O documento descreve a obra e o autor Eça de Queirós em três partes: 1) Abordagem de temas cotidianos e crítica social nas obras de Eça; 2) Três fases distintas na obra de Eça marcadas por temas como realismo e naturalismo; 3) Sinopse do romance "A Cidade e as Serras" com ênfase na crítica da civilização versus a vida rural.
1. O autor:
Principais temas: Abordou, em suas obras, diversos temas. Porém, podemos observar
algumas características comuns em seus romances, como, por exemplo, abordagem de
temas cotidianos, descrição de locais e comportamento de pessoas, pessimismo, ironia e
humor.
Principais características: A crítica literária costuma identificar três fases distintas na
obra de Eça de Queirós:
->Eça de Queirós: Romântico (1ª Fase)
-Romancista histórico: Prosas Bárbaras (folhetins, crônicas etc).
->Eça de Queirós: Realista-naturalista (2ª Fase)
-Análise crítica e sarcástica sobre a burguesia de Lisboa.
-Descritivista, detalhista: impressionista, exceção feita às caricaturas expressionistas.
-Ambientes: conformam o caráter dos indivíduos e das instituições.
-Tipificação de cenas e de personagens.
-Reformador social: anticlerical, anti-burguês, anti-romântico e antimonárquico.
-Crítica à hipocrisia e à degradação è valores, comportamentos, instituições.
-Obras:
1. O Primo Basílio
2. O Crime do Padre Amaro.
->Eça de Queirós: Filosófico / Esteticista (3ª Fase)
-Filosófico.
-Idealista.
-Moderado.
-Recuperação do Passado Histórico.
-Retorno ao Romantismo Otimista.
-Esteticista: descrições impressionistas.
-Obras:
1. A Cidade e as Serras
2. A Ilustre Casa de Ramires
Contexto Histórico:
-Crise da política e da economia colonialista;
-Regeneração: tentativa de recolocar Portugal na economia e política e internacional;
-Investimentos no Campo e no Comércio: insuficientes;
-Indústria inexistente;
-Desenvolvimento da imprensa: jornais, revistas, literatura etc.;
-Influência francesa;
-Influência do Positivismo.
2. Realismo/Naturalismo em Portugal:
-Método: observação, descrição minuciosa, relatos objetivos, análise crítica da realidade
(Positivismo);
-Influências: Psicologia e Psicanálise; Biologia, Darwinismo, Determinismo e
Evolucionismo; Socialismo Utópico; Pessimismo Filosófico;
-Tipificação crítica;
-Geração 70: Questão Coimbrã e Palestras no Cassino Lisbonense;
-Levantamento crítico e irônico: sociedade burguesa de Lisboa.
A obra:
-Parece constituir o desenvolvimento do conto A Civilização, do autor.
-16 capítulos: 07 capítulos iniciais e parte do oitavo (vida de Jacinto em Paris) x parte
do oitavo capítulo e 07 capítulos finais (a mudança de Jacinto para Tormes).
-Antítese entre 1º e 2º bloco de enredo.
-Teses:
-A superioridade da vida rural sobre a civilização urbana (bucolismo).
-A desumanização do homem pelas cidades (mal estar da civilização).
-O retorno às qualidades da terra nativa e às raízes nacionais.
-A romantização e idealização da natureza e o enobrecimento do burguês.
-A humanitarismo despertado pelo contato com as origens.
*Foco narrativo:
-> Narrador em 1ª pessoa:
-Narrador-testemunha: a personagem principal registra os acontecimentos sob uma ótica
individual, mas como é personagem secundário da trama não há uma sobrecarga de
emoções na narração.
-Narrador-personagem: além de contar a história em primeira pessoa, faz parte dela,
sendo por isso chamado de personagem. É marcado por características subjetivas,
opiniões em relação aos fatos ocorridos, sendo assim uma narrativa parcial, já que não
se pode enxergar nenhum outro ângulo de visão. A narrativa é dotada de características
emocionais daquele que narra. Esse tipo de personagem tem visão limitada dos fatos, de
modo que isso pode causar um clima de suspense na narrativa. O leitor vai fazendo suas
descobertas ao longo da história junto com a personagem.
*A linguagem:
Características: A linguagem é formal. Há o uso de expressões simples e sem
convencionalismos. Utiliza palavras e expressões da época (1900) como “que maçada” e “que
seca” que significam “que chateação”. É uma linguagem de crítica à sociedade da época,
principalmente à civilização e às pessoas que moram nas cidades, que levam uma vida de
ilusões. Eça critica Paris (cidade) e elogia muito a vida campesina e as belezas naturais de sua
terra (Portugal). Sua linguagem vai assumindo um registro cada vez mais pessoal, terminando
por ser marcadamente impressionista, muito distante da objetividade exigida ao romance
realista-naturalista típico. A linguagem do livro “A Cidade e as Serras” também é caracterizada
pelo uso de figuras de linguagem, pelo discurso direto e indireto. Foram utilizadas figuras de
linguagem como: a metáfora, a catacrese, a comparação, a antonomásia e a antítese.
3. Personagens
Uma particularidade da personagem José Fernandes, está na importância que dá aos
instintos, sobrepondo-os à sua capacidade de sentir ou de pensar. Assim, tanto
desilusões amorosas quanto preocupações sociais são tratadas com almoços
extraordinários. Ao longo do romance ele procura provar o engano que as crenças
civilizatórias de seu amigo, Jacinto de Tormes, podem conduzir, embora o admire
exageradamente.
Jacinto de Tormes é filho de uma família de fidalgos portugueses, mas nascido e
criado em Paris. Se cerca de artefatos da civilização e de tudo o que a ciência produz de
mais moderno. Entretanto, o excesso de ócio e conforto o entedia, a ponto de fazê-lo
perder o apetite, a sede lendária, a robustez física e a disposição intelectual da
juventude. Levado pelas circunstâncias a conhecer suas propriedades nas serras
portuguesas, apaixona-se pelo campo, lá introduzindo algumas inovações. Mesmo em
contato com a natureza, Jacinto não abandona alguns de seus hábitos urbanos. Desenha
futuras hortas, planeja bibliotecas na quinta, traz banheiras e vidros desconhecidos dos
habitantes do lugar. Por fim, manda instalar uma linha telefônica nas serras, o que
comprova que no fundo não houve grandes modificações em suas crenças.
Ele representa não apenas uma crítica do escritor à ultracivilização, mas também a
utopia de um novo Portugal, uma nova pátria, capaz de modernizar-se, sem perder as
tradições e as particularidades nacionais. Trata-se, enfim, de um D. Sebastião atualizado
pelo socialismo e pelo positivismo. A trajetória percorrida pelo protagonista Jacinto de
Tormes deve-se em grande parte, às instâncias e insistências de José Fernandes, que ao
mesmo tempo é contador da história e um de seus personagens principais.
Os personagens ligados à vida no campo caracterizam-se por atitudes simples e
transparentes, embora tradicionalistas. Um exemplo pode ser o avó de Jacinto, Galião,
cuja ligação ancestral com o referido ambiente manifesta-se pela total devoção à realeza
absolutista, que o leva a abandonar Portugal depois da expulsão de D. Miguel.
Entretanto, a melhor representação desse grupo de personagens da obra pode ser
atribuída a Joaninha, a mulher por quem Jacinto se apaixona, graças a seus atributos
naturais e sua simplicidade de espírito. Na cidade havia outra Joana, sua amante, que era
superficial e tinha comportamento luxuoso, ao contrário de Joaninha;
Dona Angelina Fafes: Avó de Jacinto, o qual foi criado pela mesma, já que seu pai
havia morrido dias antes, casada com Dom Galião, que espirra funcho e âmbar em seu
berço, a fim de livrá-lo dos caroços e furúnculos que molestavam a família.
Cintinho – Pai de Jacinto, homem de saúde frágil e temperamento sombrio;
Grilo – O mais antigo criado de Jacinto, negro que desde a infância acompanha o
patrão. É simples e ignorante, porém consegue definir os estados de alma de Jacinto.
Havia sido levado a Paris por dom Galião.
4. O tempo da narrativa:
-Cronológico: 2ª metade do século XIX (2ª Revolução Industrial);
-Flashback: Flash back explica as origens da família do protagonista: Jacinto Galião,
rico e nobre proprietário rural em Tormes, muda-se para Paris com a mulher Angelina e
o filho Cintinho quando o infante D. Miguel, por quem nutria veneração, partiu de
Portugal em exílio. Morreu o velho Jacinto; anos mais Inicialmente, a tese de Jacinto de
que o homem civilizado é superior porque tarde (1851), Cintinho, crescido, rapaz de
saúde frágil, casou, e pouco conhece e domina melhor o mundo parece ser por ele
provada. Aos poucos, depois faleceu também, três meses antes do nascimento de seu
filho. cresceu forte, inteligentíssimo, cheio de dons e sorte. Tornou-se amigo de Zé
Fernandes que, expulso da Universidade em Portugal, viera estudar a Paris mandado por
seu tio. Concebe nessa época (1875), aos 23 anos, a idéia de “o homem só é
superiormente feliz quando é superiormente civilizado”, fase de apologia total à cidade
e ao progresso. Em 1880, entretanto, a pedido de seu velho tio, Zé Fernandes parte para
Guiães, sua terra natal, com pesar e natureza e ao próximo. horror de Jacinto, que
considerava Portugal a barbárie. Por lá ficou sete anos, até o falecimento do tio; voltou a
Paris.
-Os três tempos da narrativa:
O espaço:
-A cidade (civilização) x as serras (natureza): Na tradição da literatura ocidental, o
gênero bucólico ou pastoral sempre tratou da oposição entre a vida tranquila e sábia do
camponês e a vida urbana, cheia de agitação fútil. Para diferenciar o que ocorre no
gênero pastoral e nesse romance, é preciso entender os pressupostos daquela oposição.
Por que a vida no campo seria mais “sábia” que a vida na cidade?
O gênero bucólico, cultivado por inúmeros autores desde a Antiguidade, caracteriza-se
pela criação de um personagem lírico – um pastor fictício – cujo conhecimento provém
da contemplação minuciosa da natureza. Sua expressão poética será tanto mais eficaz
quanto mais transmitir o efeito de possuir duas qualidades principais: sabedoria e
simplicidade.
O conceito de sabedoria mudou muito no decorrer da história. Sem a pretensão de
aprofundar aqui os vários significados que a palavra teve, é interessante mostrar como
esse conceito se torna problema na obra de Eça.
O teórico Walter Benjamin definiu sabedoria como “a teoria entretecida na
experiência”, fórmula que desvaloriza tanto a ação que se promove sem o governo da
razão, limitada pela ignorância (simbolizada na figura do selvagem), quanto a teoria
desvinculada das ações e da vida sensível (simbolizada principalmente pela
informação);
Paris x Guiães e Tormes
-Crítica ao que é artificial: Há uma aproximação física que é compensada pela
distância ideológia, uma vez que José Fernandes estabelece com Jacinto uma relação
5. dialética: critica o mergulho desconsolado do amigo nos confortos artificiais da cidades,
mas também pondera sobre o fanatismo bucólico do protagonista na serra.
-O contraponto às ideias de Jacinto: Jacinto vivia infeliz em Paris (apesar de rodeado
por riqueza e desenvolvimento). Em dado momento, ele larga tudo e se muda para uma
região provinciana de Portugal, onde reencontra sua vitalidade. Essa transição marca o
contraponto entre as cidades e as serras.
Elementos:
-As teorias de Jacinto: Jacinto vive de acordo com sua teoria, acreditando que devemos
nos “cercar de civilização nas máximas proporções para gozar na máximas proporções a
vantagem de viver”, para o mesmo, a ideia de civilização não se separava da imagem de
uma enorme cidade “com todos os seus vastos órgãos funcionando poderosamente. O
resultado desse entusiasmo de Jacinto por Paris, porém, se revela desastroso. Zé
Fernandes retrata dessa forma a decadência do protagonista, de quem se havia separado
durante sete anos. Zé Fernandes, então, também se deixa levar por Paris, ao ser
dominado por uma paixão carnal pela prostituta Madame Colombe. O caso contraria as
teorias de Jacinto, expostas no começo do livro, segundo as quais o homem se tornava
um selvagem no campo. Nesse caso, foi a cidade de Paris que transformou Zé
Fernandes num escravo de seus instintos.
-O Príncipe da Grã-Ventura: Jacinto crescera sem sarampo ou lombrigas, distante de
todos os empecilhos da existência, cercado de mimos e cuidados. Os amigos, por isso,
chamavam-no de “Príncipe da Grã-Ventura”.
-O 202 dos Campos Elíseos: O narrador centraliza seu interesse na figura de um certo
Jacinto, descrevendo-o como um homem extremamente forte e rico, que, embora tenha
nascido em Paris, no 202 dos Campos Elíseos, tem seus proventos recolhidos de
Portugal, onde a família possui extensas terras, desde os tempos de D. Dinis, com
plantações e produção de vinho, cortiça e oliveira, que lhe rendem bem.
-Os ossos: Em Tormes, a capela que guardava os ossos da família cai durante uma
tempestade e precisa ser reconstruída; Jacinto promete a seu procurador que irá à
inauguração. E assim o faz, mas fora de época, antecipadamente. Antes de partir, envia
para lá os móveis, roupas e objetos de luxo, além de comida enlatada, mas esses, por um
mal entendido, se desviam para a Espanha.
-Elite x Povo: A Cidade e as Serras preconiza uma relação entre as elites e as classes
subalternas na qual aquelas promovessem estas socialmente, como faz Jacinto ao
reformar sua propriedade no campo e melhorar as condições vida dos trabalhadores. Por
meio do personagem central, Jacinto de Tormes, que representa a elite portuguesa, a
obra critica-lhe o estilo de vida afrancesado e desprovido de autenticidade, que enaltece
o progresso urbano e industrial e se desenraiza do solo e da cultura do país.
-A busca pelo equilíbrio: Pode-se afirmar que depois da tese (a hipervalorização da
civilização) e da antítese (a hipervalorização da natureza), o protagonista busca a
6. síntese, ou seja, o equilíbrio, que vem da racionalização e da modernização da vida no
campo.
-Reencontro com Portugal e a origem de Jacinto e um novo Portugal e um novo
português: Jacinto de Tormes, ao buscar a felicidade, empreendeu uma viagem que o
reencontrou consigo mesmo e com o seu país. Tal viagem, que concomitantemente é
exterior e interior, abarca a pátria portuguesa e se reveste de uma significação particular,
pode ser lida como um processo de auto-conhecimento: um novo Portugal e um novo
português se percebem nas serras que querem utilizam da cidade o necessário para se
civilizarem sem se corromperem.
-A “cor local”:
-Os desencantos de Zé Fernandes: Zé Fernandes, a partir daí, pôde observar com
maior atenção o amigo; suas intensas atividades o desgastavam e, com o passar do
tempo, constatou que Jacinto foi perdendo a credulidade, percebendo a futilidade das
pessoas com quem convivia, a inutilidade de muitas coisas da sua tão decantada
civilização. Nos raros momentos em que conseguiam passear, confessava ao amigo que
o barulho das ruas o incomodava, a multidão o molestava: ele atravessava um período
de nítido desencanto. Alguns incidentes contribuíram sobremaneira para afetar o estado
de ânimo de Jacinto: o rompimento de um dos tubos da sala de banho, fazendo jorrar
água quente por todo o quarto, inundando os tapetes, foi o bastante para aparecer uma
pilha de telegramas, alguns inclusive com um riso sarcástico, com o do Grao-Duque
Casimiro, dizendo que não mais apareceria pelo 202 sem que tivesse uma bóia de
salvação.
As reuniões sociais estavam ficando maçantes. Em uma recepção ao Grão-Duque,
jacinto já não agüentava o farfalhar das sedas das mulheres quando lhes explicava o uso
dos diferentes aparelhos, o tetrafone, o numerador de páginas, o microfone... O criado
veio lhe informar que o peixe a ser servido ficara preso no elevador e os convidados
puseram-se a pescá-lo, inutilmente, porque o peixe acabou não indo para a mesa, fato
que deixou ainda mais aborrecido o anfitrião.