SlideShare uma empresa Scribd logo
1 de 5
Baixar para ler offline
0.1

O Teorema Chinˆs dos Restos
e

Come¸amos com um exemplo simples que est´ na origem do resultado que vamos apresentar:
c
a
Exemplo 0.1 Um camponˆs tem um certo n´mero de ovos; quandos os divide por 3, sobra-lhe 1; quando
e
u
os divide por 4, sobram 2 ovos; e quando os divide por 5, sobram 3. Quantos ovos tem o camponˆs?
e
O que queremos aqui ´ a solu¸˜o simultˆnea de um sistema de equa¸˜es modulares
e
ca
a
co

mod 3
 x≡1
x≡2
mod 4

x≡3
mod 5
Come¸ando pela primeira equa¸˜o, temos que qualquer solu¸ao x do sistema tem que satisfazer
c
ca
c˜
x = 1 + 3y
para algum y ∈ Z; substituindo na segunda equa¸˜o ficamos com
ca
3y + 1 ≡ 2

mod 4 ⇔ 3y ≡ 1

mod 4 ⇔ y ≡ 3

mod 4

e portanto y = 3 + 4z e x = 1 + 3(3 + 4z) = 10 + 12z, onde, mais uma vez, z representa uma nova inc´gnita
o
inteira; substituindo de novo na terceira equa¸˜o
ca
12z + 10 ≡ 3

mod 5 ⇔ 2z ≡ 3

mod 5 ⇔ z ≡ 4

mod 5

Conclu´
ımos que z = 4 + 5w e portanto a solu¸˜o do nosso sistema ´
ca
e
x = 10 + 12(4 + 5w) = 58 + 60w.
A resposta ` pergunta ´ portanto que o camponˆs poderia ter 58 ovos ou 118 ou 178, etc.
a
e
e
Que a solu¸˜o do sistema s´ fica determinada m´dulo 60 ´ evidente, uma vez que se x for solu¸˜o, qualquer
ca
o
o
e
ca
inteiro da forma x + 60w tamb´m seria solu¸˜o. Por outro lado, se x e y forem duas solu¸˜es do sistema,
e
ca
co
ent˜o x − y ser´ divis´ por 3, por 4 e por 5, e como estes s˜o primos dois a dois, x − y tem que ser divis´
a
a
ıvel
a
ıvel
pelo seu produto 60.
Podemos tamb´m observar que o facto de 3, 4 e 5 serem primos entre si dois a dois nos garantiu que ao
e
substituir o valor de x na segunda e depois na terceira equa¸˜o, ficar´
ca
ıamos sempre com uma equa¸˜o com
ca
solu¸˜es, uma vez que o coeficiente de y e depois de z ´ primo com o m´dulo da equa¸˜o respectiva.
co
e
o
ca
Vamos agora enunciar um resultado fundamental para a simplifica¸˜o da resolu¸˜o de equa¸˜es modulares:
ca
ca
co

Teorema 0.2 (Teorema Chinˆs dos Restos) : Sejam m1 , m2 , · · · , mk inteiros positivos primos dois a
e
k
dois (ou seja, se 1 ≤ i < j ≤ k ent˜o mdc(mi , mj ) = 1) e M = i=1 mi . Ent˜o, dados a1 , a2 , · · · , ak
a
a
quaisquer, o sistema de congruˆncias
e

mod m1
 x ≡ a1


 x ≡ a2
mod m2
.
 .
 .


x ≡ ak
mod mk
tem solu¸˜o que ´ unica m´dulo M .
ca
e´
o
1
Demonstra¸˜o 0.3 Comecemos por notar que a observa¸˜o feita a prop´sito do exemplo, vale em geral:
ca
ca
o
dada uma solu¸˜o do sistema ela ´ unica m´dulo M , uma vez que se x e y s˜o solu¸˜es, temos mi | (x − y)
ca
e´
o
a
co
para todo o i e como os mi s˜o primos dois a dois isso implica M | (x − y).
a
O m´todo iterativo de solu¸˜o usado no exemplo pode ser usado para fazer uma demonstra¸˜o por indu¸˜o:
e
ca
ca
ca
dado um sistema com duas equa¸oes
c˜
x ≡ a1
mod m1
x ≡ a2
mod m2
a solu¸˜o pode ser determinada como j´ vimos substituindo na segunda equa¸ao x por a1 + m1 y; a equa¸˜o
ca
a
c˜
ca
m1 y ≡ a2 − a1

mod m2

tem solu¸˜o unica m´dulo m2 uma vez que mdc(m1 , m2 ) = 1.
ca ´
o
Suponhamos agora, como hip´tese de indu¸˜o, que o resultado do teorema ´ v´lido para um certo k e seja
o
ca
e a

mod m1
 x ≡ a1


 x ≡ a2
mod m2


.
.
 .

 x ≡ ak
mod mk



x ≡ ak+1
mod mk+1
Chamemos n ao produto m1 × · · · × mk . Por hip´tese de indu¸˜o, o sistema constitu´ pelas primeiras k
o
ca
ıdo
equa¸˜es tem solu¸˜o unica c mod n; podemos ent˜o resolver o sistema de duas equa¸˜es
co
ca ´
a
co
x≡c
x ≡ ak+1

mod n
mod mk+1

a sua solu¸˜o, unica m´dulo n × mk+1 = M , ´ a desejada solu¸˜o do sistema de k + 1 equa¸˜es.
ca ´
o
e
ca
co
O Teorema Chinˆs dos Restos permite reduzir a resolu¸˜o de uma congruˆncia ` de um sistema de
e
ca
e
a
congruˆncias mais simples:
e
Exemplo 0.4 : Considere-se a equa¸˜o
ca
327x ≡ 171

mod 520;

Calculando mdc(327, 520) = 1 podemos deduzir que existe uma unica solu¸˜o e aplicar o m´todo explicado
´
ca
e
mais atr´s. No entanto, notando que 520 = 5 · 8 · 13, passamos ao sistema
a


mod 5
mod 5
 327x ≡ 171
 2x ≡ 1
327x ≡ 171
mod 8 ⇔
7x ≡ 3
mod 8 ⇔


327x ≡ 171
mod 13
2x ≡ 4
mod 13

mod 5
 x≡3
x≡5
mod 8
⇔

x≡2
mod 13
Qualquer solu¸˜o da equa¸˜o inicial ter´ que ser tamb´m solu¸ao de cada uma das equa¸˜es do sistema e
ca
ca
a
e
c˜
co
reciprocamente, pelo Teorema Chinˆs dos Restos, qualquer solu¸ao do sistema ´ solu¸˜o da equa¸˜o inicial.
e
c˜
e
ca
ca

2
Usamos o mesmo m´todo de solu¸˜o do exemplo anterior: pela primeira equa¸˜o x = 3 + 5y; substituindo
e
ca
ca
na segunda temos
5y ≡ 2 mod 8 ⇔ y ≡ 2 mod 8
portanto y = 2 + 8z e x = 13 + 40z, o que nos d´, na ultima equa¸˜o,
a
´
ca
40z ≡ 2

mod 13 ⇔ z ≡ 2

mod 13

donde se deduz finalmente que x = 93 + 520w

´
E poss´
ıvel demonstrar o teorema de outra forma, que nos fornece igualmente um m´todo pr´tico de
e
a
solu¸˜o: Dado o sistema no enunciado, calcula-se, para cada 1 ≤ i ≤ k, um inteiro bi tal que
ca
m
bi ≡ 1
mi
Note-se que isto ´ poss´
e
ıvel, uma vez que mdc(
Verificamos que x definido por

mod mi

m
, mi ) = 1, ficando bi determinado naturalmente m´dulo mi .
o
mi
k

x=
i=1

m
bi a i
mi

m
mi
(mi e mj s˜o primos entre si) e portanto essas parcelas anulam-se m´dulo mj ; na parcela de ´
a
o
ındice j, devido
ao modo como escolhemos bj , temos
m
bj aj ≡ aj mod mj
mj

´ solu¸˜o do sistema; fixemos um ´
e
ca
ındice 1 ≤ j ≤ k; nas parcelas do somat´rio com i = j temos que mj |
o

Este m´todo de solu¸˜o torna-se mais util quando temos que resolver n˜o um mas v´rios sistemas de
e
ca
´
a
a
equa¸˜es com os mesmos m´dulos m1 , · · · , mk , como veremos a seguir.
co
o
O pr´ximo exemplo envolve equa¸˜es modulares de grau maior que 1 para pˆr em evidˆncia as vantagens
o
co
o
e
do segundo m´todo de solu¸˜o de um sistema.
e
ca
Exemplo 0.5 : Procuramos as solu¸˜es simultˆneas do sistema de equa¸˜es
co
a
co
 2
mod 7
 x ≡2
x3 ≡ 1
mod 9
 4
x ≡3
mod 11
Como n˜o temos (por enquanto) nenhuma forma mais eficaz de tratar estas equa¸oes, procuramos as
a
c˜
suas solu¸oes directamente, calculando a2 em que a percorre todas as classes de congruˆncia m´dulo 7, e do
c˜
e
o
mesmo modo para as outras equa¸˜es. Conclu´
co
ımos que a primeira equa¸˜o tem duas solu¸˜es 3 e 4 m´dulo
ca
co
o
7, a segunda tem trˆs solu¸˜es m´dulo 9: 1, 4 e 7, e a terceira tem duas solu¸˜es 4 e 7. Ter´
e
co
o
co
ıamos portanto
que resolver os 12 sistemas de 3 equa¸˜es da forma
co

mod 7
 x ≡ a1
x ≡ a2
mod 9

x ≡ a3
mod 11
3
onde a1 ∈ {3, 4}, a2 ∈ {1, 4, 7} e a3 ∈ {4, 7}.
Em alternativa, podemos usar o outro m´todo: resolvemos as equa¸˜es da forma
e
co
m
y≡1
mi

mod mi

Temos
99y ≡ 1

mod 7 ⇔ y ≡ 1

mod 7

e portanto podemos escolher b1 = 1. As outras equa¸˜es s˜o
co
a
77y ≡ 1

mod 9 ⇔ 5y ≡ 1

mod 9 ⇔ y ≡ 2

mod 9

mod 11 ⇔ 8y ≡ 1

mod 11 ⇔ y ≡ 7

mod 11

e
63y ≡ 1

e portanto b2 = 2 e b3 = 7. Substituindo os valores dos ai na express˜o
a
3

i=1

m
bi ai = 99a1 + 154a2 + 441a3
mi

obtemos as doze solu¸˜es pretendidas.
co
Recorde-se que os bi s˜o calculados m´dulo mi ; podemos portanto, por exemplo, pˆr b3 = −4; as solu¸˜es
a
o
o
co
obtidas s˜o as mesmas m´dulo m = 7 × 9 × 11 = 693, ainda que representadas por outros inteiros.
a
o

O Teorema Chinˆs dos Restos pode ser enunciado alternativamente do seguinte modo:
e
Teorema 0.6 : Se M = m1 × · · · × mk e mdc(mi , mj ) = 1 se i = j, ent˜o a aplica¸˜o
a
ca
ψ : Z/M → Z/m1 × · · · × Z/mk
definida por
ψ(a) = (a

mod m1 , · · · , a

mod mk )

´ uma bijec¸˜o.
e
ca
A existˆncia de solu¸˜o para qualquer sistema da forma
e
ca

mod m1
 x ≡ a1


 x ≡ a2
mod m2
.
 .
 .


x ≡ ak
mod mk
´ equivalente a ψ ser sobrejectiva; por outro lado, a propriedade de ψ ser injectiva ´ equivalente a aquela
e
e
solu¸˜o ser unica m´dulo M .
ca
´
o
Quando enunciado desta forma, o Teorema Chinˆs dos Restos ´ de demonstra¸˜o ainda mais simples: de
e
e
ca
facto, basta provar que ψ ´ injectiva, sendo a sobrejectividade uma consequˆncia imediata de o dom´
e
e
ınio e o
contra-dom´
ınio desta aplica¸˜o terem o mesmo n´mero de elementos. Mas ψ ´ injectiva uma vez que
ca
u
e
x≡y

mod mi ∀i ∈ {1, · · · , k} ⇔ x ≡ y
4

mod M.
Por outro lado, este racioc´
ınio n˜o nos indica como resolver na pr´tica um sistema, ou seja, dados ai ∈ Z/mi ,
a
a
como determinar
ψ −1 (a1 , · · · , ak )
´
E isso que as outras demonstra¸˜es fazem. De facto, a segunda dessas demonstra¸˜es d´-nos uma f´rmula
co
co
a
o
para a fun¸˜o inversa de ψ:
ca
k
m
bi ai
ψ −1 (a1 , · · · , ak ) =
mi
i=1
ou mais precisamente a classe congruˆncia m´dulo M deste inteiro.
e
o

5

Mais conteúdo relacionado

Mais procurados

Recuperação lista exercicios 7º ano 1º bimestre
Recuperação lista exercicios 7º ano 1º bimestreRecuperação lista exercicios 7º ano 1º bimestre
Recuperação lista exercicios 7º ano 1º bimestreRafael Marques
 
Aula 4 Profmat - Algoritmo de Euclides - MDC e MMC 25 08-17
Aula 4   Profmat - Algoritmo de Euclides - MDC e MMC 25 08-17Aula 4   Profmat - Algoritmo de Euclides - MDC e MMC 25 08-17
Aula 4 Profmat - Algoritmo de Euclides - MDC e MMC 25 08-17Aline Guedes
 
Sequencias
SequenciasSequencias
Sequenciasaasf
 
Aula 3 Profmat - Divisao nos Inteiros e Representacao dos Numeros Inteiros
Aula 3  Profmat - Divisao nos Inteiros e Representacao dos Numeros InteirosAula 3  Profmat - Divisao nos Inteiros e Representacao dos Numeros Inteiros
Aula 3 Profmat - Divisao nos Inteiros e Representacao dos Numeros InteirosAline Guedes
 
Progressão geométrica
Progressão geométricaProgressão geométrica
Progressão geométricarosania39
 
Apresentação geometria analítica
Apresentação geometria analíticaApresentação geometria analítica
Apresentação geometria analíticaprofluizgustavo
 
Atividades numeros complexos 3ano 1bim
Atividades numeros complexos 3ano 1bimAtividades numeros complexos 3ano 1bim
Atividades numeros complexos 3ano 1bimabbeg
 
Equações sistemas de equações e inequações
Equações  sistemas de equações e inequaçõesEquações  sistemas de equações e inequações
Equações sistemas de equações e inequaçõesAntonio Magno Ferreira
 
Equação do 1º grau
Equação do 1º grauEquação do 1º grau
Equação do 1º grauElcielle .
 
Frações e números decimais
Frações e números decimaisFrações e números decimais
Frações e números decimaisErasmo lopes
 
Equações do 1º grau ppt
Equações do 1º grau pptEquações do 1º grau ppt
Equações do 1º grau pptktorz
 
Geometria analitica aula01-plano-cartesiano-e-distancia-entre-dois-pontos
Geometria analitica aula01-plano-cartesiano-e-distancia-entre-dois-pontosGeometria analitica aula01-plano-cartesiano-e-distancia-entre-dois-pontos
Geometria analitica aula01-plano-cartesiano-e-distancia-entre-dois-pontosPatrício Souza
 
Aula 9º ano - Razão e Proporção
Aula 9º ano - Razão e ProporçãoAula 9º ano - Razão e Proporção
Aula 9º ano - Razão e ProporçãoAdriano Capilupe
 
Aula 1 - Os Números Inteiros - 04 08-17
Aula 1 - Os Números Inteiros - 04 08-17Aula 1 - Os Números Inteiros - 04 08-17
Aula 1 - Os Números Inteiros - 04 08-17Aline Guedes
 

Mais procurados (20)

Recuperação lista exercicios 7º ano 1º bimestre
Recuperação lista exercicios 7º ano 1º bimestreRecuperação lista exercicios 7º ano 1º bimestre
Recuperação lista exercicios 7º ano 1º bimestre
 
Aula 4 Profmat - Algoritmo de Euclides - MDC e MMC 25 08-17
Aula 4   Profmat - Algoritmo de Euclides - MDC e MMC 25 08-17Aula 4   Profmat - Algoritmo de Euclides - MDC e MMC 25 08-17
Aula 4 Profmat - Algoritmo de Euclides - MDC e MMC 25 08-17
 
Sequencias
SequenciasSequencias
Sequencias
 
Aula 3 Profmat - Divisao nos Inteiros e Representacao dos Numeros Inteiros
Aula 3  Profmat - Divisao nos Inteiros e Representacao dos Numeros InteirosAula 3  Profmat - Divisao nos Inteiros e Representacao dos Numeros Inteiros
Aula 3 Profmat - Divisao nos Inteiros e Representacao dos Numeros Inteiros
 
Progressão geométrica
Progressão geométricaProgressão geométrica
Progressão geométrica
 
Sistemas lineares
Sistemas linearesSistemas lineares
Sistemas lineares
 
Apresentação geometria analítica
Apresentação geometria analíticaApresentação geometria analítica
Apresentação geometria analítica
 
Atividades numeros complexos 3ano 1bim
Atividades numeros complexos 3ano 1bimAtividades numeros complexos 3ano 1bim
Atividades numeros complexos 3ano 1bim
 
Equações sistemas de equações e inequações
Equações  sistemas de equações e inequaçõesEquações  sistemas de equações e inequações
Equações sistemas de equações e inequações
 
Equação do 1º grau
Equação do 1º grauEquação do 1º grau
Equação do 1º grau
 
Frações e números decimais
Frações e números decimaisFrações e números decimais
Frações e números decimais
 
Ponto Medio
Ponto MedioPonto Medio
Ponto Medio
 
Equações do 1º grau ppt
Equações do 1º grau pptEquações do 1º grau ppt
Equações do 1º grau ppt
 
Radiciaçâo
RadiciaçâoRadiciaçâo
Radiciaçâo
 
Geometria analitica aula01-plano-cartesiano-e-distancia-entre-dois-pontos
Geometria analitica aula01-plano-cartesiano-e-distancia-entre-dois-pontosGeometria analitica aula01-plano-cartesiano-e-distancia-entre-dois-pontos
Geometria analitica aula01-plano-cartesiano-e-distancia-entre-dois-pontos
 
Aula 9º ano - Razão e Proporção
Aula 9º ano - Razão e ProporçãoAula 9º ano - Razão e Proporção
Aula 9º ano - Razão e Proporção
 
Aula 1 - Os Números Inteiros - 04 08-17
Aula 1 - Os Números Inteiros - 04 08-17Aula 1 - Os Números Inteiros - 04 08-17
Aula 1 - Os Números Inteiros - 04 08-17
 
Monômios
MonômiosMonômios
Monômios
 
Pequeno teorema de fermat
Pequeno teorema de fermatPequeno teorema de fermat
Pequeno teorema de fermat
 
Equação exponencial
Equação exponencialEquação exponencial
Equação exponencial
 

Semelhante a Teorema chinês do resto

Exercícios sistemas de equações
Exercícios sistemas de equaçõesExercícios sistemas de equações
Exercícios sistemas de equaçõesAdriano Silva
 
Intro teoria dos numerros cap7
Intro teoria dos numerros cap7Intro teoria dos numerros cap7
Intro teoria dos numerros cap7Paulo Martins
 
Congruências Lineares e Classes Residuais
Congruências Lineares e Classes ResiduaisCongruências Lineares e Classes Residuais
Congruências Lineares e Classes ResiduaisLuciana Martino
 
Resolução de sistemas lineares
Resolução de sistemas linearesResolução de sistemas lineares
Resolução de sistemas linearesOtávio Sales
 
Aplicacao da Formula Luderiana Racional para Raiz Cubica
Aplicacao da Formula Luderiana Racional para Raiz CubicaAplicacao da Formula Luderiana Racional para Raiz Cubica
Aplicacao da Formula Luderiana Racional para Raiz Cubicaludenir
 
Equações de recorrência - II (Otimização)
Equações de recorrência - II (Otimização)Equações de recorrência - II (Otimização)
Equações de recorrência - II (Otimização)Jedson Guedes
 
Unid 2- sistemas lineares
Unid 2- sistemas linearesUnid 2- sistemas lineares
Unid 2- sistemas linearesBrenda Rayza
 
Mat equacoes do 1 grau 003
Mat equacoes do 1 grau  003Mat equacoes do 1 grau  003
Mat equacoes do 1 grau 003trigono_metria
 
Rodrigo de lima (uff) edo - parte 1edo
Rodrigo de lima (uff)   edo - parte 1edoRodrigo de lima (uff)   edo - parte 1edo
Rodrigo de lima (uff) edo - parte 1edoNaldo Martins
 
Sistemas de equações
 Sistemas de equações Sistemas de equações
Sistemas de equaçõesmarilia65
 
Sistemas de equacões
 Sistemas de equacões Sistemas de equacões
Sistemas de equacõesmarilia65
 
Congruências Quadráticas
Congruências QuadráticasCongruências Quadráticas
Congruências QuadráticasLuciana Martino
 
Formula luderiana racional para raiz cubica
Formula luderiana racional para raiz cubicaFormula luderiana racional para raiz cubica
Formula luderiana racional para raiz cubicaludenir
 

Semelhante a Teorema chinês do resto (20)

58ad47702e6f04f314a21718ac26d233.pdf
58ad47702e6f04f314a21718ac26d233.pdf58ad47702e6f04f314a21718ac26d233.pdf
58ad47702e6f04f314a21718ac26d233.pdf
 
Exercícios sistemas de equações
Exercícios sistemas de equaçõesExercícios sistemas de equações
Exercícios sistemas de equações
 
Sistemas lineares
Sistemas linearesSistemas lineares
Sistemas lineares
 
Intro teoria dos numerros cap7
Intro teoria dos numerros cap7Intro teoria dos numerros cap7
Intro teoria dos numerros cap7
 
Teorema Chinês Dos Restos
Teorema Chinês Dos RestosTeorema Chinês Dos Restos
Teorema Chinês Dos Restos
 
Congruências Lineares e Classes Residuais
Congruências Lineares e Classes ResiduaisCongruências Lineares e Classes Residuais
Congruências Lineares e Classes Residuais
 
euclides primos
euclides primoseuclides primos
euclides primos
 
Matematica 2015
Matematica 2015Matematica 2015
Matematica 2015
 
Resolução de sistemas lineares
Resolução de sistemas linearesResolução de sistemas lineares
Resolução de sistemas lineares
 
Aplicacao da Formula Luderiana Racional para Raiz Cubica
Aplicacao da Formula Luderiana Racional para Raiz CubicaAplicacao da Formula Luderiana Racional para Raiz Cubica
Aplicacao da Formula Luderiana Racional para Raiz Cubica
 
Equaçoes literais
Equaçoes literaisEquaçoes literais
Equaçoes literais
 
Equações de recorrência - II (Otimização)
Equações de recorrência - II (Otimização)Equações de recorrência - II (Otimização)
Equações de recorrência - II (Otimização)
 
Unid 2- sistemas lineares
Unid 2- sistemas linearesUnid 2- sistemas lineares
Unid 2- sistemas lineares
 
Mat equacoes do 1 grau 003
Mat equacoes do 1 grau  003Mat equacoes do 1 grau  003
Mat equacoes do 1 grau 003
 
Rodrigo de lima (uff) edo - parte 1edo
Rodrigo de lima (uff)   edo - parte 1edoRodrigo de lima (uff)   edo - parte 1edo
Rodrigo de lima (uff) edo - parte 1edo
 
Sistemas lineares
Sistemas linearesSistemas lineares
Sistemas lineares
 
Sistemas de equações
 Sistemas de equações Sistemas de equações
Sistemas de equações
 
Sistemas de equacões
 Sistemas de equacões Sistemas de equacões
Sistemas de equacões
 
Congruências Quadráticas
Congruências QuadráticasCongruências Quadráticas
Congruências Quadráticas
 
Formula luderiana racional para raiz cubica
Formula luderiana racional para raiz cubicaFormula luderiana racional para raiz cubica
Formula luderiana racional para raiz cubica
 

Teorema chinês do resto

  • 1. 0.1 O Teorema Chinˆs dos Restos e Come¸amos com um exemplo simples que est´ na origem do resultado que vamos apresentar: c a Exemplo 0.1 Um camponˆs tem um certo n´mero de ovos; quandos os divide por 3, sobra-lhe 1; quando e u os divide por 4, sobram 2 ovos; e quando os divide por 5, sobram 3. Quantos ovos tem o camponˆs? e O que queremos aqui ´ a solu¸˜o simultˆnea de um sistema de equa¸˜es modulares e ca a co  mod 3  x≡1 x≡2 mod 4  x≡3 mod 5 Come¸ando pela primeira equa¸˜o, temos que qualquer solu¸ao x do sistema tem que satisfazer c ca c˜ x = 1 + 3y para algum y ∈ Z; substituindo na segunda equa¸˜o ficamos com ca 3y + 1 ≡ 2 mod 4 ⇔ 3y ≡ 1 mod 4 ⇔ y ≡ 3 mod 4 e portanto y = 3 + 4z e x = 1 + 3(3 + 4z) = 10 + 12z, onde, mais uma vez, z representa uma nova inc´gnita o inteira; substituindo de novo na terceira equa¸˜o ca 12z + 10 ≡ 3 mod 5 ⇔ 2z ≡ 3 mod 5 ⇔ z ≡ 4 mod 5 Conclu´ ımos que z = 4 + 5w e portanto a solu¸˜o do nosso sistema ´ ca e x = 10 + 12(4 + 5w) = 58 + 60w. A resposta ` pergunta ´ portanto que o camponˆs poderia ter 58 ovos ou 118 ou 178, etc. a e e Que a solu¸˜o do sistema s´ fica determinada m´dulo 60 ´ evidente, uma vez que se x for solu¸˜o, qualquer ca o o e ca inteiro da forma x + 60w tamb´m seria solu¸˜o. Por outro lado, se x e y forem duas solu¸˜es do sistema, e ca co ent˜o x − y ser´ divis´ por 3, por 4 e por 5, e como estes s˜o primos dois a dois, x − y tem que ser divis´ a a ıvel a ıvel pelo seu produto 60. Podemos tamb´m observar que o facto de 3, 4 e 5 serem primos entre si dois a dois nos garantiu que ao e substituir o valor de x na segunda e depois na terceira equa¸˜o, ficar´ ca ıamos sempre com uma equa¸˜o com ca solu¸˜es, uma vez que o coeficiente de y e depois de z ´ primo com o m´dulo da equa¸˜o respectiva. co e o ca Vamos agora enunciar um resultado fundamental para a simplifica¸˜o da resolu¸˜o de equa¸˜es modulares: ca ca co Teorema 0.2 (Teorema Chinˆs dos Restos) : Sejam m1 , m2 , · · · , mk inteiros positivos primos dois a e k dois (ou seja, se 1 ≤ i < j ≤ k ent˜o mdc(mi , mj ) = 1) e M = i=1 mi . Ent˜o, dados a1 , a2 , · · · , ak a a quaisquer, o sistema de congruˆncias e  mod m1  x ≡ a1    x ≡ a2 mod m2 .  .  .   x ≡ ak mod mk tem solu¸˜o que ´ unica m´dulo M . ca e´ o 1
  • 2. Demonstra¸˜o 0.3 Comecemos por notar que a observa¸˜o feita a prop´sito do exemplo, vale em geral: ca ca o dada uma solu¸˜o do sistema ela ´ unica m´dulo M , uma vez que se x e y s˜o solu¸˜es, temos mi | (x − y) ca e´ o a co para todo o i e como os mi s˜o primos dois a dois isso implica M | (x − y). a O m´todo iterativo de solu¸˜o usado no exemplo pode ser usado para fazer uma demonstra¸˜o por indu¸˜o: e ca ca ca dado um sistema com duas equa¸oes c˜ x ≡ a1 mod m1 x ≡ a2 mod m2 a solu¸˜o pode ser determinada como j´ vimos substituindo na segunda equa¸ao x por a1 + m1 y; a equa¸˜o ca a c˜ ca m1 y ≡ a2 − a1 mod m2 tem solu¸˜o unica m´dulo m2 uma vez que mdc(m1 , m2 ) = 1. ca ´ o Suponhamos agora, como hip´tese de indu¸˜o, que o resultado do teorema ´ v´lido para um certo k e seja o ca e a  mod m1  x ≡ a1    x ≡ a2 mod m2   . .  .   x ≡ ak mod mk    x ≡ ak+1 mod mk+1 Chamemos n ao produto m1 × · · · × mk . Por hip´tese de indu¸˜o, o sistema constitu´ pelas primeiras k o ca ıdo equa¸˜es tem solu¸˜o unica c mod n; podemos ent˜o resolver o sistema de duas equa¸˜es co ca ´ a co x≡c x ≡ ak+1 mod n mod mk+1 a sua solu¸˜o, unica m´dulo n × mk+1 = M , ´ a desejada solu¸˜o do sistema de k + 1 equa¸˜es. ca ´ o e ca co O Teorema Chinˆs dos Restos permite reduzir a resolu¸˜o de uma congruˆncia ` de um sistema de e ca e a congruˆncias mais simples: e Exemplo 0.4 : Considere-se a equa¸˜o ca 327x ≡ 171 mod 520; Calculando mdc(327, 520) = 1 podemos deduzir que existe uma unica solu¸˜o e aplicar o m´todo explicado ´ ca e mais atr´s. No entanto, notando que 520 = 5 · 8 · 13, passamos ao sistema a   mod 5 mod 5  327x ≡ 171  2x ≡ 1 327x ≡ 171 mod 8 ⇔ 7x ≡ 3 mod 8 ⇔   327x ≡ 171 mod 13 2x ≡ 4 mod 13  mod 5  x≡3 x≡5 mod 8 ⇔  x≡2 mod 13 Qualquer solu¸˜o da equa¸˜o inicial ter´ que ser tamb´m solu¸ao de cada uma das equa¸˜es do sistema e ca ca a e c˜ co reciprocamente, pelo Teorema Chinˆs dos Restos, qualquer solu¸ao do sistema ´ solu¸˜o da equa¸˜o inicial. e c˜ e ca ca 2
  • 3. Usamos o mesmo m´todo de solu¸˜o do exemplo anterior: pela primeira equa¸˜o x = 3 + 5y; substituindo e ca ca na segunda temos 5y ≡ 2 mod 8 ⇔ y ≡ 2 mod 8 portanto y = 2 + 8z e x = 13 + 40z, o que nos d´, na ultima equa¸˜o, a ´ ca 40z ≡ 2 mod 13 ⇔ z ≡ 2 mod 13 donde se deduz finalmente que x = 93 + 520w ´ E poss´ ıvel demonstrar o teorema de outra forma, que nos fornece igualmente um m´todo pr´tico de e a solu¸˜o: Dado o sistema no enunciado, calcula-se, para cada 1 ≤ i ≤ k, um inteiro bi tal que ca m bi ≡ 1 mi Note-se que isto ´ poss´ e ıvel, uma vez que mdc( Verificamos que x definido por mod mi m , mi ) = 1, ficando bi determinado naturalmente m´dulo mi . o mi k x= i=1 m bi a i mi m mi (mi e mj s˜o primos entre si) e portanto essas parcelas anulam-se m´dulo mj ; na parcela de ´ a o ındice j, devido ao modo como escolhemos bj , temos m bj aj ≡ aj mod mj mj ´ solu¸˜o do sistema; fixemos um ´ e ca ındice 1 ≤ j ≤ k; nas parcelas do somat´rio com i = j temos que mj | o Este m´todo de solu¸˜o torna-se mais util quando temos que resolver n˜o um mas v´rios sistemas de e ca ´ a a equa¸˜es com os mesmos m´dulos m1 , · · · , mk , como veremos a seguir. co o O pr´ximo exemplo envolve equa¸˜es modulares de grau maior que 1 para pˆr em evidˆncia as vantagens o co o e do segundo m´todo de solu¸˜o de um sistema. e ca Exemplo 0.5 : Procuramos as solu¸˜es simultˆneas do sistema de equa¸˜es co a co  2 mod 7  x ≡2 x3 ≡ 1 mod 9  4 x ≡3 mod 11 Como n˜o temos (por enquanto) nenhuma forma mais eficaz de tratar estas equa¸oes, procuramos as a c˜ suas solu¸oes directamente, calculando a2 em que a percorre todas as classes de congruˆncia m´dulo 7, e do c˜ e o mesmo modo para as outras equa¸˜es. Conclu´ co ımos que a primeira equa¸˜o tem duas solu¸˜es 3 e 4 m´dulo ca co o 7, a segunda tem trˆs solu¸˜es m´dulo 9: 1, 4 e 7, e a terceira tem duas solu¸˜es 4 e 7. Ter´ e co o co ıamos portanto que resolver os 12 sistemas de 3 equa¸˜es da forma co  mod 7  x ≡ a1 x ≡ a2 mod 9  x ≡ a3 mod 11 3
  • 4. onde a1 ∈ {3, 4}, a2 ∈ {1, 4, 7} e a3 ∈ {4, 7}. Em alternativa, podemos usar o outro m´todo: resolvemos as equa¸˜es da forma e co m y≡1 mi mod mi Temos 99y ≡ 1 mod 7 ⇔ y ≡ 1 mod 7 e portanto podemos escolher b1 = 1. As outras equa¸˜es s˜o co a 77y ≡ 1 mod 9 ⇔ 5y ≡ 1 mod 9 ⇔ y ≡ 2 mod 9 mod 11 ⇔ 8y ≡ 1 mod 11 ⇔ y ≡ 7 mod 11 e 63y ≡ 1 e portanto b2 = 2 e b3 = 7. Substituindo os valores dos ai na express˜o a 3 i=1 m bi ai = 99a1 + 154a2 + 441a3 mi obtemos as doze solu¸˜es pretendidas. co Recorde-se que os bi s˜o calculados m´dulo mi ; podemos portanto, por exemplo, pˆr b3 = −4; as solu¸˜es a o o co obtidas s˜o as mesmas m´dulo m = 7 × 9 × 11 = 693, ainda que representadas por outros inteiros. a o O Teorema Chinˆs dos Restos pode ser enunciado alternativamente do seguinte modo: e Teorema 0.6 : Se M = m1 × · · · × mk e mdc(mi , mj ) = 1 se i = j, ent˜o a aplica¸˜o a ca ψ : Z/M → Z/m1 × · · · × Z/mk definida por ψ(a) = (a mod m1 , · · · , a mod mk ) ´ uma bijec¸˜o. e ca A existˆncia de solu¸˜o para qualquer sistema da forma e ca  mod m1  x ≡ a1    x ≡ a2 mod m2 .  .  .   x ≡ ak mod mk ´ equivalente a ψ ser sobrejectiva; por outro lado, a propriedade de ψ ser injectiva ´ equivalente a aquela e e solu¸˜o ser unica m´dulo M . ca ´ o Quando enunciado desta forma, o Teorema Chinˆs dos Restos ´ de demonstra¸˜o ainda mais simples: de e e ca facto, basta provar que ψ ´ injectiva, sendo a sobrejectividade uma consequˆncia imediata de o dom´ e e ınio e o contra-dom´ ınio desta aplica¸˜o terem o mesmo n´mero de elementos. Mas ψ ´ injectiva uma vez que ca u e x≡y mod mi ∀i ∈ {1, · · · , k} ⇔ x ≡ y 4 mod M.
  • 5. Por outro lado, este racioc´ ınio n˜o nos indica como resolver na pr´tica um sistema, ou seja, dados ai ∈ Z/mi , a a como determinar ψ −1 (a1 , · · · , ak ) ´ E isso que as outras demonstra¸˜es fazem. De facto, a segunda dessas demonstra¸˜es d´-nos uma f´rmula co co a o para a fun¸˜o inversa de ψ: ca k m bi ai ψ −1 (a1 , · · · , ak ) = mi i=1 ou mais precisamente a classe congruˆncia m´dulo M deste inteiro. e o 5