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TABOR, James D.. A Dinastia de Jesus – A história secreta das origens do
cristianismo. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006.
Resumo por: Carlos Jorge Burke – www.cburke.com.br
OBS: Se desejar, solicitar arquivo pelo blog.


“Mateus faz também referência a um antigo adágio do profeta hebreu Isaías: "eis que
uma virgem conceberá, e dará à luz um filho, e será o seu nome Emanuel" - como se
dissesse que a gravidez de Maria era a realização dessa profecia (Isaías 7:14). Mas
Isaías faz referência a uma criança que deveria nascer na sua própria época, no século
VIII a.C., cujo nascimento seria um sinal para o rei Ahaz, que então governava. A
palavra hebraica (almah) que Mateus traduz por "virgem", em sua versão grega,
significa "jovem mulher" ou "donzela”, sem introduzir qualquer implicação miraculosa.
A criança receberia o nome pouco comum de Emanuel, que significa "Deus conosco", e
Isaías garante ao rei Ahaz que, antes que essa criança tenha idade suficiente para
distinguir "o bem do mal", os assírios que ameaçavam Jerusalém e a Judéia seriam
removidos da face da terra. Ahaz não teria que esperar muito tempo. Mateus infere que
a profecia de Isaías foi "realizada” pelo miraculoso nascimento virgem de Jesus - o que
claramente não é o sentido do texto original.” (pag. 60)

“Outro dogma católico afirma que Maria permaneceu virgem durante toda a sua vida
(semper virgine, "sempre virgem")" - percepção partilhada até mesmo por inúmeros
líderes protestantes, como Lutero, Calvino, Zwingli e John Wesley, embora seja pouco
corrente hoje em dia entre os protestantes. Maria foi idealizada em todos os tempos
como a divina e santa "Mãe de Deus". Ela estava tão afastada de sua cultura e de sua
época, que a mera idéia de que poderia ter tido relações sexuais, gerado outros filhos e
vivido a vida normal de uma mulher judia casada foi impensável durante séculos. Ela
foi "louvada até os céus" de maneira bastante literal, e sua verdadeira humanidade se
perdeu, assim como se perdeu a importância de seus ancestrais.” (pág. 61)


“Na primeira linha de seu Evangelho, Mateus chama Jesus de "filho de Davi".
Em Lucas, o anjo anuncia a Maria que seu filho Jesus iria sentar-se "no trono de Davi,
seu pai" (Lucas 1:32). Esses dois conceitos estão interligados: nem todos os
descendentes de Davi iriam ocupar seu trono, mas tampouco ninguém ocupou esse
trono sem ser descendente de Davi.
O rei Davi, célebre autor de muitos salmos e pai do rei Salomão, foi o mais renomado
dos antigos reis de Israel. Pouco antes de sua morte, Deus lhe fez a promessa de que seu
"trono" duraria para sempre e que apenas aqueles gerados por sua "semente" o
ocupariam como governantes da nação de Israel (2 Samuel 7:12-16). Os profetas
hebreus aceitaram essa promessa transformando-a na base de sua predição de que, nos
"últimos dias", o Cristo, ou o Messias, se sentaria no trono de Davi como governante
ideal de Israel. Para isso, ele teria necessariamente que ter a linhagem adequada.
Essa promessa foi encarada como um contrato inabalável. No livro de Jeremias, Deus
declara que, "se o meu concerto do dia e da noite não permanecer, e eu não puser as
ordenanças dos céus e da terra, também rejeitarei a descendência de Jacó e de Davi,
meu servo, de modo que não tome da sua semente quem domine sobre a semente de
Abraão, Isaac e Jacó" (Jeremias 33:25-26). Essa promessa feita a Davi, de que seus
descendentes reais reinariam sobre Israel, era equiparada a uma lei fixa da natureza.
Outros, gregos ou romanos, poderiam até mesmo reinar sobre Israel, mas seriam sempre
percebidos como estrangeiros e ocupantes ilegítimos, que Deus varreria da face da terra
quando chegasse o verdadeiro Messias. Os judeus foram independentes durante um
breve período - de 165 a 63 a.c. - antes que os romanos conquistassem o país. Uma
família judia local, os macabeus ou asmonianos, governaram o país, estabelecendo uma
dinastia de sacerdotes, mas foram incapazes de se proclamar da linhagem de Davi.
Como já notamos, Herodes, o Grande, apesar de seu título de "Rei dos Judeus", temia
que um verdadeiro descendente da linhagem de Davi pudesse vir ameaçar seu poder.”
(pág. 63s)

“Qualquer genealogia banal naquela época se baseava apenas na linhagem masculina,
que tinha uma importância fundamental. O pai de uma pessoa era o fator significativo
na cultura do mundo em que Jesus nasceu. No entanto, Mateus menciona quatro
mulheres, ligadas a quatro dos quarenta nomes de homens listados, o que é inteiramente
irregular e inesperado. Mateus registra:

Judá gerou Peres e Zerá por meio de Tamar (v.3)
Salomão gerou Boaz por meio de Raabe (v.5)
Boaz gerou Obede por meio de Rute (v. 5)
Davi gerou Salomão por meio da esposa de Urias (v.5)
(...).
O padrão cadenciado dessa lista de nomes de homens choca-se com a menção dessas
mulheres, todas bem conhecidas dos leitores judeus. Elas não têm nada a ver com a
genealogia formal da família real. As histórias dessas mulheres na Bíblia chamam
atenção pelos sórdidos detalhes sexuais. Parece claro que Mateus está tentando colocar
o nascimento de Jesus, potencialmente escandaloso, no contexto de seus ancestrais -
homens e mulheres. Na verdade, ele está preparando o leitor para o que vai se passar.
No final da lista, o último nome da última linha, dá lugar ao choque. Mateus está
seguramente tentando sacudir, tomar o leitor de surpresa, quando escreve:

Jacó gerou José. marido de Maria;
dela foi gerado Jesus, que se chama o Cristo.

O que seria de esperar, em qualquer genealogia comum masculina, era:

Jacó gerou José;
José gerou Jesus, que se chama o Cristo.

Mateus emprega o verbo "gerar" (do grego gennao) 39 vezes na voz ativa, com um
sujeito masculino. Mas quando chega a José, o desvio é importante: ele usa o mesmo
verbo na voz passíva com um objeto feminino: dela foi gerado Jesus. Dessa forma, uma
quinta mulher se infiltra inesperadamente nessa lista: a própria Maria.
E, certamente, essa não é a linhagem de Maria, mas a genealogia de José. Por que,
então, ela é incluída? Mateus está preparando o leitor para a história que virá, na qual
Maria, noiva, fica grávida de um homem que não é seu futuro marido. É como se ele
estivesse prevenindo, de maneira implícita, os leitores sentenciosos ou extremamente
religiosos para que não tirem conclusões precipitadas.” (pág. 64ss).

“A Antiga Israel era dividida em 12 tribos, descendentes dos 12 filhos de Jacó, neto de
Abraão. Os sacerdotes de Israel tinham que ser descendentes de Aarão, irmão de
Moisés, da tribo de Levi. Os reis deviam ser da linhagem real do rei Davi, da tribo de
Judá. Estas posições, rei e sacerdote, davam às tribos de Judá e Levi proeminência
especial.“ (pág. 70s).

“Cristãos e Judeus vieram posteriormente a se centrar no Messias - uma única figura da
linhagem de Davi que deveria governar como rei nos últimos dias. E, no entanto, nos
Manuscritos do Mar Morto encontramos uma comunidade religiosa extremamente
devota, habitualmente identificada com os essênios, que esperavam a vinda de três
personagens - um profeta, como Moisés, e os messias de Aarão e de Israel. O "Messias
de Israel" é claramente o rei da linhagem de Davi, mas o "Messias de Aarão" se refere a
uma figura sacerdotal - também chamada de messias. Essa percepção preenche uma
falha em nossa compreensão da dinastia de Jesus. Vários textos começam a fazer mais
sentido e se encaixam de uma maneira que tinha sido precedentemente omitida.
A palavra "messias" vem do termo hebraico moshiach, que significa simplesmente
"pessoa ungida”. O termo grego equivalente, christos, também significa "ungido", e foi
a partir dele que se derivou o termo que nos é mais familiar de "Cristo", em sua
significação de Messias. O termo se refere ao ritual sagrado no qual se derrama óleo
sobre a cabeça de um indivíduo escolhido, para confirmá-lo oficialmente como
sacerdote ou rei. A sagração daquele que era escolhido por Deus se fazia em geral por
intermédio de um profeta. Mas, fosse ele rei ou sacerdote, o candidato teria de possuir a
linhagem apropriada. Muita gente se surpreende ao saber que o primeiro Messias na
Bíblia foi Aarão, "ungido" como sacerdote por seu irmão Moisés e citado no texto
hebreu como um "moshiach" ou "messias" (Êxodo 40:12-15), centenas de anos antes
que o profeta Samuel tivesse ungido Davi como rei de Israel (l Samuel 16:13). Todo
sacerdote ungido teria de ser descendente de Aarão, e todo rei ungido teria de ser
descendente de Davi. Maria, mãe de Jesus, era descendente direta do rei Davi, mas tinha
também laços de sangue com a linhagem levita, de sacerdotes, descendentes de Aarão, o
que é provado tanto por sua genealogia quanto por seu parentesco com a família de
Isabel, mãe de João Batista. Séculos mais tarde, depois da era bíblica, o pai determinava
a filiação tribal dos filhos, enquanto a mãe dava a garantia de seu filho ser realmente
"judeu”. As coisas não eram tão claramente definidas na época bíblica. Na Bíblia, fala-
se das mulheres como portando a "semente”, e a mesma palavra hebraica zara
(literalmente "semente") é usada como referência tanto aos filhos dos homens quanto
das mulheres. Assim, Jesus podia perfeitamente reivindicar o fato de ser da "semente de
Davi" pela linhagem de sua mãe.” (pág. 72s).

“Os eruditos que colocam em questão a verdade literal dos relatos de nascimento feitos
por Mateus e Lucas e sugerem que o fato de dar a Jesus um extraordinário nascimento
sobrenatural é uma maneira de afirmar a natureza divina de Jesus como “filho de Deus”.
Essa idéia de seres humanos procriados por deuses é extremamente comum na cultura
greco-romana. Há uma legião de heróis citados como sendo o produto de uma união
entre sua mãe e um deus – Platão, Empédocles, Hércules, Pitágoras, Alexandre, o
Grande e mesmo César Augusto. A idéia do homem divino (theios aner) cujo
nascimento sobrenatural, capacidade de fazer milagres e morte extraordinária o separam
do mundo comum dos mortais é encontrado em vários textos. Esses heróis não são
deuses “eternos”, como Zeus ou Júpiter, mas seres humanos que foram elevados a um
estado celeste de vida imortal. Seus templos e santuários povoavam cada cidade e cada
província do Império Romano, na época de Jesus. É fácil imaginar que os cristãos
primitivos que acreditavam em Jesus o queriam tão louvado e celestial quanto qualquer
dos heróis e deuses gregos e romanos e se apropriaram dessa maneira de contar a
história de seu nascimento como uma maneira de afirmar que Jesus era ao mesmo
tempo humano e divino.” (pág. 75s).

“E se essas histórias do nascimento virgem tivessem sido criadas não tanto para
apresentar Jesus como um herói divino, no estilo greco-romano, mas para tratar de uma
situação realmente chocante – a gravidez de Maria antes de seu casamento com José?
Todas as quatro mulheres mencionadas por Mateus em sua genealogia tiveram relações
sexuais fora do casamento e pelo menos duas delas, ficaram grávidas. Ao nomear essas
mulheres especiais, Mateus parece estar tratando implicitamente da situação de Maria.
Nossos Evangelhos dão algumas indicações de que boatos sobre a ilegitimidade já
estavam circulando à boca pequena. Marcos, nosso primeiro Evangelho, escrito por
volta de 70 d.C., inclui uma cena importante em que Jesus volta à sua casa em Nazaré,
já adulto, suscitando rumores entre seus concidadãos. Notem com cuidado como eles
falam:

Não é este o carpinteiro, filho de Maria e irmão de Tiago, e de José, e de Judas, e de
Simão? E não está aqui conosco suas irmãs? (Marcos 6:3)

Mateus usa Marcos como fonte e inclui a mesma história, mas notem como, sabiamente,
ele diz as coisas de outra maneira:

Não é este o filho do carpinteiro? E não se chama sua mãe Maria, e seus irmãos Tiago,
e José, e Simão, e Judas? E não estão todas suas irmãs conosco? (Mateus 13:55)

Esta mudança sutil, mas crítica, na maneira de se exprimir é absolutamente reveladora:

Não é este o carpinteiro, o filho de Maria? (Marcos)
Não é este o filho do carpinteiro? E não se chama sua mãe Maria? (Mateus)

Chamar Jesus de “o filho de Maria” indica que seu pai era desconhecido. No judaísmo,
refere-se invariavelmente às crianças como filhos ou filhas de seu pai – não de sua mãe.
Marcos nunca se refere a José, seja pelo nome ou de outra maneira qualquer. Ele evita
inteiramente a questão da paternidade. Deve haver uma boa razão para este silêncio. Ao
contrário, Mateus rapidamente refaz o fraseado de Marcos, de modo a que a questão de
ilegitimidade não seja sequer evocada. Vemos mesmo que os manuscritos gregos
posteriores do Evangelho de Marcos tentam “resolver” o escândalo, alterando o texto,
de forma a falar do “filho de Maria e José”.” (pág. 77s).

“Estou convencido de que nossa melhor prova indica que José, que se casou com Maria
já grávida, não era o pai de Jesus. O pai de Jesus permanece desconhecido, mas chama-
se possivelmente Pantera e, nesse caso, é bastante provável que seja um soldado
romano. A pedra tumbal da Alemanha, seja ela do pai de Jesus ou não, tal como as
tumbas e os ossuários que estudamos em Jerusalém, nos recordam que esses nomes
associados com a família de Jesus estão baseados nas provas materiais que a
arqueologia continua a descobrir. Esses personagens eram seres humanos reais que
viveram e morreram em um passado que se torna cada dia mais acessível para nós. Jesus
não era o filho de José, mas Maria estava casada com ele e teve outros filhos depois de
Jesus. Assim, poder-se-ia pensar que José era o pai do resto da família – mas como
acontece frequentemente, quando se trata de assuntos familiares, especialmente de uma
família real, as coisas não são tão simples assim.” (pág. 88).
“Marcos, nosso primeiro registro evangélico, informa que Jesus tinha quatro irmãos e,
pelo menos, duas irmãs. Ele dá o nome dos irmãos com muita naturalidade: Tiago, José,
Judas e Simão. Marcos não fornece os nomes das irmãs, mas a tradição cristã primitiva
diz que eram duas - Maria e Salomé (Marcos 6:3). Mateus, cuja fonte é Marcos, inclui a
mesma lista, embora, em vez de José, ele escreva "Joses", um apelido semelhante a
"Josy", em inglês, que corresponde a "José" na versão integral. Ele também coloca
Simão antes de Judas (Mateus 13:55). Lucas, ao contrário, desenrola inteiramente a lista
de nomes. Como declarado defensor do apóstolo Paulo, ele inaugura um longo processo
de relegação dos irmãos de Jesus à obscuridade na qual hoje se encontram. Com muita
freqüência, quando falo ou ensino sobre os irmãos de Jesus, sobre a posição importante
ocupada por Tiago, o mais velho deles, a quem Jesus confiou o encargo de seus
discípulos, uma mão se levanta na sala, e o comentário é sempre o mesmo: "Nunca
soube que Jesus tivesse tido algum irmão”.
Há um certo número de fatores por trás dessa falha em nosso conhecimento sobre o
cristianismo primitivo. O centro dessa questão é o posterior dogma cristão de que Maria
foi uma virgem perpétua, que nunca teve outros filhos além de Jesus e jamais teve
relações sexuais com qualquer homem. Na Igreja primitiva, ninguém poderia nem
sequer imaginar isso, pois a família de Jesus exercia um papel muito central e visível
em sua vida e na dos primeiros discípulos. Tudo isso tem a ver com o fato de Maria ter
sido totalmente isolada da cultura e do Contexto judaicos do século I, em função do
interesse de uma visão emergente na época de que a sexualidade humana era, na pior
das hipóteses, degradante e perversa, e, na melhor delas, um mal necessário que tinha de
alguma forma que ser combatido. O mundo material e tudo o que se relacionasse com o
corpo eram vistos como baixos e de menor valor do que o mundo celeste e espiritual.”
(pág. 89).

“O imperador romano Augusto concedera oficialmente o cobiçado título de “Rei dos
Judeus” a Herodes, o Grande. Ele era o mais rico e mais influente rei-cliente do Império
Mediterrâneo oriental. Seus pródigos programas de construção tanto dentro quanto fora
do país, eram ímpares, mesmo em Roma. Quando José e Maria se encaminhavam para o
Templo, teriam visto o palácio esplendoroso de Herodes ao longo do muro ocidental da
cidade, com suas torres impressionantes, cujas fundações ainda hoje são visíveis.
Herodes havia iniciado a remodelação do próprio Templo em 20 a.C., com a intenção de
torná-lo uma maravilha do mundo antigo. Isso oferece um forte exemplo de contrastes.
Jesus nasceu pobre e praticamente sem teto, apesar da linhagem real de Davi que herdou
da mãe. E, no entanto, era essa linhagem dinástica que Herodes e seus filhos tão
desesperadamente cobiçavam e temiam, apesar de sua riqueza e seu poder
extraordinário.” (pág. 104).

“Os romanos ocuparam o país que os judeus chamavam de "a Terra de Israel" em 63
a.C. O grande general Pompeu, antigo aliado de Júlio César, levou seus exércitos para o
Mediterrâneo oriental, conquistando a Ásia Menor, a Síria e a Palestina. Ocupou
Jerusalém após três meses de sítio, massacrando 12 mil judeus. Aproveitou-se do dia
sagrado do Sabbath, atacando ferozmente, quando sabia que os judeus praticantes
estariam menos propensos a lutar. O general e seu estado maior ousaram penetrar o
santuário secreto do Templo judaico - o "Santíssimo", uma pequena câmara acortinada
que abrigava a Arca da Aliança nos tempos antigos. Segundo a Torá, apenas o sumo
sacerdote tinha permissão para entrar nesse recinto, e apenas uma vez por ano, no Dia
do Perdão (Yom Kippur). Por uma ironia da História, Josefo diz que a violação do
Templo por Pompeu aconteceu no "dia do jejum” ou Yom Kippur. Talvez mais do que
qualquer outro, esse único ato foi o ápice da arrogância e do poder dos romanos. Como
era possível que o Deus de Israel, adorado diariamente pelos judeus como "Senhor do
Mundo", não fosse capaz de proteger seu próprio santuário no dia mais sagrado do ano
judaico? O poder político e militar é uma coisa, mas a humilhação religiosa é bem outra.
A visão profética judaica de um Rei Messias que reinaria na Terra de Israel e,
finalmente, em todos os países do mundo, nunca pareceu mais impossível.” (pág. 111).

“A conquista do Oriente por Pompeu trouxe riquezas incalculáveis para Roma, sob a
forma de frutos de pilhagens e novos impostos. A Síria foi anexada e transformada em
uma província romana, e seu governador dividiu a Palestina em vários distritos
autônomos, com soberanos locais, sob o controle militar romano. O mais ambicioso
desses soberanos-clientes foi Antipater, pai de Herodes, o Grande. Era um período de
instabilidade e guerra civil em Roma. Nas duas décadas seguintes Júlio César derrotou
Pompeu, que se tornara seu inimigo, mas depois foi assassinado por Brutus e Cássio,
que, por sua vez, foram derrotados por Marco Antônio. Otaviano, sobrinho de César,
que seria conhecido como Augusto, o primeiro dos imperadores romanos, foi
subseqüentemente subjugado por seus rivais Antônio e Cleópatra em 31 a.C. Augusto
precisava desesperadamente de uma fronteira oriental estável e constatou que o único
capaz de conseguir isso era Herodes.” (pág. 111s).

“Herodes estava decidido a ser Rei dos Judeus e único soberano da terra de Israel.
Em 40 a.C. tinha viajado para Roma e conseguido convencer Antônio e Otaviano, ainda
aliados na época, a declará-lo "Rei da Judéia". Reconheceram que Herodes era o único
capaz de consolidar o regime na Palestina e apoiá-los contra os pártios, que tinham
invadido pelo leste. Em sua coroação, Herodes ofereceu sacrifício a Júpiter na Colina
Capitolina, ladeado por Otaviano e Antônio. Voltou à Palestina e começou a subjugar a
Galiléia no norte, passou para Samaria no sul e, finalmente, apoiado por legionários
romanos, sitiou Jerusalém. Massacrou impiedosamente todos que se opunham a ele, e,
no verão de 37 a.C., Herodes finalmente consolidou seu regime e ocupou oficialmente
seu trono ensangüentado como "Rei dos Judeus". A mãe de Herodes era judia, mas seu
pai, Antipater, era um estrangeiro da Iduméia, a leste. Herodes casou-se com Mariane,
descendente da família de sacerdotes conhecida como os asmonianos ou macabeus.
Embora sua família não pudesse reivindicar descendência de Davi, eles haviam, de fato,
reinado sobre o país durante um curtíssimo período de independência entre cerca de 165
a.C. e a chegada dos romanos em 63 a.C. Constituíram uma dinastia real e cunhavam o
título de "rei" em suas moedas. Havia um certo ar de mistério ligado a essa família
sacerdotal que havia expulsado os sírios da Terra de Israel cem anos antes. Herodes,
meio judeu, achou que, com a bela Mariane ao seu lado, alcançaria um pouco mais de
legitimidade para o título que cobiçava.” (pág. 112).

“Em 31 a.C. houve um terremoto devastador na Judéia que causou trinta mil mortes. As
pessoas que desprezavam Herodes e tudo que ele representava viram isso como o
começo do castigo de Deus aos judeus por se acomodarem ao regime romano. Otaviano
derrotou Antônio naquele mesmo ano, e um de seus primeiros atos como o novo
Imperador Augusto foi confirmar o título de Herodes como "Rei dos Judeus”. Ele o
coroou em uma cerimônia formal em Rodes, para onde Herodes havia navegado para
encontrá-lo e cumprimentá-lo.
Um dos primeiros atos de Herodes foi executar 45 dos setenta membros do Sinédrio
judaico, o conselho encarregado dos assuntos legais judaicos. No princípio de seu
reinado, aumentou e fortificou as várias fortalezas no deserto fundadas pelos
asmonianos, inclusive Massada, o Alexandrium, Maqueronte e Hircânia. Proveu-as de
armas, alimentos, e água, como potenciais refúgios para a sua família em tempos de
crise. O que mais temia era uma revolta nativa que talvez tivesse apoio popular daqueles
que buscavam um soberano legítimo da casa de Davi.” (pág. 113).

“Quando Herodes morreu em março de 4 a.C., Jesus era um bebê de seis meses,
morando na Galiléia. O testamento de Herodes dividia seu reino entre três de seus
filhos. Herodes Antipas tornou-se soberano da Galiléia e de Peréia, a região do outro
lado do Jordão. Seu irmão mais velho, Arquelau, tornou-se "etnarca" da Judéia, termo
que significa "soberano da nação". Felipe, um terceiro filho, de outra esposa, recebeu
territórios a nordeste do Mar da Galiléia. O Imperador Augusto ratificou o testamento, e
os três filhos foram a Roma nessa ocasião. Augusto favoreceu Arquelau e prometeu-lhe
que seria sagrado rei caso se provasse digno. Arquelau deu ao pai um enterro pomposo,
colocando seu corpo em uma câmara secreta dentro do Heródio, uma grande fortaleza-
palácio, pouco menos de cem quilômetros ao sul de Jerusalém, construída por Herodes
para ser seu mausoléu. Até hoje a sepultura não foi descoberta, embora a fortaleza tenha
sido escavada.
Houve revoltas em Jerusalém nessa ocasião, e a Páscoa dos hebreus se aproximava.
Arquelau reagiu com violência, e seus exércitos massacraram mais de três mil pessoas.
Em breve o país inteiro insurgiu-se; foi então que Varo e suas legiões invadiram a
Galiléia, vindos da Síria, destruíram Séforis e marcharam sobre Jerusalém, queimando
cidades e aldeias em seu caminho e crucificando aqueles que resistiam ao regime
romano, pouco depois do nascimento de Jesus. Na Galiléia, um homem chamado Judas,
filho de Ezequias, havia iniciado a insurreição, arrombando o arsenal real em Séforis e
apoderando-se das armas. Diz Josefo que esse Judas aspirava a ser honrado como rei.
Ao sul, um certo Simão, escravo de Herodes, reuniu um grupo de seguidores, fez-se
proclamar rei e queimou e saqueou o palácio real em Jericó. Os romanos o alcançaram e
decapitaram. Um camponês chamado Atronges, apoiado por quatro irmãos, proclamou-
se rei e reuniu um grande bando armado, assolando a zona rural durante meses. Segundo
Josefo, os três líderes usavam o diadema que significava suas pretensões a ser
homenageados, como reis. Na tradição judaica, um rei é um "messias': ou ungido como
tal, então não seria errado considerar esses líderes aspirantes a messias de algum tipo.”
(pág. 118).

“A Judéia mostrava-se longe de estar pacificada. Uma figura fogosa conhecida como
Judas, o Galileu, instigou uma revolta em grande escala, aproveitando-se da mudança de
administração. Ele instou seus conterrâneos a se recusar a pagar os impostos romanos
que resultariam da anexação. Judas pregava que Deus era o único senhor e que
deveriam se livrar do jugo romano. Segundo Josefo, Judas foi o fundador do partido dos
judeus que tomou o nome de zelote. Se Judas vinha da linhagem de Davi ou se se
acreditava um messias ou rei, simplesmente não sabemos. Josefo não relata seu fim,
mas Lucas, nosso evangelista, diz no segundo volume de seu Atos dos Apóstolos que
"Judas pereceu, e seus seguidores foram dispersados" (Atos 5:37). Provavelmente
voltaram para a Galiléia, onde tinham simpatizantes que poderiam escondê-los.
Essa revolta de Judas, o Galileu foi mais significativa do que os outros atentados que se
seguiram à morte de Herodes, por ter meta política e religiosa maior. Por pior que
tivesse sido Herodes, ele era, pelo menos nominalmente, "judeu" e, assim, um rei
nativo; ao morrer, seu território passou para os filhos. Augusto tencionava anexar a
Judéia e colocá-la diretamente sob administração e taxação romanas. Judas não buscava
apenas poder pessoal, mas foi o iniciador de um movimento - dos zelotes - com vistas à
independência do Estado judaico. Seu objetivo não era apenas político, mas também
religioso. Os zelotes afirmavam que os dois não podiam ser separados. Israel era o povo
escolhido por Deus vivendo na Terra Prometida e governado pela Lei Mosaica ou Torá.
Que os romanos administrassem a Terra de Israel era uma deformação e uma afronta a
Deus.
Judas, de fato, parece se ajustar a um certo molde "dinástico': visto que seus filhos
Tiago e Simão, seguiram seus passos e foram julgados e crucificados pelo procurador
romano, cerca de uma década depois da morte de Jesus.” (pág. 119).

“Como veremos, Jesus sentia desprezo absoluto por Herodes Antipas e tudo que ele
representava. Falava com sarcasmo daqueles que vestem belos mantos macios e vivem
no luxo em palácios reais. Uma vez referiu-se diretamente a Herodes como "aquela
raposa'; e quando Herodes interrogou-o, na manhã mesma em que Jesus foi condenado à
crucificação, recusou-se até a abrir a boca para responder. Foi Herodes quem
assassinara brutalmente seu parente e mestre João Batista, e Jesus tinha observado como
o desejo de Herodes por poder e riqueza oprimiu injustamente as vidas de seus
conterrâneos.
Não creio que haja muita dúvida de que Jesus freqüentemente percorreu as ruas e
mercados tanto de Séforis quanto de Tiberíades. Foi completamente exposto à cultura
urbana romana que Herodes importou para a Galiléia. Ele certamente viu tudo. Ao
chegar aos trinta anos, começara a formular um plano que acreditava levar à destruição
completa de tudo que Roma e seus simpatizantes e partidários judeus representavam,
incluindo o estabelecimento religioso corrupto que dirigia o Templo em Jerusalém. O
que visionava, encontrou escrito nos textos sagrados dos profetas hebreus. O tempo era
chegado - os reinos do mundo estavam para se tornar o Reino de Deus e de seus
Messias.” (pág. 123).

'”Jesus era judeu, não cristão. Esse singular fato histórico abre a porta para a
compreensão de Jesus como realmente era em seu próprio lugar e tempo; é uma porta
que muitos nunca pensaram em ultrapassar. Jesus foi circuncidado, observava a Páscoa
dos hebreus, lia a Bíblia hebraica e observava o sabbath como dia de descanso. Dois mil
anos de separação e alienação relativamente hostis entre o judaísmo e o cristianismo
tenderam a obscurecer o fato de que Jesus cresceu em um mundo religioso e cultural
que foi quase totalmente perdido nos subseqüentes movimentos do cristianismo.
Para compreender Jesus em seu próprio tempo e lugar, precisamos compreender sua
profunda dedicação à fé ancestral de seus antepassados. Via-se apenas cumprindo as
palavras de Moisés e dos profetas, e a esperança messiânica que orientou sua vida e
levou à sua morte era o âmago do mais profundo de seu ser.” (pág. 125).

“Ser judeu, na Palestina do século I ocupada pelos romanos, tinha tanto a ver com
identidade nacional e étnica como com crenças religiosas abstratas. Assim, para muitos
judeus era impossível separar as realidades sociais e políticas da ocupação militar e
opressão econômica da devoção e fé judaicas. Era fundamental a crença judaica de que
o povo de Israel tinha sido escolhido por Deus para se tornar uma "nação modelo", que
seria um exemplo de justiça e religiosidade para o mundo inteiro. Os profetas hebreus
haviam predito que nos últimos dias todas as nações iriam a Jerusalém para se instruir
sobre o único verdadeiro Deus Criador, irresistivelmente atraídas pelo exemplo moral
de paz e justiça de Israel. Nem todos os judeus aceitavam essa visão tão idealista, mas
os que a aceitavam eram em número suficiente para que João Batista, Jesus e seu irmão
Tiago pudessem atiçar um movimento que ameaçou os mais altos níveis do
estabelecimento político e religioso.
A família de Jesus, como todos os judeus da Galiléia, deve ter feito peregrinações para
Jerusalém três vezes por ano, como exigia a Torá, todos os anos, na primavera, por
ocasião da Páscoa dos hebreus, no princípio do verão, para a celebração de Pentecostes,
e no outono, para a celebração dos Tabernáculos. Na Páscoa dos hebreus,
principalmente, Josefo afirma que dois milhões e meio de judeus, da Palestina e do
mundo inteiro, reuniam-se em Jerusalém. Era lá que Jesus regularmente se deparava
com os símbolos mais pungentes do poder romano, fundidos com o que ele considerava
o epítome da corrupção religiosa judaica. A Jerusalém de Herodes, com seus palácios,
teatro, hipódromo, mansões luxuosas e Templo magnífico, poderia ser considerada por
muitos uma maravilha do mundo, mas para Jesus e milhares de outros era um "covil de
ladrões", a ser brevemente condenada por Deus. Não foi por acaso que Jesus, aos 33
anos, deliberadamente escolheu Jerusalém, na Páscoa dos hebreus, como o cenário de
seu mais dramático confronto com o que ele chamava de "poderes das trevas".
Precisamos imaginar que suas percepções estão profundamente enraizadas em suas
experiências ao crescer. Séforis e Jerusalém - as duas principais representantes da
opressão romana e da corrupção religiosa - foram absolutamente fundamentais para o
modo como ele via sua vocação e seu destino. “ (pág. 126).

“O judaísmo pode ser resumido sob quatro rubricas: Deus, Torá, Terra e Povo
Escolhido. Como judeu, Jesus teria afirmado sua crença no único Deus Criador Yahweh
sobre todos os deuses ou entes espirituais; na divina revelação da Torá, como um plano
para a vida social, moral e religiosa; na santidade da Terra de Israel como um perpétuo
direito inato da nação; e na noção de que o povo de Israel, descendente de Abraão, Isaac
e Jacó, tinha sido escolhido por Deus para esclarecer todas as nações. A missão histórica
desse povo seria atrair a humanidade para o Deus único e sua revelação na Torá.” (pág.
131).

“A descrição básica de Josefo combina com o que sabemos a partir do Novo
Testamento e de fontes judaicas posteriores. Os saduceus vinham sobretudo das classes
sacerdotais. O sumo sacerdote, endossado politicamente pelos romanos, era escolhido
de suas fileiras. Por conseqüência, detinham o controle principal do Templo de
Jerusalém, que era o ponto de foco do judaísmo do mundo inteiro, e dominavam o
Sinédrio, um tipo de "conselho" ou "senado" judaico ao qual os romanos permitiam
alguma autoridade limitada. A interpretação saduceísta da Lei Judaica tendia a ser mais
severa e mais rígida do que a dos fariseus, e sua concentração “neste mundo" em vez de
"no mundo por vir” tornava-os céticos quanto a assuntos relativos ao mundo celestial,
quer se tratasse de anjos, demônios, ressurreição dos mortos ou eventos associados ao
fim dos tempos. Os fariseus, por outro lado, especulavam livremente sobre tais
questões. Sua interpretação da Lei Judaica era mais liberal e aberta a mudanças. Embora
houvesse uma ala mais rigidamente conservadora dos fariseus, liderada pelo rabino
Shammaí, do seculo I, seu rival, rabino Hillel, parecia ter mais influência. Costuma-se
pensar em Jesus como inimigo ferrenho de todos os fariseus, quando, na verdade,
muitas de suas opiniões sobre a Lei Judaica refletem as posições mais transigentes do
rabino Hillel.
Tanto Hillel quanto Jesus enfatizavam o “amor ao próximo” como fundamental e
citavam a "Regra de Ouro" como um breve resumo da Torá e dos profetas. Mas, no
final, foi uma coalizão de sacerdotes saduceus e seus partidários entre os fariseus que
entregou Jesus ao governador romano Pôncio Pilatos.” (pág. 134).
“Em termos gerais, Jesus se identifica mais com o que se descreveria como o
movimento messiânico da Palestina do século I. Esse movimento era intensamente
apocalíptico, e embora compartilhasse certas idéias com os essênios, tinha um apelo
mais amplo para a plebe judaica de todas as seitas, unida na esperança da libertação por
Deus. Quando compreendermos a história, os valores centrais e o mundo mitológico
desse movimento, seremos capazes de situar Jesus adequadamente dentro dessa
diversidade incrível do judaísmo palestino do século I. Havia judeus que se sentiam à
vontade em seu mundo social e político, aceitando o status quo, mesmo se ditado por
Roma, vivendo da melhor forma possível. Mas havia outros, fossem fariseus, saduceus
ou essênios, ou mesmo sem filiação alguma, que esperavam uma mudança radical
baseada nas previsões messiânicas dos profetas hebreus. O importante não são os
rótulos, mas uma certa visão da realidade - uma crença de que Deus interviria para
cumprir essas previsões messiânicas. Jesus não originou esse movimento; na verdade,
ele começou a se formar duzentos anos antes do nascimento de Jesus. Mas foi Jesus, seu
parente João Batista, e seu irmão Tiago que deram a ele a forma definitiva que mudou o
curso da história. Em algum momento, antes de completar trinta anos, Jesus começou a
formular seu plano. Sem dúvida, houve etapas no caminho. Mas no outono do ano 26
d.C., ele está pronto para tornar públicas suas idéias, e a dinastia de Jesus começa a
surgir.” (pág. 136s).

“João proclamava para as multidões que vinham escutá-lo que "o machado já estava à
raiz da árvore", sugerindo a iminência da condenação apocalíptica de Deus de todos os
injustos, do mais alto ao mais baixo nível da sociedade. Pregava que as pessoas
deveriam se arrepender de seus pecados e ser "batizadas" ou imersas em água, pela
remissão de seus pecados. Com essa atitude se tornariam o “povo do Caminho".
Josefo trata de "João, cognominado Batista”, de maneira breve, mas significativa.
Escreve que João instava as pessoas a levar uma vida justa e a praticar justiça, com seus
semelhantes e devoção a Deus, atestando isso pela imersão ou batismo em água. Diz
que as multidões ficavam "arrebatadas" quando João aparecia, e que seu efeito sobre o
populacho era tal, que as multidões maciças, atraídas por ele, começaram a pedir sua
orientação e estavam prontas a fazer tudo que dissesse.
João não foi o primeiro a ouvir essa Voz e a atendê-la desse modo. Cem anos antes, os
judeus que conhecemos pelo nome de essênios leram aquele mesmo versículo em Isaías
e, literalmente, se mudaram para o deserto da Judéia, perto do Mar Morto, a fim de
viver em um pequeno assentamento chamado Qumrã, onde escreveram os Manuscritos
do Mar Morto. Em seu documento de fundação, chamado a Regra da Comunidade,
registram que haviam "se separado da habitação de homens injustos" e ido para o
deserto para lá preparar o Caminho do Senhor, pois está escrito "Preparai, no deserto, o
Caminho". E disseram mais, "É este o tempo para a preparação do Caminho no
deserto”. Também se referiam a si mesmos como o "povo do Caminho.” (pág. 142s).

“Herodes Antipas ficou muito assustado com o potencial revolucionário que João
representava. É difícil superestimar o impacto dramático criado por João com a sua
pregação. A princípio localizou-se no sul, no deserto, ao longo do Jordão, logo ao norte
do Mar Morto. Marcos conta que toda a Judéia e todo o povo de Jerusalém afluíam ao
deserto para ouvir sua pregação. Josefo diz que era popular, audacioso e eloqüente. Era
por tudo isso que tantos haviam esperado. A mensagem de João era radical, semelhante
à de outros que haviam tentado inspirar uma revolta entre a população judaica, mas
havia algo diferente nele, algo que ultrapassava a política. João tinha a aparência e o
estilo de um antigo profeta bíblico. As massas se sentiam eletrizadas com a
possibilidade - teria Deus finalmente enviado um mensageiro verdadeiro que iniciaria a
Nova Era do Reino de Israel?” (pág. 144).

“Pouco antes de completar trinta anos, Jesus juntou-se às multidões que afluíam para
ouvir João. Jesus viajou de Nazaré, seguindo o Jordão, por essa mesma rota, para ser
batizado por João no Rio Jordão (Marcos 1:9). Fazendo isso, estava publicamente
aderindo e endossando o movimento do despertar desencadeado por João. Ao emergir
da água, ele ouviu a Voz também vinda de Isaías, mas com um texto diferente, sobre
uma figura diferente: "Olhai! Meu servo que apóio, meu escolhido que alegra a minha
alma!" (Isaías 42: 1). Mateus transformou essa voz em uma proclamação pública do céu
- "Este é meu filho amado em quem me regozijo", enquanto para Marcos, conservando
uma tradição anterior, provavelmente mais autêntica, isso foi uma voz que Jesus ouviu -
não uma que as multidões ouviram (Mateus 3:17; Marcos 1:11). É significativo que a
versão em siríaco antigo, de Mateus, ainda conserve a leitura original: "Vós sois meu
filho bem-amado em quem me regozijo", atestando assim a autenticidade de Marcos.
Não podemos ter certeza da natureza exata dessa revelação nem se foi algo que surgiu
de repente em Jesus naquele instante, ou algo para o qual se preparara ao longo do
caminho. O que podemos dizer é que a partir de seu batismo, Jesus estava pronto para
tomar o lugar que lhe fora destinado ao lado de João, como pleno parceiro no
movimento do batismo. Juntos estavam preparados para enfrentar o que viesse, nos
papéis proféticos para os quais ambos se acreditavam chamados.” (pág. 144s).

“Quando se trata de entender João Batista e Jesus, da forma como eles se entendiam e
da forma como teriam sido vistos pela sociedade judaica de seu tempo, os evangelhos
do Novo Testamento são tanto nossa melhor fonte quanto nosso maior obstáculo.
Quando os evangelhos de Marcos, Mateus, Lucas e João foram escritos (70-100 d.C.),
havia uma tentativa evidente dos cristãos de minimizar e marginalizar João Batista,
enquanto exaltavam exageradamente o papel singular de Jesus. Não havia espaço para
dois Messias. E, por essa mesma razão, Tiago, o irmão de Jesus que o sucedeu, foi
praticamente eliminado da história. Os cristãos começaram a ver Jesus como o único
Senhor e Cristo, com os papéis combinados de profeta, sacerdote e rei. João era visto de
forma positiva, mas apenas como um precursor que apresentou Jesus ao mundo e depois
rapidamente sumiu de cena.
O grande obstáculo enfrentado pelos cristãos era o fato de todos saberem que João havia
batizado Jesus - não o contrário! Jesus havia procurado João e aderido ao seu
movimento -, o que, no contexto do judaísmo antigo, significava que Jesus era um
discípulo de João, e João era o rabino ou mestre de Jesus. Para cristãos posteriores, que
haviam exaltado Jesus, essa idéia era inconcebível. Podemos comprovar nos quatro
evangelhos do Novo Testamento uma tendência progressiva a lidar com esse fato
histórico renitente e suas implicações minimizando a importância de João sem negar seu
papel de precursor de Jesus.
Em Marcos, nosso primeiro relato, Jesus vai ao Jordão para ser batizado por João, mas
João diz ao povo que vem alguém mais poderoso do que ele, cujas sandálias não é digno
de desatar (Marcos 1:7). Em Mateus, João tenta impedir que Jesus seja batizado,
insistindo que Jesus é quem o deveria estar batizando (Mateus 3:13). Lucas menciona
que Herodes mandara calar e aprisionar João, e depois, no versículo seguinte, escreve
"Agora quando todos foram batizados e quando Jesus foi batizado...” como a insinuar
que talvez nem tenha sido João que batizou Jesus - visto que ele já estava preso (Lucas
3:19- 21). Finalmente, no evangelho de João, o último relato, João Batista sequer batiza
Jesus - o fato pode ser sugerido, mas não é declarado. Em vez disso, João vê Jesus e
declara: "Eis o cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo" (João 1:29). Mais tarde,
falando aos discípulos sobre Jesus, João diz: "ele deve crescer, e eu devo diminuir"
(João 3:30). Embora esses relatos sejam muito influenciados pela teologia cristã
posterior, oferecem um testemunho básico do fato de que Jesus foi batizado por João.”
(pág. 150s).

“A mensagem de Jesus, tão conhecida pelos cristãos no Sermão da Montanha demonstra
indícios de ser parte de uma mensagem que Jesus e João compartilhavam e pregavam.
Jesus e João tornaram-se parceiros integrais no trabalho para o qual acreditavam ter sido
chamados conjuntamente, mas a deferência de Jesus em relação a João é indiscutível em
nossas fontes, uma vez removido o véu da teologia cristã. Segundo Jesus, João é "mais
que um profeta”, "não há ninguém maior nascido de mulher" e, é ele "de quem toda a
Torá e os profetas falaram”, que veio para "salvar o mundo”. Não foi por acaso que o
ano seguinte, 27 d.C., é quase um espaço em branco em nossos registros. Foi esse o ano
do trabalho conjunto dos Dois Messias - agora perdido para a história e memória
cristãs.” (pág. 153).

“Não sabemos qual o esquema cronológico exato endossado por João Batista e Jesus.
Sua maneira de contar os anos era diferente da nossa, e certamente não tinham nosso
calendário gregoriano. Contudo, vale notar que, se começarmos pelo ano 457 a.C.,
quando Ezra voltou para Jerusalém e começou a restaurá-la após o cativeiro na
Babilônia, e contarmos 69 dessas "semanas" proféticas (483 anos), chegamos ao ano 26-
27 d.C. - faltando uma "semana" de anos para chegar ao número mágico de 490. Pode
bem ser que João Batista e Jesus tivessem algo semelhante a esse tipo de cálculo em
mente. Talvez acreditassem que o ano sabático de 26-27 d.C. tivesse introduzido um
período final de sete anos antes do Apocalipse. Qualquer que fosse o esquema, não há
dúvida de que se convenceram de que o tempo estava próximo, e com Deus de seu lado
estavam preparados para introduzir os acontecimentos profetizados dos últimos dias.
Devido à profecia crítica de Daniel, uma tempestade apocalíptica se aproximava da
Palestina romana do século I. Nunca houve antes uma época semelhante a essa, e nem
depois. Mas só o timing não é suficiente. O outro componente da equação,
absolutamente essencial para a mistura, foi o aparecimento de Dois Messias.
Cristãos e judeus acabaram focalizando o aparecimento de um único Messias.
Isso certamente não era o caso no tempo de Jesus, como já vimos nos Manuscritos do
Mar Morto. Em texto após texto, lemos sobre não um, mas dois Messias que
introduziriam o Reino de Deus. Um será uma figura régia da linhagem real de Davi,
mas, a seu lado, estará uma figura sacerdotal, também um Messias, da linhagem de
Aarão, da tribo de Levi.” (pág. 161).

“Em vista dessas esperanças e expectativas profundamente enraizadas entre esses judeus
messiânicos, é difícil imaginar o grau de emoção e fervor que João Batista e Jesus
teriam provocado ao preparar seus próximos passos na primavera de 27 d.C. João, como
um sacerdote da tribo de Levi, e Jesus, como um descendente de Davi da tribo de Judá,
devem ter incitado as esperanças de milhares que aguardavam a chegada dos Dois
Messias como um sinal certo do fim. Até mesmo Herodes Antípas logo sentiu o ferrão
da mensagem abrasadora de João Batista clamando por arrependimento. Os cristãos
tendem a imaginar um Jesus "brando e humilde" que raramente elevava a voz, mas os
indícios mostrarão que ele aprendeu bem com seu mestre e que, assim como João
Batista, a mensagem radical de Jesus dividia famílias e aldeias e abalava o sistema
político e religioso.” (pág. 165).

“Os cristãos, mais tarde, tenderam a separar os dois movimentos - o de João Batista e o
de Jesus, como se um fosse "judaico" e o outro "cristão". Durante a vida de Jesus e entre
seus seguidores imediatos, havia um só movimento unificado e um só batismo.
No final de 27 d.C., do ponto de vista desse movimento messiânico, havia apenas dois
tipos de judeus na Palestina - os que responderam positivamente à pregação de João e
de Jesus e tinham sido batizados, e os que não fizeram isso. Não existia meio-termo. O
"trigo" havia sido separado do "joio". O machado estava suspenso sobre a raiz da
árvore.” (pág, 166).

“A campanha de batismo de Jesus, por mais vitoriosa que tivesse sido, sofreu uma
interrupção abrupta em algum momento no princípio de 28 d.C. Uma notícia chocante
chegou ao norte, vinda da Galiléia, Herodes Antipas aprisionara João Batista. Segundo
o evangelho de João, Jesus então soube que alguns dos fariseus em Jerusalém, que se
opunham a João, estavam assustados com o sucesso de Jesus com as multidões, e, por
isso, estavam tomando medidas ameaçadoras contra suas atividades (João 4: 1-3). Era
hora de ir para a clandestinidade.” (pág. 168).

“Foi um golpe chocante e terrível para o movimento messiânico. Seu fundador e líder,
João Batista, havia sido atirado à prisão por Herodes Antipas, soberano de Galiléia e
Peréia. Segundo o evangelho de Marcos, João Batista havia denunciado publicamente
Herodes por ter tomado a linda Herodíades, esposa de seu irmão Felipe, que participou
por vontade própria no adultério. Josefo não menciona especificamente esse incidente,
mas diz que Herodes se assustou com a influência extraordinária de João sobre o povo,
temendo que incitasse uma "revolta”. João localizara-se estrategicamente no limite do
território de Herodes, na Galiléia oriental, para que pudesse, se necessário, fugir,
atravessando o Rio Jordão, para a região chamada Decápolis, fora de sua jurisdição. As
tropas de Herodes conseguiram pegá-lo de surpresa, e ele foi levado para Maqueronte,
uma das fortalezas de Herodes no deserto, no lado leste do Mar Morto. A intenção era
colocá-lo em uma das regiões mais remotas de seu reino, para diminuir as
possibilidades de sublevação popular.
No sul, Jesus sabia que seus próprios dias de batismo estavam contados. Um novo
procurador romano chamado Pôncio Pilatos, nomeado pessoalmente pelo imperador
Tibério, assumira a autoridade militar da província da Judéia, em 26 d.C. Mostrara-se
imediatamente um chefe brutal, sem qualquer preocupação com a sensibilidade religiosa
judaica. Trouxera os símbolos militares romanos, com seus bustos de César, para dentro
da cidade santa de Jerusalém. Pouco depois, tirara dinheiro do tesouro do Templo
sagrado para cobrir os custos de finalização de um aqueduto para Jerusalém. As
multidões judaicas estavam alvoroçadas, e ambos os incidentes provocaram tumultos
aos quais Pilatos reagiu com violência, matando um grande número de judeus. A
estabilidade na Judéia era a grande preocupação dos romanos, e a última coisa que
desejavam era um profeta judeu, da linhagem de Davi, atraindo grandes multidões e
falando sobre o advento do Reino de Deus.” (pág. 169).

“Não podemos ter certeza de como e quando Jesus desenvolveu sua própria
compreensão de seu papel e missão no que acreditava ser o plano divino para introduzir
o Reino de Deus. Certamente, cresceu sabendo que ele e os irmãos eram herdeiros
masculinos da linhagem real do Rei Davi, e teria plena consciência das significativas
implicações messiânicas dessa herança. As Escrituras hebraicas estavam cheias de
promessas de que Deus, nos "últimos dias", ergueria um Rei da linhagem de Davi que
seria atuante na derrubada do jugo estrangeiro e no estabelecimento de um Reino de
Israel independente, iniciando assim a Nova Era de paz e justiça para o mundo inteiro.
A profecia de Jeremias descreve isso sucintamente:

Os dias certamente estão chegando, diz Yahweh, quando erguerei para Davi um Ramo
honrado, e ele reinará como rei e agirá com prudência, e exercerá a justiça e a
integridade na terra. Em seus dias, Judá será salva e Israel viverá com segurança.
(Jeremias 23:5-6)”. (pág. 170).

“Jesus tem um programa de "seis pontos": reinar sobre Israel no trono de Davi; purgar
Jerusalém e a terra de Israel de soberanos estrangeiros; estabelecer um regime de
justiça; separar os pecadores do povo de Israel; estender seu governo a todas as nações
ímpias do mundo; reunir todas as tribos dispersas de Israel.
Essa é a agenda ambiciosamente extravagante exigida de qualquer candidato da
linhagem de Davi que, porventura, sentisse inclinações messiânicas para esse tipo de
vocação. Para os romanos, tais idéias devem ter parecido totalmente ilusórias, e os
judeus pragmáticos sempre poderiam interpretar a linguagem de seus profetas menos
literalmente, ou ignorá-la de todo. Mas milhares de judeus acreditavam que esse rei
ideal da linhagem de Davi apareceria e, com os poderes sobrenaturais de Deus,
realizaria tudo isso. Todos os indícios indicam que Jesus era esse judeu.
O reino de Deus nesses textos não é um sentimento ou um conceito etéreo. A linguagem
é concreta e particular. A palavra "reino", tanto em hebraico como em grego, significa
"governo" ou "autoridade", assim como se poderia falar do "reino" de Herodes ou da
"autoridade" romana. A oração ensinada por João e Jesus definia o reino de Deus como
a "vontade de Deus feita na terra" como já era feita no céu. Esse não era um reino "no"
céu, mas a idéia da autoridade "do" céu, penetrando a história da humanidade e
manifestando-se na terra. Isso era entendido literalmente como nada menos do que uma
revolução, uma derrubada completa do status quo político, social e econômico.” (pág.
171s).

“Uma vez que Roma havia entrado no Mediterrâneo oriental, ocupando a Palestina,
como fizeram Alexandre Magno, Ciro e Nabucodonosor em séculos passados, o tempo
do "quarto" reino havia chegado. Isso, aliado ao período de contagem regressiva final de
Daniel, de 490 anos ou dez ciclos de Jubileus, havia convencido as pessoas na Palestina
romana do século I que levavam os profetas hebreus a sério de que elas estavam
vivendo nos "últimos dias" ou no "final dos tempos". É extremamente importante notar
que não esperavam o "fim do mundo"; essa expressão jamais ocorre. É sempre o fim
dos "tempos", ou o período de tempo em que reinos gentios prevalecem antes da
chegada da Nova Era - o Reino de Deus. Nos Manuscritos do Mar Morto chama-se "os
tempos finais da perversidade".
Jesus compartilhava essa compreensão do tempo e da história. Sua mensagem depois da
prisão de João, quando começou a pregar, era: "Cumpriu-se o tempo, o Reino de Deus
está próximo". Ele talvez tenha crescido com esse ponto de vista apocalíptico, que
certamente se intensificou quando se tornou adulto e começou a cogitar sobre o que
acreditava ser seu próprio destino e sua vocação. Era a pessoa certa no momento certo -
mas havia um outro componente vital.
Estou convencido de que Jesus provavelmente começou a ler certas passagens das
Escrituras hebraicas e a aplicá-las a si mesmo. Em minha opinião, esse fator é
absolutamente vital para compreendermos o desenvolvimento de sua noção de auto-
identidade messiânica. Há vários textos da Escritura que apresentam a agenda geral do
Rei descendente de Davi, como observei acima. Mas há outros textos messiânicos,
especialmente na metade final do livro de Isaías e nos Salmos, que têm uma qualidade
muito mais pessoal - alguns deles são até escritos na primeira pessoa. Por exemplo,
Isaías 61 começa: "O espírito do Senhor Yahweh está em mim porque Yahweh me
ungiu; ele me enviou para trazer a boa nova aos oprimidos, para juntar os de coração
partido, para proclamar a liberdade aos cativos, e soltar os prisioneiros; para proclamar
o ano do favor de Yahweh, e o dia de vingança de nosso Deus". Se alguém que está
convencido de um destino messiânico pessoal lê esse texto e "ouve" sua própria voz,
uma dinâmica poderosa entra em ação. O texto serve para confirmar e reforçar a
identidade dessa pessoa, enquanto a identidade encontra expressão e direção específicas
ao longo do texto.” (pág. 172s).

“Se Jesus, de fato, começou a se apropriar desses textos da Escritura e neles encontrou a
sua voz, não foi o primeiro a fazê-lo. Nos Manuscritos do Mar Morto há um texto
extraordinário chamado Hinos de Ação de Graças, partes do qual estudiosos acreditam
terem sido escritas pelo próprio Mestre da Integridade. O Mestre, líder da comunidade
dos Manuscritos do Mar Morto, definitivamente via-se nesse papel de eleito, e aplicava
regularmente a sua vida e a seu tempo alguns desses mesmos textos. Esse texto
fascinante, que em alguns trechos assume aspecto de autobiografia, nos dá um
vislumbre da consciência interior do Mestre e de como ele formou sua própria auto-
identidade messiânica como profeta para sua comunidade. Com esse modelo fica mais
fácil imaginar alguém como Jesus, por causa de sua linhagem de Davi, aliada a seu
tempo e suas circunstâncias, sofrendo processo semelhante.” (pág. 174).

“A mensagem era simples: "Afastai-vos de vossos pecados, pois o Reino de Deus está
próximo - o juízo está próximo". Em cada local, Jesus impunha as mãos sobre os
doentes ou fisicamente deficientes e expulsava espíritos maus ou demônios. Pensava-se
que doenças eram causadas por demônios "que cerceavam" as pessoas, então suas
atividades de cura e de exorcismo eram coerentes. Jesus era um revolucionário político
que esperava nada menos que a derrubada violenta dos reinos do mundo, mas não
achava que isso se daria pela reunião de armas e de tropas rebeldes, como foi tentado
por alguns de seus contemporâneos. O primeiro passo era derrotar Satanás e seus
poderes. Do ponto de vista de Jesus, para que o Reino de Deus chegasse, não só
Herodes, Pôncio Pilatos e as legiões romanas teriam de ser depostos, mas sobretudo o
próprio Satanás, que era considerado o "soberano dos tempos" por trás dos bastidores.
Jesus ligava diretamente seu poder de expulsar demônios a "atar Satanás" e destruir seu
reino. (...).
As campanhas de pregação continuaram nos primeiros meses de 29 d C.. O efeito era
imenso. Multidões enormes se reuniam para ouvi-lo pregar e para presenciar os
exorcismos e curas propalados. Segundo Marcos, as pessoas afluíam para a Galiléia, da
Judéia e de Jerusalém, do lado leste do Jordão e até de Tiro e Sidônia, ao norte. João
havia causado bastante agitação na Galiléia, mas era nem curador, nem exorcista, e
agora parecia impotente, aprisionado em Maqueronte. Essas novas atividades de Jesus e
o poder resultante que começava a perceber em si mesmo energizaram o movimento
messiânico, tornando-o o centro das atenções. Esses acontecimentos naturalmente não
agradavam a todos. Havia grupos de opositores fariseus, na região, cuja base de poder
estava sendo ameaçada. Provavelmente, temiam que tanto sua influência quanto sua
base econômica fossem desafiadas pelo amplo apoio, entre o populacho, a um
carismático pregador do Reino de Deus.” (pág. 176s).


“Como futuro Rei de Israel, Jesus tomou medidas para estabelecer um "governo"
provisório, constituído de um gabinete interno ou Conselho dos Doze. Dentre seus
seguidores, escolheu 12 homens que nomeou "delegados" ou enviados. É esse o
significado da palavra grega traduzida como "apóstolo". Sua intenção fundamental era
que, quando seu governo estivesse em plena operação, cada um deles se sentasse em um
"trono", um para cada uma das 12 tribos de Israel (Lucas 22:30). O cristianismo, mais
tarde, poderia considerar a escolha dos "12 apóstolos" como um passo na organização
espiritual - e certamente era isso. A comunidade dos Manuscritos do Mar Morto se
havia estruturado em torno de um "Conselho dos Doze" fechado, e é inteiramente
possível que esse modelo tenha influenciado Jesus. Mas não devemos omitir as
implicações revolucionárias das ações de Jesus.
Uma das principais tarefas do Messias descendente de Davi era reunir as tribos de
Israel, incluindo as ditas Tribos Perdidas, que se haviam exilado durante a invasão
assíria de Israel, no século VIII a.C. Segundo Josefo, apenas duas das tribos de Israel
estavam sob o domínio dos romanos - Judá e Benjamim, com um pouco de Levi -
enquanto o grosso das outras dez tribos havia migrado para o noroeste e se concentrava
na região do Mar Negro. O termo "judeu" se refere a alguém da tribo de "Judá", mas
viera a ser usado livremente para qualquer pessoa de descendência israelita. A visão de
Jesus do futuro, como veremos, envolvia convocar todos os israelitas espalhados pelo
mundo inteiro a voltar à Terra. Era isso que todos os profetas haviam predito que
aconteceria nos "últimos dias". Na verdade, Jeremias até disse que o "novo Êxodo" de
israelitas de todas as terras de sua "dispersão" ou espalhamento rivalizaria em tamanho
com o Êxodo original do Egito, no tempo de Moisés (Jeremias 16:14-15).” (pág. 178).

“A comunidade do Mar Morto tinha centrado suas expectativas messiânicas nesse
preciso texto de Isaías 61. Um precioso fragmento da Gruta 4, a que os estudiosos
chamam de Apocalipse Messiânico, profetizava que o Messias iria "curar os doentes,
ressuscitar os mortos, e trazer a boa nova aos pobres". Jesus e João Batista conheciam
esse texto do Qumrã ou outro semelhante. João enviou da prisão uma mensagem a
Jesus, perguntando: "És aquele, ou devemos aguardar outro?" Ele queria de Jesus a
confirmação de que teria realmente iniciado o programa messiânico. Jesus respondeu
não com a citação de Isaías 61, mas com as próprias palavras preservadas no
Manuscrito do Mar Morto: íde e dizei a João o que ouviste e viste: os doentes estão
curados, os mortos ressuscitados, os pobres receberam a boa nova (Lucas 7:22). É
importante assinalar que Isaías 61 não especifica que o Messias irá "ressuscitar os
mortos”; mas Jesus inclui essa frase em sua resposta, como "um sinal do Messias",
sabendo que João Batista estaria familiarizado com ela, possivelmente por esse mesmo
manuscrito. Tanto o manuscrito como a resposta de Jesus indicam a importância da
realização da profecia de Isaías 61 para o movimento messiânico.” (pág. 186).


“Com a inesperada e brutalmente chocante morte de João, todas as esperanças e os
sonhos do movimento messiânico pareciam esmagados. Ninguém havia até então
associado sofrimento e morte ao Messias. A celebração do sucesso que poderia ter
acompanhado o retorno dos Doze de sua campanha de pregação transformou-se em
desespero. A situação era igualmente muito perigosa. Herodes ouvira falar dos
extraordinários efeitos que as últimas atividades de Jesus tinham causado e, segundo
Marcos, supersticiosamente, supusera que, de alguma forma, "João Batista tinha sido
ressuscitado dentre os mortos" (Marcos 6: 14). Não conseguia imaginar outra forma
para explicar como o movimento que ele julgava ter esmagado parecia agora liderado
por alguém cujo sucesso era tão extraordinário como fora o de João.” (pág. 189).

“De seu círculo mais amplo de seguidores, ele escolheu setenta delegados, dividindo-os,
como havia feito com os Doze, em grupos de dois, que o deveriam preceder em cada
cidade e local aonde pretendia ir. Suas tarefas básicas consistiam em curar os doentes,
exorcizar os demônios e proclamar, em cada lugar, que “O Reino de Deus está próximo
de vós” (Lucas 10). Jesus via isso como a mensagem final, o finalizar do trabalho que
ele e João tinham começado três anos antes. Ele disse aos grupos que qualquer cidade
que os rejeitasse deveria ser marcada para destruição no julgamento que estava por vir.”
(pág. 197).

“Mais tarde, a tradição cristã coloca a última refeição de Jesus na noite de quinta-feira, e
sua crucificação, na sexta-feira. Sabemos, hoje, que havia uma defasagem de um dia. A
última ceia de Jesus se deu na noite de quarta-feira, e ele foi crucificado na quinta-feira,
no 14º dia do mês judaico de Nisan. A ceia da Páscoa, propriamente dita, deu-se na
quinta-feira à noite, ao pôr-do-sol, no início do dia 15 de Nisan. Jesus não chegou a
fazer essa refeição pascal, pois morrera às três da tarde desse dia.
O equívoco foi gerado porque todos os evangelhos relatam que seu corpo foi retirado da
cruz para ser sepultado antes do pôr-do-sol, porque o Sabbath estava próximo.
Presumiu-se que essa referência ao Sabbath indicava o sábado - e, portanto, a
crucificação teria sido na sexta-feira. No entanto, como bem sabem os judeus, o dia da
Páscoa dos hebreus também é "Sabbath", ou dia de descanso - não importa em que dia
da semana caia. No ano 30 d.C. a sexta-feira 15 de Nisan também foi "Sabbath" -
portanto houve dois "sabbaths" consecutivos - sexta-feira e sábado. Mateus parece saber
disso quando escreve que as mulheres que visitaram Jesus na tumba vieram no domingo
de manhã, "depois dos Sabbaths" - o original grego está no plural (Mateus 28:1).” (pág.
212s).

“Como dissemos, a comunidade essênica, em Qumrã, descreveu, em um de seus
manuscritos, um futuro “banquete messiânico”, no qual o Messias Sacerdotal e o
Messias da linhagem de Davi sentar-se-iam com os membros da comunidade crente e
abençoariam a sagrada refeição de pão e vinho como a celebração do Reino de Deus.
Teriam certamente ficado espantados com qualquer simbolismo sugestivo de que o pão
fosse a carne humana, e o vinho, o sangue. Tal idéia simplesmente não poderia ter
partido de Jesus como judeu.
Portanto, qual a origem dessa linguagem? Se parece primeiramente com Paulo, e ele
não a recebeu de Jesus, então qual seria sua fonte? As maiores semelhanças encontram-
se em alguns ritos mágicos greco-romanos. Existe um papiro grego que registra um
encantamento amoroso, no qual um macho pronuncia certos feitiços sobre um cálice de
vinho, que representa o sangue que o deus egípcio Osíris tinha dado à sua consorte Isis
para que ela o amasse. Quando sua amante bebe o vinho, ela simbolicamente se une a
seu amado pelo seu sangue. Em outro texto, o vinho é transformado na carne de Osíris.
Simbolicamente, comer a "carne" e beber o "vinho" era parte de um rito mágico de
união na cultura greco-romana.” (pág. 216s).
“Mais tarde, os cristãos mostraram-se muito ansiosos em culpar os judeus pela prisão e
crucificação de Jesus. Embora Jesus tivesse inimigos judeus, esses eram na sua maioria
sacerdotes aristocratas saduceus que administravam o Templo com apoio de alguns
fariseus. Josefo escreveu que os saduceus eram "mais cruéis que quaisquer outros
judeus" quando se sentavam para julgar. Entre o povo judeu, em geral, Jesus era muito
popular. E tinha também amigos em postos importantes, incluindo o próprio Sinédrio -
uma espécie de senado judaico. Essa foi a razão das atividades clandestinas noite
adentro até o amanhecer. Todos estavam ocupados com as preparações da Páscoa dos
hebreus, e, se tudo fosse feito com rapidez, Jesus estaria numa cruz romana pela manhã,
antes que alguém desse por isso. Os inimigos judeus de Jesus foram certamente os
catalisadores do golpe, mas a conclusão foi romana em toda a linha.
O "julgamento" de Jesus teve três fases. Primeiramente, foi levado, no meio da noite,
para uma casa particular, possivelmente pertencente ao sumo sacerdote Anás. O cargo
de sumo sacerdote era politicamente designado pelos romanos. Esse cargo, em 30 d.C.,
era ocupado oficialmente por José Caifás, mas era seu sogro, Anás, quem detinha o
poder. Anás ocupara oficialmente o cargo de sumo sacerdote de 6 a 15 d.C., quando foi
removido pelos romanos, mas nunca perdera influência. Cinco dos seus filhos ocuparam
subseqüentemente esse posto, em sucessão praticamente contínua. Os romanos não
faziam essas escolhas de modo leviano, e devemos presumir a existência de uma grande
mistura de influência política e corrupção para que uma única pessoa assegurasse esse
lugar por tanto tempo. Além de Herodes Antipas, José Anás foi o mais rico e poderoso
líder judeu de seu tempo. Pertencia a uma dinastia sacerdotal, e seu controle dos
negócios judaicos era quase absoluto. Essa não foi a última vez que a dinastia de Anás
atacaria a dinastia de Jesus, ameaçada por seu potencial controle das pessoas como a
legítima autoridade da linhagem de Davi. Como veremos, o quinto filho de Anás, seu
homônimo Anás II, fora o sacerdote que mandara matar, de forma brutal, Tiago, o irmão
de Jesus, em 62 d.C.. A dinastia de Jesus e a dinastia de Anãs eram como água e azeite.
Tanto Jesus quanto Tiago lamentaram a sorte dos ricos quanto ao iminente julgamento
de Deus. E parte da agenda messiânica consistia na profética esperança de ver essa
família sacerdotal corrupta substituída por uma linhagem de sacerdotes que ensinariam
e praticariam a justiça até o fim dos tempos (Malaquias 3).” (pág. 224s).

“Os estudiosos concordam que muito pouco dos relatos do julgamento de Jesus diante
de Pilatos tem valor histórico. Eles foram inteiramente moldados por uma posterior
tradição teológica cristã, que procurou colocar a culpa pela morte de Jesus inteiramente
sobre o povo judeu, exonerando os romanos como simpatizantes de Jesus, com Pilatos
fazendo o possível para lhe salvar a vida. Nossos quatro Evangelhos do Novo
Testamento foram escritos depois da grande Revolta Judaica contra Roma (66-73 d.C.)
Os sentimentos anti-semitas prevaleceram no reinado de Tibério (14-37 d.C.),
estimulados pelo notório prefeito Sejanus, o mais influente dos cidadãos romanos de seu
tempo. Após a custosa e sangrenta Revolta Judaica, esses sentimentos antijudaicos
foram minimizados pelos romanos, e qualquer associação de Jesus com a sedição
judaica e com a falta de lealdade para com Roma deveria ser evitada, para não
prejudicar a propagação do novo movimento cristão entre os romanos. Que Jesus
morrera pela crucificação romana era fato inegável e terrivelmente embaraçoso. Mas se
sua crucificação pudesse ser atribuída à obstinação dos judeus, então talvez o
movimento cristão pudesse explicar suas origens judaicas e a vergonhosa morte de seu
chefe sob uma luz mais favorável, ou seja, menos judaica. Isso permitiria à nascente
tradição cristã uma oportunidade maior de ganhar convertidos e aceitação em todo o
Império Romano, no qual se disseminava. (...).
Deixando de lado a teologia, e concentrando-nos em fatos históricos mais prováveis,
podemos dizer o seguinte: os sumos sacerdotes, Anás e Caifás, e seus adeptos
entregaram Jesus a Pilatos, acusando-o de sedição. Pilatos interrogou Jesus em privado
sobre tais acusações. Quando soube que Jesus era da Galiléia, decidiu mandá-lo para
Herodes Antipas, que se encontrava hospedado em um palácio próximo. Herodes
procurava um modo de matar Jesus há algum tempo, e ficou satisfeito por finalmente tê-
lo sob sua custódia. Herodes interrogou-o prolongadamente, mas Jesus recusou-se a
responder. Os acusadores de Jesus estavam presentes e repetiram as acusações contra
ele. Herodes e seus soldados decidiram brincar um pouco com Jesus. Vestiram-no com
um manto real e começaram a tratá-lo com menosprezo, chamando-o de "o tal de Rei".
Herodes, então, mandou Jesus de volta para Pilatos, tendo endossado a decisão de que
Jesus fosse executado por crucificação. Em Jerusalém, era Pilatos quem tinha a
jurisdição para executar as decisões tomadas.” (pág. 231s).

“A expectativa diante da morte violenta do líder de um movimento é de caos, confusão
e subseqüente desintegração. Josefo mencionou pelo menos uma dúzia de outros
aspirantes messiânicos e líderes de rebelião executados pelos romanos ao longo do
primeiro século d.C. Em todos os casos, os movimentos iniciados por eles foram
esmagados ou desapareceram. Foi nitidamente diferente com o movimento de Jesus.
Afinal, seus membros tinham perdido os dois líderes, primeiro João e depois Jesus - os
dois Messias em quem depositavam tanta esperança. No entanto, o movimento não se
extinguiu; na verdade, começou a crescer e a se espalhar.
(...). Eu atribuiria a sobrevivência e a renovação do movimento de Jesus a três fatores:
em primeiro lugar, ao próprio Tiago, assim como à mãe e aos irmãos de Jesus. Este se
fora, mas Tiago, como veremos, tornou-se uma imponente figura de força e fé para os
seguidores de Jesus. Ter o irmão de Jesus com eles, alguém de sua própria carne e
sangue, e que também pertencia à real linhagem de Davi, deve ter sido um poderoso
reforço.
(...). O segundo fator foi a mensagem que tanto João quanto Jesus pregaram, as “boas
novas do Reino de Deus” e tudo que isso implicava. Por mais reverenciados que tenham
sido os mensageiros, o que eles advogavam e proclamavam subsistiu, sem ter sido, de
modo algum, destruído ou perdido com suas mortes. Clamaram contra a injustiça e a
opressão, incitaram ao arrependimento e proclamaram o perdão dos pecados e
encarnaram a esperança e a fé messiânicas enraizadas nos Profetas hebreus. A causa dos
Dois Messias permaneceu e sobreviveu. Finalmente, tanto Jesus quanto João tinham
proclamado que o “fim dos tempos” se aproximava. A perspectiva apocalíptica por eles
incorporada foi reforçada, como veremos, pelos acontecimentos sociais e políticos da
época. Era como se tudo que os profetas hebreus tinham previsto estivesse em vias de se
realizar diante de seus olhos. A instabilidade de Roma, a ameaça de guerras e rebeliões,
e até a oposição das autoridades por eles enfrentada, tudo era visto como sinais de que o
“tempo indicado” estava ficando muito curto – assim como proclamado por Jesus. Eles
constituíam uma comunidade intensamente apocalíptica que esperava ver a
manifestação do Reino de Deus em sua plenitude. Afinal, Jesus esperava a chegada do
“Filho do Homem” antes mesmo de sua morte. Ao enviar os Doze, dissera-lhes que não
“chegariam a percorrer todas as cidades de Israel antes da vinda do Filho do Homem”.
No sonho de Daniel , a “vinda do Filho do Homem nas nuvens do céu” era um símbolo
para o tempo em que ao povo de Deus seria dado o governo de todas as nações (Daniel
7:13-14, 27). (pág. 259s).
“O corpo principal do núcleo dos seguidores de Jesus, incluindo os que participavam do
movimento messiânico desde o início da obra de João Batista, reuniu-se em Jerusalém
no final da primavera, quase no começo do verão, O festival de Pentecostes ou Shavuot,
naquele ano, caiu na última semana de maio. Não restavam muitos, apenas pouco mais
de cem, que permaneceram fiéis ao longo dos dias sombrios e penosos da Páscoa dos
hebreus (Atos 1:15). Agruparam-se na área da baixa Jerusalém, na cidade de Davi. A
hospedaria com a "Sala do Andar Superior" (Cenáculo), onde Jesus fizera a última
refeição, virou seu centro de operações. A escolha do local pode representar mais do
que uma questão de conveniência, pois Jesus deliberadamente escolhera aquela área da
cidade para sua reunião final com os Doze. O rei Davi tinha escrito um Salmo em que
Deus declarava "Estabelecerei meu rei em Sião, meu monte sagrado", referindo-se ao
"Monte Sião", na cidade de Davi (Salmos 2:6). Já que muitos provinham da Galiléia e
outras regiões do país, a comunidade juntou seus recursos e passou a viver uma vida
comunitária livre, partilhando as refeições, os de fora da cidade ficando nas casas dos
que moravam em Jerusalém (Atos 2:46). Deve ter havido alguma sensação de perigo,
mas também de nervosa expectativa - já que certamente Deus não permitiria que a
morte de seus Justos, Jesus e João, ficasse impune. Pouco depois do dia de Pentecostes,
o grupo se reuniu para deliberar sobre sua situação. Precisavam de um novo líder e
tinham de substituir Judas Iscariotes, que cometera suicídio, no Conselho dos Doze.
O que aconteceu depois disso é uma das maiores histórias "não contadas" dos dois
últimos milênios. A tradição mais lembrada pela maioria das pessoas é a de que o
apóstolo Pedro assumiu a liderança do movimento como chefe dos Doze. Não muito
depois, o apóstolo Paulo, recém-convertido ao cristianismo, deixara o judaísmo para
unir-se a Pedro. Juntos, os apóstolos Pedro e Paulo se tornaram os "pilares" gêmeos da
emergente fé cristã, pregando o evangelho em todo o mundo romano e vindo a morrer
gloriosamente, como mártires, em Roma - por designação divina, a nova sede da Igreja.
Essa visão das coisas vem sendo entronizada na arte cristã ao longo dos tempos, tendo
sido popularizada em livros e filmes. Na verdade, a primazia de Pedro como primeiro
papa tornou-se mesmo a pedra angular do ensino dogmático do catolicismo romano.
Hoje sabemos que as coisas não se passaram dessa maneira.
Pedro tornou-se figura de proa no grupo dos Doze, como veremos , mas foi Tiago, o
irmão de Jesus, quem se tornou o sucessor de Jesus e o líder inconteste do movimento
cristão. Jesus, o regente que descendia de Davi, tinha sido levado de seu convívio.
Tiago era o próximo nessa linhagem real. A morte de Jesus não significou o fim do
movimento, nem política, nem espiritualmente. A dinastia de Jesus continuaria por mais
de um século após sua morte. Mas, se é assim, como é que Tiago, o herdeiro dessa
dinastia, tem sido quase inteiramente deixado de fora da história das origens cristãs - e,
mais importante, - por quê? Tiago mal aparece na arte e iconografia cristãs. É como se
sua própria existência tivesse sido completamente esquecida. No entanto, ele surge em
uma história oculta, história surpreendente e inspiradora essa, com importantes
implicações para o entendimento de Jesus e da causa pela qual ele viveu e morreu.”
(pág, 261ss).

“Devemos começar nossa procura de Tiago por um exame das fontes do Novo
Testamento - já que foi a partir daí que sua memória foi extensamente apagada. Temos
apenas um relato substancial da história dos primórdios do movimento cristão que se
seguiu à morte de Jesus - o livro do Novo Testamento conhecido como Atos dos
Apóstolos. O mesmo autor do evangelho de Lucas escreveu os Atos como um segundo
volume de seu trabalho literário. O livro dos Atos é amplamente responsável pelo
retrato oficial dos primórdios do cristianismo, em que Pedro e Paulo assumem papel tão
destacado, e Tiago é amplamente deixado de fora. A apresentação dos Atos tornou-se a
história, embora a versão de Lucas seja, é lamentável, unilateral e historicamente
questionável. Lucas com certeza sabia, mas não estava disposto a afirmar que Tiago
assumira a liderança do movimento após a morte de Jesus. Em seus capítulos iniciais,
nunca sequer menciona o nome de Tiago e escala Pedro como o líder inconteste dos
seguidores de Jesus. Mas seu maior objetivo no livro como um todo é promover a
centralidade da missão e mensagem do apóstolo Paulo. Embora os Atos tenham 24
capítulos, uma vez introduzido o nome de Paulo no nono capítulo, o resto do relato de
Lucas é inteiramente sobre ele - até Pedro começa a sair de cena. Mais do que Atos dos
Apóstolos, o livro deveria se chamar A Missão e Carreira de Paulo.
Isso não quer dizer que falte aos Atos valor histórico. Sem eles, teríamos uma
compreensão bem inferior do desenvolvimento inicial do movimento cristão. Além
disso, ironicamente, Lucas deixou de forma involuntária no livro dos Atos pistas que
nos permitem verificar o que sabemos por meio de outras fontes, que Tiago, e não
Pedro, tornou-se o legítimo sucessor de Jesus e líder do movimento. Precisamos
aprender a ler o livro dos Atos cuidadosamente, conscientes durante todo o tempo do
mal velado "viés" dado por Lucas à história,
Lucas, mais do qualquer um dos outros evangelistas, marginaliza a família de Jesus.
Lembrem-se, é de Lucas o evangelho que deliberadamente evitou até mesmo mencionar
os irmãos de Jesus, muito menos dar nome a eles, embora sua fonte, Marcos, os tenha
relacionado naturalmente como Tiago, José, Judas e Simão (Marcos 6:3). Só em Lucas,
quando uma mulher na multidão que seguia Jesus gritou "Abençoado é o ventre que o
carregou e os seios que o amamentaram", Jesus replica "Não, abençoados antes os que
ouvem a palavra de Deus e a guardam" (Lucas 11:27-28). Até na cruz, quando Marcos
diz simplesmente que "Maria, a mãe de Tiago e José", assim como Salomé, a irmã de
Jesus, estavam presentes, Lucas muda isso para "as mulheres (não nomeadas) que o
seguiram desde a Galiléia" (Lucas 23:49).
(...). Na maior parte das vezes, Lucas seguiu Marcos bem de perto, como sua fonte,
muito mais do que Mateus, que constantemente acrescentou suas próprias revisões
editoriais. No entanto, Lucas se afastou de Marcos quando se tratava da mãe e dos
irmãos de Jesus. Acho que ele fez isso para evitar que fossem suscitadas questões sobre
a liderança de Pedro sobre os Doze ou a superioridade da missão de Paulo junto aos
gentios. Uma edição tão ousada não poderia ser acidental; há algo muito importante em
jogo aqui. Faz parte da intenção de Lucas reconfigurar a história do início do
movimento de forma a dar a Paulo a primazia sobre outros rivais, incluindo Tiago. Mas
que rivalidade era essa?
Lucas era um gentio. Na realidade, era o único autor não judeu em todo o Novo
Testamento. Ele enfatiza a versão gentia do cristianismo esposada por Paulo. Não pode
negar que Jesus era judeu, ou que todos os seguidores originais de Jesus eram judeus, ou
que o movimento cristão inicial, como um todo, era um movimento apocalíptico dentro
do judaísmo, mas, escreveu em uma época, duas décadas após a rebelião judaico-
romana, quando essas origens judaicas do movimento estavam ficando marginalizadas e
sem ênfase, e a iminente esperança apocalíptica enfraquecera.
Lucas também era a favor dos romanos. Paulo, seu herói, era cidadão romano, e ele
desejava que seus leitores romanos gentios soubessem e valorizassem isso nele,
olhando, portanto, favoravelmente para o crescimento do movimento gentio cristão. No
relato do julgamento de Jesus, Lucas ultrapassa Marcos, sua fonte primária, para
enfatizar que Pôncio Pilatos era um governante razoável e justo, que foi a extremos para
conseguir a libertação de Jesus. Retira a referência do açoitamento de Jesus a mando de
Pilatos e até omite a zombaria e os abusos sofridos por Jesus nas mãos da guarda
pretoriana romana de Pilatos (Lucas 23:25). Segundo Lucas, ainda de acordo com a
teologia de Paulo, Jesus não poderia ter morrido "esquecido por Deus", já que sua morte
era parte do plano divino de trazer ao mundo o perdão dos pecados (Lucas 24:27).
Lucas elimina o grito agonizante final de Jesus e, em seu lugar, faz com que Jesus reze
diretamente pelos soldados romanos que levam a cabo sua crucificação, "Pai, perdoai-
os, porque não sabem o que fazem" (Lucas 23:24). Lucas não estava escrevendo
história; estava escrevendo teologia. Com isso em mente, devemos aceitar o que ele nos
relata com extrema cautela, lembrando-nos o tempo todo de sua agenda em prol de
Paulo e dos romanos.
A perda da compreensão da dinastia de Jesus e sua substituição por uma memória cristã
mais recente devem -se sobretudo ao livro dos Atos que, deliberadamente, suprimiu sua
existência.” (pág. 263ss).

“De acordo com os Atos, cerca de quarenta dias após a morte de Jesus, os 11 apóstolos
se reuniram em Jerusalém, na Sala do Andar Superior, onde fizeram a última refeição
com Jesus para escolher o sucessor de Judas. Lucas lista cuidadosamente os líderes
presentes:

Pedro, e João, e Tiago, e André
Felipe e Tomás, Bartolomeu e Mateus
Tiago filho de Alfeu, e Simão o Zelote, e Judas irmão de Tiago

Acrescenta, então, cuidadosamente, uma definidora frase fatídica que serviu para
marginalizar a família de Jesus por dois mil anos:

"Todos esses [os 11] devotavam-se constantemente à oração, junto com certas mulheres,
incluindo Maria, a mãe de Jesus, assim como seus irmãos." (Atos 1:13-14)

Ao separar os 11 de "Maria, mãe de Jesus, bem como de seus irmãos", Lucas conseguiu
efetivamente recolocar as coisas de forma que Tiago e os outros irmãos de Jesus não
desempenhassem um papel de liderança nessa conjuntura crucial do movimento. São
mencionados apenas de passagem, como que dizendo "Ah sim, por falar nisso, eles
estavam presentes, mas na verdade não eram significativos".
Mas é claro que Lucas se sentiu obrigado a registrar suas presenças. Ele não ousou bani-
los completamente do relato sabendo, como sabia, do papel absolutamente crucial
desempenhado por eles. É mais do que irônico que, ao listar os 11, ele mencione os
nomes de Tiago, Simão, e até mesmo observe que Judas é o irmão de Tiago. Como
veremos, o livro dos Atos foi escrito em torno de um inegável fato básico - Tiago
assumira a liderança do movimento, e Simão, seu irmão, o substituiu após a morte de
Tiago em 62 d.C. Lucas escreveu os Atos nos anos 90 d.C., pelo menos trinta anos
depois da morte de Tiago, e sabia, seguramente, que Simão, também de linhagem real,
tinha sucedido Tiago, e era chefe da igreja de Jerusalém, no momento mesmo em que
Lucas escrevia. Lucas termina propositalmente seu relato no livro dos Atos com a
prisão de Paulo em Roma, por volta de 60 d.C. Para ele, a história acaba aí - Paulo em
Roma, pregando seu evangelho ao mundo gentio. Ao escolher essa data de corte, isenta-
se da obrigação de registrar tanto a morte de Tiago quanto a sucessão de Simão, irmão
de Jesus. A história de Lucas, nos Atos, tornou-se a história do cristianismo primitivo
para as gerações subsequentes. O que ele escolheu não contar ficou esquecido.
Não deixa de ser irônico que a primeira prova referente ao papel de liderança exercido
por Tlago e os irmãos de Jesus, após sua morte, nos chegue diretamente de Paulo. Jesus
foi crucificado no ano 30 d.C., e as cartas de Paulo datam dos anos 50 d.C. Não
dispomos de registro para essa lacuna de vinte anos. Estes são os anos de silêncio na
história do cristianismo primitivo. O que podemos saber precisa ser lido de trás para
diante, a partir dos registros que sobreviveram. Felizmente, na carta de Paulo aos
gálatas, escrita por volta de 50 d.C., ele retrocede há pelo menos 14 anos, ao recontar
sua biografia. Isso nos fornece uma fonte pessoal primária original, a mais valiosa
ferramenta com que um historiador pode trabalhar, cujo alcance chega à década de 30
d.C.
Na carta aos gálatas, Paulo relata que, três anos após se juntar ao movimento, ele fez sua
primeira viagem à Jerusalém, onde viu Pedro, por ele chamado de Cefas, seu apelido
aramaico. Paulo ficou com ele durante 15 dias. Nessa ocasião, escreveu: "mas não vi
nenhum dos outros apóstolos, com exceção de Tiago, irmão do Senhor" (Gálatas1:19).
Não só chamou Tiago de apóstolo, como claramente o identificou como o irmão de
Jesus. Os nazarenos, de forma compreensível, desconfiavam de Paulo, já que este, há
tão pouco tempo, estivera à frente daqueles que os perseguiam, aliado dos próprios
líderes que mandaram matar Jesus. Paulo viu Pedro, mas sabia que era essencial
encontrar-se com Tiago, que estava no comando. Que Paulo tenha mencionado isso de
passagem é ainda mais significativo, pois não precisa explicar a quem quer que seja as
razões pelas quais teria se encontrado com Tiago.” (pág. 266s).

“Como já expliquei, o Evangelho de Tomé foi descoberto no alto Egito, em 1945, nas
cercanias da cidadezinha de Nag Hammadi. Embora o texto em si date do terceiro
século, estudiosos demonstraram que ele preserva, a despeito de acréscimos teológicos
posteriores, um documento original em aramaico que remonta aos primeiros dias da
igreja de Jerusalém. Graças a ele, podemos ter um raro vislumbre do que os estudiosos
chamaram de "cristianismo judaico", isto é, os primeiros seguidores de Jesus
conduzidos por Tiago. Como vocês vão se recordar, o Evangelho de Tomé não é uma
narrativa da vida de Jesus, mas antes uma lista de 114 de seus "ditos" ou ensinamentos.
O de número 12 diz o seguinte:

Os discípulos disseram a Jesus "Sabemos que vai nos deixar. Quem, então, será nosso
lider?" Jesus lhes disse "Onde quer que ides, deveis ir a Tiago, o Justo, por quem o céu
e a Terra passaram a existir:”

Temos aqui uma declaração direta do próprio Jesus de que estava entregando a
liderança e a direção espiritual do movimento a Tiago. A extravagante e categórica
afirmação nos faz lembrar da homenagem conferida a seu parente João Batista, ao
chamá-lo de "mais que um Profeta” e o maior "de todos os nascidos de mulheres" de
sua geração. Devemos ter em mente que o Evangelho de Tomé, em sua forma atual,
vem de um período mais recente, quando a questão "quem será nosso líder" tornara-se
crítica para os seguidores de Jesus. A frase "onde quer que ides" implica que a
autoridade e liderança de Tiago não se restringem à Igreja de Jerusalém ou mesmo à
Palestina romana. De acordo com esse texto, Tiago, o irmão de Jesus, ficara responsável
por todos os seguidores de Jesus. A frase "por quem o céu e a terra passaram a existir"
reflete a noção judaica de que o mundo existe e se mantém por causa das extraordinárias
virtudes de um punhado de indivíduos retos ou "justos". Tiago, o irmão de Jesus, foi
designado "Tiago, o Justo", tanto para distingui-lo dos outros de mesmo nome quanto
para homenageá-lo por sua posição preeminente. O Evangelho de Tomé nos fornece a
prova declarada mais antiga e clara de que Tiago foi o sucessor de Jesus como líder do
movimento, mas é confirmada por muitas outras fontes.
Clemente de Alexandria, que escreveu no final do segundo século II d. c., é outra fonte
primitiva que confirma essa sucessão. Em dado momento, escreveu: "Pedro, Tiago e
João, após a ascensão do Salvador, não lutaram pela glória, porque tinham sido
previamente homenageados pelo Salvador, mas escolheram Tiago, o Justo, para
supervisor de Jerusalém". Em passagem subseqüente, Clemente acrescenta: ''Após a
ressurreição, o Senhor [Jesus] concedeu a tradição do conhecimento a Tiago, o Justo, a
João e a Pedro, que a deram aos outros apóstolos, e estes aos Setenta”. Esta passagem
conserva para nós a estrutura hierárquica do governo provisório deixado por Jesus:
Tiago, o Justo, como sucessor; João e Pedro como seus conselheiros à esquerda e à
direita; o restante dos Doze; depois, os Setenta.
(...). O que impressiona com relação a essas fontes é o modo como elas falam com uma
só voz, embora procedentes de autores e períodos diversos. Os elementos básicos do
quadro que preservam para nós são surpreendentemente consistentes. Jesus transmite a
Tiago, seu sucessor, o governo da Igreja; Tiago é amplamente conhecido, até por
Josefo, um estranho, devido a sua reputação de retidão tanto em sua comunidade quanto
entre o povo; Pedro, João e o restante dos Doze consideram Tiago seu líder.
Por causa do que hoje sabemos, temos condições de investigar o tipo de cristianismo
que Tiago, o Justo, herdou de seu irmão, Jesus, e passou adiante, e o que a existência
dessa dinastia de Jesus nos revela sobre a causa oculta e esquecida pela qual Jesus viveu
e morreu. Mas antes de me dedicar a isso, precisamos olhar para Paulo. Sua influência
dominante no Novo Testamento representa o maior desafio e qualquer tentativa de
recuperar o legado da dinastia de Jesus.” (pág. 270ss).

“Se Jerônimo está certo, e Paulo nasceu pouco antes de 4 a.C., ele teria idade próxima à
de Jesus. É interessante pensar que tanto a família de Paulo como a de Jesus, vivendo a
apenas alguns quilômetros de distância, foram afetados pelas rebeliões na Galiléia de
modos diversos. Maria e José se mudaram para Nazaré, ou talvez tivessem sido exilados
com o restante dos habitantes de Séforis, enquanto Paulo e seus pais foram, ao que
parece, forçados a sair do país. É possível que essa origem galiléia de sua família possa
lançar alguma luz sobre as ulteriores motivações de Paulo. Após testemunhar tamanha
devastação e destruição desencadeadas por aqueles que, na Galiléia e na Judéia,
procuravam se opor à Roma, talvez Paulo e família tenham aprendido a ficar bem mais
complacentes com as realidades sociais e políticas de seu mundo romano. Na epístola de
Paulo aos cristãos, em Roma, escrita por volta de 56 d.C., quando Nero era imperador,
Paulo os instruiu a pagar impostos e honrar todos os funcionários romanos, incluindo o
imperador, que, segundo ele, é o agente de Deus para sempre (Romanos 13:6). Isso é
seguramente o oposto da mensagem pregada por Jesus. Como veremos, o "Reino de
Deus" para Paulo era um reino espiritual, não na terra, mas no céu. Embora esperasse
um juízo apocalíptico no futuro, aconselhava seus seguidores a se adaptar à sociedade, a
ser bons cidadãos, e a esperar pacientemente até que Jesus aparecesse entre as nuvens
do céu para levar seus seguidores para longe.” (pág. 275s).

“Em torno do ano 36 d.C., Paulo teve uma experiência de "conversão" em que clama ter
"visto" Jesus após sua ascensão. Disse ter recebido tanto uma revelação quanto um
missão - que Jesus era o "Cristo" celestialmente exaltado e que ele, Paulo, deveria
pregar as boas novas da salvação pela fé em Jesus ao mundo dos gentios. Começou a se
ver, finalmente, como o décimo terceiro apóstolo, e se referia a si mesmo como o
"Apóstolo dos gentios". Assim como Jesus escolhera seu Conselho dos Doze para
chefiar o povo de Israel, Paulo reivindicava ter recebido a autoridade sobre o mundo dos
não judeus ou gentios, para prepará-los para uma "Segunda Vinda" de Jesus como
Messias, dessa vez, do céu.
Há dois "cristianismos" inteiramente separados e distintos enraizados no Novo
Testamento. Um deles é bem familiar e se tornou a versão da fé cristã conhecida por
bilhões de pessoas ao longo dos dois últimos milênios. Seu principal proponente foi o
apóstolo Paulo. Outro foi amplamente esquecido e, por volta da virada do primeiro
século d.C., tinha sido efetivamente marginalizado e eliminado pelo outro. Até dentro
dos documentos do Novo Testamento é preciso olhar cuidadosamente para detectar sua
presença. Seu paladino não era outro senão Tiago, irmão de Jesus, líder desse
movimento de 30 d.C. até sua morte violenta em 62 d.C. As duas versões da "fé" são
marcadamente diferentes, tanto no que diz respeito aos valores quanto à prática. O
conceito por trás da dinastia de Jesus, qual seja, o de que Jesus foi sucedido por uma
série de líderes que eram seus irmãos, não diz respeito apenas à linhagem real e à
genealogia, mas também a que versão da fé cristã melhor representa as crenças e
ensinamentos originais de Jesus de Nazaré e João Batista - os fundadores do movimento
messiânico.
Não há muita dúvida de que o apóstolo Paulo foi aceito nos círculos mais íntimos dos
seguidores de Jesus. De fato, no ano 58 d.C., ele foi preso e levado à presença do sumo
sacerdote judeu Ananias, acusado de ser um "cabeça da seita dos nazarenos" (Atos
24:5). Segundo os relatos de Paulo, e também de Lucas, Tiago, o Justo, Pedro e João -
os três "pilares" da igreja - conferiram a ele "o lado direito da parceria" e publicamente
endossaram sua pregação missionária aos gentios do mundo romano (Gálatas 2:9). Foi
aquilo que pregou e ensinou que começou a criar problemas.
Paulo era judeu e, efetivamente, conforme seu próprio testemunho, na condição de
fariseu que estudou em Jerusalém, "avançara no judaísmo" além de muitos de seus
contemporâneos (Gálatas 1:14) Não há provas de que tenha chegado a conhecer ou
ouvir Jesus. Se testemunhou os eventos que cercaram a crucificação de Jesus por
ocasião da páscoa dos hebreus, em 30 d.C., jamais mencionou isso. Sua ligação com
Jesus se baseava em suas próprias experiências visionárias, nas quais reivindicava ter
"visto" Jesus vários anos após sua crucificação. Paulo acreditava que seu "chamado" foi
pré-ordenado: "Ele me pôs de lado antes que eu nascesse e me chamou por meio de sua
graça... para que eu pregasse o evangelho entre os gentios" (Gálatas 1:15-16). Alegava
também ouvir uma "voz" desencarnada, por ele identificada como "palavras" de Jesus.
Na verdade, orgulhava-se de sua pretensão - ao contrário de Tiago e o restante dos
Doze, que conheceram Jesus segundo a carne - de ter recebido sua autoridade e missão
diretamente do Cristo celestial, dispensando, assim, toda e qualquer aprovação ou
autorização humana terrena. Como escreveu para seus seguidores gregos em Corinto:
"De agora em diante, não conhecemos nenhum homem segundo a carne; mesmo tendo
um dia conhecido Cristo segundo a carne, agora não o conhecemos mais assim" (2
Coríntios 5: 16).
Paulo ensinou que Jesus era um ser celestial divino preexistente, criado como o
"primogênito" de toda a criação de Deus. Existia sob a "forma de Deus" e era "igual a
Deus" (Filipenses 2:6). Foi por intermédio de Cristo que Deus fizera o mundo existir.
Em sua glória celestial, Cristo existiu antes de todas as coisas e foi glorificado e
adorado pelas hostes celestes. Subseqüentemente, "esvaziou-se" e assumiu a forma
humana, tendo "nascido de uma mulher" e sendo enviado ao mundo desde o céu. Seu
propósito era viver sem pecado e morrer na cruz como redenção dos pecados do mundo.
Segundo Paulo: "Para nosso bem [Deus] fez dele uma oferenda pelos pecados, ele que
não conhecia pecado, de modo que por ele pudéssemos nos tornar a retidão de Deus" (2
Coríntios 5:21). Deus então ergueu Cristo dentre os mortos e tornou a transformá-lo em
seu glorioso corpo celestial. Cristo ascendeu ao Céu e se sentou, em poder e glória, à
direita de Deus.
Assim, Deus pôde "reconciliar" um mundo pecaminoso, tanto de judeus quanto de
gentios, consigo mesmo. Segundo Paulo, aqueles que aceitaram o sacrifício de redenção
do sangue de Cristo foram perdoados de todos os pecados e receberam o "dom" da vida
eterna. Acertaram as contas com Deus pela fé e não pelas boas ações. Paulo esperava
que ele e a maior parte de seus seguidores vivessem para ver Cristo voltar do céu em
poder e glória. Paulo escreveu que Jesus lhe ensinara que os seguidores deveriam
reencenar "a ceia do Senhor", na qual beberiam vinho como se fosse o "sangue de
Jesus" e comeriam pão como se fosse seu "corpo", sem o que não poderiam escapar do
juízo. Alegou que a observância imprópria dessa refeição sagrada poderia causar doença
e até mesmo a morte.” (pág. 278ss).

“Paulo foi algumas vezes acusado de desenvolver sua versão do cristianismo a partir de
idéias helenísticas ou "pagãs", como se tivesse que buscar fora do judaísmo sua
inspiração. Isso, na verdade, é uma concepção equivocada, a partir de uma visão muito
simplificada das várias formas de judaísmo do mundo romano. Temos muitos textos
judeus anteriores a Paulo que já tinham começado a desenvolver uma orientação
dualista com referência ao mundo celestial, fazendo especulações sobre os níveis do
céu, as hierarquias de anjos e demônios, os ritos mágicos, a vida após a morte em
domínios espirituais invisíveis, com recompensas e castigos e glorificação celestial.
Mesmo idéias especulativas relacionadas a figuras cósmicas redentoras preexistentes,
cujos domínios são mais celestiais do que terrestres, não são desconhecidos. Paulo
desenvolveu suas concepções de "cristologia" baseado em suas próprias experiências
místicas, mas também deve ter sido capaz de esboçá-las a partir de um conjunto
complexo de tradições especulativas judaicas.” (pág. 280).

“Os aspectos mais inquietantes do "evangelho" místico de Paulo, para os membros do
movimento messiânico inaugurado por João Batista e Jesus, eram sua concepção da
natureza temporal da Torá ou Lei Judaica e uma redefinição "espiritual" de quem
constituía o povo de Israel. O judaísmo no mundo romano era bem diferente, mas em
todas as suas formas sempre houve dois elementos comuns: o lugar central ocupado
pela Torá e a crença de que o povo de Israel era a nação eleita de Deus. A Torá foi
revelada por Deus a Moisés e, como tal, representava uma eterna aliança que unia o
povo de Israel, ou seja, os descendentes de Abraão, Isaac e Jacó. O último dos Profetas
hebreus, Malaquias, fechara seu livro com as palavras "Lembrem-se da Torá de meu
servo Moisés", seguidas da promessa de enviar "Elias" com sua mensagem de
arrependimento antes do grande dia do Juízo. A observância da Torá e a expectativa do
fim dos dias estavam intrinsecamente ligadas.
No começo dos anos 50 d.C., Paulo começara a propor uma versão de sua nova "fé em
Cristo" que requeria a ab-rogação essencial da fé judaica, repudiando a validade da
revelação divina da Torá e redefinindo "Israel" como todos os que tinham fé em Cristo.
A Israel "segundo a carne", como diz Paulo, já não era verdadeiramente "Israel'. Jesus e
João Batista tinham vivido e morrido como judeus fiéis à visão do destino histórico de
Israel, tal como declarado por todos os Profetas hebreus. O movimento nazareno,
conduzido por Tiago, Pedro e João era, por qualquer definição histórica, um movimento
messiânico dentro do judaísmo. Até a expressão "cristianismo judaico': embora talvez
útil como descrição dos seguidores originais de Jesus, é, de fato, uma denominação
equivocada, já que eles nunca se consideraram outra coisa que não judeus fiéis. Nesse
sentido, o cristianismo primitivo é judaico.
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A dinastia de Jesus e as origens do cristianismo

  • 1. TABOR, James D.. A Dinastia de Jesus – A história secreta das origens do cristianismo. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006. Resumo por: Carlos Jorge Burke – www.cburke.com.br OBS: Se desejar, solicitar arquivo pelo blog. “Mateus faz também referência a um antigo adágio do profeta hebreu Isaías: "eis que uma virgem conceberá, e dará à luz um filho, e será o seu nome Emanuel" - como se dissesse que a gravidez de Maria era a realização dessa profecia (Isaías 7:14). Mas Isaías faz referência a uma criança que deveria nascer na sua própria época, no século VIII a.C., cujo nascimento seria um sinal para o rei Ahaz, que então governava. A palavra hebraica (almah) que Mateus traduz por "virgem", em sua versão grega, significa "jovem mulher" ou "donzela”, sem introduzir qualquer implicação miraculosa. A criança receberia o nome pouco comum de Emanuel, que significa "Deus conosco", e Isaías garante ao rei Ahaz que, antes que essa criança tenha idade suficiente para distinguir "o bem do mal", os assírios que ameaçavam Jerusalém e a Judéia seriam removidos da face da terra. Ahaz não teria que esperar muito tempo. Mateus infere que a profecia de Isaías foi "realizada” pelo miraculoso nascimento virgem de Jesus - o que claramente não é o sentido do texto original.” (pag. 60) “Outro dogma católico afirma que Maria permaneceu virgem durante toda a sua vida (semper virgine, "sempre virgem")" - percepção partilhada até mesmo por inúmeros líderes protestantes, como Lutero, Calvino, Zwingli e John Wesley, embora seja pouco corrente hoje em dia entre os protestantes. Maria foi idealizada em todos os tempos como a divina e santa "Mãe de Deus". Ela estava tão afastada de sua cultura e de sua época, que a mera idéia de que poderia ter tido relações sexuais, gerado outros filhos e vivido a vida normal de uma mulher judia casada foi impensável durante séculos. Ela foi "louvada até os céus" de maneira bastante literal, e sua verdadeira humanidade se perdeu, assim como se perdeu a importância de seus ancestrais.” (pág. 61) “Na primeira linha de seu Evangelho, Mateus chama Jesus de "filho de Davi". Em Lucas, o anjo anuncia a Maria que seu filho Jesus iria sentar-se "no trono de Davi, seu pai" (Lucas 1:32). Esses dois conceitos estão interligados: nem todos os descendentes de Davi iriam ocupar seu trono, mas tampouco ninguém ocupou esse trono sem ser descendente de Davi. O rei Davi, célebre autor de muitos salmos e pai do rei Salomão, foi o mais renomado dos antigos reis de Israel. Pouco antes de sua morte, Deus lhe fez a promessa de que seu "trono" duraria para sempre e que apenas aqueles gerados por sua "semente" o ocupariam como governantes da nação de Israel (2 Samuel 7:12-16). Os profetas hebreus aceitaram essa promessa transformando-a na base de sua predição de que, nos "últimos dias", o Cristo, ou o Messias, se sentaria no trono de Davi como governante ideal de Israel. Para isso, ele teria necessariamente que ter a linhagem adequada. Essa promessa foi encarada como um contrato inabalável. No livro de Jeremias, Deus declara que, "se o meu concerto do dia e da noite não permanecer, e eu não puser as ordenanças dos céus e da terra, também rejeitarei a descendência de Jacó e de Davi, meu servo, de modo que não tome da sua semente quem domine sobre a semente de Abraão, Isaac e Jacó" (Jeremias 33:25-26). Essa promessa feita a Davi, de que seus descendentes reais reinariam sobre Israel, era equiparada a uma lei fixa da natureza.
  • 2. Outros, gregos ou romanos, poderiam até mesmo reinar sobre Israel, mas seriam sempre percebidos como estrangeiros e ocupantes ilegítimos, que Deus varreria da face da terra quando chegasse o verdadeiro Messias. Os judeus foram independentes durante um breve período - de 165 a 63 a.c. - antes que os romanos conquistassem o país. Uma família judia local, os macabeus ou asmonianos, governaram o país, estabelecendo uma dinastia de sacerdotes, mas foram incapazes de se proclamar da linhagem de Davi. Como já notamos, Herodes, o Grande, apesar de seu título de "Rei dos Judeus", temia que um verdadeiro descendente da linhagem de Davi pudesse vir ameaçar seu poder.” (pág. 63s) “Qualquer genealogia banal naquela época se baseava apenas na linhagem masculina, que tinha uma importância fundamental. O pai de uma pessoa era o fator significativo na cultura do mundo em que Jesus nasceu. No entanto, Mateus menciona quatro mulheres, ligadas a quatro dos quarenta nomes de homens listados, o que é inteiramente irregular e inesperado. Mateus registra: Judá gerou Peres e Zerá por meio de Tamar (v.3) Salomão gerou Boaz por meio de Raabe (v.5) Boaz gerou Obede por meio de Rute (v. 5) Davi gerou Salomão por meio da esposa de Urias (v.5) (...). O padrão cadenciado dessa lista de nomes de homens choca-se com a menção dessas mulheres, todas bem conhecidas dos leitores judeus. Elas não têm nada a ver com a genealogia formal da família real. As histórias dessas mulheres na Bíblia chamam atenção pelos sórdidos detalhes sexuais. Parece claro que Mateus está tentando colocar o nascimento de Jesus, potencialmente escandaloso, no contexto de seus ancestrais - homens e mulheres. Na verdade, ele está preparando o leitor para o que vai se passar. No final da lista, o último nome da última linha, dá lugar ao choque. Mateus está seguramente tentando sacudir, tomar o leitor de surpresa, quando escreve: Jacó gerou José. marido de Maria; dela foi gerado Jesus, que se chama o Cristo. O que seria de esperar, em qualquer genealogia comum masculina, era: Jacó gerou José; José gerou Jesus, que se chama o Cristo. Mateus emprega o verbo "gerar" (do grego gennao) 39 vezes na voz ativa, com um sujeito masculino. Mas quando chega a José, o desvio é importante: ele usa o mesmo verbo na voz passíva com um objeto feminino: dela foi gerado Jesus. Dessa forma, uma quinta mulher se infiltra inesperadamente nessa lista: a própria Maria. E, certamente, essa não é a linhagem de Maria, mas a genealogia de José. Por que, então, ela é incluída? Mateus está preparando o leitor para a história que virá, na qual Maria, noiva, fica grávida de um homem que não é seu futuro marido. É como se ele estivesse prevenindo, de maneira implícita, os leitores sentenciosos ou extremamente religiosos para que não tirem conclusões precipitadas.” (pág. 64ss). “A Antiga Israel era dividida em 12 tribos, descendentes dos 12 filhos de Jacó, neto de Abraão. Os sacerdotes de Israel tinham que ser descendentes de Aarão, irmão de
  • 3. Moisés, da tribo de Levi. Os reis deviam ser da linhagem real do rei Davi, da tribo de Judá. Estas posições, rei e sacerdote, davam às tribos de Judá e Levi proeminência especial.“ (pág. 70s). “Cristãos e Judeus vieram posteriormente a se centrar no Messias - uma única figura da linhagem de Davi que deveria governar como rei nos últimos dias. E, no entanto, nos Manuscritos do Mar Morto encontramos uma comunidade religiosa extremamente devota, habitualmente identificada com os essênios, que esperavam a vinda de três personagens - um profeta, como Moisés, e os messias de Aarão e de Israel. O "Messias de Israel" é claramente o rei da linhagem de Davi, mas o "Messias de Aarão" se refere a uma figura sacerdotal - também chamada de messias. Essa percepção preenche uma falha em nossa compreensão da dinastia de Jesus. Vários textos começam a fazer mais sentido e se encaixam de uma maneira que tinha sido precedentemente omitida. A palavra "messias" vem do termo hebraico moshiach, que significa simplesmente "pessoa ungida”. O termo grego equivalente, christos, também significa "ungido", e foi a partir dele que se derivou o termo que nos é mais familiar de "Cristo", em sua significação de Messias. O termo se refere ao ritual sagrado no qual se derrama óleo sobre a cabeça de um indivíduo escolhido, para confirmá-lo oficialmente como sacerdote ou rei. A sagração daquele que era escolhido por Deus se fazia em geral por intermédio de um profeta. Mas, fosse ele rei ou sacerdote, o candidato teria de possuir a linhagem apropriada. Muita gente se surpreende ao saber que o primeiro Messias na Bíblia foi Aarão, "ungido" como sacerdote por seu irmão Moisés e citado no texto hebreu como um "moshiach" ou "messias" (Êxodo 40:12-15), centenas de anos antes que o profeta Samuel tivesse ungido Davi como rei de Israel (l Samuel 16:13). Todo sacerdote ungido teria de ser descendente de Aarão, e todo rei ungido teria de ser descendente de Davi. Maria, mãe de Jesus, era descendente direta do rei Davi, mas tinha também laços de sangue com a linhagem levita, de sacerdotes, descendentes de Aarão, o que é provado tanto por sua genealogia quanto por seu parentesco com a família de Isabel, mãe de João Batista. Séculos mais tarde, depois da era bíblica, o pai determinava a filiação tribal dos filhos, enquanto a mãe dava a garantia de seu filho ser realmente "judeu”. As coisas não eram tão claramente definidas na época bíblica. Na Bíblia, fala- se das mulheres como portando a "semente”, e a mesma palavra hebraica zara (literalmente "semente") é usada como referência tanto aos filhos dos homens quanto das mulheres. Assim, Jesus podia perfeitamente reivindicar o fato de ser da "semente de Davi" pela linhagem de sua mãe.” (pág. 72s). “Os eruditos que colocam em questão a verdade literal dos relatos de nascimento feitos por Mateus e Lucas e sugerem que o fato de dar a Jesus um extraordinário nascimento sobrenatural é uma maneira de afirmar a natureza divina de Jesus como “filho de Deus”. Essa idéia de seres humanos procriados por deuses é extremamente comum na cultura greco-romana. Há uma legião de heróis citados como sendo o produto de uma união entre sua mãe e um deus – Platão, Empédocles, Hércules, Pitágoras, Alexandre, o Grande e mesmo César Augusto. A idéia do homem divino (theios aner) cujo nascimento sobrenatural, capacidade de fazer milagres e morte extraordinária o separam do mundo comum dos mortais é encontrado em vários textos. Esses heróis não são deuses “eternos”, como Zeus ou Júpiter, mas seres humanos que foram elevados a um estado celeste de vida imortal. Seus templos e santuários povoavam cada cidade e cada província do Império Romano, na época de Jesus. É fácil imaginar que os cristãos primitivos que acreditavam em Jesus o queriam tão louvado e celestial quanto qualquer dos heróis e deuses gregos e romanos e se apropriaram dessa maneira de contar a
  • 4. história de seu nascimento como uma maneira de afirmar que Jesus era ao mesmo tempo humano e divino.” (pág. 75s). “E se essas histórias do nascimento virgem tivessem sido criadas não tanto para apresentar Jesus como um herói divino, no estilo greco-romano, mas para tratar de uma situação realmente chocante – a gravidez de Maria antes de seu casamento com José? Todas as quatro mulheres mencionadas por Mateus em sua genealogia tiveram relações sexuais fora do casamento e pelo menos duas delas, ficaram grávidas. Ao nomear essas mulheres especiais, Mateus parece estar tratando implicitamente da situação de Maria. Nossos Evangelhos dão algumas indicações de que boatos sobre a ilegitimidade já estavam circulando à boca pequena. Marcos, nosso primeiro Evangelho, escrito por volta de 70 d.C., inclui uma cena importante em que Jesus volta à sua casa em Nazaré, já adulto, suscitando rumores entre seus concidadãos. Notem com cuidado como eles falam: Não é este o carpinteiro, filho de Maria e irmão de Tiago, e de José, e de Judas, e de Simão? E não está aqui conosco suas irmãs? (Marcos 6:3) Mateus usa Marcos como fonte e inclui a mesma história, mas notem como, sabiamente, ele diz as coisas de outra maneira: Não é este o filho do carpinteiro? E não se chama sua mãe Maria, e seus irmãos Tiago, e José, e Simão, e Judas? E não estão todas suas irmãs conosco? (Mateus 13:55) Esta mudança sutil, mas crítica, na maneira de se exprimir é absolutamente reveladora: Não é este o carpinteiro, o filho de Maria? (Marcos) Não é este o filho do carpinteiro? E não se chama sua mãe Maria? (Mateus) Chamar Jesus de “o filho de Maria” indica que seu pai era desconhecido. No judaísmo, refere-se invariavelmente às crianças como filhos ou filhas de seu pai – não de sua mãe. Marcos nunca se refere a José, seja pelo nome ou de outra maneira qualquer. Ele evita inteiramente a questão da paternidade. Deve haver uma boa razão para este silêncio. Ao contrário, Mateus rapidamente refaz o fraseado de Marcos, de modo a que a questão de ilegitimidade não seja sequer evocada. Vemos mesmo que os manuscritos gregos posteriores do Evangelho de Marcos tentam “resolver” o escândalo, alterando o texto, de forma a falar do “filho de Maria e José”.” (pág. 77s). “Estou convencido de que nossa melhor prova indica que José, que se casou com Maria já grávida, não era o pai de Jesus. O pai de Jesus permanece desconhecido, mas chama- se possivelmente Pantera e, nesse caso, é bastante provável que seja um soldado romano. A pedra tumbal da Alemanha, seja ela do pai de Jesus ou não, tal como as tumbas e os ossuários que estudamos em Jerusalém, nos recordam que esses nomes associados com a família de Jesus estão baseados nas provas materiais que a arqueologia continua a descobrir. Esses personagens eram seres humanos reais que viveram e morreram em um passado que se torna cada dia mais acessível para nós. Jesus não era o filho de José, mas Maria estava casada com ele e teve outros filhos depois de Jesus. Assim, poder-se-ia pensar que José era o pai do resto da família – mas como acontece frequentemente, quando se trata de assuntos familiares, especialmente de uma família real, as coisas não são tão simples assim.” (pág. 88).
  • 5. “Marcos, nosso primeiro registro evangélico, informa que Jesus tinha quatro irmãos e, pelo menos, duas irmãs. Ele dá o nome dos irmãos com muita naturalidade: Tiago, José, Judas e Simão. Marcos não fornece os nomes das irmãs, mas a tradição cristã primitiva diz que eram duas - Maria e Salomé (Marcos 6:3). Mateus, cuja fonte é Marcos, inclui a mesma lista, embora, em vez de José, ele escreva "Joses", um apelido semelhante a "Josy", em inglês, que corresponde a "José" na versão integral. Ele também coloca Simão antes de Judas (Mateus 13:55). Lucas, ao contrário, desenrola inteiramente a lista de nomes. Como declarado defensor do apóstolo Paulo, ele inaugura um longo processo de relegação dos irmãos de Jesus à obscuridade na qual hoje se encontram. Com muita freqüência, quando falo ou ensino sobre os irmãos de Jesus, sobre a posição importante ocupada por Tiago, o mais velho deles, a quem Jesus confiou o encargo de seus discípulos, uma mão se levanta na sala, e o comentário é sempre o mesmo: "Nunca soube que Jesus tivesse tido algum irmão”. Há um certo número de fatores por trás dessa falha em nosso conhecimento sobre o cristianismo primitivo. O centro dessa questão é o posterior dogma cristão de que Maria foi uma virgem perpétua, que nunca teve outros filhos além de Jesus e jamais teve relações sexuais com qualquer homem. Na Igreja primitiva, ninguém poderia nem sequer imaginar isso, pois a família de Jesus exercia um papel muito central e visível em sua vida e na dos primeiros discípulos. Tudo isso tem a ver com o fato de Maria ter sido totalmente isolada da cultura e do Contexto judaicos do século I, em função do interesse de uma visão emergente na época de que a sexualidade humana era, na pior das hipóteses, degradante e perversa, e, na melhor delas, um mal necessário que tinha de alguma forma que ser combatido. O mundo material e tudo o que se relacionasse com o corpo eram vistos como baixos e de menor valor do que o mundo celeste e espiritual.” (pág. 89). “O imperador romano Augusto concedera oficialmente o cobiçado título de “Rei dos Judeus” a Herodes, o Grande. Ele era o mais rico e mais influente rei-cliente do Império Mediterrâneo oriental. Seus pródigos programas de construção tanto dentro quanto fora do país, eram ímpares, mesmo em Roma. Quando José e Maria se encaminhavam para o Templo, teriam visto o palácio esplendoroso de Herodes ao longo do muro ocidental da cidade, com suas torres impressionantes, cujas fundações ainda hoje são visíveis. Herodes havia iniciado a remodelação do próprio Templo em 20 a.C., com a intenção de torná-lo uma maravilha do mundo antigo. Isso oferece um forte exemplo de contrastes. Jesus nasceu pobre e praticamente sem teto, apesar da linhagem real de Davi que herdou da mãe. E, no entanto, era essa linhagem dinástica que Herodes e seus filhos tão desesperadamente cobiçavam e temiam, apesar de sua riqueza e seu poder extraordinário.” (pág. 104). “Os romanos ocuparam o país que os judeus chamavam de "a Terra de Israel" em 63 a.C. O grande general Pompeu, antigo aliado de Júlio César, levou seus exércitos para o Mediterrâneo oriental, conquistando a Ásia Menor, a Síria e a Palestina. Ocupou Jerusalém após três meses de sítio, massacrando 12 mil judeus. Aproveitou-se do dia sagrado do Sabbath, atacando ferozmente, quando sabia que os judeus praticantes estariam menos propensos a lutar. O general e seu estado maior ousaram penetrar o santuário secreto do Templo judaico - o "Santíssimo", uma pequena câmara acortinada que abrigava a Arca da Aliança nos tempos antigos. Segundo a Torá, apenas o sumo sacerdote tinha permissão para entrar nesse recinto, e apenas uma vez por ano, no Dia do Perdão (Yom Kippur). Por uma ironia da História, Josefo diz que a violação do
  • 6. Templo por Pompeu aconteceu no "dia do jejum” ou Yom Kippur. Talvez mais do que qualquer outro, esse único ato foi o ápice da arrogância e do poder dos romanos. Como era possível que o Deus de Israel, adorado diariamente pelos judeus como "Senhor do Mundo", não fosse capaz de proteger seu próprio santuário no dia mais sagrado do ano judaico? O poder político e militar é uma coisa, mas a humilhação religiosa é bem outra. A visão profética judaica de um Rei Messias que reinaria na Terra de Israel e, finalmente, em todos os países do mundo, nunca pareceu mais impossível.” (pág. 111). “A conquista do Oriente por Pompeu trouxe riquezas incalculáveis para Roma, sob a forma de frutos de pilhagens e novos impostos. A Síria foi anexada e transformada em uma província romana, e seu governador dividiu a Palestina em vários distritos autônomos, com soberanos locais, sob o controle militar romano. O mais ambicioso desses soberanos-clientes foi Antipater, pai de Herodes, o Grande. Era um período de instabilidade e guerra civil em Roma. Nas duas décadas seguintes Júlio César derrotou Pompeu, que se tornara seu inimigo, mas depois foi assassinado por Brutus e Cássio, que, por sua vez, foram derrotados por Marco Antônio. Otaviano, sobrinho de César, que seria conhecido como Augusto, o primeiro dos imperadores romanos, foi subseqüentemente subjugado por seus rivais Antônio e Cleópatra em 31 a.C. Augusto precisava desesperadamente de uma fronteira oriental estável e constatou que o único capaz de conseguir isso era Herodes.” (pág. 111s). “Herodes estava decidido a ser Rei dos Judeus e único soberano da terra de Israel. Em 40 a.C. tinha viajado para Roma e conseguido convencer Antônio e Otaviano, ainda aliados na época, a declará-lo "Rei da Judéia". Reconheceram que Herodes era o único capaz de consolidar o regime na Palestina e apoiá-los contra os pártios, que tinham invadido pelo leste. Em sua coroação, Herodes ofereceu sacrifício a Júpiter na Colina Capitolina, ladeado por Otaviano e Antônio. Voltou à Palestina e começou a subjugar a Galiléia no norte, passou para Samaria no sul e, finalmente, apoiado por legionários romanos, sitiou Jerusalém. Massacrou impiedosamente todos que se opunham a ele, e, no verão de 37 a.C., Herodes finalmente consolidou seu regime e ocupou oficialmente seu trono ensangüentado como "Rei dos Judeus". A mãe de Herodes era judia, mas seu pai, Antipater, era um estrangeiro da Iduméia, a leste. Herodes casou-se com Mariane, descendente da família de sacerdotes conhecida como os asmonianos ou macabeus. Embora sua família não pudesse reivindicar descendência de Davi, eles haviam, de fato, reinado sobre o país durante um curtíssimo período de independência entre cerca de 165 a.C. e a chegada dos romanos em 63 a.C. Constituíram uma dinastia real e cunhavam o título de "rei" em suas moedas. Havia um certo ar de mistério ligado a essa família sacerdotal que havia expulsado os sírios da Terra de Israel cem anos antes. Herodes, meio judeu, achou que, com a bela Mariane ao seu lado, alcançaria um pouco mais de legitimidade para o título que cobiçava.” (pág. 112). “Em 31 a.C. houve um terremoto devastador na Judéia que causou trinta mil mortes. As pessoas que desprezavam Herodes e tudo que ele representava viram isso como o começo do castigo de Deus aos judeus por se acomodarem ao regime romano. Otaviano derrotou Antônio naquele mesmo ano, e um de seus primeiros atos como o novo Imperador Augusto foi confirmar o título de Herodes como "Rei dos Judeus”. Ele o coroou em uma cerimônia formal em Rodes, para onde Herodes havia navegado para encontrá-lo e cumprimentá-lo. Um dos primeiros atos de Herodes foi executar 45 dos setenta membros do Sinédrio judaico, o conselho encarregado dos assuntos legais judaicos. No princípio de seu
  • 7. reinado, aumentou e fortificou as várias fortalezas no deserto fundadas pelos asmonianos, inclusive Massada, o Alexandrium, Maqueronte e Hircânia. Proveu-as de armas, alimentos, e água, como potenciais refúgios para a sua família em tempos de crise. O que mais temia era uma revolta nativa que talvez tivesse apoio popular daqueles que buscavam um soberano legítimo da casa de Davi.” (pág. 113). “Quando Herodes morreu em março de 4 a.C., Jesus era um bebê de seis meses, morando na Galiléia. O testamento de Herodes dividia seu reino entre três de seus filhos. Herodes Antipas tornou-se soberano da Galiléia e de Peréia, a região do outro lado do Jordão. Seu irmão mais velho, Arquelau, tornou-se "etnarca" da Judéia, termo que significa "soberano da nação". Felipe, um terceiro filho, de outra esposa, recebeu territórios a nordeste do Mar da Galiléia. O Imperador Augusto ratificou o testamento, e os três filhos foram a Roma nessa ocasião. Augusto favoreceu Arquelau e prometeu-lhe que seria sagrado rei caso se provasse digno. Arquelau deu ao pai um enterro pomposo, colocando seu corpo em uma câmara secreta dentro do Heródio, uma grande fortaleza- palácio, pouco menos de cem quilômetros ao sul de Jerusalém, construída por Herodes para ser seu mausoléu. Até hoje a sepultura não foi descoberta, embora a fortaleza tenha sido escavada. Houve revoltas em Jerusalém nessa ocasião, e a Páscoa dos hebreus se aproximava. Arquelau reagiu com violência, e seus exércitos massacraram mais de três mil pessoas. Em breve o país inteiro insurgiu-se; foi então que Varo e suas legiões invadiram a Galiléia, vindos da Síria, destruíram Séforis e marcharam sobre Jerusalém, queimando cidades e aldeias em seu caminho e crucificando aqueles que resistiam ao regime romano, pouco depois do nascimento de Jesus. Na Galiléia, um homem chamado Judas, filho de Ezequias, havia iniciado a insurreição, arrombando o arsenal real em Séforis e apoderando-se das armas. Diz Josefo que esse Judas aspirava a ser honrado como rei. Ao sul, um certo Simão, escravo de Herodes, reuniu um grupo de seguidores, fez-se proclamar rei e queimou e saqueou o palácio real em Jericó. Os romanos o alcançaram e decapitaram. Um camponês chamado Atronges, apoiado por quatro irmãos, proclamou- se rei e reuniu um grande bando armado, assolando a zona rural durante meses. Segundo Josefo, os três líderes usavam o diadema que significava suas pretensões a ser homenageados, como reis. Na tradição judaica, um rei é um "messias': ou ungido como tal, então não seria errado considerar esses líderes aspirantes a messias de algum tipo.” (pág. 118). “A Judéia mostrava-se longe de estar pacificada. Uma figura fogosa conhecida como Judas, o Galileu, instigou uma revolta em grande escala, aproveitando-se da mudança de administração. Ele instou seus conterrâneos a se recusar a pagar os impostos romanos que resultariam da anexação. Judas pregava que Deus era o único senhor e que deveriam se livrar do jugo romano. Segundo Josefo, Judas foi o fundador do partido dos judeus que tomou o nome de zelote. Se Judas vinha da linhagem de Davi ou se se acreditava um messias ou rei, simplesmente não sabemos. Josefo não relata seu fim, mas Lucas, nosso evangelista, diz no segundo volume de seu Atos dos Apóstolos que "Judas pereceu, e seus seguidores foram dispersados" (Atos 5:37). Provavelmente voltaram para a Galiléia, onde tinham simpatizantes que poderiam escondê-los. Essa revolta de Judas, o Galileu foi mais significativa do que os outros atentados que se seguiram à morte de Herodes, por ter meta política e religiosa maior. Por pior que tivesse sido Herodes, ele era, pelo menos nominalmente, "judeu" e, assim, um rei nativo; ao morrer, seu território passou para os filhos. Augusto tencionava anexar a Judéia e colocá-la diretamente sob administração e taxação romanas. Judas não buscava
  • 8. apenas poder pessoal, mas foi o iniciador de um movimento - dos zelotes - com vistas à independência do Estado judaico. Seu objetivo não era apenas político, mas também religioso. Os zelotes afirmavam que os dois não podiam ser separados. Israel era o povo escolhido por Deus vivendo na Terra Prometida e governado pela Lei Mosaica ou Torá. Que os romanos administrassem a Terra de Israel era uma deformação e uma afronta a Deus. Judas, de fato, parece se ajustar a um certo molde "dinástico': visto que seus filhos Tiago e Simão, seguiram seus passos e foram julgados e crucificados pelo procurador romano, cerca de uma década depois da morte de Jesus.” (pág. 119). “Como veremos, Jesus sentia desprezo absoluto por Herodes Antipas e tudo que ele representava. Falava com sarcasmo daqueles que vestem belos mantos macios e vivem no luxo em palácios reais. Uma vez referiu-se diretamente a Herodes como "aquela raposa'; e quando Herodes interrogou-o, na manhã mesma em que Jesus foi condenado à crucificação, recusou-se até a abrir a boca para responder. Foi Herodes quem assassinara brutalmente seu parente e mestre João Batista, e Jesus tinha observado como o desejo de Herodes por poder e riqueza oprimiu injustamente as vidas de seus conterrâneos. Não creio que haja muita dúvida de que Jesus freqüentemente percorreu as ruas e mercados tanto de Séforis quanto de Tiberíades. Foi completamente exposto à cultura urbana romana que Herodes importou para a Galiléia. Ele certamente viu tudo. Ao chegar aos trinta anos, começara a formular um plano que acreditava levar à destruição completa de tudo que Roma e seus simpatizantes e partidários judeus representavam, incluindo o estabelecimento religioso corrupto que dirigia o Templo em Jerusalém. O que visionava, encontrou escrito nos textos sagrados dos profetas hebreus. O tempo era chegado - os reinos do mundo estavam para se tornar o Reino de Deus e de seus Messias.” (pág. 123). '”Jesus era judeu, não cristão. Esse singular fato histórico abre a porta para a compreensão de Jesus como realmente era em seu próprio lugar e tempo; é uma porta que muitos nunca pensaram em ultrapassar. Jesus foi circuncidado, observava a Páscoa dos hebreus, lia a Bíblia hebraica e observava o sabbath como dia de descanso. Dois mil anos de separação e alienação relativamente hostis entre o judaísmo e o cristianismo tenderam a obscurecer o fato de que Jesus cresceu em um mundo religioso e cultural que foi quase totalmente perdido nos subseqüentes movimentos do cristianismo. Para compreender Jesus em seu próprio tempo e lugar, precisamos compreender sua profunda dedicação à fé ancestral de seus antepassados. Via-se apenas cumprindo as palavras de Moisés e dos profetas, e a esperança messiânica que orientou sua vida e levou à sua morte era o âmago do mais profundo de seu ser.” (pág. 125). “Ser judeu, na Palestina do século I ocupada pelos romanos, tinha tanto a ver com identidade nacional e étnica como com crenças religiosas abstratas. Assim, para muitos judeus era impossível separar as realidades sociais e políticas da ocupação militar e opressão econômica da devoção e fé judaicas. Era fundamental a crença judaica de que o povo de Israel tinha sido escolhido por Deus para se tornar uma "nação modelo", que seria um exemplo de justiça e religiosidade para o mundo inteiro. Os profetas hebreus haviam predito que nos últimos dias todas as nações iriam a Jerusalém para se instruir sobre o único verdadeiro Deus Criador, irresistivelmente atraídas pelo exemplo moral de paz e justiça de Israel. Nem todos os judeus aceitavam essa visão tão idealista, mas os que a aceitavam eram em número suficiente para que João Batista, Jesus e seu irmão
  • 9. Tiago pudessem atiçar um movimento que ameaçou os mais altos níveis do estabelecimento político e religioso. A família de Jesus, como todos os judeus da Galiléia, deve ter feito peregrinações para Jerusalém três vezes por ano, como exigia a Torá, todos os anos, na primavera, por ocasião da Páscoa dos hebreus, no princípio do verão, para a celebração de Pentecostes, e no outono, para a celebração dos Tabernáculos. Na Páscoa dos hebreus, principalmente, Josefo afirma que dois milhões e meio de judeus, da Palestina e do mundo inteiro, reuniam-se em Jerusalém. Era lá que Jesus regularmente se deparava com os símbolos mais pungentes do poder romano, fundidos com o que ele considerava o epítome da corrupção religiosa judaica. A Jerusalém de Herodes, com seus palácios, teatro, hipódromo, mansões luxuosas e Templo magnífico, poderia ser considerada por muitos uma maravilha do mundo, mas para Jesus e milhares de outros era um "covil de ladrões", a ser brevemente condenada por Deus. Não foi por acaso que Jesus, aos 33 anos, deliberadamente escolheu Jerusalém, na Páscoa dos hebreus, como o cenário de seu mais dramático confronto com o que ele chamava de "poderes das trevas". Precisamos imaginar que suas percepções estão profundamente enraizadas em suas experiências ao crescer. Séforis e Jerusalém - as duas principais representantes da opressão romana e da corrupção religiosa - foram absolutamente fundamentais para o modo como ele via sua vocação e seu destino. “ (pág. 126). “O judaísmo pode ser resumido sob quatro rubricas: Deus, Torá, Terra e Povo Escolhido. Como judeu, Jesus teria afirmado sua crença no único Deus Criador Yahweh sobre todos os deuses ou entes espirituais; na divina revelação da Torá, como um plano para a vida social, moral e religiosa; na santidade da Terra de Israel como um perpétuo direito inato da nação; e na noção de que o povo de Israel, descendente de Abraão, Isaac e Jacó, tinha sido escolhido por Deus para esclarecer todas as nações. A missão histórica desse povo seria atrair a humanidade para o Deus único e sua revelação na Torá.” (pág. 131). “A descrição básica de Josefo combina com o que sabemos a partir do Novo Testamento e de fontes judaicas posteriores. Os saduceus vinham sobretudo das classes sacerdotais. O sumo sacerdote, endossado politicamente pelos romanos, era escolhido de suas fileiras. Por conseqüência, detinham o controle principal do Templo de Jerusalém, que era o ponto de foco do judaísmo do mundo inteiro, e dominavam o Sinédrio, um tipo de "conselho" ou "senado" judaico ao qual os romanos permitiam alguma autoridade limitada. A interpretação saduceísta da Lei Judaica tendia a ser mais severa e mais rígida do que a dos fariseus, e sua concentração “neste mundo" em vez de "no mundo por vir” tornava-os céticos quanto a assuntos relativos ao mundo celestial, quer se tratasse de anjos, demônios, ressurreição dos mortos ou eventos associados ao fim dos tempos. Os fariseus, por outro lado, especulavam livremente sobre tais questões. Sua interpretação da Lei Judaica era mais liberal e aberta a mudanças. Embora houvesse uma ala mais rigidamente conservadora dos fariseus, liderada pelo rabino Shammaí, do seculo I, seu rival, rabino Hillel, parecia ter mais influência. Costuma-se pensar em Jesus como inimigo ferrenho de todos os fariseus, quando, na verdade, muitas de suas opiniões sobre a Lei Judaica refletem as posições mais transigentes do rabino Hillel. Tanto Hillel quanto Jesus enfatizavam o “amor ao próximo” como fundamental e citavam a "Regra de Ouro" como um breve resumo da Torá e dos profetas. Mas, no final, foi uma coalizão de sacerdotes saduceus e seus partidários entre os fariseus que entregou Jesus ao governador romano Pôncio Pilatos.” (pág. 134).
  • 10. “Em termos gerais, Jesus se identifica mais com o que se descreveria como o movimento messiânico da Palestina do século I. Esse movimento era intensamente apocalíptico, e embora compartilhasse certas idéias com os essênios, tinha um apelo mais amplo para a plebe judaica de todas as seitas, unida na esperança da libertação por Deus. Quando compreendermos a história, os valores centrais e o mundo mitológico desse movimento, seremos capazes de situar Jesus adequadamente dentro dessa diversidade incrível do judaísmo palestino do século I. Havia judeus que se sentiam à vontade em seu mundo social e político, aceitando o status quo, mesmo se ditado por Roma, vivendo da melhor forma possível. Mas havia outros, fossem fariseus, saduceus ou essênios, ou mesmo sem filiação alguma, que esperavam uma mudança radical baseada nas previsões messiânicas dos profetas hebreus. O importante não são os rótulos, mas uma certa visão da realidade - uma crença de que Deus interviria para cumprir essas previsões messiânicas. Jesus não originou esse movimento; na verdade, ele começou a se formar duzentos anos antes do nascimento de Jesus. Mas foi Jesus, seu parente João Batista, e seu irmão Tiago que deram a ele a forma definitiva que mudou o curso da história. Em algum momento, antes de completar trinta anos, Jesus começou a formular seu plano. Sem dúvida, houve etapas no caminho. Mas no outono do ano 26 d.C., ele está pronto para tornar públicas suas idéias, e a dinastia de Jesus começa a surgir.” (pág. 136s). “João proclamava para as multidões que vinham escutá-lo que "o machado já estava à raiz da árvore", sugerindo a iminência da condenação apocalíptica de Deus de todos os injustos, do mais alto ao mais baixo nível da sociedade. Pregava que as pessoas deveriam se arrepender de seus pecados e ser "batizadas" ou imersas em água, pela remissão de seus pecados. Com essa atitude se tornariam o “povo do Caminho". Josefo trata de "João, cognominado Batista”, de maneira breve, mas significativa. Escreve que João instava as pessoas a levar uma vida justa e a praticar justiça, com seus semelhantes e devoção a Deus, atestando isso pela imersão ou batismo em água. Diz que as multidões ficavam "arrebatadas" quando João aparecia, e que seu efeito sobre o populacho era tal, que as multidões maciças, atraídas por ele, começaram a pedir sua orientação e estavam prontas a fazer tudo que dissesse. João não foi o primeiro a ouvir essa Voz e a atendê-la desse modo. Cem anos antes, os judeus que conhecemos pelo nome de essênios leram aquele mesmo versículo em Isaías e, literalmente, se mudaram para o deserto da Judéia, perto do Mar Morto, a fim de viver em um pequeno assentamento chamado Qumrã, onde escreveram os Manuscritos do Mar Morto. Em seu documento de fundação, chamado a Regra da Comunidade, registram que haviam "se separado da habitação de homens injustos" e ido para o deserto para lá preparar o Caminho do Senhor, pois está escrito "Preparai, no deserto, o Caminho". E disseram mais, "É este o tempo para a preparação do Caminho no deserto”. Também se referiam a si mesmos como o "povo do Caminho.” (pág. 142s). “Herodes Antipas ficou muito assustado com o potencial revolucionário que João representava. É difícil superestimar o impacto dramático criado por João com a sua pregação. A princípio localizou-se no sul, no deserto, ao longo do Jordão, logo ao norte do Mar Morto. Marcos conta que toda a Judéia e todo o povo de Jerusalém afluíam ao deserto para ouvir sua pregação. Josefo diz que era popular, audacioso e eloqüente. Era por tudo isso que tantos haviam esperado. A mensagem de João era radical, semelhante à de outros que haviam tentado inspirar uma revolta entre a população judaica, mas havia algo diferente nele, algo que ultrapassava a política. João tinha a aparência e o
  • 11. estilo de um antigo profeta bíblico. As massas se sentiam eletrizadas com a possibilidade - teria Deus finalmente enviado um mensageiro verdadeiro que iniciaria a Nova Era do Reino de Israel?” (pág. 144). “Pouco antes de completar trinta anos, Jesus juntou-se às multidões que afluíam para ouvir João. Jesus viajou de Nazaré, seguindo o Jordão, por essa mesma rota, para ser batizado por João no Rio Jordão (Marcos 1:9). Fazendo isso, estava publicamente aderindo e endossando o movimento do despertar desencadeado por João. Ao emergir da água, ele ouviu a Voz também vinda de Isaías, mas com um texto diferente, sobre uma figura diferente: "Olhai! Meu servo que apóio, meu escolhido que alegra a minha alma!" (Isaías 42: 1). Mateus transformou essa voz em uma proclamação pública do céu - "Este é meu filho amado em quem me regozijo", enquanto para Marcos, conservando uma tradição anterior, provavelmente mais autêntica, isso foi uma voz que Jesus ouviu - não uma que as multidões ouviram (Mateus 3:17; Marcos 1:11). É significativo que a versão em siríaco antigo, de Mateus, ainda conserve a leitura original: "Vós sois meu filho bem-amado em quem me regozijo", atestando assim a autenticidade de Marcos. Não podemos ter certeza da natureza exata dessa revelação nem se foi algo que surgiu de repente em Jesus naquele instante, ou algo para o qual se preparara ao longo do caminho. O que podemos dizer é que a partir de seu batismo, Jesus estava pronto para tomar o lugar que lhe fora destinado ao lado de João, como pleno parceiro no movimento do batismo. Juntos estavam preparados para enfrentar o que viesse, nos papéis proféticos para os quais ambos se acreditavam chamados.” (pág. 144s). “Quando se trata de entender João Batista e Jesus, da forma como eles se entendiam e da forma como teriam sido vistos pela sociedade judaica de seu tempo, os evangelhos do Novo Testamento são tanto nossa melhor fonte quanto nosso maior obstáculo. Quando os evangelhos de Marcos, Mateus, Lucas e João foram escritos (70-100 d.C.), havia uma tentativa evidente dos cristãos de minimizar e marginalizar João Batista, enquanto exaltavam exageradamente o papel singular de Jesus. Não havia espaço para dois Messias. E, por essa mesma razão, Tiago, o irmão de Jesus que o sucedeu, foi praticamente eliminado da história. Os cristãos começaram a ver Jesus como o único Senhor e Cristo, com os papéis combinados de profeta, sacerdote e rei. João era visto de forma positiva, mas apenas como um precursor que apresentou Jesus ao mundo e depois rapidamente sumiu de cena. O grande obstáculo enfrentado pelos cristãos era o fato de todos saberem que João havia batizado Jesus - não o contrário! Jesus havia procurado João e aderido ao seu movimento -, o que, no contexto do judaísmo antigo, significava que Jesus era um discípulo de João, e João era o rabino ou mestre de Jesus. Para cristãos posteriores, que haviam exaltado Jesus, essa idéia era inconcebível. Podemos comprovar nos quatro evangelhos do Novo Testamento uma tendência progressiva a lidar com esse fato histórico renitente e suas implicações minimizando a importância de João sem negar seu papel de precursor de Jesus. Em Marcos, nosso primeiro relato, Jesus vai ao Jordão para ser batizado por João, mas João diz ao povo que vem alguém mais poderoso do que ele, cujas sandálias não é digno de desatar (Marcos 1:7). Em Mateus, João tenta impedir que Jesus seja batizado, insistindo que Jesus é quem o deveria estar batizando (Mateus 3:13). Lucas menciona que Herodes mandara calar e aprisionar João, e depois, no versículo seguinte, escreve "Agora quando todos foram batizados e quando Jesus foi batizado...” como a insinuar que talvez nem tenha sido João que batizou Jesus - visto que ele já estava preso (Lucas 3:19- 21). Finalmente, no evangelho de João, o último relato, João Batista sequer batiza
  • 12. Jesus - o fato pode ser sugerido, mas não é declarado. Em vez disso, João vê Jesus e declara: "Eis o cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo" (João 1:29). Mais tarde, falando aos discípulos sobre Jesus, João diz: "ele deve crescer, e eu devo diminuir" (João 3:30). Embora esses relatos sejam muito influenciados pela teologia cristã posterior, oferecem um testemunho básico do fato de que Jesus foi batizado por João.” (pág. 150s). “A mensagem de Jesus, tão conhecida pelos cristãos no Sermão da Montanha demonstra indícios de ser parte de uma mensagem que Jesus e João compartilhavam e pregavam. Jesus e João tornaram-se parceiros integrais no trabalho para o qual acreditavam ter sido chamados conjuntamente, mas a deferência de Jesus em relação a João é indiscutível em nossas fontes, uma vez removido o véu da teologia cristã. Segundo Jesus, João é "mais que um profeta”, "não há ninguém maior nascido de mulher" e, é ele "de quem toda a Torá e os profetas falaram”, que veio para "salvar o mundo”. Não foi por acaso que o ano seguinte, 27 d.C., é quase um espaço em branco em nossos registros. Foi esse o ano do trabalho conjunto dos Dois Messias - agora perdido para a história e memória cristãs.” (pág. 153). “Não sabemos qual o esquema cronológico exato endossado por João Batista e Jesus. Sua maneira de contar os anos era diferente da nossa, e certamente não tinham nosso calendário gregoriano. Contudo, vale notar que, se começarmos pelo ano 457 a.C., quando Ezra voltou para Jerusalém e começou a restaurá-la após o cativeiro na Babilônia, e contarmos 69 dessas "semanas" proféticas (483 anos), chegamos ao ano 26- 27 d.C. - faltando uma "semana" de anos para chegar ao número mágico de 490. Pode bem ser que João Batista e Jesus tivessem algo semelhante a esse tipo de cálculo em mente. Talvez acreditassem que o ano sabático de 26-27 d.C. tivesse introduzido um período final de sete anos antes do Apocalipse. Qualquer que fosse o esquema, não há dúvida de que se convenceram de que o tempo estava próximo, e com Deus de seu lado estavam preparados para introduzir os acontecimentos profetizados dos últimos dias. Devido à profecia crítica de Daniel, uma tempestade apocalíptica se aproximava da Palestina romana do século I. Nunca houve antes uma época semelhante a essa, e nem depois. Mas só o timing não é suficiente. O outro componente da equação, absolutamente essencial para a mistura, foi o aparecimento de Dois Messias. Cristãos e judeus acabaram focalizando o aparecimento de um único Messias. Isso certamente não era o caso no tempo de Jesus, como já vimos nos Manuscritos do Mar Morto. Em texto após texto, lemos sobre não um, mas dois Messias que introduziriam o Reino de Deus. Um será uma figura régia da linhagem real de Davi, mas, a seu lado, estará uma figura sacerdotal, também um Messias, da linhagem de Aarão, da tribo de Levi.” (pág. 161). “Em vista dessas esperanças e expectativas profundamente enraizadas entre esses judeus messiânicos, é difícil imaginar o grau de emoção e fervor que João Batista e Jesus teriam provocado ao preparar seus próximos passos na primavera de 27 d.C. João, como um sacerdote da tribo de Levi, e Jesus, como um descendente de Davi da tribo de Judá, devem ter incitado as esperanças de milhares que aguardavam a chegada dos Dois Messias como um sinal certo do fim. Até mesmo Herodes Antípas logo sentiu o ferrão da mensagem abrasadora de João Batista clamando por arrependimento. Os cristãos tendem a imaginar um Jesus "brando e humilde" que raramente elevava a voz, mas os indícios mostrarão que ele aprendeu bem com seu mestre e que, assim como João
  • 13. Batista, a mensagem radical de Jesus dividia famílias e aldeias e abalava o sistema político e religioso.” (pág. 165). “Os cristãos, mais tarde, tenderam a separar os dois movimentos - o de João Batista e o de Jesus, como se um fosse "judaico" e o outro "cristão". Durante a vida de Jesus e entre seus seguidores imediatos, havia um só movimento unificado e um só batismo. No final de 27 d.C., do ponto de vista desse movimento messiânico, havia apenas dois tipos de judeus na Palestina - os que responderam positivamente à pregação de João e de Jesus e tinham sido batizados, e os que não fizeram isso. Não existia meio-termo. O "trigo" havia sido separado do "joio". O machado estava suspenso sobre a raiz da árvore.” (pág, 166). “A campanha de batismo de Jesus, por mais vitoriosa que tivesse sido, sofreu uma interrupção abrupta em algum momento no princípio de 28 d.C. Uma notícia chocante chegou ao norte, vinda da Galiléia, Herodes Antipas aprisionara João Batista. Segundo o evangelho de João, Jesus então soube que alguns dos fariseus em Jerusalém, que se opunham a João, estavam assustados com o sucesso de Jesus com as multidões, e, por isso, estavam tomando medidas ameaçadoras contra suas atividades (João 4: 1-3). Era hora de ir para a clandestinidade.” (pág. 168). “Foi um golpe chocante e terrível para o movimento messiânico. Seu fundador e líder, João Batista, havia sido atirado à prisão por Herodes Antipas, soberano de Galiléia e Peréia. Segundo o evangelho de Marcos, João Batista havia denunciado publicamente Herodes por ter tomado a linda Herodíades, esposa de seu irmão Felipe, que participou por vontade própria no adultério. Josefo não menciona especificamente esse incidente, mas diz que Herodes se assustou com a influência extraordinária de João sobre o povo, temendo que incitasse uma "revolta”. João localizara-se estrategicamente no limite do território de Herodes, na Galiléia oriental, para que pudesse, se necessário, fugir, atravessando o Rio Jordão, para a região chamada Decápolis, fora de sua jurisdição. As tropas de Herodes conseguiram pegá-lo de surpresa, e ele foi levado para Maqueronte, uma das fortalezas de Herodes no deserto, no lado leste do Mar Morto. A intenção era colocá-lo em uma das regiões mais remotas de seu reino, para diminuir as possibilidades de sublevação popular. No sul, Jesus sabia que seus próprios dias de batismo estavam contados. Um novo procurador romano chamado Pôncio Pilatos, nomeado pessoalmente pelo imperador Tibério, assumira a autoridade militar da província da Judéia, em 26 d.C. Mostrara-se imediatamente um chefe brutal, sem qualquer preocupação com a sensibilidade religiosa judaica. Trouxera os símbolos militares romanos, com seus bustos de César, para dentro da cidade santa de Jerusalém. Pouco depois, tirara dinheiro do tesouro do Templo sagrado para cobrir os custos de finalização de um aqueduto para Jerusalém. As multidões judaicas estavam alvoroçadas, e ambos os incidentes provocaram tumultos aos quais Pilatos reagiu com violência, matando um grande número de judeus. A estabilidade na Judéia era a grande preocupação dos romanos, e a última coisa que desejavam era um profeta judeu, da linhagem de Davi, atraindo grandes multidões e falando sobre o advento do Reino de Deus.” (pág. 169). “Não podemos ter certeza de como e quando Jesus desenvolveu sua própria compreensão de seu papel e missão no que acreditava ser o plano divino para introduzir o Reino de Deus. Certamente, cresceu sabendo que ele e os irmãos eram herdeiros masculinos da linhagem real do Rei Davi, e teria plena consciência das significativas
  • 14. implicações messiânicas dessa herança. As Escrituras hebraicas estavam cheias de promessas de que Deus, nos "últimos dias", ergueria um Rei da linhagem de Davi que seria atuante na derrubada do jugo estrangeiro e no estabelecimento de um Reino de Israel independente, iniciando assim a Nova Era de paz e justiça para o mundo inteiro. A profecia de Jeremias descreve isso sucintamente: Os dias certamente estão chegando, diz Yahweh, quando erguerei para Davi um Ramo honrado, e ele reinará como rei e agirá com prudência, e exercerá a justiça e a integridade na terra. Em seus dias, Judá será salva e Israel viverá com segurança. (Jeremias 23:5-6)”. (pág. 170). “Jesus tem um programa de "seis pontos": reinar sobre Israel no trono de Davi; purgar Jerusalém e a terra de Israel de soberanos estrangeiros; estabelecer um regime de justiça; separar os pecadores do povo de Israel; estender seu governo a todas as nações ímpias do mundo; reunir todas as tribos dispersas de Israel. Essa é a agenda ambiciosamente extravagante exigida de qualquer candidato da linhagem de Davi que, porventura, sentisse inclinações messiânicas para esse tipo de vocação. Para os romanos, tais idéias devem ter parecido totalmente ilusórias, e os judeus pragmáticos sempre poderiam interpretar a linguagem de seus profetas menos literalmente, ou ignorá-la de todo. Mas milhares de judeus acreditavam que esse rei ideal da linhagem de Davi apareceria e, com os poderes sobrenaturais de Deus, realizaria tudo isso. Todos os indícios indicam que Jesus era esse judeu. O reino de Deus nesses textos não é um sentimento ou um conceito etéreo. A linguagem é concreta e particular. A palavra "reino", tanto em hebraico como em grego, significa "governo" ou "autoridade", assim como se poderia falar do "reino" de Herodes ou da "autoridade" romana. A oração ensinada por João e Jesus definia o reino de Deus como a "vontade de Deus feita na terra" como já era feita no céu. Esse não era um reino "no" céu, mas a idéia da autoridade "do" céu, penetrando a história da humanidade e manifestando-se na terra. Isso era entendido literalmente como nada menos do que uma revolução, uma derrubada completa do status quo político, social e econômico.” (pág. 171s). “Uma vez que Roma havia entrado no Mediterrâneo oriental, ocupando a Palestina, como fizeram Alexandre Magno, Ciro e Nabucodonosor em séculos passados, o tempo do "quarto" reino havia chegado. Isso, aliado ao período de contagem regressiva final de Daniel, de 490 anos ou dez ciclos de Jubileus, havia convencido as pessoas na Palestina romana do século I que levavam os profetas hebreus a sério de que elas estavam vivendo nos "últimos dias" ou no "final dos tempos". É extremamente importante notar que não esperavam o "fim do mundo"; essa expressão jamais ocorre. É sempre o fim dos "tempos", ou o período de tempo em que reinos gentios prevalecem antes da chegada da Nova Era - o Reino de Deus. Nos Manuscritos do Mar Morto chama-se "os tempos finais da perversidade". Jesus compartilhava essa compreensão do tempo e da história. Sua mensagem depois da prisão de João, quando começou a pregar, era: "Cumpriu-se o tempo, o Reino de Deus está próximo". Ele talvez tenha crescido com esse ponto de vista apocalíptico, que certamente se intensificou quando se tornou adulto e começou a cogitar sobre o que acreditava ser seu próprio destino e sua vocação. Era a pessoa certa no momento certo - mas havia um outro componente vital. Estou convencido de que Jesus provavelmente começou a ler certas passagens das Escrituras hebraicas e a aplicá-las a si mesmo. Em minha opinião, esse fator é
  • 15. absolutamente vital para compreendermos o desenvolvimento de sua noção de auto- identidade messiânica. Há vários textos da Escritura que apresentam a agenda geral do Rei descendente de Davi, como observei acima. Mas há outros textos messiânicos, especialmente na metade final do livro de Isaías e nos Salmos, que têm uma qualidade muito mais pessoal - alguns deles são até escritos na primeira pessoa. Por exemplo, Isaías 61 começa: "O espírito do Senhor Yahweh está em mim porque Yahweh me ungiu; ele me enviou para trazer a boa nova aos oprimidos, para juntar os de coração partido, para proclamar a liberdade aos cativos, e soltar os prisioneiros; para proclamar o ano do favor de Yahweh, e o dia de vingança de nosso Deus". Se alguém que está convencido de um destino messiânico pessoal lê esse texto e "ouve" sua própria voz, uma dinâmica poderosa entra em ação. O texto serve para confirmar e reforçar a identidade dessa pessoa, enquanto a identidade encontra expressão e direção específicas ao longo do texto.” (pág. 172s). “Se Jesus, de fato, começou a se apropriar desses textos da Escritura e neles encontrou a sua voz, não foi o primeiro a fazê-lo. Nos Manuscritos do Mar Morto há um texto extraordinário chamado Hinos de Ação de Graças, partes do qual estudiosos acreditam terem sido escritas pelo próprio Mestre da Integridade. O Mestre, líder da comunidade dos Manuscritos do Mar Morto, definitivamente via-se nesse papel de eleito, e aplicava regularmente a sua vida e a seu tempo alguns desses mesmos textos. Esse texto fascinante, que em alguns trechos assume aspecto de autobiografia, nos dá um vislumbre da consciência interior do Mestre e de como ele formou sua própria auto- identidade messiânica como profeta para sua comunidade. Com esse modelo fica mais fácil imaginar alguém como Jesus, por causa de sua linhagem de Davi, aliada a seu tempo e suas circunstâncias, sofrendo processo semelhante.” (pág. 174). “A mensagem era simples: "Afastai-vos de vossos pecados, pois o Reino de Deus está próximo - o juízo está próximo". Em cada local, Jesus impunha as mãos sobre os doentes ou fisicamente deficientes e expulsava espíritos maus ou demônios. Pensava-se que doenças eram causadas por demônios "que cerceavam" as pessoas, então suas atividades de cura e de exorcismo eram coerentes. Jesus era um revolucionário político que esperava nada menos que a derrubada violenta dos reinos do mundo, mas não achava que isso se daria pela reunião de armas e de tropas rebeldes, como foi tentado por alguns de seus contemporâneos. O primeiro passo era derrotar Satanás e seus poderes. Do ponto de vista de Jesus, para que o Reino de Deus chegasse, não só Herodes, Pôncio Pilatos e as legiões romanas teriam de ser depostos, mas sobretudo o próprio Satanás, que era considerado o "soberano dos tempos" por trás dos bastidores. Jesus ligava diretamente seu poder de expulsar demônios a "atar Satanás" e destruir seu reino. (...). As campanhas de pregação continuaram nos primeiros meses de 29 d C.. O efeito era imenso. Multidões enormes se reuniam para ouvi-lo pregar e para presenciar os exorcismos e curas propalados. Segundo Marcos, as pessoas afluíam para a Galiléia, da Judéia e de Jerusalém, do lado leste do Jordão e até de Tiro e Sidônia, ao norte. João havia causado bastante agitação na Galiléia, mas era nem curador, nem exorcista, e agora parecia impotente, aprisionado em Maqueronte. Essas novas atividades de Jesus e o poder resultante que começava a perceber em si mesmo energizaram o movimento messiânico, tornando-o o centro das atenções. Esses acontecimentos naturalmente não agradavam a todos. Havia grupos de opositores fariseus, na região, cuja base de poder estava sendo ameaçada. Provavelmente, temiam que tanto sua influência quanto sua
  • 16. base econômica fossem desafiadas pelo amplo apoio, entre o populacho, a um carismático pregador do Reino de Deus.” (pág. 176s). “Como futuro Rei de Israel, Jesus tomou medidas para estabelecer um "governo" provisório, constituído de um gabinete interno ou Conselho dos Doze. Dentre seus seguidores, escolheu 12 homens que nomeou "delegados" ou enviados. É esse o significado da palavra grega traduzida como "apóstolo". Sua intenção fundamental era que, quando seu governo estivesse em plena operação, cada um deles se sentasse em um "trono", um para cada uma das 12 tribos de Israel (Lucas 22:30). O cristianismo, mais tarde, poderia considerar a escolha dos "12 apóstolos" como um passo na organização espiritual - e certamente era isso. A comunidade dos Manuscritos do Mar Morto se havia estruturado em torno de um "Conselho dos Doze" fechado, e é inteiramente possível que esse modelo tenha influenciado Jesus. Mas não devemos omitir as implicações revolucionárias das ações de Jesus. Uma das principais tarefas do Messias descendente de Davi era reunir as tribos de Israel, incluindo as ditas Tribos Perdidas, que se haviam exilado durante a invasão assíria de Israel, no século VIII a.C. Segundo Josefo, apenas duas das tribos de Israel estavam sob o domínio dos romanos - Judá e Benjamim, com um pouco de Levi - enquanto o grosso das outras dez tribos havia migrado para o noroeste e se concentrava na região do Mar Negro. O termo "judeu" se refere a alguém da tribo de "Judá", mas viera a ser usado livremente para qualquer pessoa de descendência israelita. A visão de Jesus do futuro, como veremos, envolvia convocar todos os israelitas espalhados pelo mundo inteiro a voltar à Terra. Era isso que todos os profetas haviam predito que aconteceria nos "últimos dias". Na verdade, Jeremias até disse que o "novo Êxodo" de israelitas de todas as terras de sua "dispersão" ou espalhamento rivalizaria em tamanho com o Êxodo original do Egito, no tempo de Moisés (Jeremias 16:14-15).” (pág. 178). “A comunidade do Mar Morto tinha centrado suas expectativas messiânicas nesse preciso texto de Isaías 61. Um precioso fragmento da Gruta 4, a que os estudiosos chamam de Apocalipse Messiânico, profetizava que o Messias iria "curar os doentes, ressuscitar os mortos, e trazer a boa nova aos pobres". Jesus e João Batista conheciam esse texto do Qumrã ou outro semelhante. João enviou da prisão uma mensagem a Jesus, perguntando: "És aquele, ou devemos aguardar outro?" Ele queria de Jesus a confirmação de que teria realmente iniciado o programa messiânico. Jesus respondeu não com a citação de Isaías 61, mas com as próprias palavras preservadas no Manuscrito do Mar Morto: íde e dizei a João o que ouviste e viste: os doentes estão curados, os mortos ressuscitados, os pobres receberam a boa nova (Lucas 7:22). É importante assinalar que Isaías 61 não especifica que o Messias irá "ressuscitar os mortos”; mas Jesus inclui essa frase em sua resposta, como "um sinal do Messias", sabendo que João Batista estaria familiarizado com ela, possivelmente por esse mesmo manuscrito. Tanto o manuscrito como a resposta de Jesus indicam a importância da realização da profecia de Isaías 61 para o movimento messiânico.” (pág. 186). “Com a inesperada e brutalmente chocante morte de João, todas as esperanças e os sonhos do movimento messiânico pareciam esmagados. Ninguém havia até então associado sofrimento e morte ao Messias. A celebração do sucesso que poderia ter acompanhado o retorno dos Doze de sua campanha de pregação transformou-se em desespero. A situação era igualmente muito perigosa. Herodes ouvira falar dos
  • 17. extraordinários efeitos que as últimas atividades de Jesus tinham causado e, segundo Marcos, supersticiosamente, supusera que, de alguma forma, "João Batista tinha sido ressuscitado dentre os mortos" (Marcos 6: 14). Não conseguia imaginar outra forma para explicar como o movimento que ele julgava ter esmagado parecia agora liderado por alguém cujo sucesso era tão extraordinário como fora o de João.” (pág. 189). “De seu círculo mais amplo de seguidores, ele escolheu setenta delegados, dividindo-os, como havia feito com os Doze, em grupos de dois, que o deveriam preceder em cada cidade e local aonde pretendia ir. Suas tarefas básicas consistiam em curar os doentes, exorcizar os demônios e proclamar, em cada lugar, que “O Reino de Deus está próximo de vós” (Lucas 10). Jesus via isso como a mensagem final, o finalizar do trabalho que ele e João tinham começado três anos antes. Ele disse aos grupos que qualquer cidade que os rejeitasse deveria ser marcada para destruição no julgamento que estava por vir.” (pág. 197). “Mais tarde, a tradição cristã coloca a última refeição de Jesus na noite de quinta-feira, e sua crucificação, na sexta-feira. Sabemos, hoje, que havia uma defasagem de um dia. A última ceia de Jesus se deu na noite de quarta-feira, e ele foi crucificado na quinta-feira, no 14º dia do mês judaico de Nisan. A ceia da Páscoa, propriamente dita, deu-se na quinta-feira à noite, ao pôr-do-sol, no início do dia 15 de Nisan. Jesus não chegou a fazer essa refeição pascal, pois morrera às três da tarde desse dia. O equívoco foi gerado porque todos os evangelhos relatam que seu corpo foi retirado da cruz para ser sepultado antes do pôr-do-sol, porque o Sabbath estava próximo. Presumiu-se que essa referência ao Sabbath indicava o sábado - e, portanto, a crucificação teria sido na sexta-feira. No entanto, como bem sabem os judeus, o dia da Páscoa dos hebreus também é "Sabbath", ou dia de descanso - não importa em que dia da semana caia. No ano 30 d.C. a sexta-feira 15 de Nisan também foi "Sabbath" - portanto houve dois "sabbaths" consecutivos - sexta-feira e sábado. Mateus parece saber disso quando escreve que as mulheres que visitaram Jesus na tumba vieram no domingo de manhã, "depois dos Sabbaths" - o original grego está no plural (Mateus 28:1).” (pág. 212s). “Como dissemos, a comunidade essênica, em Qumrã, descreveu, em um de seus manuscritos, um futuro “banquete messiânico”, no qual o Messias Sacerdotal e o Messias da linhagem de Davi sentar-se-iam com os membros da comunidade crente e abençoariam a sagrada refeição de pão e vinho como a celebração do Reino de Deus. Teriam certamente ficado espantados com qualquer simbolismo sugestivo de que o pão fosse a carne humana, e o vinho, o sangue. Tal idéia simplesmente não poderia ter partido de Jesus como judeu. Portanto, qual a origem dessa linguagem? Se parece primeiramente com Paulo, e ele não a recebeu de Jesus, então qual seria sua fonte? As maiores semelhanças encontram- se em alguns ritos mágicos greco-romanos. Existe um papiro grego que registra um encantamento amoroso, no qual um macho pronuncia certos feitiços sobre um cálice de vinho, que representa o sangue que o deus egípcio Osíris tinha dado à sua consorte Isis para que ela o amasse. Quando sua amante bebe o vinho, ela simbolicamente se une a seu amado pelo seu sangue. Em outro texto, o vinho é transformado na carne de Osíris. Simbolicamente, comer a "carne" e beber o "vinho" era parte de um rito mágico de união na cultura greco-romana.” (pág. 216s).
  • 18. “Mais tarde, os cristãos mostraram-se muito ansiosos em culpar os judeus pela prisão e crucificação de Jesus. Embora Jesus tivesse inimigos judeus, esses eram na sua maioria sacerdotes aristocratas saduceus que administravam o Templo com apoio de alguns fariseus. Josefo escreveu que os saduceus eram "mais cruéis que quaisquer outros judeus" quando se sentavam para julgar. Entre o povo judeu, em geral, Jesus era muito popular. E tinha também amigos em postos importantes, incluindo o próprio Sinédrio - uma espécie de senado judaico. Essa foi a razão das atividades clandestinas noite adentro até o amanhecer. Todos estavam ocupados com as preparações da Páscoa dos hebreus, e, se tudo fosse feito com rapidez, Jesus estaria numa cruz romana pela manhã, antes que alguém desse por isso. Os inimigos judeus de Jesus foram certamente os catalisadores do golpe, mas a conclusão foi romana em toda a linha. O "julgamento" de Jesus teve três fases. Primeiramente, foi levado, no meio da noite, para uma casa particular, possivelmente pertencente ao sumo sacerdote Anás. O cargo de sumo sacerdote era politicamente designado pelos romanos. Esse cargo, em 30 d.C., era ocupado oficialmente por José Caifás, mas era seu sogro, Anás, quem detinha o poder. Anás ocupara oficialmente o cargo de sumo sacerdote de 6 a 15 d.C., quando foi removido pelos romanos, mas nunca perdera influência. Cinco dos seus filhos ocuparam subseqüentemente esse posto, em sucessão praticamente contínua. Os romanos não faziam essas escolhas de modo leviano, e devemos presumir a existência de uma grande mistura de influência política e corrupção para que uma única pessoa assegurasse esse lugar por tanto tempo. Além de Herodes Antipas, José Anás foi o mais rico e poderoso líder judeu de seu tempo. Pertencia a uma dinastia sacerdotal, e seu controle dos negócios judaicos era quase absoluto. Essa não foi a última vez que a dinastia de Anás atacaria a dinastia de Jesus, ameaçada por seu potencial controle das pessoas como a legítima autoridade da linhagem de Davi. Como veremos, o quinto filho de Anás, seu homônimo Anás II, fora o sacerdote que mandara matar, de forma brutal, Tiago, o irmão de Jesus, em 62 d.C.. A dinastia de Jesus e a dinastia de Anãs eram como água e azeite. Tanto Jesus quanto Tiago lamentaram a sorte dos ricos quanto ao iminente julgamento de Deus. E parte da agenda messiânica consistia na profética esperança de ver essa família sacerdotal corrupta substituída por uma linhagem de sacerdotes que ensinariam e praticariam a justiça até o fim dos tempos (Malaquias 3).” (pág. 224s). “Os estudiosos concordam que muito pouco dos relatos do julgamento de Jesus diante de Pilatos tem valor histórico. Eles foram inteiramente moldados por uma posterior tradição teológica cristã, que procurou colocar a culpa pela morte de Jesus inteiramente sobre o povo judeu, exonerando os romanos como simpatizantes de Jesus, com Pilatos fazendo o possível para lhe salvar a vida. Nossos quatro Evangelhos do Novo Testamento foram escritos depois da grande Revolta Judaica contra Roma (66-73 d.C.) Os sentimentos anti-semitas prevaleceram no reinado de Tibério (14-37 d.C.), estimulados pelo notório prefeito Sejanus, o mais influente dos cidadãos romanos de seu tempo. Após a custosa e sangrenta Revolta Judaica, esses sentimentos antijudaicos foram minimizados pelos romanos, e qualquer associação de Jesus com a sedição judaica e com a falta de lealdade para com Roma deveria ser evitada, para não prejudicar a propagação do novo movimento cristão entre os romanos. Que Jesus morrera pela crucificação romana era fato inegável e terrivelmente embaraçoso. Mas se sua crucificação pudesse ser atribuída à obstinação dos judeus, então talvez o movimento cristão pudesse explicar suas origens judaicas e a vergonhosa morte de seu chefe sob uma luz mais favorável, ou seja, menos judaica. Isso permitiria à nascente tradição cristã uma oportunidade maior de ganhar convertidos e aceitação em todo o Império Romano, no qual se disseminava. (...).
  • 19. Deixando de lado a teologia, e concentrando-nos em fatos históricos mais prováveis, podemos dizer o seguinte: os sumos sacerdotes, Anás e Caifás, e seus adeptos entregaram Jesus a Pilatos, acusando-o de sedição. Pilatos interrogou Jesus em privado sobre tais acusações. Quando soube que Jesus era da Galiléia, decidiu mandá-lo para Herodes Antipas, que se encontrava hospedado em um palácio próximo. Herodes procurava um modo de matar Jesus há algum tempo, e ficou satisfeito por finalmente tê- lo sob sua custódia. Herodes interrogou-o prolongadamente, mas Jesus recusou-se a responder. Os acusadores de Jesus estavam presentes e repetiram as acusações contra ele. Herodes e seus soldados decidiram brincar um pouco com Jesus. Vestiram-no com um manto real e começaram a tratá-lo com menosprezo, chamando-o de "o tal de Rei". Herodes, então, mandou Jesus de volta para Pilatos, tendo endossado a decisão de que Jesus fosse executado por crucificação. Em Jerusalém, era Pilatos quem tinha a jurisdição para executar as decisões tomadas.” (pág. 231s). “A expectativa diante da morte violenta do líder de um movimento é de caos, confusão e subseqüente desintegração. Josefo mencionou pelo menos uma dúzia de outros aspirantes messiânicos e líderes de rebelião executados pelos romanos ao longo do primeiro século d.C. Em todos os casos, os movimentos iniciados por eles foram esmagados ou desapareceram. Foi nitidamente diferente com o movimento de Jesus. Afinal, seus membros tinham perdido os dois líderes, primeiro João e depois Jesus - os dois Messias em quem depositavam tanta esperança. No entanto, o movimento não se extinguiu; na verdade, começou a crescer e a se espalhar. (...). Eu atribuiria a sobrevivência e a renovação do movimento de Jesus a três fatores: em primeiro lugar, ao próprio Tiago, assim como à mãe e aos irmãos de Jesus. Este se fora, mas Tiago, como veremos, tornou-se uma imponente figura de força e fé para os seguidores de Jesus. Ter o irmão de Jesus com eles, alguém de sua própria carne e sangue, e que também pertencia à real linhagem de Davi, deve ter sido um poderoso reforço. (...). O segundo fator foi a mensagem que tanto João quanto Jesus pregaram, as “boas novas do Reino de Deus” e tudo que isso implicava. Por mais reverenciados que tenham sido os mensageiros, o que eles advogavam e proclamavam subsistiu, sem ter sido, de modo algum, destruído ou perdido com suas mortes. Clamaram contra a injustiça e a opressão, incitaram ao arrependimento e proclamaram o perdão dos pecados e encarnaram a esperança e a fé messiânicas enraizadas nos Profetas hebreus. A causa dos Dois Messias permaneceu e sobreviveu. Finalmente, tanto Jesus quanto João tinham proclamado que o “fim dos tempos” se aproximava. A perspectiva apocalíptica por eles incorporada foi reforçada, como veremos, pelos acontecimentos sociais e políticos da época. Era como se tudo que os profetas hebreus tinham previsto estivesse em vias de se realizar diante de seus olhos. A instabilidade de Roma, a ameaça de guerras e rebeliões, e até a oposição das autoridades por eles enfrentada, tudo era visto como sinais de que o “tempo indicado” estava ficando muito curto – assim como proclamado por Jesus. Eles constituíam uma comunidade intensamente apocalíptica que esperava ver a manifestação do Reino de Deus em sua plenitude. Afinal, Jesus esperava a chegada do “Filho do Homem” antes mesmo de sua morte. Ao enviar os Doze, dissera-lhes que não “chegariam a percorrer todas as cidades de Israel antes da vinda do Filho do Homem”. No sonho de Daniel , a “vinda do Filho do Homem nas nuvens do céu” era um símbolo para o tempo em que ao povo de Deus seria dado o governo de todas as nações (Daniel 7:13-14, 27). (pág. 259s).
  • 20. “O corpo principal do núcleo dos seguidores de Jesus, incluindo os que participavam do movimento messiânico desde o início da obra de João Batista, reuniu-se em Jerusalém no final da primavera, quase no começo do verão, O festival de Pentecostes ou Shavuot, naquele ano, caiu na última semana de maio. Não restavam muitos, apenas pouco mais de cem, que permaneceram fiéis ao longo dos dias sombrios e penosos da Páscoa dos hebreus (Atos 1:15). Agruparam-se na área da baixa Jerusalém, na cidade de Davi. A hospedaria com a "Sala do Andar Superior" (Cenáculo), onde Jesus fizera a última refeição, virou seu centro de operações. A escolha do local pode representar mais do que uma questão de conveniência, pois Jesus deliberadamente escolhera aquela área da cidade para sua reunião final com os Doze. O rei Davi tinha escrito um Salmo em que Deus declarava "Estabelecerei meu rei em Sião, meu monte sagrado", referindo-se ao "Monte Sião", na cidade de Davi (Salmos 2:6). Já que muitos provinham da Galiléia e outras regiões do país, a comunidade juntou seus recursos e passou a viver uma vida comunitária livre, partilhando as refeições, os de fora da cidade ficando nas casas dos que moravam em Jerusalém (Atos 2:46). Deve ter havido alguma sensação de perigo, mas também de nervosa expectativa - já que certamente Deus não permitiria que a morte de seus Justos, Jesus e João, ficasse impune. Pouco depois do dia de Pentecostes, o grupo se reuniu para deliberar sobre sua situação. Precisavam de um novo líder e tinham de substituir Judas Iscariotes, que cometera suicídio, no Conselho dos Doze. O que aconteceu depois disso é uma das maiores histórias "não contadas" dos dois últimos milênios. A tradição mais lembrada pela maioria das pessoas é a de que o apóstolo Pedro assumiu a liderança do movimento como chefe dos Doze. Não muito depois, o apóstolo Paulo, recém-convertido ao cristianismo, deixara o judaísmo para unir-se a Pedro. Juntos, os apóstolos Pedro e Paulo se tornaram os "pilares" gêmeos da emergente fé cristã, pregando o evangelho em todo o mundo romano e vindo a morrer gloriosamente, como mártires, em Roma - por designação divina, a nova sede da Igreja. Essa visão das coisas vem sendo entronizada na arte cristã ao longo dos tempos, tendo sido popularizada em livros e filmes. Na verdade, a primazia de Pedro como primeiro papa tornou-se mesmo a pedra angular do ensino dogmático do catolicismo romano. Hoje sabemos que as coisas não se passaram dessa maneira. Pedro tornou-se figura de proa no grupo dos Doze, como veremos , mas foi Tiago, o irmão de Jesus, quem se tornou o sucessor de Jesus e o líder inconteste do movimento cristão. Jesus, o regente que descendia de Davi, tinha sido levado de seu convívio. Tiago era o próximo nessa linhagem real. A morte de Jesus não significou o fim do movimento, nem política, nem espiritualmente. A dinastia de Jesus continuaria por mais de um século após sua morte. Mas, se é assim, como é que Tiago, o herdeiro dessa dinastia, tem sido quase inteiramente deixado de fora da história das origens cristãs - e, mais importante, - por quê? Tiago mal aparece na arte e iconografia cristãs. É como se sua própria existência tivesse sido completamente esquecida. No entanto, ele surge em uma história oculta, história surpreendente e inspiradora essa, com importantes implicações para o entendimento de Jesus e da causa pela qual ele viveu e morreu.” (pág, 261ss). “Devemos começar nossa procura de Tiago por um exame das fontes do Novo Testamento - já que foi a partir daí que sua memória foi extensamente apagada. Temos apenas um relato substancial da história dos primórdios do movimento cristão que se seguiu à morte de Jesus - o livro do Novo Testamento conhecido como Atos dos Apóstolos. O mesmo autor do evangelho de Lucas escreveu os Atos como um segundo volume de seu trabalho literário. O livro dos Atos é amplamente responsável pelo retrato oficial dos primórdios do cristianismo, em que Pedro e Paulo assumem papel tão
  • 21. destacado, e Tiago é amplamente deixado de fora. A apresentação dos Atos tornou-se a história, embora a versão de Lucas seja, é lamentável, unilateral e historicamente questionável. Lucas com certeza sabia, mas não estava disposto a afirmar que Tiago assumira a liderança do movimento após a morte de Jesus. Em seus capítulos iniciais, nunca sequer menciona o nome de Tiago e escala Pedro como o líder inconteste dos seguidores de Jesus. Mas seu maior objetivo no livro como um todo é promover a centralidade da missão e mensagem do apóstolo Paulo. Embora os Atos tenham 24 capítulos, uma vez introduzido o nome de Paulo no nono capítulo, o resto do relato de Lucas é inteiramente sobre ele - até Pedro começa a sair de cena. Mais do que Atos dos Apóstolos, o livro deveria se chamar A Missão e Carreira de Paulo. Isso não quer dizer que falte aos Atos valor histórico. Sem eles, teríamos uma compreensão bem inferior do desenvolvimento inicial do movimento cristão. Além disso, ironicamente, Lucas deixou de forma involuntária no livro dos Atos pistas que nos permitem verificar o que sabemos por meio de outras fontes, que Tiago, e não Pedro, tornou-se o legítimo sucessor de Jesus e líder do movimento. Precisamos aprender a ler o livro dos Atos cuidadosamente, conscientes durante todo o tempo do mal velado "viés" dado por Lucas à história, Lucas, mais do qualquer um dos outros evangelistas, marginaliza a família de Jesus. Lembrem-se, é de Lucas o evangelho que deliberadamente evitou até mesmo mencionar os irmãos de Jesus, muito menos dar nome a eles, embora sua fonte, Marcos, os tenha relacionado naturalmente como Tiago, José, Judas e Simão (Marcos 6:3). Só em Lucas, quando uma mulher na multidão que seguia Jesus gritou "Abençoado é o ventre que o carregou e os seios que o amamentaram", Jesus replica "Não, abençoados antes os que ouvem a palavra de Deus e a guardam" (Lucas 11:27-28). Até na cruz, quando Marcos diz simplesmente que "Maria, a mãe de Tiago e José", assim como Salomé, a irmã de Jesus, estavam presentes, Lucas muda isso para "as mulheres (não nomeadas) que o seguiram desde a Galiléia" (Lucas 23:49). (...). Na maior parte das vezes, Lucas seguiu Marcos bem de perto, como sua fonte, muito mais do que Mateus, que constantemente acrescentou suas próprias revisões editoriais. No entanto, Lucas se afastou de Marcos quando se tratava da mãe e dos irmãos de Jesus. Acho que ele fez isso para evitar que fossem suscitadas questões sobre a liderança de Pedro sobre os Doze ou a superioridade da missão de Paulo junto aos gentios. Uma edição tão ousada não poderia ser acidental; há algo muito importante em jogo aqui. Faz parte da intenção de Lucas reconfigurar a história do início do movimento de forma a dar a Paulo a primazia sobre outros rivais, incluindo Tiago. Mas que rivalidade era essa? Lucas era um gentio. Na realidade, era o único autor não judeu em todo o Novo Testamento. Ele enfatiza a versão gentia do cristianismo esposada por Paulo. Não pode negar que Jesus era judeu, ou que todos os seguidores originais de Jesus eram judeus, ou que o movimento cristão inicial, como um todo, era um movimento apocalíptico dentro do judaísmo, mas, escreveu em uma época, duas décadas após a rebelião judaico- romana, quando essas origens judaicas do movimento estavam ficando marginalizadas e sem ênfase, e a iminente esperança apocalíptica enfraquecera. Lucas também era a favor dos romanos. Paulo, seu herói, era cidadão romano, e ele desejava que seus leitores romanos gentios soubessem e valorizassem isso nele, olhando, portanto, favoravelmente para o crescimento do movimento gentio cristão. No relato do julgamento de Jesus, Lucas ultrapassa Marcos, sua fonte primária, para enfatizar que Pôncio Pilatos era um governante razoável e justo, que foi a extremos para conseguir a libertação de Jesus. Retira a referência do açoitamento de Jesus a mando de Pilatos e até omite a zombaria e os abusos sofridos por Jesus nas mãos da guarda
  • 22. pretoriana romana de Pilatos (Lucas 23:25). Segundo Lucas, ainda de acordo com a teologia de Paulo, Jesus não poderia ter morrido "esquecido por Deus", já que sua morte era parte do plano divino de trazer ao mundo o perdão dos pecados (Lucas 24:27). Lucas elimina o grito agonizante final de Jesus e, em seu lugar, faz com que Jesus reze diretamente pelos soldados romanos que levam a cabo sua crucificação, "Pai, perdoai- os, porque não sabem o que fazem" (Lucas 23:24). Lucas não estava escrevendo história; estava escrevendo teologia. Com isso em mente, devemos aceitar o que ele nos relata com extrema cautela, lembrando-nos o tempo todo de sua agenda em prol de Paulo e dos romanos. A perda da compreensão da dinastia de Jesus e sua substituição por uma memória cristã mais recente devem -se sobretudo ao livro dos Atos que, deliberadamente, suprimiu sua existência.” (pág. 263ss). “De acordo com os Atos, cerca de quarenta dias após a morte de Jesus, os 11 apóstolos se reuniram em Jerusalém, na Sala do Andar Superior, onde fizeram a última refeição com Jesus para escolher o sucessor de Judas. Lucas lista cuidadosamente os líderes presentes: Pedro, e João, e Tiago, e André Felipe e Tomás, Bartolomeu e Mateus Tiago filho de Alfeu, e Simão o Zelote, e Judas irmão de Tiago Acrescenta, então, cuidadosamente, uma definidora frase fatídica que serviu para marginalizar a família de Jesus por dois mil anos: "Todos esses [os 11] devotavam-se constantemente à oração, junto com certas mulheres, incluindo Maria, a mãe de Jesus, assim como seus irmãos." (Atos 1:13-14) Ao separar os 11 de "Maria, mãe de Jesus, bem como de seus irmãos", Lucas conseguiu efetivamente recolocar as coisas de forma que Tiago e os outros irmãos de Jesus não desempenhassem um papel de liderança nessa conjuntura crucial do movimento. São mencionados apenas de passagem, como que dizendo "Ah sim, por falar nisso, eles estavam presentes, mas na verdade não eram significativos". Mas é claro que Lucas se sentiu obrigado a registrar suas presenças. Ele não ousou bani- los completamente do relato sabendo, como sabia, do papel absolutamente crucial desempenhado por eles. É mais do que irônico que, ao listar os 11, ele mencione os nomes de Tiago, Simão, e até mesmo observe que Judas é o irmão de Tiago. Como veremos, o livro dos Atos foi escrito em torno de um inegável fato básico - Tiago assumira a liderança do movimento, e Simão, seu irmão, o substituiu após a morte de Tiago em 62 d.C. Lucas escreveu os Atos nos anos 90 d.C., pelo menos trinta anos depois da morte de Tiago, e sabia, seguramente, que Simão, também de linhagem real, tinha sucedido Tiago, e era chefe da igreja de Jerusalém, no momento mesmo em que Lucas escrevia. Lucas termina propositalmente seu relato no livro dos Atos com a prisão de Paulo em Roma, por volta de 60 d.C. Para ele, a história acaba aí - Paulo em Roma, pregando seu evangelho ao mundo gentio. Ao escolher essa data de corte, isenta- se da obrigação de registrar tanto a morte de Tiago quanto a sucessão de Simão, irmão de Jesus. A história de Lucas, nos Atos, tornou-se a história do cristianismo primitivo para as gerações subsequentes. O que ele escolheu não contar ficou esquecido. Não deixa de ser irônico que a primeira prova referente ao papel de liderança exercido por Tlago e os irmãos de Jesus, após sua morte, nos chegue diretamente de Paulo. Jesus
  • 23. foi crucificado no ano 30 d.C., e as cartas de Paulo datam dos anos 50 d.C. Não dispomos de registro para essa lacuna de vinte anos. Estes são os anos de silêncio na história do cristianismo primitivo. O que podemos saber precisa ser lido de trás para diante, a partir dos registros que sobreviveram. Felizmente, na carta de Paulo aos gálatas, escrita por volta de 50 d.C., ele retrocede há pelo menos 14 anos, ao recontar sua biografia. Isso nos fornece uma fonte pessoal primária original, a mais valiosa ferramenta com que um historiador pode trabalhar, cujo alcance chega à década de 30 d.C. Na carta aos gálatas, Paulo relata que, três anos após se juntar ao movimento, ele fez sua primeira viagem à Jerusalém, onde viu Pedro, por ele chamado de Cefas, seu apelido aramaico. Paulo ficou com ele durante 15 dias. Nessa ocasião, escreveu: "mas não vi nenhum dos outros apóstolos, com exceção de Tiago, irmão do Senhor" (Gálatas1:19). Não só chamou Tiago de apóstolo, como claramente o identificou como o irmão de Jesus. Os nazarenos, de forma compreensível, desconfiavam de Paulo, já que este, há tão pouco tempo, estivera à frente daqueles que os perseguiam, aliado dos próprios líderes que mandaram matar Jesus. Paulo viu Pedro, mas sabia que era essencial encontrar-se com Tiago, que estava no comando. Que Paulo tenha mencionado isso de passagem é ainda mais significativo, pois não precisa explicar a quem quer que seja as razões pelas quais teria se encontrado com Tiago.” (pág. 266s). “Como já expliquei, o Evangelho de Tomé foi descoberto no alto Egito, em 1945, nas cercanias da cidadezinha de Nag Hammadi. Embora o texto em si date do terceiro século, estudiosos demonstraram que ele preserva, a despeito de acréscimos teológicos posteriores, um documento original em aramaico que remonta aos primeiros dias da igreja de Jerusalém. Graças a ele, podemos ter um raro vislumbre do que os estudiosos chamaram de "cristianismo judaico", isto é, os primeiros seguidores de Jesus conduzidos por Tiago. Como vocês vão se recordar, o Evangelho de Tomé não é uma narrativa da vida de Jesus, mas antes uma lista de 114 de seus "ditos" ou ensinamentos. O de número 12 diz o seguinte: Os discípulos disseram a Jesus "Sabemos que vai nos deixar. Quem, então, será nosso lider?" Jesus lhes disse "Onde quer que ides, deveis ir a Tiago, o Justo, por quem o céu e a Terra passaram a existir:” Temos aqui uma declaração direta do próprio Jesus de que estava entregando a liderança e a direção espiritual do movimento a Tiago. A extravagante e categórica afirmação nos faz lembrar da homenagem conferida a seu parente João Batista, ao chamá-lo de "mais que um Profeta” e o maior "de todos os nascidos de mulheres" de sua geração. Devemos ter em mente que o Evangelho de Tomé, em sua forma atual, vem de um período mais recente, quando a questão "quem será nosso líder" tornara-se crítica para os seguidores de Jesus. A frase "onde quer que ides" implica que a autoridade e liderança de Tiago não se restringem à Igreja de Jerusalém ou mesmo à Palestina romana. De acordo com esse texto, Tiago, o irmão de Jesus, ficara responsável por todos os seguidores de Jesus. A frase "por quem o céu e a terra passaram a existir" reflete a noção judaica de que o mundo existe e se mantém por causa das extraordinárias virtudes de um punhado de indivíduos retos ou "justos". Tiago, o irmão de Jesus, foi designado "Tiago, o Justo", tanto para distingui-lo dos outros de mesmo nome quanto para homenageá-lo por sua posição preeminente. O Evangelho de Tomé nos fornece a prova declarada mais antiga e clara de que Tiago foi o sucessor de Jesus como líder do movimento, mas é confirmada por muitas outras fontes.
  • 24. Clemente de Alexandria, que escreveu no final do segundo século II d. c., é outra fonte primitiva que confirma essa sucessão. Em dado momento, escreveu: "Pedro, Tiago e João, após a ascensão do Salvador, não lutaram pela glória, porque tinham sido previamente homenageados pelo Salvador, mas escolheram Tiago, o Justo, para supervisor de Jerusalém". Em passagem subseqüente, Clemente acrescenta: ''Após a ressurreição, o Senhor [Jesus] concedeu a tradição do conhecimento a Tiago, o Justo, a João e a Pedro, que a deram aos outros apóstolos, e estes aos Setenta”. Esta passagem conserva para nós a estrutura hierárquica do governo provisório deixado por Jesus: Tiago, o Justo, como sucessor; João e Pedro como seus conselheiros à esquerda e à direita; o restante dos Doze; depois, os Setenta. (...). O que impressiona com relação a essas fontes é o modo como elas falam com uma só voz, embora procedentes de autores e períodos diversos. Os elementos básicos do quadro que preservam para nós são surpreendentemente consistentes. Jesus transmite a Tiago, seu sucessor, o governo da Igreja; Tiago é amplamente conhecido, até por Josefo, um estranho, devido a sua reputação de retidão tanto em sua comunidade quanto entre o povo; Pedro, João e o restante dos Doze consideram Tiago seu líder. Por causa do que hoje sabemos, temos condições de investigar o tipo de cristianismo que Tiago, o Justo, herdou de seu irmão, Jesus, e passou adiante, e o que a existência dessa dinastia de Jesus nos revela sobre a causa oculta e esquecida pela qual Jesus viveu e morreu. Mas antes de me dedicar a isso, precisamos olhar para Paulo. Sua influência dominante no Novo Testamento representa o maior desafio e qualquer tentativa de recuperar o legado da dinastia de Jesus.” (pág. 270ss). “Se Jerônimo está certo, e Paulo nasceu pouco antes de 4 a.C., ele teria idade próxima à de Jesus. É interessante pensar que tanto a família de Paulo como a de Jesus, vivendo a apenas alguns quilômetros de distância, foram afetados pelas rebeliões na Galiléia de modos diversos. Maria e José se mudaram para Nazaré, ou talvez tivessem sido exilados com o restante dos habitantes de Séforis, enquanto Paulo e seus pais foram, ao que parece, forçados a sair do país. É possível que essa origem galiléia de sua família possa lançar alguma luz sobre as ulteriores motivações de Paulo. Após testemunhar tamanha devastação e destruição desencadeadas por aqueles que, na Galiléia e na Judéia, procuravam se opor à Roma, talvez Paulo e família tenham aprendido a ficar bem mais complacentes com as realidades sociais e políticas de seu mundo romano. Na epístola de Paulo aos cristãos, em Roma, escrita por volta de 56 d.C., quando Nero era imperador, Paulo os instruiu a pagar impostos e honrar todos os funcionários romanos, incluindo o imperador, que, segundo ele, é o agente de Deus para sempre (Romanos 13:6). Isso é seguramente o oposto da mensagem pregada por Jesus. Como veremos, o "Reino de Deus" para Paulo era um reino espiritual, não na terra, mas no céu. Embora esperasse um juízo apocalíptico no futuro, aconselhava seus seguidores a se adaptar à sociedade, a ser bons cidadãos, e a esperar pacientemente até que Jesus aparecesse entre as nuvens do céu para levar seus seguidores para longe.” (pág. 275s). “Em torno do ano 36 d.C., Paulo teve uma experiência de "conversão" em que clama ter "visto" Jesus após sua ascensão. Disse ter recebido tanto uma revelação quanto um missão - que Jesus era o "Cristo" celestialmente exaltado e que ele, Paulo, deveria pregar as boas novas da salvação pela fé em Jesus ao mundo dos gentios. Começou a se ver, finalmente, como o décimo terceiro apóstolo, e se referia a si mesmo como o "Apóstolo dos gentios". Assim como Jesus escolhera seu Conselho dos Doze para chefiar o povo de Israel, Paulo reivindicava ter recebido a autoridade sobre o mundo dos
  • 25. não judeus ou gentios, para prepará-los para uma "Segunda Vinda" de Jesus como Messias, dessa vez, do céu. Há dois "cristianismos" inteiramente separados e distintos enraizados no Novo Testamento. Um deles é bem familiar e se tornou a versão da fé cristã conhecida por bilhões de pessoas ao longo dos dois últimos milênios. Seu principal proponente foi o apóstolo Paulo. Outro foi amplamente esquecido e, por volta da virada do primeiro século d.C., tinha sido efetivamente marginalizado e eliminado pelo outro. Até dentro dos documentos do Novo Testamento é preciso olhar cuidadosamente para detectar sua presença. Seu paladino não era outro senão Tiago, irmão de Jesus, líder desse movimento de 30 d.C. até sua morte violenta em 62 d.C. As duas versões da "fé" são marcadamente diferentes, tanto no que diz respeito aos valores quanto à prática. O conceito por trás da dinastia de Jesus, qual seja, o de que Jesus foi sucedido por uma série de líderes que eram seus irmãos, não diz respeito apenas à linhagem real e à genealogia, mas também a que versão da fé cristã melhor representa as crenças e ensinamentos originais de Jesus de Nazaré e João Batista - os fundadores do movimento messiânico. Não há muita dúvida de que o apóstolo Paulo foi aceito nos círculos mais íntimos dos seguidores de Jesus. De fato, no ano 58 d.C., ele foi preso e levado à presença do sumo sacerdote judeu Ananias, acusado de ser um "cabeça da seita dos nazarenos" (Atos 24:5). Segundo os relatos de Paulo, e também de Lucas, Tiago, o Justo, Pedro e João - os três "pilares" da igreja - conferiram a ele "o lado direito da parceria" e publicamente endossaram sua pregação missionária aos gentios do mundo romano (Gálatas 2:9). Foi aquilo que pregou e ensinou que começou a criar problemas. Paulo era judeu e, efetivamente, conforme seu próprio testemunho, na condição de fariseu que estudou em Jerusalém, "avançara no judaísmo" além de muitos de seus contemporâneos (Gálatas 1:14) Não há provas de que tenha chegado a conhecer ou ouvir Jesus. Se testemunhou os eventos que cercaram a crucificação de Jesus por ocasião da páscoa dos hebreus, em 30 d.C., jamais mencionou isso. Sua ligação com Jesus se baseava em suas próprias experiências visionárias, nas quais reivindicava ter "visto" Jesus vários anos após sua crucificação. Paulo acreditava que seu "chamado" foi pré-ordenado: "Ele me pôs de lado antes que eu nascesse e me chamou por meio de sua graça... para que eu pregasse o evangelho entre os gentios" (Gálatas 1:15-16). Alegava também ouvir uma "voz" desencarnada, por ele identificada como "palavras" de Jesus. Na verdade, orgulhava-se de sua pretensão - ao contrário de Tiago e o restante dos Doze, que conheceram Jesus segundo a carne - de ter recebido sua autoridade e missão diretamente do Cristo celestial, dispensando, assim, toda e qualquer aprovação ou autorização humana terrena. Como escreveu para seus seguidores gregos em Corinto: "De agora em diante, não conhecemos nenhum homem segundo a carne; mesmo tendo um dia conhecido Cristo segundo a carne, agora não o conhecemos mais assim" (2 Coríntios 5: 16). Paulo ensinou que Jesus era um ser celestial divino preexistente, criado como o "primogênito" de toda a criação de Deus. Existia sob a "forma de Deus" e era "igual a Deus" (Filipenses 2:6). Foi por intermédio de Cristo que Deus fizera o mundo existir. Em sua glória celestial, Cristo existiu antes de todas as coisas e foi glorificado e adorado pelas hostes celestes. Subseqüentemente, "esvaziou-se" e assumiu a forma humana, tendo "nascido de uma mulher" e sendo enviado ao mundo desde o céu. Seu propósito era viver sem pecado e morrer na cruz como redenção dos pecados do mundo. Segundo Paulo: "Para nosso bem [Deus] fez dele uma oferenda pelos pecados, ele que não conhecia pecado, de modo que por ele pudéssemos nos tornar a retidão de Deus" (2 Coríntios 5:21). Deus então ergueu Cristo dentre os mortos e tornou a transformá-lo em
  • 26. seu glorioso corpo celestial. Cristo ascendeu ao Céu e se sentou, em poder e glória, à direita de Deus. Assim, Deus pôde "reconciliar" um mundo pecaminoso, tanto de judeus quanto de gentios, consigo mesmo. Segundo Paulo, aqueles que aceitaram o sacrifício de redenção do sangue de Cristo foram perdoados de todos os pecados e receberam o "dom" da vida eterna. Acertaram as contas com Deus pela fé e não pelas boas ações. Paulo esperava que ele e a maior parte de seus seguidores vivessem para ver Cristo voltar do céu em poder e glória. Paulo escreveu que Jesus lhe ensinara que os seguidores deveriam reencenar "a ceia do Senhor", na qual beberiam vinho como se fosse o "sangue de Jesus" e comeriam pão como se fosse seu "corpo", sem o que não poderiam escapar do juízo. Alegou que a observância imprópria dessa refeição sagrada poderia causar doença e até mesmo a morte.” (pág. 278ss). “Paulo foi algumas vezes acusado de desenvolver sua versão do cristianismo a partir de idéias helenísticas ou "pagãs", como se tivesse que buscar fora do judaísmo sua inspiração. Isso, na verdade, é uma concepção equivocada, a partir de uma visão muito simplificada das várias formas de judaísmo do mundo romano. Temos muitos textos judeus anteriores a Paulo que já tinham começado a desenvolver uma orientação dualista com referência ao mundo celestial, fazendo especulações sobre os níveis do céu, as hierarquias de anjos e demônios, os ritos mágicos, a vida após a morte em domínios espirituais invisíveis, com recompensas e castigos e glorificação celestial. Mesmo idéias especulativas relacionadas a figuras cósmicas redentoras preexistentes, cujos domínios são mais celestiais do que terrestres, não são desconhecidos. Paulo desenvolveu suas concepções de "cristologia" baseado em suas próprias experiências místicas, mas também deve ter sido capaz de esboçá-las a partir de um conjunto complexo de tradições especulativas judaicas.” (pág. 280). “Os aspectos mais inquietantes do "evangelho" místico de Paulo, para os membros do movimento messiânico inaugurado por João Batista e Jesus, eram sua concepção da natureza temporal da Torá ou Lei Judaica e uma redefinição "espiritual" de quem constituía o povo de Israel. O judaísmo no mundo romano era bem diferente, mas em todas as suas formas sempre houve dois elementos comuns: o lugar central ocupado pela Torá e a crença de que o povo de Israel era a nação eleita de Deus. A Torá foi revelada por Deus a Moisés e, como tal, representava uma eterna aliança que unia o povo de Israel, ou seja, os descendentes de Abraão, Isaac e Jacó. O último dos Profetas hebreus, Malaquias, fechara seu livro com as palavras "Lembrem-se da Torá de meu servo Moisés", seguidas da promessa de enviar "Elias" com sua mensagem de arrependimento antes do grande dia do Juízo. A observância da Torá e a expectativa do fim dos dias estavam intrinsecamente ligadas. No começo dos anos 50 d.C., Paulo começara a propor uma versão de sua nova "fé em Cristo" que requeria a ab-rogação essencial da fé judaica, repudiando a validade da revelação divina da Torá e redefinindo "Israel" como todos os que tinham fé em Cristo. A Israel "segundo a carne", como diz Paulo, já não era verdadeiramente "Israel'. Jesus e João Batista tinham vivido e morrido como judeus fiéis à visão do destino histórico de Israel, tal como declarado por todos os Profetas hebreus. O movimento nazareno, conduzido por Tiago, Pedro e João era, por qualquer definição histórica, um movimento messiânico dentro do judaísmo. Até a expressão "cristianismo judaico': embora talvez útil como descrição dos seguidores originais de Jesus, é, de fato, uma denominação equivocada, já que eles nunca se consideraram outra coisa que não judeus fiéis. Nesse sentido, o cristianismo primitivo é judaico.