fiéis na Catedral de Buenos Aires, como o novo papa, contrária ao aborto, ses, supostamente com o propósito de na qual Bergoglio rezava missas, prenunciava uma trégua com o cardeal. encontrar os responsáveis pelo atenta- celebram a escolha do papa argentino Mas a votação sobre o casamento gay do, ela formalizou com o Irã um acordo de novo os separou, e um velho assunto cujas condições favorecem muito mais O episódio marcou a radicalização entrou em pauta para reforçar a discór- o escamoteamento do que o esclareci- do kirchnerismo e deu início à perse- dia: a relação do governo com a comu- mento dos fatos e a punição dos culpa- guição ao grupo de comunicações Cla- nidade judaica na Argentina, a maior da dos. Até agora, as investigações apon- rín, crítico do governo. Em uma nação América Latina. Favorável ao diálogo tam para a autoria do grupo radical liba- onde a oposição política foi reduzida a entre as crenças, Bergoglio aproximou- nês xiita Hezbollah, financiado pelos pó, o arcebispo foi uma das poucas vo- se dos rabinos depois do atentado con- iranianos. "Estes últimos dias têm sido zes que insistiram em incomodar os ou- tra a Associação Mutual Israelita Ar- difíceis para Cristina", diz o cientista vidos dos Kirchner. Após a morte de gentina (Amia), em 1994, que deixou político argentino Orlando D'Adamo, Nestor, em 2010. Cristina, católica pra- 85 mortos e mais de 300 feridos no cen- do Centro de Opinião Pública da Uni- ticante, retomou os contatos com a Igre- tro de Buenos Aires. Cristina Kirchner versidade de Belgrano. "Há duas sema- 80 120 DE MARÇO. 2013 | veja
  • 11. ELE LAVOU AS MÃOS? A acusação de que o cardeal Bergo- glio entregou à ditadura militar argentina dois padres acusados de nalista Sergio Rubin conta que durante o regime militar Bergoglio protegeu alu- nos e deu os próprios documentos de subversão tem poucos elementos que identidade a um estudante parecido a sustentam, muitos que a enfraque- com ele para que escapasse pela Trí- cem e pelo menos um que ajuda a plice Fronteira. Bergoglio nuncafoiacu- fazer com que a sua discussão seja sado de colaborar com o regime em obscurecida pela paixão. Em 1976, os nenhum dos inquéritos oficiais. 0 pró- jesuítas Orlando Yorio e Francisco Jalics prio cardeal, em um relato nunca con- foram presos e levados para a Escola testado, contou ter persuadido o padre Superior de Mecânica da Armada, que que rezava missas para o ditador Jorge de superior mesmo tinha apenas o em- Videla a dizer que estava doente, para prego detécnicasde tortura. Yorio e Jalics substituí-lo na função e interceder ficaram seis meses presos, foram tortu- pessoalmente pela libertação dos je- rados mas escaparam da morte, destino suítas - o que de fato ocorreu. As cir- de 150 outros religiosos assassinados cunstâncias em que esses fatos se pelo regime entre 1976 e 1983. passaram ficou conhecida como "a Jalics, que hoje vive na Alemanha, guerra suja" - e em uma guerra a pri- relata em um livro que, pouco antes de meira vítima é a verdade. Não é sur- sua prisão, pediu a "um homem" que presa que essas acusações tenham fizesse saber aos militares que ele e sido ressuscitadas pouco antes de Yorio não eram terroristas. Esse homem, Bergoglio ser escolhido papa e tenham cujo nome ele não revela, teria descum- ganhado corpo depois de sua eleição. prido a promessa e feito "uma falsa Ele é critico da presidente Cristina Kirch- denúncia" sobre eles aos militares. A ner, o que para seus fanáticos segui- conclusão de que esse homem seria dores constitui um pecado mortal. Bergoglio é de Horácio Verbistky, um jornalista que trabalhava ao mesmotempopara os esquerdistas e para os militares. Horácio diz ter tido acesso a uma carta que Yorio man- dara a um amigo antes de morrer em que ele acusa Bergoglio. Alice Oliveira, mi- litante de direitos hu- nas. ela perdeu seu maior aliado, Hugo manos e ex-juíza, é Chavez. Agora viu seu opositor tomar- uma das testemunhas se papa." isentas que absolvem Em Roma, a intromissão do novo Bergoglio da acusa- papa em temas mundanos deve arrefe- ção. Na biografia que cer — como arrefeceu o poder temporal escreveu sobre o car- desde a Reforma Protestante, que redu- deal, O Jesuíta, o jor- ziu os limites do papado na Europa, e o surgimento de movimentos como o Re- PEDIDO AO GENERAL nascimento e o Iluminismo, que favore- Bergoglio diz ter ceram a razão e enfraqueceram os pila- intercedido junto res do poder divino. Mesmo assim, são a Videla (na foto, diversos os exemplos de representantes numa missa em 1975) da Igreja que se imiscuíram no jogo do pelos jesuítas presos poder nas últimas décadas.
  • 12. Papa B A IGREJA NA POLÍTICA Pio XTJ, que comandou a Igreja du- e do mundo pós-guerra. Pio X I I soube PODER O futuro papa Pio XII rante a I I Guerra, foi o exemplo mais que o líder soviético havia se referido a (em 1920, em Berlim), sobre quem controverso. Por um lado. conseguiu ele com ironia. Ao tomar conhecimento Stalin perguntou: "Quantas manter-se neutro o suficiente para poupar de que o papa pedira o fim da opressão divisões ele tem?" Roma de um ataque destruidor. Usando aos católicos, Stalin perguntou: "O papa? de sua habilidade diplomática, evitou que Quantas divisões (exércitos) ele tem'?" que, por baixo da cortina, a Polónia era o hospitais, escolas e templos católicos fos- Resposta de Pio X I I : "Ele encontrará mais católico dos países sob o domínio sem destruídos por tropas nazistas e fas- nossas divisões no céu". dos governos comunistas ateus. A viagem cistas ao redor da Europa. Contudo, não Os regimes totalitários que Stalin im- abalou o regime e fortaleceu seus oposi- se furtou a costurar acordos com os regi- plantou à força no Leste Europeu ruiriam tores, como o sindicato Solidariedade. mes da Alemanha e Itália em torno de nas mãos de outro papa, o polonês João Nascida clandestina, a entidade foi reco- disputas entre Igreja e estado. O fato de Paulo U. Logo após sua nomeação, ele nhecida meses depois, em negociações ter resolvido questões administrativas afirmou sua intenção de visitar a Polónia, com o governo. Em um gesto simbólico, importantes para a instituição nesses paí- até então isolada atrás da Cortina de Fer- o líder do movimento, o operário Lech ses não o livrou de ser lembrado como o ro. Na ocasião, o presidente soviético Walesa, sacou do bolso uma caneta com papa que, em nome da defesa dos interes- Leonid Brejnev orientou o Partido Co- o retrato do papa na hora de assinar o do- ses da Igreja, cruzou os braços diante da munista daquele país a não receber o pa- cumento do sindicato. A relação enne o morte de milhões de judeus. Saiu-se um pa — sem sucesso. No que se tornou a papa e Walesa, mais tarde eleito presi- pouco melhor no confronto verbal com viagem mais importante do pontificado dente da República, foi fundamental não Josef Stalin. Por meio do primeiro-minis- de João Paulo I I , mais de 10 milhões de só para a abertura da Polónia, mas para tro inglês Winston Churchill, com quem pessoas, quase um terço da população, todo o Leste Europeu. As pregações de se encontrou após a Conferência de lalta, saíram às ruas para recebê-lo. O compa- João Paulo I I contra o totalitarismo apro- a qual redefiniu os contornos da Europa recimento das multidões deixou claro ximaram o pontífice dos Estados Unidos 82 | 20 D E MARÇO, 2013 | veja
  • 13. Papa • A IGREJA NA POLÍTICA GUERRA FRIA João Paulo II com o presidente Ronald Reagan, em 1987: contra o comunismo e o integraram ao tabuleiro da Guerra Fria. Mais tarde, ajudaram no desmonte dos países sob a esfera soviética e na ins- tauração de vários governos democráti- cos em toda a região. É cedo para saber quais bandeiras o papa Francisco vai tomar para si, mas o mais provável é que os assuntos internos da Argentina sejam reduzidos à sua de- vida dimensão. O país vive a euforia de ser o berço do primeiro papa latíno-ame- ricano. Na quinta-feira, um jornal porte- nho anunciou a escolha de Bergoglio com a manchete "La mano de Dios", uma referência ao gol irregular feito na Copa do México, em 1986, por Marado- na (que agora terá de conviver com mais alguém lhe fazendo sombra, além de Lionel Messi). No dia anterior, o anúncio do papa argentino havia levado milhares de por- tenhos a se aglomerar em frente à Cate- dral de Buenos Aires. A algazarra que se formou lá podia ser ouvida até da Casa Rosada. Mesmo assim, só duas horas depois que as notícias do Vaticano j á ti- nham corrido o mundo a presidente Cristina Kirchner divulgou uma carta parabenizando seu conterrâneo. Do cumprimento frio—que não men- cionava nem o nome do cardeal nem o fato de ele ser argentino —, a presidente seguiu sem escalas para a provocação. Disse desejar que, "em sua missão pasto- ral, ele (o novo papa) carregue uma men- sagem para que as grandes potências mun- diais dialoguem. Que as grandes potências do mundo, que têm armas e poder finan- ceiro, possam ser finalmente convencidas de que devem dar atenção aos países emer- gentes e que elas se comprometam com um diálogo de civilizações, em que as coi- sas são resolvidas pela via diplomática e não pela força". Mais do que uma referên- cia disfarçada à derrota argentina na dis- puta com a Inglaterra pelas Ilhas Malvi- nas, os "cumprimentos" da presidente soaram como uma tentativa de colocar o adversário no ringue, e bem perto das cor- das. Para desgosto de Cristina, porém, o papa Francisco não deve ceder ao seu cha- mado. Sua pátria agora é o mundo. A Ar- gentina terá de esperar. m COM REPORTAGEM DE T Â M A R A FISCH
  • 14. A visão evolutiva do aprendizado A té Freud, que só pensava... naquilo, reco- nheceu a descoberta mental como uma im- portante fonte de prazer para o homem em "A civilização e seus descontentes". De fa- to, há poucas atividades mais estimulantes do que aprender coisas novas, conseguir perceber a luz onde antes só havia trevas. O aprendizado ocorre no cérebro. Durante muitos séculos, o cérebro foi tratado como uma * cãixa-preta, à qual não podíamos ter acesso di- í reto, e cujas maquinações só poderiam ser de- preendidas por meio da observação cuidadosa e perspicaz do comportamento de pessoas. A maioria dos profissionais de educação ainda subscreve a esse paradigma. Sua visão sobre o funcionamento cerebral é, portanto, formada pe- las hipóteses não científicas de pensadores da virada do século X I X para o X X , especialmente Jean Piaget (1896-1980), Lev Vygotsky (1896- 1934) e Henri Wallon (1879-1962). Desde essa é p o c a porém, a compreensão que vas sinapses (as estruturas neuronais que permi- temos do cérebro fez grandes avanços, e a neuro- tem a passagem de um sinal químico ou elétrico ciência está conseguindo ligar habilidades e entre neurónios vizinhos). É tão impossível en- comportamentos humanos a áreas e processostender como seres humanos aprendem sem com- m cerebrais específicos, abandonando o modelopreender o funcionamento do cérebro quanto / J W "caixa-preta" por outro em que o cérebro é per- querer chegar de um lugar a outro sem saber o | cebido como um órgão material, que tem umaque são ruas, estradas, rios e pontes. E a maneira I fisiologia, no qual agem células, neurotransmis- responsável de buscar esse conhecimento é por meio da ciência. Por mais A maneira responsável de buscar conhecimento é por meio da brilhante que seja um obser- ciência. Por mais brilhante que seja um observador da fase vador da fase avanço da ci- ignorar todo o pré-científica, pré-científica, ignorar todo o avanço da ciência nas últimas ência nas últimas décadas se- décadas seria não apenas anacrónico como irresponsável ria não apenas anacrónico como irresponsável. Um dos insights mais sores etc. Uma das descobertas que essa ciência importantes desse período de pesquisa é que o já conseguiu fazer é que, ao aprendermos, mudamos cérebro é, assim como um olho ou braço, fruto a própria arquitetura física do órgão. Como bem de um processo evolutivo, moldado ao longo de descreve, no fascinante In Search of Memory, centenas de milhares de anos para aumentar Eric Kandel — um dos líderes da pesquisa nesse nossas possibilidades de reprodução e sobrevi- campo, vencedor do Nobel de Medicina por suas vência. Como bem mostra Steven Pinker em contribuições —. a formação de uma memória de livros como How the Mind Works e The Blank longo prazo altera nossa rede neuronal em pelo Slate, a ideia de que nosso cérebro é uma tabu- menos duas maneiras: não só aumenta a força do la rasa cujos conteúdos são preenchidos exclu- sinal da sinapse na área relevante como cria no- sivamente por processos culturais é equivoca- 94 | 20 DE MARÇO. 2013 | veja
  • 15. HA 2500 ANOS Escola de Atenas, pintura do renascentista italiano Rafael: a Academia de Platão ainda não tem substituto no ensino demais e o aprendiz já sabe a resposta antes de pensar, não há pensamento nem, portanto, dopamina. Se ele é difícil demais e a pessoa já pressente que não conse- guirá encontrar a solução, o cérebro "desliga-se": não havendo a possibilidade de dopamina, não vale a pena gastar o maquinário neural. Mas o que é, em termos neurológicos, pensar? Pen- sar é combinar informações de maneira diferente. Essas informações podem vir do ambiente externo e/ou da memória de longo prazo. A memória de longo prazo é aquela que armazena infor- mações e processos que es- tão fora da nossa consciên- cia imediata. A tabuada, por da. Entre os muitos achados dessa visão evolu- exemplo: ela não estava na sua mente antes de eu tiva está a descoberta de que o cérebro evita o mencioná-la e desaparecerá de novo em alguns pensar. Pensar é uma atividade dispendiosa, minutos, mas, sempre que você precisar fazer tanto em termos de tempo como de energia, e uma multiplicação, ela virá, facilmente, à mente. sempre que possível o cérebro substitui o pen- O local do cérebro em que esse novo processa- samento por um procedimento automático gra- mento de informações se dá é a memória opera- vado na memória. (Já imaginou como seria im- cional (ou "de trabalho", do inglês working me- possível, por exemplo, dirigir um carro, se a mory). A memória operacional tem capacidade cada esquina precisássemos pensar em como limitada — e, quanto mais perto ela estiver de seu fazer uma curva, como indicar aos outros mo- limite, mais difícil vai ficando o pensar. Sua ca- toristas que estamos dobrando, calcular o ân- pacidade é determinada geneticamente. Pensar gulo certo da virada do volante, pensar onde bem, portanto, envolve quatro variáveis: infor- está a alavanca do pisca-alerta etc?) mações externas, do ambiente; fatos na memória Como mostra o psicólogo cognitivo Daniel de longo prazo; procedimentos na memória de Willingham em Why Don 7 Siudenrs Like School?, longo prazo; e o tamanho do espaço disponível o cérebro pensa em duas situações: quando é es- na memória operacional. tritamente necessário (não há procedimento na A primeira implicação dessa descoberta é memória que nos ajude) e quando nós acredita- que o domínio de fatos não apenas ajuda no ato mos que seremos recompensados por resolver de pensar: ele é indispensável. Como mostra determinado problema. A recompensa? Peque- Willingham, décadas de pesquisa em ciência nas doses de dopamina, um poderoso neurotrans- cognitiva revelam que, se você não domina as in- missor associado aos circuitos de prazer do cére- formações básicas de determinado assunto, não bro, liberado quando se resolve uma questão (e conseguirá ter um raciocínio analítico/crítico a também durante o consumo de cocaína). Para seu respeito. Até a leitura se torna mais fácil se o que a dopamina seja liberada, o fundamental é cérebro j á conhece o assunto em questão: a pes- calibrar a dificuldade do problema. Se ele é fácil quisa mostra que uma pessoa com ótima habili- veja | 20 DE MARÇO. 2013 | 95