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O Menino que Pensava Verde
    Conto inédito de Maria do Céu Nogueira


    Era uma vez um menino que vivia numa pequena, mas bonita cidade.
    Porém, como em todas as cidades, abundavam nela os prédios de cimento que
tapavam a brisa fresca e totalmente o azul dos céus. Os carros que ensurdeciam os ouvidos
com o ronco dos seus motores e tornavam o ar irrespirável. O bulício, a confusão e a
ansiedade.
    Em contrapartida, faltavam os espaços verdes e seguros para as crianças poderem
brincar à vontade.
     O menino gostava da cidade, mas sentia grande tristeza quando, a caminho da escola,
se cruzava com toda aquela poluição.
    - Quem me dera ver árvores! Árvores é que eu queria ver! Árvores de troncos grossos
e copas enormes e redondas, onde os passarinhos fizessem ninho e cantassem. Árvores –
palácios – cantantes! Era disso que eu gostava! E em vez dos roncos dos carros e
motorizadas, em vez de cheiros nauseabundos de óleos queimados, ouviria música e
sorveria ares lavados e sadios.
    Assim sonhava o menino a caminho da escola.
    Depois, estudando, executando tarefas, brincando com os colegas, ele esquecia as
suas preocupações.
    Mas elas voltavam-lhe à mente e ao coração no regresso a casa.
    - Quem me dera ver árvores! – repetia baixinho.
     Num dia em que assim falava consigo próprio, viu-se, de repente, no meio de uma
frondosa floresta. Árvores de troncos grossos e copas enormes e redondas iguaizinhas às
do seu sonho ansioso. E, escutando, o menino reparou ainda que elas eram
árvores-palácios-cantantes habitadas por milhares de pássaros que enchiam a floresta de
trinados e gorjeios.
    E o menino sentiu-se imediatamente feliz, ali, naquele momento. Só feliz. Sem tempo
para pensar na sua bonita, pequena, mas poluída cidade, nos seus colegas de escola, nos
seus estudos, na sua casa, na sua família. Só feliz, por estar ali naquele momento.
     Olhava à sua volta, extasiado. Aspirava, voluptuosamente, todos aqueles ares frescos e
puros, limpos e lavados. Ouvia, encantado, toda aquela música que provinha de lá de cima,
das copas frondosas, mas que o rodeava, enchendo todos os espaços. Ali não havia
silêncios nem vazios, nem ruídos incómodos ou cheiros nauseabundos. Havia apenas paz,
beleza, harmonia.
    Nisto, o menino deu-se conta de um cantar diferente dos cantares das árvores. Tão

                                                                                          1
melodioso e tão belo quanto eles, mas distinto.
    Lentamente, começou a caminhar ao encontro daquela nova música.
   Cruza-se com árvores de grandes e grossos troncos. Pisa erva tenra, minúsculas flores
e musgos fofos e verdes.
    Chega, agora, a um espaço amplo, sem árvores. Vê e ouve, bem no meio, jorrar uma
fonte. Por instantes, parece-lhe que é dali, daquele jacto que brota do solo e cai, depois,
em cascata rendilhada, que vem a voz. Sim, a voz. O menino tem agora a certeza que esse
outro cantar tão belo quanto o dos pássaros, mas tão distinto, é de voz humana.
Aproxima-se mais. Surpreso, vê, de repente, um vulto de menina, meio de lado, meio de
costas, sentada numa pedra. Com os pés descalços, chapinha na água que jorra da fonte e
que parece cair-lhe por cima. O menino acha mesmo que cai. Ele vê a água tombar sobre
os cabelos longos e negros e sobre os vestidos brancos e longos da menina. Mas a verdade
é que ela não está molhada. O menino espanta-se mais e mais. E cogita:
    - Como é isto possível? Esta água não molha?
    De repente, veio-lhe ao pensamento a ideia de que deveria estar a sonhar. Ele sabia
que nos sonhos tudo é possível. E sabia ainda que quando as coisas estavam a correr bem
ou quando se estava a ponto de descobrir determinado mistério, acordava-se e pronto,
tudo acabava.
    Então o menino ficou cheio de medo de estar a sonhar. Cheio de medo de acordar de
repente e ficar sem entender aquela água misteriosa que caía sobre a menina e a deixava
sequinha.
    - Depressa – começou ele a pensar. Vou aproximar-me depressa antes que o sonho se
acabe.
    Coloca-se, então, em frente da menina. Ela olha-o e sorri-lhe e pára de cantar. Era
linda! Muito branca, tão branca quanto os vestidos. E o cabelo muito comprido e muito
negro. Os olhos, verdes como as mais verdes esmeraldas. A boca rosada e risonha. O
menino quer falar-lhe, mas recorda-se de como é nos sonhos.
    - Se falo, já sei que acordo antes que ela me responda. Não é melhor ficar calado e
gozar este momento em que me sinto tão feliz?
    Então, surpreso, ouve a voz da menina.
    - Sei que pensas que estás a sonhar e não queres falar comigo, porque receias acordar
e que tudo isto desapareça. Não é verdade?
    - É. É verdade. Mas como o sabes tu, se eu o disse apenas a mim mesmo?
    - Sei, porque sou uma fada. Adivinho tudo o que as pessoas pensam e até o seu futuro.
Neste momento sei que te intriga o facto de eu estar aqui debaixo da água e não me
molhar.
    - É verdade também. Acho isso a coisa mais espantosa que já vi – respondeu o menino.

                                                                                          2
- Não é tão espantoso assim, já vais entender. Parece-te que a água cai no meu corpo,
mas isso não passa de uma ilusão dos teus olhos. Na verdade, a água não me toca. As fadas
têm o condão de afastar todas as gotícolas, à sua volta, e nenhuma as atinge.
     - Queres dizer que as fadas nunca se molham, mesmo que mergulhem nas águas dos
rios e dos mares?
     - É como dizes. Aliás, aproveito para me apresentar. Eu sou a fada Esmeralda e vivo
permanentemente num lago de águas transparentes donde jorra este repuxo que tanto te
intriga.
    - Vives num lago? Mas eu não vejo lago nenhum!
    - Está debaixo desta pedra e é invisível aos olhos humanos. Só as fadas o vêem. Sabes,
se os homens vissem o meu lago, conspurcavam-no de imediato: sujavam e enegreciam as
águas, enchiam o fundo e a superfície de papéis e outros objectos estranhos, enfim,
tornavam-no impróprio para qualquer vida, mesmo de fada. Então o lago existe, mas está
encantado, como encantadas estão todas as coisas nesta floresta. Nela vivem muitas fadas
como eu.
     - Espera, não percebo muito bem – atalhou o menino. Dizes que a floresta está, toda
ela, encantada? Então estas árvores, estas flores, estas pequenas plantas e estes pássaros
não são reais?
    - Eu não sei o que é real para os seres humanos. Claro que são reais. Tudo isto existe,
porque tu o vês, mas têm outra realidade que tu não podes ver.
    - Bem, eu penso que o real é só um. Quer dizer, as coisas existem ou não. Se existem,
são reais. Só não são reais se formos nós a inventá-las. Tu não pretendes afirmar que
aquilo que imaginamos é real, pois não?
     - Pretendo, sim. É isso mesmo que estou a querer dizer-te. Esquece essas teorias que
aprendeste como certas e infalíveis. O imaginado é também real, embora goze de uma
realidade diferente da dos seres que nos rodeiam. O que imaginamos é só nosso. Existe
apenas porque o pensamos.
     - Tu estás a querer dizer que esta floresta, como todas as árvores e os pássaros, só
existem porque eu os pensei e desejei?
    - Exactamente. Agora vejo que compreendeste.
    - E que, se eu deixar de pensar em tudo isto, deixar de o desejar e amar, tudo
desaparece? – continuava o menino, cada vez mais surpreendido.
    - Isso mesmo! É muito bom o teu raciocínio!
   - Assim sendo, como explicas a tua própria existência? Eu não a conhecia. Não pensei
nunca em ti nem desejei ver-te. No entanto, mesmo sem te pensar, tu estás aqui a falar
comigo.
    A fada ria e batia palmas com euforia evidente.

                                                                                          3
- Mas que menino esperto que tu és! Como adivinho, eu já sabia que me ias pôr essa
questão. Estava até a estranhar a demora. Mas vou, então, satisfazer a tua curiosidade: eu
faço parte de todo este conjunto harmonioso que tu tanto desejaste conhecer. Com as
outras fadas minhas irmãs, sou guardiã deste tesouro de verdura, beleza e pureza, para o
mostrar a meninos sonhadores e inteligentes como tu. Vários aqui têm vindo e todos com
a tua ansiedade e preocupação. Nunca aqui vi nenhum adulto. Eles não pensam nestas
coisas e nunca sonham.
     - Estou a entender-te, linda fada, embora com alguma dificuldade. Que aconteceria se
eu contasse aos meus pais e à minha professora, por exemplo, que estive aqui e lhes
falasse de tudo isto?
     - Chamar-te-iam sonhador ou até mentiroso. Talvez te castigassem, pensando que
faltaste à escola e andaste na brincadeira.
    - E então, diz-me ainda: como hei-de agir para que tu e tudo isto não desapareçam
para sempre? Quer dizer, eu até queria pôr-te uma outra questão: que poderei fazer para
que tudo passe do real imaginado ao real concreto?
     A fada entristeceu. Baixou os braços desalentada, encolheu os ombros e ficou calada
por instantes.
    - Não é tarefa fácil, podes crer. Os homens estão a destruir, todos os dias, este planeta
que todos habitamos. A degradação atinge, a cada momento, proporções mais
assustadoras. Por este caminho, em breve deixará de haver vida na Terra. Somente um
milagre a poderá salvar e esse milagre só pode ser operado pelas crianças. Os homens,
grandes agentes destruidores, têm-se mostrado inoperantes nos frágeis esboços de
remediar um mal tão irresponsavelmente causado. Já baixam os braços. Já se conformam
com a irreversibilidade do processo.
    - Mas eu queria ajudar – interrompeu o menino. Sinto que posso. Ensina-me o que
devo fazer.
    - Continua a pensar. Não deixes de sonhar com toda esta beleza. Cresce e permite que
ela cresça dentro de ti. Faz-te homem. Um homem diferente de todos esses que por aí
andam. E então, quem sabe? Tu e todas as outras crianças, um dia já adultos, talvez saibam
construir um mundo melhor e remediar os males presentes. Se ainda for a tempo...
   O repuxo, que tinha parado de jorrar sem que o menino se apercebesse, jorrou de
novo.
   A pequena fada recomeçou a cantar. Ele entendeu o canto como uma despedida.
Acenou-lhe com a mão e sorriu, num sorriso carregado de promessas.
    Depois, começou a caminhar em sentido contrário e em breve se encontrou no meio
do bulício da rua pejada de carros e cheiros nauseabundos.
                                                            O Menino que Pensava Verde, de Maria do Céu Nogueira,
                              in Mais-Valia : conto e poesia, coord. Ângelo Rodrigues,… [et al], Lisboa, Minerva, 2002


                                                                                                                    4

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O Menino que Pensava Verde e Sonhava com uma Floresta Encantada

  • 1. O Menino que Pensava Verde Conto inédito de Maria do Céu Nogueira Era uma vez um menino que vivia numa pequena, mas bonita cidade. Porém, como em todas as cidades, abundavam nela os prédios de cimento que tapavam a brisa fresca e totalmente o azul dos céus. Os carros que ensurdeciam os ouvidos com o ronco dos seus motores e tornavam o ar irrespirável. O bulício, a confusão e a ansiedade. Em contrapartida, faltavam os espaços verdes e seguros para as crianças poderem brincar à vontade. O menino gostava da cidade, mas sentia grande tristeza quando, a caminho da escola, se cruzava com toda aquela poluição. - Quem me dera ver árvores! Árvores é que eu queria ver! Árvores de troncos grossos e copas enormes e redondas, onde os passarinhos fizessem ninho e cantassem. Árvores – palácios – cantantes! Era disso que eu gostava! E em vez dos roncos dos carros e motorizadas, em vez de cheiros nauseabundos de óleos queimados, ouviria música e sorveria ares lavados e sadios. Assim sonhava o menino a caminho da escola. Depois, estudando, executando tarefas, brincando com os colegas, ele esquecia as suas preocupações. Mas elas voltavam-lhe à mente e ao coração no regresso a casa. - Quem me dera ver árvores! – repetia baixinho. Num dia em que assim falava consigo próprio, viu-se, de repente, no meio de uma frondosa floresta. Árvores de troncos grossos e copas enormes e redondas iguaizinhas às do seu sonho ansioso. E, escutando, o menino reparou ainda que elas eram árvores-palácios-cantantes habitadas por milhares de pássaros que enchiam a floresta de trinados e gorjeios. E o menino sentiu-se imediatamente feliz, ali, naquele momento. Só feliz. Sem tempo para pensar na sua bonita, pequena, mas poluída cidade, nos seus colegas de escola, nos seus estudos, na sua casa, na sua família. Só feliz, por estar ali naquele momento. Olhava à sua volta, extasiado. Aspirava, voluptuosamente, todos aqueles ares frescos e puros, limpos e lavados. Ouvia, encantado, toda aquela música que provinha de lá de cima, das copas frondosas, mas que o rodeava, enchendo todos os espaços. Ali não havia silêncios nem vazios, nem ruídos incómodos ou cheiros nauseabundos. Havia apenas paz, beleza, harmonia. Nisto, o menino deu-se conta de um cantar diferente dos cantares das árvores. Tão 1
  • 2. melodioso e tão belo quanto eles, mas distinto. Lentamente, começou a caminhar ao encontro daquela nova música. Cruza-se com árvores de grandes e grossos troncos. Pisa erva tenra, minúsculas flores e musgos fofos e verdes. Chega, agora, a um espaço amplo, sem árvores. Vê e ouve, bem no meio, jorrar uma fonte. Por instantes, parece-lhe que é dali, daquele jacto que brota do solo e cai, depois, em cascata rendilhada, que vem a voz. Sim, a voz. O menino tem agora a certeza que esse outro cantar tão belo quanto o dos pássaros, mas tão distinto, é de voz humana. Aproxima-se mais. Surpreso, vê, de repente, um vulto de menina, meio de lado, meio de costas, sentada numa pedra. Com os pés descalços, chapinha na água que jorra da fonte e que parece cair-lhe por cima. O menino acha mesmo que cai. Ele vê a água tombar sobre os cabelos longos e negros e sobre os vestidos brancos e longos da menina. Mas a verdade é que ela não está molhada. O menino espanta-se mais e mais. E cogita: - Como é isto possível? Esta água não molha? De repente, veio-lhe ao pensamento a ideia de que deveria estar a sonhar. Ele sabia que nos sonhos tudo é possível. E sabia ainda que quando as coisas estavam a correr bem ou quando se estava a ponto de descobrir determinado mistério, acordava-se e pronto, tudo acabava. Então o menino ficou cheio de medo de estar a sonhar. Cheio de medo de acordar de repente e ficar sem entender aquela água misteriosa que caía sobre a menina e a deixava sequinha. - Depressa – começou ele a pensar. Vou aproximar-me depressa antes que o sonho se acabe. Coloca-se, então, em frente da menina. Ela olha-o e sorri-lhe e pára de cantar. Era linda! Muito branca, tão branca quanto os vestidos. E o cabelo muito comprido e muito negro. Os olhos, verdes como as mais verdes esmeraldas. A boca rosada e risonha. O menino quer falar-lhe, mas recorda-se de como é nos sonhos. - Se falo, já sei que acordo antes que ela me responda. Não é melhor ficar calado e gozar este momento em que me sinto tão feliz? Então, surpreso, ouve a voz da menina. - Sei que pensas que estás a sonhar e não queres falar comigo, porque receias acordar e que tudo isto desapareça. Não é verdade? - É. É verdade. Mas como o sabes tu, se eu o disse apenas a mim mesmo? - Sei, porque sou uma fada. Adivinho tudo o que as pessoas pensam e até o seu futuro. Neste momento sei que te intriga o facto de eu estar aqui debaixo da água e não me molhar. - É verdade também. Acho isso a coisa mais espantosa que já vi – respondeu o menino. 2
  • 3. - Não é tão espantoso assim, já vais entender. Parece-te que a água cai no meu corpo, mas isso não passa de uma ilusão dos teus olhos. Na verdade, a água não me toca. As fadas têm o condão de afastar todas as gotícolas, à sua volta, e nenhuma as atinge. - Queres dizer que as fadas nunca se molham, mesmo que mergulhem nas águas dos rios e dos mares? - É como dizes. Aliás, aproveito para me apresentar. Eu sou a fada Esmeralda e vivo permanentemente num lago de águas transparentes donde jorra este repuxo que tanto te intriga. - Vives num lago? Mas eu não vejo lago nenhum! - Está debaixo desta pedra e é invisível aos olhos humanos. Só as fadas o vêem. Sabes, se os homens vissem o meu lago, conspurcavam-no de imediato: sujavam e enegreciam as águas, enchiam o fundo e a superfície de papéis e outros objectos estranhos, enfim, tornavam-no impróprio para qualquer vida, mesmo de fada. Então o lago existe, mas está encantado, como encantadas estão todas as coisas nesta floresta. Nela vivem muitas fadas como eu. - Espera, não percebo muito bem – atalhou o menino. Dizes que a floresta está, toda ela, encantada? Então estas árvores, estas flores, estas pequenas plantas e estes pássaros não são reais? - Eu não sei o que é real para os seres humanos. Claro que são reais. Tudo isto existe, porque tu o vês, mas têm outra realidade que tu não podes ver. - Bem, eu penso que o real é só um. Quer dizer, as coisas existem ou não. Se existem, são reais. Só não são reais se formos nós a inventá-las. Tu não pretendes afirmar que aquilo que imaginamos é real, pois não? - Pretendo, sim. É isso mesmo que estou a querer dizer-te. Esquece essas teorias que aprendeste como certas e infalíveis. O imaginado é também real, embora goze de uma realidade diferente da dos seres que nos rodeiam. O que imaginamos é só nosso. Existe apenas porque o pensamos. - Tu estás a querer dizer que esta floresta, como todas as árvores e os pássaros, só existem porque eu os pensei e desejei? - Exactamente. Agora vejo que compreendeste. - E que, se eu deixar de pensar em tudo isto, deixar de o desejar e amar, tudo desaparece? – continuava o menino, cada vez mais surpreendido. - Isso mesmo! É muito bom o teu raciocínio! - Assim sendo, como explicas a tua própria existência? Eu não a conhecia. Não pensei nunca em ti nem desejei ver-te. No entanto, mesmo sem te pensar, tu estás aqui a falar comigo. A fada ria e batia palmas com euforia evidente. 3
  • 4. - Mas que menino esperto que tu és! Como adivinho, eu já sabia que me ias pôr essa questão. Estava até a estranhar a demora. Mas vou, então, satisfazer a tua curiosidade: eu faço parte de todo este conjunto harmonioso que tu tanto desejaste conhecer. Com as outras fadas minhas irmãs, sou guardiã deste tesouro de verdura, beleza e pureza, para o mostrar a meninos sonhadores e inteligentes como tu. Vários aqui têm vindo e todos com a tua ansiedade e preocupação. Nunca aqui vi nenhum adulto. Eles não pensam nestas coisas e nunca sonham. - Estou a entender-te, linda fada, embora com alguma dificuldade. Que aconteceria se eu contasse aos meus pais e à minha professora, por exemplo, que estive aqui e lhes falasse de tudo isto? - Chamar-te-iam sonhador ou até mentiroso. Talvez te castigassem, pensando que faltaste à escola e andaste na brincadeira. - E então, diz-me ainda: como hei-de agir para que tu e tudo isto não desapareçam para sempre? Quer dizer, eu até queria pôr-te uma outra questão: que poderei fazer para que tudo passe do real imaginado ao real concreto? A fada entristeceu. Baixou os braços desalentada, encolheu os ombros e ficou calada por instantes. - Não é tarefa fácil, podes crer. Os homens estão a destruir, todos os dias, este planeta que todos habitamos. A degradação atinge, a cada momento, proporções mais assustadoras. Por este caminho, em breve deixará de haver vida na Terra. Somente um milagre a poderá salvar e esse milagre só pode ser operado pelas crianças. Os homens, grandes agentes destruidores, têm-se mostrado inoperantes nos frágeis esboços de remediar um mal tão irresponsavelmente causado. Já baixam os braços. Já se conformam com a irreversibilidade do processo. - Mas eu queria ajudar – interrompeu o menino. Sinto que posso. Ensina-me o que devo fazer. - Continua a pensar. Não deixes de sonhar com toda esta beleza. Cresce e permite que ela cresça dentro de ti. Faz-te homem. Um homem diferente de todos esses que por aí andam. E então, quem sabe? Tu e todas as outras crianças, um dia já adultos, talvez saibam construir um mundo melhor e remediar os males presentes. Se ainda for a tempo... O repuxo, que tinha parado de jorrar sem que o menino se apercebesse, jorrou de novo. A pequena fada recomeçou a cantar. Ele entendeu o canto como uma despedida. Acenou-lhe com a mão e sorriu, num sorriso carregado de promessas. Depois, começou a caminhar em sentido contrário e em breve se encontrou no meio do bulício da rua pejada de carros e cheiros nauseabundos. O Menino que Pensava Verde, de Maria do Céu Nogueira, in Mais-Valia : conto e poesia, coord. Ângelo Rodrigues,… [et al], Lisboa, Minerva, 2002 4