1. A monografia discute as relações entre a Igreja Católica e o poder político em Conceição do Coité entre 1989 e 1996, período da chegada do padre Luiz Rodrigues Oliveira.
2. O padre Luiz implementou mudanças na igreja local e passou a contestar publicamente as irregularidades da administração municipal, o que gerou conflitos com os políticos locais.
3. A atuação do padre Luiz e de outros membros católicos promoveu mudanças políticas e sociais no municí
Padroado no sertão negociação e conflito entre igreja e poder político em conceição do coité entre 1989 e 1996
1. 1
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS XIV
LICENCIATURA EM HISTÓRIA
CRISTIAN BARRETO DE MIRANDA
“Padroado no Sertão”
Negociação e conflito entre Igreja e poder político em Conceição do Coité entre
1989 e 1996.
Igreja de Nossa Senhora da Conceição do Coité - BA
Conceição do Coité
Dezembro/2009
2. 2
CRISTIAN BARRETO DE MIRANDA
“Padroado no Sertão”
Negociação e conflito entre Igreja e poder político em Conceição do Coité entre
1989 e 1996.
Monografia apresentada a Universidade do Estado da
Bahia – Campus XIV como requisito parcial para
obtenção do título de graduado em Licenciatura em
História sob a orientação do professor Mrs. Eduardo José
Santos Borges.
Conceição do Coité
Dezembro/2009
3. 3
Componentes da Banca examinadora:
Profº Mrs.Eduardo José Santos Borges (Orientador).
ProfªMrs.Zuleide Paiva da Silva.
Profª Drª Sharyse Piroupo do Amaral.
4. 4
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus pela força e persistência que Ele me concedeu em todos esses anos e
em especial na trajetoria desse trabalho que prosegue por outros caminhos a partir do próximo
ano.
Agradeço a minha família, sem vocês, concerteza não teria chegado até aqui, valeu
pelo zelo e dedicação, serei eternamente grato pela presença de vocês na minha vida. Dedico
esse trabalho a vocês.
Em especial agradeço ao meu irmão Cristiano Barreto pelo companheirismo e
incentivo para a realização dessa pesquisa.
Agradeço também outras pessoas que contribuiram para que este trabalho pudesse
acontecer, apesar de muitas faço questão de citá-las.
Aos meus colegas e amigos da Turma de História 2006.1 do Campus XIV da UNEB
que me acompanharam nesses anos de batalha, em especial, a Samara Suelen, que construiu
comigo a primeira versão do projeto desta pesquisa, dedico também a ela esse trabalho; a
Antonia Gislaine, Antonio Thiago, Maurício, Renata, Tayla e Sinara pela força e motivação; a
Rafaela, Edcarla, Ana Lúcia e Kécia Dayana pelas inúmeras leituras e correções. Valeu
mesmo!
Aos funcionários da secretária paroquial, Lucivan, Izabel e Manoel pela
disponibilidade em me atender cotidianamente em minhas visitas a documentação do Arquivo
da Paróquia Nossa Senhora da Conceição. Ao Sr. Mário pela confiança em disponibilizar os
inúmeros jornais para a realização dessa pesquisa.
Aos professores que acompanharam a construção desse trabalho desde a concepção do
projeto até a orientação do mesmo, agradeço em especial, aos professores Aldo Morais e
Rogério Souza. A Eduardo Borges pelas orientações e pelo incentivo para a concretização
desse trabalho, como também, a Sharyse Amaral e Zuleide Paiva que se disponibilizaram para
a apresentação do mesmo. E todos que participaram da minha formação acadêmica.
Por fim, agradeço as pessoas que prestaram o seu depoimento, Pe.Luiz Rodrigues,
Ivonete Baldoino, Francisco de Assis, Adauto Mota e o Sr. Nilson Oliveira, que partilharam
suas memórias, suas experiências, seus sentimentos, seus ideais, suas lutas enfim suas
histórias de vida para a realização desta pesquisa, que sem a contribuição dos mesmos o
trabalho não seria possível.
5. 5
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo central verificar a atuação dos representantes da Igreja
Católica de Conceição do Coité, como espaço de poder contestatório e de força de
mobilização social em oposição à política clientelista presente em Conceição do Coité, cuja
atuação acentua no período entre 1989 e 1996. Período da chegada do padre Luiz Rodrigues
Oliveira, que por adotar uma postura de contestação, de denúncia das irregularidades da
administração municipal foi alvo de alguns processos e hostilidades pelos chefes políticos
locais. A atuação desses membros católicos foram peças centrais para a alteração das relações
políticas, proporcionaram mudanças a nível político e social, formando uma nova concepção
da política no meio dessa comunidade. Para entender essa atuação consultei o arquivo da
Paróquia Nossa Senhora da Conceição do Coité, as Atas da Câmara Municipal, os jornais
Tribuna Coiteense, Coiteense, O Mensageiro e entrevistei os principais envolvidos nesses
conflitos. Dialogo com diversos autores que se dedicaram pesquisar essa atuação política da
Igreja Católica, tendo como referência Michael Lowy. Inicialmente, discuto o cenário político
e religioso de Conceição do Coité antes da chegada de padre Luiz Rodrigues, época dos
“Bons Tempos”. Em seguida, trato das mudanças implementadas pelo padre Luiz na
instituição religiosa e a sua atuação política na sociedade coiteense. E, finalmente, abordo os
conflitos entre e padre e o poder político dominante, além de perceber as reações que a
população e o grupo hegemônico local tiveram frente à ação de oposição assumida pela
instituição religiosa local.
PALAVRAS – CHAVES: Igreja Católica; Vaticano II; Política; Conflito; Pe.Luiz Rodrigues
Oliveira; Conceição do Coité.
6. 6
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 7
CAPÍTULO I – “Bons Tempos” ............................................................................................ 13
CAPÍTULO II- “Um mundo uma revolução na minha cabeça” ............................................ 30
CAPÍTULO III – “O preço da independência” ..................................................................... 47
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................ 69
REFERÊNCIAS .................................................................................................................... 73
FONTES..................................................................................................................................76
7. 7
INTRODUÇÃO
Durante a segunda metade do século XX, a Igreja Católica se aproximou da causa da
justiça social na defesa dos pobres e oprimidos. E sobre o desenvolvimento dessa perspectiva,
Thomas C. Bruneau e W. E. Hewitt, em Catholicism and Political Action in Brazil:
Limitations and Prospects, discutem que essa atitude perpassa por dois pensamentos distintos,
no qual, alguns pesquisadores dessa temática comentam que essa preocupação com a justiça
social nasceu diante da necessidade de preservar a sua posição hegemônica nessas regiões,
certo oportunismo institucional; já outros defendem essa postura, devido à participação das
classes mais baixas na reorientação da Igreja, empurrando-a na defesa dos interesses políticos
das mesmas.
Porém, os autores afirmam que ambos os pensamentos são falhos, apesar delas
refletirem sobre algumas influências bastante salientes da sociedade sobre a mudança da
Igreja. No entanto, negligenciam muitas dimensões centrais da mesma.
Concluem que essa perspectiva foi influenciada por um contexto mais amplo, no qual
tal postura foi incentivada pelas “tendências teológicas na Igreja universal”, que culminaram
com o Concílio Vaticano II1 (1962-1965) e na igreja regional na reunião do Conselho
Episcopal Latino-Americano (CELAM) - em Medellín (1968). Esses autores destacam como
principal veículo dessa mudança da posição da Igreja no Brasil as ações da CNBB, que
comandada por um clero progressistas promoveu no cenário brasileiro programas sociais de
implicações políticas, como o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), e a Comissão
Pastoral da Terra (CPT); a promoção das CEB’s e sua opção preferencial pelos pobres.
Caminhando na mesma linha de interpretações, Michael Lowy, em Marxismo e
Teologia da Libertação apresenta o engajamento de cristãos da Igreja Latino-Americana aos
ideais marxistas, no que se refere na luta de classes, na opção pelos pobres e na luta por uma
sociedade mais justa e igualitária. Isso graças ao surgimento de um novo movimento dentro
da Igreja a Teologia da Libertação. Lowy, afirma que sem a prática desse cristianismo para a
libertação não se pode compreender fenômenos sociais e históricos tão importantes quanto à
escalada da revolução na América Central ou a emergência de um novo movimento operário
no Brasil.
1
O Vaticano II foi um concílio realizado na Igreja Católica, com os bispos de todo mundo e de alguns
representantes de outras denominadas religiões cristãs, desde 1962 a 1965 em diversas sessões na cidade do
Vaticano, sendo convocado pelo papa João XIII e encerrado pelo papa Paulo VI.
8. 8
Segundo Lowy, o engajamento de setores da Igreja nessa participação popular, mesmo
daqueles que não são pobres, se deve muito a dimensão moral e espiritual que está ligada a
sua fé cristã e a tradição católica. Visto também, que ela é a principal motivadora de milhares
de militantes cristãos dos sindicatos, das associações de bairro, das comunidades de base e das
frentes revolucionárias. A partir dos anos 1960 na América Latina, se evidencia um processo
de radicalização por parte de alguns cristãos que descobrem no marxismo “uma chave para a
compreensão da realidade e um guia para a ação libertadora” 2.
Na visão de Dermi Azevedo em A Igreja Católica e seu papel político no Brasil, a
América Latina foi o primeiro continente a se mobilizar para a implementação das reformas
eclesiais aprovadas pelo Concilio Vaticano II, percebendo um, extraordinário foco de
contestação que se desdobrou em ações por diversos países. Evidenciando o envolvimento de
clérigos e leigos em vários movimentos sociais e participando da esfera política, todos
influenciados pela Doutrina Social da Igreja e pela Teologia da Libertação que pregava a
instauração de uma igreja a favor dos pobres.
No Brasil esse processo de mudança tem como marco a criação da Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) por Dom Hélder Câmara em 1952, pois ela nasce num
contexto de intensa transformação social, isto é, crescimento industrial, urbanização, êxodo
rural e secularização. “É em seu interior que a ‘igreja do povo’ é mais tarde institucionalizada.
“3 Sendo percebida através dos movimentos populares, pastorais sociais, conselhos de
pastorais e das Comunidades Eclesiais de Base (CEB´s) caracterizando essa atuação como
sendo um espaço de luta pela reconstrução das elações democráticas e na transformação das
relações sociais em busca de uma sociedade mais justa.
Roniere Ribeiro Amaral em O Milagre político: Catolicismo da Libertação realiza
uma investigação sobre o nascimento e estabelecimento desse novo modelo de catolicismo
presente no Brasil durante a segunda metade do século XX, percebendo a atuação de vários
movimentos católicos leigos de esquerda e da CNBB. Afirmando que essa mudança política
da Igreja, voltada para essa corrente libertária, não foi tão simples assim, apesar da mesma
estar sempre envolvida com a política, esse processo perpassa pela idéia messiânica,
burocratização da Igreja e relação entre laicato intelectual (estudantes e universitários) e
sacerdotes.
2
LOWY, Michael. Marxismo e Teologia da Libertação. São Paulo: Cortez: Autores Associados,
1991.(Coleção polêmicas do nosso tempo; v.39)Ibidem. p. 39.
3
AMARAL, Roniere Ribeiro. Milagre Político: Catolicismo da Libertação. UnB, Tese de Doutorado, 2006.
Disponível em www.bdtd.bce.unb.br. (acesso em 10/09/2009)
9. 9
Nesta perspectiva o presente trabalho pretende seguindo as mudanças vivenciadas pela
Igreja Católica do Brasil propostas pelas as inovações do Concilio Vaticano II verificar as
relações estabelecidas entre os representantes da Igreja Católica de Conceição do Coité com a
administração pública municipal, no período entre 1989 a 1996. Como também, o processo de
conflito vivenciado pelas duas instituições durante a administração paroquial do padre Luiz
Rodrigues Oliveira que contribuiu para uma nova concepção nas relações políticas locais.
Com o título “Padroado no Sertão”: Negociação e conflito entre Igreja e poder
político em Conceição do Coité entre 1989 e 1996 faz-se necessário comentar um pouco a
respeito da utilização do termo Padroado nessa pesquisa, visto que esse regime instituído no
decorrer da história para representar a relação entre Igreja-Estado é suprimido com o Concílio
Vaticano II e que no Brasil foi extinto pelo Decreto 119A, de 7 de janeiro de 1890, o governo
republicano extinguiu o Padroado e separou a Igreja do Estado .
As origens desta instituição (Padroado) remontam à Ordem dos Templários e à Ordem
de Cristo. Fundada para proteger os peregrinos da Terra Santa, no período das Cruzadas, a
Ordem dos Templários tornou-se muito influente e poderosa, mas, por pressão do rei Filipe, o
Belo, da França, foi extinta pelo papa Clemente V, em 02 de maio de 1312 (bula Ad
providam). Sendo retomado num tratado entre a Igreja Católica e os Reinos Ibéricos através
de uma bula papal em 1551 que uniu perpetuamente a Coroa Portuguesa à Ordem de Cristo,
dessa forma, recebendo por meio desta, a Coroa o direito de interferir nos assuntos
eclesiásticos, trazendo benefícios para as duas instituições. Concedendo o direito de
autoridade da Coroa Portuguesa a Igreja Católica, nos territórios de domínio Lusitano. Esse
direito do Padroado consistiu na delegação de poderes ao Rei de Portugal, concedida pelos
papas, em forma de diversas bulas papais. A partir de então, no Reino Português, o Rei passou
a ser também o patrono e protetor da Igreja.
O rei mandava construir igrejas, nomeava os padres e os bispos, sendo estes depois
aprovados pelo Papa, também, tinham direito à cobrança e administração dos dízimos
eclesiásticos, isto é, a contribuição dos fiéis para a Igreja se transformava num imposto
religioso administrado pela Coroa. Em troca, a administração civil tinha a obrigação de zelar
pela construção, manutenção e restauração dos edifícios de culto, remunerar o clero e fazer o
que estava ao seu alcance para promover a expansão e consolidação da fé católica.
Em O Padroado e a Igreja no Rio Grande do Sul Português, Pe.Eduardo Pretto
Moesch discute de forma profunda o significado do termo Padroado e sua influência no
decorrer da história afirmando que Portugal diferente do padroado espanhol não foi fiel as
suas obrigações de assistência a Igreja o que resultou na vinda de religiosos para a América
10. 10
Portuguesa, por exemplo os jesuítas, autorizados pelos português. Contudo, Portugal não via
com bons olhos a vinda de missões estrangeiras restringindo assim a tarefa missionária. E
para tentar manter sua influencia sob a instituição religiosa utilizou de diversos mecanismos
para impedir a propagação de missões evangelizadoras.
A fim de gerenciar todos estes “direitos e deveres” relativos ao Padroado régio, foi
estabelecida, já em 1532, a Mesa de Consciência e Ordens, uma espécie de
departamento religioso do Estado português, subordinada diretamente ao rei,
informando-lhe sobre a situação das igrejas e capelas, hospitais, ordens
religiosas,escolas, dioceses e paróquias, etc. Qualquer assunto religioso de alguma
importância no Brasil devia passar pelo parecer jurídico da Mesa, como a provisão de
cargos eclesiásticos e a atividade missionária. Desse modo, a influência de Roma na
evangelização do Brasil se tornou praticamente nula, pois toda atividade eclesiástica
era atentamente controlada pela Coroa, a ponto de jamais terem sido aceitos legados
pontifícios em território brasileiro, chegando-se ao extremo, em 1629, de obrigar os
bispos a fazer um juramento de fidelidade ao Padroado, o que incluía, entre outras
coisas, a promessa de não manter relações diretas com Roma! Assim sendo, a própria
Congregação para a Propagação da Fé (Propaganda Fide), fundada em 1622 para ser
um centro missionário, com sede em Roma, encarregado de transformar as missões de
um fenômeno de cunho marcadamente colonial para um movimento de prevalência
espiritual e eclesiástica, em defender os missionários da interferência do poder político
e formar um clero indígena, não teve maiores influências no Brasil durante a vigência
do Padroado, impedindo um trabalho com maior autonomia e a presença de um
número quiçá suficiente de operários. (MOESCH, 2007, p. 4).
Moesch em seu artigo discute também as conseqüências do Padroado para a Igreja do
Brasil no qual esse regime, acabou tornando-se, com o passar dos anos, um instrumento de
sujeição da Igreja. Servindo, em alguns momentos, de meio “da Coroa em arrancar riquezas e
firmar o domínio no além-mar, tornou-se uma ferramenta a mais nas mãos do rei para tal
intento”. Além, da limitação que o clero e os leigos estavam sendo submetidos ás restrições
adivinhas do poder civil. Esses primeiros enfrentaram a dificuldade de administrar paróquias,
pelo fato do Brasil durante cem anos permanece com uma única arquidiocese (Bahia)
contando com apenas seis dioceses. “Quanto os leigos a limitação do regime do Padroado à
ação dos bispos, padres e religiosos impediu, de uma parte, uma evangelização mais
aprofundada da população”. Todavia, conquistaram seus espaços em irmandades religiosas,
ordens terceiras,organização de rezas e procissões.
Isso fez com que o catolicismo na Terra de Santa Cruz se desenvolvesse com
características próprias, bem distintas das igrejas européias, fortemente influenciadas
pelo Concílio de Trento (1545-1563), onde eram enfatizadas a prática sacramental e a
supervalorização do clero, em boa parte como decorrência da necessidade de se
responder, no Velho Continente, ao desafio provocado pela Reforma Protestante, que,
de modo geral, refutou a hierarquia eclesiástica e criou novas concepções sobre os
sacramentos. (MOESCH, 2007, p. 6).
11. 11
Dentro desse contexto a utilização do termo Padroado nesta pesquisa se debruça nas
relações que foram mantidas entre Igreja-Estado no que diz respeito nos momentos em que a
instituição religiosa esteve sujeita as ações do poder político, é claro que tal termo suscita no
decorrer da história diversas contradições e conflitos, principalmente na Igreja do Brasil.
Porém evidencia que por muito tempo a Coroa gozou do direito de interferir quando quisesse
no governo da Igreja, em que o rei tornou-se uma espécie de chefe religioso em tais domínios.
E essa interferência, guardando as devidas proporções, relembra a situação que a Igreja
particular de Conceição do Coité vivenciava antes de 1989, uma situação de subserviência
com o poder público local, dependia economicamente desse poder para se manter, por
exemplo, pagamentos de funcionários, custeio a reformas e despesas em geral.
Para realizar essa pesquisa as fontes que foram utilizadas são de várias procedências.
Todavia a que mais tive contato durante o decorre da investigação foi o Livro de Tombo da
Paróquia Nossa Senhora da Conceição do Coité, este contém registros sobre o histórico da
paróquia, a sua criação, as suas prioridades pastorais, os padres que a administraram, a ação
pastoral dos mesmos na comunidade, apresenta também, datas e acontecimentos referentes ao
próprio desenvolvimento da cidade, aspectos sociais, econômicos, culturais e políticos, sem
falar das relações de poder que envolviam a instituição religiosa. Como também, os diversos
documentos presentes no arquivo paroquial, desde ofícios, correspondências até anotações
sobre os conflitos escritos pelo próprio padre Luiz Rodrigues, que permitem vários tipos de
análise e constituem, sob a ótica religiosa, ricos registros sobre a vida cotidiana.4
Além dessas fontes analisei, não menos importantes, mas que “clarearam” a trajetória
da pesquisa quando esta parecia um pouco “embasada” foram os Jornais Tribuna Coiteense,
Coiteense, O Mensageiro, A Tarde e Feira Hoje que possibilitaram a compreensão do cenário
político coiteense e a repercussão que tais acontecimentos tiveram dentro da região.
Foram consultadas, também as atas da câmara municipal, percebendo os discursos
proferidos por seus integrantes, com a finalidade de fundamentar a compreensão das reações
do poder público frente às ações da instituição religiosa. Analisados registros jurídicos
referentes aos processos que o padre Luiz teve que responder do fórum Durval da Silva da
Comarca de Conceição do Coité da década de 1990.
E a História Oral considerada um método riquíssimo para a História Recente, através
dos depoimentos orais de alguns leigos que compunham o conselho pastoral e administrativo
da referente paróquia durante o período estabelecido pela pesquisa e que foram importantes
4
SAMARA, Eni de Mesquita e TUPY, Ismênia S. Silveira T. História & documento e metodologia de
pesquisa. Belo Horizonte: Autêntica, 2007.
12. 12
testemunhas desses conflitos. Considerando que “um fato não é um ser, mas um cruzamento
de itinerários possíveis” 5 analisei tais discursos observando as ligações existentes entre eles e
por meio da memória coletiva construir uma possível verdade histórica acerca das relações
entre as forças política e religiosa.
Todas as fontes orais especificadas nessa pesquisa, através das inúmeras entrevistas,
forneceram elementos que puderam ter sido excluídos das fontes escritas e que serviram para
fazer emergir novos aspectos do objeto pesquisado. O trabalho com a História Oral seguiu as
instruções de Verena Albertini6, onde esta apresenta os relatos da memória como importante
espaço para análise, que precisa ser realizado com uma metodologia especifica, sendo
desenvolvido em etapas.
O trabalho está estruturado da seguinte maneira:
1. No CAPÍTULO I - “Bons Tempos” será reconstituído o cenário político e religioso
do município de Conceição do Coité antes da chegada de Pe. Luiz Rodrigues, e a
caracterização das relações que se mantinham entre a Paróquia Nossa Senhora da
Conceição e o grupo político dominante antes de serem rompidas em 1989.
2. No CAPÍTULO II - “Um mundo uma revolução na minha cabeça” serão
discutidos, uma pequena biografia do padre Luiz Rodrigues, no que diz respeito sobre
sua formação acadêmica e sacerdotal, pretendendo perceber a sua visão de mundo e
seus ideais sociais defendidos pelo mesmo; e as mudanças que o novo pároco, realizou
na instituição religiosa local, que levou-o a romper as relações com o grupo político
dominante, como também, perceber se as idéias da corrente libertária da Teologia da
Libertação influenciaram nesse processo de mudanças.
3. No CAPÍTULO III- “O preço da independência” serão relatados às reações que a
população coiteense teve frente a posição política adotado pelo padre Luiz Rodrigues
e de alguns leigos da Paróquia Nossa Senhora da Conceição do Coité, ainda mais, a
cerca de como o poder político dominante agiu devido a essa ação de oposição
assumida pela instituição religiosa frente a sua administração municipal.
5
VEYNE, Paul. Apenas uma narrativa verídica. In:___Como se escreve a historia: Folcault revoluciona a
história. 4 ed. Brasília: Editora da UNB, 1998.
6
ALBERTI, Verena. Histórias dentro da História. In: PINSSKY, Carla Bassanezi (org). Fontes Históricas. 2ed.
São Paulo: Editora Contexto, 2006.
13. 13
CAPÍTULO I
“Bons tempos”
“Lembro-me distante, e quase em remotos tempos de infância quando
éramos levados pelos nossos pais à igreja para assistirmos à missa.
Antes do começo da celebração, tudo no interior do templo era respeito,
fé, orações e silêncio absoluto entre os fiéis que às vezes eram
quebrados pelos vôos gorjeios das andorinhas que em nossas mentes
seriam os anjos dos céus, em forma de pássaros e estavam ali as
imagens de Cristo crucificado e Nossa Senhora da Conceição (...). Na
época podia-se observar as ruas completamente desertas estavam pois
todos ali, na igreja ao coreto, a praça em si completamente lotada de
cristãos, com um único objetivo: com os pensamentos contritos à Deus
e em Nossa Senhora da Conceição. (...). Como era belo, como era
bonito toda a população unida à igreja num só pensamento. Na crença,
na fé e na paz.” (Jornal Coiteense nº 14, Conceição do Coité, 24 de janeiro de
1997.p. 4).
14. 14
A Paróquia Nossa Senhora da Conceição do Coité, no ano de 2005, completou 150
anos de elevação da antiga capela para a categoria de Freguesia no dia 09 de maio de 1855.
Desmembrando-se da Freguesia Nossa Senhora da Conceição de Riachão do Jacuípe e
pertencendo a Vila de Feira de Santana, esta que no início do século XX tornou-se capital
regional do Estado da Bahia.7
A capela construída na Fazenda Coité tornou-se símbolo e marco de desenvolvimento
do arraial nessas terras sertanejas.
A notícia que se tem em relação à construção da capela é de que a mesma teria sido
iniciada provavelmente, por volta de 1756, em terras ofertadas pelo benemérito João
Benevides, sendo doado ‘cem metros ao redor da igreja’, conforme diz a tradição.
(OLIVEIRA, 2002, p. 7)
O aparecimento da Fazenda Coité, como de tantas outras situadas na região do “Sertão
dos Tócos” se deve pela presença de inúmeros tropeiros que com suas boiadas desenvolveram
diversas estradas e propiciaram o aparecimento dessas fazendas que serviam de local para o
descanso desses “aventureiros” do sertão.
O antigo território de Conceição do Coité situava nos trajetos que interligavam
Salvador ao alto Sertão do São Francisco e o Estado do Piauí. Mas além de servir de
passagem para inúmeras boiadas, saciava a sede dessas excussões pelo sertão devido à
nascente de água cristalina denominada de “Tanque de Coité”, popularmente conhecida como
“Olhos d’água”. Essa nascente propiciou a fixação de diversos tropeiros aqui nessas terras,
pois além de saciá-los com suas boiadas, despertavam o interesse de fixarem moradia nas suas
proximidades, visto que a seca do sertão acabava matando seus animais. O “Tanque de Coité”
aparece no roteiro que Joaquin Quaresma Delgado fez sobre as estradas da Bahia em 1731.8 E
nas viagens dos ingleses Von Spix e Von Martius.
O município de Conceição de Coité desde sua origem tem grande devoção pela
Imaculada Conceição, esta que é a padroeira da cidade. A religiosidade popular considera que
o nome da cidade se deve pelo fato desta ter aparecido nas proximidades da fazenda em cima
de um pé de coité, dessa forma “Conceição” referindo-se a santa e “Coité” ao fruto da
cuitezeira. Sendo que a festa tradicional em devoção a Santa foi oficializada no dia 08 de
dezembro de 1882, através do padre Madureira, e que se tornou uma das mais populares festas
da cidade. Mas porque a necessidade de relatar esse feito, visto que o trabalho proposto não
7
RESENDE, Lívia Paola. As novas concepções do clero feirense diante das novas inovações do Vaticano II
(1964-1980). Feira de Santana, 2008 . Monografia de Graduação em História. Universidade Estadual de Feira de
Santana. p.15.
8
BARRETO, Orlando Matos.
15. 15
tem a finalidade de descrever tal festa. Porém, a importância está em perceber as relações
sociais que se constituíram ao redor desses espaços promovidos pela Igreja e que tiveram e
tem grande papel dentro da sociedade coiteense, não que esse seja um feito somente de Coité,
mas é importante perceber essas relações entre as principais instituições do município e que
estabelecem uma relação de poder.
Aline Coutrot, em Religião e política analisa que durante muito tempo as ligações
íntimas entre religião e política foram desprezadas pela história do político. A autora afirma
que forças religiosas são levadas em consideração como um fator de explicação política em
numerosos domínios e que as mesmas fazem parte do tecido político, no qual, o religioso
informa em grande medida o político, e também o político estrutura o religioso.
A festa dedicada à padroeira nos relatos dos documentos analisados no Livro de
Tombo da paróquia demonstra que os festejos à Imaculada Conceição iniciavam com a
novena no dia 29 de novembro e sempre era realizada de forma brilhante pela sociedade
coiteense, essa que no dia 08 de dezembro expressava toda a sua devoção pela santa. Pela
manhã realizava-se a alvorada de fogos acompanhada pelos badalos do sino da matriz, e
aconteciam diversas missas durante a parte da manhã encerrando a festa a tarde com a
procissão pelas ruas da cidade no qual percorria a imagem da padroeira erguida pelos fiéis. A
festa contava com a participação de autoridades políticas e do clero da região, toda a cidade
enfeitava-se para celebrar esta data considerada “Magna” pelos coiteenses.
Levamos a efeito com extraordinária pompa a nossa festa. Fôram os seguintes os atos:
Recepção da Filarmônica de Serrinha, com grande caravana de pessôas distintas
daquela visinha cidade, notando-se Illmo. Sr. Prefeito e o Dr. André Negreiros.
Discurso de recepção pelo Sr. Genesio Bôaventura; Recepção do Exmo. Arcebispo
Primás com o discurso do Provisionado Durval Pinto. Anoite com a presença Exma
Revdmo e com um sermão do Revdmo Sr. Cjo secretário do Arcebispado Eliseu
Mendes celebrou-se a última novena preparatória. Pela manhã do dia 08 a missa do
Exmo. Sr. Arcebispo e foi a de primeira comunhão de crianças, duzentas e tantas que
executaram os cânticos da Missa. As 10h entrou a missa com a Assistência Pontificial
e Acolita pelos sacerdotes (...). À tarde o Exma e Revdmo Sr. Arcebispo Primás
distribuiu o sacramento da Confissão a setecentas pessoas. Seguiu-se a procissão de
encerramento com prática pelo Vigário e benção do SS. Sacramento. (...). Para o
brilhantismo desta festa, atendendo à missão, em tudo cooperaram IImo Sr. Prefeito e
outras autoridades locais. O magnífico resultado de tudo deve-se ao esforço da
Comissão, tendo à frente o Cel. Wercelêncio da Mota, D. Presidente, que
distintamente hospedou o Exmo Sr. Arcebispo e outros membros visitantes. O
tesoureiro das Festividades pode apresentar à comissão o seu trabalho bem controlado
ao ponto de nada ter faltado ocorrer às despesas que atingiram ao total de oito contos
de reis. A todos esses, o povo em geral e áqueles que aqui não foram citados mas
merecem uma menção especial, fica neste livro do Tombo o agradecimento do
Vigário. Tudo para maior Glória da Virgem SS. (Livro de Tombo da Paróquia Nossa
Senhora da Conceição p. 31.)
16. 16
É interessante notar que esse movimento religioso adquire uma grande importância
para a população coiteense, envolvendo todos, desde simples participantes das celebrações até
ilustres autoridades políticas. Compreendendo assim outra dimensão da festa, a política, pois
seus benfeitores ganham prestígio e conseguem que as posições que assumem sejam
reforçadas ou até mesmo elevadas perante a sociedade. Aproveitando-se dessa realidade
muitos políticos da cidade tornavam-se presidentes da festa, participavam da comissão
organizadora, ajudavam financeiramente e assim conseguiam conquistar prestígio perante os
outros. Como é evidenciado no relato acima em que o presidente da festa o Sr. Wercelêncio
da Mota era um dos grandes líderes políticos do município. Estabelecendo-se, dessa forma
uma negociação entre as duas instituições.
Como exemplo dessa relação pode-se citar o relato do vigário paroquial padre Luiz
Bellepede em 08 de dezembro de 1970, na qual o novenário da festa foi realizado de forma
simples, sem a presença do bispo e com pouca participação dos fiéis devido à trágica morte do
prefeito, Dr. Pinheiro, que ganhou as eleições segundo o padre devido os serviços prestados a
comunidade. E encerra o relato apresentando o presidente da festa o Sr. Misael Ferreira que
na mesma década era vereador e pleiteava o cargo para ser sucessor de Dr. Pinheiro.
Mas é claro que essa relação não acontecia somente nas festas da padroeira, mas
reflete bem como eram estabelecidos os laços entre igreja e política em Conceição do Coité
antes de 1989, acontecia também outras práticas que evidenciam essa relação. Ao analisar os
documentos do Livro de Tombo pertencente à paróquia, precisamente nos relatos da década
de 70 percebe-se que aconteciam inúmeras relações entre os administradores municipais com
a instituição religiosa desde as missas em ação de graças à posse dos prefeitos e outras
autoridades políticas do município, como também do treinamento dos professores municipais
realizados pela paróquia. Além disso, apresentam vários relatos a respeito de visitas do
governador do Estado e de sua comitiva à cidade, que era acolhida pelo prefeito e geralmente
almoçavam com representantes religiosos que estavam presentes na casa do prefeito. Percebe-
se no relato abaixo que o pároco ao descrever a visita do governador, anuncia o futuro
governador da Bahia que era apoiado pelo então governador Luis Viana.
A visita do Sr. Governador Luis Viana Filho a Coité para a inauguração de obras da
prefeitura. Fazia parte também de sua comitiva o futuro governador Antonio Carlos
Magalhães e outros ilustres deputados. Às 13 horas a filarmônica seguida do povo se
movimentava para encontrar os visitantes que vieram de Riachão. Junto ao cemitério o
Sr. Prefeito, a câmara de vereadores e outras personalidades, com o Vigário e o
seminarista, o povo atendia a chegada do ilustre chefe executivo da Bahia. Depois
foram as salvas de palmas e foguetes acolhiam os ilustres hóspedes. O almoço foi na
casa do prefeito que durou até ás 15:30horas. Todos se dirigiram para a inauguração
(...). Depois da benção dada pelo vigário se foi para a tribuna onde falaram vários
17. 17
deputados enfim o futuro governador Antonio Carlos Magalhães. O Sr. Governador
com sua comitiva se foram para Salvador. (Livro de Tombo da Paróquia Nossa
Senhora da Conceição do Coité, p. 75).
Parece insignificante essa mediação entre religião e política, mas ela ganha grande
conotação, pois como afirma Coutrot essa relação reside no fato de que as Igrejas são corpos
sociais e como tais, difundem um ensinamento que não se limita às ciências do sagrado, mas
tudo aquilo que cerca a vida do homem, sendo que a crença cristã se exprime no seio de um
regime leigo e de uma sociedade secularizada e descristianizada
No contexto da sociedade coiteense essa mediação apresentada por Coutrot ganha
grande destaque no cenário religioso dessa época, no que diz respeito aos seus dirigentes.
Evidenciando a presença de inúmeros padres que participaram efetivamente nos assuntos
políticos, que para muitos não tem nada haver com o religioso, desde a simples
“reprodutores” do poder dominante local ou pleiteando algum cargo político.
Essa participação política dos membros católicos do município de Conceição do Coité,
Vanilson Oliveira constata que essa participação fica evidente ao longo da história política do
município, apresentando essa atuação em seu livro Conceição do Coité e os Sertões dos
Tocos.
O padre Francisco de Souza Madureira é um deles. Assim que chegou em 1869, vindo da Vila
de Jerquiriçal (BA), fez bastante amizade com os paroquianos tornando-se: conselheiro
municipal (vereador), intendente (prefeito). Outro padre que despontou na política estadual foi
Urbano Galrão Dhon, soteropolitano, descendente de italiano. Chegou em 1937 e tratou logo
de fazer boas amizades, principalmente com o Wercelêncio Mota, ‘velha rapousa’ da política
coiteense, rendendo-lhe bons frutos. (OLIVEIRA, 2002, p. 90).
Sobre essa candidatura do padre Urbano Galdão Dhon, Vanilson Oliveira, comenta
que o mesmo se lança candidato a deputado estadual pelo PSD (Partido Social Democrático)
nas eleições gerais da Bahia em 1954, mas teve que enfrentar a postura negativa da Diocese e
do Vaticano para autorizá-lo a pleitear esse cargo público no legislativo, mas apesar disso ele
continuou no pleito e conseguiu ser eleito pela população coiteense, essa que, segundo ele
realizou várias manifestações a favor da sua candidatura.
A prova da simpatia do povo à causa foi atestada na votação no partido majoritário,
apesar do vigário nunca ter feito um comício pela sua candidatura, nem nunca ter
feito, em qualquer Templo ou ato religioso a menor referencia ao assunto. (Livro de
Tombo da Paróquia Nossa Senhora da Conceição do Coité p.51).
Porém mesmo tendo ganhado a eleição ele continuou seus trabalhos pastorais na
comunidade, vivenciava a ameaça de suspensão da sua ordem e afastamento da Igreja se
18. 18
assumisse o cargo de deputado. E assim aconteceu, após sua ida para a capital a pedido do
governador eleito, Antônio Balbino, para tomar posse do cargo, pois o mesmo havia
conseguido a autorização com o Arcebispo da Bahia, D. Augusto Álvaro Cardeal da
Silva,para que ele pudesse assumir o cargo na Assembleia Legislativa da Bahia, Todavia
durante a Semana Santa do ano de 1955 recebeu sua suspensão e soube da nomeação do
vigário que iria lhe substituir, o padre João Gomes. Ao saber da notícia o padre Urbano logo
providenciou os mecanismos para transferência da paróquia, questão das dívidas, livros de
registros, passando para as mãos de paroquianos de sua confiança e sobre protesto aceita tal
decisão da Igreja.
Urbano, imediatamente, envia vários telegramas ao Cardeal da Silva e não obtém
respostas. Desiludido, entrega a paróquia sob forte protesto e passa a morar em
Salvador, vindo nos fins de semana a Coité, rever os paroquianos e auxiliar os padres
nas missas. Cumpre o seu mandato até o fim. Na eleição seguinte, candidata-se a
deputado federal, não obtendo êxito. Desiludido, abandona a política partidária; casa-
se com uma baiana e vai morar no Rio de Janeiro e falece por lá. (OLIVEIRA, 2002,
p. 90).
Outro padre que teve envolvimento com a política partidária foi o padre Antonio
Tarashi, mas diferente do Pe. Urbano que se lançou a candidato, Tarashi se desentende com
Evódio Resedá, membro do PR (Partido Republicano) e que disputou a prefeitura em 1963,
no ano em que Tarashi chegou à cidade e fez o seguinte comentário em 1965.
Desde a minha chegada nessa freguesia, notei que o povo esta dividido em dois
partidos: o PR , a maioria desse partido constitui o povo mau da cidade, inclusive os
marçons pertencem a esse partido, e o PSD que representa o povo bêm dessa cidade.
O PR, povo sagais , se apodera dos pontos chaves da cidade como: ginásio, correio,
clube, cooperativa, delegacia de policia, da companhia telefônica e etc. para torna-los
instrumentos políticos, mas nunca conseguiu ganhar a Prefeitura, apesar que luta com
todos os meios, inclusive a violência durante a política, a mais de trinta anos. (Livro
de Tombo da Paróquia Nossa Senhora da Conceição do Coité p. 68)
O padre Antonio Tarashi ensinava no colégio Wercelêncio Calixto Mota, e se tornou
diretor provisório, substituindo o diretor que estava em lua de mel. E ao saber que a
professora Maria Mota havia fugido com um fotografo já casado na Igreja e ao seu retorno
para o município estava casado com o mesmo no civil, o padre e alguns professores
solicitaram ao senhor Evódio Resedá que era presidente local da Companhia Nacional de
Educação Comunitária (CENEC) demitisse a mesma, o que não aconteceu. Diante disso, o
padre e outros clérigos que ensinavam na mesma escola, juntamente com diretor o advogado
Antonio Paraguassu e quatro professoras pedem demissão de seus cargos. E o padre cria outro
colégio denominado Santa Teresinha.
19. 19
Os alunos do ginásio fizeram greve e passeatas pelas ruas da cidade, com faixas,
pedido a volta, dos padres no ginásio, o povo em geral queria o afastamento da
funcionária Maria Mota e a volta dos padres ao ginásio mas os chefes do PR reunidos
queriam a saída do vigário da freguesia, achando que eu pudesse, na política ir contra
eles, o PR. (Livro de Tombo da Paroquia Nossa Senhora da Conceição, p. 68)
Mas além desse episódio, o padre Tarashi relata no Livro de Tombo que fora
processado pelos membros do PR, em 1966, por rapto de crianças, segundo o vigário, por
motivo de vingança, queriam “desmoralizar o padre e expulsá-lo da cidade”, o povo ao saber
do processo se revoltou contra os envolvidos que ao perceberem a atitude da população
abandonaram o processo.
Oliveira, retrata que essa participação política desses padres estava marcada pelo
cenário da política do município que era comandada pelas “oligarquias locais, lideradas por
Wercelêncio Mota e Eustórgio Resedá”9, na qual revezavam no poder na indicação de
qualquer candidato “independente do partido, ou do índice de rejeição, para que a pessoa
fosse eleita”10. Assim como afirma Leal, em Coronelismo, enxada e voto, a política local no
Brasil, foi sempre primordialmente poder privado e não-democrático, poder dos potentados
locais, na qual quem o assegurava eram as classes dominantes, que tornava afirmador dos
privilégios e interesses coletivos das elites.
Segundo René Dreifuss logo após o Brasil se tornar República, a política local ainda
continuava sendo uma “coisa privada” em que as elites dirigentes tanto nos centros urbanos
ou vilarejos absorveram os elementos políticos e econômicos da estrutura anterior.
A administração regional e nacional tornou-se patrimônio de setores econômicos,
profissionais, político-partidários e militares, todos eles pertencentes a este particular e
excludente clube civil dominante que se coloca como ordenadora do estado de coisas
e como dirigente das coisas públicas. (DREIFUSS, 1989, p.15).
Dessa forma, a relação que essas classes dominantes estabelecem com as camadas
subordinadas se manifestou dentro dessa política local sob a visão de clientela, as classes
subalternas não se viram “representadas sob o arcabouço institucional político e normativo
plural da sociedade ampla, mas foram reunidas retoricamente na base da manipulação” que
indica uma relação que envolvem consentimento de benefícios públicos, como empregos,
benefícios sociais em troca de apoio político, especialmente o voto.
9
. OLIVEIRA. Vanilson Lopes. Conceição do Coité: Os sertões dos Tocos. Conceição do Coité: Clip Serviços
Gráficos, 2002.p. 76
10
Ibidem. p. 76
20. 20
Em Conceição do Coité, como afirma Oliveira esse clientelismo era feito
disfarçadamente pela política dos coronéis: João Amâncio, Wercelêncio, Eustórgio Resedá e
muitos outros, e, também pelo comerciante Teócrito Calixto “que doava uma gravata, um
sapato, ou uma meia, para quem voltasse nele”. Sendo que esse clientelismo e
assistencialismo se deliberaram a partir dos anos 70, em que, muitos políticos para conseguir
seus objetivos saiam prestando assistência social à população.
Francisco de Assis Alves dos Santos em Na mira dos coronéis, analisa o cenário
político de Conceição do Coité nas últimas décadas do século XX, retratando os discursos e
os atos de chefes políticos locais, grandes empresários do sisal, Hamilton Rios de Araújo
(Mitinho) e Misael Ferreira que iniciaram ambos suas carreiras políticas pela ARENA em
1972, com características do velho coronelismo. Destacando a ação de Hamilton Rios grande
líder do grupo político dominante e por fazer inúmeros herdeiros políticos. Como também, o
seu sobrinho Ewerton Rios de Araújo Filho (Vertinho) - PFL/PPB.
Hamilton Rios governou Conceição do Coité durante dez anos, seu sobrinho, Ewerton
Rios, ficou no poder a oito anos (atualmente cumpre seu terceiro mandato – grifo
meu), e agora seu filho Welington (Tom), ao completar a maioridade foi designado
candidato a prefeito para as eleições de 2000. Isso ilustra perfeitamente uma
monarquia absoluta. (SANTOS, 2002, p. 34).
E este domínio de Hamilton Rios não se resumia apenas às questões administrativas
do executivo e legislativo, mas se estendia a outros campos da vida da população como as
instâncias religiosas e a própria influência no imaginário das pessoas que ainda mantinham
uma relação de interdependência com os políticos.
A igreja local muitas vezes acentuava essa condição dos dominados, na medida em
que a mesma se relacionava nesse círculo de clientela com esses poderes políticos, e quando
recebia donativos sejam financeiros ou materiais dos mesmos, o que a colocava numa posição
de subserviência e não de contestação, visto que a mesma reproduzia e ampliava tais práticas.
É preciso destacar que essa intervenção religiosa na política aqui pesquisada tem como peças
centrais as autoridades religiosas que como afirma Coutrot têm uma grande influência
política, sendo que a influência especifica dos fieis não é tão fácil de perceber.
Vale ressaltar que na década de 60 a Igreja Católica vivenciou um novo paradigma sob
influência do Concílio Vaticano II que provocou grandes transformações no seio da Igreja,
tanto no campo conceitual e teológico, mas acima de tudo, na maneira de evangelizar. Foi
21. 21
através desse Concílio convocado pelo papa João XXIII11, iniciado em 08/11/1962, que
introduziu dentro do seio da instituição uma abertura para as questões sociais vigentes na
sociedade que ela está inserida.
A convocação desse Concílio promovida por João XXIII segue dentro de profundos
acontecimentos mundiais. O mundo vivia sob a realidade do pós-II Guerra Mundial e estava
marcado pela Guerra Fria, neste contexto a América Latina estava situada, numa série de
instalação de regimes militares que cometiam diversas atrocidades a grupos sociais - inclusive
a própria Igreja latino-americana - que fizessem resistência à ideologia estabelecida pelo
sistema.
João XXIII averiguando essa realidade de conflitos declara na “Humanae Salutis”12
A Igreja assiste, hoje, à grave crise da sociedade. Enquanto para a humanidade surge
uma era nova, obrigações de uma gravidade e amplitude imensas pesam sobre a Igreja
como nas épocas mais trágicas da sua história [...] E daí a elaboração da sua doutrina
social referente a família, a escola, ao trabalho, a sociedade civil e a todos os
problemas conexos, que elevam a um altíssimo prestígio o seu magistério como a voz
mais autorizada, interprete e propugnadora da ordem moral, reinvindicadora dos
direitos e dos deveres de todos os seres humanos e de todas as comunidades políticas
(JOÃO XXIII, 1961)
Os documentos elaborados durante o Concílio Ecumênico Vaticano II analisam as
profundas transformações ocorridas nessas décadas e revela que há um aumento na
consciência em favor das minorias, como também, condenam os regimes governamentais que
utilizam do exercício da autoridade em benefício de seus próprios interesses ameaçando o
bem comum13. Frei Betto argumenta que o Concílio Ecumênico Vaticano II e a Conferência
Episcopal de Medellín14 foram os prenúncios de uma Igreja convertida às suas origens,
enfatizando que na América Latina, a religião cristã não seria mais o “ópio do povo e o ócio
da burguesia. Seria, sim, sinal de contradição, pedra de escândalo, fogo que queima e alumia
espada que divide” 15.
No Brasil a ação política da Igreja Católica se acentua durante a década de 60, pois
apesar da repressão militar contra forças opositoras ao regime a instituição teve voz ativa no
11
Seu nome de batismo foi Angelo Giuseppe, natural da Itália, assumiu o pontificado em 1958 tendo fim em
1963 devido a sua morte.
12
CF. JOÃO XXIII. Humane Salutis, carta apostólica de convocação ao Concílio Ecumênico Vaticano II, 25 de
dezembro/1961.
13
Ver o Catecismo da Igreja Católica. Capitulo IV.
14
Foi uma reunião que congregou todos os bispos dos países latino-americanos e do Caribe, que aconteceu na
Colômbia com o propósito de acolher as orientações do Concilio Vaticano II inserindo-as de maneira prática na
dinâmica própria do continente.
15
CF. BETTO, Frei. Batismo de sangue: os dominicanos e a morte de Carlos Marighella. 10 ed. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 1991. p. 61.
22. 22
período. Frei Betto, aponta que diversos sacerdotes e intelectuais marxistas se aliavam na luta
a favor dos menos favorecidos e contra a repressão que o regime realizava nos movimentos
populares denominados por eles de comunistas. Nesse período verifica-se segundo Lowy, a
atuação de vários cristãos em movimentos sociais, tais como associações, sindicatos, partidos
políticos, movimentos estudantis e organizações revolucionárias, como também nas
comunidades eclesiais de base (CEB’s) ações que vieram a se desenvolver com legitimidade a
partir da Teologia da Libertação em 1971.
Gustavo Gutierrez, no livro Teologia da Libertação chama a atenção para a nova
postura que a Igreja Católica da América Latina adotou principalmente após o Concilio
Ecumênico Vaticano II e a Conferência de Medellín onde a Igreja “percebe com realismo o
mundo e vê-se a si mesma com maior lucidez”. Onde esta se apresenta como observadora das
desigualdades e disposta a acabar ou suavizar os conflitos mundiais. O autor faz referência à
citação de Thomas G. Sanders onde aponta a Igreja como sendo a instituição que mais está
mudando na América Latina, contudo Gutierrez salienta que a Igreja apresenta-se dividida em
relação ao que ele chama de “processo de libertação”.
Em Conceição do Coité essas novas concepções adotadas pela Igreja Católica, não
teve grande repercussão de imediato, visto que não se tem registros dessa ação política
promovida pela Igreja. Os párocos que administravam a paróquia nesse período não fizeram
nenhuma referência, especificamente no Livro de Tombo, acerca do Vaticano II nem da ação
política dos clérigos frente à ação dos militares. Quem registra timidamente essa nova
concepção política da Igreja Católica no município foi o jornal Tribuna Coiteense retratando a
Teologia da Libertação e a opção preferencial da Igreja pelos pobres proclamada na
Conferencia de Medelín.
Os bispos latino-americanos reunidos no México disseram que esta pobreza não é uma
etapa casual, mas o produto de determinadas ‘situações e estruturas’. Segundo os
valores evangélicos, a divisão entre ricos e pobres não é querida por Deus. Ele quer
irmãos e irmãs que vivam relações justas e igualitárias. Por isso, precisamos mudar a
sociedade. (Jornal Tribuna Coiteense, Ano IX, nº 46, 28 de abril de 1989, p. 2).
Porém, na sede da Diocese a qual a Paróquia de Conceição do Coité estava inserida,
em Feira de Santana, as propostas do Vaticano II foram bem mais percebidas devido à ação de
alguns clérigos e leigos, apesar de ter enfrentado alguns setores da mesma instituição, como
relata Lívia Resende em seu trabalho As novas concepções do clero feirense diante das
inovações do Vaticano II (1964-1980), a autora destaca que essas novas concepções dentro da
Igreja de Feira de Santana, foram trazidas principalmente pelos padres estrangeiros que
23. 23
viviam na cidade na época em estudo, muitos deles espanhóis, e possuía um discurso mais
popular, uma postura de ajudar as comunidades a defender e reivindicar os seus direitos.
Influenciados pela corrente teológica libertária difundiam essas concepções junto ao povo, e
ao mesmo tempo criavam espaços para o protagonismo dos leigos, idéias defendidas pelo
Concílio Vaticano II.
Mas apesar dessa atuação, Resende, deixa claro que muitos padres sofreram
retaliações por parte de setores da sociedade que os consideravam comunistas ou até mesmo
de setores mais conservadores da hierarquia religiosa de Feira, que não aceitavam ou não se
adaptaram as tais concepções. Como exemplo, cita a atuação do padre Albertino Carneiro, um
importante organizador e militante dessas novas tendências da Igreja Católica, e registra um
comentário seu a respeito dessa ação conservadora do clero da diocese de Feira de Santana.
Para o padre Albertino Carneiro, o Concílio o influenciou muito e também, a outros
padres, um deles foi expulso, do Brasil, o padre José (ele não se lembrou do
sobrenome), que era italiano e depois transferido para o Ceará por que achavam que o
bispo daqui não dava muita cobertura para a renovação, chegou lá depois de cinco
anos, ele foi para a comunidade, e quando voltou para Feira de Santana não o
deixaram ficar. (RESENDE, 2008, p.31).
Resende destaca também que além da participação de padres nesse processo, muitos
leigos estavam presentes e divulgavam dentro da igreja essas novas concepções.
Principalmente influenciados pela Teologia da Libertação e pela ação de inúmeros católicos
que estavam atuando contra o regime militar instaurado no Brasil na década de 60,
percebendo que em Feira de Santana, esses membros possuíam um histórico de envolvimento
com os movimentos sociais, muitos deles professores e que tinham uma profunda participação
na vida da comunidade religiosa. Esses leigos, segundo Resende, estavam sempre apoiando de
uma forma ou de outra a luta contra o sistema capitalista de exclusão social, e a todo instante
estavam participando dos movimentos sociais católicos que surgiram no país nesse período, e
especificamente em Feira de Santana colaboraram juntamente com alguns padres para a
criação do Movimento de Organização Comunitária (MOC), sendo que seu fundador foi o
padre Albertino Carneiro, e das Comunidades Eclesiais de Base (CEB´s), sempre tendo como
base teórica desses movimentos a Teologia da Libertação e os documentos do Vaticano II.
Entretanto em Conceição do Coité essas novas concepções que estavam sendo
vivenciadas pelo clero de Feira de Santana, não foram plenamente vivenciadas no município,
visto que a administração paroquial antes de 1989 ainda assumia uma postura de
subserviência com o poder local. Durante a administração paroquial de padre José Reis, que
24. 24
assumiu a paróquia no dia 13 de dezembro do ano de 1973, a prefeitura mantinha uma ligação
com a paróquia no que diz respeito às questões financeiras, como por exemplo, através de
pagamentos dos funcionários paroquiais. Em troca, numa relação de reciprocidade, o prefeito
e seus familiares possuíam algumas regalias na instituição religiosa.
Até junho de 1989, a Paróquia Nossa Senhora da Conceição do Coité passava por
momentos conturbados, que iam da fantasia, da necessidade de “aparecer”, do muito
realizar sem objetivos concretos, até o comprometimento com grupos políticos que
impuseram uma dependência estrutural, funcional e financeira, passando a Prefeitura
Municipal a custear quase todos os encargos que acreditamos ser da responsabilidade
da administração paroquial. Funcionárias da Secretária Paroquial, doméstica, luz, água
e outras despesas passaram a fazer parte do passivo do poder público Municipal. Até
aquela data, nunca tomamos conhecimento de balancetes que justificassem receitas e
despesas de nossa paróquia. Até mesmo um automóvel que a paróquia possuía, não se
sabe que fim levou ... existia a paróquia subserviente a um grupo político, que por não
encontrarem o mesmo espaço com Pe. Luiz Rodrigues de Oliveira, desencadearam
uma campanha de difamação: calúnias e falsos testemunhos diante da hierarquia
diocesana. (Carta do Conselho Paroquial em 23 de março de 1996).
Segundo o depoimento oral de um dos leigos atuante na época em estudo, o Sr. Nilson
Silva Carneiro, popularmente conhecido como o Sr. Nilson, foi um dos responsáveis pela
criação das comunidades eclesiais na zona rural e atualmente com 60 anos de idade é
funcionário da paróquia. Mas nesse período do estudo era apenas um autônomo, sendo
convidado pelo padre José Reis a dinamizar a paróquia auxiliando as comunidades da zona
rural. Afirma que na época que o padre Reis chegou a Coité a paróquia era muito precária, as
condições da casa paroquial eram horríveis e que o mesmo enfrentou muita resistência de
alguns paroquianos pela saída do antigo padre, Nicola, chegando ao ponto de algumas pessoas
retirarem toda a comida da casa paroquial.
Sr. Nilson comenta que nesse período quem sustentava a paróquia era a prefeitura,
pois ela mesma não reunia condições de uma auto-sustentação, o padre até tentou criar o
dizimo, mas poucas pessoas tornaram-se dizimistas. A secretária paroquial era uma
funcionária da prefeitura, as reformas da casa paroquial, conta de luz, água em geral todas as
despesas era a administração local que sustentava.
Quando o prefeito era eleito, o prefeito porque ajudava muito a paróquia, contribuía
com alguma coisa, mandava e ele ficava sem vez, em me lembro que uma certa vez
tinha um curso de pais e padrinhos (...) e diversas pessoas que participavam do grupo
político era isentas não precisava tomar o curso de pais e padrinhos onde umas
pessoas criticavam o padre Reis e falava que não gostava dessas atitudes. E ai
continuou quando, por exemplo, quando tomavam posse a igreja era enfeitada de
flores, de faixas, de ‘vermelhou’ de grupo tal e ele fazia com toda a felicidade como
que nem tava se lixando pras pessoas que não gostavam de tais atitudes, né, mas tinha
um grupo que se afastava que não gostava disso que era católico que acompanhava
todos os movimentos da igreja, mas que nesses momentos não participava,a gente
25. 25
ficava de fora. Por exemplo teve uma época que teve uma procissão do senhor morto
que o povo desfilava e que depois ele veio mudar, que criou uma antipatia na
comunidade, os próprios grupos dele, o próprio grupo do prefeito achou ruim
começou a falar, mas foi tirado também essa procissão do senhor morto (...) e o
prefeito na época quando chegava pra participar, ele parava o evento e mandava o
povo ter a atenção parabenizando a chegada do tal prefeito que tava chegando. Essas
coisas assim, deixava a gente meio triste, mas a gente continuava com o trabalho, por
exemplo eu, Arivaldo e outras pessoas que sempre a gente aderia a essa linha da
libertação a gente queria o bem pra todos e a gente percebia que a carência na zona
rural e nas periferias era demais, era fome, era desemprego, e aí, as pessoas que eram
paparicadas por eles tinham benefícios, mas quem não era ligado passava dificuldades
não tinha escola, não tinha nada. (CARNEIRO. Entrevista concedida em 18 de set.
2009).
Apesar, dessa dependência “estrutural, funcional e financeira” que a paróquia
vivenciava com a administração municipal, evidencia-se nos documentos pertencentes ao
arquivo paroquial que durante a administração do Pe. José Reis foram realizadas algumas
mudanças que dinamizaram a comunidade religiosa. Tais como a formação dos leigos,
despertando a descoberta de novas lideranças para a ação pastoral, estruturação de pastorais
importantes para a paróquia, como também, iniciou a formação das Comunidades Eclesiais de
Base (CEB`s) na sede e nas zonas rurais do município, essas comunidades que foram
incentivadas pelo Vaticano II e que tiveram importante papel para a redemocratização do país.
Sr. Nilson comenta que as comunidades da zona rural começaram a serem atendidas
com a chegada do padre Reis, que era muito organizado e dinâmico, antes essas comunidades
não tinham uma profunda participação de se reunirem, celebrarem a Palavra. Com a
motivação do padre Reis e a ajuda de alguns leigos, inclusive ele, começaram a serem
fundadas as Comunidades Eclesiais de Base, que freqüentemente motivava a participação dos
fiéis nas Celebrações da Palavra, que animavam a vida das comunidades. Ele afirma que
devido a essa animação que agregou a muitos e dinamizou a paróquia, os políticos começaram
a procurar o padre Reis, que era muito animado.
Com o incentivo dessas comunidades criadas na paróquia, o Sr. Nilson comenta que
em uma dessas suas visitas à zona rural deu assistência a uma jovem do açude de aroeira16 que
fora vítima de uma violência sexual, quando saia da escola a caminho da sua casa que situava
em um povoado distante, visto que existiam poucas escolas na zona rural naquela época e
muitos estudantes iam para a escola em “paus de arara”, o que provocou grande insatisfação
na comunidade, que mobilizou junto com as demais um protesto pela falta de atenção dos
poderes públicos para esses habitantes da zona rural. Com esse movimento, as comunidades
convidaram para uma reunião o prefeito, Hamilton Rios e o secretário de educação para
16
Povoado do município ligado ao Distrito de Aroeira
26. 26
resolver esse problema e assim conquistaram a criação de inúmeras escolas nessas zonas com
o apoio do município e do governo do Estado, como a Duque de Caxias e a Pe. José Antonio
dos Reis.
Reivindicamos juntos em comunidade nessa linha da libertação, eu acredito que a
nossa fé não foi só ligada no que o padre fala, no que o padre diz, cada um tem sua
meta, nos obedecemos a Igreja, mas também nos temos a nossa linha de caminharmos
juntos pelo bem pela vida de uma comunidade, e aí nos conseguimos com esse
movimento. Pe. Reis, ele era uma pessoa simpática, todos gostavam dele (...) inclusive
teve um período que ele me disse que eu tinha muita razão, porque ele disse que pelas
atitudes de tais pessoas que já governavam a prefeitura e o Estado na época, ele disse
que (...) devíamos andar com máscara de tanta podridão que essas pessoas tinham.
Então ele já começou a perceber que às vezes ele ‘puxava saco’, ele beneficiava,
atendia a esses pedidos de políticos, como pagando a secretaria, pagando a luz da
igreja e a casa paroquial, esse assistencialismo (...) com reforma da casa paroquial e
alguma coisa mais era pra beneficiar o grupo político, mais aí a gente percebia que
também ele tinha suas angustias. (CARNEIRO. Entrevista concedida em 18 de set.
2009).
Ivo Lesbaupin, em seu artigo Comunidades de Base e ação social, analisa a atuação de
cristãos reunidos nessas comunidades de base da Igreja Católica situados no Rio de Janeiro e
em Minas Gerais. Defende que elas foram, no período mais repressivo, um espaço de debate
e reflexão dos problemas sociais, visto que ao mesmo tempo em que exprimiam a sua fé
tomavam consciência da situação social.
Elas permitiram assim o desenvolvimento de uma consciência crítica nos meios
populares que elas atingiram, o que as levou, pouco a pouco, a se mobilizarem para
atingirem seus objetivos e defenderem seus direitos.(LESBAUPIN, 2005, p.180).
Em Movimento Nacional de Fé e Política, Luci Faria Pinheiro, faz uma análise da
participação dos católicos nas lutas sociais engrenadas desde mobilização social contra a
ditadura da década de 60, como também da formação e aprofundamento da esquerda no
Brasil, a partir dos anos 80, no qual contestaram as desigualdades sociais no continente latino-
americano provocado pela lógica capitalista. A autora argumenta que na medida em que os
cristãos passavam a reivindicar um lugar do religioso na política é que se revelava a ação dos
militantes e o descontentamento ético em relação aos governos, afirmando o seguinte:
No começo dos anos 60, com a radicalização da JUC e a conseqüente fundação da
Ação Popular, tem início uma prática que será sistematizada em forma de uma
teologia da libertação. Essa será disseminada a partir do apoio da Comissão Nacional
dos Bispos do Brasil, na década de 70; a partir da Conferencia dos bispos-latinos, em
Medellín em resposta às recomendações do Concílio Vaticano II, realizado por João
XXIII na década anterior. A base de toda a inversão operada pela militância cristã de
esquerda será a indignação diante do aumento das desigualdades sociais no continente
latino-americano, provocado pelo aprofundamento da lógica capitalista. Se antes a
Igreja reconhecia, mas não combatia as desigualdades sociais, a partir de então, torna-
27. 27
se co-promotora da organização popular e passa a denunciar a usurpação do poder
econômico e político. (PINHEIRO, 2005, p. 93)
Nesse contexto, Vanildo Luiz Zugno, descreve a partir de sua percepção a atuação da
Igreja Católica com a realidade política brasileira do século XX através dos movimentos
populares, pastorais sociais, conselhos de pastorais e das CEB’s, presente em seu artigo
Igreja, política e ação evangelizadora. Caracteriza essa atuação como sendo um espaço de
luta pela reconstrução das relações democráticas e na transformação das relações sociais na
busca de uma sociedade mais justa.
Um fato importante nesse período marcado pela negociação entre os dois poderes foi
um momento de conflito entre ambos no ano de 1987 em que envolveu diretamente o
representante religioso e a comunidade eclesial, pois defendia os interesses religiosos da
esfera local e que teve grande repercussão na sociedade coiteense. O padre Reis convocou
toda a população católica para irem às ruas e à Câmara Municipal pressionar os vereadores
para aprovarem um Projeto de Lei apresentado pelo vereador Diovando Carneiro Cunha
(Vando) que autorizava o prefeito municipal modificar e fixar a data da Festa Momesca –
Micareme - desta cidade para sábado após o Domingo de Páscoa. Isto porque tal festa era
realizada durante a Semana Santa, precisamente no Sábado de Aleluia, o que prejudicava as
celebrações litúrgicas da entidade durante a semana e no dia, visto que muitos se preparavam
para tal festejo e não participavam da celebração religiosa. Tal ação dividiu muito a opinião
da população visto que o calendário da festa já fazia parte da tradição popular da cidade.
A festa de micareme teve inicio no ano de 1923, segundo relata Marielza Carneiro. No
sábado de Aleluia, tudo mudava. A alegria começava às dez horas da manha, porque
era nesse horário que rompia a Aleluia com repicar do sino, foguetes, cânticos festivos
e Missa solene. As crianças colocavam uma vasilha, (geralmente uma bacia) com
água, para verem ‘o sol brigar com a lua’. Os mascarados, que tinham o nome de
caretas, tomavam conta das ruas, enquanto cavaleiros com seus cavalos esquipadores
desfilavam engalanados. (OLIVEIRA, 2002, p. 53)
O Sr. Nilson comenta que muitas pessoas não gostaram da atitude da Igreja local em
mudar a data da festa, e menciona que numa caminhada que o padre Reis havia organizado
com as CEB´s para pressionarem a Câmara Municipal e a Prefeitura, foi alvo de muita
repressão por parte da população, em que o mesmo recebeu uma pedrada que atingiu sua
boca, ele comenta que não tem a certeza se foi para o padre ou para ele, mas como ele estava
ao lado do padre acabou sendo atingido.
Oliveira destaca que em meio às pressões da Igreja os vereadores acabaram aprovando
a lei, sendo que as sessões para a aprovação de tal projeto foram todas tumultuadas, “pois
28. 28
parte da população queria mudança, chegando a entrar em atritos com alguns membros da
Igreja.” 17
Esse assunto foi bastante polêmico dentro da sociedade coiteense, pois dividiu a
opinião da população. Como se percebe nos relatos acima, o projeto conseguiu ser aprovado,
mas não conseguiu minimizar as posições contrárias que sempre anunciavam elaborar um ate-
projeto para conseguir restabelecer a festividade para a semana santa, visto que era uma
grande manifestação da cultura popular do município, uma grande tradição.
No ano de 1989, a então vereadora Elia Cirino, tentava lançar um anteprojeto para que
a micareme voltasse a acontecer na semana santa, na data tradicional, devido a mesma ser
procurada pela população que exigiam tal projeto, numa entrevista ao Jornal Tribuna
Coiteense, ela relata sobre o assunto:
Lembro-me muito bem que o padre Antonio Tarashi sempre nos dizia que o Micareme
de Coité era numa época certa, pois caia na data da ressurreição de Cristo e isto era
um motivo de alegria. Por que contrariar o povo com uma festa que não chega a
descaracterizar a Semana Santa? Não adianta com sermões mim atacar, pois não é do
meu feitio ceder pressões religiosas. Tenho toda a admiração pela religião Católica, a
qual pertenço, entretanto, acho que a Igreja deve assumir outras posições que é a de
sair dos altares e pregar consciências de distribuir socialmente o pão. (Jornal Tribuna
Coiteense, Ano IX, nº 46, 28 de abril de 1989, p. 2).
Apesar do Pe. Reis ter conseguido animar e estruturar as comunidades eclesiais de base
da zona rural dinamizando a paróquia, ele não conseguiu romper com os laços que mantinham
a mesma com os chefes políticos, sendo que o próprio contribuiu para que tais envolvimentos
fossem fortalecidos na medida em que ele se relacionava nesse círculo de clientela, na troca
de favores. Como exemplo, Sr. Nilson comenta que existia uma grande devoção popular no
município a São Roque sendo coordenado pelo Dr. Pinheiro, que era do partido da oposição,
que não recebia nenhuma ajuda do pároco e que o mesmo se recusava a celebrar tais festejos,
pelo fato de Dr. Pinheiro não ser ligado ao grupo político hegemônico na cidade.
Porém essa relação de clientela entre Igreja e o governo municipal será rompida com a
posse do novo pároco em 30 de julho de 1989, o padre Luis Rodrigues Oliveira que adota
outro modelo de ação pastoral, lutando pelo fim da dependência que a paróquia estabelecia
com a administração pública e na defesa de seus ideais denuncia as irregularidades da
administração municipal.
Por adotar essa postura diferente do antigo padre, essa intervenção na esfera política
partidária, foi alvo de alguns processos e hostilidades pelos chefes locais. Finalizando assim
17
OLIVEIRA, Vanilson Lopes. Conceição do Coité : Os Sertões dos Tocós. Conceição do Coité: Clip Serviços
Gráficos, 2002. p. 53.
29. 29
os “Bons Tempos” em que padres e políticos dividiam os mesmos altares, no qual, os
costumes entre as duas instituições eram fortalecidos. Mas este assunto será discutido nos
próximos capítulos.
30. 30
CAPÍTULO II
“Um mundo, uma revolução na minha cabeça” 18
“Duas coisas marcaram minha personalidade; o homem do campo,
padre, do interior, analfabeto essa é minha origem, esses são meus pais;
depois o respeito, a civilidade, a educação, eu cresci no meio
universitário, trabalhei dez anos na UFBA, no setor mais elevado, de
pós-graduação como funcionário e sempre lidei com pessoas altas, de
alto nível intelectual, embora eu não seja, mas sempre lidei, estudei em
escolas européias, convivi com gente de todos os níveis, isso para mim
foi muito marcante, embora minha origem seja lá de baixo, sempre vivi
me relacionando com gente de alta, então, (... ) tratamento, senso de
respeito e civilidade, não de melhor e nem de subserviência, é de
civilidade, daí essa civilidade precisa ser respeitada e preservada.”
(OLIVEIRA. Entrevista concedida em 19 de set,2009).
18
Entrevista realizada com Pe. Luiz Rodrigues Oliveira em 19 de setembro de 2009
31. 31
Em 30 de julho de 1989 foi proferida a nomeação do Pe. Luiz Rodrigues Oliveira para
os fiéis presentes na missa de posse do novo pároco na igreja matriz da Paróquia Nossa
Senhora da Conceição do Coité, presidida pelo bispo diocesano D. Silvério Albuquerque e
tendo a presença de alguns padres da região e população local, além da participação dos seus
antigos paroquianos da Paróquia de São Pedro da cidade de Salvador. Sendo que toda a
celebração foi transmitida pela Rádio Sisal.19
Encerrada a celebração o novo pároco dirigiu a sua primeira saudação oficial aos seus
paroquianos dizendo-se irmão e companheiro, aberto a todos, na meia idade de quem
não é moço e ainda não se sente velho, afeito aos contatos e convivência com as
pessoas, desde a Universidade de Santo Tomás de Aquino no Colégio Angélico de
Roma. Teve palavras de carinho ao seu antecessor, no paroquiano prometendo dirigir-
se a todos com o Evangelho nas mãos e no coração reincontrando as suas origens
sertanejas. (Livro de Tombo da Paróquia Nossa Senhora da Conceição do Coité p.82).
Pe. Luiz Rodrigues foi o primeiro pároco da Diocese de Feira de Santana da paróquia
de Coité, estava sendo enviado pelo próprio bispo da Diocese, até então seus antecessores
pertenciam a uma congregação religiosa, os Vocacionistas20, que há muito tempo
administravam a paróquia, mas não estavam totalmente ligados com as orientações
diocesanas, certo que havia uma obediência ao bispo diocesano. Visto que a igreja local
estava sob a jurisdição da mesma e anualmente o mesmo realiza visitas pastorais para saber os
rumos da paróquia.
Mas antes de analisar o período que o padre Luiz vivenciou nesta cidade, em que
trouxe inúmeras mudanças e “viabilizou um projeto de evangelização sob as orientações da
Diocese de Feira de Santana e da CNBB” 21, é interessante conhecer um pouco da sua origem,
seu processo formativo e suas experiências pastorais, para podermos compreender melhor
todo esse processo de mudança vivenciado pela instituição religiosa local. Na qual, rompeu
com o modelo pastoral anterior e se tornou peça central para a alteração nas relações políticas,
proporcionando transformações a nível político e social e que contribuiu na formação de uma
nova concepção política no meio dessa comunidade. As informações aqui relatadas sobre a
vida do Pe. Luiz Rodrigues Oliveira foram fornecidas pelo próprio numa entrevista aberta que
fora realizada no dia 19 de setembro de 2009.
Luiz Rodrigues nasceu na zona rural do município de São Gonçalo dos Campos,
distante 108 km da capital da Bahia, no dia 20 de julho de 1948, filho de pai vaqueiro e mãe
19
Livro de Tombo da Paróquia Nossa Senhora da Conceição do Coité p. 82
20
Congregação Religiosa Masculina fundada por Padre Justino Russolillo em 1920, comunidade da Sociedade
das Divinas Vocações , que depois se tornou conhecida como "Padres Vocacionistas".
21
Livro de Tombo da Paróquia Nossa Senhora da Conceição do Coité p. 86
32. 32
doméstica. Cresceu no seio dessa família humilde e desde cedo se tornou trabalhador rural
para ajudar sua mãe devido à morte de seu pai quando, o mesmo tinha oito anos de idade. Aos
12 anos mudou-se para Feira de Santana para trabalhar, e conseguiu um emprego num bar, “às
5 horas da manhã, já estava abrindo a porta do bar”, uma experiência que marcou muito a sua
vida. Aos 18 anos, conseguiu o primeiro emprego de carteira assinada e na mesma época se
preparou para o exame de admissão para o ginásio. Mesmo passando, não conseguiu estudar
devido às poucas vagas que existiam em Feira de Santana, que naquela época havia apenas
um ginásio público e outro particular, o Santanópolis, pertencente ao Deputado Lauro Filho,
que para ele estudar deveria receber uma bolsa de estudos, pois não possuía condições de seus
pais pagarem as mensalidades.
Ficou muito tempo sem estudar retomando em 1963 quando o prefeito Francisco Pinto
construiu o ginásio municipal. Assim participou da primeira turma desse ginásio do turno
noturno e finalizou os estudos em Salvador, no Instituto Central de Educação Isaias Alves,
pois acompanhou seu irmão que havia casado e foi morar na capital da Bahia há procura de
emprego. Formou-se em magistério no ano 1968 e começou a trabalhar como professor
municipal do primário num bairro periférico de Salvador, Pernambués, onde a miséria e a
violência estavam cotidianamente presentes. Nesse bairro entrou em contato com uma casa
religiosa feminina pertencente aos frades franciscanos, em que as freiras realizavam um
movimento social de assistência nesse bairro, se envolveu nessa ação e vivenciando essa
experiência decidiu seguir para o seminário, mesmo passando no curso de História da UFBA.
A fase no seminário foi muito conturbada, pois na mesma época sua mãe teve um
derrame ficando paraplégica e necessitava de sua ajuda, pois sua família era muito pobre, foi
então que o cardeal Dom Eugênio Sales, que no período era arcebispo de Salvador, concedeu
que ele trabalhasse em um turno e em outro continuasse seus estudos no seminário. Sendo
ordenado em oito de dezembro de 1979.
Eu fiz quase meus estudos sempre trabalhando, meu seminário foi muito intreporcados
com a doença da minha mãe aquela história toda, e finalmente, e aí já era muito tempo
passado, finalmente em 79 eu fui ordenado, eu passei muito tempo demorou, demorei
de ordenar, ordenei com 31 anos devido a esse problema de trabalho, eu só deixei de
trabalhar na semana da ordenação, foi um fato inédito em Salvador, que Dom Avelar
concedeu isso a um seminarista, mas mesmo assim, logo, sendo padre eu continuei
dando aula no Colégio Vieira à noite no curso noturno do Colégio Vieira, e daí nunca
mais deixei o magistério, ensinei pela Prefeitura de Salvador, ensinei no Colégio
Vieira, no Colégio Social da Bahia, no Central, e depois fui trabalhar em São Felix na
paróquia menor da diocese, mais pobre da época, lá me envolvi muito com essa
pobreza, aquele movimento dos trabalhadores rurais, não os sem terra ainda, era o
Sindicado dos Trabalhadores Rurais de Cachoeira, de São Felix, região do Paraguaçu
e me envolvi com isso, e tinha um colégio muito bom em Cachoeira, esse colégio
formava as lideranças muito boas e desde já eles eram chamados de comunistas, nós
33. 33
estávamos vivendo a época da ditadura militar. (OLIVEIRA. Entrevista concedida em
19 de set.2009)
Na região de Cachoeira, padre Luiz Rodrigues se envolveu com a política local,
ajudava os jovens considerados comunistas que seguiam para a zona rural conscientizando e
denunciando o regime militar, quando se deslocava para celebrar as missas nas comunidades
da zona rural. Realizava essa ação clandestinamente para que seu superior não soubesse, visto
que o mesmo não via com bons olhos essas lideranças que estavam contra o regime, assim
levava esses “comunistas” em seu carro e os deixava num ponto estratégico para não ser
denunciado e no retorno os pegava na estrada. Dessa forma, com esse envolvimento sócio-
político, logo após o regime ajudou a fundar o Partido dos Trabalhadores (PT) na região
juntamente com alguns desses jovens que lutavam pelo fim do regime militar no Brasil. No
mesmo período trabalhou como professor de português em São Felix, ao mesmo tempo em
que dava assistência pastoral nessas localidades.
Essa sua atitude em Cachoeira se assemelha muito com a de outros religiosos, como a
atuação dos dominicanos22 em São Paulo no combate ao regime militar instaurado após o
golpe de 1964, acolhiam pessoas que se colocavam em oposição ao regime e que eram
perseguidas, desde a proteção em lugares seguros até o transporte clandestino para outras
regiões.
Dentro de nossas possibilidades e de nossa condição de religiosos, ajudávamos
pessoas sob o risco de prisão, de tortura e de morte. Fazíamos exatamente o mesmo
que a Igreja fizera nos países europeus dominados pelo fascismo e faz hoje, por
exemplo, na Polônia. (BETTO, 1991, p.49).
Michael Lowy, em seu livro Marxismo e Teologia da Libertação também evidencia a
participação de alguns padres e bispos em oposição ao regime militar, destacando a ação
numerosa de leigos e da ordem dominicana que entre 1967 e 1968 passaram a apoiar a
resistência armada dirigida por Carlos Marighela, a Ação de Libertação Nacional (ALN), este
que pela ditadura era chamado de líder terrorista. Os dominicanos forneciam esconderijo e
ajudavam muitos dos membros dessa guerrilha a saírem do país, devido a isso, muitos foram
exilados, mortos e torturados pelo regime.
Outro elemento importante de análise desse período é perceber o quanto a Igreja
estava dividida na questão política, no qual Luiz Gonzaga Lima destaca a presença de dois
22
Congregação Religiosa Masculina fundada por São Domingos de Gusmão em 1216, com o objetivo específico
de se dedicarem à pregação do Evangelho no mundo inteiro. Por causa deste "carisma" da pregação foram
chamados de "Ordem dos Pregadores"
34. 34
setores: os hierarcas e progressistas. Sendo que os primeiros em sua maioria havia apoiado o
golpe de Estado e “como natural conseqüência se integraram a uma nova aliança que nascia
entre os setores dominantes da sociedade brasileira”, segundo este autor, isso aconteceu pelo
fato da Igreja tradicionalmente ter em suas principais bases sociais as classes dominantes. E
no momento em que essas classes dominantes se dividiam politicamente com o
desenvolvimento do processo político brasileiro, a Igreja sofreu as conseqüências desse
processo entrou dividida na fase final da democracia no Brasil.
A ação do grupo progressista orientava a Igreja a apoiar as forças sociais que lutavam
pela realização de transformações sociais e incentivava a participação ativa dessas forças,
sendo que as inovações da Doutrina Social caracterizaram a ação desses setores.
As modificações da estrutura social defendidas pelo grupo progressista eram
legitimadas pela Doutrina Social da Igreja, não contestavam nenhum principio
eclesiástico. Por outro lado, a realização das modificações propostas não estabelecia
nenhum antagonismo com as classes dominantes, e além do mais permitia o
estabelecimento de relações de colaboração com as classes governantes. As
modificações estruturais proposta pelo grupo progressista do episcopado deveriam
ocorrer dentro dos limites do populismo e de seu projeto de desenvolvimento. (LIMA,
1979, p. 34).
No momento em que padre Luiz relata essa sua ação junto a jovens “comunistas”, o
mesmo faz a afirmação de que esse seu apoio acontecia às escondidas do pároco de
Cachoeira, que não gostava desses “comunistas”, evidenciando assim as contradições que
existiam entre o clero brasileiro. Nas zonas diocesanas dirigidas por bispos considerados
conservadores proibiam e desamparavam os movimentos ligados as ações progressistas, tanto
de iniciativa leiga (em muito dos casos) ou por parte dos clérigos. Como também, em
dioceses mais progressistas, as mobilizações conservadoras eram desestimuladas e proibidas.
Porém, as suas correntes partilhavam a repugnância comum, serem contrários ao “comunismo
ateu” como afirma Lowy.
Conforme a análise de Lowy, a Igreja brasileira vivenciou uma reviravolta no
momento da ditadura militar. No início desse regime em junho de 1964, a CNBB publicou
uma declaração dando seu apoio ao golpe, mesmo assim uma minoria de padres, religiosos e
leigos se opôs contra a ditadura militar, e entre os períodos de 1967 e 1968 alguns se
radicalizaram, como já foi mencionado, porém na medida em que se acentua a repressão
militar aos membros da Igreja, a CNBB na década de 70 tem sua direção substituída por um
novo bispo, Dom Ivo Lorscheider, “desde então, a Igreja torna-se um baluarte de oposição ao
regime e um refúgio para toda a sorte de protestos populares contra ele”.
35. 35
Pe. Luiz realizando o seu trabalho na região de Cachoeira e São Felix, no período do
regime militar, como mencionado, foi transferido para Roma, onde iria fazer mestrado em
Teologia durante quatro anos. Logo que concluiu o curso retornou para Salvador onde passou
a morar no seminário da arquidiocese sendo vice-reitor permanecendo por muitos anos.
Simultaneamente lecionava Teologia na Universidade Católica do Salvador (UCSAL),
atualmente faz vinte sete anos que ensina nessa instituição. Em seguida, passou cinco anos na
paróquia de São Pedro, reformou a igreja e realizou um enorme trabalho no período que
esteve por lá. Devido à necessidade de sacerdotes na Diocese de Feira de Santana, o Cardeal
D. Lucas Moreira Neves, arcebispo de Salvador concedeu uma licença de dois anos para o
mesmo fazer uma experiência nessa diocese a pedido do bispo D. Silvério Albuquerque. Visto
que sua origem era nessa região. Ao chegar foi convocado a ser pároco da Paróquia Nossa
Senhora da Conceição do Coité, que estava vaga e necessitava de um sacerdote.
Aconteceu uma certa, não diria ambigüidade, mas uma realidade bastante conflitante na minha
vida, eu nasci na roça, minha primeira infância foi na roça, depois eu fui pra Feira de Santana,
Salvador, sempre numa direção contrárias as minhas origens, de Salvador para São Felix, uma
cidade pequenina, volta o sabor da zona rural, quando estou lá saboreano isso me mandam pra
Roma, meu Deus do céu, um mundo, uma revolução na minha cabeça, eu fiquei quatro anos
em Roma, Europa, quando voltei não sabia mais nada de interior, mas ficou aquela vontade de
ir para o interior, me mandam pra Salvador, São Pedro, centro da cidade, uma paróquia de
elite, eu naquela ação me envolvi com a intelectualidade, desenvolvi meu trabalho, daí crise da
volta as origens, quando em Feira me jogam em Coité, eu não conhecia, só conhecia até
Serrinha, eu disse agora to no paraíso, retorno as origens, redescubro, bem diferente da minha
origem , sou lá do recôncavo, bem diferente de Coité. Vim pra cá com entusiasmo tremendo,
uma alegria enorme, foi muito emocionante, eu lembro de um cântico que o grupo mirin cantou
na missa de posse, ‘eu vim de longe, mas vou ficar’, eu vou ficar, eu mesmo sabendo que não
seria dez anos, havia esse propósito, mas eu vou ficar, eu vou ficar, aí essa nostalgia do
interior, da roça, da pobreza e tudo, e a cabeça cheia de intelectualidade porque tinha estudado
nas melhores universidades (...) eu tinha uma cabeça muito diferente daquilo que era minha
realidade. (OLIVEIRA. Entrevista concedida em 19 de set. 2009).
Logo que D. Silvério havia o comunicado que estaria indo para Coité, sentiu a
necessidade de saber algumas informações a respeito da paróquia antes de iniciar seu
trabalho, pelo fato do mesmo desconhecer o município. Aproveitando a presença do ex-
pároco de Conceição do Coité, Pe. José Reis, que havia assumido a Paróquia de São Cosme e
São Damião em Salvador, no bairro da Liberdade, foi ao seu encontro buscar algumas
orientações para desempenhar da melhor maneira o seu serviço pastoral. O padre José Reis o
orientou para que ele procurasse o casal Agnaldo e Maurita, os mesmos passariam todas as
informações sobre a paróquia, pois o padre Geraldino que estava por lá esperando a nomeação
de um novo pároco não conhecia de fato a comunidade local. O ex-pároco pediu que ele
procurasse também o Deputado Emério Resedá, “uma esperança para Conceição do Coité”,
este forneceria todas as informações sobre as instituições políticas da cidade. Diante dessas