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Quando era estudante, Paulo Sobral não
teve grande ajuda para escolher a licen-
ciatura. “Fiz muita calinada no meu per-
curso vocacional”, recorda. Os amigos
do liceu fugiram à Matemática e, com
receio de os perder, foi atrás deles ape-
sar de até ter talento para os números.
A indecisão levou-o a mudar de curso e
a perder vários anos, mas acabou por
encontrar o caminho. Hoje trabalha
como psicólogo vocacional e dá aos alu-
nos aquilo que não teve: orientação.
Não saber o que se quer da vida é
comum na adolescência. Mais que isso,
é o principal obstáculo para muitos alu-
nos que, às portas do ensino secundá-
rio ou superior, se vêem obrigados a
tomar decisões que vão definir o futuro
profissional. Quando chegam ao 9.o
ou
ao12.o
ano,“amaiorpartenãotemmatu-
ridade suficiente para perceber o que
quer”, avisa o psicólogo.
Muitas decisões são impreparadas ou
imaturas porque os jovens têm fraca
consciência da realidade e motivações
pouco sólidas. Decidir com base num
ou dois critérios – como os amigos, as
disciplinas ou a empregabilidade – é
mais frequente do que se julga. Ou esco-
lher a partir de “aspectos colaterais”,
como a visibilidade e o prestígio da pro-
fissão. O psicólogo da Universidade de
Lisboa Paulo Jesus dá o exemplo do
recente boom de jovens que seguiram
a investigação criminal fascinados pelas
séries televisivas.
Mas afinal quando se deve começar a
pensar nas opções profissionais? As opi-
niões divergem. Paulo Jesus defende
que o momento certo é a infância. “A
educação vocacional ou a consciência
do universo de carreiras e estilos de vida
pode e deve começar em criança, com
a família, e a partir das primeiras expe-
riênciasescolares.”Emboraacrediteque
os mais novos devam ser “estimulados
vocacionalmente o mais cedo possível”,
o especialista reconhece que a escolha
de um estilo vocacional mais específico
“deverá acontecer o mais tarde possí-
vel, para haver flexibilidade e persona-
lização”.
Paulo Sobral, por outro lado, está con-
vencido de que não existe um momen-
to certo. Apenas alturas em que fará
mais sentido pensar no assunto, como
o 9.o
ano e o 12.o
, quando as decisões são
a sério. Para a escolha ser consciente,
os alunos devem recolher o máximo de
informação, afirma o psicólogo Vasco
Catarino Soares, que dirige a clínica
Insight-Psicologia. O primeiro passo é
descobrir tudo sobre a área de estudo,
as responsabilidades e as tarefas de cada
profissão, bem como as hipóteses de
emprego. Professores, psicólogos e famí-
lia são essenciais para seleccionar o que
importa.
Issonãosignificaqueoalunonãotenha
de fazer trabalho de casa e uma auto-
análise ao seu percurso escolar. “Perce-
bendo como foi o seu desempenho, inte-
resse e motivação nas diferentes disci-
plinas”, explica o especialista. Os testes
psicotécnicos são um contributo, mas
nãodevemseroúnicoinstrumentopara
chegar a uma conclusão. “São um meio
e não um fim, e servem sobretudo para
discutir e dialogar com os jovens”, avi-
sa Paulo Sobral.
Se a informação e os especialistas são
decisivos, a proactividade do estudante
não é menos importante. Não basta ter
o computador à frente e pesquisar na
net. É preciso sair do quarto e conhecer
o mundo lá fora. “Contactar com profis-
sionais para saber como é a realidade
das profissões e ouvir testemunhos de
quem já foi estudante”, propõe o psicó-
logo Paulo Jesus. Até porque entrar nas
empresas e instituições ajuda a ter uma
ideia do que são as suas rotinas: “Visi-
tar sites é uma boa actividade explora-
tória, mas insuficiente. É preciso sentir
a atmosfera dos locais e das profissões
e fazer a pergunta: será que eu gostaria
de ser isto?”
Por esta razão, escolas, universidades
e empresas têm unido esforços para
orientar alunos do secundário. A Uni-
versidade de Trás-os-Montes e Alto Dou-
ro (UTAD), por exemplo, investe em
várias actividades para os estudantes
que estão a concluir o 12.o
Isabel Macha-
do, do gabinete de comunicação, conta
como o Dia Aberto pode mostrar alguns
doscaminhospossíveisaosalunos:duran-
te umas horas, os futuros caloiros são
convidados a visitar a universidade.
“Também participamos em feiras de
orientação vocacional e temos um pro-
jecto de televisão que envolve escolas
secundárias.” A UTAD tem ainda uma
app para potenciais candidatos, com tes-
tes psicotécnicos e informações úteis.
Já a ligação das empresas à escola é
um território com muito por explorar.
Mas há casos que apontam para uma
nova tendência. A Nestlé, por exemplo,
promove experiências de estágios –
apprenticeship – destinados aos estu-
dantes do ensino profissional no Porto
e na fábrica de Avanca, em Estarreja.
O que era uma utopia hoje tornou-se reali-
dade. A educação universitária deixou de
ser apenas para as elites para ser acessível
a todos os estratos socioeconómicos. Não
só em Portugal, como no resto do mundo.
Segundo a revista “The Economist”, a
população mundial universitária subiu de
14% para 32% nos últimos 20 anos, enquan-
to os países da OCDE gastam cada vez mais
com educação: de 1,3% do PIB em 2000, o
investimento subiu para 1,6%. Esta expan-
são do saber não serviu apenas para trans-
formar o mundo num sítio mais justo, mas
também mais seguro e confortável através
dos benefícios da investigação nas mais
diversas áreas.
Mergulhado numa crise que se deve ao
esgotamento do modelo económico, Portu-
gal e a União Europeia necessitam das uni-
versidades mais do que nunca. Para serem
mais competitivos, mais inovadores e mais
arrojados. Do ponto de vista da investiga-
ção, a Europa tem muito a aprender com os
Estados Unidos. Além de investirem quase
o dobro dos europeus na educação universi-
tária, os norte-americanos têm uma rede e
um sistema mais eficaz que o europeu. Bas-
ta dizer que das 20 investigações mais cita-
das em 2014, 19 eram dos Estados Unidos.
Isto significa igualmente empreendedoris-
mo e inovação. Não é por acaso que as
melhores tecnológicas, como a Google, a
Microsoft, a Apple e o Facebook, entre
outras, são norte-americanas e lideram o
mercado.
Portugal e a Europa têm de arrepiar cami-
nho. Não com o tradicional recurso a fundos
públicos, mas com parcerias económicas
entre as universidades e as empresas. Uma
boa ligação entre o mundo académico e a
economia real poderá ser o segredo para um
incremento da economia portuguesa e da
europeia. Só por isso vale a pena o investi-
mento. Do Estado e do aluno.
Jorge Humberto é o único psicólogo
para os 2700 alunos das Escolas de Valon-
go. Além de fazer orientação profissio-
nal, acompanha a educação especial, faz
avaliação psicológica e tem a seu cargo
a escola de pais, entre outras tarefas. É
isto que o leva a concluir que “as esco-
las estão semipreparadas” para ajudar
os alunos na orientação vocacional: “O
ideal seria ter mais recursos técnicos e
maior disponibilidade para apoiar os
alunos na escolha do curso. Tentamos
chegar a todos, mas a eficácia não é a
desejável.”
O caso de Jorge Humberto não é úni-
co nas escolas portuguesas. “Parece-me
que o que acontece, na prática, é que os
alunos têm uma experiência muito redu-
zida de aconselhamento pelos serviços
de psicologia e orientação (SPO)”, teme
o psicólogo da Universidade de Lisboa
Paulo Jesus. A sobrecarga de trabalho e
a escassez de recursos humanos limitam
a atenção que a escola poderia dar aos
alunos. Ainda assim, defende que o acom-
panhamento vocacional, embora longe
do desejável, tem “qualidade técnica”.
As metodologias variam consoante os
casos e nem sequer são obrigatórias. “As
escolas têm de ajudar os alunos na orien-
tação vocacional. Se o fazem ou não, isso
já é outra história”, diz o presidente da
Associação Nacional de Dirigentes Esco-
lares, Manuel Pereira. Regra geral, quan-
do se dedicam à orientação vocacional
dos alunos, fazem-no essencialmente no
9.o
ano e no secundário, actuando por
duas vias diferentes, explica a directora
do agrupamento de Escolas IBN Muca-
na, em Cascais, Teresa Lopes. “Por um
lado, orientação vocacional através do
SPO; por outro, divulgação”. E nesse âmbi-
to podem existir contactos com as uni-
versidades (divulgação, visitas ou feiras
de orientação vocacional) e por vezes,
mas menos frequentemente, com empre-
sas, de modo a conhecer as rotinas das
profissões. Eventos como a Futurália e
programas como o Braço Direito, da asso-
ciação Junior Achievement Portugal (em
que o estudante acompanha um dia de
um profissional numa área do seu inte-
resse) podem ser uma mais-valia.
Seja porque não tiveram o acompanha-
mento necessário seja porque ainda não
têm maturidade vocacional, existe uma
elevada taxa de desistência e mudanças
de curso ou área por parte dos estudan-
tes. As razões podem ser várias, mas Pau-
lo Jesus realça que “o sistema educativo
português tem uma estrutura muito limi-
tadora, por propor o estreitamento das
opções demasiado cedo”.
Olhando para as dificuldades que os alu-
nos têm em escolher no 9.o
e 12.o
anos,
“devia-se, por exemplo, manter as Ciên-
cias e Matemáticas até ao final do secun-
dário para que pudessem escolher qual-
quer área na universidade”. Ter mais ofer-
tas de cursos profissionais e ainda a
possibilidade de personalizar as trajec-
tórias são outros caminhos para facilitar
a vida aos estudantes. Teresa Lopes acres-
centa que o currículo do secundário é
“muito redutor”, lamentando o facto de
disciplinascomoaÁreadeProjecto(“essen-
ciais para desenvolver projectos dentro
das áreas vocacionais dos alunos”) terem
sido retiradas do programa.
Mas falar de orientação vocacional não
é só olhar para o papel do ensino secun-
dário, defende Manuel Pereira. “A univer-
sidade deveria fazer mais do que simples-
mente atirar com a responsabilidade para
cima da escola.” Apesar de existirem bons
exemplosemalgumasinstituiçõesdeensi-
no superior, a maioria “esteve sempre à
espera” que o trabalho fosse realizado ao
nível do secundário: “Esta questão é cul-
tural, de tradição, e vai acabar por mudar
mais cedo ou mais tarde.”
Onde há vontade há caminho. O
ditado é inglês e serve para o psi-
cólogo Paulo Sobral encontrar a
resposta da questão que se segue:
qual a medida certa entre voca-
ção e empregabilidade? A balan-
ça, segundo os especialistas, pesa
mais para o lado da vocação:
“Quando há uma área de paixão
alicerçada na experiência e capa-
cidades (e não na fantasia), é pre-
ciso desenvolvê-la.”
Vasco Catarino Soares, direc-
tor da Insight-Psicologia, não con-
segue ser rigoroso na hora de
medir cada um destes lados: “É
difícil achar uma medida certa
em termos quantitativos.” Mas
reconhece que, nesta equação, a
vocação ganha mais peso. E voca-
ção não é só gostar. Passa sobre-
tudo por três condições que têm
de convergir para o mesmo pra-
to da balança: “Elevado interes-
se por uma área profissional,
capacidades técnicas para o seu
desempenho e características de
personalidade compatíveis com
as suas exigências.”
Estavisãoatrêsdimensõesnem
sempre é evidente para a maior
parte dos estudantes. E a empre-
gabilidade deve ser um factor a
considerar. Famílias e profissio-
nais de orientação vocacional
devem munir-se de informação
sobre saídas profissionais, mas
sem se “deixarem ofuscar por
ela”, ressalva Paulo Jesus, psicó-
logo da Universidade de Lisboa.
Em casos mais dúbios e, tendo
em conta a crise actual, o estu-
dante deverá optar pelos cursos
com “maior robustez científica e
amplitudedecompetências”.Pau-
lo Sobral abre a porta a outras
possibilidades.Porvezespodeser
útil trabalhar as competências
que não são imediatas, como lín-
guas, informática, etc. É aquilo
que, no jargão dos psicólogos, se
chama de não-apetências e que
valoriza o currículo e aumenta
as hipóteses no mercado de tra-
balho. Neste mar de dúvidas, há
pelo menos uma certeza: “Se as
pessoasnãoestãosatisfeitasédifí-
cil ter êxito”, avisa Paulo Sobral.
E a frustração apenas contribui
para “engrossar as fileiras de pro-
fissionais que só esperam pelo
próximo fim-de-semana”.
Eric Herji estava no secundário quando
foi pela primeira vez ao Instituto Superior
Técnico (IST), numa visita organizada pela
escola. “Achei que era o pior sítio do mun-
do”, recorda. “Visitámos uma cave escura
no pavilhão de Mecânica num dia de chu-
va.Aspessoassaíamdelácomumarcabis-
baixo e eu pensei: vou sair daqui louco.”
O estudante, agora com 20 anos, não vol-
taria ao IST até lá ficar colocado e não se
deixou iludir pelas aparências. “O que li
acabou por pesar mais que aquilo que vi
porque procurei muita informação e não
me fiquei pelas primeiras impressões.”
Eric frequenta o 3.o
ano de Engenharia
Electrotécnica e de Computadores e está
contente com a escolha. No 9.o
, quando
teve de decidir entre Gestão/Economia
(áreaparaaqualtinhamaisaptidão,segun-
doostestespsicotécnicos)eCiências/Enge-
nharias, acabou por escolher a que domi-
nava menos: Engenharia: “Era um desa-
fio maior.” Não sabia que profissão queria
ter, mas era definitivamente a área de que
gostava.
E como escolheu o curso? A internet foi
uma boa ajuda. Mais centrado em com-
petências a desenvolver que numa profis-
são concreta, elegeu primeiro a melhor
faculdade, segundo o que lia nas notícias
e em função das perspectivas de empre-
gabilidade: “Só depois escolhi o curso.” O
professor de Geometria Descritiva e um
tio que já tinha frequentado o curso tive-
ram influência na decisão.
Há quem defina mais cedo as profissões
quegostariadetereAnaMadureiraéuma
dessas pessoas. Dar aulas de Matemática
seria um dos caminhos possíveis, mas a
faltadeempregolevou-aamudardeideias.
Depois julgou que poderia fazer investi-
gação na área das Engenharias, mas deci-
diu-sepelaMedicina.“Achoquefuiinfluen-
ciada pelas séries de televisão, como ‘Ser-
viçodeUrgência’e‘House’”,contaaestudante
de Marco de Canaveses. Deixou-se fasci-
nar pela ideia de compreender o puzzle
do corpo humano. Conseguiu entrar no
curso à terceira, no Santa Maria, em Lis-
boa. E não foi no secundário, que comple-
tou em Alpendorada, que se informou
sobreasopções.“Aminhaescolanãodivul-
gava nada”, critica. Foram os tios, dois pro-
fessores, que a ajudaram a pesquisar cur-
sos e médias e um amigo da mãe, médi-
co,falou-lhe“deformabreve”sobreaárea.
“O mais difícil é encontrar profissionais
das nossas áreas de interesse para conver-
sar e apresentar dúvidas”, concorda Sofia
Bandeira Costa, de 17 anos e aluna do 12.o
A estudante do Colégio São João de Brito,
em Lisboa, soube no 8.o
ano que queria
seguir Direito e por isso fez o trabalho de
casa logo no 9.o
Por iniciativa própria, foi
a um dia aberto da Universidade Católi-
ca, onde conhecia uma professora, e pôde
ter uma aula de Direito, “muito útil para
perceber como a faculdade funciona”.
Através do colégio visitou a Futurália, a
maior feira nacional de Educação, que
acontece em Março na FIL. Durante esse
ano conversou com o máximo de pessoas
queconseguiu–dealunosaex-alunospas-
sando por advogados, juristas, diploma-
tas, professores e familiares. De tal forma
que quando chegou ao 12.o
só lhe faltava
escolher a faculdade.
Acabou por se decidir pela Católica, pela
“maior proximidade” professor-aluno e
pela oferta internacional. Sofia está con-
vencida de que as escolas poderiam fazer
mais para orientar os alunos: “Com tanto
tempo livre no horário do 12.o
ano, podia
existir uma disciplina só para esclarecer
dúvidas relacionadas com o ensino supe-
rior ou profissional.” Este ano, por exem-
plo,haviaumprazoparapedirapassword
no site da DGES que permite fazer a can-
didatura ao ensino superior mais tarde e
ninguém a informou: “Se não fosse um
colega a avisar à última hora, teríamos
ficado sem a senha.”
Para visitar a família, Ana Madureira pre-
cisar de fazer cinco horas e meia até Mar-
co de Canaveses. Nasceu em Alpendora-
da, tem 21 anos e está no 1.o
ano de Medi-
cina no Santa Maria, em Lisboa. O seu
trajecto foi atribulado. Entre as várias ten-
tativas de subir a média e entrar no cur-
so que queria, ainda passou por outras
licenciaturas no Porto e em Paredes. Só
depois conseguiu nota para Medicina. “E
não tive grande opção quanto ao local”,
conta. A primeira escolha até era Coim-
bra,porserbaratomaispertodecasa,mas
teve de ficar em Lisboa.
Damião Franco foi no sentido inverso,
de Lisboa para o Porto. Tem 19 anos e
quer ser arquitecto. No 10.o
, ainda hesi-
tou e escolheu Ciências, por ser uma área
“menos restrita e que abria maiores pos-
sibilidades na escolha dos cursos”, mas
decidiu mudar para o agrupamento de
Artes logo no mesmo ano. Agora é caloi-
ro da Faculdade de Arquitectura da Uni-
versidade do Porto. Escolheu a institui-
ção não pela proximidade ou pela ques-
tão financeira, mas por ser “a melhor
universidade”.
“Claro que sai caro aos meus pais estar
cá. É mais uma despesa”, admite. Mas eles
podiam pagar e deram-lhe essa oportuni-
dade. Damião vive com mais três colegas
numa casa perto da faculdade: “Foi um
achado em termos de preço/localização.”
Procurou apartamentos “muito em cima
da hora” e é por isso que diz ter tido sor-
te. Encontrar um quarto é uma aventura
que tem de ser preparada com antecedên-
cia para descobrir as alternativas mais
acessíveis.
A renda fica-lhe em 156€ por mês e ain-
da gasta cerca de 100€ em transportes,
entre viagens rápidas e idas quinzenais a
Lisboa. As contas domésticas, no valor de
31€ e as despesas de alimentação, a ron-
dar os 130€ se não houver jantares fora
de casa, completam a lista de gastos. E há
ainda o material necessário para o curso,
um valor que varia “mesmo muito”: pode
ser menos de 50€ mensais ou 50€ de uma
só vez. “No outro dia, por exemplo, gastei
60€ numa boa caixa de lápis de cor.” Fei-
tas as contas, e tirando o valor das propi-
nas, os gastos rondam os 500€ por mês.
Ao contrário de Ana, Magda Ferreira
sempre quis estudar em Lisboa. Vivia na
aldeiadoEspinheiro,emAlcanena,equan-
do decidiu estudar Ciências da Comuni-
cação procurou aquela que achava ser a
melhor universidade, a Nova. Mas a média
do secundário só lhe permitiu entrar na
segunda opção, o ISCSP, no pólo da Aju-
da. “Assustava-me sair da aldeia para a
cidade,massabiaquenacapitaliriaencon-
trar mais oportunidades”, justifica.
Magda preparou bem a ida para Lisboa.
Não queria ficar numa residência com
espaços partilhados e pesquisou por casas
na net. Quando soube que tinha entrado,
visitou-as e escolheu a que estava mais
perto da faculdade. “Quis poupar tempo”,
explica. Mas a Ajuda não tem metro e, se
voltasse atrás, escolheria viver no centro
de Lisboa – só não o faz agora porque gos-
ta dos colegas com quem vive. Poupadi-
nha, a estudante de 20 anos gasta, além
dos 200€ de renda, 40€ a 50€ por mês em
produtos de limpeza e alimentação (“a
minha mãe manda-me imensa comida
congelada”) e cerca de 10€ em saídas à
noite (“não saio muito, vou mais a festas
na faculdade”).
As deslocações também não lhe ficam
caras: 4,95€ de comboio Lisboa-Santa-
rém, graças ao desconto para menores
de 25 anos. Além disso, recebe uma bol-
sa de acção social (100€ mensais), que
inclui descontos nos transportes locais
(14€ pelo passe de autocarro e do metro).
É isso e ainda o facto de ter poupado para
que a filha pudesse ir para a universida-
de que leva a mãe, Dina, a dizer que “não
está a ser um esforço financeiro assim tão
grande”, embora reconheça que ter Mad-
ga a estudar é “sempre mais uma despe-
sa no orçamento familiar”.
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Está há oito anos na A3ES. Alberto Amaral tem 72 anos e, antes de liderar a agên-
cia, acumulou experiência a avaliar cursos de formação superior noutros países
europeus. O que o choca? A obsessão centralizadora, um defeito bem português
e que deixa metade do país – todo o Interior – em risco de extinção
É um cenário desolador, passado para o
papel sob a forma de gráficos. Para iní-
cio de conversa, Alberto Amaral, o pre-
sidente da Agência de Avaliação e Acre-
ditação do Ensino Superior (A3ES), mos-
tra-nos o estado do ensino superior: há
uma debandada geral de alunos que,
para continuarem os estudos, fogem do
Interior para o litoral. Mas há mais: em
dois anos (2011-2013), Portugal perdeu
28 mil estudantes universitários. Fixar
alunos nas regiões desertificadas é um
desafio urgente, tal como acabar com os
interesses instalados que têm impedido
a descentralização do modelo de gestão
no ensino superior.
Os números mostram que há muito
menos alunos no ensino superior. É
possível prever como será daqui para
a frente?
Essa contracção vai continuar e aumen-
tar nas próximas duas décadas.
É o ensino privado aquele que mais
acusa essa redução?
Primeiro é o privado, depois o politéc-
nico e por fim o universitário público.
Todos vão ser atingidos, mais cedo ou
mais tarde.
Consequência directa do poder de
compra?
Não só. Há aqui dois fenómenos: o da
natalidade, que vai continuar a sentir-se
e que mais tarde vai chegar ao ensino
superior, e o da emigração. Mas há ain-
da o fenómeno da crise económica, que
por vezes leva os alunos a optarem por
arranjar emprego logo no final do secun-
dário e a só procurarem o ensino supe-
rior mais tarde, quando podem.
Qual o impacto desses fenómenos na
formação a médio e longo prazo?
Há áreas mais afectadas que outras. É o
caso das Engenharias, em que as disci-
plinas de Matemática e Física passaram
a ser obrigatórias para o acesso a esses
cursos, o que diminuiu o número de can-
didatos. Esse efeito ainda é mais brutal
no caso da Engenharia Civil, em que não
só a entrada é mais difícil, por essa razão,
como ainda por cima, devido à crise eco-
nómica, as pessoas se afastam dessa área
porque a seguir não têm emprego.
As universidades privadas tenderão a
ajustar a oferta de cursos em função
desta contracção do mercado?
As privadas e as públicas, todas farão
esse percurso para se adaptar. O ensino
superior é um bem posicional, há um
conceito de qualidade e de importância
inerente. Harvard, por exemplo, tem um
bem posicional enorme. Uma gradua-
ção lá corresponde a um emprego exce-
lente. A Medicina também. Estando nós
a falar de um sistema em que está em
causa um bem posicional, quando hou-
ver competição ela vai começar por bai-
xo. É isso que se está a observar. Come-
ça por haver grandes dificuldades no
politécnico e no privado e o público uni-
versitário há-de ser atingido, mas mais
tarde.
Haverá outras consequências, mais
graves que a perda de receitas?
Pode pensar-se em consequências a dois
níveis: o desaparecimento das institui-
ções ou a sua fusão. E, claramente, a redu-
ção da dimensão.
Está a pensar a que distância?
Em relação ao privado, está a acontecer
neste momento. Já houve algumas insti-
tuições que fecharam, como o Instituto
Piaget. O Instituto Superior Bissaya Bar-
reto, em Coimbra, vai fechar, o Instituto
de Espinho também fechou.
O ensino público vai aguentando.
O público vai aguentando, primeiro por-
que conta com o suporte do Orçamento
do Estado. Por outro lado, porque a situa-
ção começa a corroer por baixo.
Ao mesmo tempo tem havido fusões. É
uma forma de salvar as instituições?
Fusões e compras. A Universidade Euro-
peia [que pertence ao grupo norte-ame-
ricano Laureate e que na Europa tem
sede na Holanda] comprou o Instituto de
Artes Visuais, Design e Marketing (IADE)
e o Instituto Português de Administra-
ção e Marketing (IPAM). Antes já tinha
comprado o Instituto Superior de Lín-
guas e Administração (ISLA).
Essas alterações no mercado têm
impacto na qualidade dos cursos?
Eventualmente, sim. Havendo uma fusão,
se for bem feita, é de esperar que refor-
ce a qualidade da instituição.
A agência tem a responsabilidade de
avaliar o ensino superior. Para quem
não conheça o trabalho que desenvolve,
em que consiste essa tarefa?
A lei estabelece as condições mínimas em
que o ensino superior deve funcionar. É
preciso definir a composição do corpo
docente, a qualidade da investigação, o
número de alunos por docente.
Como é a relação com as instituições?
De uma forma geral, a instituição apre-
senta um relatório sobre cada um dos
cursos, depois há um grupo de especia-
listas que visita a instituição e discute
com eles, analisa o relatório e faz uma
recomendação.
Com que frequência se faz a avaliação?
É um trabalho feito a cada cinco, seis anos.
A não ser que, a meio
do ciclo, haja a noção
de que qualquer coisa
aconteceu. Se sabemos
que há problemas em
determinado curso, o
que se faz é ir lá mais
cedo.
Há muito trabalho da
instituição nesse pro-
cesso de avaliação?
Sim, ela tem de fazer
uma análise crítica do
que está a ser oferecido
em cada um dos cursos.
Tem de recolher dados
sobre o corpo docente,
o currículo dos docen-
tes, o número de alunos em frequência,
o número de diplomados, instalações, etc.
O contributo dos estudantes na avalia-
ção é importante?
Claro que sim. Para já, os alunos devem
participar nas comissões de avaliação
externa. A comissão de avaliação exter-
na é formada por um conjunto de peritos
e sempre por um aluno. Os estudantes
são essenciais, uma vez que são eles o alvo
do ensino. Uma boa parte do trabalho das
comissões passa por ouvir os alunos da
própria instituição. Ter um aluno do lado
de cá facilita muito esse diálogo, porque
são eles que estão lá dentro, eles é que
sabem como se sentem.
As visões do aluno e das instituições
coincidem ou há desfasamentos?
Às vezes os alunos são mais críticos que
os representantes da instituição. Outras
vezes não. Mas a própria legislação euro-
peia, que vai ser aprovada para o Euro-
pean Standard Guidelines, vai obrigar à
presença de alunos nas comissões de ava-
liação externa.
De que forma esse trabalho de avalia-
ção do ensino superior poderá ajudar o
aluno a escolher a instituição?
Temos eliminado os cursos cuja qualida-
de não corresponde aos padrões mínimos.
Até este momento devem ter sido cerca
de 2200 cursos encerrados. E desses, cer-
ca de 90% foram fechados por decisão das
próprias instituições.
Após a avaliação?
Por vezes até antes da avaliação. No pró-
ximo ano vamos avaliar seis áreas: Físi-
ca, Química, Medicina e outras. Há uma
lista enviada às instituições. Acontece que,
na sequência desse envio, as instituições
fecham em média 150 cursos. Significa
que começam também a ter uma visão
mais crítica. Para mim isto é o mais impor-
tante. Não precisamos de ser nós a encer-
rar, os próprios percebem que aquilo já
não faz sentido – ou porque não tem alu-
nos ou porque não tem qualidade.
Há cursos que existem para garantir a
sobrevivência financeira das institui-
ções. Como se lida com esta situação?
Não temos esse tipo de considerações em
mente. Temos um conjunto de regras e é
isso que aplicamos. Há casos em que as
instituições foram forçadas a encerrar
porque deixaram de ter cursos acredita-
dos. Como também há casos de institui-
ções que mudaram do sistema universi-
tário para o politécnico porque os cursos
não tinham qualidade suficiente.
Mas há alunos que vão para um curso
para o qual não há mercado.
O aluno é considerado um cliente ima-
turo. Por um lado, porque muitas vezes
não tem formação necessária para fazer
uma boa escolha. Se optar por Econo-
mia em Lisboa ou no Porto, deveria saber
quais são as perspectivas de rendimen-
tos ao longo da sua vida de trabalho. E
esta avaliação não existe. O aluno acaba
por escolher por razões que não são as
mais lógicas: ou porque a namorada tam-
bém foi para lá, ou porque os amigos
foram ou porque o tio é jornalista e ele
também quer ser.
Lá fora é diferente?
Já fiz avaliações de instituições na Holan-
da e não encontrei um único aluno que
me dissesse ter escolhido um curso por
causa da qualidade. É importante que
exista um sistema que elimine aquilo que
nãotemqualidade.Oalunotemhojemeios
Ninguém tem a veleidade de comparar
o ensino superior português com Cam-
bridge ou Oxford. São realidades dife-
rentes. Cambridge tem um orçamento
para investigação que é três vezes todo
o orçamento para o ensino superior em
Portugal. Mas em termos médios, com
certeza.
Os alunos saem bem preparados?
Sim, sim. Mas temos um problema com-
plicado na competição com alunos estran-
geiros, que é a língua. Temos um grupo
de clientes naturais que só fala português,
os alunos das antigas colónias. Se come-
çamos a fazer os cursos todos em inglês,
se calhar perdemos esses.
E há grandes diferenças entre o ensino
público e privado?
Em qualquer dos sectores há coisas boas
e coisas menos boas.
Onde estão as maiores fragilidades?
Temos uma fragilidade grande que tem
a ver com a procura por parte dos alunos.
O Interior tem um problema.
Os alunos estão a fugir para o litoral.
E saem do Interior por várias razões. Por
um lado, têm oferta mais diversificada no
litoral e, por outro, não têm emprego no
Interior.
Como é que as instituições do Interior
podem lidar com essa fuga?
É complicado, até porque o que temos é
um problema de desenvolvimento do país.
Um modelo extremamente centralizado,
com um Interior desertificado. Na Guar-
da, 90% dos alunos que acabam o secun-
dário querem vir embora.
As instituições do Interior estão conde-
nadas à extinção?
Vão ter dificuldades, mas não sei qual é
a solução. Especializarem-se eventual-
mente em algumas áreas, tendo incenti-
vos para fixar os alunos. Tem de se inves-
tir mais nas regiões do Interior.
O que se perde com um modelo centra-
lizado como é o caso do português?
Destrói-se uma parte do país com este
modelo assimétrico.
O que explica esta incapacidade de des-
centralizar em Portugal?
É uma questão de interesses instalados.
O poder está centrado em Lisboa.
Há falta de vontade dos responsáveis
políticos em lidar com este problema?
Isso e também não é fácil de resolver.
Demora muito tempo inverter esta situa-
ção. E mais: Lisboa não se classifica há
imenso tempo na distribuição dos fun-
dos comunitários. Pelo caminho até
mudámos a forma das regiões, alargá-
mos o Alentejo para poder continuar a
concentrar o investimento num deter-
minado sítio.
O ensino superior é dinâmico? Cria e
encerra cursos com muita rapidez?
Nos últimos anos sim.
Consequência da crise?
Uma boa parte por influência da agência,
que forçou as instituições a repensar os
cursos.Haviacursosquaseligadosàmáqui-
na e que de repente desapareceram.
E quanto aos novos cursos, a agência
pode bloquear o aparecimento de for-
mações sem qualidade?
Nenhum curso pode funcionar sem auto-
rização nossa. Nenhum curso pode ser
criado sem passar primeiro por uma acre-
ditação.
Desse ponto de vista, são mais uma for-
ça de bloqueio à dinâmica do sector ou
uma garantia da qualidade?
Evidentemente, uma garantia de quali-
dade. Se o curso não tiver qualidade, não
existe. Mas temos estado a notar uma alte-
ração muito importante por parte das ins-
tituições que estão a reorganizar a ofer-
ta. Passou a haver muito mais cursos entre
as várias instituições ao mesmo tempo.
E isso é positivo?
Melhora a qualidade, porque tem um cor-
po docente muito mais diversificado. E
garante sucesso, porque tem várias insti-
tuições a apoiar aquele curso. Temos nota-
do que as instituições que tinham quatro
e cinco mestrados na mesma área passa-
ram a fazer mestrado único. As próprias
instituições têm estado a racionalizar a
oferta, evitando desperdícios. Em parte
por pressão da agência, mas também por
razões económicas. Está a haver uma
mudança positiva muito grande no siste-
ma.
Qual foi a situação mais estranha que
encontraram na avaliação dos cursos?
Foi numa universidade pública. Um dou-
toramento em que não havia um único
doutorado da área a leccionar. Quando
aparecia um candidato contratavam um
docente ou faziam um acordo com outra
instituição.
São casos pontuais?
Inicialmente houve um número substan-
cial de casos dessa natureza. Só isso expli-
ca que de repente as instituições tenham
começado a encerrar muitos cursos.
para saber que cursos estão ou não acre-
ditados. Vai à base de dados e está lá essa
informação.
Qual o futuro de um curso chumbado?
No dia em que é comunicado que o cur-
so não é acreditado, a instituição deixa de
poder receber novos alunos e tem dois
anos para encerrar aquela formação.
O que mais falha para que um curso
não seja acreditado?
A falta de corpo docente é um caso óbvio.
O que acontece muito em Portugal é que,
quando aparece uma área nova que atrai
alunos, toda a gente vai fazer. Essa é uma
das razões mais frequentes.
Já há mais consciência da necessidade
de ser avaliado?
Não havia uma entidade reguladora que
fosse eficaz e, no princípio, foi uma guer-
ra. Primeiro que as pessoas se habituas-
sem à ideia de que isto era mesmo a sério...
agora não. Repare que o sistema anterior
funcionou durante dez anos e nunca hou-
ve uma decisão de guilhotina. Em dez
anos não houve um curso encerrado.
A rede era mais alargada?
A entidade avaliadora também não tinha
decisões vinculativas. Fazia-se o relató-
rio, que seguia para o ministério, e mor-
ria ali. Agora a decisão é final, não é pos-
sível o governo mudar as decisões.
As instituições são colaborantes, dão a
informação necessária?
Há de tudo. Por vezes as informações não
são as mais exactas.
O ensino superior em Portugal é de
qualidade?
Penso que sim. O que se verifica é que não
há nenhum problema com médicos, enge-
nheiros, enfermeiros que querem ir tra-
balhar para o estrangeiro. Vê-se pela emi-
gração de jovens. É frequente, aliás, virem
cá equipas de recrutamento na área médi-
ca, de enfermagem ou engenharia. Os ale-
mães, ingleses e franceses fazem isso fre-
quentemente, recorrem a mão-de-obra
portuguesa.
Há pouco tempo, o ministro da Educa-
ção pôs em causa a qualidade da forma-
ção dos professores. Isso leva-nos à
questão de há pouco: nesta área é fre-
quente a formação apenas para garan-
tir a sobrevivência das instituições?
Acontece claramente. Agora não tanto.
Com o desemprego dos professores tor-
nou-se uma área pouco apetecível, por
isso a procura está a diminuir.
E a qualidade do ensino superior per-
mite-lhe competir com países de refe-
rência?
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  • 2. Quando era estudante, Paulo Sobral não teve grande ajuda para escolher a licen- ciatura. “Fiz muita calinada no meu per- curso vocacional”, recorda. Os amigos do liceu fugiram à Matemática e, com receio de os perder, foi atrás deles ape- sar de até ter talento para os números. A indecisão levou-o a mudar de curso e a perder vários anos, mas acabou por encontrar o caminho. Hoje trabalha como psicólogo vocacional e dá aos alu- nos aquilo que não teve: orientação. Não saber o que se quer da vida é comum na adolescência. Mais que isso, é o principal obstáculo para muitos alu- nos que, às portas do ensino secundá- rio ou superior, se vêem obrigados a tomar decisões que vão definir o futuro profissional. Quando chegam ao 9.o ou ao12.o ano,“amaiorpartenãotemmatu- ridade suficiente para perceber o que quer”, avisa o psicólogo. Muitas decisões são impreparadas ou imaturas porque os jovens têm fraca consciência da realidade e motivações pouco sólidas. Decidir com base num ou dois critérios – como os amigos, as disciplinas ou a empregabilidade – é mais frequente do que se julga. Ou esco- lher a partir de “aspectos colaterais”, como a visibilidade e o prestígio da pro- fissão. O psicólogo da Universidade de Lisboa Paulo Jesus dá o exemplo do recente boom de jovens que seguiram a investigação criminal fascinados pelas séries televisivas. Mas afinal quando se deve começar a pensar nas opções profissionais? As opi- niões divergem. Paulo Jesus defende que o momento certo é a infância. “A educação vocacional ou a consciência do universo de carreiras e estilos de vida pode e deve começar em criança, com a família, e a partir das primeiras expe- riênciasescolares.”Emboraacrediteque os mais novos devam ser “estimulados vocacionalmente o mais cedo possível”, o especialista reconhece que a escolha de um estilo vocacional mais específico “deverá acontecer o mais tarde possí- vel, para haver flexibilidade e persona- lização”. Paulo Sobral, por outro lado, está con- vencido de que não existe um momen- to certo. Apenas alturas em que fará mais sentido pensar no assunto, como o 9.o ano e o 12.o , quando as decisões são a sério. Para a escolha ser consciente, os alunos devem recolher o máximo de informação, afirma o psicólogo Vasco Catarino Soares, que dirige a clínica Insight-Psicologia. O primeiro passo é descobrir tudo sobre a área de estudo, as responsabilidades e as tarefas de cada profissão, bem como as hipóteses de emprego. Professores, psicólogos e famí- lia são essenciais para seleccionar o que importa. Issonãosignificaqueoalunonãotenha de fazer trabalho de casa e uma auto- análise ao seu percurso escolar. “Perce- bendo como foi o seu desempenho, inte- resse e motivação nas diferentes disci- plinas”, explica o especialista. Os testes psicotécnicos são um contributo, mas nãodevemseroúnicoinstrumentopara chegar a uma conclusão. “São um meio e não um fim, e servem sobretudo para discutir e dialogar com os jovens”, avi- sa Paulo Sobral. Se a informação e os especialistas são decisivos, a proactividade do estudante não é menos importante. Não basta ter o computador à frente e pesquisar na net. É preciso sair do quarto e conhecer o mundo lá fora. “Contactar com profis- sionais para saber como é a realidade das profissões e ouvir testemunhos de quem já foi estudante”, propõe o psicó- logo Paulo Jesus. Até porque entrar nas empresas e instituições ajuda a ter uma ideia do que são as suas rotinas: “Visi- tar sites é uma boa actividade explora- tória, mas insuficiente. É preciso sentir a atmosfera dos locais e das profissões e fazer a pergunta: será que eu gostaria de ser isto?” Por esta razão, escolas, universidades e empresas têm unido esforços para orientar alunos do secundário. A Uni- versidade de Trás-os-Montes e Alto Dou- ro (UTAD), por exemplo, investe em várias actividades para os estudantes que estão a concluir o 12.o Isabel Macha- do, do gabinete de comunicação, conta como o Dia Aberto pode mostrar alguns doscaminhospossíveisaosalunos:duran- te umas horas, os futuros caloiros são convidados a visitar a universidade. “Também participamos em feiras de orientação vocacional e temos um pro- jecto de televisão que envolve escolas secundárias.” A UTAD tem ainda uma app para potenciais candidatos, com tes- tes psicotécnicos e informações úteis. Já a ligação das empresas à escola é um território com muito por explorar. Mas há casos que apontam para uma nova tendência. A Nestlé, por exemplo, promove experiências de estágios – apprenticeship – destinados aos estu- dantes do ensino profissional no Porto e na fábrica de Avanca, em Estarreja. O que era uma utopia hoje tornou-se reali- dade. A educação universitária deixou de ser apenas para as elites para ser acessível a todos os estratos socioeconómicos. Não só em Portugal, como no resto do mundo. Segundo a revista “The Economist”, a população mundial universitária subiu de 14% para 32% nos últimos 20 anos, enquan- to os países da OCDE gastam cada vez mais com educação: de 1,3% do PIB em 2000, o investimento subiu para 1,6%. Esta expan- são do saber não serviu apenas para trans- formar o mundo num sítio mais justo, mas também mais seguro e confortável através dos benefícios da investigação nas mais diversas áreas. Mergulhado numa crise que se deve ao esgotamento do modelo económico, Portu- gal e a União Europeia necessitam das uni- versidades mais do que nunca. Para serem mais competitivos, mais inovadores e mais arrojados. Do ponto de vista da investiga- ção, a Europa tem muito a aprender com os Estados Unidos. Além de investirem quase o dobro dos europeus na educação universi- tária, os norte-americanos têm uma rede e um sistema mais eficaz que o europeu. Bas- ta dizer que das 20 investigações mais cita- das em 2014, 19 eram dos Estados Unidos. Isto significa igualmente empreendedoris- mo e inovação. Não é por acaso que as melhores tecnológicas, como a Google, a Microsoft, a Apple e o Facebook, entre outras, são norte-americanas e lideram o mercado. Portugal e a Europa têm de arrepiar cami- nho. Não com o tradicional recurso a fundos públicos, mas com parcerias económicas entre as universidades e as empresas. Uma boa ligação entre o mundo académico e a economia real poderá ser o segredo para um incremento da economia portuguesa e da europeia. Só por isso vale a pena o investi- mento. Do Estado e do aluno.
  • 3.
  • 4. Jorge Humberto é o único psicólogo para os 2700 alunos das Escolas de Valon- go. Além de fazer orientação profissio- nal, acompanha a educação especial, faz avaliação psicológica e tem a seu cargo a escola de pais, entre outras tarefas. É isto que o leva a concluir que “as esco- las estão semipreparadas” para ajudar os alunos na orientação vocacional: “O ideal seria ter mais recursos técnicos e maior disponibilidade para apoiar os alunos na escolha do curso. Tentamos chegar a todos, mas a eficácia não é a desejável.” O caso de Jorge Humberto não é úni- co nas escolas portuguesas. “Parece-me que o que acontece, na prática, é que os alunos têm uma experiência muito redu- zida de aconselhamento pelos serviços de psicologia e orientação (SPO)”, teme o psicólogo da Universidade de Lisboa Paulo Jesus. A sobrecarga de trabalho e a escassez de recursos humanos limitam a atenção que a escola poderia dar aos alunos. Ainda assim, defende que o acom- panhamento vocacional, embora longe do desejável, tem “qualidade técnica”. As metodologias variam consoante os casos e nem sequer são obrigatórias. “As escolas têm de ajudar os alunos na orien- tação vocacional. Se o fazem ou não, isso já é outra história”, diz o presidente da Associação Nacional de Dirigentes Esco- lares, Manuel Pereira. Regra geral, quan- do se dedicam à orientação vocacional dos alunos, fazem-no essencialmente no 9.o ano e no secundário, actuando por duas vias diferentes, explica a directora do agrupamento de Escolas IBN Muca- na, em Cascais, Teresa Lopes. “Por um lado, orientação vocacional através do SPO; por outro, divulgação”. E nesse âmbi- to podem existir contactos com as uni- versidades (divulgação, visitas ou feiras de orientação vocacional) e por vezes, mas menos frequentemente, com empre- sas, de modo a conhecer as rotinas das profissões. Eventos como a Futurália e programas como o Braço Direito, da asso- ciação Junior Achievement Portugal (em que o estudante acompanha um dia de um profissional numa área do seu inte- resse) podem ser uma mais-valia. Seja porque não tiveram o acompanha- mento necessário seja porque ainda não têm maturidade vocacional, existe uma elevada taxa de desistência e mudanças de curso ou área por parte dos estudan- tes. As razões podem ser várias, mas Pau- lo Jesus realça que “o sistema educativo português tem uma estrutura muito limi- tadora, por propor o estreitamento das opções demasiado cedo”. Olhando para as dificuldades que os alu- nos têm em escolher no 9.o e 12.o anos, “devia-se, por exemplo, manter as Ciên- cias e Matemáticas até ao final do secun- dário para que pudessem escolher qual- quer área na universidade”. Ter mais ofer- tas de cursos profissionais e ainda a possibilidade de personalizar as trajec- tórias são outros caminhos para facilitar a vida aos estudantes. Teresa Lopes acres- centa que o currículo do secundário é “muito redutor”, lamentando o facto de disciplinascomoaÁreadeProjecto(“essen- ciais para desenvolver projectos dentro das áreas vocacionais dos alunos”) terem sido retiradas do programa. Mas falar de orientação vocacional não é só olhar para o papel do ensino secun- dário, defende Manuel Pereira. “A univer- sidade deveria fazer mais do que simples- mente atirar com a responsabilidade para cima da escola.” Apesar de existirem bons exemplosemalgumasinstituiçõesdeensi- no superior, a maioria “esteve sempre à espera” que o trabalho fosse realizado ao nível do secundário: “Esta questão é cul- tural, de tradição, e vai acabar por mudar mais cedo ou mais tarde.” Onde há vontade há caminho. O ditado é inglês e serve para o psi- cólogo Paulo Sobral encontrar a resposta da questão que se segue: qual a medida certa entre voca- ção e empregabilidade? A balan- ça, segundo os especialistas, pesa mais para o lado da vocação: “Quando há uma área de paixão alicerçada na experiência e capa- cidades (e não na fantasia), é pre- ciso desenvolvê-la.” Vasco Catarino Soares, direc- tor da Insight-Psicologia, não con- segue ser rigoroso na hora de medir cada um destes lados: “É difícil achar uma medida certa em termos quantitativos.” Mas reconhece que, nesta equação, a vocação ganha mais peso. E voca- ção não é só gostar. Passa sobre- tudo por três condições que têm de convergir para o mesmo pra- to da balança: “Elevado interes- se por uma área profissional, capacidades técnicas para o seu desempenho e características de personalidade compatíveis com as suas exigências.” Estavisãoatrêsdimensõesnem sempre é evidente para a maior parte dos estudantes. E a empre- gabilidade deve ser um factor a considerar. Famílias e profissio- nais de orientação vocacional devem munir-se de informação sobre saídas profissionais, mas sem se “deixarem ofuscar por ela”, ressalva Paulo Jesus, psicó- logo da Universidade de Lisboa. Em casos mais dúbios e, tendo em conta a crise actual, o estu- dante deverá optar pelos cursos com “maior robustez científica e amplitudedecompetências”.Pau- lo Sobral abre a porta a outras possibilidades.Porvezespodeser útil trabalhar as competências que não são imediatas, como lín- guas, informática, etc. É aquilo que, no jargão dos psicólogos, se chama de não-apetências e que valoriza o currículo e aumenta as hipóteses no mercado de tra- balho. Neste mar de dúvidas, há pelo menos uma certeza: “Se as pessoasnãoestãosatisfeitasédifí- cil ter êxito”, avisa Paulo Sobral. E a frustração apenas contribui para “engrossar as fileiras de pro- fissionais que só esperam pelo próximo fim-de-semana”.
  • 5.
  • 6. Eric Herji estava no secundário quando foi pela primeira vez ao Instituto Superior Técnico (IST), numa visita organizada pela escola. “Achei que era o pior sítio do mun- do”, recorda. “Visitámos uma cave escura no pavilhão de Mecânica num dia de chu- va.Aspessoassaíamdelácomumarcabis- baixo e eu pensei: vou sair daqui louco.” O estudante, agora com 20 anos, não vol- taria ao IST até lá ficar colocado e não se deixou iludir pelas aparências. “O que li acabou por pesar mais que aquilo que vi porque procurei muita informação e não me fiquei pelas primeiras impressões.” Eric frequenta o 3.o ano de Engenharia Electrotécnica e de Computadores e está contente com a escolha. No 9.o , quando teve de decidir entre Gestão/Economia (áreaparaaqualtinhamaisaptidão,segun- doostestespsicotécnicos)eCiências/Enge- nharias, acabou por escolher a que domi- nava menos: Engenharia: “Era um desa- fio maior.” Não sabia que profissão queria ter, mas era definitivamente a área de que gostava. E como escolheu o curso? A internet foi uma boa ajuda. Mais centrado em com- petências a desenvolver que numa profis- são concreta, elegeu primeiro a melhor faculdade, segundo o que lia nas notícias e em função das perspectivas de empre- gabilidade: “Só depois escolhi o curso.” O professor de Geometria Descritiva e um tio que já tinha frequentado o curso tive- ram influência na decisão. Há quem defina mais cedo as profissões quegostariadetereAnaMadureiraéuma dessas pessoas. Dar aulas de Matemática seria um dos caminhos possíveis, mas a faltadeempregolevou-aamudardeideias. Depois julgou que poderia fazer investi- gação na área das Engenharias, mas deci- diu-sepelaMedicina.“Achoquefuiinfluen- ciada pelas séries de televisão, como ‘Ser- viçodeUrgência’e‘House’”,contaaestudante de Marco de Canaveses. Deixou-se fasci- nar pela ideia de compreender o puzzle do corpo humano. Conseguiu entrar no curso à terceira, no Santa Maria, em Lis- boa. E não foi no secundário, que comple- tou em Alpendorada, que se informou sobreasopções.“Aminhaescolanãodivul- gava nada”, critica. Foram os tios, dois pro- fessores, que a ajudaram a pesquisar cur- sos e médias e um amigo da mãe, médi- co,falou-lhe“deformabreve”sobreaárea. “O mais difícil é encontrar profissionais das nossas áreas de interesse para conver- sar e apresentar dúvidas”, concorda Sofia Bandeira Costa, de 17 anos e aluna do 12.o A estudante do Colégio São João de Brito, em Lisboa, soube no 8.o ano que queria seguir Direito e por isso fez o trabalho de casa logo no 9.o Por iniciativa própria, foi a um dia aberto da Universidade Católi- ca, onde conhecia uma professora, e pôde ter uma aula de Direito, “muito útil para perceber como a faculdade funciona”. Através do colégio visitou a Futurália, a maior feira nacional de Educação, que acontece em Março na FIL. Durante esse ano conversou com o máximo de pessoas queconseguiu–dealunosaex-alunospas- sando por advogados, juristas, diploma- tas, professores e familiares. De tal forma que quando chegou ao 12.o só lhe faltava escolher a faculdade. Acabou por se decidir pela Católica, pela “maior proximidade” professor-aluno e pela oferta internacional. Sofia está con- vencida de que as escolas poderiam fazer mais para orientar os alunos: “Com tanto tempo livre no horário do 12.o ano, podia existir uma disciplina só para esclarecer dúvidas relacionadas com o ensino supe- rior ou profissional.” Este ano, por exem- plo,haviaumprazoparapedirapassword no site da DGES que permite fazer a can- didatura ao ensino superior mais tarde e ninguém a informou: “Se não fosse um colega a avisar à última hora, teríamos ficado sem a senha.”
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  • 8. Para visitar a família, Ana Madureira pre- cisar de fazer cinco horas e meia até Mar- co de Canaveses. Nasceu em Alpendora- da, tem 21 anos e está no 1.o ano de Medi- cina no Santa Maria, em Lisboa. O seu trajecto foi atribulado. Entre as várias ten- tativas de subir a média e entrar no cur- so que queria, ainda passou por outras licenciaturas no Porto e em Paredes. Só depois conseguiu nota para Medicina. “E não tive grande opção quanto ao local”, conta. A primeira escolha até era Coim- bra,porserbaratomaispertodecasa,mas teve de ficar em Lisboa. Damião Franco foi no sentido inverso, de Lisboa para o Porto. Tem 19 anos e quer ser arquitecto. No 10.o , ainda hesi- tou e escolheu Ciências, por ser uma área “menos restrita e que abria maiores pos- sibilidades na escolha dos cursos”, mas decidiu mudar para o agrupamento de Artes logo no mesmo ano. Agora é caloi- ro da Faculdade de Arquitectura da Uni- versidade do Porto. Escolheu a institui- ção não pela proximidade ou pela ques- tão financeira, mas por ser “a melhor universidade”. “Claro que sai caro aos meus pais estar cá. É mais uma despesa”, admite. Mas eles podiam pagar e deram-lhe essa oportuni- dade. Damião vive com mais três colegas numa casa perto da faculdade: “Foi um achado em termos de preço/localização.” Procurou apartamentos “muito em cima da hora” e é por isso que diz ter tido sor- te. Encontrar um quarto é uma aventura que tem de ser preparada com antecedên- cia para descobrir as alternativas mais acessíveis. A renda fica-lhe em 156€ por mês e ain- da gasta cerca de 100€ em transportes, entre viagens rápidas e idas quinzenais a Lisboa. As contas domésticas, no valor de 31€ e as despesas de alimentação, a ron- dar os 130€ se não houver jantares fora de casa, completam a lista de gastos. E há ainda o material necessário para o curso, um valor que varia “mesmo muito”: pode ser menos de 50€ mensais ou 50€ de uma só vez. “No outro dia, por exemplo, gastei 60€ numa boa caixa de lápis de cor.” Fei- tas as contas, e tirando o valor das propi- nas, os gastos rondam os 500€ por mês. Ao contrário de Ana, Magda Ferreira sempre quis estudar em Lisboa. Vivia na aldeiadoEspinheiro,emAlcanena,equan- do decidiu estudar Ciências da Comuni- cação procurou aquela que achava ser a melhor universidade, a Nova. Mas a média do secundário só lhe permitiu entrar na segunda opção, o ISCSP, no pólo da Aju- da. “Assustava-me sair da aldeia para a cidade,massabiaquenacapitaliriaencon- trar mais oportunidades”, justifica. Magda preparou bem a ida para Lisboa. Não queria ficar numa residência com espaços partilhados e pesquisou por casas na net. Quando soube que tinha entrado, visitou-as e escolheu a que estava mais perto da faculdade. “Quis poupar tempo”, explica. Mas a Ajuda não tem metro e, se voltasse atrás, escolheria viver no centro de Lisboa – só não o faz agora porque gos- ta dos colegas com quem vive. Poupadi- nha, a estudante de 20 anos gasta, além dos 200€ de renda, 40€ a 50€ por mês em produtos de limpeza e alimentação (“a minha mãe manda-me imensa comida congelada”) e cerca de 10€ em saídas à noite (“não saio muito, vou mais a festas na faculdade”). As deslocações também não lhe ficam caras: 4,95€ de comboio Lisboa-Santa- rém, graças ao desconto para menores de 25 anos. Além disso, recebe uma bol- sa de acção social (100€ mensais), que inclui descontos nos transportes locais (14€ pelo passe de autocarro e do metro). É isso e ainda o facto de ter poupado para que a filha pudesse ir para a universida- de que leva a mãe, Dina, a dizer que “não está a ser um esforço financeiro assim tão grande”, embora reconheça que ter Mad- ga a estudar é “sempre mais uma despe- sa no orçamento familiar”.
  • 10. Está há oito anos na A3ES. Alberto Amaral tem 72 anos e, antes de liderar a agên- cia, acumulou experiência a avaliar cursos de formação superior noutros países europeus. O que o choca? A obsessão centralizadora, um defeito bem português e que deixa metade do país – todo o Interior – em risco de extinção
  • 11. É um cenário desolador, passado para o papel sob a forma de gráficos. Para iní- cio de conversa, Alberto Amaral, o pre- sidente da Agência de Avaliação e Acre- ditação do Ensino Superior (A3ES), mos- tra-nos o estado do ensino superior: há uma debandada geral de alunos que, para continuarem os estudos, fogem do Interior para o litoral. Mas há mais: em dois anos (2011-2013), Portugal perdeu 28 mil estudantes universitários. Fixar alunos nas regiões desertificadas é um desafio urgente, tal como acabar com os interesses instalados que têm impedido a descentralização do modelo de gestão no ensino superior. Os números mostram que há muito menos alunos no ensino superior. É possível prever como será daqui para a frente? Essa contracção vai continuar e aumen- tar nas próximas duas décadas. É o ensino privado aquele que mais acusa essa redução? Primeiro é o privado, depois o politéc- nico e por fim o universitário público. Todos vão ser atingidos, mais cedo ou mais tarde. Consequência directa do poder de compra? Não só. Há aqui dois fenómenos: o da natalidade, que vai continuar a sentir-se e que mais tarde vai chegar ao ensino superior, e o da emigração. Mas há ain- da o fenómeno da crise económica, que por vezes leva os alunos a optarem por arranjar emprego logo no final do secun- dário e a só procurarem o ensino supe- rior mais tarde, quando podem. Qual o impacto desses fenómenos na formação a médio e longo prazo? Há áreas mais afectadas que outras. É o caso das Engenharias, em que as disci- plinas de Matemática e Física passaram a ser obrigatórias para o acesso a esses cursos, o que diminuiu o número de can- didatos. Esse efeito ainda é mais brutal no caso da Engenharia Civil, em que não só a entrada é mais difícil, por essa razão, como ainda por cima, devido à crise eco- nómica, as pessoas se afastam dessa área porque a seguir não têm emprego. As universidades privadas tenderão a ajustar a oferta de cursos em função desta contracção do mercado? As privadas e as públicas, todas farão esse percurso para se adaptar. O ensino superior é um bem posicional, há um conceito de qualidade e de importância inerente. Harvard, por exemplo, tem um bem posicional enorme. Uma gradua- ção lá corresponde a um emprego exce- lente. A Medicina também. Estando nós a falar de um sistema em que está em causa um bem posicional, quando hou- ver competição ela vai começar por bai- xo. É isso que se está a observar. Come- ça por haver grandes dificuldades no politécnico e no privado e o público uni- versitário há-de ser atingido, mas mais tarde. Haverá outras consequências, mais graves que a perda de receitas? Pode pensar-se em consequências a dois níveis: o desaparecimento das institui- ções ou a sua fusão. E, claramente, a redu- ção da dimensão. Está a pensar a que distância? Em relação ao privado, está a acontecer neste momento. Já houve algumas insti- tuições que fecharam, como o Instituto Piaget. O Instituto Superior Bissaya Bar- reto, em Coimbra, vai fechar, o Instituto de Espinho também fechou. O ensino público vai aguentando. O público vai aguentando, primeiro por- que conta com o suporte do Orçamento do Estado. Por outro lado, porque a situa- ção começa a corroer por baixo. Ao mesmo tempo tem havido fusões. É uma forma de salvar as instituições? Fusões e compras. A Universidade Euro- peia [que pertence ao grupo norte-ame- ricano Laureate e que na Europa tem sede na Holanda] comprou o Instituto de Artes Visuais, Design e Marketing (IADE) e o Instituto Português de Administra- ção e Marketing (IPAM). Antes já tinha comprado o Instituto Superior de Lín- guas e Administração (ISLA). Essas alterações no mercado têm impacto na qualidade dos cursos? Eventualmente, sim. Havendo uma fusão, se for bem feita, é de esperar que refor- ce a qualidade da instituição. A agência tem a responsabilidade de avaliar o ensino superior. Para quem não conheça o trabalho que desenvolve, em que consiste essa tarefa? A lei estabelece as condições mínimas em que o ensino superior deve funcionar. É preciso definir a composição do corpo docente, a qualidade da investigação, o número de alunos por docente. Como é a relação com as instituições? De uma forma geral, a instituição apre- senta um relatório sobre cada um dos cursos, depois há um grupo de especia- listas que visita a instituição e discute com eles, analisa o relatório e faz uma recomendação. Com que frequência se faz a avaliação? É um trabalho feito a cada cinco, seis anos. A não ser que, a meio do ciclo, haja a noção de que qualquer coisa aconteceu. Se sabemos que há problemas em determinado curso, o que se faz é ir lá mais cedo. Há muito trabalho da instituição nesse pro- cesso de avaliação? Sim, ela tem de fazer uma análise crítica do que está a ser oferecido em cada um dos cursos. Tem de recolher dados sobre o corpo docente, o currículo dos docen- tes, o número de alunos em frequência, o número de diplomados, instalações, etc. O contributo dos estudantes na avalia- ção é importante? Claro que sim. Para já, os alunos devem participar nas comissões de avaliação externa. A comissão de avaliação exter- na é formada por um conjunto de peritos e sempre por um aluno. Os estudantes são essenciais, uma vez que são eles o alvo do ensino. Uma boa parte do trabalho das comissões passa por ouvir os alunos da própria instituição. Ter um aluno do lado de cá facilita muito esse diálogo, porque são eles que estão lá dentro, eles é que sabem como se sentem. As visões do aluno e das instituições coincidem ou há desfasamentos? Às vezes os alunos são mais críticos que os representantes da instituição. Outras vezes não. Mas a própria legislação euro- peia, que vai ser aprovada para o Euro- pean Standard Guidelines, vai obrigar à presença de alunos nas comissões de ava- liação externa. De que forma esse trabalho de avalia- ção do ensino superior poderá ajudar o aluno a escolher a instituição? Temos eliminado os cursos cuja qualida- de não corresponde aos padrões mínimos. Até este momento devem ter sido cerca de 2200 cursos encerrados. E desses, cer- ca de 90% foram fechados por decisão das próprias instituições. Após a avaliação? Por vezes até antes da avaliação. No pró- ximo ano vamos avaliar seis áreas: Físi- ca, Química, Medicina e outras. Há uma lista enviada às instituições. Acontece que, na sequência desse envio, as instituições fecham em média 150 cursos. Significa que começam também a ter uma visão mais crítica. Para mim isto é o mais impor- tante. Não precisamos de ser nós a encer- rar, os próprios percebem que aquilo já não faz sentido – ou porque não tem alu- nos ou porque não tem qualidade. Há cursos que existem para garantir a sobrevivência financeira das institui- ções. Como se lida com esta situação? Não temos esse tipo de considerações em mente. Temos um conjunto de regras e é isso que aplicamos. Há casos em que as instituições foram forçadas a encerrar porque deixaram de ter cursos acredita- dos. Como também há casos de institui- ções que mudaram do sistema universi- tário para o politécnico porque os cursos não tinham qualidade suficiente. Mas há alunos que vão para um curso para o qual não há mercado. O aluno é considerado um cliente ima- turo. Por um lado, porque muitas vezes não tem formação necessária para fazer uma boa escolha. Se optar por Econo- mia em Lisboa ou no Porto, deveria saber quais são as perspectivas de rendimen- tos ao longo da sua vida de trabalho. E esta avaliação não existe. O aluno acaba por escolher por razões que não são as mais lógicas: ou porque a namorada tam- bém foi para lá, ou porque os amigos foram ou porque o tio é jornalista e ele também quer ser. Lá fora é diferente? Já fiz avaliações de instituições na Holan- da e não encontrei um único aluno que me dissesse ter escolhido um curso por causa da qualidade. É importante que exista um sistema que elimine aquilo que nãotemqualidade.Oalunotemhojemeios
  • 12. Ninguém tem a veleidade de comparar o ensino superior português com Cam- bridge ou Oxford. São realidades dife- rentes. Cambridge tem um orçamento para investigação que é três vezes todo o orçamento para o ensino superior em Portugal. Mas em termos médios, com certeza. Os alunos saem bem preparados? Sim, sim. Mas temos um problema com- plicado na competição com alunos estran- geiros, que é a língua. Temos um grupo de clientes naturais que só fala português, os alunos das antigas colónias. Se come- çamos a fazer os cursos todos em inglês, se calhar perdemos esses. E há grandes diferenças entre o ensino público e privado? Em qualquer dos sectores há coisas boas e coisas menos boas. Onde estão as maiores fragilidades? Temos uma fragilidade grande que tem a ver com a procura por parte dos alunos. O Interior tem um problema. Os alunos estão a fugir para o litoral. E saem do Interior por várias razões. Por um lado, têm oferta mais diversificada no litoral e, por outro, não têm emprego no Interior. Como é que as instituições do Interior podem lidar com essa fuga? É complicado, até porque o que temos é um problema de desenvolvimento do país. Um modelo extremamente centralizado, com um Interior desertificado. Na Guar- da, 90% dos alunos que acabam o secun- dário querem vir embora. As instituições do Interior estão conde- nadas à extinção? Vão ter dificuldades, mas não sei qual é a solução. Especializarem-se eventual- mente em algumas áreas, tendo incenti- vos para fixar os alunos. Tem de se inves- tir mais nas regiões do Interior. O que se perde com um modelo centra- lizado como é o caso do português? Destrói-se uma parte do país com este modelo assimétrico. O que explica esta incapacidade de des- centralizar em Portugal? É uma questão de interesses instalados. O poder está centrado em Lisboa. Há falta de vontade dos responsáveis políticos em lidar com este problema? Isso e também não é fácil de resolver. Demora muito tempo inverter esta situa- ção. E mais: Lisboa não se classifica há imenso tempo na distribuição dos fun- dos comunitários. Pelo caminho até mudámos a forma das regiões, alargá- mos o Alentejo para poder continuar a concentrar o investimento num deter- minado sítio. O ensino superior é dinâmico? Cria e encerra cursos com muita rapidez? Nos últimos anos sim. Consequência da crise? Uma boa parte por influência da agência, que forçou as instituições a repensar os cursos.Haviacursosquaseligadosàmáqui- na e que de repente desapareceram. E quanto aos novos cursos, a agência pode bloquear o aparecimento de for- mações sem qualidade? Nenhum curso pode funcionar sem auto- rização nossa. Nenhum curso pode ser criado sem passar primeiro por uma acre- ditação. Desse ponto de vista, são mais uma for- ça de bloqueio à dinâmica do sector ou uma garantia da qualidade? Evidentemente, uma garantia de quali- dade. Se o curso não tiver qualidade, não existe. Mas temos estado a notar uma alte- ração muito importante por parte das ins- tituições que estão a reorganizar a ofer- ta. Passou a haver muito mais cursos entre as várias instituições ao mesmo tempo. E isso é positivo? Melhora a qualidade, porque tem um cor- po docente muito mais diversificado. E garante sucesso, porque tem várias insti- tuições a apoiar aquele curso. Temos nota- do que as instituições que tinham quatro e cinco mestrados na mesma área passa- ram a fazer mestrado único. As próprias instituições têm estado a racionalizar a oferta, evitando desperdícios. Em parte por pressão da agência, mas também por razões económicas. Está a haver uma mudança positiva muito grande no siste- ma. Qual foi a situação mais estranha que encontraram na avaliação dos cursos? Foi numa universidade pública. Um dou- toramento em que não havia um único doutorado da área a leccionar. Quando aparecia um candidato contratavam um docente ou faziam um acordo com outra instituição. São casos pontuais? Inicialmente houve um número substan- cial de casos dessa natureza. Só isso expli- ca que de repente as instituições tenham começado a encerrar muitos cursos. para saber que cursos estão ou não acre- ditados. Vai à base de dados e está lá essa informação. Qual o futuro de um curso chumbado? No dia em que é comunicado que o cur- so não é acreditado, a instituição deixa de poder receber novos alunos e tem dois anos para encerrar aquela formação. O que mais falha para que um curso não seja acreditado? A falta de corpo docente é um caso óbvio. O que acontece muito em Portugal é que, quando aparece uma área nova que atrai alunos, toda a gente vai fazer. Essa é uma das razões mais frequentes. Já há mais consciência da necessidade de ser avaliado? Não havia uma entidade reguladora que fosse eficaz e, no princípio, foi uma guer- ra. Primeiro que as pessoas se habituas- sem à ideia de que isto era mesmo a sério... agora não. Repare que o sistema anterior funcionou durante dez anos e nunca hou- ve uma decisão de guilhotina. Em dez anos não houve um curso encerrado. A rede era mais alargada? A entidade avaliadora também não tinha decisões vinculativas. Fazia-se o relató- rio, que seguia para o ministério, e mor- ria ali. Agora a decisão é final, não é pos- sível o governo mudar as decisões. As instituições são colaborantes, dão a informação necessária? Há de tudo. Por vezes as informações não são as mais exactas. O ensino superior em Portugal é de qualidade? Penso que sim. O que se verifica é que não há nenhum problema com médicos, enge- nheiros, enfermeiros que querem ir tra- balhar para o estrangeiro. Vê-se pela emi- gração de jovens. É frequente, aliás, virem cá equipas de recrutamento na área médi- ca, de enfermagem ou engenharia. Os ale- mães, ingleses e franceses fazem isso fre- quentemente, recorrem a mão-de-obra portuguesa. Há pouco tempo, o ministro da Educa- ção pôs em causa a qualidade da forma- ção dos professores. Isso leva-nos à questão de há pouco: nesta área é fre- quente a formação apenas para garan- tir a sobrevivência das instituições? Acontece claramente. Agora não tanto. Com o desemprego dos professores tor- nou-se uma área pouco apetecível, por isso a procura está a diminuir. E a qualidade do ensino superior per- mite-lhe competir com países de refe- rência?