Este documento apresenta a monografia de conclusão de curso de Danniel Madson Vieira
Oliveira sobre o processo de territorialização da soja no município de Balsas, no sul do
Maranhão. A monografia foi orientada por Roberta Maria Batista de Figueiredo Lima e Maria
da Glória Rocha Ferreira e analisa como a expansão da sojicultura transformou a região de
Balsas, anteriormente dedicada à pecuária extensiva.
“ADMIRÁVEL” SERTÃO NOVO: o processo de territorialização da soja no município de Balsas, Sul do Maranhão
1. UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE GEOCIÊNCIAS
CURSO DE GEOGRAFIA
DANNIEL MADSON VIEIRA OLIVEIRA
“ADMIRÁVEL” SERTÃO NOVO: o processo de territorialização da soja no município
de Balsas, Sul do Maranhão
São Luís
2011
2. DANNIEL MADSON VIEIRA OLIVEIRA
“ADMIRÁVEL” SERTÃO NOVO: o processo de territorialização da soja no município de
Balsas, Sul do Maranhão
Monografia apresentada ao Curso de
Geografia da Universidade Federal do
Maranhão, para obtenção do grau de
Licenciatura Plena e Bacharelado em
Geografia.
Orientadora:
Profª. Drª. Roberta Maria
Batista de Figueiredo Lima.
Co-orientadora:
Profª. Drª. Maria da Glória
Rocha Ferreira.
São Luís
2011
3. Oliveira, Danniel Madson Vieira.
“Admirável” Sertão novo: o processo de territorialização da soja
no município de Balsas, sul do Maranhão/ Danniel Madson Vieira
Oliveira. – São Luís, 2011.
166 f.
Impresso por computador (fotocópia).
Orientadora: Roberta Maria Batista de Figueiredo Lima.
Co-orientadora: Maria da Glória Rocha Ferreira.
Monografia (Graduação) – Universidade Federal do Maranhão,
Curso de Geografia, 2011.
1. Geografia econômica – Maranhão 2. Territorialização 3.
Fronteira agrária 4. Sojicultura – Balsas – MA I. Título.
CDU 911.3:33 (812.1)
4. DANNIEL MADSON VIEIRA OLIVEIRA
“ADMIRÁVEL” SERTÃO NOVO: o processo de territorialização da soja no município de
Balsas, Sul do Maranhão
Monografia apresentada ao Curso de
Geografia da Universidade Federal do
Maranhão, para obtenção do grau de
Licenciatura Plena e Bacharelado em
Geografia.
Aprovada em 19/12/2011.
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________________
Profª. Roberta Maria Batista de Figueiredo Lima (Orientadora)
Drª. em Geografia
Universidade Federal do Maranhão
___________________________________________________
Profª. Maria da Glória Rocha Ferreira (Co-orientadora)
Drª. em Geografia
Universidade Federal do Maranhão
___________________________________________________
Prof. Josoaldo Lima Rêgo
Dr. em Geografia Humana
Universidade Federal do Maranhão
___________________________________________________
Profª. Maristela de Paula Andrade
Pós-Drª. em Antropologia
Universidade Federal do Maranhão
5. Às matriarcas da minha pequena Grande
família: Rita Marise Santos Vieira, minha
querida mãe; tia Rita de Cássia Santos
Vieira; e minha avó, Ercília Santos Vieira;
mulheres,
mães,
professoras,
pedagogas,
costureiras, donas-de-casa... que me ensinaram
(e ensinam) a ser quem sou – uma combinação
de alguns dos seus reflexos. Ao meu irmão
Raphael
Madson
Vieira
Oliveira,
que
sempre me deu força e acreditou em mim.
Em memória ao meu avô e padrinho Sebastião
José Vieira, arquétipo de vida para família, ao
qual temos divertidas lembranças e saudades
eternas.
6. “Esta é a forma como se representa o anjo da história. Sua face está virada para o passado.
Onde nós percebemos uma cadeia de eventos, ele vê uma catástrofe única que se mantém
empilhando destroços e os lança violentamente em frente aos seus pés. O anjo gostaria de ficar,
acordar os mortos, e tornar inteiro o que foi esmagado. Mas um temporal está vindo do
paraíso; ele foi capturado em suas asas com tal violência que não pode mais fechá-las. Este
temporal o empurra irresistivelmente para o futuro para o qual ele volta as costas, enquanto
que a pilha de entulhos à sua frente cresce em direção ao céu. Esse temporal é o que
chamamos de progresso.” (WALTER BENJAMIN, 1940 apud MICHAEL BURAWOY, 2006,
p. 09, grifos meus).
“[...] Todas as relações fixas e cristalizadas, com seu séquito de crenças e opiniões tornadas
veneráveis pelo tempo, são dissolvidas, e as novas envelhecem antes mesmo de se
consolidarem. Tudo que é sólido e estável se volatiliza, [desmancha no ar], tudo o que é
sagrado é profanado, e os homens são finalmente obrigados a encarar com sobriedade e sem
ilusões sua posição na vida, suas relações recíprocas.” (KARL MARX & FRIEDRICH
ENGELS, 2009, p. 48, grifo meu).
“Homo homini lupus” (o homem é o lobo do homem). (TITO MÁCIO PLAUTO, 230 a 180 a.C
apud THOMAS HOBBES DE MALMESBURY, O Leviatã, 1651).
“A colonização fabrica colonizados assim como fabrica colonizadores.” (ALBERT
MEMMI, 2007, p. 9).
“[...] Era a conquista que avançava. Eram os caminhos do gado que,
devassando terras, vasculhando rios, expulsando e dizimando índios, ocupavam
os sertões [...].” (MARIA DO SOCORRO COELHO CABRAL, 2008, p. 85,
grifos meus).
“Vocês que fazem parte dessa massa
Que passa nos projetos do futuro
É duro tanto ter que caminhar
E dar muito mais que receber
E ter que demonstrar sua coragem
A margem do que possa parecer
E ver que toda essa engrenagem
Já sente a ferrugem de comer”
(ZÉ RAMALHO, Admirável Gado Novo).
“O mundo rápido avançou
Trocaram o homem por máquina
O emprego se acabou
A escravidão no Brasil
Apenas se modernizou
[...]
Os homens sem instrução
São vistos como inconstantes
A necessidade obriga
Se tornarem migrantes
Pra onde forem viram vítimas
Dos poderes dominantes”
(PEDRO COSTA, repentista piauiense e membro da Academia Brasileira de
Literatura Cordel).
“A visão de que o Nordeste seria apenas uma região-problema, uma região de
seca e miséria, foi colocada em ‘xeque’ nas últimas décadas do século XX [...].”
(LUÍS GUSTAVO de L. SALES; RICÉLIA M. M. SALES, 2010, p. 97).
“[...] toda essa dinâmica envolve a inversão de um processo migratório
dominante até os anos 80: agora são os sulistas que, numa extensão de uma
vasta ‘rede regional’ construída no interior do Brasil, ‘invadem’ o Nordeste.”
(ROGÉRIO HAESBAERT, 2002, p. 368, grifo meu).
“Sou um homem de causas. Vivi sempre pregando, lutando, como um cruzado,
pelas causas que comovem. Elas são muitas, demais: a salvação dos índios, a
escolarização das crianças, a reforma agrária, o socialismo em liberdade, a
universidade necessária. Na verdade, somei mais fracassos que vitórias em
minhas lutas, mas isso não importa. Horrível seria ter ficado ao lado dos que
nos venceram nessas batalhas.” (DARCY RIBEIRO, O Brasil como problema,
grifo meu).
7. AGRADECIMENTOS
À Deus, por tudo!
Agradeço aos meus familiares, por sempre acreditarem em mim e estarem
disponíveis quando necessitei. À minha amada mãe, a Dona Rita, mãe “solteira”, que cria a
mim e meu irmão abdicando dos seus sonhos para realizar os nossos (espero um dia realizar
seus sonhos), agradeço por tudo, do dom da vida aos puxões-de-orelha. Ao meu irmão,
Raphael Madson, que acima de tudo está sempre do meu lado e me superestimando. Vovó
Ercília, engraçada, amorosa e uma super-avó. Tia Cássia, minha grande tia, que me ensinou
nos tempos de criança (C.E. San Sebastian) e que sempre dá conselhos durante as reuniões de
família. Aos meus primos Marival Júnior e Rayan Cássio, que me “consideram” bastante e a
reciprocidade é a mesma. Vovô Sebastião, que há dez anos foi embora, mas deixou 70 anos de
ensinamentos para família.
Ao meu pai, Lilico, meus irmãos Matheus e Samuel, à irmã Jéssica e tia Silvia,
uma nova família.
Ao Alberto (Beto), companheiro da minha mãe, amigo e sempre prestativo. À tia
Geralda, minha madrinha, minha segunda mãe, que sempre está disponível, me ajuda em
viagens e sempre com presentes inesquecíveis. À prima Silvinha, que com suas histórias
alegra a família inteira.
Ao meu primo Genilson (Preto), à prima Anilde, ao Souto, à Sabrina e seu irmão,
Júnior, que me ajudaram em um momento crucial para obter bons resultados no processo
seletivo para o mestrado.
Aos meus amigos de infância, que não viam a hora de eu terminar esta
monografia e voltar à vida social em demasia: Thálius, Felipe e André, assim como seus
familiares, Seu Sérgio, Dona Glorinha, Iahel, Seu João, Dona Edna, Dona Eunice, que aturam
nossas conversas altas em altas horas (depois de 16 anos de convivência somos uma família).
Ao seu Washington, que sempre patrocinou nossas equipes nas feiras culturais
sem pedir nada em troca.
À tia Belinha, tio Jáder, tia Concita, Ricarda e Janaína, por todos os anos juntos.
À Francilene e Cléia, pessoas excepcionais e que ajudaram muito em casa para
que tivesse tempo para estudar.
8. Aos meus queridos e leais amigos, Bob e Marley (este último em memória), que
dormiam ao pé da mesa do computador, latiam, choravam, mordiam o cabo de internet ou me
adulavam enquanto digitava esta monografia.
Aos amigos da época da escola, do Colégio Aprovação, que foram marcantes para
mim, muitos ainda vão aos encontros da turma, seis anos após o “fim”: Ariana, Ana Paula,
Irley, João Vítor, Jéssica, Halana, Andréia, Enyale, Dadson, Sílvia, Nathalie, André, Mary,
Bárbara, Fabricio Yotsumoto, Lúcio, Luciano, Leonam, Marlison e Fabrícyo Cotrim.
Aos meus amigos e ex-alunos do Curso Agadá e do Geoalpha, por tudo que
aprendi, em especial ao Eraldo, Gilson Leite, Jadeílson, Gilmara, Jaílce, Saul, Jairo e Diana.
Aos amigos da UFMA: Marcos (Marcola, muito engraçado!), Raymonds
(Raimundo), Felipe, Diego, Liana, Bruno, Jordiana, Thiago Mena, Thadeu, Jorgiel, Michelle,
Kívia, Ideneílson, Kerline, Marly, Stanley e Maurício.
Aos amigos da GEOTEC, com os quais convivi à base de muita descontração e
momentos marcantes de pressão, pessoas muito competentes e que levo no coração: Ana
Lenira, Yata Big Boy, Carol, Vítor, André, Thiago Teles, Valdir, Glecieles, Gleyciane,
Benedito Alex, Josélio e Gissely.
Aos amigos do GERUR: Diana Katedral, Socó o poeta (Erinaldo), Anna, Thays,
Renan, Aline, Adielson, Alex.
Aos amigos e amigas do NERA: Lenôra, Francisca, Richard, Ricardo,
Alexsandra, Elizeu, Carol, Karolina, Juscinaldo, Anita, Silveli e Juan.
Ao pessoal do NEPA: Ulisses, Taíssa, Josué, Thiago Diniz, Jefferson, Jeremias,
Lívia, Gislan e Hellen.
Aos eternos amigos, cujas discussões e momentos juntos muito me ajudaram a ser
quem sou e pensar como penso: José Arnaldo, Tiago Silva e Hudalet Oliveira.
Às meninas e ao menino, com quem a gente sai sem vontade de voltar: Andreia,
Karini, Cleane, Lorenna, Ediana, Elen, Lícia, Cláudia, Camila, Helayne, Auricélia e
Nascimento.
Aos amigos do projeto de extensão: Alysson, Geovane, Perla, voluntários e
voluntárias de outros cursos, comunidade escolar Antonio Ribeiro e toda comunidade do Sá
Viana, especialmente aos pescadores.
Aos funcionários/técnicos da Coordenação de Geografia: Núbia, Sahra, Rodrigo,
Benigna, Dona Florize (em memória) e especialmente ao Herbet Santos, cujos papos
políticos, declarações, históricos, aproveitamentos e comprovantes de matrícula fluem
“brincando”.
9. À Larissa, Letícia e sua família, sempre prestativas quando precisei.
Aos mestres:
A todos(as) professores que já tive, pessoas muito importantes na minha vida;
Às minhas grandes orientadoras, minhas mães na UFMA (como costumamos
chamar as orientadoras): professora Roberta e Glória que ajudaram-me a superar momentos
difíceis, ensinaram os atalhos para os acertos, a quem dedico grande parte desta monografia
também;
Ao professor Josoaldo, imprescindível ao me orientar para o mestrado e em vários
outros trabalhos, com simplicidade sempre;
Aos professores e professoras do curso de Geografia da UFMA: Cláudio, Cícero,
Arnaldo, Ronaldo, Washington, Cordeiro, Ediléa, Shirley, Maurício, Batista, Wanderson,
Fernanda, Benedito (Biné), Igor, Antônio José, Jorge Hamilton, Juarez Diniz, Irecer,
Marcelino, Alexandre e Márita;
Aos professores do curso de História da UEMA, dos quais tenho grande
admiração, principalmente por Henrique Borralho e Márcia Milena;
Ao professor Trovão, que tive a honra de conviver durante o estágio bacharel no
IMESC;
Aos professores do curso de Ciências Sociais da UFMA, com quem aprendi a ser
um novo geógrafo, especialmente Maristela e Biné;
Ao professor Acioli Fernandes, do Núcleo de Cultura Linguística (NCL/UFMA),
e à professora Carmem, do IEF Idiomas, cujos ensinamentos foram imprescindíveis para bons
resultados na seleção ao Mestrado em Geografia da UFF.
Ao professor Edgar, em memória.
Enfim, ao povo de Balsas, ao sertanejo, “antes de tudo, um bravo”!!!
10. RESUMO
Dentre os estudos coetâneos em voga nas Ciências Humanas/Sociais são de peculiar
sobrepujança para Geografia aqueles sobre as diversas territorialidades. O processo de
modernização concomitante às resistências no campo passou a ser analisado de várias formas,
inclusive através da discussão sobre outro processo indissociável: o avanço/encontro e
consequente imbricamento-sobreposição/conflito-antagonismo entre diferentes identidades,
territórios e fronteiras tecnológicas – a des-re-territorialização. A territorialização da soja na
fronteira sul do Maranhão, especificamente no município de Balsas, entre 1990 a 2010, foi
elencada como objeto deste estudo monográfico com o objetivo de analisar esta amálgama de
processos numa área bastante dinâmica para o agronegócio vinculado à soja no Brasil. As
mudanças culturais e o processo de territorialização do capital recentes em Balsas, decorrentes
da introdução dos novos padrões sócio-econômico-culturais e espaciais, foram inseridos a
partir da “instalação” da agricultura moderna da soja e do migrante sulista neste município.
Para entender este processo buscou-se: inicialmente fazer uma revisão bibliográfica a partir
das categorias “Migração”, “Territorialização”, “Espaço”, “Tempo”, “Globalização”,
“Identidade”, “Modernidades”, “Modernização”, “Eurocentrismo” e “Racionalidades”; em
seguida, interrelacionar a teoria e o contexto de modernização das áreas propícias ao cultivo
de soja no Cerrado e Amazônia brasileiros, cujas ponderações foram embasadas nas
categorias “Papel do Estado”, “Fronteira”, “Rede Política Agroindustrial”, “Território”, “Desre-territorialização” e “Multiterritorialidade”; e por fim, refletir sobre as temáticas “Fronteira”
e “Des-re-territorialização” a partir da sua inserção no contexto histórico contemporâneo do
município de Balsas para: constatar as consequências culturais e econômicas do processo de
expansão da sojicultura nas últimas duas décadas (1990 – 2010); identificar as possíveis
tensões geradas a partir de diferenciações sócio-culturais ocorrentes entre a população local e
a população migrante no município supracitado; conhecer os principais motivos que geram
situações aparentemente identificadas como de separação entre os dois segmentos da
população. Utilizou-se o método dialético apoiado em abordagens quanti-qualitativa e
etnográfica, para observar (com realização da pesquisa de campo), pensar (apoiado em
pesquisa bibliográfica) e interpretar os processos de territorialização na fronteira de expansão
agrária no sul maranhense, sob a égide da sojicultura, e seus desdobramentos.
Palavras-chave: Territorialização. Fronteira agrária. Sojicultura no município de Balsas – MA.
11. ABSTRACT
Among the contemporaries studies in vogue in the Humanities/Social Sciences are of
emphasis peculiar to Geography those about territorialities diversity. The process of
modernizing concomitant to resistances in the field has to be analyzed in several ways,
including through the discussion of another process inseparable: advance/meeting and
consequent overlapping-overlap/conflict-antagonism between identities, territories and
boundaries of technology different – the de-re-territorialization. The territorialization of
soybeans in the southern border of Maranhão, specifically in the city of Balsas, between years
1990 to 2010, was listed as object of this monographic study aimed to analyze this amalgam
of processes in a very dynamic area for agribusiness linked to soybeans in Brazil. Cultural
changes and the recent process of territorialization of capital in Balsas, arising from the
introduction of new standards socio-economic-cultural and spatial, were inserted from the
“installation” of modern agriculture of soybeans and southern migrants in the city. To
understand this process we sought to: initially do a literature review from the categories
“Migration”, “Territorialization”, “Space”, “Time”, “Globalization”, “Identity”, “Modernity”,
“Modernization”, “Eurocentrism” and “Rationalities”; then, interrelate theory and the context
of modernization of the areas conducive to the cultivation of soybeans in the Brazilian
Amazon and Cerrado, whose weights were based on categories “Role of the State”,
“Frontier”, “Agroindustrial Policy Network”, “Territory”, “De-re-territorialization” and
“Multiterritoriality”; and finally, reflect about the theme “Frontier” and “De-reterritorialization” from their insertion into the contemporary historical context the city of
Balsas for: see the cultural and economic consequences of the expansion process of the
soybean production in the last two decades (1990 – 2010); identify possible tensions
generated from socio-cultural differences that occur between the local population and the
migrant population in the county aforesaid; know the main reasons that lead to situations
apparently identified as the separation between the two segments of the population. We used
the dialectical method supported by quanti-qualitative and ethnographic approaches, to
observe (with field research), think (supported by literature) and interpret the processes of
territorialization in the agrarian expansion frontier in the south of Maranhão, under the aegis
of the soybean production, and its aftermath.
Keywords: Territorialization. Agrarian frontier. Soybean production in the city of Balsas – MA.
12. LISTA DE FIGURAS
Figura 01 –
Mosaico 1: sátiras de Pawła Kuczyńskiego..................................................
34
Figura 02 –
Mosaico 2: Compressão do tempo-espaço....................................................
36
Figura 03 –
“A arte parisiense de boulevard atacando a destruição modernista do
antigo tecido urbano: um cartum de J. F. Batellier em ‘Sans Retour, Ni
Consigne’”..................................................................................................... 42
Figura 04 –
Self-creation..................................................................................................
49
Figura 05 –
Modelo do panóptico de Bentham................................................................
54
Figura 06 –
Mosaico 3: Fotos ilustrando reportagens que exaltam a agricultura
moderna brasileira.........................................................................................
61
Figura 07 –
Sub-regionalização esquemática da Amazônia Legal – 2003....................... 63
Figura 08 –
Mosaico 4: Municípios produtores de soja na Amazônia.............................
Figura 09 –
Quantidade de soja produzida, por mesorregiões geográficas, nos estados
64
da Amazônia Legal em 2010......................................................................... 64
Figura 10 –
Mosaico 5: Complexo Portuário de São Luís...............................................
Figura 11 –
Mosaico 6: Corredores de exportação de minérios na Amazônia................. 71
Figura 12 –
Vias de Escoamento da Soja no Estado do Maranhão..................................
Figura 13 –
Mapa das bacias hidrográficas dos rios Araguaia e Tocantins, com
68
71
destaque para os rios principais..................................................................... 72
Figura 14 –
Mapa comentado da Hidrovia Araguaia-Tocantins-Rio das Mortes............. 72
Figura 15 –
Fotos da estrutura do AGROBALSAS, na Fazenda Sol Nascente...............
73
Figura 16 –
Mosaico 7: Fazenda Sol Nascente em Balsas (MA).....................................
74
Figura 17 –
Características do pólo de Balsas..................................................................
75
Figura 18 –
Mosaico 8: Gráfico e quadros correspondentes a dados anuais da lavoura
de arroz e soja no Maranhão, entre 1990 a 2010........................................... 84
Figura 19 –
Mosaico 9: Gráfico e quadros correspondentes a dados anuais da lavoura
de arroz e soja no Tocantins, entre 1990 a 2010...........................................
85
Figura 20 –
Dados ECONÔMICOS da produção agropecuária brasileira.......................
87
Figura 21 –
Mosaico 10: fotos – o “antigo” e o “novo” em Balsas.................................. 94
Figura 22 –
Expansão da frente baiana até o Maranhão................................................... 96
Figura 23 –
Rota de expansão da frente pastoril no Maranhão........................................
Figura 24 –
Correntes migratórias de ocupação do território maranhense....................... 98
96
13. Figura 25 –
A “diáspora” gaúcha.....................................................................................
Figura 26 –
Mosaico 11: Placa e fachada do CTG de Balsas........................................... 108
Figura 27 –
Mosaico 12: Área interna do CTG de Balsas................................................ 108
Figura 28 –
Gráfico comparativo da quantidade produzida (em toneladas) entre as
lavouras de algodão herbáceo, arroz, milho e soja, no município de Balsas.....
Figura 29 –
107
113
Gráfico representando o rendimento médio (quilogramas por hectare), da
safra de soja em 2009 e 2010........................................................................
115
Figura 30 –
Mosaico13: PRONAF; grandes, médias e pequenas lavouras......................
116
Figura 31 –
Mosaico 14: Faculdade e escolas particulares em Balsas.............................
117
Figura 32 –
Mosaico 15: Armazém Mateus e campo de soja em Balsas, símbolos do
“progresso” e “desenvolvimento” da região.................................................
Figura 33 –
118
Mosaico 16: Contraste de residências de vários padrões, estabelecimentos
do setor terciário e áreas de lazer do bairro Cajueiro, Balsas (MA).............
120
14. LISTA DE TABELAS E QUADROS
Tabelas:
TABELA 01 –
Síntese do PRODECER......................................................................
80
TABELA 02 –
Síntese do PRODECER III no estado do Tocantins...........................
83
TABELA 03 –
Instalação dos gaúchos no sul do Maranhão......................................
102
TABELA 04 –
Os gaúchos: diferenciação interna......................................................
104
TABELA 05 –
Principais conflitos entre gaúchos e sertanejos no sul do Maranhão.. 105
Quadros:
QUADRO 01 –
Cronograma de atividades do orientando...........................................
QUADRO 02 –
Valor da produção da lavoura temporária de soja (em grão) no ano
32
de 2008 no Estado do Maranhão – Ranking descendente.................... 112
QUADRO 03 –
Rendimento médio (quilogramas por hectare), da safra de soja em
2009 e 2010 – Ranking descendente para safra de 2010.....................
QUADRO 04 –
114
Número e Taxas Médias de Homicídio (em 100.000) na População
de 0 a 19 anos. Brasil, 2002/2007 (destacando os quatro primeiros
municípios do Maranhão no ranking).................................................. 119
QUADRO 05 –
Mapa de Pobreza e Desigualdade – Municípios Brasileiros 2003
(Balsas)................................................................................................
121
15. LISTA DE SIGLAS
ACA
Associação Camponesa.
AGED
Agência Estadual de Defesa Agropecuária.
ALBRAS
Alumínio Brasileiro S.A.
ALUMAR
Alumínio do Maranhão S.A.
ALUNORTE
Alumina do Norte do Brasil S.A.
BASA
Banco da Amazônia S.A.
BATAVO
Cooperativa Agropecuária Batavo do Paraná.
BIC
Bolsa de Iniciação Científica.
BNDES
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social.
CAI
Complexo Agroindustrial.
CAMPO
Companhia de Promoção Agrícola.
CCH
Centro de Ciências Humanas (UFMA).
CLACSO
Conselho Latinoamericano de Ciências Sociais.
COAPA
Cooperativa Agropecuária de Pedro Afonso.
COGEO
Coordenação de Geografia (DEGEO/UFMA).
COLONE
Companhia de Colonização do Nordeste.
COMARCO
Companhia Maranhense de Colonização.
COOPERSAN Cooperativa Agropecuária Mista São João Ltda.
CPATU
Centro de Pesquisa Agropecuária do Trópico Úmido (atual Embrapa
Amazônia Oriental).
CTG
Centro de Tradições Gaúchas.
CVRD
Companhia Vale do Rio Doce (atual VALE).
DEGEO
Departamento de Geociências (UFMA).
DESOC
Departamento de Sociologia e Antropologia (UFMA).
EFC
Estrada de Ferro Carajás.
EIA
Estudo de Impacto Ambiental.
EMAP
Empresa Maranhense de Administração Portuária.
EMBRAPA
Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária.
FAPCEN
Fundação de Apoio à Pesquisa do Corredor de Exportação Norte.
FAPEMA
Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e
Tecnológico do Estado do Maranhão.
16. FFLCH
Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas (USP).
GEOTEC
Empresa Júnior de Geografia (UFMA).
GERUR
Grupo de Estudos Rurais e Urbanos (DESOC/UFMA).
GPS
Global Position System (Sistema de Posicionamento Global).
IBGE
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
IDH
Índice de Desenvolvimento Humano.
IES
Instituição de Ensino Superior.
IMESC
Instituto Maranhense de Estudos Socioeconômicos e Cartográficos.
INCRA
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária.
ITERMA
Instituto de Colonização e Terras do Maranhão.
JICA
Japan International Cooperation Agency (Agência de Cooperação
Internacional do Japão).
LABOCART
Laboratório de Cartografia (DEGEO/UFMA).
LEBAC
Laboratório de Estudos de Bacias Hidrográficas (DEGEO/UFMA).
LID
Linha Internacional de Mudança de Data.
NCL
Núcleo de Cultura Linguística (UFMA).
NDPEG
Núcleo
de
Documentação
Pesquisa
e
Extensão
Geográfica
(DEGEO/UFMA).
NEPE
Núcleo de Programas Especiais (GOVERNO DO MARANHÃO).
NEPA
Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (DEGEO/UFMA).
NERA
Núcleo de Estudos e Pesquisas em Questões Agrárias (DEGEO/UFMA).
OECF
Overseas Economic Cooperation Foundation (Fundação de Cooperação
Econômica Exterior).
OPEP
Organização dos Países Produtores de Petróleo.
PAM
Produção Agrícola Municipal.
PGC
Programa Grande Carajás.
PIB
Produto Interno Bruto.
PIN
Plano de Integração Nacional.
PPA
Programa Plurianual de Ação.
PRODECER
Programa de Cooperação Nipo-Brasileira para o Desenvolvimento do
Cerrado.
PRONAF
Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar.
RADAM
Projeto Radar na Amazônia.
17. RIMA
Relatório de Impacto sobre o Meio Ambiente.
SAGRIMA
Secretaria de Agricultura do Maranhão (GOVERNO DO MARANHÃO).
SEBRAE
Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas.
STTR
Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais.
SUDAM
Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia.
SUDENE
Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste.
UEMA
Universidade Estadual do Maranhão.
UFF
Universidade Federal Fluminense.
UFMA
Universidade Federal do Maranhão.
UHET
Usina Hidrelétrica de Tucuruí.
UNIBALSAS
Faculdade de Balsas.
USP
Universidade de São Paulo.
VBC
Valor Básico de Custeio.
ZENCOREN
Federação Nacional das Cooperativas de Compras do Japão.
18. SUMÁRIO
1 APRESENTAÇÃO.......................................................................................................
18
1.1 A “gestação” da monografia: das paixões intelectuais passageiras ao “casamento”
com linhas de pesquisa......................................................................................................
20
2 METODOLOGIA......................................................................................................... 29
2.1 Procedimentos metodológicos...................................................................................
30
2.1.1 Pesquisa Bibliográfica..............................................................................................
30
2.1.2 Organização e Realização da Pesquisa de Campo.................................................... 31
2.1.3 Elaboração dos Dados............................................................................................... 31
2.1.4 Análise e Interpretação dos Dados/Informações......................................................
31
PARTE UM: da teoria......................................................................................................
33
3 SOBRE AS CATEGORIAS DE ANÁLISE: divagações introdutórias......................
34
4 UMA OU DIVERSAS RACIONALIDADES(?): consolidação da lógica
hegemônica ou crise do conhecimento único?..................................................................
49
PARTE DOIS: o cenário da “fronteira” no Brasil da soja...............................................
60
5 MODERNIZAÇÃO DO CERRADO E AMAZÔNIA COMO FATOR
INDUTOR DE CONFLITOS ENTRE AS DISTINTAS RACIONALIDADES
DOS AGENTES SOCIAIS NO BRASIL CENTRAL..................................................
61
5.1 Programa de Cooperação Nipo-Brasileiro para o Desenvolvimento dos
Cerrados – PRODECER.................................................................................................
79
5.2 O PRODECER III nos Cerrados do Maranhão e Tocantins................................. 82
5.3 Sobreposição de “novas” e “velhas” fronteiras, territórios e racionalidades
do/no Cerrado..................................................................................................................
86
PARTE TRÊS: o “admirável” Sertão Novo em Balsas...................................................
93
6 TERRITÓRIOS DA FRONTEIRA/ FRONTEIRA DOS TERRITÓRIOS: o
novo Sertão de Balsas... os Brasis se encontram aqui....................................................... 94
6.1 Dos caminhos do gado à descoberta gaúcha: a ocupação territorial do sul
maranhense........................................................................................................................
95
6.2 Os aventureiros do Sul que enfrentam o fim do Norte: diáspora, pioneirismo e
mito do gaúcho..................................................................................................................
107
19. 6.3 Des-re-territorialização: os des/encontros entre sertanejos e gaúchos..................... 110
6.4 A territorialidade do capital sob a égide da sojicultura: o que era o fim do
mundo agora é a Capital Maranhense da Soja...................................................................
112
PARTE QUATRO: das considerações finais..................................................................
122
7 PARA NÃO CONCLUIR............................................................................................. 123
REFERÊNCIAS................................................................................................................. 126
APÊNDICES.....................................................................................................................
139
APÊNDICE A – Roteiro de entrevistas do 1º campo em Balsas (05 a 08 de dezembro
de 2009).............................................................................................................................
140
APÊNDICE B – Roteiro de entrevistas do 2º campo em Balsas (25 a 30 de agosto de
2010)..................................................................................................................................
143
APÊNDICE C – Roteiro de entrevistas do 3º campo em Balsas (17 a 21 de outubro de
2011)..................................................................................................................................
144
ANEXOS...........................................................................................................................
147
ANEXO A – Reportagem da Revista Exame....................................................................
148
ANEXO B – Reportagem da Revista Veja (a)..................................................................
151
ANEXO C – Reportagem da Revista Veja (b)..................................................................
152
ANEXO D – Reportagem da Revista Veja (c)..................................................................
158
ANEXO E – Considerações da banca de monografia.......................................................
161
20. 18
1 APRESENTAÇÃO
O processo de modernização das atividades agrícolas no Cerrado sul-maranhense
trouxe diversas transformações nos âmbitos espaciais, sociais, políticos e culturais nesta área.
Sob o signo da sojicultura a “região que ficou adormecida tempo demais, hoje, cresce em
progressão geométrica. [...] A estimativa conservadora é que a economia [...] esteja crescendo
à taxa de 10% ao ano. É assim o novo Sertão brasileiro” (STEFANO, 2009, ANEXO A).
Porém, que “crescimento” é esse e quem se beneficia com ele? Que “admirável” Sertão novo
é este? Quais foram as mudanças culturais que ocorreram com a expansão da soja? Como se
comportam os diversos grupos humanos sob o processo de des-re-territorialização constante
no sul do Maranhão? Quais são as estratégias de resistência diante do conflito de
racionalidades ambientais e econômicas contraditórias? Por que e quem resiste aos atores
representantes da racionalidade hegemônica? Que racionalidades são essas?
Pensando sobre o caso particular do município de Balsas, cuja produção de soja é
a maior do Estado e segundo maior pólo agrícola da Macrorregião Nordeste, surgiram-me os
seguintes pressupostos quando da elaboração do projeto desta monografia, ainda em 2008:
A inserção do município de Balsas na lógica da capitalização do campo gerou
uma série de alterações sócio-espaciais e culturais, no local de estudo, nas últimas duas
décadas, decorrentes da introdução de novos padrões sócio-culturais e econômicos do
migrante sulista;
O migrante sulista foi atraído para Balsas pelos incentivos fiscais
governamentais, como a terceira etapa do Programa de Cooperação Nipo-Brasileira para o
Desenvolvimento do Cerrado – PRODECER III – pela disponibilidade de infra-estrutura para
o escoamento da produção agrícola, vastas quantidades de terras baratas e férteis, além das
características naturais do local (clima, relevo, vegetação, hidrografia e solo) propícias ao
cultivo da soja;
As múltiplas tensões entre os estabelecidos (os da terra) e os novos habitantes
(os de fora) em Balsas decorre da valorização da identidade cultural do local de origem, sendo
a principal causa de separação entre os dois segmentos da população (maranhenses X
gaúchos1);
A valorização de padrões dos de fora gera assimilação de hábitos culturais do
1
Denominação dada ao migrante do Centro-Sul do país (sulista), pelos maranhenses do sul e leste do Estado
(MA). Para melhor entendimento ler o terceiro capítulo, “Os Gaúchos” (p. 71-102), da dissertação de mestrado
de Rafael Bezerra Gaspar, intitulada “O eldorado dos gaúchos” (vide referências).
21. 19
migrante sulista, como o sotaque e regionalismo gaúcho.
Instigado em refletir sobre essas questões e hipóteses escrevi esta monografia,
com o objetivo de investigar as mudanças culturais e o processo de territorialização do capital
em Balsas, entre 1990 a 2010, decorrentes da introdução dos novos padrões sócio-econômicoculturais e espaciais, inseridos a partir da instalação da agricultura moderna da soja e do
migrante sulista neste município. Logo, este estudo possui como área de abrangência o
município de Balsas (especificamente as áreas urbana e peri-urbana), localizado na
Mesorregião Sul do Estado Maranhão, a 830 quilômetros2 da capital – São Luís. Para isso
tenta-se:
Compreender as temáticas fronteira e des-re-territorialização a partir da sua
inserção no contexto histórico contemporâneo do município de Balsas;
Constatar as consequências culturais e econômicas do processo de expansão da
sojicultura em Balsas nas últimas duas décadas (1990 – 2010);
Identificar as possíveis tensões geradas a partir de diferenciações sócioculturais ocorrentes entre a população local e a população migrante no município de Balsas
(consequência do diferencial de poder entre o grupo que se considera superior e o grupo
inferiorizado);
Conhecer os principais motivos que geram situações aparentemente
identificadas como de separação entre os dois segmentos da população.
Sendo assim, esta pesquisa mostra sua relevância ao ponderar criticamente sobre a
problemática contemporânea concernente à expansão-consolidação da fronteira agrícola
brasileira, em especial das transformações culturais e às novas territorializações decorrentes
das migrações e sojicultura no município de Balsas, sul do Maranhão.
A seguir relato alguns fatos importantes para construção deste estudo
monográfico.
2
Distância rodoviária.
22. 20
1.1 A “gestação” da monografia: das paixões intelectuais passageiras ao “casamento” com
linhas de pesquisa
“A humanidade não se divide em heróis e tiranos. Suas paixões, boas ou más,
foram-lhes dadas pela sociedade, não pela natureza” (Charles Chaplin).
Uma monografia não se faz em seis meses e, contraditoriamente, nunca é o escrito
de um só. Entre os anos 2006 a 2011 lapidei com várias pessoas este trabalho “monográfico”.
A princípio, entendo como apresentação, a biografia de um trabalho, logo, quebrarei as
normas estanques dos manuais de normalização e contarei um pouco da história deste aqui,
em primeira pessoa, já que represento oficialmente seus “criadores”, ou em terceira pessoa,
quando me refiro à equipe de campo e outros grupos.
Durante os três primeiros anos da graduação (de 2006 a 2008) vivi sobre a dúvida
de qual objeto de estudo escolheria para o trabalho monográfico, que consequentemente
“esboçaria” o futuro acadêmico que seguiria. Diante de várias influências e “paixões”
intelectuais passageiras convivi com o dualismo (insistentemente persistente no curso de
Geografia da UFMA) entre Geografia Física X Geografia Humana, assim como o relativo
desconforto de ter que me posicionar categoricamente como geógrafo físico ou humano, já
que colocavam para mim que esta relação era como água e óleo: imiscível. Concernente a este
embate paradigmático e o fato de ter que escolher um lado, passei meio alheio a tudo isso, não
por indecisão, mas por gostar, ler, discutir e tentar entender ambos os “lados”, afinal a
Geografia sem a relação intrínseca entre o homem e a natureza é uma Geografia non sense,
incompleta, fragmenta-se nas ciências afins e torna-se uma “Ageografia”.
Essa perspectiva de separação da Geografia em Geografias parte da eterna
tentativa de racionalizar os pensamentos transformando-os em um, o científico, e depois
fragmentá-lo em áreas (cada uma na sua devida “caixa” catalogada), até criar oposições e
tensões desnecessárias entre ciências, nas quais o rigor científico é o “termômetro” de
hierarquização (algo bem evidente na sociedade ocidental moderna) em detrimento de um
pensamento holístico.
[...] Na longa história que tem origem na mecânica newtoniana, desenvolveram-se
admiração e compromisso mútuos entre a ciência-como-física e a filosofia-comopositivismo/filosofia analítica. Tal filosofia, para qual todos os simples títulos
parecem, inapelavelmente, inadequados, mas que foi imensamente poderosa na
repercussão de seus efeitos, principalmente em seus primórdios [...], sustentava que
a “ciência” era o único caminho para o conhecimento e que havia apenas um método
científico verdadeiro. Ela estava comprometida com (seus entendimentos de)
objetividade, do método empírico e do monismo epistemológico (que,
essencialmente, incorporava um reducionismo com a física) [...].
23. 21
E conduziu ambas para uma imaginada hierarquia entre as ciências (com a física em
um extremo e, digamos, os estudos culturais e humanidades no outro) e para um
fenômeno de inveja da física entre uma série de práticas científicas que visavam,
mas que viram que não podiam, imitar os protocolos da “física”. Os geógrafos
físicos (algumas vezes) pensam que são mais científicos do que geógrafos humanos.
[...] Os geólogos sofrem de inveja da física: “o sentimento de inferioridade em
relação ao status da geologia comparada com outras ciências mais ‘duras’...” [...].
(MASSEY, 2009, p. 61).
Algo também afirmado por alguns amigos e professores do curso e que gerou
inquietações, dúvidas no meu cotidiano como estudante de Geografia, como diria Ruy
Moreira: do “pensar e ser em Geografia3”. Quem serei eu daqui há dez anos? Que Geografia
seguir? Quando pensava em retorno financeiro rápido vinha em minha mente cursar um
mestrado na área de Geoprocessamento, Sensoriamento Remoto ou Geologia e depois
trabalhar em grandes empresas. Porém, seis anos de graduação tiveram seu lado positivo
quando posso afirmar que li muito de muitas “áreas das ciências”, integrei, participei ou
estagiei em laboratórios, institutos, centro acadêmico, núcleos e grupos de estudos, empresa
júnior, projetos de extensão e pesquisa, monitoria, eventos os mais diversos, lecionei em
curso voluntário, escola pública e particular, etc. nos quais pude conhecer várias lógicas
vivenciando diferentes “realidades”, muitas vezes opostas, a ponto de amadurecer minhas
escolhas, quebrar estereótipos/“desvendar máscaras sociais” o suficiente para descobrir o que
realmente queria para mim.
Foram muito relevantes também as leituras, debates, eventos e convivência com
amigos-professores durante o curso de História da UEMA, que infelizmente escolhi
abandonar em 2008, no quinto período, e me dedicar melhor e exclusivamente à Geografia da
UFMA, inclusive para poder concorrer à bolsa de iniciação científica.
Foi neste contexto que, em fins do ano 2008, resolvi participar de entrevistas
seletivas para concorrer à bolsa de pesquisa pelo projeto “Mudanças sócio-culturais e
espaciais decorrentes da agricultura moderna no sul maranhense”, sob coordenação das
professoras Maria da Glória Rocha Ferreira e Roberta Maria Batista de Figueiredo Lima
(DEGEO/UFMA) e com apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa e ao
Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Estado do Maranhão (FAPEMA). Fui
selecionado, juntamente com a aluna Alexsandra Maryllen Roges Costa Falcão, para
participar do projeto. No primeiro ano (2009) não conseguimos bolsa de pesquisa, mas
contamos com apoio financeiro da FAPEMA para custear as despesas decorrentes das viagens
3
MOREIRA, Ruy. Pensar e ser em Geografia: ensaios de história, epistemologia e ontologia do espaço
geográfico. – 1ª ed. – 1ª reimpr. – São Paulo: Contexto, 2008.
24. 22
de campo. No segundo ano conseguimos uma Bolsa de Iniciação Científica (BIC), destinada
entre 2010/2011 para Alexsandra e 2011/2012 para Juscinaldo Goes Almeida – ambos
graduandos em Geografia (UFMA) – além de mais recursos para financiar o projeto, junto à
FAPEMA. Eu continuei como voluntário, pois era bolsista de extensão (PROEX/UFMA) pelo
projeto “Percepção e Educação Ambiental na Comunidade Sá Viana: a formação dos filhos de
pescadores por meio de uma visão multidisciplinar”.
O projeto de pesquisa sobre Balsas objetiva averiguar mudanças na organização
sócio-espacial da área, decorrentes da introdução de novos padrões sócio-culturais, advindos
da instalação da agricultura em bases empresariais. A escolha pelo enfoque analítico sobre o
município de Balsas deu-se por entender que este representa o marco inicial do processo de
produção da soja no Maranhão, assim como aquele que apresenta maiores singularidades em
termos de transformações sócio-espaciais e culturais, dada a sua função dentro do processo
produtivo regional. A “gestação” desta monografia iniciou-se deste projeto de pesquisa.
Neste ínterim entrei em contato com leituras e trabalhos de campo em grupos e
núcleos de estudos relacionados aos movimentos sociais, especificamente em pesquisas sobre
questões agrárias: o Núcleo de Estudos e Pesquisas em Questões Agrárias – NERA
(DEGEO/UFMA) e o Grupo de Estudos Rurais e Urbanos – GERUR (DESOC/UFMA), que
foram e continuam sendo imprescindíveis para minhas experiências e construção paulatina de
uma racionalidade voltada para essas questões, através das seguintes linhas de pesquisa:
“Dinâmica do Espaço Agrário”;
“Industrialização da Agricultura e Transformações na Agricultura Familiar”;
“Migrações e Transformações Territoriais”;
“Território, Identidade e Conflitos Sócio-Ambientais”.
O geógrafo – enquanto pesquisador das Ciências Humanas/Sociais – necessita e
deve proporcionar estudos que contribuam concretamente para melhoria da sociedade
precariamente incluída, tanto quanto uma população afetada por grandes projetos de
“desenvolvimento” econômico anseia pelo apoio da academia em prol da sua causa de luta4.
[...] a teoria crítica moderna tem de assumir uma postura contra-hegemônica, que os
intelectuais deveriam tornar-se contra-especialistas, mais altamente treinados do que
seus inimigos, e com um maior comprometimento para com os ideais mais nobres.
Assim, [...] economia, desenvolvimento, relações rurais-urbanas devem ser
repensadas sob um imaginário econômico diferente se quisermos ter um mundo com
justiça social. Podemos receber nossas deixas dos movimentos sociais. Mas há ainda
um repensar sofisticado acerca do desenvolvimento que também precisa ser feito por
intelectuais engajados. Precisamos batalhar por poder, ao invés de dispensá-lo.
4
Assim como alertou Burawoy (2006) para a Sociologia, ao defender uma Sociologia pública, o papel do
geógrafo deve ser baseado em uma Geografia pública.
25. 23
Precisamos fazer um novo imaginário de desenvolvimento, no qual usemos nossos
momentos mais criativos para pensar diferentemente. Precisamos de uma evolução
nas idéias tanto quanto na prática. Critiquem tudo, mas convertam crítica em
proposta positiva... Esse é o credo crítico moderno. (PEET, 2009, p. 36).
Logo, as implicações futuras, ou seja, a contribuição e/ou os benefícios desse tipo
de estudo geográfico nessa região são imprescindíveis para o alcance recíproco das
necessidades dos grupos atingidos pela soja, assim como do geógrafo comprometido
socialmente, incluindo o proponente desta pesquisa.
Para conhecer um pouco da vivência e opinião dos grupos atingidos (positiva ou
negativamente) pela sojicultura em Balsas, participei de três trabalhos de campo no
município, entre 2009 a 2011, juntamente com a equipe que compunha o projeto de pesquisa5.
Tais trabalhos ocorreram anualmente, no segundo semestre, entre os meses de agosto a
dezembro, por maior disponibilidade de tempo da equipe nesse período. A seguir apresento
sucintamente como ocorreram tais campos.
1º Trabalho de campo: 05 a 08 de dezembro de 2009
Neste primeiro campo tudo era totalmente novo para a maior parte da equipe (o
estranhamento era mais fácil), com exceção da professora Glória, que desenvolvera sua tese
de doutorado6 sobre Balsas, apresentada no ano de 2008. Enquanto as coordenadoras
chegavam primeiro, no dia 5, eu e Alexsandra vínhamos de “carona” em outro trabalho de
campo, pela disciplina e com a turma de Geografia Física do Maranhão (semestre 2009.2),
ministrada pelo professor Antonio Cordeiro Feitosa (DEGEO/UFMA) que ensinava-nos sobre
a fisiografia do centro-sul maranhense. Como o ponto sul extremo desse campo era a cidade
de Balsas acompanhamo-los até lá.
No dia 06 chegamos, domingo à tarde. Minha maior expectativa, como torcedor
do Flamengo, era assistir à última rodada do Campeonato Brasileiro, já que concorria
diretamente ao título, assim como Alexsandra, são-paulina e também na disputa pelo título de
2009. Quando encontrei as coordenadoras saindo do hotel fiquei extremamente feliz, por vêlas vestidas a caráter como flamenguistas, com camisa e mascote do time, e ao dizerem que
5
Coordenadoras: Maria da Glória Rocha Ferreira; Roberta Maria Batista de Figueiredo Lima. Bolsistas:
Alexsandra Maryllen Roges Costa Falcão; Juscinaldo Goes Almeida. Voluntários(as): Ana Karolina Pinheiro
Carvalho; Danniel Madson Vieira Oliveira; Elizeu Silva do Nascimento.
6
FERREIRA, Maria da Glória Rocha. Dinâmica da Expansão da Soja e as Novas Formas de Organização do
Espaço na Região de Balsas – MA. 2008. 272 f. Tese (Doutorado em Geografia) - Instituto de Geociências,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.
26. 24
“iriam ver os processos relacionados ao comportamento dos torcedores em um bar, próximo à
Avenida Litorânea” (apesar da cidade estar a mais de 800 quilômetros do mar), fiquei ainda
mais satisfeito.
Ao encontrá-las de novo, alguns minutos depois, com meu caderno de campo em
mãos, elas relataram os ocorridos quando do gol do Grêmio (sobre o Flamengo) e do
Internacional em outra partida (times do Rio Grande do Sul), momentos nos quais houve
diversas provocações dos chamados gaúchos de Balsas, que saíam em suas caminhonetes,
vibrando ao som de foguetes e do hino do Inter (que concorria ao título do campeonato
brasileiro também).
Porém, o Flamengo mostrou sua superioridade em campo, ao empatar, em seguida
virar e se consagrar como campeão brasileiro de 2009. Os flamenguistas, em sua maior parte
maranhenses, vibravam exacerbadamente, chamando os gaúchos apenas de “gaúchos”, de
forma depreciativa, e demonstrando a rivalidade entre suas torcidas. Aos gaúchos que torciam
para o Inter restou a opção de não aparecer mais na Avenida Litorânea, enquanto os gaúchos
gremistas se exibiam tomando chimarrão com as camisas do seu time como forma de
rivalidade, já que o Internacional não ganhara o título. Outros gaúchos não ligavam tanto para
este fato, a cidade inteira estava em festa, e eles se exibiam de outra forma, ao som
automotivo ensurdecedor de músicas sertanejas e sulistas, com suas roupas típicas
“mescladas” às dos sertanejos (jaqueta e calça jeans, chapéu e bota de couro, apesar de quase
30°C), dançando e tomando chimarrão sobre a carroceria de suas pick-ups.
Voltamos ao hotel para descansar enquanto a cidade não dormia. Tirando o fato
do jogo, eu vinha refletindo uma série de idealizações que poderia relatar mais tarde em
artigos, relatórios e na monografia ao confirmá-las no campo. Uma das leituras indicadas para
o seminário interno sobre a categoria “identidade”, pelo projeto de pesquisa sobre Balsas, me
inculcava muito: “Os estabelecidos e os outsiders”, de Norbert Elias & John L. Scotson
(2000), pois achava que encontraria um embate entre gaúchos e maranhenses de forma
parecida com a descrita nesse livro, o que não se concretizou e provou que não deveria
idealizar resultados no campo com pré-noções e anacronismos, “o que convém evitar” no
campo, como diriam Beaud; Weber (2007).
Ao chegarmos ao hotel, as coordenadoras relataram a conversa que tiveram, no
dia anterior, no Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Balsas (STTR Balsas),
sobre a expansão e impacto da sojicultura em Balsas e as principais mudanças decorrentes
deste processo. Importante a presença do diário de campo nesses momentos, pois é como um
27. 25
álbum de fotos que guarda momentos que a memória às vezes descarta. “Nossa memória é
uma ilha de edição” e o gravador também tem suas limitações.
Apesar de termos feito um roteiro (APÊNDICE A) dos órgãos a serem visitados
para entrevistarmos seus representantes, fomos refazendo-o paulatinamente em campo, de
acordo com indicações que surgiam nas entrevistas. Trabalhamos com roteiro e não com um
questionário fechado, muitas vezes dizíamos que se tratava de uma conversa em vez de
entrevista, o que tornava a abordagem mais fácil. O grupo foi dividido em duas equipes,
devido ao tempo reduzido e aos vários órgãos a serem visitados. Já que eu e Alexsandra
conhecíamos pouco sobre técnicas de abordagem, entrevista e observação, cada um ia
acompanhado com uma coordenadora. Dessa forma, fomos aos seguintes locais:
SEBRAE Balsas;
Secretaria Municipal de Agricultura de Balsas;
Banco do Nordeste;
Banco do Brasil;
Associação Camponesa (ACA) de Balsas;
Povoado Angelim;
Hortas urbanas.
Destes, destaco a visita ao povoado Angelim, localizado na área peri-urbana de
Balsas. Passamos uma manhã conversando com alguns moradores sobre o modo como viviam
e como viam as principais mudanças ocorrentes no município. Um fato interessante é que ao
me apropriar da categoria gaúcho para identificar um dos moradores do povoado fui
repreendido por uma moradora, maranhense, que disse: “Gaúcho? Aqui não tem nenhum
gaúcho, ele é catarinense.” Constrangido, eu ri no momento. Em um campo futuro ocorreu
uma situação parecida (a categoria que abrange várias naturalidades em uma só, não é aceita e
utilizada da mesma forma). As mudanças relacionadas à melhoria da infra-estrutura de acesso
foram consideradas como positivas, assim como a questão da alimentação. Com a introdução
da cultura de fora vieram também seus hábitos alimentares: o churrasco, frutas e verduras
diversas. O êxodo rural com a grilagem de terras foi um aspecto negativo.
28. 26
2º Trabalho de campo: 25 a 30 de agosto de 2010
Já no segundo campo estava mais acostumado com os métodos de abordagem,
entrevista e observação. A equipe foi a mesma do primeiro campo e dividida da mesma
forma. Seguimos um roteiro (APÊNDICE B) para visitar locais do setor terciário e centros de
cultura:
Mercado Municipal de Balsas;
Secretaria da Fazenda de Balsas;
Boutiques;
Empresas de implementos agrícolas;
Imobiliárias;
Mercearias e comércios mais antigos;
Hotéis antigos e novos;
Restaurantes antigos e novos;
Centro de Tradições Gaúchas (C.T.G.).
“Antigo” e “novo” nesse caso, geralmente, estava relacionado aos da região e aos
de fora, respectivamente, para tentarmos entender, através dos relatos, as diversas mudanças
com a sojicultura e vinda dos migrantes. Dessa vez foi recorrente nos depoimentos a questão
do aumento demasiado da violência e precarização de serviços públicos, como saúde,
saneamento básico, etc.
Um dia bem interessante foi quando fomos ao povoado Santa Luzia na área periurbana da cidade. Este povoado possui um balneário, com estrutura de bar, campo de futebol
e barracas padronizadas. Descemos o rio Balsas em uma embarcação artesanal feita somente
de bambu, ao ritmo da correnteza do rio. A viagem é feita aos finais de semana. O que mais
me impressionou foi a resistência da embarcação, feita somente de varas de bambu amarradas.
Sobre ela iam várias pessoas (aproximadamente quinze), fazendo churrasco e levando um
freezer cheio de bebidas. A viagem até a área urbana de Balsas foi de aproximadamente oito
horas. Ao final a balsa vem se desfazendo, um pouco abaixo do nível superficial do leito do
rio. Quem a constrói também tem o papel de desmontá-la, voltando ao ponto de partida com
carro, geralmente com carroceria, para levar as partes da balsa que resistiram à correnteza.
Reservamos o último dia para coleta de pontos com GPS para um futuro
mapeamento de diversas mudanças na área urbana do município.
29. 27
3º Trabalho de campo: 17 a 21 de outubro de 2011
O terceiro campo teve um marco diferente para mim, já não estranhava tanto o
que antes achava tão diferente. Porém, o fato do meu pouco estranhamento foi compensado
com a renovação da equipe de trabalho. Como tinha um pouco de experiência por participar
de outros campos, somado ao fato das coordenadoras não poderem ir dessa vez, por já estarem
compromissadas com outras atividades acadêmicas, fui incumbido de acompanhar os novos
membros do grupo (para ajudá-los a se localizar e concomitantemente levantar mais dados
para monografia): o novo bolsista, Juscinaldo Goes Almeida, e dois novos voluntários, Ana
Karolina Pinheiro Carvalho e Elizeu Silva do Nascimento, todos graduandos do curso de
Geografia (UFMA). A partir do roteiro de campo (APÊNDICE C), visitamos os seguintes
locais, sempre focando os aspectos relacionados às mudanças consequentes à modernização
do campo e a vinda de sulistas ao município:
UNIBALSAS;
Universidade Estadual do Maranhão – UEMA;
Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Balsas – STTR Balsas;
Fundação de Apoio à Pesquisa do Corredor de Exportação Norte – FAPCEN;
Cursos técnicos;
Secretaria de Educação Municipal;
Escolas particulares e públicas;
Câmara Municipal de Balsas.
Mais uma vez dividimo-nos em duas equipes para realizar as entrevistas. Outro
erro recorrente ocorreu quando me apropriei da categoria gaúcho sem pensar. Ao conversar
com uma senhora na Câmara Municipal de Balsas, ela revelou que era gaúcha, daí perguntei: “‘Gaúcha’, a senhora diz... do Rio Grande do Sul?” Ela respondeu afirmando com um murro
na mesa: - “Sim, porque gaúcho é quem nasce no Rio Grande do Sul”. Diante do mal-estar
lembrei-me do que escreveram Beaud; Weber (2007, p. 175):
Seu material de pesquisa abrange também situações, tanto em observação como em
entrevista, no decorrer das quais o mal-estar entre os pesquisados e você jamais se
dissipou. Tome esse mal-estar como objeto de reflexão partindo da hipótese que
nada se deve ao acaso, porque há sempre uma causa (sociológica); não abandone
nunca o princípio de razão suficiente. Não ceda também à tentação psicologizante
(“é um(a) grosso(a)”, um mal-dormido, ele não era simpático, etc.) que alivia você
da responsabilidade de analisar as falhas de interação [...].
O essencial da análise se dá, aqui, na descrição e na elucidação do mal-estar.
Esforce-se por reconstituir as condições sociais dessa interação particular, perguntese quem (qual tipo de pessoa social) você representa para o entrevistado. [...] A
seguir estabeleça com detalhe as características sociais de seu interlocutor. Faça a
30. 28
lista de todos os mal-entendidos ligados à pesquisa. enfim, procure a ou as “falhas”,
as razões principais do mal-estar. Só a análise detalhada da relação que se dá entre
você e o pesquisado.
Como o último campo ainda é bem recente, pouco das entrevistas gravadas foram
trabalhadas nesta monografia por ainda estarem em processo de transcrição. A descrição de
alguns fatos importantes durante os três campos serviu para mostrar como ocorreu o processo
de envolvimento do pesquisador com as pessoas dos locais pesquisados e a equipe de
trabalho.
Após as considerações iniciais contidas na apresentação e metodologia, estruturei
a monografia em quatro partes:
Parte um: da teoria – faço uma relação direta e quase exclusivamente com o
pensamento de diversos autores a respeito das categorias de análise elencadas para discussão,
dentre elas: Migração, Territorialização, Espaço, Tempo, Globalização, Identidade,
Modernidades, Modernização, Eurocentrismo e Racionalidades;
Parte dois: o cenário da “fronteira” no Brasil da soja – esta segunda parte
refere-se à interrelação entre a teoria e o contexto no qual se deu (e se dá) a modernização das
áreas propícias ao cultivo de soja no país, com destaque para o Cerrado e Amazônia, cujas
ponderações são embasadas nas seguintes categorias: Papel do Estado, Fronteira, Rede
Política Agroindustrial, Território, Des-re-territorialização e Multiterritorialidade;
Parte três: o “admirável” Sertão Novo em Balsas – a penúltima parte trata
especificamente sobre o município de Balsas, cujos resultados e reflexões foram obtidos a
partir das informações e observações nos campos e dados estatísticos junto ao IBGE e
IMESC;
Parte quatro: das considerações finais – finalizo, nesta monografia, as reflexões
pessoais sobre os temas aqui abordados.
Enfim, desejo uma boa leitura, compreensão e crítica das temáticas aqui
abordadas.
31. 29
2 METODOLOGIA
Para realização deste trabalho monográfico, concernente aos objetivos elencados
para sua produção, foram utilizadas as abordagens quanti-qualitativa e etnográfica, assim
como o método dialético, para observar, pensar e interpretar os processos de territorialização
na fronteira de expansão agrária no sul maranhense, sob a égide da sojicultura, e seus
desdobramentos. A partir desta metodologia buscou-se entender a dinâmica da modernização
e territorialização recente do campo sul-maranhense, no município de Balsas, atrelada à
expansão da soja, assim como quais são as situações-problema que afligem a população local
em virtude da chegada do migrante sulista e os quadros sócio-culturais e espaciais
(re)desenhados a partir destes processos.
A partir do método dialético buscou-se entender as contradições relativas ao
processo recente de modernização do campo e expansão da soja em choque direto com os
modos de vida daqueles estabelecidos há mais tempo na área de estudo, conseguintemente
refletiu-se sobre a configuração de uma nova territorialização em Balsas por conta de tais
contradições.
Fala-se aqui em abordagem etnográfica e não em método, já que a familiarização
com os grupos estudados precisaria de muito mais tempo em campo, como nos explicam
Beaud; Weber (2007, p. 191-192 e 194):
[...] A pesquisa etnográfica constrói-se como uma sequência de interações pessoais
que tornam possível a presença prolongada do pesquisador no campo. [...].
[...]
[...] ela deve ser “de longa duração”. [...] Por quê? Porque o tempo passado no local
abre possibilidade de verdadeiros “encontros”, de verdadeiros “intercâmbios
diferenciados”, de um envolvimento com o tempo de seus pesquisados. Uma breve
passagem fornece informações ao entrevistador, completamente ligado a seus
contatos locais, em geral os “notáveis” ou as “personagens oficiais” dos cargos
públicos e, pelo menos informalmente, as relações com o público ou os estrangeiros,
os “informantes” ou os “correspondentes” das pesquisas de antigamente. Somente
uma instalação, é claro, provisória, lhe proporciona uma verdadeira identidade [...].
Terá um lugar, à parte, é verdade, mas um lugar no meio de interconhecimento, terá
uma reputação, pois saber-se-á quem ele é e o que faz ali.
Porém, como abordagem, a etnografia proporcionou as bases para formulação dos
procedimentos da pesquisa de campo, haja vista que os contatos iniciais, as observações
diretas, entrevistas (gravadas ou não) e anotações sistemáticas em diário de campo auxiliaram
imprescindivelmente na compreensão da expansão da sojicultura no município de Balsas,
cujos processos decorrentes foram entendidos no contexto em que ocorrem, de modo que os
32. 30
trabalhos de campo possibilitaram uma melhor clarificação do tema abordado, além da devida
constatação e avaliação daquilo que foi estudado na literatura.
A abordagem quanti-qualitativa foi utilizada para interpretar os levantamentos de
materiais existentes para representação cartográfica sobre a área de estudo, dos dados
estatísticos, informações obtidas em entrevistas e junto ao IBGE e IMESC, e por fim, na fase
de seleção dos dados empíricos coletados em observações de campo. Os dados coletados
foram tabulados e representados em forma de tabelas, quadros e figuras (fotos, gráficos,
mapas e cartogramas). Algumas figuras possuem legendas comentadas, como as que abrem os
capítulos, além de alguns quadros e gráficos – para além da normalização – objetivando
interagir e refletir o texto diretamente com as ilustrações.
2.1 Procedimentos metodológicos
2.1.1 Pesquisa Bibliográfica
- Participação, sob a direção das orientadoras no levantamento do referencial
bibliográfico que subsidiou o orientando, na área de Ciências Humanas/Sociais, através do
Núcleo de Documentação Pesquisa e Extensão Geográfica (NDPEG), das bibliotecas centrais
e de programas de pós-graduação da UFMA e UEMA;
- Leitura, com fichamento, do referencial teórico voltado para o aprofundamento
das categorias de análise: fronteira tecnológica, territorialidade/identidade, papel do Estado e
racionalidades;
- Seminários internos para discussão sobre a bibliografia estudada;
- Levantamento de material existente com a representação cartográfica sobre a
área de estudo;
- Levantamento de dados secundários do IBGE e IMESC;
- Participação na revisão de todo o material bibliográfico trabalhado e utilizado,
bem como o cartográfico;
- Realização do levantamento de dados estatísticos, abrangendo o período de 1990
a 2010, em multiescalas (nacional, estadual, mesorregional, microrregional e municipal),
sobre a “evolução” da lavoura de soja, migrações internas, infraestrutura, programas de
“desenvolvimento” regionais, dados demográficos, socioeconômicos, ambientais, etc.;
33. 31
- Redação e apresentação de artigos científicos paralelos em eventos que
abrangiam discussões temáticas sobre as categorias de análise e áreas afins (Território,
Identidade, Poder, Geografia Agrária, Política, Econômica, Urbana, Ambiental, Regional e
Ciências Sociais).
2.1.2 Organização e Realização da Pesquisa de Campo
- Participação na análise e discussão sobre a forma definitiva dos
instrumentos/procedimentos utilizados, junto aos sujeitos estudados;
- Participação nas discussões sobre a montagem dos instrumentos aplicados junto
à população formada por imigrantes, bem como às representações do sindicato patronal e
instituições públicas ligadas à oferta de serviços urbanos;
- Participação em três viagens de campo ao município de Balsas (uma por ano,
durante o triênio 2009-2011), aplicando-se os instrumentos/procedimentos selecionados, com
as técnicas de entrevistas, observações, anotações sistemáticas em diário de campo e
gravações;
- Transcrição das entrevistas.
2.1.3 Elaboração dos Dados
- Participação na fase de seleção dos dados empíricos coletados em campo;
- Participação na fase de tabulação dos dados coletados;
- Participação na fase de representação qualitativa dos dados quantitativos em
forma de tabelas, quadros e gráficos;
- Participação na fase de classificação e interpretação das transcrições.
2.1.4 Análise e Interpretação dos Dados/Informações
- Participação na redação do projeto de monografia;
-
Participação
na
fase
de
análise/interpretação
dos
dados/informações
levantados/coletados na área de estudo. O anonimato dos(as) entrevistados(as) foi mantido:
quando chamados(as) nesta monografia os(as) denominei por letras maiúsculas, em ordem
alfabética crescente, de acordo com a sequência em que aparecem no texto;
34. 32
- Apresentação do texto preliminar da monografia às orientadoras que fizeram as
devidas correções e considerações;
- Apresentação dos resultados da monografia à banca examinadora;
- Redação definitiva do texto monográfico.
O quadro abaixo representa a distribuição cronológica das atividades realizadas
pelo orientando durante o projeto de pesquisa sobre Balsas até a “finalização” desta
monografia:
QUADRO 01. Cronograma de atividades do orientando.
ANO/SEMESTRE
ATIVIDADES
2009
2010
2011
1º
2º
1º
2º
1º
2º
01 Participação do orientando, no levantamento de material
bibliográfico relacionado ao assunto, junto à Biblioteca
Central e programas de pós-graduação da UFMA e UEMA.
X
X
X
X
X
X
02 Fichamento do material bibliográfico referente às
categorias de análises utilizadas na fundamentação do
trabalho.
X
X
X
X
X
X
03 Levantamento de material existente
representação cartográfica da área de estudo.
sobre
a
04 Realização do levantamento de dados estatísticos sobre
“evolução” da lavoura de soja, migrações internas,
infraestrutura, programas de “desenvolvimento” regionais,
dados demográficos, socioeconômicos, ambientais, etc.
X
05 Participação na montagem dos instrumentos a serem
aplicados junto à população local e “migrante”, bem como
às representações patronais, culturais e instituições públicas
e de preservação da cultura/identidade local e do migrante
sulista.
X
X
X
06 Participação em viagem ao município de Balsas, visando
a aplicação dos instrumentos/procedimentos selecionados.
X
X
X
07 Participação na fase de seleção dos dados empíricos
coletados no campo.
X
X
X
08 Participação na etapa de tabulação dos dados coletados.
X
X
X
09 Participação na etapa de representação dos dados em
tabelas, quadros e gráficos.
X
X
X
10 Participação na fase de análise e interpretação dos
dados/informações.
X
X
X
11 Participação na redação do texto final da monografia.
X
12 Defesa da monografia.
X
Fonte: Dados da pesquisa, 2009-2011.
36. 34
3 SOBRE AS CATEGORIAS DE ANÁLISE: divagações introdutórias...7
Figura 01. Mosaico 1: sátiras de Pawła Kuczyńskiego. Fonte: adaptado de Capu.pl. A concentração de renda e o
aumento contínuo da desigualdade são características inerentes ao projeto de mundo moderno globalizado da
forma como está: “Enquanto metade da humanidade não come, a outra metade não dorme, com medo da que não
come” (frase propalada em um congresso da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação –
FAO, por Josué Apolônio de Castro – geógrafo, cientista social, professor, escritor, político, médico, nutrólogo,
ativista brasileiro... autor da obra clássica Geografia da Fome – enquanto dirigente eventual desta instituição).
7
Num primeiro momento, o que parece uma verborragia divagante fez-se necessária. O encadeamento de
diversas categorias de análise não se deu por acaso e nem desconcatenado. Neste capítulo introdutório elencouse uma série de categorias (migração, territorialização, espaço, tempo, globalização, identidade, modernidades,
modernização e eurocentrismo) como um ensaio geral para os capítulos seguintes, que as tratarão mais
especificamente, principalmente aquelas que foram consideradas indispensáveis para o entendimento holístico
do trabalho.
Este capítulo possui alguns trechos do seguinte artigo: OLIVEIRA, Danniel Madson Vieira; MOREIRA, Tiago
Silva; RÊGO, Josoaldo Lima. Processo de (re)construção da identidade sócio-territorial no sujeito (pós)moderno.
In: Ciências Humanas em Revista (UFMA), v. 7, p. 20-29, 2009.
37. 35
“[...] Ser moderno é encontrar-se em um ambiente que promete aventura, poder,
alegria, crescimento, autotransformação e transformação das coisas em redor –
mas ao mesmo tempo ameaça destruir tudo o que temos, tudo o que sabemos, tudo o
que somos. A experiência ambiental da modernidade anula todas as fronteiras
geográficas e raciais, de classe e nacionalidade, de religião e ideologia: nesse
sentido, pode-se dizer que a modernidade une a espécie humana. Porém, é uma
unidade paradoxal, uma unidade de desunidade: ela nos despeja a todos num
turbilhão de permanente desintegração e mudança, de luta e contradição, de
ambigüidade e angústia. Ser moderno é fazer parte de um universo no qual, como
disse Marx, ‘tudo o que é sólido desmancha no ar.’” (BERMAN, 2007, p. 24, grifo
meu).
A mobilidade8 é uma característica da espécie humana (mas não só desta) desde
nossas sociedades mais simples, formadas por grupos nômades de caçadores e coletores.
Mesmo “de caçador a criador, de coletor a agricultor” (PINSKY, 1987, p. 50) e sua
consequente “sedentarização” (estágios das sociedades humanas perpetuados pela ótica de
teorias evolucionistas) o homem continuou a se dispersar mundo afora, pelas causas mais
diversas possíveis como intempéries naturais, conflitos intergrupais ou busca por recursos
naturais.
A “diáspora” colonizadora do homem moderno9 reconfigurou (e reconfigura)
constantemente o espaço geográfico. Ao longo dos anos, as inovações técnicas nos meios de
transporte e de comunicação permitiram a dinamização dessa mobilidade e o “acesso
instantâneo” virtual aos diversos territórios do ciberespaço10, através da rede mundial de
computadores11, dando uma aparente e utópica noção de homogeneidade do espaço, fim das
fronteiras, dos territórios nacionais, da Geografia, da História, consolidação da aldeia global e
pós-modernidade... momento denominado e conceituado por Santos (1996, p. 147) de “Era
8
Neste capítulo utiliza-se a palavra mobilidade como sinônima às migrações humanas: “movimento espacial de
indivíduos ou grupos (ou até de populações) de um habitat para outro” (DICIONÁRIO DE SOCIOLOGIA).
9
Quem é este homem moderno? É aquele pertencente ao Mundo e Período Moderno. O Mundo Moderno surge
na Europa expansionista ultramarina, iluminista, moldado pelos homens e mulheres que “sacralizaram” seu
pensamento como O RACIONAL, tornando-o hegemônico, substituindo “a providência divina” (que tem certeza
na lei divina) pelo “progresso providencial” (cuja certeza provém de nossos sentidos, da observação empírica,
que produzem a razão desagrilhoada). “[...] a idéia providencial da razão coincidiu com a ascensão do domínio
europeu sobre o resto do mundo. O crescimento do poder europeu forneceu o suporte material para a suposição
de que a nova perspectiva sobre o mundo era fundamentada sobre uma base sólida que tanto proporcionava
segurança como oferecia emancipação do dogma da tradição.” (GIDDENS, 1991, p. 54). O homem moderno
cria, defende e difunde o projeto de modernidade sob a égide do pensamento “racional” ocidental.
10
Termo criado pelo escritor estadunidense William Ford Gibson, popularizado em seu romance de estreia
“Neuromancer” (1984), que assim o define: “Ciberespaço. Uma alucinação consensual experimentada
diariamente por bilhões de operadores legitimados, em cada nação, por crianças atrás de conceitos matemáticos
ensinados... Uma representação gráfica de informação abstraída dos bancos de cada computador no sistema
humano. Complexidade impensável. Linhas de luz vagueando no não espaço da mente, cachos e constelações de
informação. Como luzes da cidade, recuando.” (GIBSON, 1993, p. 67, grifos meus).
11
“É a partir do computador que a noção de tempo real, um dos motores fundamentais da nossa era, torna-se
historicamente operante. Graças exatamente, à construção técnica e social desse tempo real é que vivemos uma
instantaneidade percebida, uma simultaneidade dos instantes, uma convergência dos momentos.” (SANTOS,
1996, p. 148).
38. 36
das Telecomunicações”, na qual há “combinação entre a tecnologia digital, a política
neoliberal e os mercados globais.”
O mundo estaria se “desterritorializando”? Sob o impacto dos processos de
globalização que “comprimiram” o espaço e o tempo, erradicando as distâncias pela
comunicação instantânea e promovendo a influência de lugares os mais distantes uns
sobre os outros, a fragilização de todo tipo de fronteira e a crise da territorialidade
dominante, a do Estado nação, nossas ações sendo regidas mais pelas imagens e
representações que fazemos do que pela realidade material que nos envolve, nossa
vida imersa numa mobilização constante, concreta e simbólica, o que restaria de
nossos “territórios”, de nossa “geografia”? Segundo o urbanista-filósofo francês
Paul Virilio, até a geopolítica estaria sendo sobrepujada pela cronopolítica, pois
seria estrategicamente muito mais importante o controle do tempo do que o controle
do espaço. O mundo das divisões territoriais dos Estados nações, na forma de colcha
de retalhos, estaria condenado frente ao mundo das redes, a “sociedade em rede”
como denominou Manuel Castells. (HAESBAERT, 2006, p. 19-20).
David Harvey (2010) escreveu sobre a “compressão do tempo-espaço” (figura 02) como
um indicativo da demasiada e contínua aceleração do ritmo de vida imposto pela história do
capitalismo, vencendo cada vez mais as limitações do espaço, tornando o mundo cada vez “menor”:
[...] À medida que o espaço parece encolher numa “aldeia global” de
telecomunicações e numa “espaçonave terra” de interdependências ecológicas e
econômicas [...] e que os horizontes temporais se reduzem a um ponto em que só
existe o presente (o mundo do esquizofrênico), temos de aprender a lidar com um
avassalador sentido de compressão dos nossos mundos espacial e temporal.
(HARVEY, 2010, p. 219, grifos do autor).
Figura 02. Mosaico 2: Compressão do tempo-espaço. A – “O encolhimento do mapa do mundo graças a
inovações nos transportes que ‘aniquilam o espaço por meio do tempo’”. B – “Um anúncio da Alcatel de 1987
enfatiza uma imagem popular do globo encolhendo”. Fonte: adaptado de Harvey, 2010, p. 220 e 221.
39. 37
“Oh, admirável mundo novo!” Que a todo instante se desconstrói-reconstrói, em
que o novo já nasce obsoleto, a rapidez e tempo tornam-se inversamente proporcionais
(aumenta-se a velocidade de tudo para que possamos fazer mais tudo e a impressão que fica é
que estamos sempre sem tempo), talvez o ápice da tentativa constante de findar o espaço pode
ser traduzido nos investimentos em pesquisas e estudos sobre a possibilidade de viagem do
homem no tempo-espaço através do teletransporte (possibilidade ainda frustrada).
No mundo moderno a intensidade dos processos e a velocidade do acontecer
marcam as relações dos homens entre si e destes com o espaço, uma vez que
transformam o tempo, aceleram o ritmo. “Nosso ritmo de vida não conhece os
tempos longos”, nos assevera Calvino [1994, p. 15]. A ideia de um tempo rápido, de
um aqui e agora, de um presente sem espessura parece despir o cidadão de um
passado, de sua história, deixando-o assolado pela febre do instantâneo. O passado,
enquanto experiência e sentido daquilo que produz o presente, se perde, ao passo
que o futuro se esfuma na velocidade do tempo da transformação das formas – o
lugar é cada vez mais aquele do não uso, logo, da não identidade.
[...]
São as mudanças no tempo e no espaço, e na sua relação, que ajudam a definir a
modernidade hoje. (CARLOS, 2010, p. 10).
Porém, apesar do “triunfo” (mais no campo teórico) da “sociedade em rede”, da
“inflação telecomunicacional” e da “convergência dos momentos”, os atores que dão vida ao
espaço virtual que “homogeniza” provêm de espaços reais os mais heterogêneos e,
preponderantemente, espaços de inclusão precária regidos por pensamentos diversos em
contraposição à consciência global interplanetária; outros milhões, marginalizados pelo
mercado e de racionalidades colonizadas, foram “deletados” desse processo oneroso pela
globalização da “desigualdade moral e política12” (ROUSSEAU, 2006), tornando a
sustentação deste discurso, na prática, falaciosa e volátil (o termo global foi deturpado no
sentido de abrangência absoluta: a contradição surge ao classificarmos um processo como
global quando este elenca uma “minoria prioritária13”, inclui muitos precariamente e exclui
uma parcela significativa). A aldeia global cunhada pelo filósofo canadense Herbert Marshall
McLuhan e em seguida singularizada com a globalização parece cada vez mais restrita, em
processo de implosão, causado por esta globalização nonsense estabelecida, doente, em
autofagia degenerativa.
12
“[...] A [...] desigualdade moral ou política [...] depende de uma espécie de convenção e [...] é estabelecida ou
pelo menos autorizada pelo consentimento dos homens. Esta consiste nos diferentes privilégios de que gozam
alguns em prejuízo dos outros, como ser mais ricos, mais honrados, mais poderosos do que os outros ou mesmo
fazer-se obedecer por eles.” (ROUSSEAU, 2006, p. 27).
13
Neste caso falo de uma minoria hegemônica, minoria apenas numericamente já que detém o poder
econômico, social, político, militar, cultural... ao contrário de minorias contra-hegemônicas (raciais, culturais
e nacionais): “grupo racial, cultural ou de nacionalidade, autoconsciente, em procura de melhor status
compartilhado do mesmo habitat, economia, ordem política e social com outro grupo (racial, cultural ou de
nacionalidade), que é dominante (ecológica, econômica, política ou socialmente) e que não aceita os membros
do primeiro em igualdade de condições” (PIERSON apud DICIONÁRIO DE SOCIOLOGIA).
40. 38
Em 1998, os 20% mais ricos do planeta dispunham de 86% do produto mundial, e os
20% mais pobres de apenas 1%. Enquanto isso, a diferença de renda passou de 30
para 1, em 1960, de 60 para 1, em 1990, e de 74 para 1, em 1997. Explica esse
aumento das desigualdades a proliferação do desemprego (segundo a OIT, são 188
milhões de desempregados em 2003, ou seja, 6,2 % da força de trabalho mundial),
do subemprego, dos circuitos ilegais da economia. [...] Basta verificar que 22% da
população mundial, ou seja, 1,3 bilhão de pessoas vivem com menos de um dólar
por dia, considerado o limiar da pobreza absoluta. (HAESBAERT; PORTOGONÇALVES, 2006, p. 47).
[...] a sociedade global caminha a passos largos ao esfacelamento do mundo. A
pobreza e o desemprego aumentam, criam-se cada vez mais miseráveis em nome
dessa razão que matou a política e transformou o mercado na primeira, última e
única instância de vida do cidadão, transformando este em um [mero] consumidor.
Entretanto, as desigualdades crescentes nos fazem acreditar que, como disse Milton
Santos, uma outra globalização é possível; que essa razão hegemônica não é
invencível e que essa ordem social pode e deve ser questionada, pois isso é um dos
papéis dos intelectuais. Então um outro possível histórico é plausível, uma vez que,
como alertava Nietzsche, o homem é o grande criador das coisas e dos valores.
Essas coisas e valores podem parecer e aparecer transcendentais, superiores e, até
mesmo, metafísicas aos olhos do próprio homem. Todavia, no íntimo, essa razão
hegemônica é a globalização; essas coisas e valores são obras demasiadamente
humanas.” (RIBEIRO JUNIOR; OLIVEIRA; SANT’ANA JÚNIOR, 2010, p. 49).
Apesar
da
incontestável
interação
de
culturas,
algumas
imperativas
excessivamente, e o aspecto cultural híbrido do homem moderno, as diferenças, adaptações e
resistências de sociedades moldadas pela tradição14 persistem, em oposição ao pensamento do
macho-ocidental-branco-heterossexual-civilizado que se auto classifica como sendo o racional
e consequentemente reafirma sua “superioridade” e imperatividade.
Essa modernidade, produzida e difundida pelos europeus, ao ser contestada, é
porque passa por momentos de crise, assim como todo o aporte social, cultural e econômico
intrínseco a ela. Heidemann nos fala a respeito da forma como ocorrem as migrações
coetâneas, consequência direta da crise da modernidade, desgastada e sem o poder de
regeneração de outrora:
O aspecto canibalesco do capital e seu ímpeto infatigável de integrar todas as áreas
sociais destroem e excluem, ao mesmo tempo, os seus pressupostos vivos. Não
podemos ter ainda dúvidas de que o atual processo de migração resultou num
reforçado apartheid social nos territórios do mercado mundial. Os migrantes que
hoje [...] trabalham como [ou fazem] escravos nas fazendas das periferias rurais [...]
não são fenômenos residuais de condições pré-modernas, mas produto de uma
14
Tradição: “aspectos culturais, materiais e espirituais, transmitidos oralmente de geração em geração, através
de hábitos, usos e costumes” (DICIONÁRIO DE SOCIOLOGIA).
“Nas culturas tradicionais, o passado é honrado e os símbolos valorizados porque contêm e perpetuam a
experiência de gerações. A tradição é um modo de integrar a monitoração da ação com a organização tempoespacial da comunidade. Ela é uma maneira de lidar com o tempo e o espaço, que insere qualquer atividade ou
experiência particular dentro da continuidade do passado, presente e futuro, sendo estes por sua vez estruturados
por práticas sociais recorrentes. A tradição não é inteiramente estática, porque ela tem que ser reinventada a cada
nova geração conforme esta assume sua herança cultural dos precedentes. A tradição não só resiste à mudança
como pertence a um contexto no qual há, separados, poucos mercadores temporais e espaciais em cujos termos a
mudança pode ter alguma forma significativa.” (GIDDENS, 1991, p. 44).
41. 39
modernidade que não tem mais como garantir outras possibilidades de existência.
(HEIDEMANN, 2010, não publicado, grifo meu).
A mobilidade forçada é intrínseca à modernidade e modernização, principalmente
nas sociedades contemporâneas, e é ainda mais dinâmica naquelas tardiamente inseridas nesse
contexto. Os espaços centrífugos (que repelem) e centrípetos (que atraem), protagonizados e
metamorfoseados pelos diferentes agentes sociais, vão determinar a direção desses fluxos
migratórios (HEIDEMANN, 2010, não publicado, SANTOS; SILVEIRA, 2006) sob a égide
da expansão do capital.
O migrante mobilizado é atraído e expulso conforme as conjunturas do processo de
modernização. As leis da concorrência movimentaram os exércitos de reserva na
imposição da economia moderna em grandes levas de deslocamentos. Em tempos da
crise15 fundamental do sistema social, a rejeição e discriminação do imigrante,
supérfluo para o processo de valorização, torna-se mais comum. As interpretações
social-darwinista tornam-se novamente populares. (HEIDEMANN, 2010, não
publicado).
Assim como a questão da mobilidade e migrações recentes, o constante e abrupto
renovar técnico-científico-informacional16 observado no século XX e atual século XXI são
fatores demasiadamente essenciais para o desenvolvimento do período que denominamos de
Globalização. Processo que, como supracitado, apesar da inclusão precária, consegue
paulatinamente estreitar os laços geográficos e culturais entre diversos povos, porém não
promove a unidade cultural.
É bem verdade que a globalização facilitou a propagação de informações e
aproximou as mais diversas culturas. Ela “encurtou” as distâncias e promoveu a
integração econômica no mais alto patamar. Consequentemente, esse mesmo
processo superexplora a mão-de-obra desprovida de qualificação (política essa
inerente à grande parte das empresas transnacionais); faz insurgir movimentos
contrários à imposição de um pensamento único (SANTOS, 2000), como o
fundamentalismo islâmico (que são taxados de radicais e terroristas, pois não
compactuam com os preceitos desse modelo de ordem originário da razão
hegemônica). Samuel Huntington fala em “choque de civilizações”, choque que
muitas vezes provoca reações nos mais diversos países: a xenofobia (especialmente
na Europa Ocidental – Alemanha – e na América Anglo-Saxônica – EUA, para com
os latinos). Os riscos financeiros aumentam, pois o neoliberalismo é incapaz de
regulamentar os mercados por si só (o Estado torna-se importante e vital para o
capitalismo – um bom exemplo é a crise mundial pela qual atravessamos desde o
final de 2008). A inclusão precária dos habitantes é reflexo do abandono do Welfare
State. Apenas poucos possuem acesso a uma qualidade de vida honesta. A fé cega na
15
“[...] a moderna sociedade do trabalho como um todo está no fim e, com isso, também o estão suas categorias
básicas da forma-mercadoria e forma-dinheiro” (KURZ, 1999).
16
“A união entre ciência e técnica [...] revigora-se com os novos e portentosos recursos da informação, a partir
do período da globalização e sob a égide do mercado. E o mercado, graças exatamente à ciência, à técnica e à
informação, torna-se um mercado global. O território ganha novos conteúdos e impõe novos comportamentos,
graças às enormes possibilidades da produção e, sobretudo, da circulação dos insumos, dos produtos, do
dinheiro, das idéias e informações, das ordens e dos homens. É a irradiação do meio técnico-científicoinformacional [...] que se instala sobre o território [...].” (SANTOS; SILVEIRA, 2006. p. 52-53).
42. 40
técnica pragmatiza as ciências (a Geografia, notadamente, não escapa disso). Não há
como negar que isso é a globalização em sua essência. (RIBEIRO JUNIOR;
OLIVEIRA; SANT’ANA JÚNIOR, 2010, p. 47).
O processo ressaltado por alguns estudiosos ou leigos como uma característica
salutar da globalização seria a amálgama inter/multi/transcultural17 proveniente da
hibridização e ressignificação de culturas “análogas” ou até mesmo “distantes”, mas que
encontram um “elo”, um ponto de “afinidade”, ou são absorvidas por “osmose” após o
movimento massivo e incessante de culturas que são (ou querem se fazer) hegemônicas, como
afirma Featherstone (apud SILVA, 2001, p. 189): “a globalização nos torna conscientes do
próprio volume da diversidade e das muitas faces da cultura. Os sincretismos 18 e os
hibridismos19 constituem mais a regra do que a exceção”.
Todo esse processo é descrito e reafirmado por Berman (2007), porém, utilizando
outra categoria que se confunde em alguns aspectos com a globalização: a modernização,
bastante referida nesta discussão, que durante as últimas décadas (do século XX e do recente
XXI) trouxe uma série de transformações homogeneizadoras intensas que foram naturalizadas
em prol do “progresso”, difusão do capitalismo e da cultura ocidental, em detrimento das
diversas identidades e modos de vida de grupos não hegemônicos:
O turbilhão da vida moderna tem sido alimentado por muitas fontes: grandes
descobertas nas ciências físicas, com a mudança da nossa imagem do universo e do
lugar que ocupamos nele; a industrialização da produção, que transforma
conhecimento científico em tecnologia, cria novos ambientes humanos e destrói os
antigos, acelera o próprio ritmo de vida, gera novas explosões demográficas, que
penaliza milhões de pessoas arrancadas de seu habitat ancestral, empurrando-as
pelos caminhos do mundo em direção a novas vidas; rápido e muitas vezes
catastrófico crescimento urbano; sistemas de comunicação de massa, dinâmicos em
seu desenvolvimento, que embrulham e amarram, no mesmo pacote, os mais
variados indivíduos e sociedades; estados nacionais cada vez mais poderosos,
burocraticamente estruturados e geridos, que lutam em obstinação para expandir seu
poder; movimentos sociais de massa e de nações, desafiando seus governantes
políticos ou econômicos, lutando por obter algum controle sobre suas vidas; enfim,
dirigindo e manipulando todas as pessoas e instituições, um mercado capitalista
mundial, drasticamente flutuante, em permanente expansão. No século XX, os
processos sociais que dão vida a esse turbilhão, mantendo-o num perpétuo estado de
vir-a-ser, vêm a chamar-se “modernização”. [...] (BERMAN, 2007, p. 25, grifo
meu).
17
Transculturação: “processo de difusão e infiltração de complexos ou traços culturais de uma para outra
sociedade ou grupo cultural; troca de elementos culturais” (DICIONÁRIO DE SOCIOLOGIA).
18
Sincretismo: “processo de fusão de elementos ou traços culturais, dando como resultado um traço ou
elementos novos” (DICIONÁRIO DE SOCIOLOGIA).
19
“O hibridismo cultural é um fenômeno histórico-social que existe desde os primeiros deslocamentos
humanos, quando esses deslocamentos resultam em contatos permanentes entre grupos distintos. [...] um sujeito
híbrido [...] quando deixa sua terra, torna-se diferente, pois os outros homens que encontra na terra estrangeira
têm outros costumes e outras crenças; ouve outro tipo de música e dança em outro ritmo. O ritmo que trouxe une
ao que encontra e inicia o processo de hibridismo cultural. A palavra sujeito aqui [...] tem o significado de grupo
ou comunidade.” (CARDOSO, 2008, p. 79).
43. 41
Acerca das “modernidades” as reflexões são também complexas: retratam
categorias de análise que diferem (entre si) por aspectos conceitualmente tênues, já que estão
demasiadamente interrelacionadas. De forma bem simplista, modernidade, hipermodernidade
e pós-modernidade, são três etapas do Período Moderno20 que representam respectivamente:
(1) início/consolidação, (2) apogeu e (3) superação do homo modernus, ou seja, aquele sujeito
inserido nas características da sociedade moderna ocidental, como explica melhor Giddens:
[...] O que é modernidade? Como uma primeira aproximação, digamos
simplesmente o seguinte: “modernidade” refere-se a estilo, costume de vida ou
organização social que emergiram na Europa a partir do século XVII e que se
tornaram mais ou menos mundiais em sua influência. [...]
Hoje, no final do século XX, muita gente argumenta que estamos no limiar de uma
nova era, a qual as ciências sociais devem responder e que está nos levando para
além da própria modernidade. Uma estonteante variedade de termos tem sido
sugerida para esta transição, alguns dos quais se referem positivamente à emergência
de um novo tipo de sistema social (tal como a “sociedade de informação” ou a
“sociedade de consumo”), mas cuja maioria sugere que, mais que um estado de
coisas precedentes, está chegando a um encerramento (“pós-modernidade”, “pósmodernismo”, “sociedade pós-industrial”, e assim por diante) [...]. (GIDDENS,
1991, p. 11).
A Modernidade está diretamente relacionada com o Capitalismo, pois,
desenvolvem-se praticamente simultaneamente. Também está relacionada ao projeto de
mundo moderno, difundido desde o século XVII da Europa para o mundo. Baudelaire (1996,
p. 24) percebe e “traduz”, como poucos dos seus contemporâneos, as faces da modernidade na
vida e na arte do homem moderno (especificamente de Paris no século XIX), nos falando que:
“[...] A Modernidade é o transitório, o efêmero, o contingente, é a metade da arte, sendo a
outra metade o eterno e o imutável”, frase tão bem analisada por Berman (2007, p. 160)
quando afirma que:
[...] uma das qualidades mais evidentes dos muitos escritos de Baudelaire sobre vida
e arte moderna consiste em assinalar que o sentido da modernidade é
surpreendentemente vago, difícil de determinar. [...] o pintor (ou romancista ou
filósofo) da vida moderna é aquele que concentra sua visão e energia na “sua moda,
sua moral, suas emoções”, no “instante que passa e (em) todas as sugestões de
eternidade que ele contém”. Esse conceito de modernidade é concebido para romper
com as antiquadas fixações clássicas que dominam a cultura francesa. “Nós, os
artistas, somos acometidos de uma tendência geral a vestir todos os nossos assuntos
com uma roupagem do passado”. A fé estéril de que vestimentas e gestos arcaicos
produzirão verdades eternas deixa a arte francesa imobilizada em “um abismo de
beleza abstrata e indeterminada” e priva-a de “originalidade”, que só pode advir do
“selo que o Tempo imprime em todas as gerações”.
20
Não trabalho aqui com a noção clássica de subdivisão da História Ocidental em Idades (... Antiga, Média,
Moderna e Contemporânea). Neste caso, o Período Moderno não está relacionado somente à Idade Moderna,
mas a partir desta aos dias atuais, já que o projeto de mundo moderno vem desde então e ainda está a
“colonizar” novas áreas, extinguir remanescências e reminiscências.
44. 42
As artes e arquitetura da modernidade são marcadas pela “criação destrutiva” e
“destruição criativa” (figura 03). A “imortalidade” do artista moderno torna-se um
antagonismo. “[...] Se o modernista tem de destruir para criar, a única maneira de representar
verdades eternas é um processo de destruição passível de, no final, destruir ele mesmo essas verdades.
E, no entanto, somos forçados, se buscamos o eterno e o imutável, a tentar e a deixar a nossa marca no
caótico, no efêmero e no fragmentário. [...]” (HARVEY, 2010, p. 26).
Figura 03. “A arte parisiense de boulevard atacando a destruição modernista do antigo tecido urbano: um cartum
de J. F. Batellier em ‘Sans Retour, Ni Consigne’”. Fonte: Harvey, 2010, p. 28.
Outro viés dos Tempos Modernos é a Hipermodernidade ou Modernidade
Radicalizada: a exacerbação de diversos valores criados na Modernidade, tais como o
individualismo, o narcisismo coletivo, o consumismo, o liberalismo globalizado, a ética
hedonista, a fragmentação e efemeridade do tempo e do espaço, a esquizofrenia no ritmo das
mudanças, a sociedade permissiva e do carpe diem21. Estamos na “era do vazio”22(?).
21
O termo latim carpe diem traduzido livremente significa “aproveitar/apreender/colher o dia/o momento” tendo
como referência primária um trecho da obra “Odes I” ou “Carminum liber primus” (datada de 23 a.C) do poeta
romano Quintus Horatius Flaccus, ou simplesmente Horácio para lusófonos, quando escreve (em Odes, I, 11, 8
“A Leuconoe”): “[...] fugerit ínvida aetas: carpe diem quam minimum credula postero. [...]” (tradução: [...]
fugido o tempo invejoso: colhe o dia, quanto menos confiada no de amanhã. [...]). Popularizado como um dos
lemas que sintetizava os ideais dos poetas do Arcadismo (movimento artístico-literário ocidental
predominantemente do século XVIII), no sentido epicurista original, de um hedonismo de ascese, uma busca de
prazer ordenado, “racional”, que deve evitar todo desprazer e toda supremacia do prazer. Era um hedonismo a
mínima, de apreciar e viver bem o momento presente, longe dos excessos. Recentemente o carpe diem foi
retomado deturpando-se o sentido original – em algumas músicas, filmes, propagandas e livros – perdendo toda
relação com o texto original e passa a ser compreendido como uma incitação ao mais forte hedonismo, talvez o
mais cego, sem perspectiva de futuro, logo, onde “tudo é destinado a desaparecer” procura-se qualquer prazer