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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
PROGRAMA DE ESTUDOS CULTURAIS E SOCIAIS

DEBORAH WEITERSCHAN LEVY

O BRAZILIAN JAZZ NO RIO DE JANEIRO, DÉCADA DE 1980:
A MUDANÇA DE DIREÇÃO DE UM MERCADO EM ASCENSÃO

Rio de Janeiro
2010
DEBORAH WEITERSCHAN LEVY

O BRAZILIAN JAZZ NO RIO DE JANEIRO, DÉCADA DE 1980:
A MUDANÇA DE DIREÇÃO DE UM MERCADO EM ASCENSÃO

Monografia apresentada ao Programa de
Estudos Culturais e Sociais da Universidade
Cândido Mendes como requisito parcial para a
conclusão do curso de Pós-graduação latosensu MBA em: Gestão Cultural
Orientadora: Profa.Ms. Ana Carla Fonseca
Reis

Rio de Janeiro
2010
Dedico este trabalho à minha filha Clara
e a todos os estudiosos da música no
Brasil.
AGRADECIMENTOS

À professora Ana Carla Fonseca Reis.
Aos amigos Aguinaldo, Andréia e Gláucio, por suas valiosas colaborações.
À amiga Ana Maria Braga, por seu apoio incondicional.
À todos os músicos e amigos que colaboraram e se envolveram com a pesquisa.
Ao Marcos Ariel, por sua colaboração e envolvimento.
À minha família.
À Deus.
RESUMO
Essa pesquisa tem por objetivo investigar o ciclo completo do mercado do gênero
musical Brazilian jazz no Rio de Janeiro na década de 1980. É analisada sua
trajetória de desenvolvimento, suas relações de mercado e os fatores que o
impactaram a partir da virada da década de 1990, levando a uma desaceleração do
crescimento e a uma mudança na direção em que esse mercado vinha seguindo.
Essa investigação foi realizada através de entrevistas com profissionais atuantes à
época, totalizando doze entrevistas, além de pesquisa bibliográfica complementar.
Por fim, dentre outros fatores, conclui-se que a mudança de estratégia que as
gravadoras multinacionais passam a aplicar no mercado fonográfico brasileiro na
virada da década de 1990 é um dos fatores de impacto que levaram à
desaceleração desse mercado.

Palavras-chave: Brazilian jazz. Música instrumental. Indústria fonográfica.

ABSTRACT
This research aims to investigate the full cycle of the market for Brazilian jazz genre
in Rio de Janeiro in the 1980s. It analyzes its history of development of market
relations and the factors that impacted from the turn of the 1990s, leading to a
slowdown in growth and a change in the direction that the market had been following.
This research was conducted through interviews with professionals working at the
time, totaling twelve interviews, and bibliographic supplement. Finally, among other
factors, it follows that the change of strategy that multinational record companies start
to implement the Brazilian phonographic market at the turn of the 1990s is one of
impact factors that led to deceleration of the market.
Keywords: Brazilian jazz. Instrumental music. The music industry.
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO.......................................................................................... 6
1

INTRODUÇÃO................................................................................................ 9

2

PROBLEMATIZAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DO OBJETO ..................... 16

2.1

Referencial teórico.......................................................................................16

2.2

O jazz no Brasil até 1980: revisão histórica ..............................................18

3

ASPECTOS METODOLÓGICOS ................................................................ 32

3.1

Seleção dos sujeitos, amostra e coleta de dados ................................... 32

3.2

Análise do material produzido e aspectos éticos.................................... 34

4

ANÁLISE DAS ENTREVISTAS E CONTEXTUALIZAÇÃO DOS
RESULTADOS: O MERCADO .................................................................... 36

4.1

O Cenário a partir de 1970 ......................................................................... 36

4.1.1 As tendências herdadas e consolidadas no mercado fonográfico ............... 36
4.1.2 A música instrumental................................................................................... 42
4.2

O Brazilian jazz e a década de 1980 .......................................................... 48

4.2.1 A nova geração, a criação de novos espaços e seus ciclos ......................... 48
4.2.2 A evolução do mercado fonográfico ...............................................................65
5

CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................... 71
REFERÊNCIAS ............................................................................................ 76
GLOSSÁRIO ................................................................................................ 78
APÊNDICE A - Roteiros das entrevistas ...................................................... 79
ANEXO A - Termos de consentimento livre e esclarecido ........................... 91
6

APRESENTAÇÃO

Fazer música é uma atividade natural do ser humano, desde o início dos
tempos. Segundo Hermeto Paschoal, nossa fala é nosso canto, e reflete a vibração
sonora da alma de cada um. Dessa forma, ela nasce com a humanidade, e com ela
evolui. É realizada em todos os cantos do planeta, e em cada lugar, em cada
circunstância, reflete o coração de uma população, sua cultura, seu sofrimento, seus
sonhos. Pode ser religiosa ou profana; para ouvir ou dançar; ilustrar um filme ou
contar uma história; fazer dormir ou acordar. É universal e precisa de gente: para
criar e para ouvir.
Em 1887, um alemão chamado Emil Berliner inventou uma máquina que
poderia reproduzir música: o gramofone. Uma grande revolução então começou: a
música já podia ser guardada, registrada e ouvida para sempre.
A partir daí, a música ocidental tem traçado sua trajetória, e, junto a esta,
impressionantes evoluções tecnológicas e mercadológicas se desenrolam, sempre
associadas. Desde a invenção de Berliner até os atuais arquivos digitais trocados
virtualmente pela Internet, várias têm sido as “ferramentas” que levam o mercado da
música até o seu ouvinte.
Lado a lado ao motor do gigantesco trator mercadológico da música,
impulsionado há pouco mais de um século, existe a evolução tecnológica, sempre
criando e recriando novos suportes para o consumo da música. Ambos impulsionam
o coração daquela que vorazmente se alimenta de constantes novidades artísticas,
e que hoje passa por uma radical transformação a nível global: a indústria
fonográfica, que outrora foi chamada de “A indústria da felicidade humana” (MIDANI,
2008, p.216).
O mercado da música na década de 1950 no Brasil marca a entrada das
primeiras gravadoras, a procura de talentos. A direção dessas novas multinacionais
buscava o controle do mercado através de lançamentos que apresentassem
carreiras promissoras e consistentes. Essa busca por novos talentos foi a força
motriz que alavancou três décadas de crescimento e brilhantismo da produção
nacional de música, representada por nomes como João Gilberto, Tom Jobim,
Dorival Caymmi, Chico Buarque, Caetano Veloso, Gal Costa, Gilberto Gil, Milton
Nascimento, entre centenas de outros nomes “de peso”.
7

Na leva desse crescimento vieram também os grandes instrumentistas
brasileiros, musicalmente formados pelo flerte da bossa nova com o jazz norteamericano, pelos ensinamentos de Koellreuter, pela influência de Villa-Lobos, pela
pesquisa da música brasileira de raiz e, principalmente pela adoção da
improvisação. Esses instrumentistas chegaram brilhantes ao raiar da década de
1980 na trilha da consolidar um mercado que começava a entender e a consumir
seus talentos e genialidades. Nesse momento, se fortalece um segmento do
mercado musical brasileiro, o Brazilian jazz, cujo gênero mistura diversos elementos
da música brasileira com o jazz norte-americano, que traz intrinsecamente
agregrado em sua linguagem, o caráter improvisativo. Esse movimento encontrou
seu auge no eixo Rio-São Paulo na década de 1980.
Deborah W. Levy, autora do presente trabalho, é musicista com experiência
profissional no campo da música há mais de 20 anos. É pianista, tecladista,
compositora e Bacharel em MPB pela UNIRIO. Chegou ao Rio de Janeiro em 1989,
aos 18 anos de idade, dando continuidade a seus estudos musicais iniciados na
cidade de Belo Horizonte, na década de 1980. De formação clássica e jazzística
(mais jazzística do que clássica), foi aluna de Linda Bustani, Sônia Goulart, Dário
Galante, Délia Fischer, Ian Guest, Sérgio Benevenutto e Roberto Gnatalli. Soma boa
experiência profissional no campo da música popular, tendo acompanhado artistas,
atuado em musicais e gravado um CD com o Quinteto Linha 176, composto de
composições próprias e releituras, o qual recebeu boa crítica de José Domingos
Rafaelli, crítico do Jornal do Brasil na ocasião. Foi também integrante do projeto de
digitalização do acervo de música da Biblioteca Nacional, além de paralelamente
desenvolver um trabalho como tecladista junto à Banda Celebrare, há 15 anos, com
sete CD´s e dois DVD´s lançados no mercado fonográfico.
Há, portanto, uma relação pessoal da autora com o assunto em questão,
que reside no fato dela ter sido testemunha da efervescência desse mercado ao
chegar ao Rio de Janeiro, em 1989: no início de sua carreira, ela ouvia essa música
que se fazia nas casas de shows e espetáculos da zona sul, onde se tocava o
Brazilian jazz, fervilhando de músicos criativos e virtuosos. Frequentava os shows do
Free Jazz Festival no Hotel Nacional, e as “canjas” do Jazzmania; os shows em
bares como o People, o Mistura Fina, o Parque da Catacumba, o Gula Bar, etc; os
lançamentos dos discos dos artistas representativos da época. Ouvia as músicas
tocar na Globo FM, e os especiais de TV sobre o jazz. As bases de sua formação
8

haviam sido lançadas nos dez anos anteriores, em Belo Horizonte, aonde chegavam
ecos desse mercado, através das figuras de artistas como Egberto Gismonti,
Hermeto Paschoal, Flora Purim e Airto Moreira, César Camargo Mariano, entre
outros. Deborah Levy veio para o Rio de Janeiro, portanto, em busca dessa música,
na qual foi formada na década de 1980, em Belo Horizonte, e da qual
estranhamente viu se distanciar no decorrer da década de 1990.
9

1 INTRODUÇÃO

Era 1985. E desde 1970, o espetacular crescimento do mercado
mundial da indústria fonográfica havia chamado atenção dos
grandes conglomerados da comunicação, que compraram todas as
companhias independentes de discos que existiam no mundo [...].
Essa entropia atingiu em cheio a política das gravadoras, que, até
então, contratavam artistas com base na personalidade, no carisma
e na capacidade poética. Pouco a pouco, esses valores passaram a
ser démodé [...]. A partir daquele momento, de repente ficou distante
o sonho dos fundadores dessa indústria a que chamavam de “A
indústria da felicidade humana”. Ficou longe a época em que as
gravadoras eram dirigidas por quem gostava de música, sendo, ao
mesmo tempo, bom administrador. Longe também da era da
competição amigável e ética entre as companhias. De súbito, os
conglomerados disseram “Fora com os líderes criativos e dentro
com os tecnocratas”, sob o pretexto de que os contratos artísticos
estavam se tornando demasiadamente complexos e custosos para
deixar a direção dos negócios nas mãos de gente com paixão pela
música. 1

Se essas palavras não tivessem vindo dos lábios daquele que foi um dos
maiores personagens da música brasileira - o empresário André Midani - talvez o
leitor até pudesse comentar um possível exagero, um excesso de sentimentalismo
que este desabafo poderia aparentemente carregar. Mas vindo de quem veio o
empresário que lançou João Gilberto e toda a constelação da Bossa Nova e da
Tropicália (tendo passado pelo seu casting praticamente toda a “nata” da música
brasileira), é realmente uma declaração de quem, duas décadas depois de passar
por dentro do “olho do furacão” da ditadura, viu o fim de uma era regida mais por
padrões artísticos ser substituída por uma nova ordem, ou um novo juízo de valores,
que veio a mudar definitivamente a direção que a música brasileira vinha seguindo.
A explosão do crescimento fonográfico que se deu na década de 1970 (a
indústria do disco crescia a uma taxa média de 15% ao ano nessa década2), a
expansão de um mercado consumidor de música no Brasil para além das classes
dominantes, o surgimento de inúmeros novos artistas da MPB e a consolidação de
um mercado fonográfico que elevou o país ao quinto lugar3 no ranking mundial em

1

MIDANI, André. Música, ídolos e poder: do vinil ao download. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008. p. 215.
MORELLI, Rita C.L. Indústria fonográfica: um estudo antropológico. Campinas: UNICAMP, 2009.
3
BALLESTÉ, Adriana. Independente...de tudo?. In: ANTOLOGIA Prêmio Torquato Neto. Rio de Janeiro: RioArte,
1984.
2
10

1981, fizeram brotar, na cidade do Rio de Janeiro na década de 1980, um ambiente
bastante favorável para o surgimento e difusão do mercado de Brazilian jazz.
Através de lançamentos de gravadoras, espaços nas casas noturnas,
participação na programação das rádios, críticas e resenhas jornalísticas, festivais
de jazz etc., esse mercado foi impulsionado ao longo desta década em um amplo
crescimento, encontrando seu apogeu em seus anos finais, e abrindo as portas para
o lançamento de grandes artistas/músicos no mercado internacional do jazz. A partir
do início da década de 1990, passa a haver uma considerável desaceleração no
crescimento desse mercado, que culminou num significativo declínio de seu impacto
e subsequente perda de posição, através da exclusão dessa produção fonográfica
na grade de programação das rádios, dos sucessivos fechamentos das casas
noturnas que exibiam esses shows e da redução de espaços de forma geral.
Esse trabalho visa investigar as razões desse fenômeno mercadológico. A
hipótese é a de que a estratégia mercadológica que as gravadoras multinacionais
passaram a aplicar no mercado fonográfico brasileiro a partir da segunda metade da
década de 1980 teria enfraquecido o mercado do Brazilian Jazz em ascensão. Essa
hipótese, apoiada solidamente na afirmação de André Midani - uma vez reconhecido
o peso de seu autor no cenário do mercado fonográfico e a autenticidade de sua
vivência – é o ponto de partida dessa investigação.
Realizada através de entrevistas – posto que não há material bibliográfico
que sustente uma pesquisa aprofundada nesse assunto – essa investigação tem
como desafio inicial o de encontrar as origens da influência do jazz na música
popular brasileira, para que se possa então compreender o cenário do Brazilian jazz
no Rio de Janeiro na década de 1980. Para isso, é feita uma revisão da entrada do
jazz no Brasil, no subcapítulo “O jazz no Brasil até 1980: revisão histórica”, que vai
desde a década de 1920 cobrindo 60 anos da trajetória do jazz no Brasil. Essa
revisão está inserida no Capítulo 2, “Problematização e caracterização do objeto” e
tem seu foco mais na participação dos músicos na história da música popular do que
dos artistas e das gravadoras propriamente. Para essa parte da contextualização, foi
possível recorrer, até a década de 1970, a fontes bibliográficas e à internet.
A finalidade desse capítulo é contextualizar o leitor para a compreensão do
fenômeno estudado, o mercado de Brazilian jazz que começa a se movimentar nos
anos finais da década de 1970. Nesse capítulo está inserido também o referencial
teórico, que norteou essa porção da pesquisa, e que possibilitou a traçar o fio da
11

trajetória dos 60 anos da música popular. De 1980 em diante, esse cenário foi
remontado por meio das informações coletadas nas entrevistas e investigações dos
dados, bem como acrescido de referências bibliográficas pertinentes e está inserido
no capítulo 4, “Análise das entrevistas e contextualização dos resultados: o
mercado”.
No capítulo 3, ”Aspectos metodológicos”, é feito um relato minucioso de
todas as fases da pesquisa: o processo de escolha dos entrevistados, as entrevistas,
a extração das informações do material coletado e sua análise.
A análise dos resultados e a discussão do assunto se encontram no capítulo
seguinte, ”Análise das entrevistas e contextualização dos resultados: o mercado”,
dividido em dois subcapítulos: “O cenário a partir de 1970” e “O Brazilian jazz na
década de 1980”.
No primeiro subcapítulo, dividido em dois sub-itens: “As tendências
herdadas e consolidadas no mercado fonográfico” e “A música instrumental”, é feita
uma contextualização das tendências da indústria fonográfica herdadas, e as que
irão se consolidar, legadas à década de 1970. Paralelamente, é traçado o panorama
do mercado da música instrumental nessa década. No subcapítulo seguinte, “O
Brazilian jazz na década de 1980” é apresentado e discutido o conteúdo do material
coletado, por sua vez, em outras duas subdivisões: “A nova geração, a criação de
novos espaços e seus ciclos”, onde é traçada a trajetória do Brazilian jazz no Rio de
Janeiro a partir do início da década de 1980, é delineado o ciclo de sobrevivência
desses espaços, e é traçado um panorama geral: as casas noturnas, as rádios, as
ações da prefeitura, os festivais de jazz, etc, tendo comentados e analisados certos
aspectos. No subcapítulo seguinte, “A evolução do mercado fonográfico”, são
analisadas e discutidas a atuação da indústria fonográfica a partir da década de
1980 até a de 1990, ápice de sua expansão, com a formação dos grandes
conglomerados.
Nesse ponto, é preciso abrir um parêntese para refletir um pouco a respeito
das nomenclaturas e da distinção entre Brazilian jazz, “Jazz brasileiro” e “Música
instrumental”.
“Música instrumental” é, sem dúvida, um rótulo prontamente reconhecido
tanto pelos músicos quanto pelos apreciadores e críticos. Esse termo caracteriza,
hoje em dia no Brasil, um segmento de música executada apenas por instrumentos,
sem a figura do cantor (a) como solista, podendo aceitar no máximo um vocalese - a
12

voz usada como instrumento. Essa caracterização consolidada se comprova
inclusive na categorização de áreas e segmentos da Lei Rouanet, a qual se refere
tanto à música clássica quanto à música instrumental como segmentos da área
música, e se encaixam no artigo 18, como projetos especiais. Porém, essa
designação se refere apenas à questão da formação, e não carrega em si uma
moldura de tempo e espaço que chegue a designar um gênero – como, por
exemplo, “música clássica” designa - podendo comportar, na verdade vários
gêneros. Para caracterizar a produção musical objeto-estudo desse trabalho, a
designação “música instrumental”, por sua natureza, excluiria importantes produções
de músicos representativos como Egberto Gismonti ou Hermeto Paschoal, que se
utilizaram da voz em inúmeras gravações.
Outro ponto importante é a distinção que se deve fazer entre a designação
Brazilian Jazz – ou Jazz brasileiro – e o jazz norte-americano.
O gênero Brazilian Jazz, diz-se entre músicos e apreciadores, que é um
estilo musical resultante de experimentações que fundem elementos do jazz norteamericano com elementos da música brasileira. Aqui é preciso chamar a atenção
para o cuidado de não se deixar levar pela tradução da palavra ao “pé da letra”. O
termo Brazilian Jazz, versão em inglês para “Jazz brasileiro” pode sugerir que este
seria uma adaptação nacional do jazz norte-americano, o que é absolutamente
desprovido de verdade. Segundo Zuza Homem de Mello, em entrevista concedida
para esta pesquisa, “o fato de você ter nominado Brazilian jazz é muito apropriado,
porque na verdade, ao contrário da maioria dos países do mundo, o jazz brasileiro é
música brasileira”.
Ao longo do desenvolvimento deste trabalho, foram percebidos distintos
conceitos acerca da abrangência do termo Brazilian Jazz. A adoção do termo é
controversa nas diversas fontes de consulta, dada a abrangência, e não há, nem na
comunidade musical, nem na comunidade científica, um consenso a respeito de seu
significado. Ressaltam-se cinco diferentes colocações como exemplo da carência de
delimitação do termo Brazilian Jazz4. A saber:
1) Bossa Nova;

4

Essas colocações são trazidas pelo site na pesquisa do termo Brazilian jazz. Disponível em:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Brazilian_Jazz. Acesso em: 13 jul. 2010.
13

2) Samba-jazz, como o Zimbo Trio e outro grupos de samba e bossa nova
influenciados pelo jazz;
3) Formas brasileiras influenciadas de Jazz fusion;
4) A vanguarda do jazz brasileiro das décadas de 1970 e 1980, como
Hermeto Paschoal e grupo e Egberto Gismonti e grupo;
5) Jazz no Brasil e esse último abre para duas subcategorias:
a) Álbuns do jazz brasileiro – João Gilberto, Tom Jobim, Joyce, Sérgio
Mendes, Flora Purim, Elis Regina etc;
b) Músicos do Brazilian jazz:
•

Músicos da Bossa nova;

•

Músicos do Brazilian jazz relacionados por instrumento.

Extraídas

da

Internet

(Wikipédia),

essas

definições

sugerem

uma

interessante análise do assunto, mesmo que superficialmente. Nas cinco definições
acima, podemos encontrar dois pontos tangentes: a primeira, é que todas se
referem, em primeira instância, à música brasileira; a segunda, é que em algumas
delas iremos encontrar, em sua execução, um elemento que é a linha limítrofe entre
o que diferencia o jazz de outros estilos musicais: a improvisação. Esse elemento
encerra qualquer discussão sobre o assunto: jazz necessariamente é um estilo
musical onde a improvisação é a estrela, o elemento principal, onde o instrumentista
afirma suas habilidades e se firma como artista. Zuza Homem de Mello relata na
entrevista: “No Brasil você pode fazer um concerto de jazz com músicas do Tom
Jobim, do Hermeto Paschoal e é um concerto de jazz. Por quê? Porque eles estão
improvisando! É aí que se define a diferença. Isso significa que a diferença entre o
jazz e as demais propostas musicais, como na Europa, pop, música clássica, etc, é o
improviso. É nisso que o jazz se diferencia.”
O Brazilian jazz tem suas raízes fincadas em matrizes musicais brasileiras,
e o jazz norte-americano é, portanto, um elemento de influência, ou ainda, de
fricção5 (PIEDADE, 2005), contradizendo a idéia de fusão, onde os elementos
envolvidos se dissolvem, não conservando mais seu núcleo. Na teoria de Piedade,
os elementos envolvidos se tocam, trocam partículas, se friccionam, mas o seu
núcleo duro se mantém. Um exemplo dessa fricção de elementos no Brazilian jazz é
5

PIEDADE, A.T. de Camargo. Jazz, música brasileira e fricção de musicalidades. In: CONGRESSO DA
ANPPOM, 15., 2005, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro, 2005.
14

justamente a improvisação, característica nata da linguagem bebop norte-americana.
Ao longo desse estudo, veremos como o jazz adentrou o país e como os músicos de
música popular passaram a utilizar a improvisação em estilos de música brasileira.
Dessa forma, o termo Brazilian jazz se refere à produção de música
brasileira que inclui a improvisação em sua execução. No capítulo dedicado à
trajetória do jazz no Brasil poderão ser identificadas as fases da música brasileira
que irão se relacionar com algumas das definições da Wikipédia acima, como os
trios de Bossa Nova, o reconhecimento da Bossa Nova no exterior e o nascimento
do Samba-jazz. Este último, cujo nascimento é identificado através do lançamento
do álbum “Braziliance”, do violonista Laurindo de Almeida e do saxofonista Bud
Shank em 1953, traz em si o ponto histórico diferencial do embrião do Brazilian jazz:
este álbum é identificado pelo renomado crítico José Domingos Rafaelli6 como
sendo o marco do nascimento do samba-jazz, a primeira vez que foi utilizada a
improvisação sobre temas brasileiros. Segundo Rafaelli, a partir desse momento
passa-se a adotar gradativamente a improvisação na música brasileira, tanto
instrumental como vocal, e se inicia, portanto, no início da década de 1950. Essa
prática incorporada irá atravessar a Bossa Nova no final dessa década e ao longo da
seguinte, passando pela música instrumental contemporânea da década de 1970,
pelo Brazilian jazz da década de 1980, chegando até os dias de hoje. Na entrevista
de Zuza, ele confirma essa análise: “Isso se dá exatamente a partir da Bossa Nova,
que se desenvolve, e cria-se então uma linguagem instrumental que é
absolutamente identificada com o jazz americano, porque é improvisada”.
A definição “vanguarda do jazz brasileiro das décadas de 1970 e 1980,
como Hermeto Paschoal e grupo e Egberto Gismonti e grupo” pode, à primeira vista,
ser adequada, porém é conduz facilmente a uma grande contradição: se afirmo que
na década de 1990 o mercado de Brazilian jazz decresce, como posso dizer que em
1980 ainda se encontra a vanguarda do jazz brasileiro? Aonde estaria de fato, então,
o Brazilian jazz? Assumo, portanto, nessa pesquisa, que a produção musical
instrumental da década de 1970 é a vanguarda do Brazilian jazz, e adoto a
designação que foi adotada na mesma época: música instrumental brasileira
contemporânea. Essa designação me parece bastante adequada pelo seu próprio
caráter musical: é nessa década que a música instrumental se moderniza e se
6

RAFAELLI, José Domingos. Disponível em: http://ensaios.musicodobrasil.com.br/jose
domingosraffaelli-ahistoriadosambajazz.htm. Acesso em: 12 ago. 2010.
15

diferencia das correntes anteriores. O termo Brazilian jazz irá, portanto, nessa
pesquisa, ser adotado para identificar um gênero musical e seu mercado na década
de 1980 na cidade do Rio de Janeiro.
Muitos estudos sobre a trajetória artística da música popular brasileira foram
realizados, a partir da década de 1980, porém, o enfoque tem sido, em maciças
proporções, sobre a produção de música cantada. À música instrumental brasileira
tem cabido um ínfimo espaço, cujos personagens são apenas citados ora aqui, ora
ali pelos autores, e que, apesar de compartilharem trajetórias que se tangem,
frequentemente não são objetos-foco do estudo.
Dessa forma, o estudo da trajetória da música instrumental brasileira tendo
como foco o Brazilian Jazz é um dos pontos onde reside o ineditismo e a relevância
desse trabalho, uma vez que, comparado a outros estilos de música instrumental,
dentro do mercado de música popular, como o choro ou o samba, por exemplo,
ainda se encontra órfão.
Com o objetivo de identificar os possíveis fatores que desencadearam a
desaceleração do mercado de Brazilian Jazz, no início da década de 1990, no Rio
de Janeiro, esta pesquisa analisará também: as percepções dos profissionais
atuantes quanto às subsequentes perdas de espaços para o Brazilian jazz no
mercado da música; as percepções dos profissionais atuantes quanto ao impacto do
“Free Jazz Festival” no mercado do Brazilian jazz e investigará as causas que
conduziram ao “declínio” do mercado de Brazilian jazz na década de 1990.
16

2 PROBLEMATIZAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DO OBJETO

2.1 Referencial teórico

O objeto desse estudo é o mercado do Brazilian jazz, seu crescimento na
década de 1980, seu auge no final dessa década e a perda de espaços, a partir da
década de 1990. Esse tema trata tanto do aspecto estilístico, quanto do
mercadológico. Em relação ao aspecto estilístico, esse é um tema que possui uma
bibliografia rarefeita, tanto na esfera acadêmica, quanto na não acadêmica.
Da esfera não-acadêmica, três publicações, complementares entre si,
tangem o assunto em vários pontos, e serviram de embasamento teórico,
fornecendo dados sobre aspectos históricos e culturais sobre o tema, dentro do
contexto geral do quadro da música popular ao longo do último século:
1. O relato autobiográfico de Midani (2008)7, citado na introdução deste estudo, foi o
ponto de partida que suscitou o início dessa investigação e o primeiro referencial
teórico da investigação a respeito da mudança de direção da indústria fonográfica no
final dos anos 1980 e início de 1990. Nesse trabalho, o autor revela, através do
relato de sua própria vivência, aspectos relevantes relacionados tanto com a
trajetória de artistas e músicos da música popular brasileira, quanto da indústria
fonográfica.
2. O estudo de Calado (2007)8, que desfia uma a uma as matrizes de todas as
vertentes do jazz nos Estados Unidos e suas interrelações sócio-econômicoculturais, para relacionar seus diferentes níveis de teatralidade. Ao tomar como
sendo a mesma a matriz racial dos dois países, o autor traça um paralelo com o
Brasil, onde encontra similaridades através dos antepassados comuns, e através
dessa análise etnomusicológica percorre toda a história da música negra no país,
onde reside também o jazz.
3. O ensaio do historiador Zuza Homem de Mello (2007)9 sobre a história das
orquestras de jazz e das big bands no Brasil. Além de conduzir o fio histórico da
influência do jazz no Brasil, esse trabalho resgata importantes nomes de
7

MIDANI, A. Música, ídolos e poder: do vinil ao download. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.
CALADO, C. O jazz como espetáculo. São Paulo: Perspectiva, 2007.
9
MELLO, Zuza Homem de. Música nas veias. São Paulo: Editora 34, 2007.
8
17

instrumentistas brasileiros desde a década de 1950 até meados de 1970, em um
trabalho inédito. Esses dois últimos trabalhos contribuíram com dados para a
formulação do capítulo, ”O jazz no Brasil até 1980: revisão histórica”.
Dos trabalhos acadêmicos, tanto no campo da música quanto no campo da
economia da cultura, três trabalhos foram igualmente importantes na construção
dessa pesquisa:
1. A dissertação de mestrado em antropologia social da pesquisadora Morelli
(2009)10, um dos poucos estudos sobre a indústria fonográfica no Brasil. O
pesquisador Eduardo Vicente reconhece, na apresentação desse trabalho que: “num
país tão apaixonado por música e com tantos títulos dedicados às trajetórias de
artistas e segmentos musicais, são estranhamente raros os autores que se
debruçaram sobre o estudo da indústria que possibilitou a eternização de suas
obras.” Esse trabalho fornece um panorama seguro à respeito das transformações
ocorridas nessa indústria no país, ditando os caminhos do mercado da música.
2. O capítulo “Economia da cultura e desenvolvimento: estratégias nacionais e
panorama global”, de Ana Carla Fonseca Reis (2009)11 (Mestra - orientadora deste
trabalho). Esse artigo traz um resumo, um panorama sobre o conceito de economia
da cultura, de sua aplicação prática e de sua aplicação no país. Esse conceito foi
importante no embasamento da análise dos aspectos que envolveram a trajetória do
Brazilian jazz, das relações que propiciaram sua ascensão e sua dissolução.
3. O texto de Piedade (2005)12, “Fricção das musicalidades”, que, contrapondo-se à
idéia de fusão ou sincretismo, amplamente aceita entre músicos, críticos e
apreciadores do Brazilian jazz, apresenta a idéia de fricção, onde, no tenso diálogo
com o jazz norte-americano, os elementos de cada gênero dialogam, mas não se
misturam, fazendo assim uma distinção clara entre ambos. Piedade assume o termo
jazz brasileiro como um gênero distinto, “inscrito na designação ambígua de música
instrumental”.

10

MORELLI, Rita C. L. Indústria fonográfica: um estudo antropológico. 2.ed. Campinas: UNICAMP, 2009.
REIS, Ana Carla Fonseca; MARCO, Kátia de (Org.). Economia da cultura: idéias e vivências. Rio de Janeiro:
e-Livre, 2009. Disponível em: http://www.gestaocultural.org.br/pdf/economia-da-cultura.pdf. Acesso em: 15 jul.
2010.
12
PIEDADE, A.T. de Camargo. Jazz, música brasileira e fricção de musicalidades. In: CONGRESSO DA
ANPPOM, 15., 2005, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro, 2005.
11
18

2.2 O jazz no Brasil até 1980: revisão histórica

Os primeiros traços da penetração do jazz no Brasil datam do início do
século passado, vindos através da influência assimilada por músicos brasileiros em
excursões à França e aos Estados Unidos, em seu primeiro momento. Esse novo
gênero musical, que crescia como uma febre avassaladora e animava os salões de
dança no pós 1a. Guerra, na década de 1920, eram animados pelas Jazz bands,
formações instrumentais destinadas à dança. No Brasil, a primeira formação a
adotar o nome de Jazz band, foi a Jazz Band Brasil-América, liderada pelo
saxofonista João Batista Paraíso, em 1923, e era formada por: piano, violino,
saxofone, trombone, trompete, banjo e bateria. Encontrou aqui, entre seus primeiros
seguidores, músicos de corporações militares e orquestras de baile. Para Carlos
Calado13:
Não deixa de ser significativo que no ano de 1921 tanto já existia em São
Paulo a Jazz Manon, banda que animava bailes sob a direção do violinista
Dante Zanni, como no Rio de Janeiro, também nesse ano, a Jazz Band do
Batalhão Naval registrava em disco sua versão “Home Agen Blues”.
Justamente por disporem de instrumentos de sopro, esses músicosmilitares figuram entre os primeiros a se interessarem pelo jazz. (CALADO,
2007, p. 235).

A “Era do Jazz”, febre do charleston, fox-trot, one-step e do shimmy, se
alastra pelo mundo. No Brasil, maxixes, tangos, sambas, choros orquestrados e foxtrots eram executados por essas Jazz Bands em sintonia com esse novo frenesi da
dança e da música. “No Brasil não foi diferente. Jazz Bands proliferaram como
sinônimo e substituto das orquestras de baile, aventurando-se o mais rápido possível
no repertório dos novos gêneros e ritmos que surgiam.” (MELLO, 2007, p.72).
Essa influência foi trazida na bagagem de seu pioneiro e do grupo
instrumental brasileiro que mais sucesso alcançou no exterior nos anos 20, aquele
que seria, por uma transposição direta da figura, nosso primeiro grande jazzman
brasileiro: Alfredo da Rocha Vianna Júnior, o Pixinguinha. Em sua primeira turnê a
Paris, em janeiro de 1922, com seu conjunto “Os Batutas” (do qual Donga era
também integrante) teve, por seis meses, contato com o ragtime, o charleston e o
13

CALADO, Carlos. O jazz como espetáculo. São Paulo: Perspectiva, 2007.
19

shimmy, estilos da música popular norte-americana executados nos palcos
parisienses da época. Esse contato com as Jazz bands que por lá passaram
deixaram na carreira de Pixinguinha uma influência que nortearia em seguida toda
sua trajetória: a paixão pelo saxofone, que passaria alternar com a flauta em idade
mais avançada. No retorno do grupo ao país, Os Batutas passam a adotar então três
instrumentos tradicionais do jazz em sua formação: o saxofone, o banjo e a bateria,
e em 1923 passam a ser chamar Bi-Orquestra Os Batutas. No mesmo ano, já pode
ser encontrado em seu disco dois fox-trots de sua autoria: “Ipiranga” e “Dançando”.
Foram Inúmeras as Jazz Bands que surgiram no país, mais numerosamente
no eixo Rio-São Paulo, Porto Alegre e também no Nordeste. No Rio, a orquestra do
saxofonista Romeu Silva, representante da música dançante brasileira que
excursionou a Europa em 1925, já havia gravado, desde 1923, cerca de 137 discos
de 78 rpm pelo selo Odeon com sua orquestra Jazz Band Sul-Americana. Antes
disso, a orquestra carioca Andreozzi, liderada pelo violinista Eduardo Andreozzi já
havia gravado 21 discos também pela gravadora Odeon, entre 1919 e 1923. Ambas
orquestras passam a década de 1920 e 1930 entre a Europa, a Argentina e o Brasil,
excursionando, tocando em teatros e salões de dança.
Em São Paulo, a Jazz Band Manon dominou o cenário o cenário dançante
na década de 1920, chegando a multiplicar-se por vários grupos sob esse nome
(MELLO, 2007).
Em Campina Grande, o compositor, arranjador e pianista Capiba fundou,
em 1926, a Jazz Band Campinense Club. Mais tarde, quando se mudou para João
Pessoa fundou a Jazz Band Independência, que atuou de 1928 a 1930. Em 1931, o
mesmo Capiba, fundava em Recife aquela que seria conhecida com Jazz-Band
Acadêmica, formada exclusivamente por estudantes acadêmicos. Em Porto Alegre,
o flautista Albino Rosa fundou a Jazz Espia só.
Com o crack da bolsa de 1929 e a crise deflagrada nos Estados Unidos, a
Era do Jazz submergia para dar lugar a uma nova onda de dança que surgia em
proporções triplicadas, tanto no número de músicos nas orquestras, quanto em
número de salões de dança. Era a explosão do swing nos Estados Unidos e na
Europa. A Era do Swing inaugura também a era das Big bands, em lugar das antigas
Jazz bands. O jazz deixa então de ser uma expressão de predominância negra entre
seus frequentadores para se tornar também uma atividade de brancos, os novos
frequentadores dos salões de dança, que eram animados nos Estados Unidos por
20

lendárias Big bands como a Count Basie Orquestra, a orquestra de Duke Ellington,
Cab Calloway, Benny Goodman, entre outras.
Violinos, violas e violoncelos foram abolidos e os instrumentos de sopro
foram aumentados, compondo seções que dialogavam entre si.
Estabeleceu-se um naipe de três ou quatro trompetistas sentados na última
fileira, e outro à sua frente, de dois ou três trombonistas, permitindo-se uma
certa autonomia entre ambos. De outra parte o número de saxofones saltou
para três, possibilitando a emissão de três notas diferentes, o que
teoricamente é o mínimo necessário para formar um acorde. […] O naipe
de saxes foi guindado á posição de destaque no palco, à frente dos
demais.[…] A seção rítmica também foi alterada, fixando-se a guitarra no
14
lugar do banjo e o contrabaixo acústico no da tuba.

Esse fenômeno cultural fez com que os salões da dança se multiplicassem,
e o seu novo e crescente público superlotasse os bailes nos Estados Unidos. Essa
nova demanda impulsionou fortemente o crescimento da indústria fonográfica, da
radiodifusão, e do cinema, e a expansão do jazz na América e na Europa. Amilton
Godoy relata a sua história:
O rádio estava dando os primeiros passos. Ouvia a Rádio Nacional, e a
primeira vez que ouvi o Oscar Peterson tocar jazz no piano foi na Voz da
América, um programa que ia ao ar depois da meia-noite, com aquele
chiado todo. “Me perguntava: como é que esse cara toca isso?”, porque
estávamos mais acostumados com a música erudita. Mais tarde um pouco,
ouvíamos também orquestras americanas; meu pai gostava muito de
Tommy Dorsey, com aquele som maravilhoso que ele tirava do trombone.
Ouvíamos também o Artie Shaw, Gleen Miller, que era um sucesso, Stan
Kenton e, um pouco mais a frente, a orquestra de Count Basie com uma
banda bem avançada de jazz. Os discos chegavam com muito atraso no
interior do Brasil. Nasci em 1941 e a Guerra terminou em 1945; então, fui
15
ouvir essas bandas e orquestras por volta de 1947, 1948.

No Brasil, as primeiras orquestras da década de 1930, que já não utilizavam
“jazz band” em seus nomes, foram montadas pela gravadora Columbia, que se
instalou no Largo da Misericórdia, em São Paulo, resultado da associação do
empreendedor paulista Alberto Byington com o americano Wallace Downey. Em São

14

MELLO, Zuza Homem de. Música nas veias. São Paulo: Ed.34, 2007. p. 92.
GODOY, A. O nascimento da música instrumental brasileira. Revista Comunicação & entretenimento da
USP, São Paulo, ano 12, n.3, p.92, set./dez. 2007.
15
21

Paulo, vários conjuntos sob a direção do maestro Odmar Amaral Gurgel foram
montados para servir à gravadora, mas a mais proeminente foi a Orquestra Colbaz,
dirigida pelo maestro que se tornou conhecido como Gaó. No Rio de Janeiro, a
orquestra Pan American, de Simon Bountmann, era usada desde 1927 para as
produções da gravadora e mantinha uma agenda repleta de bailes e gravações. Mas
foi só em 1937 que o Maestro Gaó monta sua orquestra totalmente moldada nas Big
bands americanas, desde a instrumentação até os figurinos: a Nova Orquestra
Columbia, executando arranjos do maesto para Ary Barroso, Noel Rosa, Sinhô,
tangos e fox-trots nos bailes dançantes, tiradas de ouvido pelo maestro dos discos
de Benny Goodman, Tommy Dorsey, Duke Ellington e Glenn Miller. Gaó atuou com
essa orquestra até 1940, quando foi levado para atuar no Cassino da Urca. Com a
mudança de Gaó para o Rio de Janeiro, Totó e sua Orquestra ocupou o espaço
vago deixado nesse mercado.
No Rio de Janeiro, a mais destacada orquestra surgiu no ano de 1938, do
saxofonista alagoano Otaviano Romeiro Monteiro, o Fon-Fon, com sua Orquestra
Fon-Fon. Outras importantes orquestras montadas por músicos virtuosos nessa
época são: a orquestra do clarinetista e compositor K-Ximbinho (Sebastião Barros) e
a orquestra Zacharias, do saxofonista e clarinetista Aristides Zacharias.
O período mais auspicioso das orquestras brasileiras, que durou quase um
quarto de século, teve início por volta de 1936. No Rio, pelo menos oito
emissoras mantinham orquestras regulares em seu cast, a saber: a Rádio
Nacional, a Rádio Tupi, Rádio Mayrink Veiga, Rádio Transmissora, Rádio
16
Cruzeiro, Rádio Club do Brasil e Rádio Ipanema, depois, Rádio Mauá.

Além das rádios e dos bailes, havia também, na década de 1940 no Brasil,
os cassinos, que somavam uma enorme demanda de orquestras e bons músicos.
Radamés Gnatalli, compositor, maestro, pianista e arranjador, um dos maiores
nomes da música brasileira, tanto no gênero erudito quanto popular, já atuava
fazendo arranjos para diversas orquestras da época, como a Fon-Fon, a Pan
American, e outras, além da atuação nas rádios, e seu trabalho como compositor.
Essa década foi marcada por grandes orquestras e grandes cantores com
suas vozes poderosas. Além disso, o mundo ocidental já havia descoberto o Brasil,
após os sucessos internacionais de Ary Barroso e Zequinha de Abreu, e se curvava
16

MELLO, Zuza Homem de. Música nas veias. São Paulo: Ed.34, 2007. p.103.
22

aos pés de Carmem Miranda. Ademais dos bailes e das atuações em cassinos, vale
lembrar que essas orquestras também gravavam acompanhando cantores famosos
da época, como a própria Carmem Miranda, Francisco Alves, Mário Reis, Vicente
Celestino, entre outros.
O fechamento dos cassinos produziu, na época, um monumental estrago
na classe dos músicos profissionais no Brasil inteiro, mas apesar disso as orquestras
continuaram em franca atividade no final dos anos 1940 e por toda a década de 50,
atuando com assiduidade em bailes de formatura de colégios e universidades, em
emissoras de rádio, nas gafieiras e em táxi-dancings (MELLO, 2007). Os táxidancings eram salões de dança frequentados por exímios dançarinos que iam em
busca das dançarinas de aluguel, que trabalhavam a noite inteira como fonte de
sustento, e se transformaram em local de propagação do jazz:
Enquanto brilhavam nas pistas os mais notáveis “pés-de-valsa”, nos seus
palcos deitavam e rolavam grandes instrumentistas, que não tinham tido a
chance merecida na restrita duração dos discos de então, os bolachões de
menos de quatro minutos em cada lado. Como no jazz, seus solos eram
aplaudidos por aqueles frequentadores mais antenados em música do que
17
na tentativa de passar o final da noite com uma das bailarinas.

Outro local de atuação de grandes músicos foram as gafieiras, salões das
sociedades recreativas do Rio de Janeiro onde homens e mulheres em trajes de
passeio podiam entrar livremente. Frequentados em sua maioria por negros e
mestiços também foram palco de atuação de grandes orquestras, como a Elite
gafieira ou a famosa Estudantina. Nas gafieiras se dançava o samba, ou a música
de gafieira, dança oriunda do maxixe, como observou Tinhorão:
Para atender aos arabescos coreográficos desse estilo – que nas gafieiras
nada mais representaria do que a evolução do empernamentos propiciados
pela antiga dança do maxixe – os modernos músicos de orquestra tipo jazz
bands, sucessores dos conjuntos de choro, acentuaram gradativamente as
síncopas, imprimindo às músicas um ritmo tão saltitante,que em breve a
18
dança de gafieira ficaria conhecida pelo seu puladinho.

Já segundo Zuza Homem de Mello, o choro de orquestra, por sua
proximidade com a dança carrega uma herança jazzística na sua execução. Um dos
músicos de maior virtuosismo e importância nesse metiér foi o trombonista Raul de
17
18

MELLO, Zuza Homem de. Música nas veias. São Paulo: Ed.34, 2007. p.103.
TINHORÃO (1976 apud CALADO, 2007. p.243).
23

Barros, compositor do choro “Na Glória”. Raul de Barros gravou seu primeiro disco
em 1948 e em menos de seis anos, havia gravado mais de 20 discos.
Para citar outras orquestras de grande atuação no eixo Rio-São Paulo, tais
como, Orquestra Clóvis e Elly, Orquestra de Silvio Mazzuca, Orquestra Oscar Milani,
Carioca e sua orquestra, Orquestra Edmundo Peruzzi, Orquestra Walter Guilherme,
Orquestra do Maestro Simonetti, a Orquestra de Carlos Piper, Cipó e sua orquestra,
entre outras. O nosso precioso clarinetista Paulo Moura, considerado em países da
Europa como “Embaixador da música instrumental brasileira”, relata um pouco da
influência jazzística na música brasileira em 1952, em sua própria experiência:
Ainda este ano participei da efervescência do jazz no Brasil, com o Maestro
Cipó, Dick Farney e K- Ximbinho, sempre como primeiro saxofone nas
grandes formações lideradas por eles, no Theatro Municipal e no
Copacabana Palace. O Maestro Cipó fazia arranjos privilegiando os
trompetes nos agudos, o que produzia um efeito brilhante, inspirado em
Dizzy Gillespi e Stan Kenton, enquanto o K-Ximbinho escrevia os seus
arranjos de uma maneira mais suave, usando instrumentos como violoncelo
e oboé, meio cool jazz. Dick Farney, grande pianista, preferia o estilo de
19
Dave Brubeck.

Porém, existe uma orquestra, liderada pelo exímio clarinetista, compositor e
arranjador pernambucano Severino de Araújo que, desde o ano de 1938, conduz a
orquestra ainda em atividade mais antiga do mundo, a Orquestra Tabajara. Segundo
Zuza Homem de Mello, a Orquestra Tabajara é a maior responsável pela fixação do
gênero choro de orquestra como a música dançante genuinamente nacional,
legando composições de grande repercussão para a época e para a posteridade,
como “Um chorinho em aldeia” e “Espinha de bacalhau”. Por ela passaram grandes
músicos que fizeram parte da história do jazz brasileiro, como os saxofonistas Zé
Bodega, Paulo Moura, Juarez Araújo, Casé, entre muitos outros. Ainda citando Zuza,
os músicos das orquestras brasileiras, ao utilizarem o desenho harmônico das
composições para criarem suas próprias versões das melodias de outrem, estariam
fazendo jazz, por conta de seus vocábulos e atitudes.
As jazz bands brasileiras e as Orquestras foram, portanto, as primeiras
etapas do desenvolvimento do jazz no Brasil. Estabeleceram e cristalizaram padrões
musicais comuns e fixaram linguagens da música popular brasileira das décadas
19

MOURA, Paulo. Paulo Moura: biografia. Disponível em: http://www.paulomoura.com/sec_biografia.php.
Acesso em: 05 ago. 2010.
24

seguintes. Na década de 1950 a influência do bebop, que encontrava seguidores
principalmente entre os músicos ávidos por se desenvolver, incentiva um estilo cada
vez mais virtuosístico de tocar. Esses mesmos músicos que se reuniam nessa época
para tocar jazz, também já começavam a ensaiar o que seriam os primeiros ventos
da bossa nova, tocando composições dos jovens Johnny Alf e Tom Jobim.
Nesta época eu ensaiava, nas tardes de sábado, em casa de minha
família, na Rua Barão de Mesquita. O João Donato fazia as composições e
eu ensaiava os sopros: entre eles, o Bebeto do Trio Tamba que ainda
tocava saxofone. O baterista era o Everardo Magalhães Castro, Luiz
Marinho no baixo acústico, João Luis no trombone. Johnnny Alf às vezes
nos visitava para mostrar algumas composições, como "Rapaz de Bem". A
Bossa Nova ainda não tinha estourado, mas já se anunciava no meio
musical. Johnny Alf, que acabara de gravar seu primeiro disco solo, nos
20
falava sobre um arranjador muito bom e desconhecido, o Tom Jobim.

Nesse mesmo ano, 1953, um trabalho inédito surgia em Los Angeles, a
semente daquilo que veio a ser conhecido como samba-jazz: o violonista Laurindo
de Almeida e o saxofonista Bud Shank gravaram o LP “Brazilliance”. Neste trabalho,
uma literal uma novidade revolucionária surgia: improvisações sobre o repertório
brasileiro em linguagem jazzística. Outro lançamento revolucionário precursor do
samba-jazz foi o LP “Turma da Gafieira”, com Altamiro Carrilho(flautas), Zé Bodega
e Maestro Cipó (saxes-tenor), Raul de Souza (trombone), Sivuca (acordeão), Baden
Powell (violão), José Marinho (baixo) e Edison Machado (bateria). 21
Nessa nova atmosfera, surgia um ambiente musical mais comprometido
com a busca de novas linguagens, que exprimissem um maior virtuosismo dos
músicos, e mesclassem novos elementos. Novas formações instrumentais surgiam
com o objetivo de tocar jazz e com elas, o samba-jazz se consolidava como um novo
estilo que mesclava o samba e a bossa nova com o jazz, cujo termo é adotado ainda
hoje. Segundo Godoy:
Os bons músicos sempre procuraram desenvolver novos e criativos
caminhos para poder expor sua musicalidade. Desde antes da bossa nova,
em 1958, alguns excelentes instrumentistas já se antecipavam na busca de
uma linguagem jazzística brasileira. Tive a oportunidade de tocar durante
dois anos no Quinteto de Jazz do Casé – apelido de José Ferreira Godinho
Filho, considerado o melhor saxofonista daquela geração e grande
20

MOURA, Paulo. Paulo Moura: biografia. Disponível em: htto://www.paulomoura.com/séc_biografia.php
Acesso em: 05 ago. 2010.
21
RAFAELLI, José Domingos. A história do samba jazz. Disponível em: http://ensaios.musicodobrasil.com.br
/josedomingosraffaelli-ahistoriadosambajazz.htm. Acesso em: 12 ago. 2010.
25

precursor desse caminho musical, que acabou sendo denominado de
samba-jazz. O estilo pressupunha composições com suingue (balanço)
brasileiro, muitas improvisações com temas sustentados por sofisticadas
harmonias e com grande variedade rítmica totalmente inspirada em nossas
raízes e em nosso folclore. Conseqüentemente, o músico precisava ter
vasto conhecimento musical e total domínio do seu instrumento para poder
22
participar dessa proposta .

A interação dos músicos que já haviam assimilado as inovações musicais
da bossa nova e do jazz acontecia na noite do Rio de Janeiro e de São Paulo, e
resultava na busca de novas linguagens, mixando elementos musicais e
experimentando novas formações instrumentais. Ronaldo Bôscoli (apud CALLADO,
2007, p. 245), em depoimento dado a José Eduardo Homem de Mello, elucida muito
bem sobre a questão da influência do jazz:
Acho que a formação de quase todo mundo da bossa nova é de jazz. Aliás,
formação benéfica, pois é a maior expressão popular de todos os tempos.
Detesto esta distinção de autêntico. Autêntico, como diz o Tom, é o
jequitibá. Ninguém é autêntico. Todas as correntes se interligam, se
comunicam. Se buscarmos as raízes reais da coisa, teremos que fazer
música de índio: bateria não é brasileira, pandeiro não é brasileiro.
Menescal e Lyra, todos tiveram grande contato com o jazz.

A partir do ano de 1958, uma mudança começa a ocorrer, com a batida do
violão de João Gilberto ecoando pelo mundo e o boom da bossa nova: as novas
casas noturnas frequentadas pelos consumidores da música ao vivo, nas boates e
nos bares (por exemplo, o Beco das Garrafas ou o Cantinho da Fofoca), estão mais
em sintonia com o ambiente intimista que surgia. Foi nessa época que muitos
músicos, que posteriormente seriam representativos da vanguarda do Brazilian Jazz
da década de 1970, iniciaram suas carreiras. Nesse novo momento da música
popular brasileira uma característica fundamental a distingue da fase anterior: a
bossa nova não é mais para dançar, e sim para ouvir. Todo o excesso que outrora
caracterizava a escola de canto da música popular brasileira fora substituído por
uma atitude mais introspectiva, contida, econômica.
A interação de músicos americanos com a bossa nova nesse período
também foi fundamental: segundo Rafaelli, em março de 1962, o saxofonista Stan

22

GODOY, A. O nascimento da música instrumental brasileira. Revista Comunicação & entretenimento da
USP, São Paulo, ano 12, n.3, p.92, set./dez.2007.
26

Getz, com o LP "Jazz Samba" com o quarteto do guitarrista Charlie Byrd alcançou a
marca de venda de um milhão e 600 mil cópias na primeira semana.

23

Os trios de Bossa nova se tornaram então uma febre no Rio e em São
Paulo. O Zimbo Trio, formado em 1964 pelo pianista Amilton Godoy, o baixista Luiz
Alves e o baterista Rubens Barsotti, alcançou estrondoso sucesso desde seu
primeiro disco lançado, intitulado Zimbo Trio, alcançando o primeiro lugar em vendas
de discos no Brasil, ficando por seis meses nas paradas de sucessos, e alcançando
cotação máxima na maior revista americana especializada em jazz, a Downbeat.
Participou da primeira edição do Free Jazz Festival, festival internacional que
aconteceu de 1985 a 2001 no eixo Rio-São Paulo e Porto Alegre-Curitiba. Marcos
Ariel, em entrevista para o presente trabalho, afirma a respeito da bossa nova:
Porque uma das grandes forças da bossa nova era o lado instrumental, o
Tom Jobim mesmo compunha a maioria das músicas: ele fazia os temas,
depois vinha alguém e botava letra, e tinha a força dos trios da bossa nova,
era muito forte [...] aqueles grupos da bossa nova.

Na trilha do Zimbo Trio, vieram outros trios formados por músicos não
menos competentes, como Jongo Trio (Cido Bianchi- piano, Sabá – baixo e Toninho
– bateria), Tamba Trio (Luiz Eça – piano, vocal e arranjos, Bebeto Castilho – baixo,
flauta e vocais e Hélcio Milito – bateria, percussão e vocais), Sambalanço Trio
(César Camargo Mariano – piano, Humberto Cláiber – baixo e Airto Moreira –
bateria), o Bossa Três do pianista Luiz Carlos Vinhas, entre outros. Esses trios
ajudaram a sedimentar o Samba-jazz, e aquilo que mais tarde seria chamado de
Brazilian Jazz.
A partir de 1965, quase todos os maiores compositores da bossa nova já
haviam se mudado para os Estados Unidos, e a Jovem Guarda, a música do iê-iê-iê,
era a febre que assolava o país.
[...] muitos da Bossa Nova – Tom, Bonfá, João Gilberto, Eumir Deodato,
Oscar Castro Neves, Sérgio Mendes, Walter Wanderley – preferiram
mudar-se para os Estados Unidos, alguns por longas temporadas, outros
para ficar, Pela primeira vez, uma geração inteira de músicos brasileiros
24
era confrontada com o dilema de Dick Farney.

23

RAFAELLI, José Domingos. A história do samba jazz. Disponível em: http://ensaios.musicodobrasil.com.br/
josedomingosraffaelli-ahistoriadosambajazz.htm. Acesso em: 12 ago. 2010.
24
CASTRO, Ruy. Chega de saudade. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. p. 391.
27

É certo que a emigração de expoentes brasileiros no final da década de
1960 para os Estados Unidos pode ter causado um desfalque no casting musical
brasileiro, mas causou também uma importante interação entre a música brasileira –
diga-se de passagem, objeto de muita admiração nesse país - e os músicos
americanos interessados em assimilar essa nova bossa.
A seguir, traço a trajetória de alguns artistas que, no final da década de
1960 levaram a música brasileira, instrumental e vocal, para estrear em Festivais de
jazz europeus e gravações nos Estados Unidos, exportando a vanguarda do
Brazilian jazz. Durante a década de 1970, a música popular brasileira
contemporânea, como foi também chamada nesse período, se enriquece de
experimentalismos, tangendo diferentes linguagens, se diferenciando de correntes
anteriores como a bossa nova e o bebop, se aproximando de elementos
nacionalistas, e buscando uma nova autenticidade.
O baterista e percussionista Airto Moreira, depois de atuar na noite de São
Paulo desde os dezesseis anos, integrando o Sambalanço Trio com Cesar Camargo
Mariano e o Quarteto Novo com Hermeto Paschoal, foi se juntar a sua futura mulher,
a cantora Flora Purim, em 1967, nos Estados Unidos. A partir de Nova York,
construiu uma das carreiras mais coroadas de êxito da história de músicos
brasileiros, tendo tocado e gravado com os maiores ícones do jazz, como: Miles
Davis, Wayne Shorter, Dave Holland, Jack de Johnette, Chick Corea, entre muitos
outros, e ainda, tendo trabalhado como produtor e bandleader com Quincy Jones,
Herbie Hancock, George Duke e Paul Simon. Ficou conhecido nos anos 1970 e
1980 como um dos percussionistas mais populares do mundo. Seu trabalho como
percussionista influenciou dezenas de músicos no Brasil e no mundo, e ao lado de
Flora Purim, é um dos grandes representantes do gênero Brazilian Jazz.
A cantora Flora Purim, que se mudou para os Estados Unidos em 1967, já
havia gravado um disco solo no Brasil em 1964, pela RCA Victor, e frequentado o
efervescente Beco das Garrafas. Trabalhou ao lado de Stan Getz e Gil Evans, e no
início da década de 1970 integrou o conjunto Return to forever, excursionando pelos
Estados Unidos. Em 1973 partiu para a carreira solo tendo lançado nove discos ao
longo dessa década, ao lado de Chick Corea, Hermeto Paschoal, Carlos Santana e
muitos outros. Foi eleita a melhor cantora de jazz dos Estados Unidos por quatro
anos consecutivos, de 1974 a 1977. Nos anos 1980, a maior parte da sua
discografia foi ao lado de seu marido, Airto Moreira, e convidados. Em setembro de
28

1990 voltam ao Brasil para, no Rio e São Paulo, integrando a United Nations
Orchestra, liderada por Dizzy Gillespie, participando do Free Jazz Festival.
Hermeto Paschoal é, sem dúvida, um dos nomes mais importantes a serem
mencionados na trajetória da música brasileira e do Brazilian Jazz. Tendo chegado
no Rio de Janeiro em 1958, tocou sanfona no Regional de Pernambuco do Pandeiro
(na Rádio Mauá), piano no conjunto e na boate do violinista Fafá Lemos e, em
seguida, no conjunto do Maestro Copinha (flautista e saxofonista), no Hotel
Excelsior. Em 1961 mudou-se para São Paulo atraído pelo mercado de trabalho e
atuou em diversas casas noturnas. Formou nessa década um trio com o baterista
Airto Moreira e Cleiber no baixo, o Sambrasa Trio, aonde já tocava flauta também.
Mas foi com o “Quarteto Novo” que Hermeto chamou a atenção do país para sua
linguagem inovadora, tocando piano e flauta ao lado de Heraldo do Monte na viola e
guitarra, Airto Moreira na bateria e percussão e Théo de Barros no baixo e violão.
Venceram um Festival com “Ponteio”, de Edu Lobo, e Hermeto ganhou diversos
prêmios como arranjador. Em 1969 viajou para os EUA e gravou com eles dois LPs
a convite de Flora Purim e Airto Moreira, atuando como compositor, arranjador e
instrumentista. De volta ao Brasil, gravou o LP "A música livre de Hermeto Pascoal",
com seu primeiro grupo, em 1973. Em 1976 retorna para os Estados Unidos para
gravar o álbum “Slave Mass”, um álbum referencial da música brasileria, e mais
alguns trabalhos com Flora e Airto.
A partir daí, Hermeto se torna figura indispensável em festivais de jazz do
mundo todo, e sua genialidade e excentricidade são reconhecidas na Europa e nas
Américas. A década de 1980 foi extremamente frutífera em sua carreira, tendo
lançado seis álbuns, com o grupo que o acompanharia por toda essa década, e
adentrando a de 1990, sendo: Itiberê Swarg no baixo, Jovino Santos no piano,
Carlos Malta nos sax e flauta, Márcio Bahia na bateria e percussão e Pernambuco
na percussão. Em 1987, se apresenta com seu grupo no Free Jazz, no Rio e em
São Paulo. Em 1992, viaja à Europa para o lançamento do LP “Festa dos Deuses”.
De 1996 a 1997, registra uma composição por dia para seu “Calendário do Som”,
lançando em 1999. Continuou produzindo ao longo da década de 2000, e a partir de
2002, quando conhece a cantora Aline Morena, com passa a residir, monta com ela
um trabalho de duo, lançando um CD e DVD intitulados, “Chimarrão com rapadura”.
Sua música, de linguagem livre e inovadora, é fonte de influência e inspiração para
músicos do mundo inteiro.
29

Egberto Gismonti, outro músico representativo do Brazilian jazz, conhecido
por seu virtuosismo e perfeccionismo, também iniciou sua carreira sobre a influência
da bossa nova, lançando seu primeiro disco, em 1969, Egberto Gismonti. Nos anos
1970, Egberto se volta para a música instrumental, realizando experimentações no
campo música atonal, o que dificultou sua relação com o mercado brasileiro,
levando-o a realizar diversos lançamentos por selos europeus. Sua música mescla
raízes da música folclórica brasileira com o erudito, o choro e a música eletrônica,
divididas em diversas fases. Violonista, compositor e arranjador de primeira linha,
Egberto se manteve na Europa, vindo ao Brasil somente para realizar shows e
participar de festivais, e possui, em sua discografia, mais de 60 discos lançados em
três décadas. Egberto, na década de 1980, recomprou os direitos de suas
composições, tornou-se um dos únicos compositores do país dono de seu próprio
acervo, e relançou uma parte de sua discografia pelo seu próprio selo, Carmo.25
Em 1976 é um dos principais artistas do Projeto Trindade, da diretora Tânia
Quaresma e do músico Luiz Keller.
O sucesso da carreira de Sérgio Mendes, desde o lançamento de Sérgio
Mendes & Bossa Rio, disco considerado básico no instrumental da bossa nova em
1964, até o sucesso alcançado no Brasil e no exterior com “Brazil´66” e
posteriormente “Brazil´77”, também podem ser considerados elementos formadores
do contexto musical brasileiro da década de 1970, mesmo que esse sucesso tenha
acontecido praticamente no exterior. Sérgio Mendes lançou, apenas na década na
década de 1970, a marca de 14 LPs! Sua música influenciou a geração de 1970 e
abriu caminho para a música brasileira contemporânea, resultado de uma fusão de
elementos da bossa nova, do samba e do jazz.
O maestro, arranjador, clarinetista e saxofonista Paulo Moura é sem dúvida,
um dos maiores ícones da música brasileira por seu virtuosismo e versatilidade, e
esteve presente em todas as fases música instrumental brasileira desde a década de
1950, tanto na esfera erudita, quanto popular. Ainda em 1959 entra como primeiro
clarinetista para a orquestra do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, onde se mantém
até o ano de 1978. Em 1969 inicia uma estreita amizade com o maestro e pianista
Wagner Tiso, e, ao lado também do baterista Paschoal Meireles e do baixista Luiz
Alves, lança o LP “Paulo Moura e Quarteto”, pela gravadora Equipe, aproveitando

25

Egberto Gismonti. Disponível e: http://pt.wikipedia.org/wiki/Egberto_Gismonti. Acesso em: 23 jul. 2010.
30

um momento da retomada do jazz agora para um público mais amante e sofisticado.
Em seguida integram o grupo o saxofonista Oberdan Magalhães, o trombonista
Constâncio e o trompetista Darcy da Cruz (depois substituído por Márcio
Montarroyos) formando o Hepteto Paulo Moura, que lança no mercado mais três
LPs: “Mensagem”, “Pilantocracia” e “Fibra”. Nesses trabalhos já se pode perceber
nitidamente o espírito dos músicos da década de 1970, que já se queriam se
desprender das sonoridades da década anterior e buscavam uma mistura que já
seria a vanguarda do Brazilian jazz. O próprio Paulo Moura relata: “Estes trabalhos
tinham intenção de dar seqüência a um som instrumental da bossa nova, inspirado
na sonoridade dos Jazz Messengers e Horace Silver.”26 Em 1976, Paulo Moura
lança o LP “Confusão urbana suburbana e rural”, pela RCA Victor, que é
considerado um marco na música instrumental brasileira contemporânea, pela
mistura da percussão afro-suburbana a instrumentistas de sopros de Big bands e
aos chorões. Apesar do sucesso deste LP, a RCA-Victor revogou o contrato com
Paulo Moura, em 1977, por razões desconhecidas. Em 1981, porém, grava pela
Gravadora Kuarup (gravadora que atuava no segmento da música instrumental
nessa época), o LP “Consertão”, ao lado de Heraldo do Monte no violão, Arthur
Moreira Lima ao piano e o cantor Elomar Figueira de Mello. Na década de 1980,
Paulo estreita sua relação com a gafieira, e se torna o referencial da vertente
contemporânea do gênero até o final de sua vida. Em 1984:
"Mistura e Manda”, gravado pela Kuarup, torna-se uma referência nacional
e internacional, tal como anteriormente "Confusão Urbana Suburbana e
Rural", ao reunir um repertório dançante de Gafieira, com uma mescla de
instrumentistas e gêneros musicais: Zé da Velha (trombone), Mané do
Cavaco (cavaquinho), Jorginho do Pandeiro, Maurício Carillho (violão),
Raphael Rabello (sete cordas), Cesar Farias (violão) e Joel do Nascimento
(bandolim). A esta formação tradicional de choro, Paulo Moura acrescenta
mais dois cavaquinhos (Carlinhos do Cavaco e Jonas Pereira) e dois
percussionistas (Neoci de Bonsucesso e Jovi Joviniano), registrando assim
27
sua concepção de choro afro-brasileiro, choro negro.

Em 1986, lança outro LP pela Kuarup, Gafieira etc. e tal, com o grupo que
se apresentava nas gafieiras do Parque Lage, e se apresenta na segunda edição do
Free Jazz Festival. Em 1988 lança o LP, também pela gravadora Kuarup, “Quarteto
26
27

Paulo Moura. Disponível em: http://www.paulomoura.com/sec_biografia. Acesso em: 06 ago. 2010.
Ibid.
31

negro”, com Jorge Degas (baixo), Djalma Corrêa (percussão) e Zezé Motta (atriz e
cantora). Paulo Moura segue a década de 1990 trabalhando com a mesma
versatilidade das décadas anteriores. Em 1996 o selo Tom Brasil lança “Paulo Moura
e Wagner Tiso”, uma compilação de interpretações ao vivo de ambos durante as
excursões da Série “Brasil Instrumental CCBB". Paulo Moura teve uma carreira
extremamente produtiva ao longo de sua vida, e nem todas as suas gravações e
realizações foram citadas aqui, mas aquelas mais representativas do período
estudado.
32

3 ASPECTOS METODOLÓGICOS

3.1 Seleção dos sujeitos, amostra e coleta de dados

O capítulo que se segue relata a trajetória desta pesquisa e da metodologia
aplicada, que se iniciou com a leitura do livro de André Midani, no mês de junho de
2010, no Rio de Janeiro. Já era do conhecimento da pesquisadora na ocasião a
ausência de bibliografia sobre o Brazilian jazz, e que a pesquisa, de caráter pioneiro,
teria que ser realizada então por meio de uma investigação de campo, o que
pareceu o instrumento mais eficaz.
Em seguida à leitura do livro de André Midani, outros livros que foram
fundamentais para instrumentalizar melhor a respeito da trajetória da música
brasileira e seus gêneros, e da indústria fonográfica: além dos que já foram
relacionadas no capítulo Referencial teórico deste trabalho, inclui-se Ouvindo
estrelas, do megaprodutor Marcos Mazzola, e Chega de saudade, de Ruy Castro.
Uma vez definida que a metodologia adotada seria o trabalho de campo
realizado através de entrevistas semi-estruturadas em profundidade, percebeu-se
que a coleta de dados teria que se dar in loco e ser heterogênea: os sujeitos
deveriam possuir similaridade por serem provenientes do mesmo meio, mas serem
distintos quanto às suas profissões, para que se pudesse buscar a comprovação da
hipótese através de diferentes vivências e ângulos de visão. Essa seleção foi feita
na busca de uma maior abrangência de opiniões a respeito do impacto das
multinacionais como fator modificador do mercado percebida por diferentes
profissionais de uma mesma área e atuantes na mesma época.
O primeiro passo então foi elaborar uma primeira lista de nomes a serem
entrevistados, dentre os próprios contatos pessoais da autora e outros que seriam
importantes. O objetivo era o de realizar uma investigação empírica realizada por
meio de entrevistas com profissionais do meio musical em geral, que tivessem sido
agentes participantes desse mercado a partir da década de 1970 na cidade do Rio
de Janeiro, para descobrir quais foram os fatores que desencadearam a
desaceleração do mercado de Brazilian Jazz no início da década de 1990.
33

Para cada entrevistado foi elaborado um roteiro contendo entre nove e
onze perguntas, a partir de um estudo prévio de seu currículo, contribuições e
trajetória. O roteiro pautou a entrevista, que foi conduzida de forma parcialmente
estruturada, composta de perguntas abertas e fechadas. As questões fechadas
tiveram o propósito de dar objetividade à pesquisa, enquanto as abertas buscaram
valorizar o discurso do entrevistado. A questão central sob a qual se apóia a
hipótese, ou seja, a idéia de que a nova estratégia que as gravadoras multinacionais
passaram a aplicar no mercado brasileiro a partir da década de 1990 tendo
impactado profundamente o mercado do Brazilian jazz, foi a única questão comum a
todas as entrevistas. As entrevistas foram gravadas em uma handycam digital, com
prévia autorização do entrevistado, e serão, após a análise, arquivadas. Os roteiros
de cada entrevista se encontram em anexo.
Para a seleção dos sujeitos foi realizada uma mesclagem de duas fontes:
a primeira, a seleção feita dentre os próprios contatos da autora e a segunda, o
escopo “bola-de-neve”, ou seja, a indicação de importantes contatos que foram
sendo feitas pelos entrevistados, ao longo das entrevistas. Foram realizadas no total
doze entrevistas. Não foi definido para essa pesquisa um número exato de
entrevistas para seu encerramento, dado que o escopo das entrevistas em
profundidade era de caráter qualitativo. Essa segunda parte talvez tenha sido a mais
importante do trabalho, uma vez que, sem ela, não teria havido possibilidade de
acesso a alguns personagens de notável importância como o crítico e historiador
Zuza Homem de Mello, ou o empresário Manolo Camero, ex-presidente das
gravadoras Tapecar, RCA e BMG-Ariola e ex-presidente da ABPD (Associação
Brasileira de Produtores de Discos). A distinção acerca das fontes foi pensada com o
objetivo de fornecer vivências, percepções e ângulos de visão distintos acerca do
mesmo objeto: foram ouvidos músicos, produtores, empresários e historiadores
atuantes no cenário da música brasileira nas décadas de 1980 e 1990.
A primeira entrevista realizada foi com a pianista/cantora/arranjadora
/compositora Délia Fischer. Délia foi atuante nesse mercado com o trabalho que
veiculava na época intitulado Duo Fênix, ao lado do pianista Cláudio Dauelsberg,
com três discos lançados nesse mercado pela gravadora RCA. Délia Fischer indicou
o nome de André Gardenberg, ex-produtor do Festival Free Jazz, em todas as suas
15 edições, com quem apesar de não ter concedido uma entrevista formal – travouse conversas informais sobre o assunto, além da indicação gentilmente do nome de
34

Zuza Homem de Mello, Em seguida, sucedeu-se a entrevista do pianista/compositor
Marcos Ariel, nome representativo do gênero Brazilian jazz na década de 1980 com
vários discos lançados no mercado à época, criador e diretor musical da casa de
shows Jazzmania. Essa casa foi um importante espaço localizado em cima do
restaurante Barril 1800, no Arpoador na década de 1980, dedicado a atrações
nacionais e internacionais do gênero, tendo sido ponto de encontro de grandes
músicos entre 1982 e 1996. Marcos Ariel gentilmente cedeu os matérias de jornal
que ilustram este trabalho.
A partir de então, vieram os músicos Wilson Meirelles, Mike Ryan, Jurim
Moreira e Cláudio Dauelsberg, A entrevista do Sr.Manolo Camero proporcionou a
análise da trajetória de um trabalho artístico da época, o Duo Fênix, numa visão
bilateral: de um lado, a visão dos músicos desse trabalho, também entrevistados,
Délia Fischer e Cláudio Dauelsberg; de outro, a visão do empresário da gravadora.
Sua contribuição foi valiosa no ponto de vista dos empresários das gravadoras,
fornecendo um ângulo distinto na visão do aspecto mercadológico da questão.
Nesse meio tempo, foi realizada também a entrevista da experiente produtora
Valéria Colela, que atua desde a década de 1970, com produções tanto na área de
MPB como na área instrumental, e, atualmente, é produtora da casa de shows
Canecão. Em seguida o pianista e arranjador Gilson Peranzzetta me recebeu para
uma entrevista em sua casa, da qual participou também gentilmente a produtora
Eliana Fonseca, experiente produtora na área de Brazilian jazz desde a década de
1970, produtora dos shows no antigo Parque da Catacumba, tradicional por seus
shows de música instrumental. Em seguida, o entrevistado foi o já citado Sr. Manolo
Camero. A entrevista seguinte foi realizada na cidade de São Paulo, no apartamento
do jornalista/critico/historiador de música, Zuza Homem de Mello, tendo produzido
resultados bastante enriquecedores para uma visão geral do assunto.

3.2 Análise do material produzido e aspectos éticos

Metodologia de análise do material
A análise do material produzido se deu em três etapas: a decupagem, a
categorização e a construção do texto final. A primeira etapa consistiu em assistir
35

aos vídeos da entrevistas, decupando os assuntos, marcando os tempos e anotando
citações mais relevantes para a resposta as questões suscitadas ao longo da
construção da análise dos resultados. Em seguida, foi feita uma revisão das citações
anotadas, transcrevendo-as nas categorias determinadas: espaços destinados ao
Brazilian jazz nessa época, atuação da indústria fonográfica, perda dos espaços,
percepção dos entrevistados acerca do Free Jazz e da atuação dos próprios artistas,
e outras que se mostraram especialmente importantes. E a última etapa, a
construção da discussão tendo como base os assuntos abordados nas diversas
entrevistas, e as citações transcritas, sem abusar ao mesmo tempo de sua utilização
no texto.
Aspectos éticos
Alguns cuidados éticos foram tomados ao longo desse trabalho:
•

Não comentar falas ou opiniões de um entrevistado para outro.

•

Não colocar a opinião da entrevistadora ao entrevistado.

•

Respeitar qualquer desejo de apagar ou retirar determinada fala da câmera,
durante a entrevista ou mesmo posteriormente a ela (felizmente, isso não
aconteceu em nenhum momento).

•

Requisitar, no momento da entrevista, a assinatura do TCLE (Termo de
Compromisso Livre e Esclarecido). Todos os termos se encontram assinados
em anexo ao presente trabalho.

•

Confirmar a autorização do entrevistado em citar seu nome no ato do contato
junto a outro entrevistado por ele recomendado.

•

Arquivar o material produzido, mantendo-o confidencial e não cedendo-o para
terceiros nem fazendo qualquer outra utilização que não fosse para essa
pesquisa sem prévia autorização por escrito do entrevistado.
36

4 ANÁLISE DAS ENTREVISTAS E CONTEXTUALIZAÇÃO DOS RESULTADOS:
O MERCADO

4.1 O Cenário a partir de 1970

4.1.1 As tendências herdadas e consolidadas na indústria fonográfica
A década de 1970 foi muito profícua para a indústria fonográfica no Brasil.
Nesta década, as gravadoras cresciam a uma taxa média anual de 15% (MORELLI,
2009, p.61), e o mercado tomava algumas diferentes direções com relação a década
anterior, em função das transformações políticas e econômicas que se
desencadearam a partir de 1968.
O contexto da repressão política em que o país se encontrava,
desencadeado a partir da implantação do AI-5, em 1968, foi para o mercado da
música no Brasil, um vetor que propiciou uma mudança de direção decisiva, direção
essa que vinha sendo impulsionada pelos ventos do desejo de transformações
político-sócio-culturais que algumas das tendências da música popular brasileira
vinham apresentando, com Geraldo Vandré, Chico Buarque e outros artistas da
MPB, na linha das canções de protesto. E com a Tropicália, no conceito de que a
linguagem estética já é ela própria um instrumento social revolucionário. Esse
cenário do final da década de 1960 iria logo se dividir e apontar as tendências
consolidadas na década de seguinte:
Depois do festival da Record, com o lançamento dos Lps de Gil e Caetano,
com suas entrevistas desafiadoras, suas apresentações anárquicas na TV,
não havia mais nenhuma dúvida que alguma coisa forte estava
acontecendo, em sintonia com Glauber e Zé Celso e em rota de colisão
28
com a música de Edu, Chico, Dory, Francis, Vandré e Milton.

A rota de colisão a que se refere Nelson Motta é a MPB versus Tropicália.
Porém, essa divergência estilística não irá fazer muita diferença um pouco mais
28

MOTTA, Nelson. Noites tropicais: solos, improvisos e memórias musicais. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
p.168.
37

adiante, tanto de um lado como de outro. O que de fato passou a comandar foi a
censura, e o que se definiu no cenário da MPB a partir da implantação do AI-5 não
podia fazer frente ao sistema vigente até meados de 1970. Os anos da ditadura
vieram a sufocar toda uma produção de música popular brasileira que oferecesse
alguma forma de oposição ao regime militar, exilando artistas, censurando obras, e
desmantelando qualquer organização que pudesse apresentar algum tipo de voz
contra o sistema então estabelecido. Ora, a MPB que apareceu nos festivais dos
anos finais da década de 1960 estava inserida num ambiente de debates, trocas e
encontros, e é dessa forma que ela surgiu coesa no país. Com seu
desmantelamento pela máquina da ditadura, a indústria fonográfica se vê também
obrigada a procurar soluções para seus mercados. Por essa razão, a indústria
fonográfica adentra a década de 1970 na busca por novas tendências, que não se
utilizassem letras de protesto e que não estivessem articuladas, possíveis de se
veicular em um mercado dominado pela repressão política.
Uma dessas tendências foi a Jovem Guarda, o iê-iê-iê de Roberto e
Erasmo, que na década de 1960 ganha espaço e força na virada dos 1970, pelo seu
esvaziamento de comprometimento político-social.
No vácuo da ditadura outra tendência se estabelece: Wilson Simonal
explode pelo país, alcançando estrondoso sucesso no mercado com sua música
cheia de groove, influenciada pelo funk e soul music norte-americanos. Porém, o
lugar de grande embaixador da soul music no Brasil a partir dessa década estaria
reservado para Tim Maia, que explode à nível nacional, um pouco mais tarde, seu
primeiro mega sucesso “Descobridor dos sete mares”, hit nas paradas de sucesso
até os dias de hoje.
As gravadoras viram no Brasil um promissor mercado nesse segmento e, ao
final da década de 1960, razões econômicas definem essa tendência que se
estabeleceu: era muito mais fácil para as grandes gravadoras lançarem no Brasil
produtos que já haviam sido gravados no exterior, importando apenas a master, que
entravam no país como “amostras sem valor comercial”, do que arcar com as
despesas de gravação de um disco aqui. Apesar dessa prática ser ilegal no país, ela
foi tolerada pelas autoridades competentes da época (MORELLI, 2009).
Além disso, seu custo mais baixo de produção produzia também um produto
com um custo inferior ao LP, acessível ao consumidor jovem das classes mais
humildes, de menor poder aquisitivo. Para essa nova faixa de público, que não tinha
38

dinheiro para comprar LPs, o produto mais consumido passa a ser o Compact Disc,
que vinha com apenas uma música de cada lado.
É muito importante nesse ponto verificarmos essa característica de
consumo: o consumidor que ouvia seu sucesso preferido na sua rádio habitual
encontrava nesse produto uma possibilidade real de consumo, pois o produto
oferecia exatamente a música que ele desejava, por um custo que ele podia pagar.
Nessa relação, a efemeridade do sucesso do hit deve ser proporcional à capacidade
da indústria de lançar novos produtos, que por sua vez deve ser proporcional à
velocidade do público em consumi-los. Essa espiral só tende a se acelerar cada vez
mais, e a engordar com cada vez mais investimentos. Prova disso é o volume
crescente de participação desse segmento durante a década de 1970: no primeiro
semestre de 1972, quatro dos cinco primeiros lugares dos Compact Discs mais
vendidos no país são de música estrangeira, e, entre 1972 e 1975, o total de
lançamentos de música estrangeira atinge a média de 47% dos lançamentos totais.
A música estrangeira está presente no país desde o início da instalação das
indústrias fonográficas no Brasil, porém, é na década de 1970 que seu crescimento
de vendas assume proporções galopantes. No mês de abril de 1978, ultrapassa a
marca de 53% dos lançamentos (ABPD apud MORELLI, 2009). Nesse mesmo ano
encontra seu auge (ano do encerramento do AI-5), e estoura com a febre da
discoteca, lançada pelo filme de John Travolta, “Os embalos de sábado à noite”, e
“reproduzidas em versão brasileira pela gravadora WEA, com as Frenéticas, e pela
Rede Globo de Televisão com “Dancin Days”. (MORELLI, 2009, p.69).
É importante lembrar também que esse produto era extremamente
conveniente ao ambiente político-social da ditadura, e representava para as
gravadoras um investimento seguro nesse terreno. A escolha pela música americana
também não foi aleatória: essa era a origem da maioria das multinacionais instaladas
no país à época, e a consolidação desse mercado também será, na segunda
metade dessa década, razão da instalação de novas multinacionais.
Portanto, no início da década de 1970, no auge dos anos da ditadura, a
indústria fonográfica americana, ao dar continuidade a seu processo de expansão de
mercado para além de suas fronteiras, encontra no brasileiro um consumidor em
potencial para seus produtos, não só importando as masters, como também
fabricando artistas aqui, que mesmo sendo brasileiros se fazem passar por
39

americanos, ajudando a ampliar significativamente o público consumidor de discos
no país, e alavancar o crescimento da indústria fonográfica nessa década.
A consolidação da música americana no mercado brasileiro é irreversível e
sua considerável participação no mercado fonográfico prossegue até os dias de
hoje, a despeito do fim da indústria fonográfica nos moldes anteriores. As razões
para esse processo de hibridização cultural fogem, entretanto, aos objetivos dessa
pesquisa.
Paralelamente, o segmento de Música Popular Brasileira também estava
em crescimento no início da década de 1970. Apesar do cenário sombrio que a
ditadura impôs, causando nas gravadoras uma incerteza quanto aos riscos de se
investir em artistas engajados politicamente, e os festivais tivessem encerrado o
melhor capítulo de sua história em 1972 - com exceção da Phono73, festival sem
caráter competitivo produzido pela gravadora Phillips com seu cast de estrelas da
MPB em ocasião da inauguração do Complexo do Anhembi, em São Paulo, numa
ação ousada contra a ditadura. De acordo com o jornalista Tom Cardoso: “o festival
reuniu uma constelação de talentos da MPB e foi um verdadeiro soco no estômago
da ditadura.”29
Um dos fatores primordiais que propiciaram esse crescimento é relatado
na entrevista do Sr. Manolo Camero, ex-presidente das gravadoras RCA e BMGAriola e da Associação Brasileira de Produtores de Discos: “na ocasião da ditadura
militar, na segunda metade da década de 1960, a mudança da legislação permitindo
o uso do ICMS em favor de artistas, compositores e músicos brasileiros, tanto nas
rádios quanto nas vendas de produtos musicais, foi o incentivo fiscal que fez, em dez
anos, um mercado dominado predominantemente pela música estrangeira
(americana, primeiramente) vir a ter a música brasileira acima da música
internacional, em termos de vendagem e circulação”.
Essa mudança da legislação em meados de 1960 vai acelerar o mercado
de música brasileira na década seguinte. Nesse período, porém, nos anos finais da
década de 1960, o empresário André Midani, gerente-geral da Phillips-Phonogram
na ocasião, afirmou que, entre 1968 e 1969, artistas de seu cast de celebridades
nacionais, como Elis, Gil, Caetano, Gal e Os Mutantes, ainda vendiam apenas entre
cinco e dez mil cópias de cada um de seus lançamentos.30 Segundo Midani, nesse
29
30

CARDOSO, Tom. Valor Econômico, São Paulo, 27 jun. 2003 apud Midani (2008, p.157).
MIDANI, André. Música, ídolos e poder: do vinil ao download. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008. p.116.
40

momento, a gravadora administrava a “política quase deficitária” de sua divisão de
prestígio, a Phillips, com os lucros que a Polydor, sua marca popular, gerava. Essa
política interna da companhia nesse período deve ser analisada como a estratégia
que Midani adotou para levantar uma gravadora que, até um ano antes disso, em
1967, quando foi convidado para assumir sua direção, acumulava doze anos de
déficit e um cast de 155 artistas (MIDANI, 2008).31 Apesar disso, a Phillips já era
considerada, no final dessa década, como “uma grande companhia que vendia
qualidade com grande sucesso”.32
No entanto, os artistas mais visados durante a ditadura, entre eles Nara
Leão, Caetano Veloso e Gilberto Gil estavam já exilados, e Midani temia pelo futuro
de seus outros artistas, pelo futuro da gravadora, e pelo seu. Foi então, que ele se
perguntou: -“e se exilarem também a Elis?”33 A solução para contornar esse
problema veio de uma manobra espetacular de Midani, ao conseguir das matrizes da
companhia na Holanda e em Hamburgo, o dinheiro necessário para financiar as
gravações dos artistas exilados em Londres e na Itália. E, assim, continuou a lançar
no mercado as novas produções de Gilberto Gil, Caetano Veloso, e depois, a
contratação e gravação de Chico Buarque, mesmo no exílio. A ousadia de Midani foi
um ato de inestimável importância para a sobrevivência de grandes nomes da
Música Popular Brasileira, frente à política vigente das gravadoras afetadas pela
ditadura:
Contando assim, tão simplesmente, pode parecer fácil viajar de cá para lá,
gravar aqui, gravar lá; porém, colocando-se na perspectiva do Brasil em
1970, quando as distâncias entre os continentes pareciam maiores, quando
as comunicações telefônicas internacionais eram incipientes, num
momento em que o país estagnava intelectual e mentalmente, isolado pelo
regime militar, a gravação desses discos foi um ato moderno e um fato
novo no comportamento da indústria fonográfica brasileira. O lançamento
teve um efeito fulminante, ainda mais pelo excesso de timidez das outras
34
gravadoras nas relações com Brasília.

A Phillips teve Midani à sua frente até 1975 como responsável pelos
principais lançamentos de artistas brasileiros e pela difícil manutenção de seu cast
num clima de muita dificuldade que a Phonogram brasileira encontrava para aprovar

31

MIDANI, André. Música, ídolos e poder: do vinil ao download. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008. p. 108.
Ibid., p.118.
33
Ibid.
34
Ibid., p.120.
32
41

as letras de suas canções, driblar a censura, suportar as pressões dos militares da
ditadura e se manter no mercado nesse período. “De 12% de participação de
mercado em 1968, a Phonogram rapidamente chegou aos 21%. Já em 1973, era a
primeira do mercado. E de 8 a 10% de perdas, subimos para 18% de lucro ao
ano.”35
Em 1976, André Midani é convidado para lançar a WEA no Brasil, e marca
uma fase da de muitos investimentos em carreiras de artistas brasileiros. A WEA
(sigla que com as iniciais dos selos Warner, Elektra e Atlantic), se lança no mercado
brasileiro à procura de novos artistas de talento para formar seu cast. A razão disso
está na visão de André Midani sobre a companhia: “a multinacional do disco tinha
que ser importante localmente para ser forte internacionalmente”.

36

Midani levou

para a Warner o produtor Mazzola, com quem já havia trabalhado na Phillips e lhe
ofereceu o cargo de diretor artístico. Como produtores estavam Nelson Motta,
Liminha, Guti de Carvalho e Sérgio Cabral. O setor de promoção era o encarregado
por Leonardo Neto, pelo atual empresário de Marisa Monte e Adriana Calcanhoto.
Foi com essa equipe que a Warner entrou no mercado brasileiro, lançando um cast
renovado de artistas brasileiros que irão consolidar suas carreiras ao longo da
década de 1980, como Baby Consuelo (atualmente Baby do Brasil), Pepeu Gomes,
Marina, Raul Seixas, Banda Black Rio, A cor do som, lançando também álbuns de
artistas já consagrados, como Paulinho da Viola, Elis Regina e João Gilberto. O
prosseguimento do trabalho com a Elis Regina, nesse momento na Warner, legou
memoráveis momentos a música brasileira, como a noite de Elis Regina, Cesar
Camargo Mariano e Hermeto Paschoal no Festival de Montreux em 1979. A “noite
brasileira” instituída no Festival de Montreux por intermédio de André Midani, foi uma
importante porta de divulgação da música brasileira fora do país, e se tornou uma
instituição permanente na carreira de artistas brasileiros até os dias de hoje. 37
Essas duas vertentes, a música americana e a MPB, são as principais
responsáveis pelo grande crescimento que a indústria fonográfica começa a dar
nessa década no Brasil. A década de 1970, porém, é apenas o começo do
crescimento dessa indústria.

35

MIDANI, André. Música, ídolos e poder: do vinil ao download. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008. p.146.
Ibid., p.177.
37
Ibid., p.184.
36
42

4.1.2 A música instrumental

Paralelamente ao crescimento da MPB, a música instrumental vinha
ganhando força no cenário brasileiro. Essa tendência não fazia frente à ditadura –
uma vez que era instrumental – apesar dos ventos da distenção política estarem
começando a soprar na segunda metade dessa década. O sucesso da carreira de
Sérgio Mendes, Paulo Moura, Egberto Gismonti e Hermeto Paschoal, entre outros
instrumentistas, é notável no Brasil e no exterior, e chama a atenção de algumas
gravadoras que começam a abrir espaço a esse segmento.
Em junho de 1976, André Midani inaugura a entrada da WEA no Brasil com
os discos Slave Mass, de Hermeto Paschoal, e Urubú de Tom Jobim, ambos
gravados em Los Angeles. Outros dois grupos, que foram notáveis nesse período e
que também foram gravados pela WEA, foram “A cor do Som”, que resgatava
elementos do choro, e Azymuth, todos também gravados em Los Angeles.
Um mérito especial deve ser atribuído ao Grupo Azymuth: o primeiro grupo
brasileiro a se apresentar no Festival de Montreux, numa noite dedicada ao jazz
fusion, em 1977. Isso aconteceu através do contato de André Midani enquanto
gerente-geral da Warner, com Claude Nobs, criador desse festival, e este show foi o
ponto de partida para que esse festival passasse a ter todos os anos, uma noite
dedicada à música brasileira, inaugurando uma tradição anual que se mantém até os
dias de hoje.
Em seguida, outra produção instrumental da WEA foi a Banda Black Rio,
que desenvolveu a soul music instrumental brasileira, pioneira na fusão do samba
com a soul music, que já havia consolidado seu mercado na zona norte do Rio de
Janeiro nessa época, através de lançamentos da Motown e da disco music. As
razões pela qual a WEA assumia uma produção da Banda Black Rio parecem
claras: a recém-instalada gravadora no Brasil procurava estar a par de todo
movimento que envolvesse um público consumidor jovem. Além disso, esses fatores
se aliam ao objetivo de André Midani de que a gravadora deveria possuir também
um cast de artistas nacionais, além de seu catálogo de música norte-americana. A
música negra norte-americana já havia dominado esse mercado jovem consumidor
de menor poder aquisitivo do país, que trazia implícita em sua música a bandeira do
orgulho negro norte-americano, que encontra ressonância de identidade no Brasil.
43

Dessa forma, parece natural que a população passe a se apropriar de elementos
desse estilo, realizando um processo de hibridização cultural:
A popularização da música soul no Brasil aconteceria a partir daquilo que
ficaria conhecido como os “bailes da pesada”, no início da década de 1970.
Tais bailes reuniam centenas e muitas vezes milhares de jovens (em sua
maioria negros e mestiços) e eram realizados em diversos pontos do
subúrbio do Rio de Janeiro. O crescimento do fenômeno apontou para o
surgimento de um novo movimento cultural, que seria batizado pela imprensa
carioca de “Black Rio” (FRIAS, 1976, p.1), tendo o mesmo um papel
38
relevante no reencontro com a identidade negra brasileira.

A banda, então, gravou três discos com a produção de Mazzola: o
instrumental “Maria Fumaça” (1976), que se tornou um álbum referencial da música
brasileira instrumental, “Gafieira Universal” (1978) e “Saci Pererê” (1980) além de ter
sido convidada a participar de outros discos como o de Luiz Melodia e Caetano
Veloso, este último gravado ao vivo chamado “Bicho Baile Show”. A banda
continuou fazendo shows no início da década de 1980, inclusive nas pistas de dança
inglesas. Teve, porém, uma repentina interrupção devido à morte de seu criador, o
saxofonista Oberdan Magalhães, em um acidente de carro, em 1984. Devido a esta
interrupção, a banda ficou fora de atividade e só voltou depois de 15 anos através do
filho de Oberdan, William Magalhães, pianista, tecladista, arranjador e produtor.
Esses elementos da soul music norte-americana que a Banda Black Rio introduziu
na música instrumental brasileira ainda na década de 1970 também influenciaram a
formação do músico da década de 1980.
Nesta década, a formação característica dos trios e conjuntos da Bossa
Nova ou das Big bands foi gradualmente substituída por outra formação, mais
alinhada com o que acontecia no momento: a formação básica de quarteto (piano,
baixo, bateria, e sax/flauta) é mantida, porém a guitarra, o trompete e a percussão
são acrescentados. A guitarra em função do rock (o que acontece também, no
mesmo período, na Tropicália) e do jazz fusion americano. O trompete em função do
cool jazz e das outras correntes jazzísticas posteriores, e a percussão é o elemento
de latinidade, de raiz, característico desse período da música brasileira.
Outro exemplo de aquecimento desse segmento de mercado foi a série
“Música Popular Brasileira contemporânea”, uma série de LP´s instrumentais de
38

GUIMARÃES, Celso. Banda black Rio: transformações do samba na década de 1970. In: CONGRESSO DA
ANPPOM, 17., 2007, São Paulo. Anais... São Paulo, 2007.
44

artistas brasileiros lançada pela Phillips-Polygram entre 1978 e 1980 que ilustra bem
essa mudança de formação instrumental, apresentando características musicais
que, apesar de ainda pertencerem ao rótulo de música popular brasileira
contemporânea, já são a vanguarda do Brazilian jazz, pois muitos músicos que dela
participaram firmaram suas carreiras na década seguinte, como Nivaldo Ornellas,
Célia Vaz e Nelson Ayres.
O Projeto Trindade, da diretora Tânia Quaresma e do músico Luiz Keller,
realizado entre 1976 e 1979, foi um projeto pioneiro, ousado e comprometido com a
música instrumental brasileira do final da década de 1970. Foi concebido em duas
etapas: foram filmados 12 curtas, cada um tendo a trilha sonora composta por um
músico brasileiro de destaque, feita especialmente para o projeto. Através de
viagens realizadas nas cinco regiões brasileiras eram gravadas as imagens que
iriam compor a “trilha visual”. Na volta de cada etapa das viagens eram realizados
shows no Rio de Janeiro, com os instrumentistas, onde também eram projetadas as
imagens colhidas nas diferentes localidades. Ao final da realização dos curtas foi
montado o primeiro longa-metragem 35mm sem falas do Brasil (o áudio era apenas
musical), intitulado “Trindade curto, caminho longo”. Além disso, foi lançado um LP
duplo com faixas de todos os artistas envolvidos e um almanaque contando as
etapas do projeto. Foram realizados shows de lançamento do filme e do LP no Brasil
e no exterior. Dentre os patrocinadores do projeto estavam a Petrobras e o Banco do
Brasil.
Nessa mesma época, em 1977, estava havendo na cidade do Rio de
Janeiro uma retomada do choro e de ritmos brasileiros por uma nova geração de
jovens músicos que se reuniam em bares e botequins da cidade. Um desses pontos
foi o “Cantinho da fofoca”, em Botafogo, e outro surgiu no Bar e Restaurante Barril
1800, no Arpoador, ponto que ficou conhecido por abrigar no andar de cima, alguns
anos mais tarde, o lendário Jazzmania, em dezembro de 1983. No Barril 1800, em
1977, houve um projeto organizado pela dupla que alguns anos depois seria a
mesma que fundaria e administraria o Jazzmania, o pianista Marcos Ariel e Luis
Antônio Cunha, chamado “A música que os músicos querem fazer”, com
apresentações informais de jovens regionais de choro, como o “Pessoal do Cantinho
da Fofoca”, “Anjos da madrugada” e “Éramos felizes” e também músicos já
consagrados, como Paulo Moura e Márcio Montarroyos, às segundas-feiras. O
45

projeto aconteceu por três meses, ganhou matérias de jornal, e foi o embrião do que
seria, na década seguinte, o lugar mais tradicional do jazz no Rio de Janeiro.

Figura 1 - Matéria publicada no Jornal do Brasil em 03/01/1977.

O aquecimento desse segmento no mercado da música, somado ao
prestígio que a música brasileira já havia conquistado no exterior com a Bossa Nova
e vinha conquistando também ao longo da década de 1970 com a contemporânea
música instrumental brasileira, favoreceu o surgimento dos primeiros grandes
46

festivais de jazz realizados no país: o Festival de Jazz de São Paulo, no Anhembi,
realizado em 1978 e 1980 pela TV Cultura, que teve como um dos programadores o
crítico e historiador Zuza Homem de Mello.
O entrevistado Zuza Homem de Mello afirma que a importância desses
festivais reside principalmente no fato de eles terem sido transmitidos na íntegra pela
TV Cultura, sem edição das imagens. E relata: “esses dois primeiros tiveram uma
importância muito grande justamente porque eles abriram horizontes para músicos
que estavam começando e para músicos, digamos, que já estavam a caminho de
uma consagração.”39 Esses festivais, ainda segundo Zuza, contribuíram para
enriquecer o mercado de música instrumental na década de 1980.
No Rio de Janeiro, também no ano de 1980, foi realizado o Rio Jazz
Monterey Festival. Esses festivais injetaram ânimo nos jovens músicos da geração
que chegava à década de 1980 em busca de atuar num mercado que já se mostrava
existir e que dava sinais de consolidação.

39

Zuza Homem de Mello, em entrevista feita em 29/07/2010.
47

AÉCIO FLÁVIO & QUARTEZANATO - MÚSICA POPULAR
BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA
(LP/1980)
Aécio Flávio
BAIAFRO - MÚSICA POPULAR BRASILEIRA
CONTEMPORÂNEA
(LP/1978)
Djalma Corrêa
LUIZ CLÁUDIO RAMOS - MÚSICA POPULAR BRASILEIRA
CONTEMPORÂNEA
(LP/1980)
Luiz Cláudio Ramos
MUTAÇÃO - MÚSICA POPULAR BRASILEIRA
CONTEMPORÂNEA
(LP/1981)
Célia Vaz
NELSON AYRES - MÚSICA POPULAR BRASILEIRA
CONTEMPORÂNEA
(LP/1978)
Nelson Ayres
NIVALDO ORNELAS - MÚSICA POPULAR BRASILEIRA
CONTEMPORÂNEA
(LP/1978)
Nivaldo Ornelas
OCTÁVIO BURNIER - DANÇA INFERNAL - MÚSICA
POPULAR BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA
(LP/1979)
Octávio Burnier
ROBERTINHO SILVA - MÚSICA POPULAR BRASILEIRA
CONTEMPORÂNEA
(LP/1981)
Robertinho Silva
STENIO MENDES - MÚSICA POPULAR BRASILEIRA
CONTEMPORÂNEA
(LP/1980)
Stenio Mendes
TRILHOS - MÚSICA POPULAR BRASILEIRA
CONTEMPORÂNEA
(LP/1980)
Túlio Mourão
Figura 2 – Lista de LP´s lançados pela Phillips na série “Música popular brasileira contemporânea
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O brazilian jazz no rio de janeiro na década de 1980 deborah levy

  • 1. UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PROGRAMA DE ESTUDOS CULTURAIS E SOCIAIS DEBORAH WEITERSCHAN LEVY O BRAZILIAN JAZZ NO RIO DE JANEIRO, DÉCADA DE 1980: A MUDANÇA DE DIREÇÃO DE UM MERCADO EM ASCENSÃO Rio de Janeiro 2010
  • 2. DEBORAH WEITERSCHAN LEVY O BRAZILIAN JAZZ NO RIO DE JANEIRO, DÉCADA DE 1980: A MUDANÇA DE DIREÇÃO DE UM MERCADO EM ASCENSÃO Monografia apresentada ao Programa de Estudos Culturais e Sociais da Universidade Cândido Mendes como requisito parcial para a conclusão do curso de Pós-graduação latosensu MBA em: Gestão Cultural Orientadora: Profa.Ms. Ana Carla Fonseca Reis Rio de Janeiro 2010
  • 3. Dedico este trabalho à minha filha Clara e a todos os estudiosos da música no Brasil.
  • 4. AGRADECIMENTOS À professora Ana Carla Fonseca Reis. Aos amigos Aguinaldo, Andréia e Gláucio, por suas valiosas colaborações. À amiga Ana Maria Braga, por seu apoio incondicional. À todos os músicos e amigos que colaboraram e se envolveram com a pesquisa. Ao Marcos Ariel, por sua colaboração e envolvimento. À minha família. À Deus.
  • 5. RESUMO Essa pesquisa tem por objetivo investigar o ciclo completo do mercado do gênero musical Brazilian jazz no Rio de Janeiro na década de 1980. É analisada sua trajetória de desenvolvimento, suas relações de mercado e os fatores que o impactaram a partir da virada da década de 1990, levando a uma desaceleração do crescimento e a uma mudança na direção em que esse mercado vinha seguindo. Essa investigação foi realizada através de entrevistas com profissionais atuantes à época, totalizando doze entrevistas, além de pesquisa bibliográfica complementar. Por fim, dentre outros fatores, conclui-se que a mudança de estratégia que as gravadoras multinacionais passam a aplicar no mercado fonográfico brasileiro na virada da década de 1990 é um dos fatores de impacto que levaram à desaceleração desse mercado. Palavras-chave: Brazilian jazz. Música instrumental. Indústria fonográfica. ABSTRACT This research aims to investigate the full cycle of the market for Brazilian jazz genre in Rio de Janeiro in the 1980s. It analyzes its history of development of market relations and the factors that impacted from the turn of the 1990s, leading to a slowdown in growth and a change in the direction that the market had been following. This research was conducted through interviews with professionals working at the time, totaling twelve interviews, and bibliographic supplement. Finally, among other factors, it follows that the change of strategy that multinational record companies start to implement the Brazilian phonographic market at the turn of the 1990s is one of impact factors that led to deceleration of the market. Keywords: Brazilian jazz. Instrumental music. The music industry.
  • 6. SUMÁRIO APRESENTAÇÃO.......................................................................................... 6 1 INTRODUÇÃO................................................................................................ 9 2 PROBLEMATIZAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DO OBJETO ..................... 16 2.1 Referencial teórico.......................................................................................16 2.2 O jazz no Brasil até 1980: revisão histórica ..............................................18 3 ASPECTOS METODOLÓGICOS ................................................................ 32 3.1 Seleção dos sujeitos, amostra e coleta de dados ................................... 32 3.2 Análise do material produzido e aspectos éticos.................................... 34 4 ANÁLISE DAS ENTREVISTAS E CONTEXTUALIZAÇÃO DOS RESULTADOS: O MERCADO .................................................................... 36 4.1 O Cenário a partir de 1970 ......................................................................... 36 4.1.1 As tendências herdadas e consolidadas no mercado fonográfico ............... 36 4.1.2 A música instrumental................................................................................... 42 4.2 O Brazilian jazz e a década de 1980 .......................................................... 48 4.2.1 A nova geração, a criação de novos espaços e seus ciclos ......................... 48 4.2.2 A evolução do mercado fonográfico ...............................................................65 5 CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................... 71 REFERÊNCIAS ............................................................................................ 76 GLOSSÁRIO ................................................................................................ 78 APÊNDICE A - Roteiros das entrevistas ...................................................... 79 ANEXO A - Termos de consentimento livre e esclarecido ........................... 91
  • 7. 6 APRESENTAÇÃO Fazer música é uma atividade natural do ser humano, desde o início dos tempos. Segundo Hermeto Paschoal, nossa fala é nosso canto, e reflete a vibração sonora da alma de cada um. Dessa forma, ela nasce com a humanidade, e com ela evolui. É realizada em todos os cantos do planeta, e em cada lugar, em cada circunstância, reflete o coração de uma população, sua cultura, seu sofrimento, seus sonhos. Pode ser religiosa ou profana; para ouvir ou dançar; ilustrar um filme ou contar uma história; fazer dormir ou acordar. É universal e precisa de gente: para criar e para ouvir. Em 1887, um alemão chamado Emil Berliner inventou uma máquina que poderia reproduzir música: o gramofone. Uma grande revolução então começou: a música já podia ser guardada, registrada e ouvida para sempre. A partir daí, a música ocidental tem traçado sua trajetória, e, junto a esta, impressionantes evoluções tecnológicas e mercadológicas se desenrolam, sempre associadas. Desde a invenção de Berliner até os atuais arquivos digitais trocados virtualmente pela Internet, várias têm sido as “ferramentas” que levam o mercado da música até o seu ouvinte. Lado a lado ao motor do gigantesco trator mercadológico da música, impulsionado há pouco mais de um século, existe a evolução tecnológica, sempre criando e recriando novos suportes para o consumo da música. Ambos impulsionam o coração daquela que vorazmente se alimenta de constantes novidades artísticas, e que hoje passa por uma radical transformação a nível global: a indústria fonográfica, que outrora foi chamada de “A indústria da felicidade humana” (MIDANI, 2008, p.216). O mercado da música na década de 1950 no Brasil marca a entrada das primeiras gravadoras, a procura de talentos. A direção dessas novas multinacionais buscava o controle do mercado através de lançamentos que apresentassem carreiras promissoras e consistentes. Essa busca por novos talentos foi a força motriz que alavancou três décadas de crescimento e brilhantismo da produção nacional de música, representada por nomes como João Gilberto, Tom Jobim, Dorival Caymmi, Chico Buarque, Caetano Veloso, Gal Costa, Gilberto Gil, Milton Nascimento, entre centenas de outros nomes “de peso”.
  • 8. 7 Na leva desse crescimento vieram também os grandes instrumentistas brasileiros, musicalmente formados pelo flerte da bossa nova com o jazz norteamericano, pelos ensinamentos de Koellreuter, pela influência de Villa-Lobos, pela pesquisa da música brasileira de raiz e, principalmente pela adoção da improvisação. Esses instrumentistas chegaram brilhantes ao raiar da década de 1980 na trilha da consolidar um mercado que começava a entender e a consumir seus talentos e genialidades. Nesse momento, se fortalece um segmento do mercado musical brasileiro, o Brazilian jazz, cujo gênero mistura diversos elementos da música brasileira com o jazz norte-americano, que traz intrinsecamente agregrado em sua linguagem, o caráter improvisativo. Esse movimento encontrou seu auge no eixo Rio-São Paulo na década de 1980. Deborah W. Levy, autora do presente trabalho, é musicista com experiência profissional no campo da música há mais de 20 anos. É pianista, tecladista, compositora e Bacharel em MPB pela UNIRIO. Chegou ao Rio de Janeiro em 1989, aos 18 anos de idade, dando continuidade a seus estudos musicais iniciados na cidade de Belo Horizonte, na década de 1980. De formação clássica e jazzística (mais jazzística do que clássica), foi aluna de Linda Bustani, Sônia Goulart, Dário Galante, Délia Fischer, Ian Guest, Sérgio Benevenutto e Roberto Gnatalli. Soma boa experiência profissional no campo da música popular, tendo acompanhado artistas, atuado em musicais e gravado um CD com o Quinteto Linha 176, composto de composições próprias e releituras, o qual recebeu boa crítica de José Domingos Rafaelli, crítico do Jornal do Brasil na ocasião. Foi também integrante do projeto de digitalização do acervo de música da Biblioteca Nacional, além de paralelamente desenvolver um trabalho como tecladista junto à Banda Celebrare, há 15 anos, com sete CD´s e dois DVD´s lançados no mercado fonográfico. Há, portanto, uma relação pessoal da autora com o assunto em questão, que reside no fato dela ter sido testemunha da efervescência desse mercado ao chegar ao Rio de Janeiro, em 1989: no início de sua carreira, ela ouvia essa música que se fazia nas casas de shows e espetáculos da zona sul, onde se tocava o Brazilian jazz, fervilhando de músicos criativos e virtuosos. Frequentava os shows do Free Jazz Festival no Hotel Nacional, e as “canjas” do Jazzmania; os shows em bares como o People, o Mistura Fina, o Parque da Catacumba, o Gula Bar, etc; os lançamentos dos discos dos artistas representativos da época. Ouvia as músicas tocar na Globo FM, e os especiais de TV sobre o jazz. As bases de sua formação
  • 9. 8 haviam sido lançadas nos dez anos anteriores, em Belo Horizonte, aonde chegavam ecos desse mercado, através das figuras de artistas como Egberto Gismonti, Hermeto Paschoal, Flora Purim e Airto Moreira, César Camargo Mariano, entre outros. Deborah Levy veio para o Rio de Janeiro, portanto, em busca dessa música, na qual foi formada na década de 1980, em Belo Horizonte, e da qual estranhamente viu se distanciar no decorrer da década de 1990.
  • 10. 9 1 INTRODUÇÃO Era 1985. E desde 1970, o espetacular crescimento do mercado mundial da indústria fonográfica havia chamado atenção dos grandes conglomerados da comunicação, que compraram todas as companhias independentes de discos que existiam no mundo [...]. Essa entropia atingiu em cheio a política das gravadoras, que, até então, contratavam artistas com base na personalidade, no carisma e na capacidade poética. Pouco a pouco, esses valores passaram a ser démodé [...]. A partir daquele momento, de repente ficou distante o sonho dos fundadores dessa indústria a que chamavam de “A indústria da felicidade humana”. Ficou longe a época em que as gravadoras eram dirigidas por quem gostava de música, sendo, ao mesmo tempo, bom administrador. Longe também da era da competição amigável e ética entre as companhias. De súbito, os conglomerados disseram “Fora com os líderes criativos e dentro com os tecnocratas”, sob o pretexto de que os contratos artísticos estavam se tornando demasiadamente complexos e custosos para deixar a direção dos negócios nas mãos de gente com paixão pela música. 1 Se essas palavras não tivessem vindo dos lábios daquele que foi um dos maiores personagens da música brasileira - o empresário André Midani - talvez o leitor até pudesse comentar um possível exagero, um excesso de sentimentalismo que este desabafo poderia aparentemente carregar. Mas vindo de quem veio o empresário que lançou João Gilberto e toda a constelação da Bossa Nova e da Tropicália (tendo passado pelo seu casting praticamente toda a “nata” da música brasileira), é realmente uma declaração de quem, duas décadas depois de passar por dentro do “olho do furacão” da ditadura, viu o fim de uma era regida mais por padrões artísticos ser substituída por uma nova ordem, ou um novo juízo de valores, que veio a mudar definitivamente a direção que a música brasileira vinha seguindo. A explosão do crescimento fonográfico que se deu na década de 1970 (a indústria do disco crescia a uma taxa média de 15% ao ano nessa década2), a expansão de um mercado consumidor de música no Brasil para além das classes dominantes, o surgimento de inúmeros novos artistas da MPB e a consolidação de um mercado fonográfico que elevou o país ao quinto lugar3 no ranking mundial em 1 MIDANI, André. Música, ídolos e poder: do vinil ao download. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008. p. 215. MORELLI, Rita C.L. Indústria fonográfica: um estudo antropológico. Campinas: UNICAMP, 2009. 3 BALLESTÉ, Adriana. Independente...de tudo?. In: ANTOLOGIA Prêmio Torquato Neto. Rio de Janeiro: RioArte, 1984. 2
  • 11. 10 1981, fizeram brotar, na cidade do Rio de Janeiro na década de 1980, um ambiente bastante favorável para o surgimento e difusão do mercado de Brazilian jazz. Através de lançamentos de gravadoras, espaços nas casas noturnas, participação na programação das rádios, críticas e resenhas jornalísticas, festivais de jazz etc., esse mercado foi impulsionado ao longo desta década em um amplo crescimento, encontrando seu apogeu em seus anos finais, e abrindo as portas para o lançamento de grandes artistas/músicos no mercado internacional do jazz. A partir do início da década de 1990, passa a haver uma considerável desaceleração no crescimento desse mercado, que culminou num significativo declínio de seu impacto e subsequente perda de posição, através da exclusão dessa produção fonográfica na grade de programação das rádios, dos sucessivos fechamentos das casas noturnas que exibiam esses shows e da redução de espaços de forma geral. Esse trabalho visa investigar as razões desse fenômeno mercadológico. A hipótese é a de que a estratégia mercadológica que as gravadoras multinacionais passaram a aplicar no mercado fonográfico brasileiro a partir da segunda metade da década de 1980 teria enfraquecido o mercado do Brazilian Jazz em ascensão. Essa hipótese, apoiada solidamente na afirmação de André Midani - uma vez reconhecido o peso de seu autor no cenário do mercado fonográfico e a autenticidade de sua vivência – é o ponto de partida dessa investigação. Realizada através de entrevistas – posto que não há material bibliográfico que sustente uma pesquisa aprofundada nesse assunto – essa investigação tem como desafio inicial o de encontrar as origens da influência do jazz na música popular brasileira, para que se possa então compreender o cenário do Brazilian jazz no Rio de Janeiro na década de 1980. Para isso, é feita uma revisão da entrada do jazz no Brasil, no subcapítulo “O jazz no Brasil até 1980: revisão histórica”, que vai desde a década de 1920 cobrindo 60 anos da trajetória do jazz no Brasil. Essa revisão está inserida no Capítulo 2, “Problematização e caracterização do objeto” e tem seu foco mais na participação dos músicos na história da música popular do que dos artistas e das gravadoras propriamente. Para essa parte da contextualização, foi possível recorrer, até a década de 1970, a fontes bibliográficas e à internet. A finalidade desse capítulo é contextualizar o leitor para a compreensão do fenômeno estudado, o mercado de Brazilian jazz que começa a se movimentar nos anos finais da década de 1970. Nesse capítulo está inserido também o referencial teórico, que norteou essa porção da pesquisa, e que possibilitou a traçar o fio da
  • 12. 11 trajetória dos 60 anos da música popular. De 1980 em diante, esse cenário foi remontado por meio das informações coletadas nas entrevistas e investigações dos dados, bem como acrescido de referências bibliográficas pertinentes e está inserido no capítulo 4, “Análise das entrevistas e contextualização dos resultados: o mercado”. No capítulo 3, ”Aspectos metodológicos”, é feito um relato minucioso de todas as fases da pesquisa: o processo de escolha dos entrevistados, as entrevistas, a extração das informações do material coletado e sua análise. A análise dos resultados e a discussão do assunto se encontram no capítulo seguinte, ”Análise das entrevistas e contextualização dos resultados: o mercado”, dividido em dois subcapítulos: “O cenário a partir de 1970” e “O Brazilian jazz na década de 1980”. No primeiro subcapítulo, dividido em dois sub-itens: “As tendências herdadas e consolidadas no mercado fonográfico” e “A música instrumental”, é feita uma contextualização das tendências da indústria fonográfica herdadas, e as que irão se consolidar, legadas à década de 1970. Paralelamente, é traçado o panorama do mercado da música instrumental nessa década. No subcapítulo seguinte, “O Brazilian jazz na década de 1980” é apresentado e discutido o conteúdo do material coletado, por sua vez, em outras duas subdivisões: “A nova geração, a criação de novos espaços e seus ciclos”, onde é traçada a trajetória do Brazilian jazz no Rio de Janeiro a partir do início da década de 1980, é delineado o ciclo de sobrevivência desses espaços, e é traçado um panorama geral: as casas noturnas, as rádios, as ações da prefeitura, os festivais de jazz, etc, tendo comentados e analisados certos aspectos. No subcapítulo seguinte, “A evolução do mercado fonográfico”, são analisadas e discutidas a atuação da indústria fonográfica a partir da década de 1980 até a de 1990, ápice de sua expansão, com a formação dos grandes conglomerados. Nesse ponto, é preciso abrir um parêntese para refletir um pouco a respeito das nomenclaturas e da distinção entre Brazilian jazz, “Jazz brasileiro” e “Música instrumental”. “Música instrumental” é, sem dúvida, um rótulo prontamente reconhecido tanto pelos músicos quanto pelos apreciadores e críticos. Esse termo caracteriza, hoje em dia no Brasil, um segmento de música executada apenas por instrumentos, sem a figura do cantor (a) como solista, podendo aceitar no máximo um vocalese - a
  • 13. 12 voz usada como instrumento. Essa caracterização consolidada se comprova inclusive na categorização de áreas e segmentos da Lei Rouanet, a qual se refere tanto à música clássica quanto à música instrumental como segmentos da área música, e se encaixam no artigo 18, como projetos especiais. Porém, essa designação se refere apenas à questão da formação, e não carrega em si uma moldura de tempo e espaço que chegue a designar um gênero – como, por exemplo, “música clássica” designa - podendo comportar, na verdade vários gêneros. Para caracterizar a produção musical objeto-estudo desse trabalho, a designação “música instrumental”, por sua natureza, excluiria importantes produções de músicos representativos como Egberto Gismonti ou Hermeto Paschoal, que se utilizaram da voz em inúmeras gravações. Outro ponto importante é a distinção que se deve fazer entre a designação Brazilian Jazz – ou Jazz brasileiro – e o jazz norte-americano. O gênero Brazilian Jazz, diz-se entre músicos e apreciadores, que é um estilo musical resultante de experimentações que fundem elementos do jazz norteamericano com elementos da música brasileira. Aqui é preciso chamar a atenção para o cuidado de não se deixar levar pela tradução da palavra ao “pé da letra”. O termo Brazilian Jazz, versão em inglês para “Jazz brasileiro” pode sugerir que este seria uma adaptação nacional do jazz norte-americano, o que é absolutamente desprovido de verdade. Segundo Zuza Homem de Mello, em entrevista concedida para esta pesquisa, “o fato de você ter nominado Brazilian jazz é muito apropriado, porque na verdade, ao contrário da maioria dos países do mundo, o jazz brasileiro é música brasileira”. Ao longo do desenvolvimento deste trabalho, foram percebidos distintos conceitos acerca da abrangência do termo Brazilian Jazz. A adoção do termo é controversa nas diversas fontes de consulta, dada a abrangência, e não há, nem na comunidade musical, nem na comunidade científica, um consenso a respeito de seu significado. Ressaltam-se cinco diferentes colocações como exemplo da carência de delimitação do termo Brazilian Jazz4. A saber: 1) Bossa Nova; 4 Essas colocações são trazidas pelo site na pesquisa do termo Brazilian jazz. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Brazilian_Jazz. Acesso em: 13 jul. 2010.
  • 14. 13 2) Samba-jazz, como o Zimbo Trio e outro grupos de samba e bossa nova influenciados pelo jazz; 3) Formas brasileiras influenciadas de Jazz fusion; 4) A vanguarda do jazz brasileiro das décadas de 1970 e 1980, como Hermeto Paschoal e grupo e Egberto Gismonti e grupo; 5) Jazz no Brasil e esse último abre para duas subcategorias: a) Álbuns do jazz brasileiro – João Gilberto, Tom Jobim, Joyce, Sérgio Mendes, Flora Purim, Elis Regina etc; b) Músicos do Brazilian jazz: • Músicos da Bossa nova; • Músicos do Brazilian jazz relacionados por instrumento. Extraídas da Internet (Wikipédia), essas definições sugerem uma interessante análise do assunto, mesmo que superficialmente. Nas cinco definições acima, podemos encontrar dois pontos tangentes: a primeira, é que todas se referem, em primeira instância, à música brasileira; a segunda, é que em algumas delas iremos encontrar, em sua execução, um elemento que é a linha limítrofe entre o que diferencia o jazz de outros estilos musicais: a improvisação. Esse elemento encerra qualquer discussão sobre o assunto: jazz necessariamente é um estilo musical onde a improvisação é a estrela, o elemento principal, onde o instrumentista afirma suas habilidades e se firma como artista. Zuza Homem de Mello relata na entrevista: “No Brasil você pode fazer um concerto de jazz com músicas do Tom Jobim, do Hermeto Paschoal e é um concerto de jazz. Por quê? Porque eles estão improvisando! É aí que se define a diferença. Isso significa que a diferença entre o jazz e as demais propostas musicais, como na Europa, pop, música clássica, etc, é o improviso. É nisso que o jazz se diferencia.” O Brazilian jazz tem suas raízes fincadas em matrizes musicais brasileiras, e o jazz norte-americano é, portanto, um elemento de influência, ou ainda, de fricção5 (PIEDADE, 2005), contradizendo a idéia de fusão, onde os elementos envolvidos se dissolvem, não conservando mais seu núcleo. Na teoria de Piedade, os elementos envolvidos se tocam, trocam partículas, se friccionam, mas o seu núcleo duro se mantém. Um exemplo dessa fricção de elementos no Brazilian jazz é 5 PIEDADE, A.T. de Camargo. Jazz, música brasileira e fricção de musicalidades. In: CONGRESSO DA ANPPOM, 15., 2005, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro, 2005.
  • 15. 14 justamente a improvisação, característica nata da linguagem bebop norte-americana. Ao longo desse estudo, veremos como o jazz adentrou o país e como os músicos de música popular passaram a utilizar a improvisação em estilos de música brasileira. Dessa forma, o termo Brazilian jazz se refere à produção de música brasileira que inclui a improvisação em sua execução. No capítulo dedicado à trajetória do jazz no Brasil poderão ser identificadas as fases da música brasileira que irão se relacionar com algumas das definições da Wikipédia acima, como os trios de Bossa Nova, o reconhecimento da Bossa Nova no exterior e o nascimento do Samba-jazz. Este último, cujo nascimento é identificado através do lançamento do álbum “Braziliance”, do violonista Laurindo de Almeida e do saxofonista Bud Shank em 1953, traz em si o ponto histórico diferencial do embrião do Brazilian jazz: este álbum é identificado pelo renomado crítico José Domingos Rafaelli6 como sendo o marco do nascimento do samba-jazz, a primeira vez que foi utilizada a improvisação sobre temas brasileiros. Segundo Rafaelli, a partir desse momento passa-se a adotar gradativamente a improvisação na música brasileira, tanto instrumental como vocal, e se inicia, portanto, no início da década de 1950. Essa prática incorporada irá atravessar a Bossa Nova no final dessa década e ao longo da seguinte, passando pela música instrumental contemporânea da década de 1970, pelo Brazilian jazz da década de 1980, chegando até os dias de hoje. Na entrevista de Zuza, ele confirma essa análise: “Isso se dá exatamente a partir da Bossa Nova, que se desenvolve, e cria-se então uma linguagem instrumental que é absolutamente identificada com o jazz americano, porque é improvisada”. A definição “vanguarda do jazz brasileiro das décadas de 1970 e 1980, como Hermeto Paschoal e grupo e Egberto Gismonti e grupo” pode, à primeira vista, ser adequada, porém é conduz facilmente a uma grande contradição: se afirmo que na década de 1990 o mercado de Brazilian jazz decresce, como posso dizer que em 1980 ainda se encontra a vanguarda do jazz brasileiro? Aonde estaria de fato, então, o Brazilian jazz? Assumo, portanto, nessa pesquisa, que a produção musical instrumental da década de 1970 é a vanguarda do Brazilian jazz, e adoto a designação que foi adotada na mesma época: música instrumental brasileira contemporânea. Essa designação me parece bastante adequada pelo seu próprio caráter musical: é nessa década que a música instrumental se moderniza e se 6 RAFAELLI, José Domingos. Disponível em: http://ensaios.musicodobrasil.com.br/jose domingosraffaelli-ahistoriadosambajazz.htm. Acesso em: 12 ago. 2010.
  • 16. 15 diferencia das correntes anteriores. O termo Brazilian jazz irá, portanto, nessa pesquisa, ser adotado para identificar um gênero musical e seu mercado na década de 1980 na cidade do Rio de Janeiro. Muitos estudos sobre a trajetória artística da música popular brasileira foram realizados, a partir da década de 1980, porém, o enfoque tem sido, em maciças proporções, sobre a produção de música cantada. À música instrumental brasileira tem cabido um ínfimo espaço, cujos personagens são apenas citados ora aqui, ora ali pelos autores, e que, apesar de compartilharem trajetórias que se tangem, frequentemente não são objetos-foco do estudo. Dessa forma, o estudo da trajetória da música instrumental brasileira tendo como foco o Brazilian Jazz é um dos pontos onde reside o ineditismo e a relevância desse trabalho, uma vez que, comparado a outros estilos de música instrumental, dentro do mercado de música popular, como o choro ou o samba, por exemplo, ainda se encontra órfão. Com o objetivo de identificar os possíveis fatores que desencadearam a desaceleração do mercado de Brazilian Jazz, no início da década de 1990, no Rio de Janeiro, esta pesquisa analisará também: as percepções dos profissionais atuantes quanto às subsequentes perdas de espaços para o Brazilian jazz no mercado da música; as percepções dos profissionais atuantes quanto ao impacto do “Free Jazz Festival” no mercado do Brazilian jazz e investigará as causas que conduziram ao “declínio” do mercado de Brazilian jazz na década de 1990.
  • 17. 16 2 PROBLEMATIZAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DO OBJETO 2.1 Referencial teórico O objeto desse estudo é o mercado do Brazilian jazz, seu crescimento na década de 1980, seu auge no final dessa década e a perda de espaços, a partir da década de 1990. Esse tema trata tanto do aspecto estilístico, quanto do mercadológico. Em relação ao aspecto estilístico, esse é um tema que possui uma bibliografia rarefeita, tanto na esfera acadêmica, quanto na não acadêmica. Da esfera não-acadêmica, três publicações, complementares entre si, tangem o assunto em vários pontos, e serviram de embasamento teórico, fornecendo dados sobre aspectos históricos e culturais sobre o tema, dentro do contexto geral do quadro da música popular ao longo do último século: 1. O relato autobiográfico de Midani (2008)7, citado na introdução deste estudo, foi o ponto de partida que suscitou o início dessa investigação e o primeiro referencial teórico da investigação a respeito da mudança de direção da indústria fonográfica no final dos anos 1980 e início de 1990. Nesse trabalho, o autor revela, através do relato de sua própria vivência, aspectos relevantes relacionados tanto com a trajetória de artistas e músicos da música popular brasileira, quanto da indústria fonográfica. 2. O estudo de Calado (2007)8, que desfia uma a uma as matrizes de todas as vertentes do jazz nos Estados Unidos e suas interrelações sócio-econômicoculturais, para relacionar seus diferentes níveis de teatralidade. Ao tomar como sendo a mesma a matriz racial dos dois países, o autor traça um paralelo com o Brasil, onde encontra similaridades através dos antepassados comuns, e através dessa análise etnomusicológica percorre toda a história da música negra no país, onde reside também o jazz. 3. O ensaio do historiador Zuza Homem de Mello (2007)9 sobre a história das orquestras de jazz e das big bands no Brasil. Além de conduzir o fio histórico da influência do jazz no Brasil, esse trabalho resgata importantes nomes de 7 MIDANI, A. Música, ídolos e poder: do vinil ao download. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008. CALADO, C. O jazz como espetáculo. São Paulo: Perspectiva, 2007. 9 MELLO, Zuza Homem de. Música nas veias. São Paulo: Editora 34, 2007. 8
  • 18. 17 instrumentistas brasileiros desde a década de 1950 até meados de 1970, em um trabalho inédito. Esses dois últimos trabalhos contribuíram com dados para a formulação do capítulo, ”O jazz no Brasil até 1980: revisão histórica”. Dos trabalhos acadêmicos, tanto no campo da música quanto no campo da economia da cultura, três trabalhos foram igualmente importantes na construção dessa pesquisa: 1. A dissertação de mestrado em antropologia social da pesquisadora Morelli (2009)10, um dos poucos estudos sobre a indústria fonográfica no Brasil. O pesquisador Eduardo Vicente reconhece, na apresentação desse trabalho que: “num país tão apaixonado por música e com tantos títulos dedicados às trajetórias de artistas e segmentos musicais, são estranhamente raros os autores que se debruçaram sobre o estudo da indústria que possibilitou a eternização de suas obras.” Esse trabalho fornece um panorama seguro à respeito das transformações ocorridas nessa indústria no país, ditando os caminhos do mercado da música. 2. O capítulo “Economia da cultura e desenvolvimento: estratégias nacionais e panorama global”, de Ana Carla Fonseca Reis (2009)11 (Mestra - orientadora deste trabalho). Esse artigo traz um resumo, um panorama sobre o conceito de economia da cultura, de sua aplicação prática e de sua aplicação no país. Esse conceito foi importante no embasamento da análise dos aspectos que envolveram a trajetória do Brazilian jazz, das relações que propiciaram sua ascensão e sua dissolução. 3. O texto de Piedade (2005)12, “Fricção das musicalidades”, que, contrapondo-se à idéia de fusão ou sincretismo, amplamente aceita entre músicos, críticos e apreciadores do Brazilian jazz, apresenta a idéia de fricção, onde, no tenso diálogo com o jazz norte-americano, os elementos de cada gênero dialogam, mas não se misturam, fazendo assim uma distinção clara entre ambos. Piedade assume o termo jazz brasileiro como um gênero distinto, “inscrito na designação ambígua de música instrumental”. 10 MORELLI, Rita C. L. Indústria fonográfica: um estudo antropológico. 2.ed. Campinas: UNICAMP, 2009. REIS, Ana Carla Fonseca; MARCO, Kátia de (Org.). Economia da cultura: idéias e vivências. Rio de Janeiro: e-Livre, 2009. Disponível em: http://www.gestaocultural.org.br/pdf/economia-da-cultura.pdf. Acesso em: 15 jul. 2010. 12 PIEDADE, A.T. de Camargo. Jazz, música brasileira e fricção de musicalidades. In: CONGRESSO DA ANPPOM, 15., 2005, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro, 2005. 11
  • 19. 18 2.2 O jazz no Brasil até 1980: revisão histórica Os primeiros traços da penetração do jazz no Brasil datam do início do século passado, vindos através da influência assimilada por músicos brasileiros em excursões à França e aos Estados Unidos, em seu primeiro momento. Esse novo gênero musical, que crescia como uma febre avassaladora e animava os salões de dança no pós 1a. Guerra, na década de 1920, eram animados pelas Jazz bands, formações instrumentais destinadas à dança. No Brasil, a primeira formação a adotar o nome de Jazz band, foi a Jazz Band Brasil-América, liderada pelo saxofonista João Batista Paraíso, em 1923, e era formada por: piano, violino, saxofone, trombone, trompete, banjo e bateria. Encontrou aqui, entre seus primeiros seguidores, músicos de corporações militares e orquestras de baile. Para Carlos Calado13: Não deixa de ser significativo que no ano de 1921 tanto já existia em São Paulo a Jazz Manon, banda que animava bailes sob a direção do violinista Dante Zanni, como no Rio de Janeiro, também nesse ano, a Jazz Band do Batalhão Naval registrava em disco sua versão “Home Agen Blues”. Justamente por disporem de instrumentos de sopro, esses músicosmilitares figuram entre os primeiros a se interessarem pelo jazz. (CALADO, 2007, p. 235). A “Era do Jazz”, febre do charleston, fox-trot, one-step e do shimmy, se alastra pelo mundo. No Brasil, maxixes, tangos, sambas, choros orquestrados e foxtrots eram executados por essas Jazz Bands em sintonia com esse novo frenesi da dança e da música. “No Brasil não foi diferente. Jazz Bands proliferaram como sinônimo e substituto das orquestras de baile, aventurando-se o mais rápido possível no repertório dos novos gêneros e ritmos que surgiam.” (MELLO, 2007, p.72). Essa influência foi trazida na bagagem de seu pioneiro e do grupo instrumental brasileiro que mais sucesso alcançou no exterior nos anos 20, aquele que seria, por uma transposição direta da figura, nosso primeiro grande jazzman brasileiro: Alfredo da Rocha Vianna Júnior, o Pixinguinha. Em sua primeira turnê a Paris, em janeiro de 1922, com seu conjunto “Os Batutas” (do qual Donga era também integrante) teve, por seis meses, contato com o ragtime, o charleston e o 13 CALADO, Carlos. O jazz como espetáculo. São Paulo: Perspectiva, 2007.
  • 20. 19 shimmy, estilos da música popular norte-americana executados nos palcos parisienses da época. Esse contato com as Jazz bands que por lá passaram deixaram na carreira de Pixinguinha uma influência que nortearia em seguida toda sua trajetória: a paixão pelo saxofone, que passaria alternar com a flauta em idade mais avançada. No retorno do grupo ao país, Os Batutas passam a adotar então três instrumentos tradicionais do jazz em sua formação: o saxofone, o banjo e a bateria, e em 1923 passam a ser chamar Bi-Orquestra Os Batutas. No mesmo ano, já pode ser encontrado em seu disco dois fox-trots de sua autoria: “Ipiranga” e “Dançando”. Foram Inúmeras as Jazz Bands que surgiram no país, mais numerosamente no eixo Rio-São Paulo, Porto Alegre e também no Nordeste. No Rio, a orquestra do saxofonista Romeu Silva, representante da música dançante brasileira que excursionou a Europa em 1925, já havia gravado, desde 1923, cerca de 137 discos de 78 rpm pelo selo Odeon com sua orquestra Jazz Band Sul-Americana. Antes disso, a orquestra carioca Andreozzi, liderada pelo violinista Eduardo Andreozzi já havia gravado 21 discos também pela gravadora Odeon, entre 1919 e 1923. Ambas orquestras passam a década de 1920 e 1930 entre a Europa, a Argentina e o Brasil, excursionando, tocando em teatros e salões de dança. Em São Paulo, a Jazz Band Manon dominou o cenário o cenário dançante na década de 1920, chegando a multiplicar-se por vários grupos sob esse nome (MELLO, 2007). Em Campina Grande, o compositor, arranjador e pianista Capiba fundou, em 1926, a Jazz Band Campinense Club. Mais tarde, quando se mudou para João Pessoa fundou a Jazz Band Independência, que atuou de 1928 a 1930. Em 1931, o mesmo Capiba, fundava em Recife aquela que seria conhecida com Jazz-Band Acadêmica, formada exclusivamente por estudantes acadêmicos. Em Porto Alegre, o flautista Albino Rosa fundou a Jazz Espia só. Com o crack da bolsa de 1929 e a crise deflagrada nos Estados Unidos, a Era do Jazz submergia para dar lugar a uma nova onda de dança que surgia em proporções triplicadas, tanto no número de músicos nas orquestras, quanto em número de salões de dança. Era a explosão do swing nos Estados Unidos e na Europa. A Era do Swing inaugura também a era das Big bands, em lugar das antigas Jazz bands. O jazz deixa então de ser uma expressão de predominância negra entre seus frequentadores para se tornar também uma atividade de brancos, os novos frequentadores dos salões de dança, que eram animados nos Estados Unidos por
  • 21. 20 lendárias Big bands como a Count Basie Orquestra, a orquestra de Duke Ellington, Cab Calloway, Benny Goodman, entre outras. Violinos, violas e violoncelos foram abolidos e os instrumentos de sopro foram aumentados, compondo seções que dialogavam entre si. Estabeleceu-se um naipe de três ou quatro trompetistas sentados na última fileira, e outro à sua frente, de dois ou três trombonistas, permitindo-se uma certa autonomia entre ambos. De outra parte o número de saxofones saltou para três, possibilitando a emissão de três notas diferentes, o que teoricamente é o mínimo necessário para formar um acorde. […] O naipe de saxes foi guindado á posição de destaque no palco, à frente dos demais.[…] A seção rítmica também foi alterada, fixando-se a guitarra no 14 lugar do banjo e o contrabaixo acústico no da tuba. Esse fenômeno cultural fez com que os salões da dança se multiplicassem, e o seu novo e crescente público superlotasse os bailes nos Estados Unidos. Essa nova demanda impulsionou fortemente o crescimento da indústria fonográfica, da radiodifusão, e do cinema, e a expansão do jazz na América e na Europa. Amilton Godoy relata a sua história: O rádio estava dando os primeiros passos. Ouvia a Rádio Nacional, e a primeira vez que ouvi o Oscar Peterson tocar jazz no piano foi na Voz da América, um programa que ia ao ar depois da meia-noite, com aquele chiado todo. “Me perguntava: como é que esse cara toca isso?”, porque estávamos mais acostumados com a música erudita. Mais tarde um pouco, ouvíamos também orquestras americanas; meu pai gostava muito de Tommy Dorsey, com aquele som maravilhoso que ele tirava do trombone. Ouvíamos também o Artie Shaw, Gleen Miller, que era um sucesso, Stan Kenton e, um pouco mais a frente, a orquestra de Count Basie com uma banda bem avançada de jazz. Os discos chegavam com muito atraso no interior do Brasil. Nasci em 1941 e a Guerra terminou em 1945; então, fui 15 ouvir essas bandas e orquestras por volta de 1947, 1948. No Brasil, as primeiras orquestras da década de 1930, que já não utilizavam “jazz band” em seus nomes, foram montadas pela gravadora Columbia, que se instalou no Largo da Misericórdia, em São Paulo, resultado da associação do empreendedor paulista Alberto Byington com o americano Wallace Downey. Em São 14 MELLO, Zuza Homem de. Música nas veias. São Paulo: Ed.34, 2007. p. 92. GODOY, A. O nascimento da música instrumental brasileira. Revista Comunicação & entretenimento da USP, São Paulo, ano 12, n.3, p.92, set./dez. 2007. 15
  • 22. 21 Paulo, vários conjuntos sob a direção do maestro Odmar Amaral Gurgel foram montados para servir à gravadora, mas a mais proeminente foi a Orquestra Colbaz, dirigida pelo maestro que se tornou conhecido como Gaó. No Rio de Janeiro, a orquestra Pan American, de Simon Bountmann, era usada desde 1927 para as produções da gravadora e mantinha uma agenda repleta de bailes e gravações. Mas foi só em 1937 que o Maestro Gaó monta sua orquestra totalmente moldada nas Big bands americanas, desde a instrumentação até os figurinos: a Nova Orquestra Columbia, executando arranjos do maesto para Ary Barroso, Noel Rosa, Sinhô, tangos e fox-trots nos bailes dançantes, tiradas de ouvido pelo maestro dos discos de Benny Goodman, Tommy Dorsey, Duke Ellington e Glenn Miller. Gaó atuou com essa orquestra até 1940, quando foi levado para atuar no Cassino da Urca. Com a mudança de Gaó para o Rio de Janeiro, Totó e sua Orquestra ocupou o espaço vago deixado nesse mercado. No Rio de Janeiro, a mais destacada orquestra surgiu no ano de 1938, do saxofonista alagoano Otaviano Romeiro Monteiro, o Fon-Fon, com sua Orquestra Fon-Fon. Outras importantes orquestras montadas por músicos virtuosos nessa época são: a orquestra do clarinetista e compositor K-Ximbinho (Sebastião Barros) e a orquestra Zacharias, do saxofonista e clarinetista Aristides Zacharias. O período mais auspicioso das orquestras brasileiras, que durou quase um quarto de século, teve início por volta de 1936. No Rio, pelo menos oito emissoras mantinham orquestras regulares em seu cast, a saber: a Rádio Nacional, a Rádio Tupi, Rádio Mayrink Veiga, Rádio Transmissora, Rádio 16 Cruzeiro, Rádio Club do Brasil e Rádio Ipanema, depois, Rádio Mauá. Além das rádios e dos bailes, havia também, na década de 1940 no Brasil, os cassinos, que somavam uma enorme demanda de orquestras e bons músicos. Radamés Gnatalli, compositor, maestro, pianista e arranjador, um dos maiores nomes da música brasileira, tanto no gênero erudito quanto popular, já atuava fazendo arranjos para diversas orquestras da época, como a Fon-Fon, a Pan American, e outras, além da atuação nas rádios, e seu trabalho como compositor. Essa década foi marcada por grandes orquestras e grandes cantores com suas vozes poderosas. Além disso, o mundo ocidental já havia descoberto o Brasil, após os sucessos internacionais de Ary Barroso e Zequinha de Abreu, e se curvava 16 MELLO, Zuza Homem de. Música nas veias. São Paulo: Ed.34, 2007. p.103.
  • 23. 22 aos pés de Carmem Miranda. Ademais dos bailes e das atuações em cassinos, vale lembrar que essas orquestras também gravavam acompanhando cantores famosos da época, como a própria Carmem Miranda, Francisco Alves, Mário Reis, Vicente Celestino, entre outros. O fechamento dos cassinos produziu, na época, um monumental estrago na classe dos músicos profissionais no Brasil inteiro, mas apesar disso as orquestras continuaram em franca atividade no final dos anos 1940 e por toda a década de 50, atuando com assiduidade em bailes de formatura de colégios e universidades, em emissoras de rádio, nas gafieiras e em táxi-dancings (MELLO, 2007). Os táxidancings eram salões de dança frequentados por exímios dançarinos que iam em busca das dançarinas de aluguel, que trabalhavam a noite inteira como fonte de sustento, e se transformaram em local de propagação do jazz: Enquanto brilhavam nas pistas os mais notáveis “pés-de-valsa”, nos seus palcos deitavam e rolavam grandes instrumentistas, que não tinham tido a chance merecida na restrita duração dos discos de então, os bolachões de menos de quatro minutos em cada lado. Como no jazz, seus solos eram aplaudidos por aqueles frequentadores mais antenados em música do que 17 na tentativa de passar o final da noite com uma das bailarinas. Outro local de atuação de grandes músicos foram as gafieiras, salões das sociedades recreativas do Rio de Janeiro onde homens e mulheres em trajes de passeio podiam entrar livremente. Frequentados em sua maioria por negros e mestiços também foram palco de atuação de grandes orquestras, como a Elite gafieira ou a famosa Estudantina. Nas gafieiras se dançava o samba, ou a música de gafieira, dança oriunda do maxixe, como observou Tinhorão: Para atender aos arabescos coreográficos desse estilo – que nas gafieiras nada mais representaria do que a evolução do empernamentos propiciados pela antiga dança do maxixe – os modernos músicos de orquestra tipo jazz bands, sucessores dos conjuntos de choro, acentuaram gradativamente as síncopas, imprimindo às músicas um ritmo tão saltitante,que em breve a 18 dança de gafieira ficaria conhecida pelo seu puladinho. Já segundo Zuza Homem de Mello, o choro de orquestra, por sua proximidade com a dança carrega uma herança jazzística na sua execução. Um dos músicos de maior virtuosismo e importância nesse metiér foi o trombonista Raul de 17 18 MELLO, Zuza Homem de. Música nas veias. São Paulo: Ed.34, 2007. p.103. TINHORÃO (1976 apud CALADO, 2007. p.243).
  • 24. 23 Barros, compositor do choro “Na Glória”. Raul de Barros gravou seu primeiro disco em 1948 e em menos de seis anos, havia gravado mais de 20 discos. Para citar outras orquestras de grande atuação no eixo Rio-São Paulo, tais como, Orquestra Clóvis e Elly, Orquestra de Silvio Mazzuca, Orquestra Oscar Milani, Carioca e sua orquestra, Orquestra Edmundo Peruzzi, Orquestra Walter Guilherme, Orquestra do Maestro Simonetti, a Orquestra de Carlos Piper, Cipó e sua orquestra, entre outras. O nosso precioso clarinetista Paulo Moura, considerado em países da Europa como “Embaixador da música instrumental brasileira”, relata um pouco da influência jazzística na música brasileira em 1952, em sua própria experiência: Ainda este ano participei da efervescência do jazz no Brasil, com o Maestro Cipó, Dick Farney e K- Ximbinho, sempre como primeiro saxofone nas grandes formações lideradas por eles, no Theatro Municipal e no Copacabana Palace. O Maestro Cipó fazia arranjos privilegiando os trompetes nos agudos, o que produzia um efeito brilhante, inspirado em Dizzy Gillespi e Stan Kenton, enquanto o K-Ximbinho escrevia os seus arranjos de uma maneira mais suave, usando instrumentos como violoncelo e oboé, meio cool jazz. Dick Farney, grande pianista, preferia o estilo de 19 Dave Brubeck. Porém, existe uma orquestra, liderada pelo exímio clarinetista, compositor e arranjador pernambucano Severino de Araújo que, desde o ano de 1938, conduz a orquestra ainda em atividade mais antiga do mundo, a Orquestra Tabajara. Segundo Zuza Homem de Mello, a Orquestra Tabajara é a maior responsável pela fixação do gênero choro de orquestra como a música dançante genuinamente nacional, legando composições de grande repercussão para a época e para a posteridade, como “Um chorinho em aldeia” e “Espinha de bacalhau”. Por ela passaram grandes músicos que fizeram parte da história do jazz brasileiro, como os saxofonistas Zé Bodega, Paulo Moura, Juarez Araújo, Casé, entre muitos outros. Ainda citando Zuza, os músicos das orquestras brasileiras, ao utilizarem o desenho harmônico das composições para criarem suas próprias versões das melodias de outrem, estariam fazendo jazz, por conta de seus vocábulos e atitudes. As jazz bands brasileiras e as Orquestras foram, portanto, as primeiras etapas do desenvolvimento do jazz no Brasil. Estabeleceram e cristalizaram padrões musicais comuns e fixaram linguagens da música popular brasileira das décadas 19 MOURA, Paulo. Paulo Moura: biografia. Disponível em: http://www.paulomoura.com/sec_biografia.php. Acesso em: 05 ago. 2010.
  • 25. 24 seguintes. Na década de 1950 a influência do bebop, que encontrava seguidores principalmente entre os músicos ávidos por se desenvolver, incentiva um estilo cada vez mais virtuosístico de tocar. Esses mesmos músicos que se reuniam nessa época para tocar jazz, também já começavam a ensaiar o que seriam os primeiros ventos da bossa nova, tocando composições dos jovens Johnny Alf e Tom Jobim. Nesta época eu ensaiava, nas tardes de sábado, em casa de minha família, na Rua Barão de Mesquita. O João Donato fazia as composições e eu ensaiava os sopros: entre eles, o Bebeto do Trio Tamba que ainda tocava saxofone. O baterista era o Everardo Magalhães Castro, Luiz Marinho no baixo acústico, João Luis no trombone. Johnnny Alf às vezes nos visitava para mostrar algumas composições, como "Rapaz de Bem". A Bossa Nova ainda não tinha estourado, mas já se anunciava no meio musical. Johnny Alf, que acabara de gravar seu primeiro disco solo, nos 20 falava sobre um arranjador muito bom e desconhecido, o Tom Jobim. Nesse mesmo ano, 1953, um trabalho inédito surgia em Los Angeles, a semente daquilo que veio a ser conhecido como samba-jazz: o violonista Laurindo de Almeida e o saxofonista Bud Shank gravaram o LP “Brazilliance”. Neste trabalho, uma literal uma novidade revolucionária surgia: improvisações sobre o repertório brasileiro em linguagem jazzística. Outro lançamento revolucionário precursor do samba-jazz foi o LP “Turma da Gafieira”, com Altamiro Carrilho(flautas), Zé Bodega e Maestro Cipó (saxes-tenor), Raul de Souza (trombone), Sivuca (acordeão), Baden Powell (violão), José Marinho (baixo) e Edison Machado (bateria). 21 Nessa nova atmosfera, surgia um ambiente musical mais comprometido com a busca de novas linguagens, que exprimissem um maior virtuosismo dos músicos, e mesclassem novos elementos. Novas formações instrumentais surgiam com o objetivo de tocar jazz e com elas, o samba-jazz se consolidava como um novo estilo que mesclava o samba e a bossa nova com o jazz, cujo termo é adotado ainda hoje. Segundo Godoy: Os bons músicos sempre procuraram desenvolver novos e criativos caminhos para poder expor sua musicalidade. Desde antes da bossa nova, em 1958, alguns excelentes instrumentistas já se antecipavam na busca de uma linguagem jazzística brasileira. Tive a oportunidade de tocar durante dois anos no Quinteto de Jazz do Casé – apelido de José Ferreira Godinho Filho, considerado o melhor saxofonista daquela geração e grande 20 MOURA, Paulo. Paulo Moura: biografia. Disponível em: htto://www.paulomoura.com/séc_biografia.php Acesso em: 05 ago. 2010. 21 RAFAELLI, José Domingos. A história do samba jazz. Disponível em: http://ensaios.musicodobrasil.com.br /josedomingosraffaelli-ahistoriadosambajazz.htm. Acesso em: 12 ago. 2010.
  • 26. 25 precursor desse caminho musical, que acabou sendo denominado de samba-jazz. O estilo pressupunha composições com suingue (balanço) brasileiro, muitas improvisações com temas sustentados por sofisticadas harmonias e com grande variedade rítmica totalmente inspirada em nossas raízes e em nosso folclore. Conseqüentemente, o músico precisava ter vasto conhecimento musical e total domínio do seu instrumento para poder 22 participar dessa proposta . A interação dos músicos que já haviam assimilado as inovações musicais da bossa nova e do jazz acontecia na noite do Rio de Janeiro e de São Paulo, e resultava na busca de novas linguagens, mixando elementos musicais e experimentando novas formações instrumentais. Ronaldo Bôscoli (apud CALLADO, 2007, p. 245), em depoimento dado a José Eduardo Homem de Mello, elucida muito bem sobre a questão da influência do jazz: Acho que a formação de quase todo mundo da bossa nova é de jazz. Aliás, formação benéfica, pois é a maior expressão popular de todos os tempos. Detesto esta distinção de autêntico. Autêntico, como diz o Tom, é o jequitibá. Ninguém é autêntico. Todas as correntes se interligam, se comunicam. Se buscarmos as raízes reais da coisa, teremos que fazer música de índio: bateria não é brasileira, pandeiro não é brasileiro. Menescal e Lyra, todos tiveram grande contato com o jazz. A partir do ano de 1958, uma mudança começa a ocorrer, com a batida do violão de João Gilberto ecoando pelo mundo e o boom da bossa nova: as novas casas noturnas frequentadas pelos consumidores da música ao vivo, nas boates e nos bares (por exemplo, o Beco das Garrafas ou o Cantinho da Fofoca), estão mais em sintonia com o ambiente intimista que surgia. Foi nessa época que muitos músicos, que posteriormente seriam representativos da vanguarda do Brazilian Jazz da década de 1970, iniciaram suas carreiras. Nesse novo momento da música popular brasileira uma característica fundamental a distingue da fase anterior: a bossa nova não é mais para dançar, e sim para ouvir. Todo o excesso que outrora caracterizava a escola de canto da música popular brasileira fora substituído por uma atitude mais introspectiva, contida, econômica. A interação de músicos americanos com a bossa nova nesse período também foi fundamental: segundo Rafaelli, em março de 1962, o saxofonista Stan 22 GODOY, A. O nascimento da música instrumental brasileira. Revista Comunicação & entretenimento da USP, São Paulo, ano 12, n.3, p.92, set./dez.2007.
  • 27. 26 Getz, com o LP "Jazz Samba" com o quarteto do guitarrista Charlie Byrd alcançou a marca de venda de um milhão e 600 mil cópias na primeira semana. 23 Os trios de Bossa nova se tornaram então uma febre no Rio e em São Paulo. O Zimbo Trio, formado em 1964 pelo pianista Amilton Godoy, o baixista Luiz Alves e o baterista Rubens Barsotti, alcançou estrondoso sucesso desde seu primeiro disco lançado, intitulado Zimbo Trio, alcançando o primeiro lugar em vendas de discos no Brasil, ficando por seis meses nas paradas de sucessos, e alcançando cotação máxima na maior revista americana especializada em jazz, a Downbeat. Participou da primeira edição do Free Jazz Festival, festival internacional que aconteceu de 1985 a 2001 no eixo Rio-São Paulo e Porto Alegre-Curitiba. Marcos Ariel, em entrevista para o presente trabalho, afirma a respeito da bossa nova: Porque uma das grandes forças da bossa nova era o lado instrumental, o Tom Jobim mesmo compunha a maioria das músicas: ele fazia os temas, depois vinha alguém e botava letra, e tinha a força dos trios da bossa nova, era muito forte [...] aqueles grupos da bossa nova. Na trilha do Zimbo Trio, vieram outros trios formados por músicos não menos competentes, como Jongo Trio (Cido Bianchi- piano, Sabá – baixo e Toninho – bateria), Tamba Trio (Luiz Eça – piano, vocal e arranjos, Bebeto Castilho – baixo, flauta e vocais e Hélcio Milito – bateria, percussão e vocais), Sambalanço Trio (César Camargo Mariano – piano, Humberto Cláiber – baixo e Airto Moreira – bateria), o Bossa Três do pianista Luiz Carlos Vinhas, entre outros. Esses trios ajudaram a sedimentar o Samba-jazz, e aquilo que mais tarde seria chamado de Brazilian Jazz. A partir de 1965, quase todos os maiores compositores da bossa nova já haviam se mudado para os Estados Unidos, e a Jovem Guarda, a música do iê-iê-iê, era a febre que assolava o país. [...] muitos da Bossa Nova – Tom, Bonfá, João Gilberto, Eumir Deodato, Oscar Castro Neves, Sérgio Mendes, Walter Wanderley – preferiram mudar-se para os Estados Unidos, alguns por longas temporadas, outros para ficar, Pela primeira vez, uma geração inteira de músicos brasileiros 24 era confrontada com o dilema de Dick Farney. 23 RAFAELLI, José Domingos. A história do samba jazz. Disponível em: http://ensaios.musicodobrasil.com.br/ josedomingosraffaelli-ahistoriadosambajazz.htm. Acesso em: 12 ago. 2010. 24 CASTRO, Ruy. Chega de saudade. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. p. 391.
  • 28. 27 É certo que a emigração de expoentes brasileiros no final da década de 1960 para os Estados Unidos pode ter causado um desfalque no casting musical brasileiro, mas causou também uma importante interação entre a música brasileira – diga-se de passagem, objeto de muita admiração nesse país - e os músicos americanos interessados em assimilar essa nova bossa. A seguir, traço a trajetória de alguns artistas que, no final da década de 1960 levaram a música brasileira, instrumental e vocal, para estrear em Festivais de jazz europeus e gravações nos Estados Unidos, exportando a vanguarda do Brazilian jazz. Durante a década de 1970, a música popular brasileira contemporânea, como foi também chamada nesse período, se enriquece de experimentalismos, tangendo diferentes linguagens, se diferenciando de correntes anteriores como a bossa nova e o bebop, se aproximando de elementos nacionalistas, e buscando uma nova autenticidade. O baterista e percussionista Airto Moreira, depois de atuar na noite de São Paulo desde os dezesseis anos, integrando o Sambalanço Trio com Cesar Camargo Mariano e o Quarteto Novo com Hermeto Paschoal, foi se juntar a sua futura mulher, a cantora Flora Purim, em 1967, nos Estados Unidos. A partir de Nova York, construiu uma das carreiras mais coroadas de êxito da história de músicos brasileiros, tendo tocado e gravado com os maiores ícones do jazz, como: Miles Davis, Wayne Shorter, Dave Holland, Jack de Johnette, Chick Corea, entre muitos outros, e ainda, tendo trabalhado como produtor e bandleader com Quincy Jones, Herbie Hancock, George Duke e Paul Simon. Ficou conhecido nos anos 1970 e 1980 como um dos percussionistas mais populares do mundo. Seu trabalho como percussionista influenciou dezenas de músicos no Brasil e no mundo, e ao lado de Flora Purim, é um dos grandes representantes do gênero Brazilian Jazz. A cantora Flora Purim, que se mudou para os Estados Unidos em 1967, já havia gravado um disco solo no Brasil em 1964, pela RCA Victor, e frequentado o efervescente Beco das Garrafas. Trabalhou ao lado de Stan Getz e Gil Evans, e no início da década de 1970 integrou o conjunto Return to forever, excursionando pelos Estados Unidos. Em 1973 partiu para a carreira solo tendo lançado nove discos ao longo dessa década, ao lado de Chick Corea, Hermeto Paschoal, Carlos Santana e muitos outros. Foi eleita a melhor cantora de jazz dos Estados Unidos por quatro anos consecutivos, de 1974 a 1977. Nos anos 1980, a maior parte da sua discografia foi ao lado de seu marido, Airto Moreira, e convidados. Em setembro de
  • 29. 28 1990 voltam ao Brasil para, no Rio e São Paulo, integrando a United Nations Orchestra, liderada por Dizzy Gillespie, participando do Free Jazz Festival. Hermeto Paschoal é, sem dúvida, um dos nomes mais importantes a serem mencionados na trajetória da música brasileira e do Brazilian Jazz. Tendo chegado no Rio de Janeiro em 1958, tocou sanfona no Regional de Pernambuco do Pandeiro (na Rádio Mauá), piano no conjunto e na boate do violinista Fafá Lemos e, em seguida, no conjunto do Maestro Copinha (flautista e saxofonista), no Hotel Excelsior. Em 1961 mudou-se para São Paulo atraído pelo mercado de trabalho e atuou em diversas casas noturnas. Formou nessa década um trio com o baterista Airto Moreira e Cleiber no baixo, o Sambrasa Trio, aonde já tocava flauta também. Mas foi com o “Quarteto Novo” que Hermeto chamou a atenção do país para sua linguagem inovadora, tocando piano e flauta ao lado de Heraldo do Monte na viola e guitarra, Airto Moreira na bateria e percussão e Théo de Barros no baixo e violão. Venceram um Festival com “Ponteio”, de Edu Lobo, e Hermeto ganhou diversos prêmios como arranjador. Em 1969 viajou para os EUA e gravou com eles dois LPs a convite de Flora Purim e Airto Moreira, atuando como compositor, arranjador e instrumentista. De volta ao Brasil, gravou o LP "A música livre de Hermeto Pascoal", com seu primeiro grupo, em 1973. Em 1976 retorna para os Estados Unidos para gravar o álbum “Slave Mass”, um álbum referencial da música brasileria, e mais alguns trabalhos com Flora e Airto. A partir daí, Hermeto se torna figura indispensável em festivais de jazz do mundo todo, e sua genialidade e excentricidade são reconhecidas na Europa e nas Américas. A década de 1980 foi extremamente frutífera em sua carreira, tendo lançado seis álbuns, com o grupo que o acompanharia por toda essa década, e adentrando a de 1990, sendo: Itiberê Swarg no baixo, Jovino Santos no piano, Carlos Malta nos sax e flauta, Márcio Bahia na bateria e percussão e Pernambuco na percussão. Em 1987, se apresenta com seu grupo no Free Jazz, no Rio e em São Paulo. Em 1992, viaja à Europa para o lançamento do LP “Festa dos Deuses”. De 1996 a 1997, registra uma composição por dia para seu “Calendário do Som”, lançando em 1999. Continuou produzindo ao longo da década de 2000, e a partir de 2002, quando conhece a cantora Aline Morena, com passa a residir, monta com ela um trabalho de duo, lançando um CD e DVD intitulados, “Chimarrão com rapadura”. Sua música, de linguagem livre e inovadora, é fonte de influência e inspiração para músicos do mundo inteiro.
  • 30. 29 Egberto Gismonti, outro músico representativo do Brazilian jazz, conhecido por seu virtuosismo e perfeccionismo, também iniciou sua carreira sobre a influência da bossa nova, lançando seu primeiro disco, em 1969, Egberto Gismonti. Nos anos 1970, Egberto se volta para a música instrumental, realizando experimentações no campo música atonal, o que dificultou sua relação com o mercado brasileiro, levando-o a realizar diversos lançamentos por selos europeus. Sua música mescla raízes da música folclórica brasileira com o erudito, o choro e a música eletrônica, divididas em diversas fases. Violonista, compositor e arranjador de primeira linha, Egberto se manteve na Europa, vindo ao Brasil somente para realizar shows e participar de festivais, e possui, em sua discografia, mais de 60 discos lançados em três décadas. Egberto, na década de 1980, recomprou os direitos de suas composições, tornou-se um dos únicos compositores do país dono de seu próprio acervo, e relançou uma parte de sua discografia pelo seu próprio selo, Carmo.25 Em 1976 é um dos principais artistas do Projeto Trindade, da diretora Tânia Quaresma e do músico Luiz Keller. O sucesso da carreira de Sérgio Mendes, desde o lançamento de Sérgio Mendes & Bossa Rio, disco considerado básico no instrumental da bossa nova em 1964, até o sucesso alcançado no Brasil e no exterior com “Brazil´66” e posteriormente “Brazil´77”, também podem ser considerados elementos formadores do contexto musical brasileiro da década de 1970, mesmo que esse sucesso tenha acontecido praticamente no exterior. Sérgio Mendes lançou, apenas na década na década de 1970, a marca de 14 LPs! Sua música influenciou a geração de 1970 e abriu caminho para a música brasileira contemporânea, resultado de uma fusão de elementos da bossa nova, do samba e do jazz. O maestro, arranjador, clarinetista e saxofonista Paulo Moura é sem dúvida, um dos maiores ícones da música brasileira por seu virtuosismo e versatilidade, e esteve presente em todas as fases música instrumental brasileira desde a década de 1950, tanto na esfera erudita, quanto popular. Ainda em 1959 entra como primeiro clarinetista para a orquestra do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, onde se mantém até o ano de 1978. Em 1969 inicia uma estreita amizade com o maestro e pianista Wagner Tiso, e, ao lado também do baterista Paschoal Meireles e do baixista Luiz Alves, lança o LP “Paulo Moura e Quarteto”, pela gravadora Equipe, aproveitando 25 Egberto Gismonti. Disponível e: http://pt.wikipedia.org/wiki/Egberto_Gismonti. Acesso em: 23 jul. 2010.
  • 31. 30 um momento da retomada do jazz agora para um público mais amante e sofisticado. Em seguida integram o grupo o saxofonista Oberdan Magalhães, o trombonista Constâncio e o trompetista Darcy da Cruz (depois substituído por Márcio Montarroyos) formando o Hepteto Paulo Moura, que lança no mercado mais três LPs: “Mensagem”, “Pilantocracia” e “Fibra”. Nesses trabalhos já se pode perceber nitidamente o espírito dos músicos da década de 1970, que já se queriam se desprender das sonoridades da década anterior e buscavam uma mistura que já seria a vanguarda do Brazilian jazz. O próprio Paulo Moura relata: “Estes trabalhos tinham intenção de dar seqüência a um som instrumental da bossa nova, inspirado na sonoridade dos Jazz Messengers e Horace Silver.”26 Em 1976, Paulo Moura lança o LP “Confusão urbana suburbana e rural”, pela RCA Victor, que é considerado um marco na música instrumental brasileira contemporânea, pela mistura da percussão afro-suburbana a instrumentistas de sopros de Big bands e aos chorões. Apesar do sucesso deste LP, a RCA-Victor revogou o contrato com Paulo Moura, em 1977, por razões desconhecidas. Em 1981, porém, grava pela Gravadora Kuarup (gravadora que atuava no segmento da música instrumental nessa época), o LP “Consertão”, ao lado de Heraldo do Monte no violão, Arthur Moreira Lima ao piano e o cantor Elomar Figueira de Mello. Na década de 1980, Paulo estreita sua relação com a gafieira, e se torna o referencial da vertente contemporânea do gênero até o final de sua vida. Em 1984: "Mistura e Manda”, gravado pela Kuarup, torna-se uma referência nacional e internacional, tal como anteriormente "Confusão Urbana Suburbana e Rural", ao reunir um repertório dançante de Gafieira, com uma mescla de instrumentistas e gêneros musicais: Zé da Velha (trombone), Mané do Cavaco (cavaquinho), Jorginho do Pandeiro, Maurício Carillho (violão), Raphael Rabello (sete cordas), Cesar Farias (violão) e Joel do Nascimento (bandolim). A esta formação tradicional de choro, Paulo Moura acrescenta mais dois cavaquinhos (Carlinhos do Cavaco e Jonas Pereira) e dois percussionistas (Neoci de Bonsucesso e Jovi Joviniano), registrando assim 27 sua concepção de choro afro-brasileiro, choro negro. Em 1986, lança outro LP pela Kuarup, Gafieira etc. e tal, com o grupo que se apresentava nas gafieiras do Parque Lage, e se apresenta na segunda edição do Free Jazz Festival. Em 1988 lança o LP, também pela gravadora Kuarup, “Quarteto 26 27 Paulo Moura. Disponível em: http://www.paulomoura.com/sec_biografia. Acesso em: 06 ago. 2010. Ibid.
  • 32. 31 negro”, com Jorge Degas (baixo), Djalma Corrêa (percussão) e Zezé Motta (atriz e cantora). Paulo Moura segue a década de 1990 trabalhando com a mesma versatilidade das décadas anteriores. Em 1996 o selo Tom Brasil lança “Paulo Moura e Wagner Tiso”, uma compilação de interpretações ao vivo de ambos durante as excursões da Série “Brasil Instrumental CCBB". Paulo Moura teve uma carreira extremamente produtiva ao longo de sua vida, e nem todas as suas gravações e realizações foram citadas aqui, mas aquelas mais representativas do período estudado.
  • 33. 32 3 ASPECTOS METODOLÓGICOS 3.1 Seleção dos sujeitos, amostra e coleta de dados O capítulo que se segue relata a trajetória desta pesquisa e da metodologia aplicada, que se iniciou com a leitura do livro de André Midani, no mês de junho de 2010, no Rio de Janeiro. Já era do conhecimento da pesquisadora na ocasião a ausência de bibliografia sobre o Brazilian jazz, e que a pesquisa, de caráter pioneiro, teria que ser realizada então por meio de uma investigação de campo, o que pareceu o instrumento mais eficaz. Em seguida à leitura do livro de André Midani, outros livros que foram fundamentais para instrumentalizar melhor a respeito da trajetória da música brasileira e seus gêneros, e da indústria fonográfica: além dos que já foram relacionadas no capítulo Referencial teórico deste trabalho, inclui-se Ouvindo estrelas, do megaprodutor Marcos Mazzola, e Chega de saudade, de Ruy Castro. Uma vez definida que a metodologia adotada seria o trabalho de campo realizado através de entrevistas semi-estruturadas em profundidade, percebeu-se que a coleta de dados teria que se dar in loco e ser heterogênea: os sujeitos deveriam possuir similaridade por serem provenientes do mesmo meio, mas serem distintos quanto às suas profissões, para que se pudesse buscar a comprovação da hipótese através de diferentes vivências e ângulos de visão. Essa seleção foi feita na busca de uma maior abrangência de opiniões a respeito do impacto das multinacionais como fator modificador do mercado percebida por diferentes profissionais de uma mesma área e atuantes na mesma época. O primeiro passo então foi elaborar uma primeira lista de nomes a serem entrevistados, dentre os próprios contatos pessoais da autora e outros que seriam importantes. O objetivo era o de realizar uma investigação empírica realizada por meio de entrevistas com profissionais do meio musical em geral, que tivessem sido agentes participantes desse mercado a partir da década de 1970 na cidade do Rio de Janeiro, para descobrir quais foram os fatores que desencadearam a desaceleração do mercado de Brazilian Jazz no início da década de 1990.
  • 34. 33 Para cada entrevistado foi elaborado um roteiro contendo entre nove e onze perguntas, a partir de um estudo prévio de seu currículo, contribuições e trajetória. O roteiro pautou a entrevista, que foi conduzida de forma parcialmente estruturada, composta de perguntas abertas e fechadas. As questões fechadas tiveram o propósito de dar objetividade à pesquisa, enquanto as abertas buscaram valorizar o discurso do entrevistado. A questão central sob a qual se apóia a hipótese, ou seja, a idéia de que a nova estratégia que as gravadoras multinacionais passaram a aplicar no mercado brasileiro a partir da década de 1990 tendo impactado profundamente o mercado do Brazilian jazz, foi a única questão comum a todas as entrevistas. As entrevistas foram gravadas em uma handycam digital, com prévia autorização do entrevistado, e serão, após a análise, arquivadas. Os roteiros de cada entrevista se encontram em anexo. Para a seleção dos sujeitos foi realizada uma mesclagem de duas fontes: a primeira, a seleção feita dentre os próprios contatos da autora e a segunda, o escopo “bola-de-neve”, ou seja, a indicação de importantes contatos que foram sendo feitas pelos entrevistados, ao longo das entrevistas. Foram realizadas no total doze entrevistas. Não foi definido para essa pesquisa um número exato de entrevistas para seu encerramento, dado que o escopo das entrevistas em profundidade era de caráter qualitativo. Essa segunda parte talvez tenha sido a mais importante do trabalho, uma vez que, sem ela, não teria havido possibilidade de acesso a alguns personagens de notável importância como o crítico e historiador Zuza Homem de Mello, ou o empresário Manolo Camero, ex-presidente das gravadoras Tapecar, RCA e BMG-Ariola e ex-presidente da ABPD (Associação Brasileira de Produtores de Discos). A distinção acerca das fontes foi pensada com o objetivo de fornecer vivências, percepções e ângulos de visão distintos acerca do mesmo objeto: foram ouvidos músicos, produtores, empresários e historiadores atuantes no cenário da música brasileira nas décadas de 1980 e 1990. A primeira entrevista realizada foi com a pianista/cantora/arranjadora /compositora Délia Fischer. Délia foi atuante nesse mercado com o trabalho que veiculava na época intitulado Duo Fênix, ao lado do pianista Cláudio Dauelsberg, com três discos lançados nesse mercado pela gravadora RCA. Délia Fischer indicou o nome de André Gardenberg, ex-produtor do Festival Free Jazz, em todas as suas 15 edições, com quem apesar de não ter concedido uma entrevista formal – travouse conversas informais sobre o assunto, além da indicação gentilmente do nome de
  • 35. 34 Zuza Homem de Mello, Em seguida, sucedeu-se a entrevista do pianista/compositor Marcos Ariel, nome representativo do gênero Brazilian jazz na década de 1980 com vários discos lançados no mercado à época, criador e diretor musical da casa de shows Jazzmania. Essa casa foi um importante espaço localizado em cima do restaurante Barril 1800, no Arpoador na década de 1980, dedicado a atrações nacionais e internacionais do gênero, tendo sido ponto de encontro de grandes músicos entre 1982 e 1996. Marcos Ariel gentilmente cedeu os matérias de jornal que ilustram este trabalho. A partir de então, vieram os músicos Wilson Meirelles, Mike Ryan, Jurim Moreira e Cláudio Dauelsberg, A entrevista do Sr.Manolo Camero proporcionou a análise da trajetória de um trabalho artístico da época, o Duo Fênix, numa visão bilateral: de um lado, a visão dos músicos desse trabalho, também entrevistados, Délia Fischer e Cláudio Dauelsberg; de outro, a visão do empresário da gravadora. Sua contribuição foi valiosa no ponto de vista dos empresários das gravadoras, fornecendo um ângulo distinto na visão do aspecto mercadológico da questão. Nesse meio tempo, foi realizada também a entrevista da experiente produtora Valéria Colela, que atua desde a década de 1970, com produções tanto na área de MPB como na área instrumental, e, atualmente, é produtora da casa de shows Canecão. Em seguida o pianista e arranjador Gilson Peranzzetta me recebeu para uma entrevista em sua casa, da qual participou também gentilmente a produtora Eliana Fonseca, experiente produtora na área de Brazilian jazz desde a década de 1970, produtora dos shows no antigo Parque da Catacumba, tradicional por seus shows de música instrumental. Em seguida, o entrevistado foi o já citado Sr. Manolo Camero. A entrevista seguinte foi realizada na cidade de São Paulo, no apartamento do jornalista/critico/historiador de música, Zuza Homem de Mello, tendo produzido resultados bastante enriquecedores para uma visão geral do assunto. 3.2 Análise do material produzido e aspectos éticos Metodologia de análise do material A análise do material produzido se deu em três etapas: a decupagem, a categorização e a construção do texto final. A primeira etapa consistiu em assistir
  • 36. 35 aos vídeos da entrevistas, decupando os assuntos, marcando os tempos e anotando citações mais relevantes para a resposta as questões suscitadas ao longo da construção da análise dos resultados. Em seguida, foi feita uma revisão das citações anotadas, transcrevendo-as nas categorias determinadas: espaços destinados ao Brazilian jazz nessa época, atuação da indústria fonográfica, perda dos espaços, percepção dos entrevistados acerca do Free Jazz e da atuação dos próprios artistas, e outras que se mostraram especialmente importantes. E a última etapa, a construção da discussão tendo como base os assuntos abordados nas diversas entrevistas, e as citações transcritas, sem abusar ao mesmo tempo de sua utilização no texto. Aspectos éticos Alguns cuidados éticos foram tomados ao longo desse trabalho: • Não comentar falas ou opiniões de um entrevistado para outro. • Não colocar a opinião da entrevistadora ao entrevistado. • Respeitar qualquer desejo de apagar ou retirar determinada fala da câmera, durante a entrevista ou mesmo posteriormente a ela (felizmente, isso não aconteceu em nenhum momento). • Requisitar, no momento da entrevista, a assinatura do TCLE (Termo de Compromisso Livre e Esclarecido). Todos os termos se encontram assinados em anexo ao presente trabalho. • Confirmar a autorização do entrevistado em citar seu nome no ato do contato junto a outro entrevistado por ele recomendado. • Arquivar o material produzido, mantendo-o confidencial e não cedendo-o para terceiros nem fazendo qualquer outra utilização que não fosse para essa pesquisa sem prévia autorização por escrito do entrevistado.
  • 37. 36 4 ANÁLISE DAS ENTREVISTAS E CONTEXTUALIZAÇÃO DOS RESULTADOS: O MERCADO 4.1 O Cenário a partir de 1970 4.1.1 As tendências herdadas e consolidadas na indústria fonográfica A década de 1970 foi muito profícua para a indústria fonográfica no Brasil. Nesta década, as gravadoras cresciam a uma taxa média anual de 15% (MORELLI, 2009, p.61), e o mercado tomava algumas diferentes direções com relação a década anterior, em função das transformações políticas e econômicas que se desencadearam a partir de 1968. O contexto da repressão política em que o país se encontrava, desencadeado a partir da implantação do AI-5, em 1968, foi para o mercado da música no Brasil, um vetor que propiciou uma mudança de direção decisiva, direção essa que vinha sendo impulsionada pelos ventos do desejo de transformações político-sócio-culturais que algumas das tendências da música popular brasileira vinham apresentando, com Geraldo Vandré, Chico Buarque e outros artistas da MPB, na linha das canções de protesto. E com a Tropicália, no conceito de que a linguagem estética já é ela própria um instrumento social revolucionário. Esse cenário do final da década de 1960 iria logo se dividir e apontar as tendências consolidadas na década de seguinte: Depois do festival da Record, com o lançamento dos Lps de Gil e Caetano, com suas entrevistas desafiadoras, suas apresentações anárquicas na TV, não havia mais nenhuma dúvida que alguma coisa forte estava acontecendo, em sintonia com Glauber e Zé Celso e em rota de colisão 28 com a música de Edu, Chico, Dory, Francis, Vandré e Milton. A rota de colisão a que se refere Nelson Motta é a MPB versus Tropicália. Porém, essa divergência estilística não irá fazer muita diferença um pouco mais 28 MOTTA, Nelson. Noites tropicais: solos, improvisos e memórias musicais. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. p.168.
  • 38. 37 adiante, tanto de um lado como de outro. O que de fato passou a comandar foi a censura, e o que se definiu no cenário da MPB a partir da implantação do AI-5 não podia fazer frente ao sistema vigente até meados de 1970. Os anos da ditadura vieram a sufocar toda uma produção de música popular brasileira que oferecesse alguma forma de oposição ao regime militar, exilando artistas, censurando obras, e desmantelando qualquer organização que pudesse apresentar algum tipo de voz contra o sistema então estabelecido. Ora, a MPB que apareceu nos festivais dos anos finais da década de 1960 estava inserida num ambiente de debates, trocas e encontros, e é dessa forma que ela surgiu coesa no país. Com seu desmantelamento pela máquina da ditadura, a indústria fonográfica se vê também obrigada a procurar soluções para seus mercados. Por essa razão, a indústria fonográfica adentra a década de 1970 na busca por novas tendências, que não se utilizassem letras de protesto e que não estivessem articuladas, possíveis de se veicular em um mercado dominado pela repressão política. Uma dessas tendências foi a Jovem Guarda, o iê-iê-iê de Roberto e Erasmo, que na década de 1960 ganha espaço e força na virada dos 1970, pelo seu esvaziamento de comprometimento político-social. No vácuo da ditadura outra tendência se estabelece: Wilson Simonal explode pelo país, alcançando estrondoso sucesso no mercado com sua música cheia de groove, influenciada pelo funk e soul music norte-americanos. Porém, o lugar de grande embaixador da soul music no Brasil a partir dessa década estaria reservado para Tim Maia, que explode à nível nacional, um pouco mais tarde, seu primeiro mega sucesso “Descobridor dos sete mares”, hit nas paradas de sucesso até os dias de hoje. As gravadoras viram no Brasil um promissor mercado nesse segmento e, ao final da década de 1960, razões econômicas definem essa tendência que se estabeleceu: era muito mais fácil para as grandes gravadoras lançarem no Brasil produtos que já haviam sido gravados no exterior, importando apenas a master, que entravam no país como “amostras sem valor comercial”, do que arcar com as despesas de gravação de um disco aqui. Apesar dessa prática ser ilegal no país, ela foi tolerada pelas autoridades competentes da época (MORELLI, 2009). Além disso, seu custo mais baixo de produção produzia também um produto com um custo inferior ao LP, acessível ao consumidor jovem das classes mais humildes, de menor poder aquisitivo. Para essa nova faixa de público, que não tinha
  • 39. 38 dinheiro para comprar LPs, o produto mais consumido passa a ser o Compact Disc, que vinha com apenas uma música de cada lado. É muito importante nesse ponto verificarmos essa característica de consumo: o consumidor que ouvia seu sucesso preferido na sua rádio habitual encontrava nesse produto uma possibilidade real de consumo, pois o produto oferecia exatamente a música que ele desejava, por um custo que ele podia pagar. Nessa relação, a efemeridade do sucesso do hit deve ser proporcional à capacidade da indústria de lançar novos produtos, que por sua vez deve ser proporcional à velocidade do público em consumi-los. Essa espiral só tende a se acelerar cada vez mais, e a engordar com cada vez mais investimentos. Prova disso é o volume crescente de participação desse segmento durante a década de 1970: no primeiro semestre de 1972, quatro dos cinco primeiros lugares dos Compact Discs mais vendidos no país são de música estrangeira, e, entre 1972 e 1975, o total de lançamentos de música estrangeira atinge a média de 47% dos lançamentos totais. A música estrangeira está presente no país desde o início da instalação das indústrias fonográficas no Brasil, porém, é na década de 1970 que seu crescimento de vendas assume proporções galopantes. No mês de abril de 1978, ultrapassa a marca de 53% dos lançamentos (ABPD apud MORELLI, 2009). Nesse mesmo ano encontra seu auge (ano do encerramento do AI-5), e estoura com a febre da discoteca, lançada pelo filme de John Travolta, “Os embalos de sábado à noite”, e “reproduzidas em versão brasileira pela gravadora WEA, com as Frenéticas, e pela Rede Globo de Televisão com “Dancin Days”. (MORELLI, 2009, p.69). É importante lembrar também que esse produto era extremamente conveniente ao ambiente político-social da ditadura, e representava para as gravadoras um investimento seguro nesse terreno. A escolha pela música americana também não foi aleatória: essa era a origem da maioria das multinacionais instaladas no país à época, e a consolidação desse mercado também será, na segunda metade dessa década, razão da instalação de novas multinacionais. Portanto, no início da década de 1970, no auge dos anos da ditadura, a indústria fonográfica americana, ao dar continuidade a seu processo de expansão de mercado para além de suas fronteiras, encontra no brasileiro um consumidor em potencial para seus produtos, não só importando as masters, como também fabricando artistas aqui, que mesmo sendo brasileiros se fazem passar por
  • 40. 39 americanos, ajudando a ampliar significativamente o público consumidor de discos no país, e alavancar o crescimento da indústria fonográfica nessa década. A consolidação da música americana no mercado brasileiro é irreversível e sua considerável participação no mercado fonográfico prossegue até os dias de hoje, a despeito do fim da indústria fonográfica nos moldes anteriores. As razões para esse processo de hibridização cultural fogem, entretanto, aos objetivos dessa pesquisa. Paralelamente, o segmento de Música Popular Brasileira também estava em crescimento no início da década de 1970. Apesar do cenário sombrio que a ditadura impôs, causando nas gravadoras uma incerteza quanto aos riscos de se investir em artistas engajados politicamente, e os festivais tivessem encerrado o melhor capítulo de sua história em 1972 - com exceção da Phono73, festival sem caráter competitivo produzido pela gravadora Phillips com seu cast de estrelas da MPB em ocasião da inauguração do Complexo do Anhembi, em São Paulo, numa ação ousada contra a ditadura. De acordo com o jornalista Tom Cardoso: “o festival reuniu uma constelação de talentos da MPB e foi um verdadeiro soco no estômago da ditadura.”29 Um dos fatores primordiais que propiciaram esse crescimento é relatado na entrevista do Sr. Manolo Camero, ex-presidente das gravadoras RCA e BMGAriola e da Associação Brasileira de Produtores de Discos: “na ocasião da ditadura militar, na segunda metade da década de 1960, a mudança da legislação permitindo o uso do ICMS em favor de artistas, compositores e músicos brasileiros, tanto nas rádios quanto nas vendas de produtos musicais, foi o incentivo fiscal que fez, em dez anos, um mercado dominado predominantemente pela música estrangeira (americana, primeiramente) vir a ter a música brasileira acima da música internacional, em termos de vendagem e circulação”. Essa mudança da legislação em meados de 1960 vai acelerar o mercado de música brasileira na década seguinte. Nesse período, porém, nos anos finais da década de 1960, o empresário André Midani, gerente-geral da Phillips-Phonogram na ocasião, afirmou que, entre 1968 e 1969, artistas de seu cast de celebridades nacionais, como Elis, Gil, Caetano, Gal e Os Mutantes, ainda vendiam apenas entre cinco e dez mil cópias de cada um de seus lançamentos.30 Segundo Midani, nesse 29 30 CARDOSO, Tom. Valor Econômico, São Paulo, 27 jun. 2003 apud Midani (2008, p.157). MIDANI, André. Música, ídolos e poder: do vinil ao download. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008. p.116.
  • 41. 40 momento, a gravadora administrava a “política quase deficitária” de sua divisão de prestígio, a Phillips, com os lucros que a Polydor, sua marca popular, gerava. Essa política interna da companhia nesse período deve ser analisada como a estratégia que Midani adotou para levantar uma gravadora que, até um ano antes disso, em 1967, quando foi convidado para assumir sua direção, acumulava doze anos de déficit e um cast de 155 artistas (MIDANI, 2008).31 Apesar disso, a Phillips já era considerada, no final dessa década, como “uma grande companhia que vendia qualidade com grande sucesso”.32 No entanto, os artistas mais visados durante a ditadura, entre eles Nara Leão, Caetano Veloso e Gilberto Gil estavam já exilados, e Midani temia pelo futuro de seus outros artistas, pelo futuro da gravadora, e pelo seu. Foi então, que ele se perguntou: -“e se exilarem também a Elis?”33 A solução para contornar esse problema veio de uma manobra espetacular de Midani, ao conseguir das matrizes da companhia na Holanda e em Hamburgo, o dinheiro necessário para financiar as gravações dos artistas exilados em Londres e na Itália. E, assim, continuou a lançar no mercado as novas produções de Gilberto Gil, Caetano Veloso, e depois, a contratação e gravação de Chico Buarque, mesmo no exílio. A ousadia de Midani foi um ato de inestimável importância para a sobrevivência de grandes nomes da Música Popular Brasileira, frente à política vigente das gravadoras afetadas pela ditadura: Contando assim, tão simplesmente, pode parecer fácil viajar de cá para lá, gravar aqui, gravar lá; porém, colocando-se na perspectiva do Brasil em 1970, quando as distâncias entre os continentes pareciam maiores, quando as comunicações telefônicas internacionais eram incipientes, num momento em que o país estagnava intelectual e mentalmente, isolado pelo regime militar, a gravação desses discos foi um ato moderno e um fato novo no comportamento da indústria fonográfica brasileira. O lançamento teve um efeito fulminante, ainda mais pelo excesso de timidez das outras 34 gravadoras nas relações com Brasília. A Phillips teve Midani à sua frente até 1975 como responsável pelos principais lançamentos de artistas brasileiros e pela difícil manutenção de seu cast num clima de muita dificuldade que a Phonogram brasileira encontrava para aprovar 31 MIDANI, André. Música, ídolos e poder: do vinil ao download. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008. p. 108. Ibid., p.118. 33 Ibid. 34 Ibid., p.120. 32
  • 42. 41 as letras de suas canções, driblar a censura, suportar as pressões dos militares da ditadura e se manter no mercado nesse período. “De 12% de participação de mercado em 1968, a Phonogram rapidamente chegou aos 21%. Já em 1973, era a primeira do mercado. E de 8 a 10% de perdas, subimos para 18% de lucro ao ano.”35 Em 1976, André Midani é convidado para lançar a WEA no Brasil, e marca uma fase da de muitos investimentos em carreiras de artistas brasileiros. A WEA (sigla que com as iniciais dos selos Warner, Elektra e Atlantic), se lança no mercado brasileiro à procura de novos artistas de talento para formar seu cast. A razão disso está na visão de André Midani sobre a companhia: “a multinacional do disco tinha que ser importante localmente para ser forte internacionalmente”. 36 Midani levou para a Warner o produtor Mazzola, com quem já havia trabalhado na Phillips e lhe ofereceu o cargo de diretor artístico. Como produtores estavam Nelson Motta, Liminha, Guti de Carvalho e Sérgio Cabral. O setor de promoção era o encarregado por Leonardo Neto, pelo atual empresário de Marisa Monte e Adriana Calcanhoto. Foi com essa equipe que a Warner entrou no mercado brasileiro, lançando um cast renovado de artistas brasileiros que irão consolidar suas carreiras ao longo da década de 1980, como Baby Consuelo (atualmente Baby do Brasil), Pepeu Gomes, Marina, Raul Seixas, Banda Black Rio, A cor do som, lançando também álbuns de artistas já consagrados, como Paulinho da Viola, Elis Regina e João Gilberto. O prosseguimento do trabalho com a Elis Regina, nesse momento na Warner, legou memoráveis momentos a música brasileira, como a noite de Elis Regina, Cesar Camargo Mariano e Hermeto Paschoal no Festival de Montreux em 1979. A “noite brasileira” instituída no Festival de Montreux por intermédio de André Midani, foi uma importante porta de divulgação da música brasileira fora do país, e se tornou uma instituição permanente na carreira de artistas brasileiros até os dias de hoje. 37 Essas duas vertentes, a música americana e a MPB, são as principais responsáveis pelo grande crescimento que a indústria fonográfica começa a dar nessa década no Brasil. A década de 1970, porém, é apenas o começo do crescimento dessa indústria. 35 MIDANI, André. Música, ídolos e poder: do vinil ao download. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008. p.146. Ibid., p.177. 37 Ibid., p.184. 36
  • 43. 42 4.1.2 A música instrumental Paralelamente ao crescimento da MPB, a música instrumental vinha ganhando força no cenário brasileiro. Essa tendência não fazia frente à ditadura – uma vez que era instrumental – apesar dos ventos da distenção política estarem começando a soprar na segunda metade dessa década. O sucesso da carreira de Sérgio Mendes, Paulo Moura, Egberto Gismonti e Hermeto Paschoal, entre outros instrumentistas, é notável no Brasil e no exterior, e chama a atenção de algumas gravadoras que começam a abrir espaço a esse segmento. Em junho de 1976, André Midani inaugura a entrada da WEA no Brasil com os discos Slave Mass, de Hermeto Paschoal, e Urubú de Tom Jobim, ambos gravados em Los Angeles. Outros dois grupos, que foram notáveis nesse período e que também foram gravados pela WEA, foram “A cor do Som”, que resgatava elementos do choro, e Azymuth, todos também gravados em Los Angeles. Um mérito especial deve ser atribuído ao Grupo Azymuth: o primeiro grupo brasileiro a se apresentar no Festival de Montreux, numa noite dedicada ao jazz fusion, em 1977. Isso aconteceu através do contato de André Midani enquanto gerente-geral da Warner, com Claude Nobs, criador desse festival, e este show foi o ponto de partida para que esse festival passasse a ter todos os anos, uma noite dedicada à música brasileira, inaugurando uma tradição anual que se mantém até os dias de hoje. Em seguida, outra produção instrumental da WEA foi a Banda Black Rio, que desenvolveu a soul music instrumental brasileira, pioneira na fusão do samba com a soul music, que já havia consolidado seu mercado na zona norte do Rio de Janeiro nessa época, através de lançamentos da Motown e da disco music. As razões pela qual a WEA assumia uma produção da Banda Black Rio parecem claras: a recém-instalada gravadora no Brasil procurava estar a par de todo movimento que envolvesse um público consumidor jovem. Além disso, esses fatores se aliam ao objetivo de André Midani de que a gravadora deveria possuir também um cast de artistas nacionais, além de seu catálogo de música norte-americana. A música negra norte-americana já havia dominado esse mercado jovem consumidor de menor poder aquisitivo do país, que trazia implícita em sua música a bandeira do orgulho negro norte-americano, que encontra ressonância de identidade no Brasil.
  • 44. 43 Dessa forma, parece natural que a população passe a se apropriar de elementos desse estilo, realizando um processo de hibridização cultural: A popularização da música soul no Brasil aconteceria a partir daquilo que ficaria conhecido como os “bailes da pesada”, no início da década de 1970. Tais bailes reuniam centenas e muitas vezes milhares de jovens (em sua maioria negros e mestiços) e eram realizados em diversos pontos do subúrbio do Rio de Janeiro. O crescimento do fenômeno apontou para o surgimento de um novo movimento cultural, que seria batizado pela imprensa carioca de “Black Rio” (FRIAS, 1976, p.1), tendo o mesmo um papel 38 relevante no reencontro com a identidade negra brasileira. A banda, então, gravou três discos com a produção de Mazzola: o instrumental “Maria Fumaça” (1976), que se tornou um álbum referencial da música brasileira instrumental, “Gafieira Universal” (1978) e “Saci Pererê” (1980) além de ter sido convidada a participar de outros discos como o de Luiz Melodia e Caetano Veloso, este último gravado ao vivo chamado “Bicho Baile Show”. A banda continuou fazendo shows no início da década de 1980, inclusive nas pistas de dança inglesas. Teve, porém, uma repentina interrupção devido à morte de seu criador, o saxofonista Oberdan Magalhães, em um acidente de carro, em 1984. Devido a esta interrupção, a banda ficou fora de atividade e só voltou depois de 15 anos através do filho de Oberdan, William Magalhães, pianista, tecladista, arranjador e produtor. Esses elementos da soul music norte-americana que a Banda Black Rio introduziu na música instrumental brasileira ainda na década de 1970 também influenciaram a formação do músico da década de 1980. Nesta década, a formação característica dos trios e conjuntos da Bossa Nova ou das Big bands foi gradualmente substituída por outra formação, mais alinhada com o que acontecia no momento: a formação básica de quarteto (piano, baixo, bateria, e sax/flauta) é mantida, porém a guitarra, o trompete e a percussão são acrescentados. A guitarra em função do rock (o que acontece também, no mesmo período, na Tropicália) e do jazz fusion americano. O trompete em função do cool jazz e das outras correntes jazzísticas posteriores, e a percussão é o elemento de latinidade, de raiz, característico desse período da música brasileira. Outro exemplo de aquecimento desse segmento de mercado foi a série “Música Popular Brasileira contemporânea”, uma série de LP´s instrumentais de 38 GUIMARÃES, Celso. Banda black Rio: transformações do samba na década de 1970. In: CONGRESSO DA ANPPOM, 17., 2007, São Paulo. Anais... São Paulo, 2007.
  • 45. 44 artistas brasileiros lançada pela Phillips-Polygram entre 1978 e 1980 que ilustra bem essa mudança de formação instrumental, apresentando características musicais que, apesar de ainda pertencerem ao rótulo de música popular brasileira contemporânea, já são a vanguarda do Brazilian jazz, pois muitos músicos que dela participaram firmaram suas carreiras na década seguinte, como Nivaldo Ornellas, Célia Vaz e Nelson Ayres. O Projeto Trindade, da diretora Tânia Quaresma e do músico Luiz Keller, realizado entre 1976 e 1979, foi um projeto pioneiro, ousado e comprometido com a música instrumental brasileira do final da década de 1970. Foi concebido em duas etapas: foram filmados 12 curtas, cada um tendo a trilha sonora composta por um músico brasileiro de destaque, feita especialmente para o projeto. Através de viagens realizadas nas cinco regiões brasileiras eram gravadas as imagens que iriam compor a “trilha visual”. Na volta de cada etapa das viagens eram realizados shows no Rio de Janeiro, com os instrumentistas, onde também eram projetadas as imagens colhidas nas diferentes localidades. Ao final da realização dos curtas foi montado o primeiro longa-metragem 35mm sem falas do Brasil (o áudio era apenas musical), intitulado “Trindade curto, caminho longo”. Além disso, foi lançado um LP duplo com faixas de todos os artistas envolvidos e um almanaque contando as etapas do projeto. Foram realizados shows de lançamento do filme e do LP no Brasil e no exterior. Dentre os patrocinadores do projeto estavam a Petrobras e o Banco do Brasil. Nessa mesma época, em 1977, estava havendo na cidade do Rio de Janeiro uma retomada do choro e de ritmos brasileiros por uma nova geração de jovens músicos que se reuniam em bares e botequins da cidade. Um desses pontos foi o “Cantinho da fofoca”, em Botafogo, e outro surgiu no Bar e Restaurante Barril 1800, no Arpoador, ponto que ficou conhecido por abrigar no andar de cima, alguns anos mais tarde, o lendário Jazzmania, em dezembro de 1983. No Barril 1800, em 1977, houve um projeto organizado pela dupla que alguns anos depois seria a mesma que fundaria e administraria o Jazzmania, o pianista Marcos Ariel e Luis Antônio Cunha, chamado “A música que os músicos querem fazer”, com apresentações informais de jovens regionais de choro, como o “Pessoal do Cantinho da Fofoca”, “Anjos da madrugada” e “Éramos felizes” e também músicos já consagrados, como Paulo Moura e Márcio Montarroyos, às segundas-feiras. O
  • 46. 45 projeto aconteceu por três meses, ganhou matérias de jornal, e foi o embrião do que seria, na década seguinte, o lugar mais tradicional do jazz no Rio de Janeiro. Figura 1 - Matéria publicada no Jornal do Brasil em 03/01/1977. O aquecimento desse segmento no mercado da música, somado ao prestígio que a música brasileira já havia conquistado no exterior com a Bossa Nova e vinha conquistando também ao longo da década de 1970 com a contemporânea música instrumental brasileira, favoreceu o surgimento dos primeiros grandes
  • 47. 46 festivais de jazz realizados no país: o Festival de Jazz de São Paulo, no Anhembi, realizado em 1978 e 1980 pela TV Cultura, que teve como um dos programadores o crítico e historiador Zuza Homem de Mello. O entrevistado Zuza Homem de Mello afirma que a importância desses festivais reside principalmente no fato de eles terem sido transmitidos na íntegra pela TV Cultura, sem edição das imagens. E relata: “esses dois primeiros tiveram uma importância muito grande justamente porque eles abriram horizontes para músicos que estavam começando e para músicos, digamos, que já estavam a caminho de uma consagração.”39 Esses festivais, ainda segundo Zuza, contribuíram para enriquecer o mercado de música instrumental na década de 1980. No Rio de Janeiro, também no ano de 1980, foi realizado o Rio Jazz Monterey Festival. Esses festivais injetaram ânimo nos jovens músicos da geração que chegava à década de 1980 em busca de atuar num mercado que já se mostrava existir e que dava sinais de consolidação. 39 Zuza Homem de Mello, em entrevista feita em 29/07/2010.
  • 48. 47 AÉCIO FLÁVIO & QUARTEZANATO - MÚSICA POPULAR BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA (LP/1980) Aécio Flávio BAIAFRO - MÚSICA POPULAR BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA (LP/1978) Djalma Corrêa LUIZ CLÁUDIO RAMOS - MÚSICA POPULAR BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA (LP/1980) Luiz Cláudio Ramos MUTAÇÃO - MÚSICA POPULAR BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA (LP/1981) Célia Vaz NELSON AYRES - MÚSICA POPULAR BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA (LP/1978) Nelson Ayres NIVALDO ORNELAS - MÚSICA POPULAR BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA (LP/1978) Nivaldo Ornelas OCTÁVIO BURNIER - DANÇA INFERNAL - MÚSICA POPULAR BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA (LP/1979) Octávio Burnier ROBERTINHO SILVA - MÚSICA POPULAR BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA (LP/1981) Robertinho Silva STENIO MENDES - MÚSICA POPULAR BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA (LP/1980) Stenio Mendes TRILHOS - MÚSICA POPULAR BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA (LP/1980) Túlio Mourão Figura 2 – Lista de LP´s lançados pela Phillips na série “Música popular brasileira contemporânea