Este caderno foi elaborado para focar na prevenção da violência entre homens jovens. Reconhece-se que os programas tradicionais de saúde raramente consideraram as necessidades específicas dos rapazes e que é importante engajá-los de forma positiva em questões como violência, saúde sexual e relacionamentos. O objetivo é melhorar o bem-estar dos próprios rapazes e promover uma maior equidade de gênero.
3. Colaboração
ECOS-Comunicação em Sexualidade é uma incluir em suas práticas educativas e de
organização não-governamental que, desde 1989, comunicação, de maneira inovadora, a ótica de
vem incentivando trabalhos nas áreas de advocacy, jovens e adultos do sexo masculino.
pesquisa, educação pública e produção de materiais
Contato: Silvani Arruda
educativos em sexualidade e saúde reprodutiva. A
Rua do Paraíso 592 - Paraíso
experiência acumulada tem apontado para a São Paulo, SP, 04103-001, Brasil
necessidade de construção de um olhar de gênero Tel/Fax. (11) 3171-0503 / 3171-3315
que considere a perspectiva de masculina sobre E-mail: ecos@uol.com.br
sexualidade e saúde reprodutiva. Isto significou Website: www.ecos.org.br
O Programa PAPAI é uma instituição civil sem fins manas e Sociais, além de inúmeros colaboradores
lucrativos que desenvolve pesquisas e ações e colaboradoras, diretos e indiretos.
educativas no campo das relações de gênero, saú- Principais temas de trabalho: paternidade na adolescên-
de, educação e ação social, em parceria com a Uni- cia, prevenção de DST e Aids, comunicação e saúde,
versidade Federal de Pernambuco. Promovemos ati- violência de gênero, redução de danos e drogas.
vidades de intervenção social junto a homens, jo-
vens e adultos, em Recife, nordeste brasileiro, bem
Contatos: Jorge Lyra / Benedito Medrado
como estudos e pesquisas sobre masculinidades, a Rua Mardonio Nascimento, 119 - Várzea
partir do enfoque de gênero, em nível nacional e Recife, PE, 50741-380, Brasil
internacional. Nossa equipe é composta por ho- Tel/Fax: (81) 3271-4804
mens e mulheres: profissionais (graduados e pós- E-mail: papai@npd.ufpe.br
graduados) e estudantes da área de Ciências Hu- Website: www.ufpe.br/papai
Salud y Género é uma associação civil, formada Curso em Gênero e Saúde, desenhamos e
por mulheres e homens de distintas profissões e elaboramos materiais educativos e promovemos a
experiências de trabalho que se mesclam para incorporação do enfoque de gênero nas políticas
desenvolver propostas educativas e de participação públicas nas áreas de saúde, educação e população.
social inovadoras no campo da saúde e gênero.
Contamos com dois escritórios: um em Xalapa,
Veracruz, e outro em Querétaro, Querétaro, Contato: Benno de Keijzer/Gerardo Ayala
México. Salud y Género se desenvolve em um
campo complexo e transformador, utilizamos a Em Xalapa: Carlos Miguel Palacios # 59
perspectiva de gênero como instrumento de nosso Col. Venustiano Carranza
trabalho, pois nos permite ver possibilidades de Xalapa, Veracruz, México.
transformação nas relações entre homens e CP 91070
mulheres. Através de nossas ações, pretendemos Tel/Fax: (52 8) 18 93 24
E-mail: salygen@infosel.net.mx
contribuir a uma melhor saúde e qualidade de vida
de mulheres e homens nas áreas da saúde mental, Em Querétaro: Escobedo # 16-5
sexual e reprodutiva, considerando que a eqüidade Centro, Querétaro, Querétaro, México.
e a democracia são uma meta e responsabilidade CP 76000
compartilhada. Desenvolvemos oficinas educativas Tel/Fax: (52 4) 2 14 08 84
no México e na América Latina, oferecemos um E-mail: salgen@att.net.mx
Colaboradores nas Provas de Campo: cinco ONGs colaboraram para validar estes cadernos em campo, sendo:
BEMFAM (Brasil), INPPARES (Peru), MEXFAM (México), PROFAMILIA (Colômbia) e Save the Children – US
(Bolívia). No módulo 3 se encontra uma descrição de cada uma delas e informação para contato.
4. DA VIOLÊNCIA PARA A CONVIVÊNCIA
AGRADECIMENTOS ....................................................................................................... 05
INTRODUÇÃO: Como foi elaborado e como usar este caderno. ..................................... 07
MÓDULO 1: O QUÊ E O PORQUÊ. Uma introdução ao tema da violência,
convivência e homens jovens. .......................................................................................... 19
O que é violência? .......................................................................................................... 21
É melhor falar da prevenção da violência ou na promoção da convivência? ................... 22
Qual é a dimensão da violência “masculina” nas Américas? ........................................... 23
Os homens são “naturalmente” mais violentos que as mulheres? Ou seja, existe uma
“causa” biológica para a violência masculina? ................................................................ 24
Se os rapazes são socializados para serem violentos, como é que isto acontece? ................. 25
Estar fora da escola é uma causa de violência para os rapazes? ....................................... 28
Violência é só coisa de homens jovens de baixa renda? .................................................. 29
De onde vem a violência dos homens contra as mulheres? ............................................. 30
Que sabemos sobre a violência sexual de homens jovens contra mulheres?..................... 32
O que concluímos .......................................................................................................... 33
MÓDULO 2: COMO. Como trabalhar a prevenção da violência
com homens jovens.......................................................................................................... 35
Técnica 1: O Bastão Falante ............................................................................................. 37
Técnica 2: O Varal da Violência ....................................................................................... 41
Técnica 3: Otário Vivo ou Valente Morto: A Honra Masculina ........................................... 43
Técnica 4: A Violência à Minha Volta .............................................................................. 46
Técnica 5: Diversidade e Direitos: Eu e os Outros............................................................. 48
Técnica 6: Risco e Violência: as Provas de Coragem ............................................................. 50
Técnica 7: Violência Sexual: é ou não é? ......................................................................... 52
Técnica 8: Da Violência para Respeito na Relação Íntima ................................................ 55
Técnica 9: Homofobia: Homem Pode Gostar de Outro Homem? .................................... 57
Técnica 10: Que Faço Quando Estou com Raiva? .............................................................. 60
Técnica 11: Cidadania: O que Posso Fazer para Promover a Paz? ................................ 63
MÓDULO 3: ONDE. Onde procurar mais informação. ................................................. 67
Recursos .......................................................................................................................... 69
Relato de uma Experiência: Instituto PROMUNDO ......................................................... 73
Organizações Colaboradoras na Avaliação dos Cadernos ............................................... 76
BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................... 78
ANEXO: Prova de Campo dos Cadernos ......................................................................... 80
4
5. AGRADECIMENTOS
Os autores deste caderno são Gary Barker e Marcos Nascimento, do Instituto PROMUNDO.
Contudo, queremos enfatizar que a sua elaboração foi um processo coletivo que envolveu
colegas e amigos de diversas instituições:
Judith Helzner e Humberto Arango, International Planned Parenthood Federation/
Western Hemisphere Region (IPPF/WHR)
Benedito Medrado e Jorge Lyra, Programa PAPAI
Margareth Arilha e Silvani Arruda, Comunicação em Sexualidade (ECOS)
Benno de Keijzer e Gerardo Ayala, Salud y Género
Reginaldo Bianco, 3Laranjas Comunicação
Os jovens do projeto “De Jovem para Jovem”, Bangu e Maré, Rio de Janeiro
Luiz dos Santos Costa, Waldemir Correa e Cláudio Santiago,
Grupo Consciência Masculina
Paul Bloem, Organização Mundial de Saúde
Matilde Maddaleno, Organização Panamericana de Saúde
Angela Sebastiani, INPPARES
Liliana Schmitz, PROFAMILIA
Mônica Almeida, Ney Costa e Gilvani Granjeiro, BEMFAM
Elizabeth Arteaga e Fernando Cerezo, Save the Children (Bolívia)
José Angel Aguilar, MEXFAM
Miguel Fontes e Cecília Studart, John Snow do Brasil e Soraya Oliveira, do Instituto
PROMUNDO
Carlos Zuma e Fernando Acosta, Instituto NOOS
Apoio financeiro e material:
International Planned Parenthood Federation/Western Hemisphere Region (IPPF/WHR)
Summit Foundation
Moriah Fund
Gates Foundation
US Agency for International Development
Organização Mundial de Saúde/Organização Panamericana de Saúde
5
9. INTRODUÇÃO
melhorar o status de mulheres e meninas. O
Programa de Ação da CIPD, por exemplo,
procura “promover a equidade de gênero em
todas as esferas da vida, incluindo família e
comunidade, levando os homens a assumir sua
parcela de responsabilidade por seu
comportamento nas esferas sexual e
reprodutiva bem como por seus papéis sociais
e familiares”.
Em 1998, a Organização Mundial de Saúde
(OMS) decidiu prestar uma maior atenção nas
1- Por que focar necessidades dos homens adolescentes,
reconhecendo que muitas vezes não houve um
atenção nos rapazes? olhar mais cuidadoso por parte dos programas
sobre as questões de saúde dos rapazes. Um
Por muito tempo, assumiu-se documento de “advocacy” sobre
que os homens adolescentes homens adolescentes, preparado
iam bem e que tinham e impresso pela OMS em
menos necessidades do colaboração com o Instituto
que as meninas em PROMUNDO, está incluído
termos de saúde. neste caderno. A UNAIDS
Outras vezes, dedicou a campanha de
pensava-se que AIDS 2000-2001 aos
trabalhar com rapazes homens, incluindo os
era difícil, por eles homens jovens, e
serem agressivos e não se reconhecendo que
preocuparem com a saúde. o comportamento
Freqüentemente, eram vistos deles constitui um
como violentos – violentos fator que os
contra outros rapazes, contra coloca em
si mesmos e contra as meninas. situações de risco,
Pesquisas recentes e novas bem como às suas
perspectivas chamam a atenção para parceiras e parceiros. É
um entendimento mais apurado de como os necessário engajá-los de forma positiva tanto na
rapazes são socializados, do que eles precisam prevenção do HIV/AIDS quanto no suporte para
em termos de um desenvolvimento saudável, aqueles que vivem com AIDS.
e o que os educadores de saúde e outros
profissionais podem fazer para atendê-los de Nos últimos anos, houve um aumento
forma mais apropriada. considerável no reconhecimento dos custos de
alguns aspectos tradicionais da masculinidade
Passados 20 anos, inúmeras iniciativas tanto para homens adultos quanto para os
procuraram um maior “empowerment” das rapazes – o pouco envolvimento com o
mulheres e diminuir a hierarquia entre os cuidado com as crianças; maiores taxas de
gêneros. Muitas formas de “advocacy” morte por acidentes de tráfego, suicídio e
mostraram a importância de engajar os violência do que as meninas, assim como o
homens, adultos e jovens, no bem-estar das consumo de álcool e drogas. Os rapazes têm
mulheres, tanto adultas como jovens. A inúmeras necessidades no campo da saúde o
Conferência Internacional sobre População e que requer usar esta perspectiva de gênero.
Desenvolvimento (CIPD, 1994) e a IV
Conferência Mundial sobre Mulheres em O que significa aplicar a “perspectiva de
Beijing (1995) enfatizaram a importância de gênero” para trabalhar com homens
se incluirem os homens nos esforços de adolescentes e jovens?
9
10. DA VIOLÊNCIA PARA A CONVIVÊNCIA
Gênero se refere às formas como somos Na maior parte dos contextos, os meninos
socializados, como nos comportamos e são criados para serem auto-suficientes, não se
agimos, tornando-nos homens e mulheres; preocuparem com sua saúde e não procurarem
refere-se também à forma como estes papéis e ajuda quando enfrentam situações de stress. Ter
modelos, usualmente estereotipados, são com quem falar e procurar algum tipo de suporte
internalizados, pensados e reforçados. A é um fator de proteção contra uso de drogas e
origem de muitos dos comportamentos dos envolvimento com violência – o que explica em
homens e rapazes –negociação ou não do uso parte por que os meninos são mais propensos a
de preservativo, cuidado ou não das crianças se envolverem em episódios de violência e a
quando são pais, utilização ou não da consumir drogas que as meninas. Pesquisas
violência contra sua parceira – muitas vezes é confirmam que a forma como os homens são
encontrada na forma como os meninos foram socializados trazem conseqüências diretas para
socializados. Por vezes, assume-se que sua saúde. Um levantamento nacional, com
determinados comportamentos são da homens adolescentes entre 15 e 19 anos,
“natureza do homem”, ou que “homem é realizado nos EUA, concluiu que jovens que
assim mesmo”. Contudo, a violência praticada tinham padrões sexistas e tradicionais de
por rapazes, o uso abusivo de drogas, o masculinidade eram mais propensos ao uso de
suicídio e o comportamento desrespeitoso em drogas, ao envolvimento com violência e
relação à sua parceira, estão relacionados à delinqüência e a comportamentos sexuais de
forma como as famílias, e de um modo mais risco do que outros homens jovens que possuíam
amplo, a sociedade, educam meninos e visões mais flexíveis sobre o que um “homem
meninas. Mudar a forma como educamos e de verdade” pode realmente fazer1 .
percebemos os rapazes não é tarefa fácil, mas
é necessária para a mudança de aspectos Com estas considerações, aplicar a
negativos de algumas formas de perspectiva de gênero ao trabalhar com
masculinidade. homens jovens implica:
Muitas culturas promovem a idéia de que (a) EQÜIDADE DE GÊNERO: Engajar os
ser um “homem de verdade” significa ser homens na discussão e reflexão sobre a
provedor e protetor. Incentivam os meninos hierarquia de gênero com objetivo de levá-los
a serem agressivos e competitivos – o que a assumir sua parcela de responsabilidade no
é útil na formação de provedores e cuidado com os filhos, nas questões de saúde
protetores – o que leva, por vezes, as reprodutiva e nas tarefas domésticas.
meninas a aceitarem a dominação
masculina. Por outro lado, os meninos (b) ESPECIFICIDADE DE GÊNERO: Olhar
geralmente são criados para aderir a rígidos para as necessidades específicas que os jovens
códigos de honra, que os obrigam a possuem em termos de saúde e
competir e a usar violência entre si para desenvolvimento por conta de seu processo
provarem que são “homens de verdade”. de socialização. Isto significa, por exemplo,
Meninos que mostram interesse em cuidar engajar os rapazes em discussões sobre uso
de crianças, que executam tarefas de drogas ou comportamentos de risco, ajudá-
domésticas, que têm amizades com los a entender por que se sentem pressionados
meninas, que demonstram suas emoções e a se comportarem desta ou daquela forma.
que ainda não tiveram relações sexuais, em
regra, são ridicularizados por suas famílias Este caderno incorpora estas duas
e companheiros como sendo “viadinhos”. perspectivas.
1
Courtenay, W. H. Better to die than cry? A longitudinal and constructionist study of masculinity and the health risk
behavior of young American men [Doctoral dissertation]. University of California at Berkeley, Dissertation Abstracts
10 International, 1998.
11. INTRODUÇÃO
2- Do homem jovem ser taxado como delinqüente pelos pais,
professores e outros adultos. Rapaz que se
como obstáculo, ao sente rotulado e categorizado como
delinqüente tem mais probabilidade de ser um
homem jovem como delinqüente. Se, esperamos rapazes violentos,
se esperamos que eles não se envolvam com
aliado cuidados com seus filhos e que não participem
de temas ligados à saúde sexual e reprodutiva
de uma forma respeitosa e comprometida,
Discussões sobre meninos e homens jovens, então criamos profecias que se autocumprem.
freqüentemente, têm focado sua atenção nos
problemas – sua pouca participação nas Estes cadernos partem da premissa de que
questões de saúde sexual e reprodutiva e em os jovens devem ser vistos como aliados. É fato
aspectos violentos de seu comportamento. que alguns jovens são violentos com os outros
Algumas iniciativas nas áreas de saúde do e consigo mesmos. Mas acreditamos que é
adolescente têm encarado os rapazes como imperioso começar a perceber o que os
obstáculos ou como agressores. De fato, alguns homens jovens fazem de positivo e humano e
rapazes são violentos com suas parceiras ou acreditar no potencial de outros homens jovens
parceiros. Alguns são violentos entre si. Muitos de fazer o mesmo.
jovens não participam do cuidado dos seus
filhos, e não têm uma participação adequada
em relação às suas necessidades de saúde
sexual e reprodutiva, nem de suas parceiras.
Mas existe uma outra parcela de homens
adolescentes e jovens que participa do cuidado
3- Sobre a série de
com as crianças, e que é respeitosa nas suas
relações de intimidade. Ao mesmo tempo, é
cadernos de trabalho
importante lembrar que ninguém é apenas de
um único jeito o tempo todo; um homem Este caderno sobre violência e convivência
jovem pode ser violento com o/a parceiro/a e é parte de uma série de cinco cadernos
mostrar-se cuidadoso com os filhos, ou chamada “Trabalhando com Homens Jovens”.
violento em alguns contextos e em outros não. Esse material foi elaborado para educadores de
saúde, professores e/ou outros profissionais ou
Este caderno parte do princípio que os voluntários que desejem ou já estejam
homens devem ser vistos como aliados – atuais trabalhando com homens jovens. Isto inclui
ou potenciais – e não como obstáculos. Os tanto aqueles profissionais interessados em
rapazes, mesmo aqueles que por vezes tenham trabalhar, como aqueles que já vêm trabalhando
sido violentos ou que não tenham com homens adolescentes e jovens entre 15 e
demonstrado respeito com suas parceiras, 24 anos, faixa que corresponde à “juventude”,
possuem potencial para serem respeitosos e segundo definições da OMS. Sabemos que esta
cuidadosos com elas, para negociar em suas faixa é bastante ampla, e não necessariamente
relações com diálogo e respeito, para assumir estamos recomendando que se trabalhe em
responsabilidades por seus filhos, e para grupos com jovens de 15 a 24 anos no mesmo
interagir e viver de forma harmoniosa ao invés grupo. Porém, as técnicas incluídas aqui foram
de forma violenta. testadas e elaboradas para trabalhar com
homens jovens nesta faixa de idade e em
Tanto pesquisas como nossa experiência diversos locais e contextos.
pessoal como educadores, pais, professores e
profissionais de saúde demonstram que os Os cinco cadernos desta série são:
rapazes respondem muitas vezes segundo as
expectativas que se tem deles. Pesquisas sobre a) Sexualidade e Saúde Reprodutiva: em
delinqüência mostram que um dos fatores busca dos direitos sexuais e reprodutivos dos
associados ao comportamento delinqüente é homens jovens
11
12. DA VIOLÊNCIA PARA A CONVIVÊNCIA
b) Paternidade e Cuidado e) Prevenindo e Vivendo com HIV/AIDS
c) Da Violência para Convivência: um caderno Cada caderno contém uma série de técnicas,
para trabalhar a prevenção de violência, incluindo com duração entre 45 minutos e 2 horas
violência de gênero, com homens jovens. planejadas para uso em grupos de homens
d) Razões e Emoções. Caderno para jovens, e que, com algumas adaptações, podem
trabalhar saúde mental com homens jovens. ser usadas para grupos mistos.
Recomendamos se exponham, não se abram ou deixam que as
mulheres falem mais sobre assuntos íntimos. Em
alguns grupos vemos que as mulheres chegam a
O que nós recomendamos: trabalhar com ser "embaixadoras" emocionais dos homens, ou
homens jovens em grupos só de rapazes ou em seja, os homens não expressam suas emoções,
grupos mistos (rapazes e meninas)? Nossa res- delegando esse papel às mulheres.
posta é: as duas formas. Como organizações que
vêm trabalhando com grupos de homens, jovens Na aplicação destas técnicas, em cinco paí-
e adultos, bem como com grupos de mulheres e ses, ficou confirmado que para muitos dos homens
grupos mistos, acreditamos que para alguns te- presentes foi a primeira vez que tinham participa-
mas é útil trabalhar com grupos separados, ou do de um grupo só de homens. Embora alguns
seja, somente de rapazes. Alguns rapazes e ho- dissessem que havia sido difícil no início, depois
mens jovens se sentem mais à vontade em dis- acharam que era importante ter algum tempo só
cutir temas como sexualidade e raiva, em expor com grupos de rapazes.
suas emoções sem uma presença feminina. Num
contexto de grupo, com um facilitador e outros Contudo, ao mesmo tempo, recomendamos
homens jovens, alguns homens são capazes de que pelo menos uma parte do tempo seja dedicada
falar sobre sentimentos e temas que nunca havi- a trabalhar com meninos e meninas juntos. Ho-
am falado antes. mens e mulheres vivem juntos, trabalham juntos;
alguns formam parcerias afetivas e famílias das
Em nossa experiência, alguns homens jovens mais diversas formas e arranjos. Nós acreditamos
reclamam ou se mostram pouco interessados se que, como educadores, professores e profissionais
não há mulheres no grupo. Claro que ter meni- que trabalham com jovens, devemos promover
na pode fazer um grupo mais interessante. Mas interações que propiciem respeito e equidade. O
também vemos em muitas ocasiões que a pre- que significa que, pelo menos em uma parte do
sença de mulheres faz com que os rapazes não tempo, devemos trabalhar com grupos mistos.
4- Como as atividades Todas estas atividades foram testadas, em
foram desenvolvidas cinco países da América Latina, com 172 ho-
mens jovens entre 15 e 24 anos, em colabora-
ção com IPPF/WHR:
As técnicas incluídas nestes cadernos sur-
giram da experiência coletiva de trabalho com a) INPPARES, em Lima, Peru;
homens jovens das organizações colaborado- b) PROFAMILIA, em Bogotá, Colômbia;
ras, nos temas de equidade de gênero e saú- c) MEXFAM, México, DF;
de. Muitas atividades foram desenvolvidas e d) Save the Children, em Oruro, Bolívia; e
testadas com a participação e colaboração de e) BEMFAM, Rio Grande do Norte, Cea-
homens jovens. Outras atividades foram adap- rá e Paraíba, Brasil.
tadas de materiais já existentes de trabalho com
jovens. Neste caso, fizemos referências ao cré- Os resultados desta prova de campo se en-
12 dito devido. contram no Anexo deste caderno.
13. INTRODUÇÃO
5- Objetivos dos
cadernos e das
técnicas
O que nós esperamos com estas
atividades? É importante afirmar que
simplesmente trabalhar com homens jovens
em grupo não resolve as necessidades
envolvidas pelos temas tratados. Se
procuramos mudar o comportamento de
alguns homens jovens, é importante apontar
que mudança de comportamento requer mais
do que uma participação por um período de
tempo em algumas técnicas de grupo. Vemos Os objetivos para os homens jovens
esses cadernos como uma ferramenta que participantes nas técnicas sobre prevenção da
pode ser usada por educadores de saúde, violência são:
professores e outros profissionais como parte Introduzir formas alternativas de
de um leque de atividades mais amplo de convivência que incluem diálogo e respeito.
engajar homens jovens. Entender as formas de violência que
praticamos e que sofremos.
Esses cadernos têm de fato dois níveis de Refletir e questionar como a socialização
objetivos: (a) Objetivos para os educadores que masculina muitas vezes fomenta violência.
vão usar o material; (b) Objetivos para os Questionar como a violência é usada contra
homens jovens participantes nas técnicas a mulheres e diversas grupos minoritários (por
seguir: exemplo, homens gays entre outros), e entre
os próprios jovens.
Os objetivos específicos para os educadores
que vão usar o material são: Esperamos e acreditamos que as técnicas
incluídas aqui possam de fato mudar
Fornecer um “background” para comportamentos em alguns casos com alguns
educadores de saúde, professores e homens jovens. Contudo, para afirmar
profissionais que trabalhem com jovens nas mudanças de comportamento em razão da
questões de saúde e de desenvolvimento que participação nestas técnicas, íamos precisar de
os rapazes e homens jovens enfrentam. mais tempo de avaliação e condições para uma
Fornecer exemplos concretos de avaliação de impacto com grupos de controle
experiências de programas para engajar e longitudinais, que não dispomos no
homens jovens nestes temas. momento. O que podemos afirmar via os testes
Proporcionar exemplos detalhados de de campo realizados é que usar estas técnicas
técnicas que educadores de saúde, professores como parte de um processo grupal com
e outros profissionais podem executar com homens jovens fomenta mudanças de atitudes
grupos de homens jovens sobre estes temas. e aquisição de novos conhecimentos frente à
Fornecer uma lista de fontes, em forma de violência e à necessidade de maior igualdade
estudos, informações prévias, vídeos, material entre homens e mulheres, seja entre homens
educativo e contato com organizações que jovens no âmbito público, seja entre homens
possam prover informações adicionais sobre as jovens e seus/suas parceiros/as nas relações
necessidades de saúde de homens jovens. íntimas.
13
14. DA VIOLÊNCIA PARA A CONVIVÊNCIA
Acreditem no diálogo e na negociação em
vez de violência para solucionar conflitos, e
de que de fato demonstram o uso de diálogo e
negociação nas suas relações interpessoais.
Mostram respeito para com as pessoas de
diferentes contextos e estilos de vida e que
questionam as pessoas que não mostram este
respeito.
Mostram respeito em suas relações íntimas
e que buscam relações com base na equidade
e respeito mútuo, seja no caso de homens
jovens que se definem como heterossexuais,
homossexuais ou bissexuais.
No caso de homens que se definem como
heterossexuais, que participem das decisões
referentes à reprodução, conversando com a
parceira(s) sobre saúde reprodutiva e sexo mais
seguro, usando ou colaborando com a
parceira(s) no uso de preservativos e/ou outros
métodos quando não desejam ter filhos.
No caso de homens que se definem como
homossexuais ou bissexuais ou que tenham
relações sexuais com outros homens, que
conversem com seu parceiro ou parceiros
6- Qual é o perfil sobre sexo mais seguro e uso ou colaboração
com o parceiro(s) da prática de sexo seguro.
do homem jovem Não acreditem e nem usem violência contra
que todos os seus parceiros/as íntimos/as.
queremos? Acreditem que cuidar de outros seres
humanos é também atributo de homens e
mostram a habilidade de cuidar de alguém,
Os objetivos dos cinco cadernos estão sejam amigos, familiares, parceiro/as e os
baseados em pressupostos sobre o que nós – próprios filhos no caso de homens jovens que
educadores, pais, amigos, parceiros, parceiras já sejam pais.
e famílias – queremos que os homens jovens
sejam. Também os trabalhos nas áreas de Acreditem que os homens também podem
equidade de gênero, prevenção de violência, expressar emoções além da raiva, e que
saúde mental e prevenção da HIV/AIDS têm mostrem habilidade de expressar emoções e
objetivos comuns sobre o que acreditamos buscar ajuda – seja de amigos, seja de
sobre o que os homens devem chegar a ser. E profissionais – quando for necessário para
por último – e mais importante – a expressão questões de saúde em geral e também de saúde
dos desejos dos próprios homens jovens – de mental.
como querem ser e de como ser tratados por
seus pares masculinos. Com tudo isto, as Acreditem na importância e que mostrem
técnicas incluídas nestes cinco cadernos têm a habilidade de cuidar de seus próprios corpos
por meta geral de promover um perfil de e da própria saúde, incluindo pessoas vivendo
14 homens jovens que: com HIV/AIDS.
15. INTRODUÇÃO
7- Como usar estas atividades?
Notas para facilitadores
A experiência na utilização destes materiais consenso e respeito à diferença de opiniões.
indica que é preferível usar as técnicas em seu O trabalho deve ir se aprofundando, aten-
conjunto e não de forma isolada. tando sempre para ir além de um possível "dis-
É interessante que haja, sempre que possí- curso politicamente correto".
vel, a presença de dois facilitadores. É bom lembrar que nem sempre o contato
Deve-se usar um espaço adequado para o físico é fácil para os rapazes. Atividades que exi-
trabalho com os jovens propiciando que as ati- jam toque físico podem e devem ser colocadas
vidades sejam realizadas sem restrição na movi- com alternativas de participação ou não, respei-
mentação deles. tando os limites de cada um.
Deve-se proporcionar um ambiente livre, res- Os pontos de discussão, sugeridos nas técni-
peitoso, onde não haja julgamentos ou críticas cas apresentadas, não precisam ser usados ne-
a priori das atitudes, falas ou posturas dos jo- cessariamente no final das técnicas, mas podem
vens. ser utilizadas durante a execução das mesmas,
Situações de conflito podem acontecer. Cabe conforme o facilitador acredite que seja mais
aos facilitadores intervir tentando estabelecer um apropriado.
O ponto central destes cadernos é constituído incluídas aqui tratam de temas pessoais profundos
por uma série de técnicas para trabalhar com e complexos como a promoção da convivência,
homens jovens em grupos. Estas atividades foram a sexualidade e a saúde mental. Nós
desenvolvidas e testadas com grupos de 15 a 30 recomendamos que estas atividades sejam
participantes. Nossa experiência demonstra que facilitadas por pessoas que se sintam confortáveis
o uso deste material para grupos menores (15 a em trabalhar com estes temas, que tenham
20 participantes) é mais produtivo, mas o experiência de trabalho com jovens e que tenham
facilitador também pode usar as técnicas descritas suporte de suas organizações e/ou de outros
para grupos maiores. Muitas das atividades adultos para executar tais atividades.
Reconhecemos que aplicar estas atividades não
é sempre uma tarefa fácil e nem sempre previsível.
Onde e como Os temas são complexos e sensíveis – violência,
sexualidade, saúde mental, paternidade, AIDS.
trabalhar com Pode haver grupos de rapazes que se abram e se
expressem profundamente durante o processo,
rapazes? assim como outros que não queiram falar. Não
sugerimos o uso destas técnicas como terapia
Pode e deve usar estas técnicas em diver- grupal. Devem ser vistos como parte de um
sas circunstancias - na escola, grupos
processo de reflexão e educação participativa. A
desportivos, clubes juvenis, quartéis militares,
chave deste processo é o/a educador/a ou o/a
em centros de jovens em conflito com a lei,
grupos comunitários etc. Também podem ser facilitador/a. Cabe a ele/a saber se se sente
usados com grupos de jovens numa sala de confortável com estas temas e capaz de administrar
espera de uma clínica ou posto de saúde. O as técnicas. A proposta deste tipo de intervenção é
que precisa é um espaço privado, tempo dis- ir além desta etapa, propiciando reflexões e
ponível, facilitadores dispostos. mudanças de atitudes. Como mencionaremos mais
Lembrando que os rapazes, geralmente, adiante, as quatro organizações autoras oferecem
estão em fase de crescimento, recomenda-se oficinas de capacitação no uso dos cadernos. Os
também que se ofereça algum tipo de lanche interessados devem entrar em contato com o
ou merenda e que disponham de atividades
Instituto PROMUNDO ou com uma das outras
15
físicas e/ou de movimento.
organizações colaboradoras.
16. DA VIOLÊNCIA PARA A CONVIVÊNCIA
9- Como este caderno
está organizado
Este caderno está organizado em três
módulos:
MÓDULO 1: O QUÊ E O PORQUÊ Este
módulo traz uma introdução sobre o tema de
convivência, violência e homens jovens,
apresentando uma breve análise sobre a
relação entre socialização masculina e
violência. Como complemento a este módulo,
está incluído neste conjunto de cadernos, um
documento da OMS, “Boys in the Picture/Los
8- Facilitadores Muchachos en la Mira/Em Foco, os Rapazes”
que traz informações adicionais sobre
homens ou mulheres? violência e os outros temas abordados nos
outros cadernos.
Quem deve facilitar atividades de grupo MÓDULO 2: COMO O que o educador
com homens jovens? Somente homens podem pode fazer. Este módulo traz 11 técnicas
ser facilitadores para trabalhar com rapazes? elaboradas e testadas para trabalho direto com
A experiência das organizações colaboradoras homens jovens (15-24 anos) na promoção da
é que em alguns contextos, os rapazes convivência e a prevenção da violência,
preferem a oportunidade de trabalhar e incluindo violência de gênero. Cada técnica
interagir com um homem como facilitador, que traz dicas para facilitadores e comentários
poderá escutá-los e, ao mesmo tempo, servir sobre a aplicação desta técnica em diversos
de modelo em alguns aspectos para pensar o contextos.
significado de ser homem. Contudo, nossa
experiência coletiva sugere que a qualidade MÓDULO 3: ONDE Onde procurar mais
do facilitador – a habilidade, do homem e da informação? Este módulo apresenta uma lista
mulher enquanto facilitadores, de engajar o de recursos, incluindo fontes de informação,
grupo, de escutá-los e de motivá-los – são contatos com organizações que poderão
fatores mais importantes que o sexo do prover informações adicionais sobre o tema,
facilitador. Nós também acreditamos que seja lista de vídeos e outros recursos que poderão
útil ter facilitadores trabalhando em pares, às ser úteis no trabalho do tema com os homens
vezes em pares mistos (homem e mulher), o jovens. Este módulo também apresenta
que traz importantes contribuições para algumas descrições sobre trabalho direto com
mostrar aos homens jovens, homens e homens jovens na área da promoção da
mulheres trabalhando juntos para construção convivência, incluindo um estudo de caso do
16 de igualdade e respeito. trabalho do Instituto PROMUNDO.
17. INTRODUÇÃO
10- O vídeo
”Minha Vida de João”
Este conjunto de cadernos vem com uma
cópia de um vídeo em desenho animado, sem
falas, chamado “Minha Vida de João”. O vídeo
apresenta a história de um rapaz, João, e seus
desafios de rapaz tornando-se homem. Ele
enfrenta o machismo, a violência intrafamiliar,
a homofobia, as dúvidas em relação à
sexualidade, a primeira relação sexual,
gravidez, uma DST (doença sexualmente
transmissível) e paternidade. De forma lúdica,
o vídeo introduz os temas tratados nos
cadernos.
Recomendamos o vídeo para uso tanto para
facilitadores e/ou outros membros da equipe
de sua organização, como para os próprios
rapazes. O vídeo serve como uma boa 12- Adaptando o
introdução aos temas e às técnicas. A reação
dos rapazes ao vídeo pode ser um bom material
“diagnóstico” para o facilitador saber o que os
rapazes pensam sobre os vários temas. Queremos que este material seja utilizado
e adaptado da forma mais ampla possível.
Também permitimos que o material seja
reimpresso mediante solicitação de permissão
ao Instituto PROMUNDO e demais
11- Mantendo contato organizações colaboradoras. Caso tenham
interesse em reimprimir o material com o nome
As organizações colaboradoras formaram e logotipo de sua organização, entre em
uma rede de aprendizado para a troca contínua contato com o PROMUNDO. É permitida a
de informações de trabalho com homens jovens reprodução do material desde que citando a
sobre estes temas. Gostaríamos contar com fonte.
sugestões e com sua participação nesta rede.
Organizaremos seminários nacionais e regionais
sobre o tema, bem como faremos workshops
em vários países da América Latina. Estamos
disponíveis para workshops de treinamento
adicionais na utilização deste material e em
trabalhos com homens jovens. Queremos ouvi-
lo a respeito da utilização destas atividades.
Escreva para qualquer uma das organizações
colaboradoras listadas na primeira página para
participar da rede, para compartilhar suas
experiências e para sugestões.
17
19. MÓDULO 1
1
O Quê e o Porquê
Uma introdução ao tema de
violência, convivência e homens
jovens.
19
20. DA VIOLÊNCIA PARA A CONVIVÊNCIA
um aspecto importante: a maioria dos atos
de violência interpessoal na esfera pública
Este módulo provê informações sobre as é cometida por homens jovens contra ou-
raízes da violência, chamando a atenção tros homens jovens e, na esfera privada, por
para os aspectos de gênero envolvidos nes- homens contra mulheres. Por que a maioria
ta questão. Muitos estudos sobre violência dos autores de atos de violência é de ho-
e programas que trabalham na área de pre- mens jovens? E o que podemos fazer em
venção de violência deixam de considerar relação à violência masculina?
20
21. MÓDULO 1
“Um homem não fica violento à toa. Mas às vezes,
uma situação machuca um homem ... e ele faz coisas
que não queria fazer.” (Homem jovem, Rio de Janeiro)
“Eu não quero matar, mas este lugar me faz querer matar…”
(Personagem principal do filme ‘O Boxeador’, sobre a violência e
o sectarismo na Irlanda do Norte)
O que é violência? nossa região e, também, geradora de violência
interpessoal. Contudo, a violência interpessoal
em si mesma é um grande problema nessa
Num nível simples, violência pode ser região, e é o foco deste caderno.
definida como “o uso da força física ou ameaça
do uso da força com intenção de prejudicar Ao definir violência, é importante afirmar
fisicamente uma pessoa ou um grupo”1. Essa que ela ocorre mais freqüentemente em alguns
definição está focada em atos de violência contextos do que em outros, e é mais provável
interpessoal, ou seja, de indivíduos contra de ser cometida por e contra homens –
outros indivíduos. Mas a violência também se preferencialmente homens jovens. Nos
apresenta como o uso do poder de um grupo espaços públicos, os homens jovens são
sobre outro, chamado de violência autores e vítimas de violência. Nos espaços
institucional. A dominação masculina sobre privados, ou seja, na casa, é mais freqüente
as mulheres, através dos séculos em alguns que os homens sejam autores de violência,
contextos, também pode ser considerada como enquanto as mulheres são mais vítimas.
uma forma de violência. A dominação de um Pesquisas que mostram as causas da violência
grupo étnico sobre outro, ou de uma classe preenchem volumes de livros, e têm sido alvo
social sobre outra, também pode ser chamada de muitos estudos. Mas o que freqüentemente
de violência. Violência institucional – se deixa de lado nestas discussões é o aspecto
particularmente a distribuição desigual de de gênero, que está associado à violência – o
renda e a manutenção de um quadro de fato de que homens, sobretudo homens jovens,
pobreza em muitas regiões da América – é, são mais passíveis de usar a violência do
provavelmente, a maior forma de violência de qualquer outro grupo.
21
22. DA VIOLÊNCIA PARA A CONVIVÊNCIA
É melhor falar da prevenção da violência
ou na promoção da convivência?
Achamos importante falar principalmente promover uma convivência pacifista, e não
sobre uma convivência pacifista. É muito apenas falar sobre “como combater a
comum, ouvirmos “campanhas contra a violência”. A UNESCO vem promovendo uma
violência”, “pacto contra a violência”, mesmo campanha internacional de “Cultura de Paz”,
“luta contra violência” ou “combate à justamente procurando incentivar atitudes e
violência”. A linguagem utilizada encontra-se condições favoráveis à paz. Porém, muitas
carregada de violência. Muitas vezes, queremos pessoas acham que homens jovens não
combater e punir, violentamente, quem faz uso querem falar de paz. Contudo, quando
da violência. Nas escolas e comunidades, conseguimos ir além da “face de durão”, que
ouvimos pessoas dizer que querem punir e às vezes os rapazes apresentam, encontramos
reprimir os jovens que cometem violência – homens jovens que, quando se permite que
muitas vezes dando pouca atenção para pensar se expressem, estão assustados e preocupados
no aspecto da prevenção da violência. A região com a violência que cometeram ou com a
das Américas – com a Rússia – tem a infeliz violência de que foram vítimas. Muitos deles
distinção de ter a maior proporção de pessoas tiveram experiências de violência ou foram
em prisões (97% dos quais são homens) do que testemunhas de violência, e estão disponíveis
qualquer outra região do mundo, geralmente para conversar sobre como negociar, sobre
em condições que são violentas. Ou seja, ao como repensar as relações de poder, sobre
enfrentar a violência, nossas respostas muitas como resolver os conflitos de forma alternativa.
vezes são também violentas. Nas atividades incluídas aqui, queremos
promover condições para que os homens
Para prevenir a violência com homens jovens não falem somente sobre competição,
jovens, achamos fundamental imaginar, poder, força e violência – mas também sobre
22 visualizar e criar com eles condições para paz e construção de uma convivência pacifista.
23. MÓDULO 1
Qual é a dimensão da violência “masculina”
nas Américas?
Revendo os dados sobre violência na região jovens entre 15 e 24 anos mais do que qualquer
das Américas, chegamos a uma conclusão outra faixa etária nas Américas.
perturbadora: homens jovens são mais
prováveis de matar outro homem jovem do A violência se concentra em determinadas
que em qualquer outra parte do mundo. A taxa áreas, geralmente nas áreas urbanas
de homicídio na América Latina é em torno marginalizadas. No Rio de Janeiro, por
de 20 para cada 10.000 ao ano, a maior do exemplo, em 1995, houve 183,6 mortes em
mundo. A taxa mais elevada na região é na cada 10.000 homens adolescentes entre 15 e
Colômbia, onde, entre 1991 e 1995, houve 19 anos, quase um em cada 507.
112.000 homicídios, dos quais 41.000 foram
de jovens, e a grande maioria homens jovens2. Homicídio não é a única forma de violência
masculina, mas certamente é a mais divulgada.
Esse elevado índice de violência entre De fato, outras formas “menores” de violência
homens é um tremendo ônus para a economia – brigas, assaltos, violência doméstica – são
da região. O custo público e privado associado muito mais comuns e afetam muito mais os
à violência representa até 15 % do produto jovens que o homicídio. Um estudo sobre
interno de alguns países na região3. Um estudo jovens de uma comunidade de baixa renda no
sugere que na Colômbia, a renda per capita Rio de Janeiro encontrou que 30% deles
podia ser até 33 % maior se não fossem as estiveram envolvidos em brigas, a maioria
elevadas taxas de violência e crimes dos últimos rapazes 8. Nos EUA, um estudo nacional
10 anos4. A Organização Panamericana de encontrou que 14,9% de rapazes comparados
Saúde e outros órgãos internacionais confirmam com 5,8% de meninas foram autores de pelo
que a violência entre adolescentes é um dos menos uma forma de comportamento
mais importantes problemas de saúde pública delinqüente no ano anterior9.
na região5.
Finalmente, quando examinamos os
Estatísticas confirmam que ferimentos números da violência, é importante que não
resultantes de violência (seguidos por acidentes superestimemos o tema. A maioria dos homens
em algumas regiões) estão entre as principais jovens não usa violência contra os outros.
causas de morbidade e mortalidade entre Muitos deles são encorajados por seus
homens adolescentes e homens jovens. companheiros de grupo a ter um
Homicídio é a terceira causa de morte entre comportamento violento. Outros silenciam
adolescentes entre 10 e 19 anos nos Estados quando vêem seus companheiros usarem
Unidos, e representa 42% da causa de mortes violência. Violência é o principal tema de
entre homens jovens negros nos últimos 10 debate neste caderno, mas temos que ter em
anos6. Dois terços das mortes entre jovens de mente o potencial dos homens jovens para
15 a 19 anos no Brasil são por causas externas interagirem sob uma forma pacifista. A
– homicídio, acidentes de tráfego e outras violência está nas manchetes. A paz raramente
causas violentas. A violência afeta homens está.
23
24. DA VIOLÊNCIA PARA A CONVIVÊNCIA
Os homens são “naturalmente” mais violentos
que as mulheres? Ou seja, existe uma
“causa” biológica para a violência
masculina?
Existem estudos que sugerem que a meninos não são “naturalmente” ou
biologia pode estar envolvida na violência biologicamente mais violentos. Eles
“masculina”, mas num sentido muito aprendem a ser violentos.
limitado. Algumas pesquisas afirmam que
existem diferenças biológicas entre meninos Também, ouvimos argumentos que dizem
e meninas em termos de temperamento. Os que ser violento faz parte do desenvolvimento
meninos teriam uma taxa mais alta de falta “natural” ou “normal” dos rapazes, ou seja,
de controle de impulsos, hiperatividade e que é “normal” os rapazes serem violentos
outras características como reatividade e durante a adolescência. Se é verdade que os
irritabilidade – traços que podem ser rapazes desenvolvem esses comportamentos
precursores de agressividade 10. Pesquisas violentos e delinqüentes mais que as mulheres
apontam ainda que desde os quatro meses adolescentes, não há nada que seja natural,
de idade os meninos mostram mais normal ou inevitável nisso. Pesquisas de várias
irritabilidade do que as meninas, que esse partes do mundo confirmam que a violência é
fator está associado à hiperatividade e à um comportamento aprendido e repetido por
agressividade deles11. Porém, alguns estudos alguns homens jovens em certos contextos e,
apontam que os meninos são mais irritadiços como tal, pode ser desaprendido e prevenido.
porque os pesquisadores “esperam” que eles Achar que os homens jovens são naturalmente
sejam mais irritadiços, ou então por que seus mais violentos, ou esperar que os rapazes
pais, demonstrando atitudes estereotipadas de abandonem um comportamento violento
gênero, estimulam os meninos das mais quando se tornarem adultos não é uma forma
variadas formas, ou ainda não procuram apropriada ou realista de responder à violência.
acalmá-los da mesma forma que o fazem com
as meninas. Mas o importante é isso: Finalmente, quando revisamos os dados sobre
Pesquisadores sobre violência em quase sua violência e agressão, é importante que tenhamos
totalidade afirmam que os aspectos em mente que as meninas também mostram
biológicos têm um papel mínimo na agressividade e violência. Estudos mostram que
explicação do comportamento violento, os rapazes são mais propensos a usar agressão
enfatizando que os fatores sociais e culturais física, ou seja, bater ou chutar, enquanto as
durante a infância e a adolescência são, de meninas utilizam agressões indiretas – mentindo,
fato, os responsáveis pelo comportamento ignorando alguém ou rejeitando outros membros
24 violento de alguns rapazes. Em suma, os do grupo social, outras tantas formas de agressão.
25. MÓDULO 1
Se os rapazes são socializados para serem
violentos, como é que isto acontece?
As respostas são várias: vendo pais e irmãos “delinqüentes” ou “violentos” ou
terem comportamentos violentos; sendo “problemáticos” são mais propensos a ser
encorajados a brincar com armas e a brigar; violentos. Em muitos contextos, os rapazes têm
aprendendo que para ser um “homem de mais probabilidades do que as meninas a ter
verdade” é preciso brigar com quem o insulta; um comportamento problemático, por
sendo tratados de forma violenta por seus exemplo, ser rebeldes em salas de aula ou
companheiros e familiares; sendo encorajados serem hiperativos. Pais e professores
a tomar atitudes violentas pelo seu grupo de freqüentemente rotulam meninos de
amigos; e sendo ridicularizados quando não problemáticos e lidam com eles de forma
o fazem. Ensinado-lhes que é correto expressar autoritária. Quando se acredita que os rapazes
raiva e agredir outros, mas não os educando a são violentos ou delinqüentes, eles
expressar tristeza e remorso, por exemplo. freqüentemente se tornam violentos e
delinqüentes. Por quê? Em parte, porque
Os pais e as famílias têm um papel quando pais e professores rotulam os rapazes
fundamental em encorajar ou não de “agressivos” ou “problemáticos”, com
comportamentos violentos de meninos e homens freqüência excluem estes meninos de
jovens. Em comunidades de baixa renda, onde atividades que podem ser positivas e
as famílias podem estar mais estressadas por “socializadoras” como o esporte, por exemplo.
conta das dificuldades decorrentes do E também, porque se um professor ou pai acha
subemprego e da pobreza, elas às vezes têm que um rapaz é ou será violento, geralmente
menos habilidade de cuidar de suas crianças, o trata de forma violenta.
particularmente filhos, e monitorar aonde vão e
com quem saem. Pais estressados, de todas as Rapazes que testemunharam violência ou
classes sociais, tendem a usar mais coerção e foram vítimas de violência são mais propensos
disciplina física contra seus filhos em geral, e a ser violentos. Assistir a atos de violência
mais ainda contra os filhos homens, o que pode muitas vezes afeta meninos e meninas de
causar uma rebeldia por parte dos meninos. Por diferentes formas. Para os meninos, os traumas
outro lado, homens jovens que são acolhidos relacionados ao testemunhar a violência são
por suas famílias, que participam de atividades mais passíveis de serem externalizados de
junto com elas e são acompanhados de perto forma violenta do que as meninas12. Muitos
têm menos chance de se tornarem violentos ou meninos são educados a não expressar medo
delinqüentes, seja em comunidades de baixa e tristeza, mas são incentivados a expressar
renda ou de classe média. raiva e agressividade. Ao mesmo tempo, em
muitas partes do mundo, os meninos tendem
Mas a família não é a responsável pela a ser vítimas de abuso físico (não incluindo
violência de alguns rapazes. Além da família, abuso sexual) em suas casas e de violência
há outros espaços onde os homens jovens física fora de casa mais de que as meninas13.
podem ser socializados de forma a serem Um estudo com jovens entre 11 e 17 anos no
violentos, como a escola, por exemplo, ou via Rio de Janeiro encontrou que 61% dos
atividades esportivas que encorajem os rapazes meninos contra 47% de meninas haviam sido
a usar a força para resolver tudo, ou ainda, vítimas de violência em suas casas14. Homens
quando se enfatiza o uso de violência como jovens que experimentaram e assistiram a
sendo um atributo masculino positivo. cenas de violência em suas casas e fora delas
podem achar que violência é uma maneira
A forma com que lidamos ou rotulamos os “natural” de resolver conflitos.
rapazes também pode encorajá-los à violência.
Rapazes que são rotulados como Como vemos na fala do personagem do
25
26. DA VIOLÊNCIA PARA A CONVIVÊNCIA
filme “O Boxeador” – um filme sobre a rapazes que têm um comportamento violento
violência sectária na Irlanda do Norte que percebem as atitudes de outros como violentas,
mostra homens tentando não ser violentos num ainda que não sejam15. Rapazes violentos têm
contexto de violência, o lugar onde os homens dificuldade com a “inteligência emocional”, isto
jovens vivem é também um dos principais é, com a habilidade de “ler”, entender e
fatores relacionados à violência. Como já foi expressar emoções de forma apropriada.
mencionado anteriormente, algumas regiões Rapazes que usam violência tendem a
das Américas apresentam níveis mais elevados interpretar equivocadamente atitudes de outros
de violência do que outras regiões: como como sendo hostis. Além disso, tendem a
partes de Colômbia, Brasil, EUA, por exemplo. justificar a violência responsabilizando os outros
Meninos que cresceram em lugares de conflito e freqüentemente desqualificando as vítimas.
armado que envolviam homens e rapazes
estarão mais propensos a usar violência e Alguns jovens se tornam violentos contra
serem vítimas de violência. Pesquisas com pessoas que eles percebem como diferentes
“gangues” no México, na América Central, no deles – seja por conta de raça ou por orientação
Brasil e nos EUA sugerem que estes grupos sexual. Espancamentos e mortes de gays e de
emergem quando outras instituições sociais – minorias étnicas são, lamentavelmente,
governo, família, organizações comunitárias, ocorrências comuns na América Latina. Muitos
escolas – são fracas. [Veja o Box mais adiante] desses espancamentos e mortes ocorrem em
Mas devemos lembrar que mesmo em grupos de rapazes que percebem outras
contextos onde a violência prevalece, nem pessoas como tendo um comportamento
todos os homens jovens são violentos. inaceitável ou sendo diferentes.
O grupo de amigos e colegas com quem os Igualmente, jovens que são socializados a
jovens andam é um outro fator importante que ter um senso de honra exagerado tendem a
contribui para um comportamento violento. ser mais violentos. Muitos dos casos de
Estudos nos EUA apontaram que acompanhar homicídios entre homens começaram com
um grupo de delinqüentes ou de companheiros brigas ou discussões triviais, geralmente um
violentos é um dos principais fatores insulto em bares ou em outros espaços
associados ao comportamento violento. Porém públicos, e que chegam até níveis letais.
seria simplista dizer que basta andar com Manchetes de assassinatos na América Latina
amigos violentos para se tornar um jovem freqüentemente repetem estórias sobre brigas
violento. Os jovens procuram outros jovens que começam com troca de palavras ofensivas
como eles próprios para serem seus amigos. É num bar ou numa discoteca (muitas vezes
mais provável que jovens violentos procurem acompanhados pelo uso de álcool) e acabam
outros jovens violentos. Mas certamente, a em morte. Em muitas partes das Américas,
“turma” é um fator que deve ser levado em homens jovens são socializados para usar
consideração. É um fato que os rapazes violência em resposta a um insulto, como se a
geralmente passam a maior parte do tempo “honra” fosse mais importante do que a vida.
fora de casa na rua ou em outros espaços onde
encontram sua turma masculina – cuja relação Em algumas partes da América Latina, o
muitas vezes está baseada na competição e fácil acesso a armas também é parte do
na disputa pelo poder. As meninas por sua problema. Ter acesso a armas não causa
vez, em geral são socializadas de forma a estar violência, mas certamente contribui para torná-
mais em casa. Ou seja, quando socializamos la mais letal. Uma briga por conta de um
os meninos mais na rua e as meninas mais em insulto ou por causa de uma garota é mais fácil
casa, muitas vezes – mas nem sempre – de se tornar um homicídio quando os
expomos mais os meninos à violência e à falta envolvidos têm uma arma de fogo ou uma faca.
de proteção da família do que as meninas. Na maior parte da América Latina, os rapazes
são mais propensos a ter acesso a armas. Em
Rapazes que são socializados a perceberem alguns contextos, aprender a usar e brincar
intenções hostis por parte de outros tendem a com armas – principalmente facas e armas de
26 ser violentos. Estudos nos EUA apontam que fogo – faz parte da socialização dos meninos.
27. MÓDULO 1
Gangues, Quadrilhas e Comandos
Em várias partes das Américas, existem gru- geralmente via formas de repressão policial.
pos organizados de narcotráfico – Colômbia, Portanto, diversas experiências na região suge-
Brasil, México, os Estados Unidos, entre outros. rem que a repressão não tem sido adequada.
Em algumas comunidades estes grupos têm che- Experiências mais promissoras para intervir nas
gado a se constituir como um “poder paralelo”, gangues ou comandos mostram a importância
ou seja, como uma instituição comunitária em de oferecer alternativas para os rapazes que par-
lugares onde o poder do Estado é fraco ou limi- ticipam ou talvez que cheguem a participar ne-
tado ante as necessidades que a comunidade las: atividades culturais, acesso ao trabalho, opor-
demanda. Em alguns locais, os líderes destes gru- tunidades para ter uma participação comunitá-
pos chegam a ser vistos como heróis. Neste sen- ria, e espaços para sentirem unidos a outros jo-
tido, os grupos de narcotráfico podem ser fortes vens – desviando o foco da repressão.
“socializadores” dos homens jovens, recrutan-
do-os e convidando-os a participar nas suas ati- Fica claro que para alguns jovens, ser violento é
vidades. Estes grupos têm nomes diversos – uma forma de definir sua identidade. Para muitos, a
gangues, quadrilhas, comandos. adolescência é o tempo da vida para pensar: quem
sou eu? Isto significa que pode se definir como um
Mas é importante mencionar que nem todo gru- bom aluno, um religioso, um atleta, um trabalha-
po chamado “gangue” ou algo parecido necessari- dor, um artista, um mago da informática, ou várias
amente está envolvido no narcotráfico ou em ativi- outras coisas. Mas também se pode definir como
dades ilegais. Esses grupos variam muito de local bandido. Pesquisas com jovens que participam nes-
para local, e é tes grupos violentos nos EUA e no Brasil concluí-
importante ram que os homens jovens envol-
entender o contexto vidos nestes grupos encon-
em que se inserem. tram um sentido de
Também, vale a pertencimento e
pena mencionar identidade que
que as pesqui- não encontraram
sas com rapa- em nenhum ou-
zes que par- tro lugar16.
ticipam nas
gangues ou Para mui-
comandos tos jovens de
mostram que baixa renda
não é só po- em contextos
breza ou a falta urbanos, excluídos
de emprego socialmente, pertencer a
que leva um jovem a participar num grupo organi- um grupo violento é uma forma de sobreviver e
zado de narcotráfico, mas são vários fatores – indi- de achar significado e sentido para suas vidas.
viduais, da família e do contexto local – que levam Por outro lado, quando os jovens encontram sua
um homem jovem a se integrar nesses grupos. Tam- identidade em alguma outra coisa, seja como
bém vale ressaltar que mesmo em comunidades estudantes, pais, companheiros ou maridos, na
onde as gangues ou comandos são fortes, nem todo música, no trabalho, no esporte, na política (de-
homem jovem participa. Geralmente é só uma mi- pendendo é claro de que tipo de política), na
noria que se envolve. religião (igualmente depende de que tipo de re-
ligião) ou ainda na combinação destes – eles
Em várias partes da região, houve e ainda há, geralmente ficam fora de gangues ou grupos vio-
várias tentativas para erradicação destes grupos, lentos17.
27
28. DA VIOLÊNCIA PARA A CONVIVÊNCIA
A mídia e a
Estar fora da escola é violência juvenil
uma causa de Alguns estudos sugerem que assistir a cenas e
imagens violentas na mídia, incluindo vídeos
violência para os ou jogos de computador pode estar associado
à prática de atos violentos, embora não seja
rapazes? possível fazer uma relação direta de causa e
efeito18. Assistir a cenas de violência na TV ou
em filmes certamente não causa violência, mas
Rapazes que têm um baixo desempenho sem dúvida contribui para a crença dos rapa-
escolar ou que não se enquadram no zes de que a violência dos homens é normal,
até "branda" ou banal. É preciso estimular os
contexto da escola ou ainda que se sentem
jovens a terem uma visão crítica do que é mos-
excluídos pela escola tendem a ser mais trado pela mídia para que não se tornem me-
violentos ou delinqüentes. Em áreas urbanas ros receptores.
da América Latina, completar o nível
secundário é cada vez mais um requisito
para entrar no mercado de trabalho.
Inúmeros estudos apontam que baixo
desempenho escolar, evasão escolar e
sentimento de não pertencer à escola estão excluídos ou ainda tratados como desajustados
associados à delinqüência e a outras formas pela escola são mais propensos a ser violentos.
de comportamento violento. Em várias áreas Em suma, a escola – como uma das mais
da América Latina, o nível de evasão escolar importantes instituições sociais em que os
dos meninos é maior que das meninas. jovens se inserem – pode ser lugar de
encorajar ou de prevenir contra a violência.
Contudo estar na escola não é suficiente. Devemos procurar engajar os rapazes, mesmo
Para alguns jovens, a escola é um espaço de aqueles considerados difíceis, em atividades
encontrar e interagir com outros jovens que se nas quais aprendam negociação, respeito e
utilizam da violência. Outros estudos sugerem habilidades para a vida – seja dentro e fora
que rapazes que são marginalizados ou do sistema escolar.
Resiliência e a prevenção da violência juvenil
Como podemos explicar que alguns Esses estudos freqüentemente se referem ao
jovens de certos contextos se insiram em conceito de resiliência, que trata da “adaptação
atividades violentas como as gangues, e bem sucedida a despeito dos riscos e
outros, do mesmo contexto, não o façam? adversidades”. Resiliência significa que alguns
Em várias partes da América, existem jovens, mesmo em circunstâncias difíceis,
pesquisas recentes sobre características encontram alternativas para superar de maneira
individuais e familiares de jovens de baixa positiva os riscos que os circundam. Em um
renda, em situações de alto risco, que foram estudo comparativo entre homens jovens no Rio
bem sucedidos na escola e no trabalho, e de Janeiro que eram delinqüentes juvenis e seus
que não se envolveram em gangues ou primos e irmãos que não o eram, a autora
outros grupos violentos. identificou uma série de fatores protetores que
28
29. MÓDULO 1
Violência é só coisa de homens jovens de
baixa renda?
É importante afirmar que a violência não julgamento etc. – do que um jovem de classe
se encontra apenas associada a jovens de baixa média que muitas vezes será levado para uma
renda. Certamente existe uma associação entre terapia, por exemplo, em casos de violência
pobreza e altas taxas de violência. Pobreza em familiar ou de delinqüência em contextos de
si é uma forma de violência social que gera classe média19. O que acaba acontecendo com
stress e tensão que pode levar a violência, mas mais freqüência é que os jovens de baixa renda
a pobreza em si só não é a causa da violência estão mais expostos a receberem punição legal
interpessoal. Jovens de classe média também e à repressão policial e repressão extrajudicial
se envolvem com a violência e, também são do que jovens da classe média.
socializados para usar a violência como forma
de expressar emoções e resolver conflitos. Da É importante reconhecer que nenhum dos
mesma forma, encontramos jovens de fatores associados à violência – seja condições
camadas de baixa renda que não são autores familiares, sendo vítimas de violência ou
de violência. estando fora da escola – significa que
necessariamente estes homens jovens serão
Nas comunidades e famílias de classe média, violentos. Muitos destes jovens enfrentam estes
atos que seriam considerados como violentos fatores de risco e não são violentos. Embora
em camadas de baixa renda, sequer são estes fatores estejam ligados à violência, os
registrados como violência e nem fazem parte jovens também constroem suas realidades –
de dados do sistema legal. É mais provável que não são meros “receptores” ou vítimas de suas
um jovem pobre envolvido em uma situação realidades. Nosso desfio é trabalhar com
de violência seja confrontado com o sistema homens jovens para construir realidades
judiciário formal – quer dizer polícia, pacifistas e não violentas.
favorecem a não-delinqüência por parte dos construir significados positivos em face das
homens jovens. Nesse estudo, os jovens não adversidades e de se ter grupos de pares não
delinqüentes ou resilientes: (1) mostraram maior violentos como formas de jovens de baixa
otimismo em relação aos seus contextos de renda se manterem afastados dos grupos
vida;(2) maior capacidade de expressão verbal; violentos20.
(3) eram os mais velhos ou os caçulas de suas
famílias;(4) tinham um temperamento calmo; e Resiliência é um conceito que nos ajuda
(5) apresentavam forte ligação afetiva com seus a compreender as realidades subjetivas e as
pais ou professores. De forma semelhante, outra diferenças individuais que os jovens
pesquisa no Brasil, com rapazes num bairro apresentam, e que oferece “insights” em
onde os comandos tinham forte presença, como estimular formas positivas de
identificou a importância de modelos superação de adversidades em contextos
alternativos, da habilidade para refletir e particularmente difíceis.
29
30. DA VIOLÊNCIA PARA A CONVIVÊNCIA
representa parte da socialização masculina.
Estudos com estudantes universitários norte-
americanos afirmam que entre 20 e 50% de
homens e mulheres relataram que já tinham
tido episódio de agressão física durante
namoro (ainda que a violência de homens
contra as mulheres seja normalmente mais
grave). Num projeto de PROMUNDO com
homens jovens em comunidades de baixa
renda no Brasil, os rapazes relataram inúmeros
incidentes com uso de violência em relação
às suas parceiras – e alguns incidentes de
violência de suas parceiras contra eles. Isto
mostra que é necessário trabalhar com os
De onde vem a homens jovens sobre suas atitudes frente ao
gênero e as formas como constituem relações
violência dos homens de intimidade ainda quando são jovens.
contra as mulheres? Pesquisas de várias partes da América Latina
mostram que a violência doméstica, assim
como a violência sexual, faz parte dos “scripts”
Até agora temos falado principalmente sexuais ou de gênero, nos quais a violência
sobre violência entre rapazes, mas qual é a doméstica é justificada pelos homens quando
dimensão da violência interpessoal que os as mulheres quebram as “regras” do jogo – seja
homens e homens jovens cometem contra por terem relações extraconjugais ou por não
mulheres, ou seja a violência de gênero? cumprirem suas “obrigações domésticas”.
Segundo as Nações Unidas, a violência de Muitos rapazes são socializados a acreditarem
gênero se refere a “qualquer ato de violência que as mulheres e meninas os devem coisas:
que resulte, ou possa resultar num dano físico, cuidar da casa, cuidar dos filhos, ou ter
sexual ou psicológico e sofrimento para as relações sexuais com eles, mesmo quando elas
mulheres, incluindo as ameaças de tais atos, não querem. Pesquisas também mostram que
coerção ou privações arbitrárias de liberdade, os colegas ou amigos às vezes apóiam o rapaz
que ocorrem no âmbito público ou privado.” quando ele usa violência contra sua namorada
ou parceira. Isto mostra a importância de
A violência de homens contra mulheres é ajudar os rapazes de analisar criticamente os
um problema internacional de saúde pública modelos de relações de gênero que lhes são
e direitos humanos que merece uma grande apresentados.
atenção. Cerca de 30 estudos no mundo,
muitos deles na América Latina, apontam que Os homens são, via de regra, socializados
entre 20 a 50% de mulheres entrevistadas para reprimir suas emoções, sendo a raiva e até
afirmaram que foram vítimas de violência física a violência física umas das formas socialmente
pelo seu parceiro 21 . Na América Latina, aceitas para que eles expressarem seus
governos e ONGs têm dado atenção – embora sentimentos. Muitos homens não aprendem
não seja suficiente – em proteger as mulheres como se expressar verbalmente de forma
deste tipo de violência, e iniciaram uma série adequada para resolver conflitos – seja na casa,
de programas para as mulheres que foram seja na rua – mediante o diálogo e a conversa. E
vítimas de violência doméstica nos últimos 10 assim como no caso da violência entre homens,
anos. Mas pouca atenção tem sido dada em pesquisas mostram que homens que
trabalhar com homens jovens e adultos para testemunharam cenas de violência doméstica em
prevenir a violência contra as mulheres. suas próprias famílias, ou que foram vítimas de
abuso ou violência em casa, são mais prováveis
Freqüentemente a violência de homens de usar violência contra suas parceiras e crianças
30 contra as mulheres começa desde a infância e – criando um ciclo de violência doméstica.
31. MÓDULO 1
Para alguns homens, a violência doméstica
está freqüentemente associada ao stress
econômico. Alguns homens, quando não se
sentem capazes de cumprir seu papel
tradicional de provedor, recorrem a violência
para reafirmar seu poder tradicional de homem.
Ou seja, se sentem “menos homem” por não
estarem trabalhando e reagem com violência
contra as pessoas que se encontram mais perto.
Dados de um hospital de atendimento à mulher
vítima de violência doméstica no Rio de Janeiro
mostram que 1 em cada 3 parceiros que havia maioria afirma que não se sentia em condições
usado violência contra suas companheiras, de falar sobre a violência de homens contras
estava desempregado. mulheres que viram outros homens
cometerem. Com freqüência, usam o ditado
O silêncio dos homens jovens sobre a de que “em briga de marido e mulher, ninguém
violência de outros homens também contribui mete a colher”. Eles dizem que se
para a violência doméstica. Uma pesquisa feita interviessem, podiam ser eles as vítimas da
por PROMUNDO em uma comunidade de violência. Superar o silêncio dos homens que
baixa renda no Rio de janeiro aponta que pelo foram testemunhas de atos de violência de
menos a metade de 25 jovens entrevistados outros homens com as mulheres é o ponto de
foi testemunha de violência em suas casas. A partida do nosso trabalho.
Como se pode prevenir a violência de
homens contra mulheres?
A violência dos homens contra as mulheres no Canadá, é uma campanha internacional de
pode ser prevenida quando os homens conscientização entre homens contra a violência
começarem a se responsabilizar por este tipo de de homens contra mulheres – vencendo o
violência. Existe um grande número de iniciativas silêncio em relação à violência de outros homens
em várias partes do mundo, incluindo a região contra as mulheres. A Campanha vem
das Américas – que começam a trabalhar com alcançando vários países do mundo, usando o
homens na questão da prevenção da violência laço branco como um símbolo da garantia
doméstica. Alguns destes grupos de masculina em não cometer atos de violência
conscientização acontecem com recrutas contra as mulheres e não eximir de
militares e policiais, em locais de esporte e em responsabilidade quem o faça. Nos dois
escolas com o objetivo de ampliar a consciência primeiros meses da campanha, 100.000 homens
destes homens jovens sobre este tema e de criar no Canadá usaram o laço branco. A campanha
uma “pressão positiva” de que este tipo de atitude agora partiu para os EUA, Espanha, Noruega,
é inaceitável. Em alguns países da América Austrália, Namíbia e Finlândia, e tem inspirado
Latina, algumas ONGs começaram grupos de campanhas no México, na Nicarágua e no Brasil.
discussão com homens jovens sobre atos de No Módulo 3, apresentamos alguns estudos de
violência que haviam cometido e prevenir que caso e exemplos de trabalhos com homens
tais atos aconteçam no futuro. A Campanha do jovens na prevenção de violência contra
Laço Branco (White Ribbon Campaign), iniciada mulheres.
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