Susana Baca é uma cantora e compositora peruana reconhecida mundialmente, mas pouco conhecida no Brasil. Ela se apresentou em Belo Horizonte e encantou-se com a cultura e as artes brasileiras. Baca discute seu processo criativo e as dificuldades em divulgar sua música no Peru, além de expressar suas opiniões políticas e admiração por cantoras brasileiras.
O QUE SERÁ DO RIO QUANDO A FORÇA NACIONAL FOR EMBORA?
Susana Baca
1. Plural Música2 plural@hojeemdia.com.br - HOJE EM DIA, BELO HORIZONTE, DOMINGO, 3/4/2005
BRUNO MORENO
REPÓRTER
D
e las Montanhas é o
último sobrenome de
Susana Baca, sem uso
há muito tempo. Entretanto,
a peruana não perdeu seu
apego às montanhas, sua li-
gação com a natureza. Pelo
contrário. Em entrevista ex-
clusiva ao HOJE EM DIA, no
25º andar de um hotel no
Centro de Belo Horizonte,
Susana não tirava os olhos
das montanhas que contor-
nam e protegem a Região
Metropolitana de Belo Hori-
zonte, horas antes de se apre-
sentar para uma multidão
que lotou o Palácio das Artes
(PA), na quinta-feira, 17 de
março.
Susana veio à cidade
convidada para participar do
restrito 5º Encontro Interna-
cional de Performances, e en-
cantou-se com a cultura e as
artes brasileiras. Acompa-
nhada da ótima e eclética
banda - formada pelos músi-
cos Sergio Valdeos/guitarra,
Juan Medrano/cajon (caixa),
Hugo Brabo/percussão; Da-
vid Pinto/contrabaixo; Nilo
Borges/violino -, levantou o
público, que não se conteve
às cadeiras, indo dançar nas
laterais, direcionados, não só
pela música, mas também
pelo exemplo de Susana, que
não parou quieta um segun-
do no palco.
Baca admitiu, no meio da
apresentação, que elaborou
um repertório muito femini-
no. Mas os homens não
acharam nada ruim. Um
misto de surpresa, euforia e
realização na platéia. Até
mesmo o renomado cantor,
compositor e músico Fer-
nando Brant, que subiu ao
placo para chamá-la, nunca
tinha visto Baca ao vivo e não
escondeu sua ansiedade.
Mas quem conhece Susa-
na Baca? No Brasil, poucos.
Pouquíssimos. O mais im-
pressionante é que a cantora,
intérprete e compositora
(além de exímia dançarina), é
reconhecida mundialmente,
e já ganhou um Prêmio
Grammy em 2002, categoria
World Music. Susana se equi-
para, no mínimo, a Clarice
Lispector (escritora), Nina Si-
mone (cantora) e Elis Regina
(cantora).
Trabalhos e trajetórias di-
ferentes, mas uma coisa em
comum: não são usuais e sa-
bem (ou souberam) emocio-
nar muito quem teve acesso
às suas obras. São mulheres
que marcaram sua passagem
pela Terra. Com uma mobili-
zação política, mas sem “per-
der a ternura”, Susana é, sem
dúvida, uma expressão de ar-
dor e amor, revolta e flores.
Ela mora na pequena ci-
dade costeira de Chorrilos,
no norte do Peru, e viaja
constantemente, mas garan-
te ter tempo para a família e
diz valorizar muito esses mo-
mentos, principalmente
quando encontra com seu
mais novo neto, de dois me-
sesdeidade.Abaixo,umpou-
co dessa mulher, que revela a
idade, mas pede sigilo.
ENTREVISTA SUSANA BACA
Emoçãoeraízeslatinasemestadopuro
Confesso que conheci a obra da senhora
ontem e, sinceramente, fiquei impressionado
com o tanto que estava perdendo. Perguntei a
várias pessoas e ninguém a conhecia. Qual o
problema com os brasileiros em relação à sua
música? Isso é um problema, quase o mesmo
que existe em toda a América Latina. Às vezes,
mais facilmente conhecem nosso trabalho na
Europa, nos Estados Unidos, do que em nosso
país, ou nos países próximos. Penso que tenho
muita ilusão cada vez que tenho que vir ao
Brasil, por que penso que é mais perto de al-
guma forma. Mas não é bem assim. Meus dis-
cos não são encontrados nem ali no Conser-
vatório (UFMG).
Toninho Horta, um músico de Belo Hori-
zonte, tem mais discos fora do Brasil. A senho-
ra ganhou um prêmio em 1971, no Peru. Este
prêmio ajudou a projetar seu trabalho inter-
nacionalmente? Não, foi um prêmio muito
bonito. Eu estava começando e também o
Manduka estava lá, o filho deThiago de Mello,
que também estava lá. Tive a sorte de cantar
para um festival de poesia, mas o prêmio não
influenciou diretamente.
A senhora foi professora?
Sim, me formei como professora (magis-
tério) e trabalhei como professora.
Como foi mudar da escola para os palcos?
Bem, o canto estava desde pequena, en-
tão, teria que fazê-lo em algum momento de
minha vida (risos). Era imperativo.
Como seus alunos vêem suas músicas?
Meus alunos são meus maiores ouvintes e os
mais críticos. Eles cresceram muito e alguns são
músicostambém.Émuitolindomostrar-lhesalgo.
Em sua música há uma presença muito
forte da cultura dos negros da América His-
pânica. Com é seu processo de construção
das músicas? Como funciona isso?
Eu penso que a música me cativou de al-
guma forma. A música chegou para mim e
moveu algo dentro de mim. Eu escutava desde
pequena. Então, quando eu as canto, já não
são as mesmas canções, felizmente. Seria ter-
rível se fossem!! Eu me contaminei com outros
sons de outras coisas para expressá-la. Um
trabalho criativo que gosto muito é unir todas
as coisas que me lembro. Sai do fundo do ou-
vido e então posso fazer uma canção. Vamos
fazer assim, arrumar assim.
E qual é a influência em seu trabalho de
músico(a)s peruano(a)s, comoYma Sumac?
Eu tive a sorte de conhecê-la e de vê-la
cantar, mas quase não há influência, pois ela
foi embora do Peru muito cedo. Como todos
os artistas que saem de seu país para buscar
trabalho do outro lado. Aqui no Brasil não é
bem assim. Aqui, os artistas têm sua gente que
o segue, seu público que vai vê-lo, não? Que
compra os discos. Nós não somos assim. Os
peruanos estão olhando sempre os que vêm
de fora. Agora há uma tendência para ver o
que está passando dentro do país. Mas os
grandes meios de difusão ainda estão muito
comprometidos em difundir a música de fora.
E Oxalá que seja uma música boa, é péssima,
é a pior!! Meu Deus!!
Masqualéoproblema,porqueissoacon-
tece?
O problema é que vemos com muito entu-
siasmo o de fora, desde pequenos. Pensamos
que o nosso não vale o suficiente.
Quando vai para fora faz sucesso dentro
do país?
Sim, então a coisa vem de fora. Poucas
pessoas foram em minhas apresentações.
Acreditaram em meu trabalho. Eu nunca gra-
vei um disco em meu país. Tive que criar um
selo alternativo para gravar minhas canções.
Ninguém se interessou. Então temos que dizer
(para as gravadoras): Escutem isso!!! É interes-
sante!!! Agora se rompeu a barreira entre o que
eles crêem que as pessoas gostam e o que que-
rem vender. As pessoas estão aqui (gesticulan-
do), e o artista está ali (do lado oposto). As gra-
vadores ficam no meio. Não se pode chegar a
eles. Me lembro de como foi difícil. Agora, pa-
ra mim, a barreira sumiu. Pelejamos muito pa-
ra chegar neste nível. Agora temos cinco músi-
cos lançados pelo selo.
O que a senhora acha dos músicos brasi-
leiros? Eles aparecem em seu trabalho?
Tenho escutado muito Gil, Caetano, Maria
Bethânia, Gal Costa, João Bosco, Milton, Elis
Regina e agora gosto muito de escutar sua filha
(Maria Rita). Eu dividi o palco com Bebel Gil-
berto em um festival de Jazz em Nice (França).
Cantaram juntas?
Não, foi em dias diferentes.
Em seu disco Espirituvivo (2002) tem uma
manifesto, que fala sobre o 11 de setembro,
para partir uma reflexão sobre como o canto
pode vencer a dor e a morte. Seria uma busca
de entendimento entre os homens. É possível
unir a arte com a manifestação política, ou o
manifesto é apenas uma evocação para a vida?
A música tem uma força em si. Às vezes
pode curar, pode mobilizar também. E, às ve-
zes, não é somente a música, é a trajetória do
artista. Por exemplo, os produtos subsidiados,
nos países de primeiro mundo estão matando
de fome os camponeses. No Brasil, no México,
no Peru, na Colômbia e há problemas muito
sérios. Há vários artistas comprometidos ago-
ra, em dizer que não se pode oprimir mais es-
sa gente que já não tem do que viver. Meu país
está em crise. E eu tenho a responsabilidade
de sair, falar sobre isso, em respeito à minha
trajetória como artista. Eu acredito que sim, a
música mobiliza. E os artistas cada vez têm
mais peso. Suas palavras, sua presença, sua
atitude. A arte é assim. Por isso estamos neste
encontros sobre performances (5º Encontro
Internacional de Performances).
Comoasenhoraviuosatentadosde11de
setembro?
Eu vivi, estive em Nova Iorque à época do
11 de setembro e sofremos muito. Vimos as
pessoas e suas dores. Tínhamos que fazer
apresentações e nos ensaios era muito difícil.
As pessoas sentiam que a música era um bál-
samo para suas vidas. Entretanto, em pouco
tempo, vimos os soldados americanos no Afe-
ganistão. E era uma situação incompreensível.
Oestadomaisaltodohomemécompreendera
vida e compreender que não se pode, em uma
vingança, tomar a vida de inocentes!! Destruir
um povo porque se pensa que os criminosos
estão lá ??!!! Foi muito decepcionante. Tão de-
cepcionantequeemalgunsmomentoscheguei
a pensar que a música não serve para nada.
OlhequeaconteceudeproveitosoemBe-
lo Horizonte?
O povo brasileiro é muito aberto, com vi-
da. E tem muito de arte, dança, teatro, foto-
grafia, música.Tudo o que fazem é maravilho-
so. Eu gostaria de conhecer Lavras Novas
(uma antiga comunidade quilombola, próxi-
ma a Ouro Perto, distante 120 quilômetros de
Belo Horizonte). Para mim, a história dos
Afro-Americanos - somos todos Afro-Ameri-
canos, não apenas os da América do Norte - é
fundamental. Tenho a intenção de conhecer
tudo isso. Qual era o país em que mais chega-
vam negros? Cuba e Brasil. Gostaria de conhe-
cer Ouro Preto também. Como disse Eduardo
Galeano (historiador uruguaio, autor de As
Veias Abertas da América Latina), os lugares
mais ricos da América eram uma desgraça pa-
ra as pessoas. Porque ali o conquistador foi se
apoderar de todas as riquezas que havia. Co-
mo em Potosí (cidade Boliviana de onde, reza
a lenda, foi retirada tanta prata que podería-se
construir uma ponte de lá até Madri, na Espa-
nha), uma das cidades mais pobres que co-
nheço.
É possível um equilíbrio entre as culturas
tradicionais e sociedade de hoje?
Dos indígenas foi retirada a terra. Os Afro-
Americanos foram desnaturalizados. Não res-
peitaram os indígenas, queriam ocupar a terra
deles. Aí quando o mundo inteiro começou a
falar na proteção do meio ambiente percebe-
ram que era importante proteger os indígenas
também.
Dia oito de março foi o Dia Internacional
da Mulher. Quando estudava sua história e
ouvia suas músicas, pensei que, se existissem
mais mulheres como a senhora, não seria ne-
cessário um dia para lembrarmos da impor-
tância delas.
Eu tenho uma grande admiração pelas
mulheres dos povos, por exemplo, no Peru, os
povos mais pobres, que criaram um sistema
de sobrevivência, o restaurante popular. Essa
mulheres, eu as sinto tão importantes. São co-
mo um glória para mim.
São as mais lutadoras?
Não só isso. Organizaram um sistema de
sobrevivência, foram ao Parlamento e conse-
guiram leis a favor dos restaurantes populares.
O governo havia ignorado, mas elas não desis-
tiram. Eu fui aos restaurantes populares can-
tar, e elas dançavam. Elas são admiráveis. Eu
não conheço as mulheres do Brasil, mas ima-
gino que as lutas sejam parecidas.
Existem tantas cantoras excelentes no
mundo. Como é disputar com tantas assim?
É bonito, porque às vezes juntamos as vo-
zes. Me lembro de Margareth Menezes. Nunca
cantamos juntas, mas o que cantamos se jun-
ta para algo bom. AVirgínia Rodrigues, me en-
contrei com ela na Itália, cantamos músicas
religiosas, porque é nossa crença. Há muito
também para aprender de outras mulheres,
comoVioleta Parla, Mercedes Sousa.
Já cantou com alguma brasileira?
Não cantei com brasileiras. Aconteceu de
aparecermos no mesmo programa, um dia
antes, um dia depois. Com Margareth (Mene-
zes), em Londres.
Há algum plano de cantar com algum
brasileiro?
SB: Me encantaria gravar um disco do que
aconteceu em outubro (de 2004), quando Gil-
berto Gil nos convidou a participar dos Quatro
Cantos, com uma artista portuguesa, que não
melembroonome,eumartistaangolano,cha-
mado Flores. Nós três e Gilberto cantamos mú-
sicas nossas e depois, juntos, cantamos Estrela.
Há algum plano de cantar novamente no
Brasil?
Sim, vou a Corumbá (Mato Grosso), no
Festival Latino Americano de Música., no final
de maio.
Quem escuta sua música?
Eu gostaria que fossem todos. Mas so-
bretudo os músicos escutam meu trabalho.
E as pessoas vão e se emocionam. Uma vez,
depois de uma apresentação, quando a
Guerra do Iraque (2002) havia acabado de
ser declarada, eu estava na Europa, tinha
que me apresentar, e fiz o concerto. Um ami-
go, que ficou na porta, durante a saída do
público, me disse que todos saíram com um
sorriso nos lábios.
Gostariadedeixarumrecadoparaosbra-
sileiros?
Quero voltar, quero voltar. E gostaria de
organizar um encontro em uma terra dos es-
cravos no Peru e quero levar Gilberto Gil para
participar.
“ÀS VEZES, MAIS FACILMENTE CONHECEM NOSSO
TRABALHO NA EUROPA, NOS ESTADOS UNIDOS,
DO QUE EM NOSSO PAÍS,
OU NOS PAÍSES PRÓXIMOS”
“TENHO ESCUTADO MUITO GIL, CAETANO, MARIA
BETHÂNIA, GAL COSTA, JOÃO BOSCO, MILTON, ELIS
REGINA E AGORA GOSTO MUITO
SUA FILHA (MARIA RITA)”
“QUERO VOLTAR, QUERO VOLTAR. E GOSTARIA DE
ORGANIZAR UM ENCONTRO EM UMA TERRA DOS
ESCRAVOS NO PERU E QUERO LEVAR
GILBERTO GIL PARA PARTICIPAR”
RENATO COBUCCI