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           CLÁUDIO GONÇALVES DE MATTOS




O TRABALHO DOS CANTEIROS DE SANTA LUZ E AS SUAS
           FORMAS DE ORGANIZAÇÃO




                              Trabalho de conclusão de curso em
                              Licenciatura   em    História   pela
                              Universidade do Estado da Bahia, sob
                              orientação da professora Cláudia
                              Vasconcelos.




                  Conceição do Coité
                  Dezembro de 2009
2




“Mesmo das pedras podemos extrair coisas bonitas”.
                               (Boaventura Abreu)
1



                       O trabalho dos canteiros de Santa Luz
                          e as suas formas de organização

Cláudio Gonçalves de Mattos*


Resumo


Neste artigo abordo o trabalho dos canteiros na exploração de pedras de granito em Santa
Luz, interior do estado da Bahia, procurando evidenciar os pontos positivos e as dificuldades
que esta classe de trabalhadores encontra no seu cotidiano com relação às suas formas de
organização. Relato os progressos já existentes neste sentido e discuto questões que se
apresentam como obstáculos nesse processo.
Palavras-chave: Canteiros, classe trabalhadora, organização.


Abstract


In this paper I present the work of the beds in the operation of granite stones in Santa Luz,
interior of Bahia state, seeking to highlight the strengths and difficulties that this class of
workers is in their daily lives in relation to their forms of organization. Reporting the progress
already in this direction and discuss issues that present themselves as obstacles in the process.
Keywords: flowerbeds, working-class, organization.




    1. Introdução


       Santa Luz é um município do interior do estado da Bahia, localizado à
aproximadamente 258 km da capital Salvador, situado na região sisaleira, no semi-árido
brasileiro1. Sua população, estimada em 2004, era de 31120 habitantes, segundo o IBGE
(Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). A cidade é conhecida no estado como uma
das maiores produtoras de pedra. A pedra de granito extraída em Santa Luz ainda é totalmente
trabalhada no local de extração, nas chamadas pedreiras, onde é transformada em laje, meio-
fio, paralelepípedos, principal produto vendido para calçamentos de várias cidades,
especialmente do interior da Bahia. Também é extraída a chamada pedra-bruta, usada para
fazer alicerce de construções. A brita, produzida tanto em britadores quanto manualmente, é


*Estudante do 9º Semestre de Licenciatura em História da UNEB – CAMPUS XIV, professor de Matemática em
Escola Estadual há 17 anos. (cgmvitoria@yahooo.com.br).
1
  http://www.febraban.org.br
2



outro produto muito procurado. (Ver fotos 01 a 04). O artesanato na pedra, trabalho realizado
por moradores da cidade, como a família Boaventura, é reconhecido internacionalmente. A
exploração e transformação da pedra de granito constituem-se em uma importante fonte de
renda da população luzense.




FOTO 01 – PEDRA BRUTA USADA EM ALICERCE            FOTO 02 – PARALELEPÍPEDOS USADOS EM
                                                   CALÇAMENTO DE RUAS




 FOTO 03 – LAJES USADAS EM CALÇADAS               FOTO 04 – BRITA USADA EM CONSTRUÇÃO



       Apesar de ser uma das principais fontes de renda da população, a maioria dos
trabalhadores da pedra encontra-se na informalidade, ou seja, não tem carteira assinada nem
estão associados a nenhum sindicato ou associação. O que tem ocorrido, segundo Ricardo
Antunes (1998), é “uma metamorfose no universo do trabalho”. Alguns setores se qualificam,
3



enquanto outros permanecem estagnados. Ainda ocorrem muitos acidentes, inclusive com
mutilações e até mesmo morte. As famílias dos trabalhadores das pedreiras não têm nenhuma
segurança e vivem à mercê da sorte. Há relatos surpreendentes que nos dá a idéia da situação
de risco e desamparo em que vivem os trabalhadores nas pedreiras de Santa Luz, a exemplo
do Sr. Paulo Ponciano em entrevista concedida ao MOC (Movimento de Organização
Comunitária): “Sobrevivo da ajuda da minha esposa e dos meus filhos. No tempo de frio sinto
muitas dores na mão que fora mutilada. Tenho que conviver com essa dor pelo resto da
vida”.2
          Vários fatores são prejudiciais à saúde dos trabalhadores (ODDONE, 1986 apud
NUNES, 2002, p. 10). As más condições de trabalho, os problemas sérios de saúde causados
pelo serviço insalubre, a baixa remuneração, a degradação do meio ambiente e outras mazelas
dessa classe de trabalhadores merecem atenção, porém, o que pretendo analisar no presente
artigo são os motivos que dificultam equacionar estes problemas. Para analisar tais questões
parto do pressuposto que a organização, não necessariamente a associação em sindicato, mas
a organização da classe seria uma possível solução, contudo são os sujeitos envolvidos nesse
cenário que darão respostas para estas perguntas. Nesse intuito foram realizadas visitas aos
locais de trabalho e entrevistas com os trabalhadores da pedra, associados ou não ao sindicato,
membros do sindicato, profissionais de outras áreas, poder público, políticos, empresários e
representantes da sociedade civil organizada.
          Sabemos que no município de Santa Luz existe o Sindicato dos Trabalhadores da
Pedra de Santa Luz, que conta com menos de dez por cento dos trabalhadores, o que nos leva
a acreditar que existam motivos importantes para que essa classe não se organize de outras
formas, já que, aparentemente, há uma resistência em relação ao sindicato. Se existe
problemas com o Sindicato, quais seriam? Se realmente esses problemas existem, quais as
alternativas? Quais os motivos que emperram a organização dessa classe?
          “A história de qualquer classe não pode ser escrita se a isolarmos de outras classes,
dos Estados, instituições e idéias que fornecem sua estrutura”. Hobsbawn, (1987, p 11). Dessa
forma, a atuação do poder público nesse contexto vai ser discutida. A influência político-
partidária, a questão previdenciária, a burocratização e a capitalização dos sindicatos, outros
fatores de ordem econômica, política e social também serão tratados, não isoladamente, mas
fazendo parte desse contexto complexo que é a atual situação dos trabalhadores da pedra em




2
    Canteiro Paulo Ponciano, em entrevista publicada no site do MOC www.moc.org.br em 03/11/2005.
4



Santa Luz, levantando os motivos que dificultam a organização dessa classe, cuja maioria,
não tem nenhuma representação legal para defender seus interesses.
        Segundo o memorialista Nelci Lima da Cruz 3, a exploração de pedra na região de
Santa Luz teve início antes mesmo da emancipação do município. No final do século XIX e
início do século XX, a exploração de pedra para fazer paralelepípedos já era realizada no
município e o transporte era feito em carroças com tração animal até a estação ferroviária, de
onde os paralelepípedos eram transportados de trem para outras cidades da Bahia.
Curiosamente, nesse período, alguns trabalhadores da pedra tinham carteira assinada,
conforme relato de Nelci Lima da Cruz, em entrevista concedida no dia 10 de novembro de
2009. Atualmente não se tem conhecimento de nenhum canteiro, operário que lavra pedras,
que trabalhe com carteira assinada ou que pague a previdência como autônomo. Será que essa
prática de se trabalhar sem carteira assinada consolidou-se naturalmente ou foi uma estratégia
pensada pelos empregadores?
        Justamente buscando entender esta situação dos canteiros que se dizem autônomos e
ao mesmo tempo falam em “patrão”, quando se referem aos comerciantes que compram sua
produção de pedra, é que surgiu a idéia de explorar este tema. Se estamos falando de uma
classe de trabalhadores que já existe a mais de um século, porque as conquistas desta classe
nos parecem tão tímidas?. A visão que temos do trabalho nas pedreiras e o que foi escrito até
hoje sobre esses trabalhadores condizem com a visão dos mesmos? Quais as experiências bem
sucedidas dentro desta classe? Qual papel tem desenvolvido o Sindicato dos Trabalhadores da
Pedra de Santa Luz? Qual tem sido a atuação do Poder Público? Levantaremos estas questões
no decorrer desse artigo.


2 A exploração da pedra de granito em Santa Luz:


        Segundo Diagnóstico Setorial sobre a exploração de pedras em Santa Luz, realizado
em 1999 pelo SEBRAE (Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas da Bahia), as
limitações do clima e as dificuldades de acesso à terra, levaram muitos trabalhadores rurais a
se dedicarem à extração de granito na região de Santa Luz. O grande potencial das jazidas
desse minério deixaram Santa Luz na condição de maior produtora de pedra de granito da
Bahia no ano de 1999, conforme Diagnóstico Setorial, porém, não foi o suficiente para
melhorar as condições de vida e trabalho dos canteiros.

3
 Nelci Lima da Cruz é professor e memorialista de Santa Luz e tem alguns livros publicados como Memórias
Históricas de Santa Luz.
5



        A exploração de pedra em Santa Luz, ao longo dos anos, tem se configurado em um
comércio instável para os canteiros. O período em que a demanda aumenta corresponde às
vésperas das eleições municipais e estaduais, quando as prefeituras injetam verbas nos setores
de construção civil e pavimentação. Passado este período, o preço da pedra cai e a situação
volta a ficar crítica. Essa é uma postura de grande parte dos municípios brasileiros no trato das
verbas públicas e uma prática comum de se trabalhar mais no período de campanha eleitoral.
Interpretando o clientelismo como uma estratégia eleitoral, Mariana Borges Martins da Silva4
lembra que, independente do partido político, conforme a conjuntura pode-se esperar que este
lance mão deste tipo de estratégia. Com essa prática, a maior parte do lucro fica nas mãos dos
atravessadores e empresários que entram em cena, principalmente quando aumenta a
demanda.
        É neste contexto histórico, social, político e econômico que tem se formado a classe
dos trabalhadores da pedra em Santa Luz.            De acordo com Nelci Lima da Cruz, as atividades
de exploração de pedra de granito em Santa Luz datam de mais de cem anos de existência. O
que se pode perceber é que o trabalho dos canteiros continua artesanal praticamente em sua
totalidade. Para se ter uma idéia do tímido avanço tecnológico nesse setor, segundo dados
coletados com os próprios canteiros, o que estes aprenderam com pais e avós continuam
passando para seus filhos, não acontecendo nenhuma mudança considerável no processo de
extração e beneficiamento da pedra. Segundo SIVIERI, 1996 apud NUNES, 2002, p.18, os
canteiros trabalham em constante situação de risco.
        O processo de extração e beneficiamento da pedra de granito pode começar a ser
entendido, em todas as suas etapas, nas palavras de Gilberto Lopes da Silva, canteiro que
trabalha há mais de vinte anos nas pedreiras de Santa Luz:


                            “... a pessoa tem que ver o tipo da pedra, escolher uma pedra que não teja enterrada,
                           apesar de hoje as pedra descoberta que não tão sendo trabalhada tá em lugar que o
                           caminhão não pode subir, tá mais difícil encontrar pedra boa, tem pedra que não dá
                           pra tirar material. Tem de ver o tipo da pedra, tem uma que não tem corte, não tem
                           natureza, tem que ver aquelas que tem uma face mais... umas lateral mais certa que é
                           as mais que...ela já tendo uma lateral certa, uma face certa, já é um corte ali...já
                           aproveita e vai procurar mais dois corte ali, porque a pedra tem três corte: corrida,
                           segundo e trincante.5


        Essa linguagem é bastante comum entre os canteiros: “corte”, “trincante”, “corrida”,
“segunda”. Para melhor entendimento entre nós, leigos, pedi para que Gilberto nos falasse

4
  Mestranda em Ciência Política, IUPERJ. Artigo Porque voltar ao clientelismo? Considerações sobre o
governismo no Brasil.
5
  Entrevista com o canteiro Gilberto Lopes da Silva, realizada em 16/10/2009.
6



mais sobre esse conhecimento valioso e decisivo na escolha de uma pedra a ser trabalhada.
Vale salientar que estamos falando de um morro de pedra que varia de formatos e tamanhos,
(Ver foto 05). A escolha é fundamental e os primeiros cortes, se não seguirem a “natureza” da
pedra, como relata Gilberto, “pode desandar todo trabalho e perder a pedra e o trabalho”.


                          Pra quadrar uma pedra você tem que dar três tipo de corte: a corrida é o veio da
                          pedra, é onde ela corta mais fácil, é o melhor corte, o corte da produção é a corrida.
                          Depois da corrida vem o “segundo corte”, que é o melhor corte depois da corrida,
                          não é tão bom como o primeiro e, por último vem o “trincante”, que é o mais ruim, é
                          o corte que a gente deixa por último, porque nesse você vai ter mais trabalho, ele
                          não corta certo como os outros, é mais duro, corta quebrando a pedra em lascas. Se
                          não tiver cuidado perde o bloco da pedra. É difícil você acertar os três cortes de
                          primeira. Sempre a gente acerta a corrida e os outros a gente descobre trabalhando.
                          Aqui na Serra o primeiro corte, a corrida, sempre dá de “alevante”. 6




                                                      FOTO 05 – MORRO DOS LOPES (LOCALIZADO A 2 KM
                                                      DE SANTA LUZ) CITADO POR EUCLIDES DA CUNHA
                                                      NO LIVRO OS SERTÕES. SUAS PEDRAS COMEÇARAM
                                                      A SER CORTADAS E COMERCIALIZADAS. HOJE É
                                                      PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ESTÁ PROTEGIDO POR
                                                      LEI. NAS REDONDEZAS DESTE MORRO VÁRIAS
                                                      PEDREIRAS ESTÃO INSTALADAS.




            Como podemos perceber, cortar uma
pedra requer conhecimento do trabalho que
está sendo realizado. Quando o entrevistado
se refere à Serra, trata-se do seu local de
trabalho que é a Serra do Lajedo, distante
cerca de 12 Km de Santa Luz. Ele afirma que
lá a “corrida” sempre dá de “alevante”, ou
seja, a corrida que é o veio da pedra, o
sentido em que a pedra corta com mais
facilidade, na maioria das vezes se dá na                   FOTO 06 – O CANTEIRO JOSÉ NASCIMENTO
                                                           FURANDO UMA MINA MANUALMENTE PARA
horizontal, que na linguagem dos canteiros é
                                                                         DETONAÇÃO.
“alevante”. Creio que devido à explosão que


6
    Idem.
7



corta a pedra ao meio, na horizontal, impulsionando de forma premeditada o bloco cortado
para cima, tenha originado a expressão. O fato de a maioria das pedras cortarem mais
facilmente na horizontal, “alevante”, deve ter uma explicação geológica, o que não é o nosso
objetivo estudar esta questão.
            Depois de explicar o processo de escolha da pedreira em função dos diferentes tipos de
corte que pode ser dado na pedra, Gilberto explica o processo de perfuração e detonação (Ver
foto 06), este último que eu considero o mais perigoso:


                            Pra começar tem que furar os fogo e detonar. Pra furar depende do tamanho da
                            pedra, pra vê se vai furar um metro ou dois metros ou um metro e meio ou oitenta,
                            depende... Pra furar a pedra a gente usa broca, começa com uma de 10cm, depois de
                            20cm, depende do tamanho da pedra... depende da posição do furo. Um fogo desse
                            por cima, um fogo de um metro e oitenta por cima, sendo duas pessoa trabalhando,
                            eu com o macaqueiro, como chama, fura ne um dia, pode não dá pra furar e detonar
                            ela no mesmo dia, mas dá pra furar ne um dia uma mina dessa... se for no
                            compressor fura em dez minutos7.



            O processo de furar o fogo, como os canteiros se referem ao processo de abrir um
orifício na pedra de mais ou menos 5 cm de diâmetro para depois carregar com pólvora e
detonar, é feito com brocas, espécie de ponteiro de aço que é batido na pedra com duas
marretas. Em uma pedra podem ser dados de três a cinco furos deste tipo para iniciar o
trabalho. Conforme vai aprofundando o furo, são usadas brocas maiores. Nesta etapa trabalha
o canteiro e o “macaqueiro”, nome dado ao ajudante do canteiro, e é assim definida por
Gilberto: “Eu seguro a broca, bato com a marreta de um quilo e o outro bate com a marreta de
três quilos. Eu bato e quando tiro a minha ele bate também em cima”. Pode-se perceber o
risco que corre quem está segurando a broca para o ajudante bater com uma marreta de três
quilos, vale lembrar que nesse processo não se usa luvas ou qualquer outro equipamento de
segurança. Os furos podem chegar a mais de dois metros de profundidade na dura pedra de
granito. Muitos acidentes ocorrem nessa etapa da perfuração. O compressor, equipamento
usado para perfuração que tem custo de manutenção bastante elevado, substitui todo esse
processo. Porém muitos continuam a fazer o “fogo” manualmente em perfurações mais rasas,
deixando as mais profundas para o compressor. Segundo o geólogo A.M.L., da CBPM
(Companhia Baiana de Pesquisas Minerais):


                            A CBPM mantém uma relação de apoio à produção de paralelepípedos, através de
                            perfuração de rochas com compressor. A CBPM mantém em Santa Luz um veículo


7
    Idem.
8



                              Toyota com motorista, um compressor e duas perfuratrizes para dar apoio aos
                              canteiros. Hoje os custos giram em torno de nove mil reais por mês. 8



           O Tesoureiro da Cooperativa dos Trabalhadores da Extração de Pedras de Santa Luz,
Júlio Arilson, lembra que o compressor está acessível a todos os canteiros, independente de
serem sindicalizados ou não, até o final deste ano de 2009. A partir de 2010 a CBPM não vai
mais arcar com as despesas, deixando o compressor sob a guarda dos canteiros que assumirão
os custos. Esse processo ainda está em discussão, mas nos dá uma idéia de que o poder
público cada vez mais procura não se comprometer com essa classe de trabalhadores, outro
motivo que exige da mesma uma postura coletiva.
           Depois de perfurado o orifício, chamado de “fogo” pelos canteiros, segue a etapa de
carregamento e detonação dos explosivos.


                              Depois do furo tem que riscar, que chama raiar. Com uma taiadeira mais larga do
                              que o furo faz um talho dos dois lados do furo, é para a pedra cortar no sentido que
                              você quiser. Carrega com pólvora e soca com barro e pedra podre. Vai botando aos
                              pouquinhos e vai batendo com um socador de ferro e com uma marreta. Não pode
                              botar o socador de ferro nos primeiros bolos de barro... quando já tiver uns cinco
                              centímetro pode socar com o socador de ferro. O estopinho é botado junto com a
                              pólvora e depois que bota o barro e soca tá carregado o fogo e é só queimar o
                              estopinho e sair de perto.9



           O uso do “socador” de ferro não é uma prática de todos os canteiros. Muitos acham
perigoso e usam um instrumento de madeira para carregar o “fogo”, do início ao fim do
processo. Segundo o canteiro Gilberto, usar o socador de ferro depois que se coloca uma
camada de barro e bagaço de pedra sobre a camada de pólvora não representa perigo.
Segundo ele, a maioria dos acidentes ocorre quando o fogo “encrava”, ou seja quando a
detonação falha. O processo de desencravar o fogo é o que mais tem ocorrido acidentes,
inclusive com morte.
           O objetivo do fogo é “quadrar” um bloco de pedra. Quadrar na linguagem dos
canteiros é cortar um bloco retangular, o que na maioria das vezes não é possível apenas com
o processo de detonação (Ver foto 07), exigindo um processo de acabamento posterior.
Retirado o bloco retangular começa o processo de corte sem explosivo. É a chamada retirada
das “foletas”, que devem seguir o veio natural da pedra. As foletas são fatias de 10 cm, para a
produção do paralelepípedo e meio-fio, usados em calçamentos de ruas, ainda podem ser


8
    Entrevista realizada com o geólogo da CBPM, em 08/11/09.
9
    Entrevista com o canteiro Gilberto Lopes da Silva, realizada em 16/10/2009.
9



retiradas “foletas” de 5 cm de espessura na fabricação de lajotas usadas em calçadas (Ver
fotos 08 e 09). Esse processo de retirada das “foletas” é descrito por Gilberto:


                        Um bloco de 4x4 no caso, ele tendo um metro de altura o cara corta no pixote, não
                        precisa mais fogo. Risca primeiro com a taiadeira e faz os buracos pra botar os
                        pixotes... chama pixote, tipo uns prego. Os buraco dos pixote tem que ficar no risco
                        da taiadeira. Depende do tamanho da pedra... pode botar um pixote, dois, três... oito
                        e bate com o marrão e a pedra abre certinha.10




FOTO 07 –CORTE NA PEDRA ATRAVÉS                       FOTO 08 – CORTE SEM EXPLOSIVO PARA
DE EXPLOSIVO                                          RETIRADA DAS “FOLETAS”




                                              FOTO 09 – BLOCOS CHAMADOS PELOS CANTEIROS
                                              DE      “FOLETAS”        PARA       A    PRODUÇÃO          DE
                                              PARALELEPÍPEDOS, MEIO-FIO E LAJOTAS.




10
     Idem.
10



       Percebemos no relato de Gilberto sobre o processo de exploração e transformação da
pedra que várias ferramentas são usadas. Para um melhor entendimento segue algumas fotos
das ferramentas mencionadas até agora: Fotos 10 e 11.




            FOTO 10 – PONTEIROS                                  FOTO 11 – BROCAS E PIXOTES


       As ferramentas são de aço e são fabricadas e cuidadas pelos próprios canteiros.
Utilizam peças de carro, como estabilizadores, no fabrico dessas ferramentas. Além de ter
conhecimento do trabalho com a pedra, o canteiro precisa desenvolver habilidades de ferreiro
(Ver foto 12). Segundo Gilberto:


                       As ferramentas a gente mesmo faz aqui, corta no fole. A gente usa fole, carvão,
                       banheira de botar a ferramenta quando aponta... pra poder ela ficar dura...ai tem uma
                       de água e uma de óleo queimado... óleo lubrificante. As banheira é de pedra. Tem
                       aço que é forte demais, se botar na água ele quebra e outro é mole, se botar no óleo
                       ele fica mole... na hora de trabalhar ele fica amassando, tem que botar na água. Só
                       descobre trabalhando.




                                                        Explorei as palavras do experiente canteiro
                                               Gilberto Lopes da Silva, para dar uma noção geral
                                               do trabalho de exploração de pedra de granito no
                                               município de Santa Luz. As condições em que se
                                               dá esta atividade, as dificuldades, as conquistas,
                                               assim como as experiências bem sucedidas serão
                                               tratadas a seguir.

FOTO 12 – FOLE USADO PARA APONTAR FERRAMENTAS
11




3 Ouvindo a voz do sindicato


       De acordo com Canêdo (1991), a palavra “sindicato” só passou a ser usada a partir de
1870 na Europa. Segundo Hobsbawn, citado pela referida autora, foi também nesse período
que apareceram as palavras “indústria”, “socialismo” e “capitalismo”. Todas estas palavras
foram descendentes das associações profissionais de trabalhadores que surgiam,
especificamente na Inglaterra, entre o final do século XVIII e início do século XIX.
       Para nós, brasileiros, a consolidação de uma classe trabalhadora, organizada sob o
ponto de vista político e social, surgiu apenas no final do século XIX e, de forma diferenciada
dos países europeus, não estava diretamente ligada à indústria, mas sim ao processo de
expansão da economia cafeeira. Na época as indústrias existentes encontravam-se dispersas,
dificultando a comunicação entre os trabalhadores. Para Canêdo:


                       Foram as necessidades da economia capitalista de exportação, baseada no café, que
                       propiciaram profundas modificações no sistema de transportes e nos serviços
                       portuários, criando diretamente as condições para a formação de um primeiro núcleo
                       de trabalhadores livres. Indiretamente, foi também esta mesma economia de
                       exportação que preencheu os requisitos necessários para o surgimento e
                       concentração do proletariado fabril na região sudeste, em cujas cidades as primeiras
                       organizações de trabalhadores tomaram impulso (1991, p. 25).


       Percebemos que a formação da classe operária brasileira se deu de forma diferente da
européia e, se insistirmos na comparação, de forma tardia. Há de se considerar as diferenças
que permitiram tal disparidade, porém, independente do contexto, para que uma classe
operária possa se firmar como tal é necessário, segundo Canêdo (1991), que exista o mínimo
de comunicação entre seus membros e, principalmente, uma motivação. Passando a olhar os
canteiros de Santa Luz como classe operária, precisamos fazer algumas análises de suas
tentativas de organização.
       No ano de 1985, conforme entrevista concedida em 29 de setembro de 2009, pelo
senhor Carlos Matos, Secretário da Cooperativa dos Extratores de Pedra de Santa Luz, foi
criada uma associação denominada Associação Profissional dos Trabalhadores na Indústria de
Extração de Mármores, Calcários, Pedreiras, Granitos de Santa Luz. Através desta Associação
os canteiros realizaram várias reivindicações em nome da classe. Em 1987 essa Associação
foi transformada no Sindicato dos Trabalhadores da Pedra de Santa Luz (Foto 13).
12



                                                Nos seus vinte e dois anos de existência,
                                         segundo o Senhor Carlos Matos, uma das principais
                                         lutas encampadas pela classe, nesse período, tem
                                         sido a busca da aposentadoria especial para os
                                         canteiros. Outras atividades têm sido realizadas em
                                         parceria com o MOC (Movimento de Organização
                                         Comunitária), a SETRAS (Secretaria do Trabalho e
                                         Ação Social), o SEBRAE (Serviço de Apoio às
                                         Micro e Pequenas Empresas da Bahia), entre outras
                                         instituições.


    FOTO 13 – SEDE DO SINDICATO

       Dentre as atividades desenvolvidas podemos destacar o trabalho de prevenção de
acidentes, que busca conscientizar os canteiros da importância do uso de materiais de
segurança no trabalho, palestras como a realizada por representantes do Exército brasileiro,
orientando os canteiros no manuseio de explosivos. Segundo Júlio Arilson, tesoureiro da
Cooperativa, a inclusão dos filhos dos trabalhadores da pedra no PETI ( Programa de
Erradicação do Trabalho Infantil) foi uma vitória do Sindicato, uma vez que essas crianças
não eram contempladas neste programa. Atualmente o Sindicato tem um programa que vai ao
ar todas as segundas-feiras em uma rádio local, onde são veiculadas as notícias sobre os
canteiros e o trabalho nas pedreiras.
        Também, ligada ao Sindicato, foi criada em 1997 a Cooperativa dos Trabalhadores
da Pedra de Santa Luz, esta com o objetivo de escoar a produção dos canteiros por um preço
melhor fugindo dos compradores intermediários chamados de “atravessadores”. Os sócios da
Cooperativa também são associados ao sindicato. O pagamento da pedra pela cooperativa é
feito por quinzena e, por iniciativa da cooperativa, foi extinto o “vale”, forma de pagamento
utilizado pelos compradores de pedra que consiste em uma ordem de compra a ser efetuada
em um determinado estabelecimento comercial. Retomaremos posteriormente a discussão
sobre essa forma de pagamento utilizada com grande freqüência nesse setor.
       Aparentemente, pelo que foi exposto até aqui, a classe dos canteiros de Santa Luz é
forte no sentido de organização de classe e representação sindical, porém, o que se pode
verificar é que dos mais de mil trabalhadores da pedra, apenas trezentos são sindicalizados,
sendo que destes, menos de cinquenta estão em dias com sua situação no sindicato. Entre os
sindicalizados apenas cerca de trinta e cinco participam ativamente da Cooperativa, ou seja,
13



fornecem sua produção para o sindicato, os demais vendem sua pedra aos compradores
intermediários. Para Bernardo e Pereira (2008) a queda do percentual de sindicalizados no
Brasil está ligada à capacidade dos trabalhadores em gerir suas próprias lutas. Passemos a
analisar os motivos desta situação específica do Sindicato dos Trabalhadores da Pedra de
Santa Luz por dentro do sindicato.
       Sabemos que a história do sindicato no Brasil aponta para um momento que não é dos
melhores. Na década de 90, Ricardo Antunes já alertava:


                       Os sindicatos estão aturdidos e exercitando uma prática que raramente foi tão
                       defensiva. Abandonam o sindicalismo de classe dos anos 60/70, aderindo ao acrítico
                       sindicalismo de participação e de negociação, que em geral aceita a ordem do capital
                       e do mercado, só questionando aspectos fenomênicos dessa mesma ordem.
                       Abandonam as perspectivas emancipatórias, da luta pelo socialismo e pela
                       emancipação do gênero humano, operando uma aceitação também acrítica da
                       “social-democratização”, ou o que é ainda mais perverso, debatendo no universo da
                       agenda e do ideário neoliberal (1999, p. 72).


       A situação do Sindicato dos Trabalhadores da Pedra de Santa Luz tem suas
especificidades que devem ser consideradas. Não podemos falar de capitalização deste
sindicato considerado por Antunes (2008) “uma praga que vem avassalando sindicatos”, uma
vez que o mesmo não dispõe de capital devido ao número reduzido de associados que
impossibilita a acumulação de capital. A burocratização dos sindicatos, que segundo,
Bernardo e Pereira (2008), é outro motivo da decadência da organização sindical também não
se pode aplicar ao Sindicato dos canteiros de Santa Luz, que conta com um número reduzido
de dirigentes, tendo como presidente do sindicato um canteiro em atividade que não pode ser
considerado um burocrata sindical.
       Outra situação atípica que dificulta a organização do movimento sindical dos canteiros
e deve ser considerada é a presença do inimigo oculto, ou seja, a classe dos canteiros se
confunde com o autônomo que tem um “patrão”, como alguns deles tratam os compradores de
pedra, e que na realidade não tem nenhum vínculo empregatício com este “patrão”. Uma das
principais características do sindicato é ser combativo, tendo como principal alvo o patrão, o
empresário. No caso dos canteiros há uma rede de exploração montada onde não existe um
inimigo visível, ou seja, combater e reivindicar nessas condições torna-se uma árdua tarefa
para o sindicato.
       Segundo o Sr. Carlos Matos outra dificuldade em conseguir mobilizar a classe se trata
no fato de que:
14



                             Cinquenta ou sessenta por cento dos trabalhadores da pedra tem uma roça. Trabalha
                             na pedra mas tem uma roça. Na época que chove vai fazer uma plantação de feijão,
                             milho, mandioca, certo? E aí ele vai pra outro sindicato que é o sindicato do
                             trabalhador rural que lhe dá direito a uma aposentadoria e ai dizem: “aquele
                             sindicato da pedra não presta não”. A gente tem visto muito isso e pra gente é uma
                             dificuldade muito grande para juntar mais pessoas, mas, por outro lado a gente fica
                             feliz porque eles têm outro lado.11


           O fato de não ter uma garantia previdenciária realmente torna-se um complicador na
mobilização da classe. Por outro lado, não se pode deixar passar despercebido, a situação que
parecia favorável ao sindicato podendo contar no governo estadual e federal com um aliado,
que é justamente o Partido dos Trabalhadores. A representação política do sindicato não
mostrou nenhum avanço no sentido de cobrar de seus aliados a aposentadoria especial para os
canteiros, inclusive foi votada uma emenda referente a esta questão, em que vários segmentos
foram contemplados e os canteiros foram excluídos. Retomaremos esta discussão
posteriormente na voz dos canteiros. O Sr. Carlos Matos, reconhece que, de uma forma geral,
“depois que elegeu um governo de esquerda o sindicato retraiu-se muito”. Podemos perceber
na fala do Sr. Carlos Matos que as lideranças político-partidárias que representam o Sindicato
não têm demonstrado força ou interesse suficiente para defender a classe e que por outro lado
o sindicato não parece se sentir a vontade para manter uma postura combativa frente aos seus
aliados políticos. Outro elemento dificultador apontado pelas lideranças da Cooperativa dos
Trabalhadores da Pedra de Santa Luz é a falta de apoio do poder público local. Segundo
Alcides Alves Monteiro, presidente da Cooperativa:


                             Não existe apoio do poder público. Santa luz hoje é o maior produtor de pedra. Eu
                             costumo dizer que os trabalhadores da pedra são os embelezadores das cidades e
                             precisam ser olhados com outros olhos, ser mais valorizados, ter políticas voltadas
                             para esses trabalhadores. 12


           Podemos perceber que o Sindicato dos Trabalhadores da Pedra de Santa Luz tem
agido dentro de suas possibilidades. O pouco número de associados contribui para o
enfraquecimento da organização. Um dos maiores motivos desse esvaziamento ainda é a falta
de seguridade junto à previdência, como já foi dito pelo Sr. Carlos Matos. O ex-canteiro
Justino, hoje funcionário público, fez parte do sindicato e testemunhou a luta da entidade pela
aposentadoria especial para os canteiros:




11
     Carlos Matos em entrevista concedida em 29/09/2009.
12
     Alcides Alves Monteiro em entrevista concedida em 29/09/2009.
15



                             Os trabalhadores da pedra, além de trabalharem numa atividade perigosa, uma
                             atividade de risco, uma atividade que requer o máximo de cuidado e atenção, ainda
                             tem que viver desamparado em relação à questão previdenciária. Quando um
                             companheiro se acidenta fica a ver navios, dependendo de ajuda dos amigos. Muitos
                             acidentes acontecem, companheiros que perderam braços, visão e outros que ficam
                             com seqüelas pro resto de suas vidas. Vendo essa situação o sindicato, junto com
                             entidades parceiras, lutaram pela seguridade especial para os canteiros, mas essa luta
                             está barrada na burocracia do país lá em Brasília. 13


           Diante de tantos entraves, alguns canteiros passaram a se organizar criativamente por
conta própria. Vejamos o exemplo da família Abreu que se destacou como canteiros,
escultores e restauradores.




4. A arte na pedra: uma experiência de organização que deu certo


           Pelo que vimos até aqui, a situação da classe dos canteiros de Santa Luz parece
insolúvel no que se diz respeito à organização da mesma. Para os mais pessimistas ou
interessados na manutenção dessa política capitalista ditada pelo mercado, em que a “mão
invisível” desse mercado move e controla a economia, a situação está definida. Se
analisarmos com mais atenção veremos, dentro desse mundo dos canteiros, algumas
experiências alternativas que deram e continuam dando resultados. Vimos que os poucos
associados ao sindicato contam com algumas vantagens se comparados com a grande maioria
dos outros canteiros. Passemos a analisar uma experiência bem sucedida no trabalho de
cantaria e escultura em pedra, realizada pela família Abreu, mais conhecida como família
Boaventura, em Santa Luz.
           O Senhor Boa Ventura Abreu, mais conhecido como Ventura, mudou a história da
família Abreu de Santa Luz, que passou a ser conhecida na Bahia e no Brasil como família
Boaventura, pelos seus trabalhos realizados nas pedras de granito de Santa Luz que se
espalharam pela Bahia e pelo Brasil, chegando a serem utilizadas como artefatos para
presente até mesmo no exterior, como por exemplo, uma encomenda de um bispo para
presentear o então papa João Paulo II. O famoso jogador de futebol Zico também foi
presenteado com uma peça esculpida em granito pelas mãos da família Boaventura. Esses são
apenas alguns exemplos da propagação da arte na pedra de granito citados por Laécio Abreu,
filho do Sr. Boaventura, em entrevista concedida em 09/11/2009.



13
     Ex-canteiro Justino em entrevista concedida em 12/11/2009
16



       Tudo começou em 1968 com o trabalho do Sr. Boaventura, que aprendeu a arte da
cantaria com o Mestre Aurino Lopes, conforme reportagem veiculada na revista Panorama da
Bahia em 29 de agosto de 1986. Naquela ocasião Boaventura afirmava que “mesmo das
pedras podemos extrair coisas bonitas”. Hoje o Mestre Boaventura, assiste com orgulho os
filhos Laécio, Everaldo e Paulo, que dão continuidade na arte de esculpir em pedra que
começou há quarenta e um anos.
       Everaldo Matos Abreu, nascido em Santa Luz, iniciou seu trabalho de cantaria ainda
criança, seguindo os passos de seu pai. Em momento algum Everaldo deixou de freqüentar a
escola, segundo Everaldo, uma das principais exigências de seu pai. Seu primeiro trabalho em
restauração foi no ano de 1994 no Liceu de Artes e Ofício da Bahia, conforme entrevista
concedida em 08/11/2009. No ano seguinte foi convidado pela Faculdade de Arquitetura da
Universidade Federal da Bahia (UFBA) a ministrar um curso de Cantaria, onde os alunos
eram operários de prefeituras e empresas de construção civil.
       Em março de 1997, foi convidado novamente pela Faculdade de Arquitetura da
Universidade Federal da Bahia (UFBA), através do professor e arquiteto Luiz Botas Dourado,
a participar de um projeto de profissionalização de jovens carentes, onde trabalhou como
instrutor de cantaria na antiga Faculdade de Medicina da Bahia. Em 2001, participou de uma
seleção para um projeto do Ministério da Cultura, chamado Monumenta, que o levou à Itália
para aperfeiçoar sua técnica em restauração no Centro Europeo di Venezia per i mestieri della
conservazione del patrimônio architettonico, na cidade de Veneza, com duração de três
meses. (Foto 14)
       Ao retornar ao Brasil em dezembro de
2001, participou do Projeto de Educação
Profissional para o Restauro e Conservação, em
                            Ouro Preto – Minas
                            Gerais,      promovido
                            pelo          Programa
                            Monumenta. Através
                            deste, foi indicado          FOTO 14 – EVERALDO (O SEGUNDO DA
                                                       ESQUERDA PARA A DIREITA) EM VENEZA –
                            para       diagnosticar                    ITÁLIA
                            possíveis restauros em alguns monumentos das cidades de Ouro
                            Preto e Mariana, que durou até julho do mesmo ano. (Foto 15)
                                      Após esta jornada, com retorno a Bahia, atuou em várias
FOTO 15 – EVERALDO EM
  OURO PRETO – MG
17



restaurações e outras atividades de cantaria junto com seus irmãos Laécio e Paulo. Entre elas:
o Monumento em homenagem a Independência da Bahia, na Praça do Campo Grande; o
Mosteiro de São Bento, Escadaria da Santa Casa de Misericórdia, piso do Convento de Santo
Antonio do Carmo, Igreja da Barroquinha, Porto da Barra, entre outros. Seu irmão Laécio
Abreu também cita algumas obras realizadas para fora do estado da Bahia, como, Búzios e
Cabo Frio, no Rio de Janeiro. “Algumas peças foram trabalhadas para artistas famosos como
Daniela Mercury e Bel do Chiclete”, afirma Laécio.
           Segundo depoimento de Everaldo, veiculado no Jornal A Tarde no dia 02 de
dezembro de 2001, “esculpir a pedra é uma arte”. Atualmente Everaldo é funcionário público
municipal, mas, exerce sua atividade de canteiro e restaurador junto com seus irmãos e alguns
funcionários no ateliê da família em Santa Luz. Estes funcionários também aprenderam a arte
de trabalhar na cantaria com a família Boaventura.
           A arte de trabalhar com pedra é motivo de orgulho para toda família, relata Laécio,
irmão de Everaldo e exímio canteiro, segundo o mesmo:


                             Feliz do pai de família que souber trabalhar na pedreira e tiver o seu filho
                             trabalhando lá. Ruim é como a gente vê tanto jovem envolvido com droga. As
                             dificuldades existem para todo mundo, às vezes tem período que a pedreira está
                             ruim, mas ninguém fica sem comer. Que diferença faz um médico pra um canteiro?
                             Que diferença faz um engenheiro pra um canteiro? Nenhuma! A diferença de
                             dinheiro que é grande? Quantos médicos têm ai que são irresponsáveis, que não
                             valoriza o seu trabalho? Então cada um tem que agradecer a Deus pela profissão que
                             tem. Ninguém é melhor do que ninguém. 14



           Segundo Laécio, trabalhar na pedra não é fácil. Requer conhecimento e técnica. O
canteiro que trabalha na extração da pedra, na fase inicial desse processo já necessita de um
conhecimento prévio do que vai fazer:


                             Quem corta o paralelo é um artista, tem que saber o veio da pedra, não é só chegar lá
                             furar e bater não. Eles conhecem o veio da pedra no olhar. Eu fico triste quando
                             alguém diz que tem vergonha de trabalhar em pedra, pois eu tenho o orgulho maior
                             do mundo.15


           A família Boaventura, como é mais conhecida, é um exemplo de organização familiar
que obteve sucesso na cantaria, inclusive com um de seus membros, Everaldo Abreu, tendo a
oportunidade de participar de um treinamento no exterior na área de restauração e trabalhando

14
     Laécio Abreu, em entrevista concedida em 09/11/2009.
15
     Idem.
18



como educador em Salvador e Minas Gerais no ofício de cantaria e restauração. Não é difícil
encontrar canteiros que trabalham no sistema de organização familiar e que vivem
dignamente do trabalho desenvolvido, o que prova, apesar das dificuldades, que esta arte
secular pode ser valorizada, de forma a evitar que os canteiros tenham que se deslocar para
outros estados até mesmo para trabalhar em pedreiras, onde a estrutura permite uma maior
renda. Em entrevista concedida a Revista Panorama em 29 de agosto de 1986, o Sr.
Boaventura já demonstrava essa preocupação ao afirmar que tinha o sonho de “... sair da
pequena casa para viver em outra cidade. Qualquer lugar que sua arte fosse valorizada”. Hoje
o Sr. Boaventura tem uma família estruturada, com filhos e netos na arte da cantaria. Vale
salientar que, assim como a família Boaventura e outras famílias que vivem da cantaria, a
profissão dos canteiros ainda está longe de ser reconhecida pela importância que representa
para o município e para o Estado.
       O descaso do poder público, tanto estadual e, principalmente, municipal, ameaça
deixar registrado apenas na memória a arte de esculpir na pedra da nossa região. Essa arte
deveria ser valorizada e repassada a outros jovens através de projetos de oficinas e núcleos de
ensino com o apoio do poder público. Essa iniciativa foi tomada no passado, mas hoje só nos
resta admirar a arte da família Boaventura. (Fotos 16 e 17)




   FOTO 16 – RESTAURAÇÃO EM VENEZA (ITÁLIA)                   FOTO 17 – CONSTRUÇÃO DE
                                                           CHAFARIZ DO MOSTEIRO DE SÃO
                                                              BENTO (SALVADOR – BA)


5. Ouvindo a voz dos canteiros


       Os canteiros, até aqui avaliados sob várias óticas no que diz respeito ao seu trabalho, a
partir de agora serão vistos a partir de dentro da própria classe. Em visita a algumas pedreiras
19



de Santa Luz, destaco a que fiz à Serra do Lajedo, localizada a 12 Km de Santa Luz,(foto 18)
onde estão concentradas a maioria das pedreiras da região. Ouvindo alguns canteiros, parte
deles preferiu que seus nomes não fossem divulgados. Perguntando a E.F.S. (com 52 anos de
idade e trabalhando na extração de pedras desde os 12 anos de idade) o que ele achava do
trabalho nas pedreiras, obtive a resposta: “O trabalho na pedreira não é fácil, mas criei meus
três filho assim... formei dois, um não quis estudar e trabalha na firma do sisal... o trabalho é
duro mas num tenho o que reclamá... cada um no seu cada qual”.
                                                                                Podemos observar na
                                                                       voz de E.F.S. uma mistura de
                                                                       conformismo         e     orgulho.
                                                                       Conformismo com a situação
                                                                       que aparentemente não pode
                                                                       ser mudada e orgulho de ter
                                                                       criado a família como ele
                                                                       mesmo fala “no bico do
                                                                       ponteiro      e   na     marreta”.

 FOTO 18 – SERRA DO LAJEDO À 12 KM DE SANTA LUZ, ONDE ESTÃO
                                                                       Indubitavelmente o trabalho
            CONCENTRADAS A MAIORIA DAS PEDREIRAS                       na pedreira exige muito do
canteiro. É um trabalho insalubre, com grande grau de periculosidade, realizado sobre a pedra
quente e sob o sol ardente. Estas condições parecem se agravar quando olhamos de fora. O
olhar de quem não está acostumado ao trabalho íngreme parece discordar dos próprios
canteiros, porém, fica claro que além do trabalho árduo, a falta de políticas públicas no âmbito
estadual e, municipal, que visem à valorização dessa classe de trabalhadores agravam a
situação.
       Nas palavras do canteiro P.A.O. podemos perceber a indignação com o descaso do
poder público:

                        Até o ano que passou a gente tinha transporte pra ir pra pedreira. Passou a eleição
                        quem quiser ir agora tem que ir de pé. Quem tem transporte vai e volta todo dia,
                        quem não tem dorme na pedreira a semana toda e só vem na sexta ou no sábado.
                        Cadê o sindicato? Num resolve nada, por isso que eu sai do sindicato.
20



       A revolta expressa nas palavras do canteiro P.A.O. se refere ao deslocamento que ele
tem que fazer diariamente de Santa Luz até a pedreira onde trabalha, distante 12 Km da sede
do município. Até o ano de 2008 a Prefeitura Municipal fornecia transporte aos canteiros,
levando os mesmos até as pedreiras mais distantes e indo buscá-los no final da tarde.
Atualmente o prefeito suspendeu o transporte, alegando falta de verbas. Um fato também
interessante é a cobrança que o canteiro faz com relação à atuação do sindicato. Essa prática
entre os canteiros que não são sindicalizados, a maioria, é bastante comum. Segundo o Sr.
Carlito, secretário da Coopertaiva ligada ao Sindicato, “essa resistência é normal”. Segundo
Antunes (1998) um grande desafio do sindicato está na elaboração de um programa que
incorpore os trabalhadores que vivem na economia
informal.
       O canteiro L.M.A., comentando a situação
da sua classe afirma: “Fundando uma associação
seria muito mais fácil arrumar alguma coisa junto
ao governo estadual e ao governo federal,
municipal já não digo, pois existe a „picuinha‟
política, mas mesmo assim acredito que arrumaria
alguma coisa”.
       Pode-se perceber que o grande problema
dessa classe não está apenas no fato, como muitos
                                                                FOTO 19 – CANTEIRO FABRICANDO
acreditam, das condições naturais do trabalho que                           PÓLVORA

fazem do mesmo uma profissão árdua e rigorosa, mas principalmente, na falta de políticas
públicas voltadas para esse setor da economia, que culmina com o agravamento de problemas
como a falta de valorização dessa mão-de-obra, o risco de acidentes (Foto 19), problemas de
saúde, a informalização desse setor da economia que acaba por desvalorizar essa atividade e
dificultar a organização da classe. A crítica que o canteiro L.M.A. faz aos políticos procede,
até pelo fato de conhecermos a forma de se fazer política nas pequenas cidades do interior do
Brasil, porém não isenta a falta de iniciativa dos próprios trabalhadores.
       A grande maioria dos entrevistados comunga com a idéia de que falta união à classe.
O canteiro A.C.S. comenta a sua experiência ao retornar de São Paulo e tentar investir o
dinheiro que tinha ganhado na compra de pedras:


                        Eu cheguei de São Paulo com um dinheirinho que eu ganhei lá trabalhando na pedra
                        também. Continuei trabalhando aqui na pedreira... aqui em Santa Luz. Avisei aos
                        meus colegas que eu tava comprando pedra com um preço melhor do que o da praça.
21



                       Eu mesmo tava querendo vender a minha produção direto sem atravessador. Sabe o
                       que foi que um colega comentou? “Não vou vender pedra a quem bate marreta como
                       eu”. Saí do ramo porque a turma preferia vender mais barato ao atravessador.



       O canteiro L.M.A. volta a falar da dificuldade de organização da classe:


                       Eu olho muito dentro do pessoal que trabalha nas pedreiras a falta de união. Quando
                       você procura tentar organizar alguma coisa, você começa a receber o nome de
                       ladrão. Já é como se você quisesse roubar alguma coisa. Uma certa época eu tomei a
                       iniciativa de fazer uma reunião pra gente tentar abrir uma associação. A minha
                       participação era só pra tentar ajudar, eu não queria cargo nem nada, não queria pegar
                       em dinheiro. Na primeira reunião que a gente fez o comentário já saiu que a gente
                       tava querendo roubar. Foi essa a palavra usada. Ai eu pensei: eu estou tentando
                       ajudar, nem comecei já tô recebendo o nome de ladrão, então eles que se virem.


       Essa desconfiança dos canteiros com relação às instituições e até mesmo, em relação
aos colegas, pode ser resultado da crise nacional que avassalou os sindicatos, segundo
(ANTUNES, 1998). A corrupção na política brasileira também contribuiu para que as pessoas
enxerguem com desconfiança toda e qualquer ação em nome do coletivo, seja ela do poder
público ou não. Essa atitude defensiva também está ligada à falta de segurança que vive o
trabalhador da pedra em Santa Luz. Uma vez que o Sindicato não resolve imediatamente os
problemas da classe, esta prefere se subordinar aos empresários que garantem, pelo menos, a
compra de parte de sua produção. Lembrando que, na grande maioria das vezes, é paga com o
chamado “vale”, ordem de compra que substitui o pagamento em espécie. Não podemos
também isentar a classe dos canteiros dos seus problemas internos que interferem no interesse
coletivo.
       A produção semanal de paralelepípedos em Santa Luz, há seis meses, era de
aproximadamente cem mil paralelos por semana a um preço por milheiro de R$120,00. Hoje
essa produção triplicou para trezentos mil paralelos semanais, o que dá cerca um milhão e
duzentos mil paralelos por mês, o que deixa Santa Luz em posição de maior fornecedora deste
                                                           tipo de produto no Estado da Bahia. A
                                                           prefeitura comprava pedra e estocava
                                                           enquanto o preço estava baixo. Hoje
                                                           não compra mais. (Ver foto 20).


                                                           A média de produção semanal de um
                                                           canteiro é de 2500 a 3000 paralelos por


   FOTO 20 – ESTOQUE DE PEDRAS COMPRADAS
                PELA PREFEITURA
22



semana. O preço de um milheiro de paralelos está variando entre R$130,00 e R$150,00.
Dificilmente o canteiro recebe sua produção à vista, ou seja, o “vale” é uma alternativa que os
compradores de pedra usam para pagar ao canteiro. Mesmo que estejam precisando do
dinheiro o canteiro é obrigado a aceitar o vale e, muitas vezes, trocá-lo com outros
comerciantes que cobram uma taxa de cinco a dez por cento sobre o valor do vale. Essa
prática diminui no período de maior demanda. Para garantir a fidelidade dos fornecedores,
que poderiam vender sua pedra a quem oferecesse mais por ela, os compradores tradicionais
passam a usar menos a prática do “vale” quando o mercado está aquecido.
       É nesse mesmo período de muita procura que aparecem duas figuras emblemáticas no
mundo do trabalho dos canteiros, que por sinal funcionam como um complicador na
organização dessa classe. Essas figuras são chamadas pelos canteiros de “faisqueiros” e
“charlatões”. Os faisqueiros são compradores de pedra temporários que aparecem do nada
oferecendo maior preço e desestabilizando o mercado. Os charlatões são aproveitadores que
se beneficiam com a situação e se apresentam como canteiros e vendem pedra de estoques
inexistentes, recebendo o dinheiro adiantado e deixando a má fama para os canteiros.
       Mais que um trabalho duro, como é considerado a profissão dos canteiros, é um
trabalho cheio de fatores complicadores que impedem a sua organização. Para os canteiros a
dureza da labuta é normal, difícil mesmo é lidar com tantas adversidades. Um caminho
evidente para equacionar o problema é a organização da classe de alguma forma. Percebam na
fala de Epifânio Balduíno, hoje com 52 anos de idade, que segundo o mesmo, se apresentava
resistente às questões referentes à organização de classe:


                        Eu comecei a trabalhar na pedreira eu tinha idade de 17 anos e eu sempre achei que
                        o serviço é bom. È um pouco duro, mas a gente acostuma... Aqui em Santa Luz não
                        tem outro recurso. Tem muito serviço, mas dos piores serviços a pedra é o melhor. O
                        serviço é duro mas você não depende de ninguém, às vez a gente não é
                        recompensado, mas... O sindicato anda na frente do atravessador, eu não sou
                        sindicalizado, eu vendo a minha produção a quem chegar com cinco conto a mais ou
                        dez. Se nós tudo se associasse no sindicato, a produção que nós tirasse toda aqui no
                        município, nós podia repassar pro sindicato e ai o preço podia ser muito melhor.
                        Mas um vende de um preço outro vende de outro. Eu vendo mais caro outro vende
                        mais barato...


       O exemplo acima mostra que os canteiros têm consciência do potencial da classe e que
está faltando união. O Sr. Epifânio não é uma exceção. A grande maioria dos canteiros
concorda que precisam se organizar ou em sindicato ou associação. As dificuldades são ainda
mais acentuadas com a reprodução de um discurso de fora da classe. “A turma é
desorganizada”. Essa expressão sobre os canteiros tornou-se um jargão. Essa suposta
23



desorganização interessa aos beneficiados da atual situação desses trabalhadores e que
fomentam essa “desorganização”.
       Por outro lado, já que os canteiros esperam mais do Sindicato e desconfiam do poder
de ação do mesmo o que os impede de se organizarem de outra forma? O que falta aos
canteiros, que trabalham bem próximos uns dos outros nas pedreiras, é se aproximarem no
que diz respeito aos ideais de organização, uma vez que já demonstraram ter consciência de
classe. Estamos analisando um processo histórico e devemos compreender que as mudanças
são lentas, mas devemos considerar que se trata de uma classe de trabalhadores centenária e
que avançou pouco no sentido de organização. Se considerarmos a trajetória de vinte e poucos
anos de Sindicato podemos vislumbrar avanços, porém, se analisarmos o contexto como um
todo, percebemos que muito pode ser feito e que essas ações dependem exclusivamente da
organização dessa classe. Lutar contra as leis do mercado, cobrar políticas públicas, se impor
como classe só será possível pensando e agindo coletivamente. A falta de liderança que
convença a turma de seu potencial coletivo contribui de forma decisiva para a estagnação
desses trabalhadores enquanto classe.


6. Considerações Finais


       No período estudado as reflexões sobre os canteiros como classe de trabalhadores
permitiram a desconstrução de alguns conceitos formados ao longo do tempo, assim como a
afirmação de outros. Ouvir as vozes dos sujeitos envolvidos nesse contexto foi de imensurável
importância para o entendimento de situações complexas que parecem óbvias para quem
lança um olhar de fora. Segundo Alves (1997), explicar a posteriori é fácil, problemático é
compreender as tendências de nosso tempo e se orientar, quando tudo a nosso redor está se
transformando. Analisar o papel de um sindicato dentro de uma classe que ainda está se
formando no sentido de organização e no momento que os sindicatos amargam uma crise
nacional de mais de duas décadas é preciso cuidado. Reproduzir o discurso de que a classe
dos canteiros é desorganizada também requer atenção, uma vez que essa suposta
desorganização tem sido bastante favorável para muitos. Colocar toda a culpa no poder
público e isentar a classe dos canteiros de qualquer responsabilidade é ignorar o papel dos
próprios canteiros na construção de sua história e da sua identidade coletiva.
       Na perspectiva de evidenciar os progressos e as dificuldades que tem marcado a
história dessa classe de trabalhadores foi possível entender melhor o que chamei no início
desse artigo de contexto complexo que é o mundo do trabalho dos canteiros de Santa Luz. Um
24



misto de liberdade e extrema dependência. Trabalhadores que se dizem autônomos e ao
mesmo tempo tem alguém a quem chamam de patrão. Um patrão cujo único vínculo
estabelecido é a compra da produção semanal que se configura como um favor. A aparente
autonomia na realidade engana e sufoca a voz desse trabalhador, impedindo-lhe de se arriscar
mais e mascarando uma realidade de trabalho duro, sem investimento do poder público e com
uma diversidade enorme de aproveitadores da situação. Podemos dizer que são as armadilhas
do capitalismo tão combatido por Marx.
       A forma como se desenvolve a atividade interfere na saúde do trabalhador, conforme
defende Laurell e Noriega (1989). A situação insalubre enfrentada pelos canteiros tem que ser
pensada no âmbito social e não de forma isolada. Para que isso se torne possível, as decisões
devem ser tomadas de dentro da classe que está sendo prejudicada. A iniciativa e as cobranças
junto aos responsáveis pelo bem-estar e pela segurança dos trabalhadores têm que partir dos
mesmos. Lutar contra as relações exploradoras e opressivas intrínsecas ao capitalismo,
segundo Thompson (1987), é imprescindível para uma classe de trabalhadores.
       No que se diz respeito às políticas públicas, percebe-se claramente que a preocupação
do Estado também está ligada à produção. Pouco ou nada se faz para tirar da informalidade e
garantir os direitos previdenciários dos trabalhadores avulsos, ficando estes reféns da sorte e
do tempo, como se fossem seres diferentes. O Estado precisa focar os setores mais
vulneráveis da economia. A formação profissional, como se tem comentado, não representa
política pública para os canteiros. Se assim fosse, melhor seria extinguir a classe, ou melhor,
formar profissionalmente esses trabalhadores em outras áreas. A política aqui seria a de
regulamentação dessa atividade, uma vez que o Estado e a Legislação Trabalhista estão
voltados para os setores mais modernos da economia.
       Para Hobsbawm (2000), mesmo a ação coletiva requer estruturas e lideranças para que
sejam eficazes. Enfim, muito se fala em diferentes tipos de organização no mundo do
trabalho, contudo, pouco se discute a inserção das classes marginalizadas, como a dos
canteiros e outros extrativistas, nessas formas de organização. A modernização de um país vai
além do seu progresso tecnológico e torna-se necessário a iniciativa da própria classe dos
canteiros em organizar-se de alguma forma, já que são os únicos interessados e até agora
prejudicados com a situação atual. Trabalhar como canteiro é uma arte, viver dessa arte é um
desafio, enfrentar esse desafio de forma isolada é um sacrifício, portanto organizar-se é a
melhor forma de valorizar a arte e os artistas da cantaria.
25



                                   REFERÊNCIAS:

ALVES, Edgard L.G.; VIEIRA, Carlos A.S. Qualificação profissional: uma proposta de
política pública. In: ALVES, Edgard Luiz Gutierrez (Org.). Modernização produtiva e
relações de trabalho. Petrópolis: Vozes; Brasília: IPEA, 1997.

ANTUNES, R. (Org.). Neoliberalismo, Trabalho e Sindicatos: reestruturação produtiva no
Brasil e na Inglaterra. 1. ed. São Paulo: Boitempo, 1999.

ANTUNES, R. Os sentidos do trabalho: Ensaios sobre a afirmação e a negação do trabalho.
São Paulo: Boitempo, 2006.

ANTUNES, R. O que é sindicalismo. São Paulo: Abril Cultural; Brasiliense, 2003.

BERNARDO, João: PEREIRA, Luciano. Capitalismo Sindical. São Paulo: Xamã, 2008.

BOITO, A. “Hegemonia liberal e sindicalismo no Brasil”, IN: Crítica Marxista. Nº3. São
Paulo: Editora Brasiliense, 1996.

CANÊDO, Letícia Bicalho. A classe operária vai ao sindicato. São Paulo: Contexto, 1991.

CENTRAL ÚNICA DOS TRABALHADORES (CUT). O trabalho informal no Brasil.
www.cut.org.br

DOWBOR, Ladislau. Democracia econômica: um passeio pelas teorias.Fortaleza: Banco do
Nordeste do Brasil, 2007.

GIANNOTTI, Vito. História das lutas dos trabalhadores no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad
X, 2007.

HOBSBAWM, Eric J. Mundos do trabalho: Novos estudos sobre história operária. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 2000.

LAURELL, A. C.; NORIEGA, M. Processo de produção e saúde: trabalho e desgaste
operário. São Paulo: Hucitec, 1989.

MANFREDI, Silvia Maria . Educação sindical entre o conformismo e a crítica. São Paulo:
Edições Loyola.

NEVES, Erivaldo Fagundes. História regional e local: fragmentação e recomposição da
história na crise da modernidade. Feira de Santana: UEFS, 2002.

NUNES, Iramaia Duarte. Educação em Saúde Pública e Terapia Ocupacional. Salvador:
Escola Baiana de Medicina, 2002.

SANTOS,Valmir da Silva. Educação Ambiental no município de Santa Luz/Ba: Um olhar
sobre a extração de pedras. Feira de Santana: Universidade de Feira de Santana, 2002.
26



SECRETARIA DO TRABALHO E AÇAO SOCIAL. SETRAS/CRT. Cartilha driblando o
perigo: prevenção de acidentes e doenças nas pedreiras. Salvador: Printfolha Gráfica,
1998.

THOMPSON, E.P. A formação da classe operária inglesa. Rio de Janeiro, Paz e Terra,
1987. Volume 3: A força dos trabalhadores.

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O trabalho dos canteiros de santa luz e suas formas de organização

  • 1. 1 CLÁUDIO GONÇALVES DE MATTOS O TRABALHO DOS CANTEIROS DE SANTA LUZ E AS SUAS FORMAS DE ORGANIZAÇÃO Trabalho de conclusão de curso em Licenciatura em História pela Universidade do Estado da Bahia, sob orientação da professora Cláudia Vasconcelos. Conceição do Coité Dezembro de 2009
  • 2. 2 “Mesmo das pedras podemos extrair coisas bonitas”. (Boaventura Abreu)
  • 3. 1 O trabalho dos canteiros de Santa Luz e as suas formas de organização Cláudio Gonçalves de Mattos* Resumo Neste artigo abordo o trabalho dos canteiros na exploração de pedras de granito em Santa Luz, interior do estado da Bahia, procurando evidenciar os pontos positivos e as dificuldades que esta classe de trabalhadores encontra no seu cotidiano com relação às suas formas de organização. Relato os progressos já existentes neste sentido e discuto questões que se apresentam como obstáculos nesse processo. Palavras-chave: Canteiros, classe trabalhadora, organização. Abstract In this paper I present the work of the beds in the operation of granite stones in Santa Luz, interior of Bahia state, seeking to highlight the strengths and difficulties that this class of workers is in their daily lives in relation to their forms of organization. Reporting the progress already in this direction and discuss issues that present themselves as obstacles in the process. Keywords: flowerbeds, working-class, organization. 1. Introdução Santa Luz é um município do interior do estado da Bahia, localizado à aproximadamente 258 km da capital Salvador, situado na região sisaleira, no semi-árido brasileiro1. Sua população, estimada em 2004, era de 31120 habitantes, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). A cidade é conhecida no estado como uma das maiores produtoras de pedra. A pedra de granito extraída em Santa Luz ainda é totalmente trabalhada no local de extração, nas chamadas pedreiras, onde é transformada em laje, meio- fio, paralelepípedos, principal produto vendido para calçamentos de várias cidades, especialmente do interior da Bahia. Também é extraída a chamada pedra-bruta, usada para fazer alicerce de construções. A brita, produzida tanto em britadores quanto manualmente, é *Estudante do 9º Semestre de Licenciatura em História da UNEB – CAMPUS XIV, professor de Matemática em Escola Estadual há 17 anos. (cgmvitoria@yahooo.com.br). 1 http://www.febraban.org.br
  • 4. 2 outro produto muito procurado. (Ver fotos 01 a 04). O artesanato na pedra, trabalho realizado por moradores da cidade, como a família Boaventura, é reconhecido internacionalmente. A exploração e transformação da pedra de granito constituem-se em uma importante fonte de renda da população luzense. FOTO 01 – PEDRA BRUTA USADA EM ALICERCE FOTO 02 – PARALELEPÍPEDOS USADOS EM CALÇAMENTO DE RUAS FOTO 03 – LAJES USADAS EM CALÇADAS FOTO 04 – BRITA USADA EM CONSTRUÇÃO Apesar de ser uma das principais fontes de renda da população, a maioria dos trabalhadores da pedra encontra-se na informalidade, ou seja, não tem carteira assinada nem estão associados a nenhum sindicato ou associação. O que tem ocorrido, segundo Ricardo Antunes (1998), é “uma metamorfose no universo do trabalho”. Alguns setores se qualificam,
  • 5. 3 enquanto outros permanecem estagnados. Ainda ocorrem muitos acidentes, inclusive com mutilações e até mesmo morte. As famílias dos trabalhadores das pedreiras não têm nenhuma segurança e vivem à mercê da sorte. Há relatos surpreendentes que nos dá a idéia da situação de risco e desamparo em que vivem os trabalhadores nas pedreiras de Santa Luz, a exemplo do Sr. Paulo Ponciano em entrevista concedida ao MOC (Movimento de Organização Comunitária): “Sobrevivo da ajuda da minha esposa e dos meus filhos. No tempo de frio sinto muitas dores na mão que fora mutilada. Tenho que conviver com essa dor pelo resto da vida”.2 Vários fatores são prejudiciais à saúde dos trabalhadores (ODDONE, 1986 apud NUNES, 2002, p. 10). As más condições de trabalho, os problemas sérios de saúde causados pelo serviço insalubre, a baixa remuneração, a degradação do meio ambiente e outras mazelas dessa classe de trabalhadores merecem atenção, porém, o que pretendo analisar no presente artigo são os motivos que dificultam equacionar estes problemas. Para analisar tais questões parto do pressuposto que a organização, não necessariamente a associação em sindicato, mas a organização da classe seria uma possível solução, contudo são os sujeitos envolvidos nesse cenário que darão respostas para estas perguntas. Nesse intuito foram realizadas visitas aos locais de trabalho e entrevistas com os trabalhadores da pedra, associados ou não ao sindicato, membros do sindicato, profissionais de outras áreas, poder público, políticos, empresários e representantes da sociedade civil organizada. Sabemos que no município de Santa Luz existe o Sindicato dos Trabalhadores da Pedra de Santa Luz, que conta com menos de dez por cento dos trabalhadores, o que nos leva a acreditar que existam motivos importantes para que essa classe não se organize de outras formas, já que, aparentemente, há uma resistência em relação ao sindicato. Se existe problemas com o Sindicato, quais seriam? Se realmente esses problemas existem, quais as alternativas? Quais os motivos que emperram a organização dessa classe? “A história de qualquer classe não pode ser escrita se a isolarmos de outras classes, dos Estados, instituições e idéias que fornecem sua estrutura”. Hobsbawn, (1987, p 11). Dessa forma, a atuação do poder público nesse contexto vai ser discutida. A influência político- partidária, a questão previdenciária, a burocratização e a capitalização dos sindicatos, outros fatores de ordem econômica, política e social também serão tratados, não isoladamente, mas fazendo parte desse contexto complexo que é a atual situação dos trabalhadores da pedra em 2 Canteiro Paulo Ponciano, em entrevista publicada no site do MOC www.moc.org.br em 03/11/2005.
  • 6. 4 Santa Luz, levantando os motivos que dificultam a organização dessa classe, cuja maioria, não tem nenhuma representação legal para defender seus interesses. Segundo o memorialista Nelci Lima da Cruz 3, a exploração de pedra na região de Santa Luz teve início antes mesmo da emancipação do município. No final do século XIX e início do século XX, a exploração de pedra para fazer paralelepípedos já era realizada no município e o transporte era feito em carroças com tração animal até a estação ferroviária, de onde os paralelepípedos eram transportados de trem para outras cidades da Bahia. Curiosamente, nesse período, alguns trabalhadores da pedra tinham carteira assinada, conforme relato de Nelci Lima da Cruz, em entrevista concedida no dia 10 de novembro de 2009. Atualmente não se tem conhecimento de nenhum canteiro, operário que lavra pedras, que trabalhe com carteira assinada ou que pague a previdência como autônomo. Será que essa prática de se trabalhar sem carteira assinada consolidou-se naturalmente ou foi uma estratégia pensada pelos empregadores? Justamente buscando entender esta situação dos canteiros que se dizem autônomos e ao mesmo tempo falam em “patrão”, quando se referem aos comerciantes que compram sua produção de pedra, é que surgiu a idéia de explorar este tema. Se estamos falando de uma classe de trabalhadores que já existe a mais de um século, porque as conquistas desta classe nos parecem tão tímidas?. A visão que temos do trabalho nas pedreiras e o que foi escrito até hoje sobre esses trabalhadores condizem com a visão dos mesmos? Quais as experiências bem sucedidas dentro desta classe? Qual papel tem desenvolvido o Sindicato dos Trabalhadores da Pedra de Santa Luz? Qual tem sido a atuação do Poder Público? Levantaremos estas questões no decorrer desse artigo. 2 A exploração da pedra de granito em Santa Luz: Segundo Diagnóstico Setorial sobre a exploração de pedras em Santa Luz, realizado em 1999 pelo SEBRAE (Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas da Bahia), as limitações do clima e as dificuldades de acesso à terra, levaram muitos trabalhadores rurais a se dedicarem à extração de granito na região de Santa Luz. O grande potencial das jazidas desse minério deixaram Santa Luz na condição de maior produtora de pedra de granito da Bahia no ano de 1999, conforme Diagnóstico Setorial, porém, não foi o suficiente para melhorar as condições de vida e trabalho dos canteiros. 3 Nelci Lima da Cruz é professor e memorialista de Santa Luz e tem alguns livros publicados como Memórias Históricas de Santa Luz.
  • 7. 5 A exploração de pedra em Santa Luz, ao longo dos anos, tem se configurado em um comércio instável para os canteiros. O período em que a demanda aumenta corresponde às vésperas das eleições municipais e estaduais, quando as prefeituras injetam verbas nos setores de construção civil e pavimentação. Passado este período, o preço da pedra cai e a situação volta a ficar crítica. Essa é uma postura de grande parte dos municípios brasileiros no trato das verbas públicas e uma prática comum de se trabalhar mais no período de campanha eleitoral. Interpretando o clientelismo como uma estratégia eleitoral, Mariana Borges Martins da Silva4 lembra que, independente do partido político, conforme a conjuntura pode-se esperar que este lance mão deste tipo de estratégia. Com essa prática, a maior parte do lucro fica nas mãos dos atravessadores e empresários que entram em cena, principalmente quando aumenta a demanda. É neste contexto histórico, social, político e econômico que tem se formado a classe dos trabalhadores da pedra em Santa Luz. De acordo com Nelci Lima da Cruz, as atividades de exploração de pedra de granito em Santa Luz datam de mais de cem anos de existência. O que se pode perceber é que o trabalho dos canteiros continua artesanal praticamente em sua totalidade. Para se ter uma idéia do tímido avanço tecnológico nesse setor, segundo dados coletados com os próprios canteiros, o que estes aprenderam com pais e avós continuam passando para seus filhos, não acontecendo nenhuma mudança considerável no processo de extração e beneficiamento da pedra. Segundo SIVIERI, 1996 apud NUNES, 2002, p.18, os canteiros trabalham em constante situação de risco. O processo de extração e beneficiamento da pedra de granito pode começar a ser entendido, em todas as suas etapas, nas palavras de Gilberto Lopes da Silva, canteiro que trabalha há mais de vinte anos nas pedreiras de Santa Luz: “... a pessoa tem que ver o tipo da pedra, escolher uma pedra que não teja enterrada, apesar de hoje as pedra descoberta que não tão sendo trabalhada tá em lugar que o caminhão não pode subir, tá mais difícil encontrar pedra boa, tem pedra que não dá pra tirar material. Tem de ver o tipo da pedra, tem uma que não tem corte, não tem natureza, tem que ver aquelas que tem uma face mais... umas lateral mais certa que é as mais que...ela já tendo uma lateral certa, uma face certa, já é um corte ali...já aproveita e vai procurar mais dois corte ali, porque a pedra tem três corte: corrida, segundo e trincante.5 Essa linguagem é bastante comum entre os canteiros: “corte”, “trincante”, “corrida”, “segunda”. Para melhor entendimento entre nós, leigos, pedi para que Gilberto nos falasse 4 Mestranda em Ciência Política, IUPERJ. Artigo Porque voltar ao clientelismo? Considerações sobre o governismo no Brasil. 5 Entrevista com o canteiro Gilberto Lopes da Silva, realizada em 16/10/2009.
  • 8. 6 mais sobre esse conhecimento valioso e decisivo na escolha de uma pedra a ser trabalhada. Vale salientar que estamos falando de um morro de pedra que varia de formatos e tamanhos, (Ver foto 05). A escolha é fundamental e os primeiros cortes, se não seguirem a “natureza” da pedra, como relata Gilberto, “pode desandar todo trabalho e perder a pedra e o trabalho”. Pra quadrar uma pedra você tem que dar três tipo de corte: a corrida é o veio da pedra, é onde ela corta mais fácil, é o melhor corte, o corte da produção é a corrida. Depois da corrida vem o “segundo corte”, que é o melhor corte depois da corrida, não é tão bom como o primeiro e, por último vem o “trincante”, que é o mais ruim, é o corte que a gente deixa por último, porque nesse você vai ter mais trabalho, ele não corta certo como os outros, é mais duro, corta quebrando a pedra em lascas. Se não tiver cuidado perde o bloco da pedra. É difícil você acertar os três cortes de primeira. Sempre a gente acerta a corrida e os outros a gente descobre trabalhando. Aqui na Serra o primeiro corte, a corrida, sempre dá de “alevante”. 6 FOTO 05 – MORRO DOS LOPES (LOCALIZADO A 2 KM DE SANTA LUZ) CITADO POR EUCLIDES DA CUNHA NO LIVRO OS SERTÕES. SUAS PEDRAS COMEÇARAM A SER CORTADAS E COMERCIALIZADAS. HOJE É PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ESTÁ PROTEGIDO POR LEI. NAS REDONDEZAS DESTE MORRO VÁRIAS PEDREIRAS ESTÃO INSTALADAS. Como podemos perceber, cortar uma pedra requer conhecimento do trabalho que está sendo realizado. Quando o entrevistado se refere à Serra, trata-se do seu local de trabalho que é a Serra do Lajedo, distante cerca de 12 Km de Santa Luz. Ele afirma que lá a “corrida” sempre dá de “alevante”, ou seja, a corrida que é o veio da pedra, o sentido em que a pedra corta com mais facilidade, na maioria das vezes se dá na FOTO 06 – O CANTEIRO JOSÉ NASCIMENTO FURANDO UMA MINA MANUALMENTE PARA horizontal, que na linguagem dos canteiros é DETONAÇÃO. “alevante”. Creio que devido à explosão que 6 Idem.
  • 9. 7 corta a pedra ao meio, na horizontal, impulsionando de forma premeditada o bloco cortado para cima, tenha originado a expressão. O fato de a maioria das pedras cortarem mais facilmente na horizontal, “alevante”, deve ter uma explicação geológica, o que não é o nosso objetivo estudar esta questão. Depois de explicar o processo de escolha da pedreira em função dos diferentes tipos de corte que pode ser dado na pedra, Gilberto explica o processo de perfuração e detonação (Ver foto 06), este último que eu considero o mais perigoso: Pra começar tem que furar os fogo e detonar. Pra furar depende do tamanho da pedra, pra vê se vai furar um metro ou dois metros ou um metro e meio ou oitenta, depende... Pra furar a pedra a gente usa broca, começa com uma de 10cm, depois de 20cm, depende do tamanho da pedra... depende da posição do furo. Um fogo desse por cima, um fogo de um metro e oitenta por cima, sendo duas pessoa trabalhando, eu com o macaqueiro, como chama, fura ne um dia, pode não dá pra furar e detonar ela no mesmo dia, mas dá pra furar ne um dia uma mina dessa... se for no compressor fura em dez minutos7. O processo de furar o fogo, como os canteiros se referem ao processo de abrir um orifício na pedra de mais ou menos 5 cm de diâmetro para depois carregar com pólvora e detonar, é feito com brocas, espécie de ponteiro de aço que é batido na pedra com duas marretas. Em uma pedra podem ser dados de três a cinco furos deste tipo para iniciar o trabalho. Conforme vai aprofundando o furo, são usadas brocas maiores. Nesta etapa trabalha o canteiro e o “macaqueiro”, nome dado ao ajudante do canteiro, e é assim definida por Gilberto: “Eu seguro a broca, bato com a marreta de um quilo e o outro bate com a marreta de três quilos. Eu bato e quando tiro a minha ele bate também em cima”. Pode-se perceber o risco que corre quem está segurando a broca para o ajudante bater com uma marreta de três quilos, vale lembrar que nesse processo não se usa luvas ou qualquer outro equipamento de segurança. Os furos podem chegar a mais de dois metros de profundidade na dura pedra de granito. Muitos acidentes ocorrem nessa etapa da perfuração. O compressor, equipamento usado para perfuração que tem custo de manutenção bastante elevado, substitui todo esse processo. Porém muitos continuam a fazer o “fogo” manualmente em perfurações mais rasas, deixando as mais profundas para o compressor. Segundo o geólogo A.M.L., da CBPM (Companhia Baiana de Pesquisas Minerais): A CBPM mantém uma relação de apoio à produção de paralelepípedos, através de perfuração de rochas com compressor. A CBPM mantém em Santa Luz um veículo 7 Idem.
  • 10. 8 Toyota com motorista, um compressor e duas perfuratrizes para dar apoio aos canteiros. Hoje os custos giram em torno de nove mil reais por mês. 8 O Tesoureiro da Cooperativa dos Trabalhadores da Extração de Pedras de Santa Luz, Júlio Arilson, lembra que o compressor está acessível a todos os canteiros, independente de serem sindicalizados ou não, até o final deste ano de 2009. A partir de 2010 a CBPM não vai mais arcar com as despesas, deixando o compressor sob a guarda dos canteiros que assumirão os custos. Esse processo ainda está em discussão, mas nos dá uma idéia de que o poder público cada vez mais procura não se comprometer com essa classe de trabalhadores, outro motivo que exige da mesma uma postura coletiva. Depois de perfurado o orifício, chamado de “fogo” pelos canteiros, segue a etapa de carregamento e detonação dos explosivos. Depois do furo tem que riscar, que chama raiar. Com uma taiadeira mais larga do que o furo faz um talho dos dois lados do furo, é para a pedra cortar no sentido que você quiser. Carrega com pólvora e soca com barro e pedra podre. Vai botando aos pouquinhos e vai batendo com um socador de ferro e com uma marreta. Não pode botar o socador de ferro nos primeiros bolos de barro... quando já tiver uns cinco centímetro pode socar com o socador de ferro. O estopinho é botado junto com a pólvora e depois que bota o barro e soca tá carregado o fogo e é só queimar o estopinho e sair de perto.9 O uso do “socador” de ferro não é uma prática de todos os canteiros. Muitos acham perigoso e usam um instrumento de madeira para carregar o “fogo”, do início ao fim do processo. Segundo o canteiro Gilberto, usar o socador de ferro depois que se coloca uma camada de barro e bagaço de pedra sobre a camada de pólvora não representa perigo. Segundo ele, a maioria dos acidentes ocorre quando o fogo “encrava”, ou seja quando a detonação falha. O processo de desencravar o fogo é o que mais tem ocorrido acidentes, inclusive com morte. O objetivo do fogo é “quadrar” um bloco de pedra. Quadrar na linguagem dos canteiros é cortar um bloco retangular, o que na maioria das vezes não é possível apenas com o processo de detonação (Ver foto 07), exigindo um processo de acabamento posterior. Retirado o bloco retangular começa o processo de corte sem explosivo. É a chamada retirada das “foletas”, que devem seguir o veio natural da pedra. As foletas são fatias de 10 cm, para a produção do paralelepípedo e meio-fio, usados em calçamentos de ruas, ainda podem ser 8 Entrevista realizada com o geólogo da CBPM, em 08/11/09. 9 Entrevista com o canteiro Gilberto Lopes da Silva, realizada em 16/10/2009.
  • 11. 9 retiradas “foletas” de 5 cm de espessura na fabricação de lajotas usadas em calçadas (Ver fotos 08 e 09). Esse processo de retirada das “foletas” é descrito por Gilberto: Um bloco de 4x4 no caso, ele tendo um metro de altura o cara corta no pixote, não precisa mais fogo. Risca primeiro com a taiadeira e faz os buracos pra botar os pixotes... chama pixote, tipo uns prego. Os buraco dos pixote tem que ficar no risco da taiadeira. Depende do tamanho da pedra... pode botar um pixote, dois, três... oito e bate com o marrão e a pedra abre certinha.10 FOTO 07 –CORTE NA PEDRA ATRAVÉS FOTO 08 – CORTE SEM EXPLOSIVO PARA DE EXPLOSIVO RETIRADA DAS “FOLETAS” FOTO 09 – BLOCOS CHAMADOS PELOS CANTEIROS DE “FOLETAS” PARA A PRODUÇÃO DE PARALELEPÍPEDOS, MEIO-FIO E LAJOTAS. 10 Idem.
  • 12. 10 Percebemos no relato de Gilberto sobre o processo de exploração e transformação da pedra que várias ferramentas são usadas. Para um melhor entendimento segue algumas fotos das ferramentas mencionadas até agora: Fotos 10 e 11. FOTO 10 – PONTEIROS FOTO 11 – BROCAS E PIXOTES As ferramentas são de aço e são fabricadas e cuidadas pelos próprios canteiros. Utilizam peças de carro, como estabilizadores, no fabrico dessas ferramentas. Além de ter conhecimento do trabalho com a pedra, o canteiro precisa desenvolver habilidades de ferreiro (Ver foto 12). Segundo Gilberto: As ferramentas a gente mesmo faz aqui, corta no fole. A gente usa fole, carvão, banheira de botar a ferramenta quando aponta... pra poder ela ficar dura...ai tem uma de água e uma de óleo queimado... óleo lubrificante. As banheira é de pedra. Tem aço que é forte demais, se botar na água ele quebra e outro é mole, se botar no óleo ele fica mole... na hora de trabalhar ele fica amassando, tem que botar na água. Só descobre trabalhando. Explorei as palavras do experiente canteiro Gilberto Lopes da Silva, para dar uma noção geral do trabalho de exploração de pedra de granito no município de Santa Luz. As condições em que se dá esta atividade, as dificuldades, as conquistas, assim como as experiências bem sucedidas serão tratadas a seguir. FOTO 12 – FOLE USADO PARA APONTAR FERRAMENTAS
  • 13. 11 3 Ouvindo a voz do sindicato De acordo com Canêdo (1991), a palavra “sindicato” só passou a ser usada a partir de 1870 na Europa. Segundo Hobsbawn, citado pela referida autora, foi também nesse período que apareceram as palavras “indústria”, “socialismo” e “capitalismo”. Todas estas palavras foram descendentes das associações profissionais de trabalhadores que surgiam, especificamente na Inglaterra, entre o final do século XVIII e início do século XIX. Para nós, brasileiros, a consolidação de uma classe trabalhadora, organizada sob o ponto de vista político e social, surgiu apenas no final do século XIX e, de forma diferenciada dos países europeus, não estava diretamente ligada à indústria, mas sim ao processo de expansão da economia cafeeira. Na época as indústrias existentes encontravam-se dispersas, dificultando a comunicação entre os trabalhadores. Para Canêdo: Foram as necessidades da economia capitalista de exportação, baseada no café, que propiciaram profundas modificações no sistema de transportes e nos serviços portuários, criando diretamente as condições para a formação de um primeiro núcleo de trabalhadores livres. Indiretamente, foi também esta mesma economia de exportação que preencheu os requisitos necessários para o surgimento e concentração do proletariado fabril na região sudeste, em cujas cidades as primeiras organizações de trabalhadores tomaram impulso (1991, p. 25). Percebemos que a formação da classe operária brasileira se deu de forma diferente da européia e, se insistirmos na comparação, de forma tardia. Há de se considerar as diferenças que permitiram tal disparidade, porém, independente do contexto, para que uma classe operária possa se firmar como tal é necessário, segundo Canêdo (1991), que exista o mínimo de comunicação entre seus membros e, principalmente, uma motivação. Passando a olhar os canteiros de Santa Luz como classe operária, precisamos fazer algumas análises de suas tentativas de organização. No ano de 1985, conforme entrevista concedida em 29 de setembro de 2009, pelo senhor Carlos Matos, Secretário da Cooperativa dos Extratores de Pedra de Santa Luz, foi criada uma associação denominada Associação Profissional dos Trabalhadores na Indústria de Extração de Mármores, Calcários, Pedreiras, Granitos de Santa Luz. Através desta Associação os canteiros realizaram várias reivindicações em nome da classe. Em 1987 essa Associação foi transformada no Sindicato dos Trabalhadores da Pedra de Santa Luz (Foto 13).
  • 14. 12 Nos seus vinte e dois anos de existência, segundo o Senhor Carlos Matos, uma das principais lutas encampadas pela classe, nesse período, tem sido a busca da aposentadoria especial para os canteiros. Outras atividades têm sido realizadas em parceria com o MOC (Movimento de Organização Comunitária), a SETRAS (Secretaria do Trabalho e Ação Social), o SEBRAE (Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas da Bahia), entre outras instituições. FOTO 13 – SEDE DO SINDICATO Dentre as atividades desenvolvidas podemos destacar o trabalho de prevenção de acidentes, que busca conscientizar os canteiros da importância do uso de materiais de segurança no trabalho, palestras como a realizada por representantes do Exército brasileiro, orientando os canteiros no manuseio de explosivos. Segundo Júlio Arilson, tesoureiro da Cooperativa, a inclusão dos filhos dos trabalhadores da pedra no PETI ( Programa de Erradicação do Trabalho Infantil) foi uma vitória do Sindicato, uma vez que essas crianças não eram contempladas neste programa. Atualmente o Sindicato tem um programa que vai ao ar todas as segundas-feiras em uma rádio local, onde são veiculadas as notícias sobre os canteiros e o trabalho nas pedreiras. Também, ligada ao Sindicato, foi criada em 1997 a Cooperativa dos Trabalhadores da Pedra de Santa Luz, esta com o objetivo de escoar a produção dos canteiros por um preço melhor fugindo dos compradores intermediários chamados de “atravessadores”. Os sócios da Cooperativa também são associados ao sindicato. O pagamento da pedra pela cooperativa é feito por quinzena e, por iniciativa da cooperativa, foi extinto o “vale”, forma de pagamento utilizado pelos compradores de pedra que consiste em uma ordem de compra a ser efetuada em um determinado estabelecimento comercial. Retomaremos posteriormente a discussão sobre essa forma de pagamento utilizada com grande freqüência nesse setor. Aparentemente, pelo que foi exposto até aqui, a classe dos canteiros de Santa Luz é forte no sentido de organização de classe e representação sindical, porém, o que se pode verificar é que dos mais de mil trabalhadores da pedra, apenas trezentos são sindicalizados, sendo que destes, menos de cinquenta estão em dias com sua situação no sindicato. Entre os sindicalizados apenas cerca de trinta e cinco participam ativamente da Cooperativa, ou seja,
  • 15. 13 fornecem sua produção para o sindicato, os demais vendem sua pedra aos compradores intermediários. Para Bernardo e Pereira (2008) a queda do percentual de sindicalizados no Brasil está ligada à capacidade dos trabalhadores em gerir suas próprias lutas. Passemos a analisar os motivos desta situação específica do Sindicato dos Trabalhadores da Pedra de Santa Luz por dentro do sindicato. Sabemos que a história do sindicato no Brasil aponta para um momento que não é dos melhores. Na década de 90, Ricardo Antunes já alertava: Os sindicatos estão aturdidos e exercitando uma prática que raramente foi tão defensiva. Abandonam o sindicalismo de classe dos anos 60/70, aderindo ao acrítico sindicalismo de participação e de negociação, que em geral aceita a ordem do capital e do mercado, só questionando aspectos fenomênicos dessa mesma ordem. Abandonam as perspectivas emancipatórias, da luta pelo socialismo e pela emancipação do gênero humano, operando uma aceitação também acrítica da “social-democratização”, ou o que é ainda mais perverso, debatendo no universo da agenda e do ideário neoliberal (1999, p. 72). A situação do Sindicato dos Trabalhadores da Pedra de Santa Luz tem suas especificidades que devem ser consideradas. Não podemos falar de capitalização deste sindicato considerado por Antunes (2008) “uma praga que vem avassalando sindicatos”, uma vez que o mesmo não dispõe de capital devido ao número reduzido de associados que impossibilita a acumulação de capital. A burocratização dos sindicatos, que segundo, Bernardo e Pereira (2008), é outro motivo da decadência da organização sindical também não se pode aplicar ao Sindicato dos canteiros de Santa Luz, que conta com um número reduzido de dirigentes, tendo como presidente do sindicato um canteiro em atividade que não pode ser considerado um burocrata sindical. Outra situação atípica que dificulta a organização do movimento sindical dos canteiros e deve ser considerada é a presença do inimigo oculto, ou seja, a classe dos canteiros se confunde com o autônomo que tem um “patrão”, como alguns deles tratam os compradores de pedra, e que na realidade não tem nenhum vínculo empregatício com este “patrão”. Uma das principais características do sindicato é ser combativo, tendo como principal alvo o patrão, o empresário. No caso dos canteiros há uma rede de exploração montada onde não existe um inimigo visível, ou seja, combater e reivindicar nessas condições torna-se uma árdua tarefa para o sindicato. Segundo o Sr. Carlos Matos outra dificuldade em conseguir mobilizar a classe se trata no fato de que:
  • 16. 14 Cinquenta ou sessenta por cento dos trabalhadores da pedra tem uma roça. Trabalha na pedra mas tem uma roça. Na época que chove vai fazer uma plantação de feijão, milho, mandioca, certo? E aí ele vai pra outro sindicato que é o sindicato do trabalhador rural que lhe dá direito a uma aposentadoria e ai dizem: “aquele sindicato da pedra não presta não”. A gente tem visto muito isso e pra gente é uma dificuldade muito grande para juntar mais pessoas, mas, por outro lado a gente fica feliz porque eles têm outro lado.11 O fato de não ter uma garantia previdenciária realmente torna-se um complicador na mobilização da classe. Por outro lado, não se pode deixar passar despercebido, a situação que parecia favorável ao sindicato podendo contar no governo estadual e federal com um aliado, que é justamente o Partido dos Trabalhadores. A representação política do sindicato não mostrou nenhum avanço no sentido de cobrar de seus aliados a aposentadoria especial para os canteiros, inclusive foi votada uma emenda referente a esta questão, em que vários segmentos foram contemplados e os canteiros foram excluídos. Retomaremos esta discussão posteriormente na voz dos canteiros. O Sr. Carlos Matos, reconhece que, de uma forma geral, “depois que elegeu um governo de esquerda o sindicato retraiu-se muito”. Podemos perceber na fala do Sr. Carlos Matos que as lideranças político-partidárias que representam o Sindicato não têm demonstrado força ou interesse suficiente para defender a classe e que por outro lado o sindicato não parece se sentir a vontade para manter uma postura combativa frente aos seus aliados políticos. Outro elemento dificultador apontado pelas lideranças da Cooperativa dos Trabalhadores da Pedra de Santa Luz é a falta de apoio do poder público local. Segundo Alcides Alves Monteiro, presidente da Cooperativa: Não existe apoio do poder público. Santa luz hoje é o maior produtor de pedra. Eu costumo dizer que os trabalhadores da pedra são os embelezadores das cidades e precisam ser olhados com outros olhos, ser mais valorizados, ter políticas voltadas para esses trabalhadores. 12 Podemos perceber que o Sindicato dos Trabalhadores da Pedra de Santa Luz tem agido dentro de suas possibilidades. O pouco número de associados contribui para o enfraquecimento da organização. Um dos maiores motivos desse esvaziamento ainda é a falta de seguridade junto à previdência, como já foi dito pelo Sr. Carlos Matos. O ex-canteiro Justino, hoje funcionário público, fez parte do sindicato e testemunhou a luta da entidade pela aposentadoria especial para os canteiros: 11 Carlos Matos em entrevista concedida em 29/09/2009. 12 Alcides Alves Monteiro em entrevista concedida em 29/09/2009.
  • 17. 15 Os trabalhadores da pedra, além de trabalharem numa atividade perigosa, uma atividade de risco, uma atividade que requer o máximo de cuidado e atenção, ainda tem que viver desamparado em relação à questão previdenciária. Quando um companheiro se acidenta fica a ver navios, dependendo de ajuda dos amigos. Muitos acidentes acontecem, companheiros que perderam braços, visão e outros que ficam com seqüelas pro resto de suas vidas. Vendo essa situação o sindicato, junto com entidades parceiras, lutaram pela seguridade especial para os canteiros, mas essa luta está barrada na burocracia do país lá em Brasília. 13 Diante de tantos entraves, alguns canteiros passaram a se organizar criativamente por conta própria. Vejamos o exemplo da família Abreu que se destacou como canteiros, escultores e restauradores. 4. A arte na pedra: uma experiência de organização que deu certo Pelo que vimos até aqui, a situação da classe dos canteiros de Santa Luz parece insolúvel no que se diz respeito à organização da mesma. Para os mais pessimistas ou interessados na manutenção dessa política capitalista ditada pelo mercado, em que a “mão invisível” desse mercado move e controla a economia, a situação está definida. Se analisarmos com mais atenção veremos, dentro desse mundo dos canteiros, algumas experiências alternativas que deram e continuam dando resultados. Vimos que os poucos associados ao sindicato contam com algumas vantagens se comparados com a grande maioria dos outros canteiros. Passemos a analisar uma experiência bem sucedida no trabalho de cantaria e escultura em pedra, realizada pela família Abreu, mais conhecida como família Boaventura, em Santa Luz. O Senhor Boa Ventura Abreu, mais conhecido como Ventura, mudou a história da família Abreu de Santa Luz, que passou a ser conhecida na Bahia e no Brasil como família Boaventura, pelos seus trabalhos realizados nas pedras de granito de Santa Luz que se espalharam pela Bahia e pelo Brasil, chegando a serem utilizadas como artefatos para presente até mesmo no exterior, como por exemplo, uma encomenda de um bispo para presentear o então papa João Paulo II. O famoso jogador de futebol Zico também foi presenteado com uma peça esculpida em granito pelas mãos da família Boaventura. Esses são apenas alguns exemplos da propagação da arte na pedra de granito citados por Laécio Abreu, filho do Sr. Boaventura, em entrevista concedida em 09/11/2009. 13 Ex-canteiro Justino em entrevista concedida em 12/11/2009
  • 18. 16 Tudo começou em 1968 com o trabalho do Sr. Boaventura, que aprendeu a arte da cantaria com o Mestre Aurino Lopes, conforme reportagem veiculada na revista Panorama da Bahia em 29 de agosto de 1986. Naquela ocasião Boaventura afirmava que “mesmo das pedras podemos extrair coisas bonitas”. Hoje o Mestre Boaventura, assiste com orgulho os filhos Laécio, Everaldo e Paulo, que dão continuidade na arte de esculpir em pedra que começou há quarenta e um anos. Everaldo Matos Abreu, nascido em Santa Luz, iniciou seu trabalho de cantaria ainda criança, seguindo os passos de seu pai. Em momento algum Everaldo deixou de freqüentar a escola, segundo Everaldo, uma das principais exigências de seu pai. Seu primeiro trabalho em restauração foi no ano de 1994 no Liceu de Artes e Ofício da Bahia, conforme entrevista concedida em 08/11/2009. No ano seguinte foi convidado pela Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia (UFBA) a ministrar um curso de Cantaria, onde os alunos eram operários de prefeituras e empresas de construção civil. Em março de 1997, foi convidado novamente pela Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia (UFBA), através do professor e arquiteto Luiz Botas Dourado, a participar de um projeto de profissionalização de jovens carentes, onde trabalhou como instrutor de cantaria na antiga Faculdade de Medicina da Bahia. Em 2001, participou de uma seleção para um projeto do Ministério da Cultura, chamado Monumenta, que o levou à Itália para aperfeiçoar sua técnica em restauração no Centro Europeo di Venezia per i mestieri della conservazione del patrimônio architettonico, na cidade de Veneza, com duração de três meses. (Foto 14) Ao retornar ao Brasil em dezembro de 2001, participou do Projeto de Educação Profissional para o Restauro e Conservação, em Ouro Preto – Minas Gerais, promovido pelo Programa Monumenta. Através deste, foi indicado FOTO 14 – EVERALDO (O SEGUNDO DA ESQUERDA PARA A DIREITA) EM VENEZA – para diagnosticar ITÁLIA possíveis restauros em alguns monumentos das cidades de Ouro Preto e Mariana, que durou até julho do mesmo ano. (Foto 15) Após esta jornada, com retorno a Bahia, atuou em várias FOTO 15 – EVERALDO EM OURO PRETO – MG
  • 19. 17 restaurações e outras atividades de cantaria junto com seus irmãos Laécio e Paulo. Entre elas: o Monumento em homenagem a Independência da Bahia, na Praça do Campo Grande; o Mosteiro de São Bento, Escadaria da Santa Casa de Misericórdia, piso do Convento de Santo Antonio do Carmo, Igreja da Barroquinha, Porto da Barra, entre outros. Seu irmão Laécio Abreu também cita algumas obras realizadas para fora do estado da Bahia, como, Búzios e Cabo Frio, no Rio de Janeiro. “Algumas peças foram trabalhadas para artistas famosos como Daniela Mercury e Bel do Chiclete”, afirma Laécio. Segundo depoimento de Everaldo, veiculado no Jornal A Tarde no dia 02 de dezembro de 2001, “esculpir a pedra é uma arte”. Atualmente Everaldo é funcionário público municipal, mas, exerce sua atividade de canteiro e restaurador junto com seus irmãos e alguns funcionários no ateliê da família em Santa Luz. Estes funcionários também aprenderam a arte de trabalhar na cantaria com a família Boaventura. A arte de trabalhar com pedra é motivo de orgulho para toda família, relata Laécio, irmão de Everaldo e exímio canteiro, segundo o mesmo: Feliz do pai de família que souber trabalhar na pedreira e tiver o seu filho trabalhando lá. Ruim é como a gente vê tanto jovem envolvido com droga. As dificuldades existem para todo mundo, às vezes tem período que a pedreira está ruim, mas ninguém fica sem comer. Que diferença faz um médico pra um canteiro? Que diferença faz um engenheiro pra um canteiro? Nenhuma! A diferença de dinheiro que é grande? Quantos médicos têm ai que são irresponsáveis, que não valoriza o seu trabalho? Então cada um tem que agradecer a Deus pela profissão que tem. Ninguém é melhor do que ninguém. 14 Segundo Laécio, trabalhar na pedra não é fácil. Requer conhecimento e técnica. O canteiro que trabalha na extração da pedra, na fase inicial desse processo já necessita de um conhecimento prévio do que vai fazer: Quem corta o paralelo é um artista, tem que saber o veio da pedra, não é só chegar lá furar e bater não. Eles conhecem o veio da pedra no olhar. Eu fico triste quando alguém diz que tem vergonha de trabalhar em pedra, pois eu tenho o orgulho maior do mundo.15 A família Boaventura, como é mais conhecida, é um exemplo de organização familiar que obteve sucesso na cantaria, inclusive com um de seus membros, Everaldo Abreu, tendo a oportunidade de participar de um treinamento no exterior na área de restauração e trabalhando 14 Laécio Abreu, em entrevista concedida em 09/11/2009. 15 Idem.
  • 20. 18 como educador em Salvador e Minas Gerais no ofício de cantaria e restauração. Não é difícil encontrar canteiros que trabalham no sistema de organização familiar e que vivem dignamente do trabalho desenvolvido, o que prova, apesar das dificuldades, que esta arte secular pode ser valorizada, de forma a evitar que os canteiros tenham que se deslocar para outros estados até mesmo para trabalhar em pedreiras, onde a estrutura permite uma maior renda. Em entrevista concedida a Revista Panorama em 29 de agosto de 1986, o Sr. Boaventura já demonstrava essa preocupação ao afirmar que tinha o sonho de “... sair da pequena casa para viver em outra cidade. Qualquer lugar que sua arte fosse valorizada”. Hoje o Sr. Boaventura tem uma família estruturada, com filhos e netos na arte da cantaria. Vale salientar que, assim como a família Boaventura e outras famílias que vivem da cantaria, a profissão dos canteiros ainda está longe de ser reconhecida pela importância que representa para o município e para o Estado. O descaso do poder público, tanto estadual e, principalmente, municipal, ameaça deixar registrado apenas na memória a arte de esculpir na pedra da nossa região. Essa arte deveria ser valorizada e repassada a outros jovens através de projetos de oficinas e núcleos de ensino com o apoio do poder público. Essa iniciativa foi tomada no passado, mas hoje só nos resta admirar a arte da família Boaventura. (Fotos 16 e 17) FOTO 16 – RESTAURAÇÃO EM VENEZA (ITÁLIA) FOTO 17 – CONSTRUÇÃO DE CHAFARIZ DO MOSTEIRO DE SÃO BENTO (SALVADOR – BA) 5. Ouvindo a voz dos canteiros Os canteiros, até aqui avaliados sob várias óticas no que diz respeito ao seu trabalho, a partir de agora serão vistos a partir de dentro da própria classe. Em visita a algumas pedreiras
  • 21. 19 de Santa Luz, destaco a que fiz à Serra do Lajedo, localizada a 12 Km de Santa Luz,(foto 18) onde estão concentradas a maioria das pedreiras da região. Ouvindo alguns canteiros, parte deles preferiu que seus nomes não fossem divulgados. Perguntando a E.F.S. (com 52 anos de idade e trabalhando na extração de pedras desde os 12 anos de idade) o que ele achava do trabalho nas pedreiras, obtive a resposta: “O trabalho na pedreira não é fácil, mas criei meus três filho assim... formei dois, um não quis estudar e trabalha na firma do sisal... o trabalho é duro mas num tenho o que reclamá... cada um no seu cada qual”. Podemos observar na voz de E.F.S. uma mistura de conformismo e orgulho. Conformismo com a situação que aparentemente não pode ser mudada e orgulho de ter criado a família como ele mesmo fala “no bico do ponteiro e na marreta”. FOTO 18 – SERRA DO LAJEDO À 12 KM DE SANTA LUZ, ONDE ESTÃO Indubitavelmente o trabalho CONCENTRADAS A MAIORIA DAS PEDREIRAS na pedreira exige muito do canteiro. É um trabalho insalubre, com grande grau de periculosidade, realizado sobre a pedra quente e sob o sol ardente. Estas condições parecem se agravar quando olhamos de fora. O olhar de quem não está acostumado ao trabalho íngreme parece discordar dos próprios canteiros, porém, fica claro que além do trabalho árduo, a falta de políticas públicas no âmbito estadual e, municipal, que visem à valorização dessa classe de trabalhadores agravam a situação. Nas palavras do canteiro P.A.O. podemos perceber a indignação com o descaso do poder público: Até o ano que passou a gente tinha transporte pra ir pra pedreira. Passou a eleição quem quiser ir agora tem que ir de pé. Quem tem transporte vai e volta todo dia, quem não tem dorme na pedreira a semana toda e só vem na sexta ou no sábado. Cadê o sindicato? Num resolve nada, por isso que eu sai do sindicato.
  • 22. 20 A revolta expressa nas palavras do canteiro P.A.O. se refere ao deslocamento que ele tem que fazer diariamente de Santa Luz até a pedreira onde trabalha, distante 12 Km da sede do município. Até o ano de 2008 a Prefeitura Municipal fornecia transporte aos canteiros, levando os mesmos até as pedreiras mais distantes e indo buscá-los no final da tarde. Atualmente o prefeito suspendeu o transporte, alegando falta de verbas. Um fato também interessante é a cobrança que o canteiro faz com relação à atuação do sindicato. Essa prática entre os canteiros que não são sindicalizados, a maioria, é bastante comum. Segundo o Sr. Carlito, secretário da Coopertaiva ligada ao Sindicato, “essa resistência é normal”. Segundo Antunes (1998) um grande desafio do sindicato está na elaboração de um programa que incorpore os trabalhadores que vivem na economia informal. O canteiro L.M.A., comentando a situação da sua classe afirma: “Fundando uma associação seria muito mais fácil arrumar alguma coisa junto ao governo estadual e ao governo federal, municipal já não digo, pois existe a „picuinha‟ política, mas mesmo assim acredito que arrumaria alguma coisa”. Pode-se perceber que o grande problema dessa classe não está apenas no fato, como muitos FOTO 19 – CANTEIRO FABRICANDO acreditam, das condições naturais do trabalho que PÓLVORA fazem do mesmo uma profissão árdua e rigorosa, mas principalmente, na falta de políticas públicas voltadas para esse setor da economia, que culmina com o agravamento de problemas como a falta de valorização dessa mão-de-obra, o risco de acidentes (Foto 19), problemas de saúde, a informalização desse setor da economia que acaba por desvalorizar essa atividade e dificultar a organização da classe. A crítica que o canteiro L.M.A. faz aos políticos procede, até pelo fato de conhecermos a forma de se fazer política nas pequenas cidades do interior do Brasil, porém não isenta a falta de iniciativa dos próprios trabalhadores. A grande maioria dos entrevistados comunga com a idéia de que falta união à classe. O canteiro A.C.S. comenta a sua experiência ao retornar de São Paulo e tentar investir o dinheiro que tinha ganhado na compra de pedras: Eu cheguei de São Paulo com um dinheirinho que eu ganhei lá trabalhando na pedra também. Continuei trabalhando aqui na pedreira... aqui em Santa Luz. Avisei aos meus colegas que eu tava comprando pedra com um preço melhor do que o da praça.
  • 23. 21 Eu mesmo tava querendo vender a minha produção direto sem atravessador. Sabe o que foi que um colega comentou? “Não vou vender pedra a quem bate marreta como eu”. Saí do ramo porque a turma preferia vender mais barato ao atravessador. O canteiro L.M.A. volta a falar da dificuldade de organização da classe: Eu olho muito dentro do pessoal que trabalha nas pedreiras a falta de união. Quando você procura tentar organizar alguma coisa, você começa a receber o nome de ladrão. Já é como se você quisesse roubar alguma coisa. Uma certa época eu tomei a iniciativa de fazer uma reunião pra gente tentar abrir uma associação. A minha participação era só pra tentar ajudar, eu não queria cargo nem nada, não queria pegar em dinheiro. Na primeira reunião que a gente fez o comentário já saiu que a gente tava querendo roubar. Foi essa a palavra usada. Ai eu pensei: eu estou tentando ajudar, nem comecei já tô recebendo o nome de ladrão, então eles que se virem. Essa desconfiança dos canteiros com relação às instituições e até mesmo, em relação aos colegas, pode ser resultado da crise nacional que avassalou os sindicatos, segundo (ANTUNES, 1998). A corrupção na política brasileira também contribuiu para que as pessoas enxerguem com desconfiança toda e qualquer ação em nome do coletivo, seja ela do poder público ou não. Essa atitude defensiva também está ligada à falta de segurança que vive o trabalhador da pedra em Santa Luz. Uma vez que o Sindicato não resolve imediatamente os problemas da classe, esta prefere se subordinar aos empresários que garantem, pelo menos, a compra de parte de sua produção. Lembrando que, na grande maioria das vezes, é paga com o chamado “vale”, ordem de compra que substitui o pagamento em espécie. Não podemos também isentar a classe dos canteiros dos seus problemas internos que interferem no interesse coletivo. A produção semanal de paralelepípedos em Santa Luz, há seis meses, era de aproximadamente cem mil paralelos por semana a um preço por milheiro de R$120,00. Hoje essa produção triplicou para trezentos mil paralelos semanais, o que dá cerca um milhão e duzentos mil paralelos por mês, o que deixa Santa Luz em posição de maior fornecedora deste tipo de produto no Estado da Bahia. A prefeitura comprava pedra e estocava enquanto o preço estava baixo. Hoje não compra mais. (Ver foto 20). A média de produção semanal de um canteiro é de 2500 a 3000 paralelos por FOTO 20 – ESTOQUE DE PEDRAS COMPRADAS PELA PREFEITURA
  • 24. 22 semana. O preço de um milheiro de paralelos está variando entre R$130,00 e R$150,00. Dificilmente o canteiro recebe sua produção à vista, ou seja, o “vale” é uma alternativa que os compradores de pedra usam para pagar ao canteiro. Mesmo que estejam precisando do dinheiro o canteiro é obrigado a aceitar o vale e, muitas vezes, trocá-lo com outros comerciantes que cobram uma taxa de cinco a dez por cento sobre o valor do vale. Essa prática diminui no período de maior demanda. Para garantir a fidelidade dos fornecedores, que poderiam vender sua pedra a quem oferecesse mais por ela, os compradores tradicionais passam a usar menos a prática do “vale” quando o mercado está aquecido. É nesse mesmo período de muita procura que aparecem duas figuras emblemáticas no mundo do trabalho dos canteiros, que por sinal funcionam como um complicador na organização dessa classe. Essas figuras são chamadas pelos canteiros de “faisqueiros” e “charlatões”. Os faisqueiros são compradores de pedra temporários que aparecem do nada oferecendo maior preço e desestabilizando o mercado. Os charlatões são aproveitadores que se beneficiam com a situação e se apresentam como canteiros e vendem pedra de estoques inexistentes, recebendo o dinheiro adiantado e deixando a má fama para os canteiros. Mais que um trabalho duro, como é considerado a profissão dos canteiros, é um trabalho cheio de fatores complicadores que impedem a sua organização. Para os canteiros a dureza da labuta é normal, difícil mesmo é lidar com tantas adversidades. Um caminho evidente para equacionar o problema é a organização da classe de alguma forma. Percebam na fala de Epifânio Balduíno, hoje com 52 anos de idade, que segundo o mesmo, se apresentava resistente às questões referentes à organização de classe: Eu comecei a trabalhar na pedreira eu tinha idade de 17 anos e eu sempre achei que o serviço é bom. È um pouco duro, mas a gente acostuma... Aqui em Santa Luz não tem outro recurso. Tem muito serviço, mas dos piores serviços a pedra é o melhor. O serviço é duro mas você não depende de ninguém, às vez a gente não é recompensado, mas... O sindicato anda na frente do atravessador, eu não sou sindicalizado, eu vendo a minha produção a quem chegar com cinco conto a mais ou dez. Se nós tudo se associasse no sindicato, a produção que nós tirasse toda aqui no município, nós podia repassar pro sindicato e ai o preço podia ser muito melhor. Mas um vende de um preço outro vende de outro. Eu vendo mais caro outro vende mais barato... O exemplo acima mostra que os canteiros têm consciência do potencial da classe e que está faltando união. O Sr. Epifânio não é uma exceção. A grande maioria dos canteiros concorda que precisam se organizar ou em sindicato ou associação. As dificuldades são ainda mais acentuadas com a reprodução de um discurso de fora da classe. “A turma é desorganizada”. Essa expressão sobre os canteiros tornou-se um jargão. Essa suposta
  • 25. 23 desorganização interessa aos beneficiados da atual situação desses trabalhadores e que fomentam essa “desorganização”. Por outro lado, já que os canteiros esperam mais do Sindicato e desconfiam do poder de ação do mesmo o que os impede de se organizarem de outra forma? O que falta aos canteiros, que trabalham bem próximos uns dos outros nas pedreiras, é se aproximarem no que diz respeito aos ideais de organização, uma vez que já demonstraram ter consciência de classe. Estamos analisando um processo histórico e devemos compreender que as mudanças são lentas, mas devemos considerar que se trata de uma classe de trabalhadores centenária e que avançou pouco no sentido de organização. Se considerarmos a trajetória de vinte e poucos anos de Sindicato podemos vislumbrar avanços, porém, se analisarmos o contexto como um todo, percebemos que muito pode ser feito e que essas ações dependem exclusivamente da organização dessa classe. Lutar contra as leis do mercado, cobrar políticas públicas, se impor como classe só será possível pensando e agindo coletivamente. A falta de liderança que convença a turma de seu potencial coletivo contribui de forma decisiva para a estagnação desses trabalhadores enquanto classe. 6. Considerações Finais No período estudado as reflexões sobre os canteiros como classe de trabalhadores permitiram a desconstrução de alguns conceitos formados ao longo do tempo, assim como a afirmação de outros. Ouvir as vozes dos sujeitos envolvidos nesse contexto foi de imensurável importância para o entendimento de situações complexas que parecem óbvias para quem lança um olhar de fora. Segundo Alves (1997), explicar a posteriori é fácil, problemático é compreender as tendências de nosso tempo e se orientar, quando tudo a nosso redor está se transformando. Analisar o papel de um sindicato dentro de uma classe que ainda está se formando no sentido de organização e no momento que os sindicatos amargam uma crise nacional de mais de duas décadas é preciso cuidado. Reproduzir o discurso de que a classe dos canteiros é desorganizada também requer atenção, uma vez que essa suposta desorganização tem sido bastante favorável para muitos. Colocar toda a culpa no poder público e isentar a classe dos canteiros de qualquer responsabilidade é ignorar o papel dos próprios canteiros na construção de sua história e da sua identidade coletiva. Na perspectiva de evidenciar os progressos e as dificuldades que tem marcado a história dessa classe de trabalhadores foi possível entender melhor o que chamei no início desse artigo de contexto complexo que é o mundo do trabalho dos canteiros de Santa Luz. Um
  • 26. 24 misto de liberdade e extrema dependência. Trabalhadores que se dizem autônomos e ao mesmo tempo tem alguém a quem chamam de patrão. Um patrão cujo único vínculo estabelecido é a compra da produção semanal que se configura como um favor. A aparente autonomia na realidade engana e sufoca a voz desse trabalhador, impedindo-lhe de se arriscar mais e mascarando uma realidade de trabalho duro, sem investimento do poder público e com uma diversidade enorme de aproveitadores da situação. Podemos dizer que são as armadilhas do capitalismo tão combatido por Marx. A forma como se desenvolve a atividade interfere na saúde do trabalhador, conforme defende Laurell e Noriega (1989). A situação insalubre enfrentada pelos canteiros tem que ser pensada no âmbito social e não de forma isolada. Para que isso se torne possível, as decisões devem ser tomadas de dentro da classe que está sendo prejudicada. A iniciativa e as cobranças junto aos responsáveis pelo bem-estar e pela segurança dos trabalhadores têm que partir dos mesmos. Lutar contra as relações exploradoras e opressivas intrínsecas ao capitalismo, segundo Thompson (1987), é imprescindível para uma classe de trabalhadores. No que se diz respeito às políticas públicas, percebe-se claramente que a preocupação do Estado também está ligada à produção. Pouco ou nada se faz para tirar da informalidade e garantir os direitos previdenciários dos trabalhadores avulsos, ficando estes reféns da sorte e do tempo, como se fossem seres diferentes. O Estado precisa focar os setores mais vulneráveis da economia. A formação profissional, como se tem comentado, não representa política pública para os canteiros. Se assim fosse, melhor seria extinguir a classe, ou melhor, formar profissionalmente esses trabalhadores em outras áreas. A política aqui seria a de regulamentação dessa atividade, uma vez que o Estado e a Legislação Trabalhista estão voltados para os setores mais modernos da economia. Para Hobsbawm (2000), mesmo a ação coletiva requer estruturas e lideranças para que sejam eficazes. Enfim, muito se fala em diferentes tipos de organização no mundo do trabalho, contudo, pouco se discute a inserção das classes marginalizadas, como a dos canteiros e outros extrativistas, nessas formas de organização. A modernização de um país vai além do seu progresso tecnológico e torna-se necessário a iniciativa da própria classe dos canteiros em organizar-se de alguma forma, já que são os únicos interessados e até agora prejudicados com a situação atual. Trabalhar como canteiro é uma arte, viver dessa arte é um desafio, enfrentar esse desafio de forma isolada é um sacrifício, portanto organizar-se é a melhor forma de valorizar a arte e os artistas da cantaria.
  • 27. 25 REFERÊNCIAS: ALVES, Edgard L.G.; VIEIRA, Carlos A.S. Qualificação profissional: uma proposta de política pública. In: ALVES, Edgard Luiz Gutierrez (Org.). Modernização produtiva e relações de trabalho. Petrópolis: Vozes; Brasília: IPEA, 1997. ANTUNES, R. (Org.). Neoliberalismo, Trabalho e Sindicatos: reestruturação produtiva no Brasil e na Inglaterra. 1. ed. São Paulo: Boitempo, 1999. ANTUNES, R. Os sentidos do trabalho: Ensaios sobre a afirmação e a negação do trabalho. São Paulo: Boitempo, 2006. ANTUNES, R. O que é sindicalismo. São Paulo: Abril Cultural; Brasiliense, 2003. BERNARDO, João: PEREIRA, Luciano. Capitalismo Sindical. São Paulo: Xamã, 2008. BOITO, A. “Hegemonia liberal e sindicalismo no Brasil”, IN: Crítica Marxista. Nº3. São Paulo: Editora Brasiliense, 1996. CANÊDO, Letícia Bicalho. A classe operária vai ao sindicato. São Paulo: Contexto, 1991. CENTRAL ÚNICA DOS TRABALHADORES (CUT). O trabalho informal no Brasil. www.cut.org.br DOWBOR, Ladislau. Democracia econômica: um passeio pelas teorias.Fortaleza: Banco do Nordeste do Brasil, 2007. GIANNOTTI, Vito. História das lutas dos trabalhadores no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad X, 2007. HOBSBAWM, Eric J. Mundos do trabalho: Novos estudos sobre história operária. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000. LAURELL, A. C.; NORIEGA, M. Processo de produção e saúde: trabalho e desgaste operário. São Paulo: Hucitec, 1989. MANFREDI, Silvia Maria . Educação sindical entre o conformismo e a crítica. São Paulo: Edições Loyola. NEVES, Erivaldo Fagundes. História regional e local: fragmentação e recomposição da história na crise da modernidade. Feira de Santana: UEFS, 2002. NUNES, Iramaia Duarte. Educação em Saúde Pública e Terapia Ocupacional. Salvador: Escola Baiana de Medicina, 2002. SANTOS,Valmir da Silva. Educação Ambiental no município de Santa Luz/Ba: Um olhar sobre a extração de pedras. Feira de Santana: Universidade de Feira de Santana, 2002.
  • 28. 26 SECRETARIA DO TRABALHO E AÇAO SOCIAL. SETRAS/CRT. Cartilha driblando o perigo: prevenção de acidentes e doenças nas pedreiras. Salvador: Printfolha Gráfica, 1998. THOMPSON, E.P. A formação da classe operária inglesa. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987. Volume 3: A força dos trabalhadores.