Este documento é um livro sobre os druidas e o gênio celta, dividido em dois volumes. O primeiro volume descreve a origem e cultura dos povos celtas na Irlanda, País de Gales, Bretanha e outras regiões. O segundo volume foca nos druidas e nos deuses celtas representados como animais. Ambos os volumes fornecem detalhes sobre as crenças e práticas religiosas dos celtas antigos.
5. Os Druidas e o Génio Celta
A LINGUAGEM SIMBÓLICA DAS ILUSTRAÇÕES DE
OS DRUIDAS E O GÉNIO CELTA
Gabriela Marques da Costa
(a pintora)
Quando se pensa em realizar uma
capa com a temática dos druidas e
dos celtas, o que salta logo à imagina-
ção é a cor verde, pois imagina-se as
paisagens verdes com o orvalho da
manhã, as clareiras dos bosques, os
recantos onde as ervas medicinais
eram apanhadas, o cheiro a terra hú-
mida, o som do balançar dos ramos
ao vento, entre outros sentidos des-
pontados pela beleza verdejante.
O Druida por si só representa toda
a sabedoria ancestral que lhe era pas-
Pintura de Gabriela Marques da Costa
Capa e Contracapa sada por boca e que era secreta. Re-
presenta o conselheiro espiritual, o fi-
lósofo, o contador de histórias, o mé-
dico, o adivinho e até mesmo o exem-
plo a seguir por todo o povo celta que
o respeitava.
O punhal que este tem junto ao
peito é uma boline, pois é o instru-
mento de corte que acompanha sem-
pre o Druida aquando da apanha das
ervas mágicas. Contudo este punhal,
para mim representa tanto a boline
como o athame, pois o Druida tem-no
encostado ao peito, símbolo do sen-
timento puro.
O athame não possui nenhum uso
de corte; apenas é usado para direc-
cionar energias num ritual. O olhar do
druida é um olhar de experiência e ao mesmo tempo de conver-
sação bilateral com os elementais da natureza. Isso salienta-se no
sopro da sílfide direccionado ao druida, simbolizando por parte do
elemental a doação de intuição, discernimento e inteligência.
As ondinas estão representadas na água, no alguidar mágico;
as salamandras no fogo que crepita, no fogo que faz ferver os lí-
Apeiron Edições | 7
6. Léon Denis, Henri d'Arbois de Jubainville
quidos mágicos, no fogo da chama espiritual. A dríade que é uma
fêmea humanóide de aparência lenhosa encontra-se camuflada, e
em cima do cromeleque representa a força da vida vegetal do
planeta; as árvores são a sua morada, nomeadamente os carva-
lhos. Estes encontram-se representados em toda a capa, sim-
bolizando o conhecimento antigo, o respeito, e de certo modo es-
tão directamente ligados aos druidas pelo paralelismo do conheci-
mento antigo.
O cromeleque em marca de água representa Stonehenge, que
naquele tempo era como o santuário mais mariano dos nossos
dias. Este, na imagem, está como que a circunscrever o culto lu-
nar representado, neste caso, pela Mãe Tríplice.
A Mãe Tríplice é um dos elementos mais importantes para a
cultura Celta e para o Druidismo. Esta representa em específico
as fases da lua (que na cultura eram apenas três; a lua nova era
ignorada). Assim, estas três fases da lua representavam, acima de
tudo, a Deusa Mãe dos Celtas, mediante as três fases da vida: A
donzela - o crescente lunar, virginal e delicado; A mãe - a Lua
Cheia, com seu ventre inchado de vida; e a anciã - a Lua em
Quarto Minguante, sábia e poderosa, que desaparece na noite es-
cura da morte.
À frente do alguidar mágico tem o símbolo da triqueta, que
pode parecer um pleonasmo já com a existência do símbolo da
Mãe Tríplice, mas não são propriamente iguais.
A triqueta também representa os três aspectos da Grande
Mãe, a energia criadora do universo, cujas três faces são a Vir-
gem, a Mãe e a Anciã. Mas esta representa também as estações
do ano, que antigamente eram divididas em três fases: Primavera,
Verão e Inverno. Este símbolo da tríplice é utilizado desde um
tempo anterior a 700 anos a.C. Representa também o solo da
terra - o mundo; o Céu - o mundo dos Deuses; e o mar - o mun-
do dos mortos.
A anciã celta que aparece a mostrar o fogo nas suas mãos
representa o respeito do homem pela mulher naquela cultura. Na
antiga sociedade celta, o feminino tinha uma posição central. As
mulheres eram vistas como o aspecto vivo da criação. Seus ciclos,
para a cosmologia céltica, estavam ligados ao universo e às suas
energias, estando conectados de forma simbólica e prática, de
acordo com o ciclo menstrual, ao processo da vida, morte e re-
nascimento dos seres vivos.
A hera que cai pelos ombros da anciã celta de cabelos ruivos
representa as plantas medicinais. O nome hera significa “grande
senhora”; a planta em si significa fertilidade.
Finalizando, falta-me falar de um pequeno apontamento muito
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7. Os Druidas e o Génio Celta
importante para esta cultura que vivia e venerava a Mãe Natu-
reza. O Green Man é um antigo símbolo celta que com o passar
dos tempos passou a um símbolo pré-cristão encontrado gravado
na madeira e na pedra de templos e sepulturas pagãs, de igrejas
e de catedrais medievais, e usado como ícone arquitectural da Era
Vitoriana, numa área que se estende desde a Irlanda até ao Leste
da Rússia. Este representa o mestre da colheita e de toda a
Natureza cultivada. Simboliza o dominador da vida e do cresci-
mento das plantas, desempenhando vários papéis, principalmente
o de Filho e Amante da Deusa.
Outros elementos suplementares de interpretação
(Dulce Leal Abalada)
Quando se fala de Druidas e Celtas salta naturalmente à nos-
sa mente cenários de bosques sagrados, de florestas densas e
frondosas, prenhes de húmida seiva vivificante, envoltas em té-
nues mantos nebulosos de tons cristalinos e diáfanos outorgando
a este lugar uma magia muito especial: o mistério da vida pu-
lulante onde, nas folhagens vibrantes e coloridas pintadas de ver-
de esperança, se oculta o maravilhoso mundo dos seres da natu-
reza. O patrono desta beleza natural é Cernunnos, representado
na parte superior da ilustração da capa, o deus da flora que es-
tabelece a harmonia deste mundo e o protege dos olhares curio-
sos dos humanos. Este guardião, semi-deus da floresta, é repre-
sentado por uma face em forma de folha seca, envelhecida pelos
tempos, com galhos em seu redor com os tons predominantes da
flora envolvente que guarda. Esta moldura rendilhada de porme-
nores celtas, em que vemos nós estilizados e entrelaçados em tri-
quetas, símbolo da flor da vida, nas suas três fases, vida, morte e
renascimento, transmite um ambiente profícuo celto-druídico.
Se atentarmos melhor na imagem notaremos que a forma
circular da floresta é indelevelmente sobreposta por um crome-
leque, Stonehenge, transmitindo a ideia da sacralidade do lugar
onde se realizavam os cultos e as cerimónias dos sacerdotes drui-
das.
Na ilustração vemos em grande plano um sacerdote druida no
seu traje branco munido de um athame (forma de punhal) de
cabo branco (boline), símbolo do poder masculino (o falo) asso-
ciado a outro poder feminino presente, o útero, representado pelo
“caldeirão mágico”, onde consta a triqueta inscrita no círculo,
símbolo do universo incriado, conferindo a esta imagem um signi-
ficado mais amplo, pois com a presença da mulher trajada de
branco portando o fogo em suas mãos e ao pescoço e cabeça co-
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8. Léon Denis, Henri d'Arbois de Jubainville
lares de vegetação, simboliza a vida manifestada no mundo tridi-
mensional: a Grande Mãe, deusa lunar, personificação das três
fases lunares (similar à representação das moiras do pensamento
grego que teciam o fio da vida: o nascimento, a vida e a morte).
Nesta ilustração damo-nos conta da presença dos quatro ele-
mentos da Terra: em baixo o elemento Fogo, a salamandra que
rege este elemento; em cima o elemento Ar (representado por uma
face que exala o sopro, o vento; os silfos); do outro lado o ser
elemental da natureza, representando a Terra, os duendes e gno-
mos e, por último, a água representada pela ondina dentro do
caldeirão.
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9. Os Druidas e o Génio Celta
ÍNDICE
Intróito
- Benção e Preces celtas e druidas 15
LIVRO I
O GÉNIO CELTA E O MUNDO INVISÍVEL
Léon Denis
Introdução 21
PRIMEIRA PARTE - Os países celtas
Capítulo I
A origem dos celtas. A guerra dos gauleses.
A decadência e a queda. A longa noite; o
despertar. O movimento pancelta 25
Capítulo II
A Irlanda 38
Capítulo III
O País de Gales. A Escócia. A obra dos
bardos 44
Capítulo IV
A Bretanha francesa. Lembranças druídicas 51
Capítulo V
A Auvergne. Vercingétorix, Gergovie e Alésia 59
Capítulo VI
A Lorraine e os Vosges. Joana d'Arc, alma
celta 68
SEGUNDA PARTE - O Druidismo
Capítulo VII
Síntese dos druidas. As Tríades; objeções e
comentários 77
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10. Léon Denis, Henri d'Arbois de Jubainville
Capítulo VIII
Palingénese: preexistências e vidas suces-
sivas. A lei das reencarnações 88
Capítulo IX
Religião dos celtas, o culto, os sacrifícios, a
ideia da morte 111
Capítulo X
Considerações políticas e sociais. Papel da
mulher. A influência celta. As artes. Liber-
dade e livre-arbítrio 121
Conclusão 127
LIVRO II
OS DRUIDAS E OS DEUSES CELTAS SOB
FORMA DE ANIMAIS
Henri d'Arbois de Jubainville
Prefácio 131
Advertência 135
PRIMEIRA PARTE - OS DRUIDAS
Capítulo I
Os Druidas comparados aos Gutuatri e aos
Uâtîs 137
Capítulo II
Os Druidas foram na sua origem uma ins-
tituição goidélica 143
Capítulo III
Qual a diferença entre os Goidélicos e os
Gauleses? 145
Capítulo IV
A Conquista da Grã-Bretanha pelos Gaule-
ses e a introdução do Druidismo na Gália 149
Capítulo V
Provas linguísticas da conquista da Grã-
-Bretanha pelos Gauleses 152
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11. Os Druidas e o Génio Celta
Primeira Parte
Os nomes de povos encontrados no Con-
tinente 152
Capítulo VI
Provas linguísticas da conquista da Grã-
-Bretanha pelos Gauleses 155
Segunda Parte
O p na Grã-Bretanha nos nomes de outros
povos além dos Parisii, de homens e de
lugares 155
1. Os Picti 155
2. Os Epidii 157
3. Os Eppillos 158
4. Os Petuarios 158
5. Os Pennocrucium 159
6. Os Maponi 159
Capítulo VII
Provas linguísticas da conquista da Grã-
Bretanha pelos Gauleses 160
Terceira Parte
Nomes de cidades, de estações romanas e de
cursos de água que encontramos tanto na
Grã-Bretanha quanto no continente gaulês 160
Capítulo VIII
Provas linguísticas da conquista da Grã-
-Bretanha pelos Gauleses 164
Quarta Parte
O Rei belga e o gaulês Commios na Grã-
-Bretanha. Os Belgas são os Gauleses 164
Capítulo IX
Os Druidas na Gália independente durante
a guerra empreendida por Júlio César 167
Capítulo X
Os Druidas na Gália sob o Império Romano 169
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12. Léon Denis, Henri d'Arbois de Jubainville
Capítulo XI
Os Druidas na Grã-Bretanha fora do Império
Romano e quando o Império Romano teve o 178
seu fim 178
Capítulo XII
Os Druidas na Irlanda 184
Capítulo XIII
Eram monges os Druidas da Irlanda? 193
Capítulo XIV
O Ensinamento dos Druidas. A Imortalidade
da Alma 197
Capítulo XV
A Metempsicose na Irlanda 205
SEGUNDA PARTE - OS DEUSES CELTAS SOB
FORMA DE ANIMAIS
Capítulo I
Noções gerais 209
Capítulo II
Os Deuses que tomam a forma de animais
na literatura épica da Irlanda 219
1. O Rapto das Vacas de Regamain 219
Nota 222
2. A Geração dos Dois Porqueiros 222
2.1 Os Dois Porqueiros 222
2.2 Os Dois Corvos 223
2.3 As Duas Focas ou Baleias 224
2.4 Os Dois Campeões 225
2.5 Os Dois Fantasmas 228
2.6 Os Dois Vermes 228
2.7 Os Dois Touros 230
3. Comentário 231
Apêndice
Júlio César e a Geografia 233
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13. Os Druidas e o Génio Celta
Intróito
Os Druidas formavam a classe de sacerdotes entre os celtas e os
pré-celtas e eram tidos como intermediários entre os homens e os
deuses, exercendo as funções de sacerdotes, magos, juízes e ins-
trutores. O nome, dru-(u)id, significa ―o muito Sábio‖, embora o
historiador romano Plínio o Velho tenha relacionado a etimologia da
palavra com o grego draj, ―carvalho‖, certamente pela importância
que esta árvore tinha nos cultos druídicos.
Para além das questões religiosas, estes ―homens Sábios‖ desem-
penhavam também o papel de conservar por tradição oral o patri-
mónio histórico, cultural e religioso ancestral. A sua crença principal
era a imortalidade do ser. Entre os conhecimentos transmitidos de
forma oral e esotérica pelos druidas contam-se os relativos à magia,
ao uso de ervas, águas medicinais e a determinação dos dias fastos e
nefastos.
Segundo a maioria dos estudiosos, os druidas não tinham livros
sagrados, transmitindo a sua doutrina e a sua sabedoria de forma
oral, se bem que na segunda metade do século XX tivesse sido
encontrado um texto de doze linhas de uma oração a uma divindade
desconhecida, inscrita numa prancha de chumbo, perto de Cler-
mont-Ferrand, em França. Anos depois, próximo de Aveyron, tam-
bém em França, descobriu-se o chamado Chumbo de Larzac, de 57
linhas, onde estava inscrita uma mensagem ao além túmulo que
devia ser transportada por uma druidesa defunta, fazendo-nos
recordar o Livro dos Mortos e os ritos fúnebres egípcios.
Importa aqui referir o Calendário de Coligny, encontrado nos
finais do século XIX, gravado numa prancha de bronze com um
metro e meio de comprimento por 80 centímetros de largura, im-
portante testemunho dos profundos conhecimentos astronómicos
dos druidas da Gália.
Uma das principais fontes históricas para o conhecimento das
actividades dos druidas é o tratado De Bello Gallico (Da Guerra das
Gálias), de Júlio César, onde afirma que os druidas constituíam uma
espécie de casta de iniciados que deviam receber uma formação
esotérica, muito rigorosa e prolongada, nas Ilhas Britânicas. O mes-
mo César assinala, igualmente, que os druidas tinham a incum-
bência de presidir às cerimónias religiosas, estendendo as suas
funções ao domínio politico e judicial.
Segundo César, o druida era um homem considerado Sábio,
conhecedor dos segredos da astronomia, da geografia e da natureza,
ostentando um enorme prestígio dentro da sua comunidade.
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14. Léon Denis, Henri d’Arbois de Jubainville
A autoridade do druida sobrepunha-se muitas vezes à autoridade
real, uma vez que a palavra definitiva era sempre a sua e, nas
eleições, era o druida quem regulamentava e orientava tão impor-
tante escrutínio. Para além de desempenhar a função de juiz le-
gislador e penal, o druida podia exercer em muitas ocasiões o papel
de árbitro de qualquer questão política ou conflito interno que
acontecesse dentro da comunidade, e até mesmo de mediador entre
várias comunidades.
Há testemunhos, ainda que escassos, sobre a existência de
druidesas. O historiador romano Pompónio Mela localizou em Sena,
junto ao mar da Mancha, uma comunidade formada por nove sa-
cerdotisas femininas, virgens semelhantes às pitonisas gregas, voca-
cionadas em profetizar não só o futuro e realizar curas mágicas,
como também em provocar tempestades. Os ritos realizados pelas
freiras do convento irlandês de Kildare, que mantinham um fogo
perpétuo em honra de Santa Brígica, cristianização de uma antiga
divindade pré-celta, são, provavelmente, reminiscências destes cultos
druídicos femininos.
Bênção e Preces Celtas e Druidas
A GRANDE PRECE DRUÍDICA
Dá-nos, ó Deus, o Teu apoio.
E com Teu apoio, a Força.
E com a Força, a Compreensão.
E com a Compreensão, a Ciência.
E com a Ciência do que é Justo, o Poder de
Amar.
E com o Poder de Amar, o Amor de todas as
coisas viventes.
E no Amor de todas as coisas viventes, o
AMOR DE DEUS.
DE DEUS E DE TODA BONDADE.
AWEN
A PRECE CELTA
Que jamais, em tempo algum, o teu coração
acalente ódio.
Que o canto da maturidade jamais asfixie a
tua criança interior.
Que o teu sorriso seja sempre verdadeiro.
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15. Os Druidas e o Génio Celta
Que as perdas do teu caminho sejam sempre
encaradas como lições de vida.
Que a música seja a tua companhia nos mo-
mentos secretos de ti mesmo.
Que os teus momentos de amor contenham a
magia da tua alma eterna em cada beijo.
Que os teus olhos sejam dois sóis olhando a
luz da vida em cada amanhecer.
Que cada dia seja um novo recomeço, onde a
tua alma dance na luz.
Que em cada passo que dês fiquem marcas
luminosas da tua passagem em cada coração.
Que em cada amigo o teu coração leve ale-
gria, que celebre o canto da amizade profun-
da que liga as almas.
Que nos teus momentos de solidão e cansaço,
esteja sempre presente no teu coração a lem-
brança de que tudo passa e se transforma,
quando a alma é grande e generosa...
BENÇÃO DRUIDA
Que o caminho seja brando a teus pés
Que o vento sopre leve nos teus ombros.
Que o sol brilhe cálido sobre o teu rosto.
Que as chuvas caiam serenas nos teus
campos,
E até que eu te veja de novo,
Que os Senhores te guardem nas palmas
das Suas mãos.
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19. Os Druidas e o Génio Celta
Introdução
No meio da crise em que vivemos, o pensamento inquieta-se e
interroga-se; ele pesquisa as causas profundas do mal que atinge a
nossa vida social, política, económica e moral.
As correntes de ideias, de sentimentos e de interesses chocam-
-se brutalmente, e dos seus choques resulta um estado de pertur-
bação, de confusão e de desordem que paralisa toda a iniciativa e
se traduz pela incapacidade de se encontrar o remédio.
Parece que a França perdeu a consciência de si própria, da sua
origem, do seu génio e do seu papel no mundo. Enquanto as outras
raças, mais realistas, procuram um objectivo mais preciso e deter-
minado por ser mais material, a França sempre hesitou, ao longo
da sua história, entre duas concepções opostas. E assim se explica
o carácter intermitente da sua acção.
Ora diz-se celta, e então apela para esse espírito de liberdade,
de rectidão e de justiça que caracteriza a alma da Gália. É à
intervenção desta, ao despertar do seu génio, que é preciso atribuir
a instituição das comunas da Idade Média e a obra da Revolução;
ora se crê latina, e então reaparecem todas as formas de opressão
monárquica ou teocrática, a centralização burocrática e administra-
tiva, mimitizada dos romanos, com as habilidades, os subterfúgios
da sua política e dos seus vícios, a corrupção dos povos envelhe-
cidos.
Acrescentai, para além destas concepções, a indiferença das
massas, a ignorância das tradições, a perda de todo o ideal. É às
alternâncias dessas duas correntes que é preciso atribuir a osci-
lação do pensamento francês, os desníveis, as bruscas reviravoltas
da sua acção através da história.
Para reencontrar a unidade moral, a sua própria consciência, o
sentido profundo do seu papel e do seu destino, isto é, tudo o que
torna as nações fortes, bastaria à França eliminar as teorias erra-
das, os sofismas pelos quais tem falseado o seu julgamento, obscu-
recido o seu caminho, e voltar à sua própria natureza, às suas ori-
gens étnicas, ao seu génio primitivo, numa palavra, à tradição
celta, enriquecida pelo trabalho e o progresso dos séculos.
A França é celta, não há qualquer dúvida sobre este ponto. Os
nossos mais eminentes historiadores atestam tal facto, e com eles
inúmeros escritores e pensadores, entre os quais os dois Thierry,
Henri Martin, J. Michelet, Edgar Quinet, Jean Reynaud, Renan,
Apeiron edições | 21
20. Léon Denis, Henri d’Arbois de Jubainville
Emile Faguet e muitos outros. Se somos latinos, dizem eles, pela
educação e pela cultura, somos celtas pelo sangue, pela raça.
D’Arbois de Jubainville sempre nos repetiu, tanto nos seus cur-
sos no Colégio de França, como nos seus livros:
“Há 90% de sangue gaulês nas veias dos franceses.”
Com efeito, se estudarmos a história, veremos que, após a que-
da do império, os romanos, em massa, ultrapassaram os Alpes e
estabeleceram-se muito pouco na Gália. As invasões germânicas
passaram como trombas d’água sobre o nosso país; somente os
francos, os visigodos e os burgúndios se fixaram aqui por muito
tempo para se fundirem com os elementos autóctones. Além do
mais, os francos não eram senão trinta e oito mil, enquanto a Gália
contava cerca de cinquenta milhões de habitantes.
Pode-se questionar como é que uma vasta terra pôde ser con-
quistada com tão fracos meios. Essa questão é-nos explicada por
Ed. Haraucourt, da Academia Francesa, num artigo substancial,
publicado na revista La Lumière, de 15 de Janeiro de 1926, de que
trataremos mais adiante.
Todos aqueles que guardaram no coração a lembrança das nos-
sas origens desejam evocar as glórias e os reveses desta raça
inquieta, aventureira, que é a nossa, em vez de recordarem as
desgraças e as experiências que lhe atraíram tantas simpatias. A
todas essas páginas célebres, escritas sobre esse assunto, eu não
teria sonhado em acrescentar seja o que for, se não tivesse tido um
elemento novo a oferecer ao leitor para elucidar o problema das
nossas origens: a ajuda do mundo invisível.
Allan Kardec viveu na Gália, no tempo da independência, e foi
druida. O dólmen que, por sua vontade, se eleva sobre o seu tú-
mulo no Cemitério Père-Lachaise, tem ali um sentido preciso. A
doutrina de Allan Kardec coincide, nas suas grandes linhas, com o
Druidismo e constitui um retorno às nossas verdadeiras tradições
étnicas, amplificadas pelo progresso do pensamento e da ciência e
confirmadas pelas vozes do Espaço. Essa revelação marca uma das
fases mais altas da evolução humana, uma era fecunda de pene-
tração do invisível no visível, a participação de dois mundos numa
obra grandiosa de educação moral e de refundação social.
Sob esse ponto de vista, as suas consequências são incalculá-
veis. Ela oferece ao conhecimento um campo de estudos sem limites
sobre a vida universal. Pelo encadeamento das nossas existências
sucessivas e a solidariedade que as une, ela torna mais clara e
rigorosa a noção dos deveres e das responsabilidades. Mostra que a
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21. Os Druidas e o Génio Celta
justiça não é uma palavra vã e que a ordem e a harmonia reinam
no Cosmos.
A que devo atribuir este grande favor de ter sido ajudado, ins-
pirado, dirigido pelos espíritos dos grandes celtas do espaço?
Na vida actual, com 18 anos, li O Livro dos Espíritos, de Allan
Kardec, e tive a intuição irresistível da verdade. Parecia ouvir vozes
longínquas ou anteriores que me diziam mil coisas esquecidas.
Todo um passado ressuscitava com uma intensidade quase dolo-
rosa. E tudo o que vi, observei, aprendi, desde então, só veio confir-
mar essa primeira impressão.
Este livro pode, então, ser considerado, em grande parte, como
uma emanação desse Além, para onde irei retornar em breve. A
todos aqueles que o lerem, possa este livro levar uma radiação do
nosso pensamento e da nossa fé comum, um raio do Alto que for-
tifica as consciências, consola as aflições e eleva as almas para esta
fonte eterna de toda verdade, de toda sabedoria e de todo amor, que
é Deus.
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22.
23. Os Druidas e o Génio Celta
PRIMEIRA PARTE – OS PAÍSES CELTAS
A origem dos celtas. A guerra dos gauleses. A decadência e a
queda. A longa noite; o despertar. O movimento pancelta
Nos primeiros vislumbres da História, encontramos os celtas
estabelecidos em boa parte da Europa. De onde vieram? Qual o seu
lugar de origem? Certos historiadores colocam o berço da sua raça
nas montanhas de Taurus, no centro da Ásia Menor, nas vizi-
nhanças dos caldeus. Quando a população aumentou, teriam
transposto o Ponto Euxino (Mar Negro) e penetrado até ao coração
da Europa. Mas, nos nossos dias, essa teoria parece ter caído em
desuso, acontecendo o mesmo com a hipótese dos arianos.
Camille Jullian, do Colégio de França, na sua obra mais recente,
Histoire de la Gaule, contenta-se em fixar entre 600 e 800 a.C. a
chegada à Gália dos kymris, ramo mais moderno dos celtas. Teriam
vindo, crê-se, da foz do rio Elba e das costas da Jutlândia, na
sequência de um forte maremoto, que os obrigou a emigrar em
direcção ao sul.
Chegados à Gália, encontraram um ramo mais antigo dos celtas,
os gaélicos, que aí se encontravam desde há muito tempo e que
eram de estatura menor, geralmente morenos, enquanto que os
kymris eram altos e louros. Essas diferenças são ainda sensíveis na
Armórica, onde as costas do oceano, no Morbihan, são povoadas de
homens pequenos e morenos, misturados com elementos estran-
geiros, atlantes ou bascos, que se fundiram com as populações pri-
mitivas, enquanto nas Costas do Norte (Côtes-du-Nord) ou na Man-
cha os habitantes eram de estatura mais alta, a que se vieram
juntar os celta-bretões expulsos da grande ilha pelas invasões dos
anglo-saxões.
As considerações de C. Jullian acham-se confirmadas pelo
parentesco das línguas celtas e germânicas, semelhantes na sua
estrutura, nos sons guturais, no abuso de letras duras como o K, o
W, etc.
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