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                    UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB
                       DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS XIV
                                        COLEGIADO DE HISTÓRIA




                                   O prefeito do coração
           A ascensão de Diovando Carneiro no contexto político tradicional em Conceição
                                        do Coité entre 1992 e 1996.




                                SAMARA SUÉLEN LIMA DA SILVA




                                             Conceição do Coité
                                                   2009


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                                SAMARA SUÉLEN LIMA DA SILVA




                                    O prefeito do coração
           A ascensão de Diovando Carneiro no contexto político tradicional em Conceição
                                        do Coité entre 1992 e 1996.




                                             Monografia apresentada a Universidade do Estado da
                                             Bahia – Campus XIV como requisito parcial para
                                             obtenção do título de Graduação em Licenciatura em
                                             História sob a orientação do professor Ms. Eduardo José
                                             Santos Borges.




                                             Conceição do Coité
                                                   2009


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                                           AGRADECIMENTOS


                   Agradeço a Deus por ter me dado força espiritual para superar todos os obstáculos
           desta caminhada com equilíbrio e disposição.
                   A minha família, sustentáculo da minha existência, pelo apoio que me foi ofertado,
           aos meus pais pela dedicação e paciência que tiveram durante a minha formação e ao meu
           esposo por ter estado ao meu lado em todos os momentos.
                   Aos professores pelo auxílio no meu crescimento acadêmico, em especial a Eduardo
           Borges, pelo incentivo e pelos subsídios durante a produção e conclusão deste trabalho, como
           também a Rogério Silva e Aldo José que contribuíram no processo de elaboração do projeto.
                     Aos colegas que compartilharam dores e glórias em especial a Cristian, Gislaine,
           Edcarla, Reafaela, Taila e Márcio, com os quais construí laços de amizade que se eternizarão
           em minha memória para sempre.
                   Por fim agradeço a Mário Silva, por ter disponibilizado os jornais, uma das principais
           fontes utilizadas neste trabalho, a Carlos Neves quem me cedeu um cordel, documento
           fundamental para o estabelecimento dos meus objetivos, a Evania pela abertura em ceder
           materiais pessoais, e a todos que compartilharam as suas memórias em especial Joilson
           Araújo, Misael Ferreira, Aloísia Pinto e Celidônio Pinto, depoimentos imprescindíveis para a
           efetivação da pesquisa.




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                                  Se para o senso comum as campanhas são pálidas rememorações do
                                  já conhecido, a passagem dessa orquestra de sons, cores e ritmos
                                  anuncia coisas para se pensar. A construção de lugares, símbolos e
                                  personagens traduz na realidade, uma chuva de signos e
                                  reconhecimentos.


                                                                                       Irlys Barreira




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                                                   RESUMO



           Este trabalho tem como objetivo principal analisar os elementos norteadores do voto nas
           disputas eleitorais de 1992 e as transformações ocorridas no município de Conceição do Coité
           com a ascensão de Diovando Carneiro Cunha ao poder representando a oposição local. O
           município que havia sido dominado durante vinte anos pela Família Rios detentora do poder
           fazendo sucessores dentro do mesmo círculo familiar experimentou pela primeira vez uma
           opção pelo voto diferente, numa candidatura popular e uma campanha reveladora de
           sentimentos e emoções na qual o capital pessoal se sobrepôs ao financeiro. Nesse sentido
           pretende-se estudar o caminho desenhado pelas ações de Diovando para se consolidar como o
           “prefeito do coração” e o processo que conduziu o fim de seu governo e o retorno das antigas
           estruturas. Discute-se o processo de construção do poder da família Rios e a consolidação do
           “mito vermelho” dentro da cultura política local, a entrada de Diovando Carneiro na vida
           política, o imaginário popular construído em torno de sua figura, o processo eleitoral que
           garantiu a vitória de Vando e Misael, as críticas que refletiam os problemas da administração
           “diferente” e o restabelecimento das forças tradicionais.



           PALAVRAS-CHAVE: Conceição do Coité – eleições – sentimentos – tradição




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                                                   ABSTRACT



           This paper aims at analyzing the factors guiding the vote in the electoral contests of 1992 and
           the changes in the municipality of Conceição do Coité with the rise of Diovando Carneiro
           Cunha power representing local opposition. The city which had been dominated for twenty
           years by the Rios family with the right doing the same successors within the family first
           experienced an option to vote differently on an application and a popular campaign reveals
           feelings and emotions in which the personal capital overlapped to finance. To this end we
           intend to study the path drawn by the actions of Diovando to consolidate itself as the "mayor
           of the heart" and the process that led to his government and the return of the old structures.
           We discuss the process of building the power of the Rios family and consolidation of 'myth
           red "in the local political culture, the entry of Diovando Carneiro in politics, popular
           imagination built around the figure, the electoral process that ensured the victory Vando and
           Misael, the criticism reflected the problems of administration "different" and the restoration of
           traditional forces.



           KEYWORDS: Conceição do Coité - elections - feelings - tradition




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                                                                      SUMÁRIO



           INTRODUÇÃO.......................................................................................................................8

           CAPÍTULO I – O “MITO” VERMELHO..........................................................................12
           1.1 Política de Cores................................................................................................................15
           1.2 Concretização do “Mito”...................................................................................................18

           CAPÍTULO II – “ESCRAVO DO POVO”, HERÓI DA CARIDADE ............................23
           2.1 Vando de Deus, dos pobres, de todos ...............................................................................24
           2.2 Uma campanha do coração ............................................................................................. 30

           CAPÍTULO III – “SEM PRECONCEITO DE CORES” ................................................. 37

           3.1 Porta voz das “doenças do coração” .................................................................................39

           3.2 “Amizade e política não se misturam” ..............................................................................46

           3.3 As marcas da emoção ........................................................................................................52

           CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 55
           BIBLIOGRAFIA ...................................................................................................................56
           FONTES...................................................................................................................................59




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                                                INTRODUÇÃO



                      Em uma manhã de outubro, Conceição do Coité amanhece parada, perplexa e
           chocada.     Comoção, sentimentos e silêncio acompanham uma multidão de quase dez mil
           pessoas reunidas para prestar seu último adeus ao “prefeito dos pobres”. Os fiéis seguidores se
           questionam o porquê do triste fim, durante a missa que vela o corpo de Diovando Carneiro
           Cunha de onde se ouvem murmurinhos de quem nunca viu “um homem igual a esse”. Uma
           cidade que há poucos dias encontrava-se num clima de comemoração e festa característico das
           disputas eleitorais, estava agora parada e em lamentos. Ninguém sabe o que acontecera com o
           homem que foi “escravo do povo” em boa parte da sua vida e que agora se colocava diante da
           morte.
                      As mesmas ondas de sentimento que acompanharam o candidato “Vando” e
           motivaram as suas relações pessoais com amigos e adversários, os mesmos princípios de
           solidariedade e de serviço ao povo que nortearam a sua atuação como prefeito,
           acompanharam a sua partida do meio público para ser eternizado no imaginário popular como
           o prefeito do coração. Uma imagem que foi construída durante a sua carreira política e que
           permanecera viva, mesmo diante dos problemas oriundos de embates de interesses,
           sentimentos e relações de poder, inseridos num contexto tradicional.
                      A vida política de Conceição do Coité se desenvolveu sob a égide do
           tradicionalismo, onde a ligação familiar, o poder de posse, seja de terra ou bens que
           assegurem riqueza econômica, a sujeição pessoal e a fidelidade eleitoral calcada sob forte
           cultura política, interferem decisoriamente no processo de escolha e na atuação das elites
           locais. O município em toda sua história, foi dominado por famílias que se revezavam no
           poder, cada uma utilizando seus meios de persuasão em momentos diferenciados, fazendo
           sucessores, numa fase onde o baixo prestígio dos partidos políticos associado às práticas de
           clientelismo favorecia o círculo vicioso do sistema administrativo.
                 As oligarquias características da Primeira República continuaram sua atuação mesmo
           após a Revolução de 30 e da extensão do direito de voto pelo Presidente Getúlio Vargas em
           1934. Nesse mesmo ano, João Paulo Fragoso é eleito primeiro prefeito coiteense através de
           voto popular. Longe de se pensar em início de democracia, o Estado Novo retira o direito de
           escolha do povo e os prefeitos passam a ser indicados, sendo que as facções lideradas pelos
           chefes políticos influentes, Eustógio Pinto Resedá e Wercelêncio Calixto da Mota, conhecido
           “Seu Mota”, mantiveram o domínio se revezando no poder.


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                  A pessoalidade nas relações e o domínio da família na política do Brasil são marcantes
           desde o período Colonial. Mesmo o Estado não tendo ligação com o espaço doméstico, num
           país, onde sempre prevaleceu o modelo de família patriarcal, para os detentores de cargos
           públicos com formação nesse ambiente, não era fácil distinguir o público do privado. A partir
           de 1946, quando as eleições voltam a ser diretas, os prefeitos são eleitos sucessivamente
           dentro do mesmo círculo familiar. Geralmente os empregos e benefícios dirigidos aos
           funcionários eram movidos por interesses pessoais e não objetivos, a escolha daqueles que
           irão exercer cargos públicos faz-se conforme a confiança pessoal e o merecimento da pessoa.
                  Entre as décadas 1960 e 1990, o Brasil passou por um processo de grandes mudanças
           políticas alterando o cenário estadual e municipal com a emergência de um regime autoritário.
           A ascensão da Família Rios em 1972, apesar de inserida em um novo contexto político,
           marcado fortemente pela repressão da Ditadura e pela tentativa de centralização do poder, em
           C. do Coité, as relações de pessoalidade e de dependência se acentuaram. Durante os anos de
           1973 a 1992, fase de hegemonia do grupo de direita conhecido na cultura política local como
           “vermelhos”, as práticas eleitoreiras características da Primeira República foram mantidas
           como estratégia para se assegurar no poder. O grupo perde o posto, apenas no pleito de 1992
           retomando e se elegendo novamente até a última eleição municipal que acontecera em 2008.
           Somados são mais de 30 anos na liderança, com exceção da fase compreendida entre os anos
           de 1992 e 1996, no qual o líder Hamilton Rios de Araújo perde o comando após ser derrotado
           nas urnas por Diovando Carneiro Cunha.
                    Dentro da História de Conceição do Coité, o período em que os hegemônicos
           perderam o posto de imbatível sempre chamou minha atenção por se tratar de uma fase
           reveladora de especificidades e pelo efeito público provocado no município com a ruptura do
           poder tradicional e o trágico fim carregado de muita simbologia e mistério. A candidatura de
           Diovando Carneiro possui um perfil rico em significados simbólicos que o aproximaram do
           espaço dos excluídos. A sua origem social, o baixo nível escolar, a ligação com valores
           religiosos e o envolvimento com a população mais carente, são regras de assimilação popular
           reveladoras de uma candidatura autentica caracterizada pela “supremacia de uma
           identificação que está além da dimensão partidária que pode englobar diferentes concepções
           ideológicas unificadas por um suposto interesse comum”. (BARREIRA, 1998, p. 177).
                    Em épocas de campanhas eleitorais no município, o governo Vando sempre foi
           destacado por candidatos e eleitores do partido situacionista, como uma das razões para a
           perpetuação do mesmo grupo no poder, visto que esta fase é sempre encarada como “a era das
           trevas”, onde não houve nenhum progresso e desenvolvimento local. Um fato curioso, é que


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           o discurso atinge o governo, mas isenta o governante, sempre encarado como um “homem
           bom” e mera vítima de sua ingenuidade. O “prefeito do coração” que permaneceu na memória
           dos coiteenses foi um dos fatores que motivaram algumas questões, principalmente acerca das
           razões emocionais que moveram a opção popular pela mudança nas eleições de 1992.
                    Pretende-se aqui fazer um trabalho no qual não se privilegia o particular e o episódio
           em detrimento do conjunto de personagens que se encontram no meio social, mas uma
           história na qual se escutam as variadas vozes dos atores sociais envolvidos no processo. Com
           as transformações metodológicas que a história política passou, ampliou-se as possibilidades a
           partir do contato que esta, estabeleceu com outras disciplinas, proporcionando uma amplitude
           de possibilidades de análises. Através do conceito de Cultura política introduziram-se estudos
           no campo das representações, imaginário público e processos eleitorais, em trabalhos nos
           quais os atores sociais são representados em suas tradições e comportamentos. Assim de
           acordo com Berstein citado por Ferreira (1992, p. 3), a Cultura política “introduz a
           diversidade, o social, ritos, símbolos, lá onde se acredita que reina o partido, a instituição, o
           imutável. Ela permite sondar os rins e os corações dos atores políticos”, e apesar de sua
           importância, no Brasil ainda são poucos os estudos dessa natureza.
                    A utilização de apelos simbólicos em campanhas eleitorais recentes é um fator nem
           sempre considerado em pesquisas políticas. Os rituais atuam como suporte de legitimação,
           pois mobilizam emoções e ações dentro do campo social. O período eleitoral assim por dizer
           constitui um espaço favorável para fazer emergir sentimentos, reações e conflitos no qual se
           constroem personagens-candidatos, valores relativos à representação e símbolos “que os olhos
           parecem não ver em tempos normais” (BARREIRA, 1998, p. 12). Neste sentido procurou-se
           nesta pesquisa visualizar alguns elementos mobilizadores da opção popular na escolha de um
           nome que representaria o povo e a força que esse ideal de identificação tem no
           direcionamento do voto que se dá por credibilidade.
                    Para a realização da pesquisa utilizou-se como fontes principais, um cordel de
           autoria anônima escrito em homenagem a Diovando Carneiro, que reflete bem a visão popular
           acerca de sua atuação como homem público e o Jornal Tribuna Coiteense, veículo de
           comunicação que circulava na cidade e direcionava várias críticas a administração ascendente.
           Além disso, também foram analisadas algumas entrevistas, o vídeo da festa da vitória e da
           diplomação no fórum, um documentário preparado pelos familiares em homenagem aos dez
           anos de sua morte e as cartas deixadas por Diovando ao cometer suicídio.
                    O texto está organizado em três capítulos, o primeiro intitulado de O “mito”
           vermelho, analisa o processo de construção de uma estrutura de poder mantido nas mãos da


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           família Rios, cujo líder fizera uma série de sucessores no município de C. do Coité num
           período que se inicia durante a Ditadura Militar e se perpetuou após a redemocratização, bem
           como verifica a emergência das cores na política local como uma construção simbólica,
           ocultando os partidos e bipolarizando grupos em torno de personalidades políticas.
                     No segundo capítulo, “Escravo do povo, herói da caridade” estudaremos a
           biografia de Diovando Carneiro Cunha, a sua entrada na vida política e a figura que foi
           construída no imaginário popular. Pretende-se discutir os apelos emocionais como estratégia
           utilizada no processo eleitoral e a identificação popular mobilizadora do voto no pleito de
           1992.
                     O terceiro e último capítulo “Sem preconceito de cores”, analisa a postura adotada
           por Vando ao assumir o cargo de prefeito, seus métodos de ação e as principais críticas
           dirigidas à sua administração pela imprensa local. Pretende-se também identificar as
           estratégias utilizadas pela oposição para recuperar o poder, e o ambiente conflituoso no qual
           ocorreu o fim do “governo do coração”.
                     Deste modo partindo de tais inquietações, pretendo entender o caráter emocional que
           regeram a ascensão de um representante oposicionista na vida política de Conceição do Coité
           e as possíveis modificações ocorridas na estrutura tradicional solidificada ao longo da história
           política local.




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                                                    CAPÍTULO 1



                                              O “MITO” VERMELHO



                                                                        Já não distingo os que se foram
                                                                      dos que restaram. Percebo apenas
                                                                             a estranha idéia de família
                                                                             viajando através da carne.

                                                              Carlos Drummond de Andrade (1973, p.7)



                   O período compreendido entre 1972 e 1992, trata-se de uma fase peculiar na História
           de Conceição do Coité, tendo como característica, não a manipulação do poder público por
           duas ou mais famílias, mas a manutenção da máquina administrativa municipal por membros
           de uma única ascendência: a família Rios. Esta que assume o controle num contexto de
           Ditadura Militar e consegue exercer seu domínio mesmo após a redemocratização. Nesse
           período, não diferente dos anteriores, os grupos políticos no município, se organizam em
           torno de personalidades guiados a partir de critérios informais de afinidade política, onde a
           amizade e os laços familiares permeiam a estrutura de poder formal e são os principais
           mobilizadores da política local.
                  Dentro da formulação teórica de Max Weber (1991, p.33), dominação é “a
           probabilidade de encontrar obediência para ordens específicas (ou todas) dentro de
           determinado grupo de pessoas”, submissão que pode ocorrer de modo inconsciente, guiados
           pela afetividade ou por interesses materiais e racionais. Os tipos de dominação tidos como
           racionais são baseados na crença de legitimidade de uma ordem que está instituída e do direito
           legal de mando que tem aqueles que foram nomeados, deste modo, se obedece ao dominador
           pelo poder legal que ele exerce. De maneira oposta, um líder carismático, tem seu domínio
           legitimado em virtude da confiança pessoal e da exemplaridade que lhe é atribuída.
                  Os fundamentos para os tipos de dominação tradicional são construídos a partir da
           crença na santidade das tradições e daqueles que exercem o poder, “em virtude da dignidade
           pessoal que lhe atribui a tradição”(WEBER, 1991, p.148). O domínio patrimonial, com um
           quadro administrativo do dominante composto geralmente de pessoas ligadas ao líder por



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           vínculos de piedade, familiares ou de clientela, necessita de elementos constitutivos para
           assegurar o seu poder e o processo de reprodução do mando tradicional. Deste modo, a
           ocupação de cargos importantes por membros da família ou amigos próximos, a indicação de
           pessoas sem qualificação profissional para compor o seu quadro de funcionários, criando uma
           relação de dependência, e a nomeação de funcionários por controle direto do “senhor” e não
           por “competência”, são princípios administrativos essenciais para garantir a fidelidade dos
           dominados.
                  Nas concepções de Weber, o patrimonialismo só pode vigorar em sociedades pré-
           capitalistas, pois as relações econômicas não são guiadas pela racionalidade. Deste modo, os
           trabalhos relacionados à permanência do exercício pessoal do poder como o de Vitor Nunes
           Leal e Maria Isaura Queiroz, defendem a tese de que, tais relações de mando só se configuram
           em ordens econômicas de base agrária. Sendo assim, coronel e coronelismo teriam o
           momento certo para se extinguir, a partir do processo de industrialização, alfabetização e
           expansão urbana, pois tais fatores retirariam o sustentáculo dos poderes tradicionais.
                  Segundo tais estudos, a base do sistema coronelista era o compromisso clientelista
           entre poder público e privado, numa relação de lealdade e troca de favores entre os chefes
           estaduais e os líderes locais. Um dos centros da observação de Leal é a figura do coronel,
           parte do sistema coronelista, elemento indispensável na manutenção do poder dos chefes
           estaduais, pois, mediante a posse de terra exercia enorme força eleitoral comandando um
           grande lote de “votos de cabresto”, resultado da organização econômica rural, na qual o
           roceiro, em momentos de necessidade recorria aos grandes proprietários, estabelecendo uma
           relação de reciprocidade, onde a troca de favores seria garantia de voto no candidato indicado
           por ele. O apoio ao governo estadual assegurava autonomia para continuar influindo na
           política municipal, controlando a nomeação de autoridades locais e garantindo a realização de
           obras públicas. No entanto, na medida em que o cidadão se emancipasse e os governos
           estaduais estabelecessem relação direta com o eleitorado o coronelismo iria decrescer.
                  Apesar do crescimento urbano e industrial que ocorreu no Brasil após a década de
           1950, alguns índices de desigualdade, pobreza e diferença no nível de educação
           permaneceram quase imutáveis principalmente se compararmos a situação do Nordeste com
           as demais regiões do país. A população ainda sofre com analfabetismo num espaço favorável
           para a manutenção da dependência de boa parte do eleitorado, no qual se verifica que o
           fenômeno do coronelismo foi modificado, mas não extinguindo. Deve-se levar em conta o
           surgimento de outras forças políticas,




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                                 [...] mas a do “coronel” continua, apoiada aos mesmos fatores que a criaram ou
                                 produziram. Que importa que o coronel tenha passado a doutor? Ou que a fazenda
                                 tenha se transformado em fábrica? Ou que os seus auxiliares tenham passados a
                                 assessores ou técnicos? A realidade subjacente não se altera nas áreas a que ficou
                                 confinada. O fenômeno do “coronelismo” persiste até mesmo como reflexo de uma
                                 situação de distribuição de renda, em que a condição econômica dos proletários mal
                                 chega a distinguir-se da miséria. O desamparo em que vive o cidadão, privado de
                                 todos os direitos e de todas as garantias, concorre para a continuação do coronel,
                                 arvorado em protetor ou defensor natural de um homem sem direitos. (LEAL, 1997,
                                 p.18).



                  A partir de 1964, grandes mudanças políticas alteraram o cenário nacional, com a
           emergência de um regime autoritário. Durante vinte e um anos, os militares introduziram uma
           série de reformas constitucionais, de modo que a legislação fosse adaptada aos seus interesses.
           Transformou as futuras eleições em indiretas onde o presidente passou a ser escolhido pelo
           congresso, os governadores pelas assembléias legislativas e os prefeitos das capitais passaram,
           em 1966, a ser indicados pelos governadores. Além de editar o código eleitoral, modificaram
           também a lei orgânica dos partidos políticos, impondo o bipartidarismo, onde todos os antigos
           partidos surgidos com o fim da ditadura Vargas foram extintos para dar lugar a apenas dois,
           um que representaria a oposição, o MDB (Movimento Democrático Brasileiro) e a ARENA
           (Aliança Nacional Libertadora), partido governista.
                  Algumas reformas no Estado aconteceram na tentativa de reprimir o poder privado e
           acabar com as suas formas de manipulação na esfera pública. A emergência de novos grupos
           sociais, e de novas lideranças em torno do comércio e da indústria, minimizou as áreas de
           atuação do velho coronel ligado exclusivamente à posse de terra. No entanto, mesmo no
           referido período de autoritarismo, as oligarquias locais tinham o importante papel de
           legitimação do poder central, Segundo Maria Auxiliadora Lemenhe (1995, p.29), essa
           necessidade, pode explicar em partes a sobrevivência das formas personalísticas de exercício
           de poder sendo que “as vitórias eleitorais sucessivas e ampliadas ao longo da ditadura dos
           candidatos da ARENA são uma das provas mais evidentes disso”.
                  Lemenhe chama atenção para a problemática da reiteração do clientelismo na política
           do estado do Ceará, como algo que está muito além de mera legitimação do poder central, ou
           de interesses estritamente agrários devido ao atraso no desenvolvimento industrial do estado.
           No caso estudado por ela, a dominação da política Cearense pelos “coronéis” da família
           Bezerra de Menezes, os líderes personalistas representam um conjunto de interesses,
           principalmente dos setores que se modernizaram e da burguesia industrial, e encontram




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           espaço e meios diversificados para exercer uma política de favores e atuar livremente de
           forma tradicional.
                      Jean Blondel citado por Queiroz (1975, p.175), estudou o fenômeno do coronelismo
           no estado da Paraíba em sua forma ainda vigente entre 1950 e 1960, e verificou que a
           dominação familiar persistia, mas havia ocorrido uma evolução onde emergiram “novos
           coronéis” agora dependentes de sua profissão e não mais da posse de terras. No caso aqui
           estudado, a liderança em ascensão após 1972, Hamilton Rios de Araújo, encontra sua força
           maior para permanecer no poder nos fundamentos de ordem tradicionalista, dentro da
           formulação weberiana, no entanto, desenvolveu o segmento empresarial no município 1,
           demonstrando habilidades de administração que objetiva a acumulação de capital. Neste
           sentido, a dominação tradicional coexiste com práticas racionais voltadas para o
           desenvolvimento econômico. Em muitas oportunidades, o poder econômico é essencial para
           garantir a dependência do eleitorado, e as relações clientelistas encontram um terreno fértil
           em que vicejar (CARVALHO, 2001, p. 4). E foi neste mesmo terreno que a família Rios
           construiu seus alicerces, e os pilares da dominação.




                      1.1 Política de cores




                      A eleição de 1972, fez emergir no cenário de Coité, dois nomes que posteriormente se
           tornariam os maiores rivais políticos, ambos com atividade econômica ligada à produção
           agrícola e exportação do sisal e candidatos da então facção governista ARENA que
           localmente era representada pelas sublegendas ARENA 1 e ARENA 2.                    Um deles, Misael
           Ferreira de Oliveira, chega ao município na década de 1960, e logo inicia sua carreira política
           como vereador em 1962 e 1966, exercendo na câmara a função de liderança. O empresário
           Hamilton Rios de Araújo, pertencia ao mesmo grupo apoiado por Misael, sendo que ambos
           eram antigos correligionários de Wercelêncio Calixto da Mota2, e a rivalidade só começou,
           quando se enfrentaram pela primeira vez nas eleições municipais de 1972.
                      Vanilson Lopes (2002. p.79), memorialista local, relata as primeiras práticas de
           Hamilton Rios para conquistar espaço político:



           1
               Hamilton Rios é um grande empresário da Indústria Sisaleira.
           2
               Político que encabeçou a política de Conceição do Coité por cerca de 40 anos.


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                                          Assim que Dr. Pinheiro tomou posse, o Sr. Hamilton Rios declarou que “daquele
                                          dia em diante, seria o próximo candidato a prefeito apoiado pelo grupo de Evódio”.
                                          Para conseguir seus objetivos, montou um carro pipa e, interessado em votos,
                                          aproveitando o flagelo da seca de 1970, saiu distribuindo água nas roças e
                                          povoados, pregando que o prefeito, juntamente com seus aliados, não dava
                                          assistência ao povo. Durante dois anos, fez isso e muito mais: doou cestas básicas,
                                          materiais de construção: (cimento, tijolos, blocos, telhas...), passagem de ônibus e
                                          outros benefícios, a ponto das pessoas denominá-lo de “ pai da pobreza”.




                        A vitória de “Mitinho” na eleição, lhe transformaria num líder político habilidoso e
           influente “reunindo muitos defensores fiéis e alguns fanáticos”(SANTOS, 2000, p. 34). O
           “pai da pobreza” conseguiu adquirir o poder de fazer as coisas com palavras, num jogo onde
           muitas vezes o capital simbólico prevalecia sobre o econômico. Deste modo elegeria por vinte
           anos candidatos de sua facção, preferencialmente de seu círculo familiar sendo responsável
           pela consagração do que viria a ser o “Mito Vermelho”. Mito, como era carinhosamente
           apelidado por sua esposa, e vermelho, apesar de nenhuma sombra de ligação com a esquerda,
           em decorrência da cultura política advinda da bipolarização dos grupos locais representados
           pelas cores vermelha e azul. Símbolos que constituem uma marca na política local, um
           verdadeiro folclore eleitoral, cujas origens permeiam por variadas versões entre os
           memorialistas da cidade.
                      Francisco de Assis expõe em seu trabalho de especialização em estudos literários uma
           versão, pouco difundida e aceita entre os coiteenses, de que a escolha das cores aconteceu a
           partir de um caminhoneiro que visitou Parintins na Amazônia e se encantou com a rivalidade
           folclórica entre os bois Caprichoso e Garantido, simbolizada tradicionalmente pelas cores
           vermelha e azul, tendo indicado aos chefes políticos locais que adotassem as mesmas cores
           para evitar a confusão de sublegendas partidárias. Outra possível explicação apontada por
           Assis é a associação que muitos faziam entre maçonaria (“coisa do demônio”) e comunismo,
           tradicionalmente associado à cor vermelha. Segundo ele, na década de 1960, certo político,
           reconhecidamente maçom, concorreu a política de Coité sem sucesso, “os adversários do
           político em questão, não perderam em sentenciar: “além de maçom ele é comunista, um
           ‘vermelho’ ”(SANTOS, 2000, p.41). Mesmo o comunismo sendo associado a coisa ruim, a
           cor acabou ficando marcada como símbolo de um grupo político conservador.
                       Em um trabalho de memória, onde Roberto Lopes descreve alguns acontecimentos
           que marcaram a sua vida, ele relata além da versão das cores ligada ao comunismo, desta vez
           sendo associada à Evódio Resedá3 que também era maçom, uma versão simplificada por ter

           3
               Político considerado o pai da “vermelhada”, pois sempre fizera oposição ao grupo liderado por “Seu Mota”.


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           acompanhado de perto toda a movimentação do pleito de 1972. Segundo ele, numa reunião
           de mulheres do grupo de Hamilton Rios, foi aprovada a cor vermelha para representar a
           campanha, sendo confeccionadas várias bandeiras vermelhas com um desenho de uma estrela
           verde e branca estilizado de por D. Maurícia Pinto, mãe de Everton Rios4. O outro grupo que
           já costumava se associar à “cor azul, cor do céu” em oposição ao “vermelho, cor do diabo”,
           assumiu definitivamente a utilização da cor.
                      A versão mais conhecida para a introdução e difusão das cores na política está relatada
           no livro de Vanilson Oliveira (1993, p. 129):


                                          A denominação de vermelhos e azuis começou a surgir no comício de Hamilton
                                          Rios organizado para o povoado de Juazeirinho. Naquele mesmo dia, Gervásio
                                          Lopes (Vazinho), estava ao lado de Miguel da farmácia juntamente com outros
                                          colegas no povoado de onça, a 03 Km de Juazeirinho, onde seria organizado um
                                          comício em prol de Misael Ferreira (candidato a prefeito pela ARENA 1). Sem que
                                          esperassem surge uma caravana toda trajada de vermelha, conduzindo algumas
                                          mamães sacodes da mesma cor. Surpreso, Gervásio chamou a atenção dos colegas
                                          para assistirem a passagem dos “Vermelhos”. O mais interessante é que naquele
                                          dia, sem perceberem estavam os mesmos trajados de azuis, assombrando os
                                          “vermelhos” com gritarias e algazarras, chamando-os de vermelhos!!! vermelhos!!!
                                          vermelhos!!!      Imediatamente      eles    revidaram,       chamando-os    de
                                          azuis!!!azuis!!!azuis!!!




                      As versões acerca da “coloração” dos grupos políticos são diversificadas quanto à
           origem e sentido, mas a partir de sua difusão viera a se tornar uma característica fundamental
           da cultura política local, conceito empregado aqui no sentido de “um conjunto de atitudes,
           crenças e sentimentos que dão origem e significado a um processo político, pondo em
           evidência as regras e pressupostos nos quais se baseia o comportamento de seus atores”
           (KUSCHNIR, et al, 1999 p.1). Deste modo, a simbologia construída em torno de um
           determinado candidato ou grupo apresenta-se como um fator de grande representação visto
           que os símbolos não são meros adornos dentro do campo político, o real e o simbólico fazem
           parte da mesma totalidade e o que se acredita também é parte da vida social. A política
           aparece então como espaço fecundo para a construção do poder simbólico que se efetiva
           através de discursos e ritos em diferenciadas campos. Neste sentido “o simbólico provoca a
           presença do poder na vida cotidiana das instituições, funcionando como forma de
           rememoração.” ( BARREIRA, 1998. p. 42 ).




           4
               Everton Rios é sobrinho de Hamilton Rios, e posteriormente elegeria -se prefeito por três mandatos.


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                  Em época de campanha eleitoral, principalmente se os candidatos são desprovidos de
           um programa com políticas públicas, as imagens apresentadas, somadas a algumas práticas de
           clientela são determinantes no processo de escolha dos governantes. Os símbolos foram
           explorados estrategicamente nas eleições de 1972, tanto por Hamilton Rios, como por Misael
           através dos jingles que eram tocados nos carros de som pela cidade:


                                   “Tengo, tengo , Santo Antônio Chalé !
                                   Esse ano os “azuis” dão no pé! (bis)
                                   É em Hamilton, que eu vou votar.
                                   Hamilton é o candidato
                                   Que a pobreza vai votar!”


                                   “Quem é o candidato,
                                   Que vem de Salgadália,
                                   Montado em um cavalo
                                   Com seu chapéu de palha?
                                   É Misael Ferreira, quem vamos votar (Bis).
                                   É Misael Ferreira que vai ganhar!”(OLIVEIRA, 2002, p.79-80)




                 A representação da rivalidade política por meio das cores fica evidente na primeira
           música, onde se faz referência aos azuis afirmando que estes perderão o poder, visto que o
           grupo liderado por “Seu Mota”, controlou a política de Coité por cerca de 40 anos. Ambas as
           canções evidenciam a tentativa de aproximação dos candidatos com as camadas mais
           populares, através da utilização de termos como “chapéu de palha” e “pobreza”. Tais imagens
           durante o período bipartidário estão fortemente ligadas a avaliação que os eleitores fazem das
           características pessoais dos candidatos. É o personalismo na estruturação do voto do eleitor
           brasileiro resultante dentre outros fatores, da difusão de algumas ideologias antidemocráticas
           e da estrutura econômica, onde uma boa parte da população não tem mínimas condições de
           subsistência.




                 1.2 Concretização do “Mito”




                 A vitória da “vermelhada”, no pleito de 1972, seria apenas o início de uma série de
           sucessões. Ligeiramente, “Mitinho” aprendeu as malícias do jogo político, “soube impor-se ao
           eleitorado, realizando favores pessoais e participando de festas, bingos, rezas e leilões onde


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           arrematava todas as ofertas”(LOPES, p.109). Em 1976 lança o sogro de Ewerton Rios, Walter
           Ramos Guimarães, como candidato a sua sucessão. Um comerciante que atuava como
           vereador e tinha muita influência política no povoado de Aroeira, e juntamente com Evódio
           Resedá, compôs a chapa contra os azuis Sinval Mota Mascarenhas, vereador e presidente da
           câmara e Clélio Ferreira, comerciante do ramo farmacêutico. A campanha dos vermelhos
           tinha o apoio político e financeiro do líder dos Rios que trabalhava na eleição “como se o
           candidato fosse ele próprio”, e gastando “rios de dinheiro” conseguiu eleger Walter Ramos.
                 O mandato que duraria quatro anos foi prorrogado via Emenda Constitucional, pois as
           eleições de 1980 para prefeito e vereador haviam sido canceladas estrategicamente pelo
           presidente João Batista Figueiredo como um meio de manter a ARENA no poder. Em 1982,
           restituiu-se o pluripartidarismo com o objetivo de fragmentar a oposição ao regime Militar. A
           maior parte dos membros da ARENA agrupou-se no Partido Democrático Social (PDS), o
           MDB transformou – se em PMDB, período em que surge também o Partido Democrático
           Trabalhista (PDT) e o Partido dos trabalhadores (PT).
                 Em 1982 as eleições para prefeito e vereador ocorreram concomitante a de outros
           cargos. Os brasileiros puderam eleger os candidatos a governador, o que não acontecia há
           cerca de 20 anos, contudo uma lei emitida em 1981 proibia as coligações e estabelecia o voto
           por legenda partidária, visando arrastar a votação dada aos governos municipais onde a
           ditadura era mais forte, para os cargos majoritários. Contrariando esse princípio, o prefeito
           que atuava no município Walter Ramos Guimarães do PDS, apoiou juntamente com Misael
           Ferreira, a candidatura de Roberto Santos (PMDB) para governador da Bahia, fazendo
           oposição à João Durval (PDS), candidato apoiado por ACM e “Mitinho”, “como uma forma
           de reação das lideranças municipais aos métodos autoritários e personalistas do governador”5.
           Na maioria das eleições estaduais e nacionais, os líderes locais dividiram o mesmo palanque,
           com exceção para os anos de 1982, 1986, 1994, em que Misael apoiou candidatos contra
           Antônio Carlos Magalhães.
                   O novo embate entre azuis e vermelhos, foi um dos mais polêmicos da história do
           município. Nessa época Walter Ramos havia rompido com o grupo de Mitinho e apoiava a
           candidatura de Misael e Clélio Ferreira para sua sucessão nas eleições municipais contra
           Hamilton Rios e Evódio Resedá. Os métodos de conquista eleitoral não divergiam muito de
           um candidato a outro, ambos, montaram uma estrutura muito semelhante à dos coronéis da


           5
             Tribuna da Bahia, Salvador, Nº 4665, 11 de Outubro de 1982. A matéria do jornal refere-se à insatisfação dos
           líderes no que diz respeito ao processo de escolha de João Durval para substituir Clériston Andrade, candidato a
           governador que morreu vítima de uma queda de helicóptero.


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           Primeira República, essencialmente calcada por práticas de clientelismo e barganha eleitoral,
           visto que o poder político era medido através da quantidade de votos.


                                   [...] Era normal no período das eleições, saírem os chefes políticos e seus cabos
                                   eleitorais em tournées pelo interior, carregados de presentes para os eleitores -
                                   botinas ringideiras para os homens, corte de vistosa chita para as mulheres da
                                   família do eleitor, roupas e brinquedos para as crianças, sendo que, num envelope,
                                   juntamente com a cédula do voto, havia outras de mil-réis... Saboroso folclore
                                   eleitoral até agora pouco conhecido e pouco levado em consideração, mas que tem
                                   um significado patente, pois revela uma verdadeira “compra” de voto. (QUEIROZ,
                                   1975, p 178)



                  Tais métodos eram essenciais para garantir a fidelidade do eleitorado. A “bondade” do
           coronel construía um laço entre ele e seu eleitor, que lhe dava o voto por lealdade, respeito e
           veneração. Também é comum, os candidatos custearem os gastos para a população rural no
           dia da eleição, bem como fornecer o transporte para levar o eleitorado até a sua zona de
           votação numa relação de troca de favor que gera uma aparente consciência, pois o eleitor não
           percebe que sua vontade está sujeita a do superior.
                  Apesar de utilizar os mesmos métodos de ação, os candidatos se distinguiam no
           campo das relações de poder visto que o grupo de Hamilton Rios havia fortalecido as suas
           bases de dominação validando-se da posse da prefeitura em dez anos de governo. Além disso,
           o prefeiturável da vermelhada, já carregava sobre si um grande aparato simbólico. Roberto
           Lopes narra um episódio em que um “curador” fazia um despacho no cemitério contra os
           azuis causando a maior confusão com os eleitores de Misael. Com a aparição de Mitinho no
           local “foi como se chagasse um Rei!”. A situação foi controlada antes da chegada da polícia,
           pois ele era temido por todos e sabia se impor diante dos adversários. Deste modo, Hamilton
           Rios, baseado em métodos antigos e “eficazes” de persuasão do eleitor, ao final da campanha,
           venceu o pleito com duzentos e trinta votos de frente.
                   O resultado das eleições sempre fora contestado pela oposição, pois além da
           tradicional “troca” do voto por algumas benesses, o próprio mecanismo eleitoral era falho
           com o voto por cédula, havendo possibilidade das autoridades responsáveis pelo processo
           também se corromperem. Em 1982, após sentir um mal estar, a juíza suspendeu as apurações
           quando Misael ganhava com poucos votos de vantagem.


                                   [...] Eu me julgo vencedor daquela eleição... Pois ali o veredicto na realidade, era a
                                   vontade do povo. O povo queria Misael na prefeitura [...]. Eu perdi uma eleição fraudada!
                                   Dormi prefeito e acordei derrotado. (Misael Ferreira, 26 jun. 2009).




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                 Os “azuis” contestaram os resultados, mas, segundo Misael, não recorreram por vias
           legais pois não tinha poder suficiente a ponto de “entrar numa ação segura para anular as
           eleições”. Deste modo, durante os próximos seis anos, Conceição do Coité foi governada por
           Hamilton Rios, que conseguiu sobreviver ao processo de transição para a democracia e
           consolidou seu poder em seu último mandato. O jornal Tribuna Coiteense apresenta em uma
           de suas edições de 1989, um balanço dessa fase, através de uma pesquisa feita com alguns
           coiteenses onde analisaram a atuação político-administrativa de Hamilton Rios durante dez
           anos como prefeito em dois mandatos, na qual concluíram que “o líder paternalista/
           clientelista e assistencialista Hamilton Rios é um bom samaritano, amigo, prestativo e
           popular, mas como representante dos interesses do povo, nunca soube o que é ser prioridade
           e justiça social”. 6
                 A transição para a democracia no Brasil ocorreu de forma lenta e no cenário baiano, o
           processo chegou a abalar as forças políticas ligadas à ditadura. ACM, que ascendeu e
           consolidou-se sobre as bases do regime ditatorial, foi derrotado por Waldir Pires nas eleições
           de 1986 para governador da Bahia, mas ligeiramente, soube adequar os seus interesses à Nova
           república, em cujo governo de Tancredo Neves e posteriormente de Sarney, conviviam
           personalidades que serviram à ditadura e aqueles que lutaram fielmente contra ela. Apesar de
           apresentar tais contradições, o novo governo estava comprometido com o retorno da
           normalidade institucional, deste modo o pleito de 1988 ocorrera num contexto bem
           diferenciado do de 1982, com poucos dias após a promulgação da nova constituição brasileira.
           Pela primeira vez as legendas criadas imediatamente após a reforma partidária de 1979
           (PMDB, PDS, PTB, PDT e PT) disputaram uma eleição exclusivamente municipal.
                 Em Conceição do Coité, ocorrera a primeira disputa eleitoral com três candidatos a
           prefeito. A novidade foi a candidatura de Arivaldo Mota e Meyre Sandra do Partido dos
           Trabalhadores (PT), que visava construir uma identidade política em meio a um período
           histórico marcado pelas disputas tradicionais. Na época, Misael atuava como Deputado
           estadual e os azuis indicariam o nome de Doutor Iêdo (PMDB), um médico que havia
           conquistado espaço político em decorrência da popularidade, mas após a sua morte quem
           assume a candidatura é a viúva Tânia Cirino, juntamente com Gilberto Gonçalves. Mitinho
           lança então o seu sobrinho Ewerton Rios de Araújo Filho, jovem recém-formado em


            6
             O Jornal expõe a nota que foi atribuída pelos entrevistados à saúde (7); educação (4); habitação (1); limpeza
           urbana (3); segurança (1); transporte (1); industrialização (1); lazer (4); salários (2); agricultura (2); saneamento
           (6) e urbanização (10). Tribuna Coiteense, 2ª quinzena de Janeiro de 1989, nº 40.


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           Economia que compusera uma chapa com Diovando Carneiro, e esses juntos conseguiram
           mais uma vitória para os “vermelhos” com três mil setecentos e sessenta votos de frente, e por
           meio dela conduziram os destinos de Conceição do Coité até 1992.
                 Desde o início de sua trajetória, Hamilton Rios conseguiu projetar sua imagem entre
           muitos de seus seguidores e até adversários e construir em torno de si uma capa de imbatível.
           Obteve em suas mãos o sinal e o conteúdo da Radio Sisal que atingia os ouvidos de um vasto
           número de coiteenses. Mantivera uma política paternalista e assistencialista, onde os
           benefícios públicos que eram aplicados por direito da população, acabavam sendo visto por
           grande parte de seus eleitores como atos de bondade, dignos de retribuição. Além disso,
           obtinha forte ligação com o governo carlista, atuando desta forma como distribuidor de cargos
           estaduais no município, dava empregos aos seus, controlando funcionários públicos e todo o
           sistema educacional, visto que em Coité não realizou nenhum concurso público para
           professores até 1992. Concretizou o seu poder e fez sucessores políticos mantendo a sua
           linhagem no comando por vinte anos. Todas as articulações foram mecanismos de controle
           fundamentais na montagem de uma mega estrutura para sustentar o “Mito” e garantir que
           nenhum vento pudesse o abater.




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                                                           CAPÍTULO 2


                                         Escravo do povo, herói da caridade



                                                                                                “Por isso é que da pobreza
                                                                                                 Para nós surgiu algo novo
                                                                                                  Da gema da nossa gente
                                                                                                 Vem surgindo um renovo
                                                                                                      Luz que veio clarear
                                                                                                Os dias do nosso povo [...]

                                                                                         [...] Com o seu grande prestígio
                                                                                                       Com caridade e fé,
                                                                                                    Servindo para o povo
                                                                                                       Pois caridoso ele é,
                                                                                                 Ele sim é o homem certo
                                                                                                Prá Conceição do Coité”7




                     Os valores cordiais e a exaltação das formas sensíveis da religião constituem aspectos
           do comportamento social brasileiro que foram por muito tempo referencial de personalidade e
           significam em certos meios fatores determinantes na escolha de um representante político.
           Segundo Sérgio Buarque (1988, p. 112), os valores tradicionais característicos da formação do
           Brasil desde o período colonial, transmitidos no seio familiar, conseguiram se manter, mesmo
           diante da difusão das indústrias, e dos mecanismos capitalistas que restringem as relações
           pessoais e distanciam os seres humanos. O núcleo familiar, lugar dos primeiros contatos
           emocionais é responsável pelo modelo de relações sociais de onde resulta o caráter do
           “homem cordial”, aquele que reage segundo o ritmo da afetividade.
                     Tais aspectos da formação social do brasileiro, que preserva o discurso voltado para a
           moral e a ética, podem ser observados a partir de um olhar sobre o ambiente pré-eleitoral,
           através das atitudes e dos jingles tocados pela cidade, onde os sussurros nas ruas confirmam o
           que o eleitor observa no seu preferido: ele é “gente direita”, é de família honesta, portanto
           “merece” ser votado. Neste sentido, os atributos pessoais, as emoções a subjetividade são
           fatores de forte influência na escolha de um representante, despertado através da atmosfera
           simbólica que rege as disputas eleitorais.


           7
               Diovando Carneiro, o herói da caridade. Conceição do Coité. Estrofe VI e XXVI.




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                  Segundo Borba (2005, p.155), dentre as principais teorias que visam explicar o
           comportamento dos eleitores no Brasil destacam-se as que estudam pela perspectiva racional,
           onde as escolhas são movidas por fatores materiais; a de viés sociológico, que tem o foco nos
           fatores macroestruturais e nas variáveis socioeconômicas, demográficas e ocupacionais; e a
           que tem o foco maior no campo psicológico e psicossociológico, onde a estruturação do
           comportamento eleitoral dos brasileiros é identificada como resultado das motivações e
           percepções do indivíduo em relação à política. Nesta última, não é negado o impacto dos
           fatores sociais, mas acredita-se que estes somente não explicam tudo.
                   Sendo assim, busca-se analisar também a orientação afetiva que mobiliza o
           direcionamento do voto através das “imagens políticas” que são transmitidas ao eleitor e que
           podem estar relacionadas às prioridades que os candidatos estabelecem em relação aos
           interesses do povo ou da elite, ou ao posicionamento numa escala de direita e esquerda.
           Contudo, as mudanças ocorridas nas ultimas décadas provocou um crescente descrédito na
           esfera da representação pública, visto que houve uma diminuição das atividades partidárias e
           um declínio dos partidos políticos, distanciando cada vez mais a população da participação na
           política. Assim, faz-se necessário a difusão de novas ideologias e de personagens políticos
           carismáticos, que desperte o interesse do eleitor que lhe dará um voto por confiança, como
           afirma Irlys Barreira, citada por Bezerra (2008, p. 3):


                                   [...] Uma figura pública, no contexto de um espaço público esvaziado, deveria
                                   apresentar aos outros “aquilo que sente”, sendo essa representação sobre o seu
                                   sentimento o móvel que suscitaria credibilidade. O enfraquecimento dos papéis
                                   públicos, finalmente, converteria o discurso político em discurso psicológico.


                  Nesse contexto os atributos decisivos para o julgamento dos candidatos passam a ser a
           competência e a honestidade, sendo que o grande fator de relevância na escolha dos
           representantes é a avaliação que se faz de suas características pessoais. A análise do caráter,
           voltada para o culto à personalidade influenciam mais do que as ações ou programas de
           políticas públicas defendidas pelos aspirantes a algum cargo público.


                  2.1 Vando de Deus, dos pobres, de todos


                  O surgimento de um novo nome na política coiteense a partir de 1982 modificaria o
           cenário municipal até então sob a égide de um domínio tradicionalista mantido pelo grupo
           liderado por Hamilton Rios de Araújo. Diovando Carneiro Cunha, ou simplesmente “Vando”




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           para o povo, nasceu em Conceição do Coité no dia 2 de julho de 1938, e passou grande parte
           de sua infância no povoado de Juazeirinho, onde vivia com seus pais. Aos dezesseis anos de
           idade foi para Vitória da Conquista – Espírito Santo, a fim de trabalhar, mas voltou para a sua
           cidade natal onde conheceu Maria Eridan Mascarenhas Cunha, com quem se casou e teve dois
           filhos. Até então nunca tivera pretensões de exercer cargos públicos.
                  Vando residia na Fazenda Lagoa do Veado, e sendo um dos poucos a possuir carro na
           região, sempre era cogitado para prestar algum serviço dando início a uma prática de auxílio
           as pessoas que buscavam por sua ajuda. Era comum encontrar a sala da sua casa ocupada por
           conhecidos e desconhecidos, que passavam a noite em colchonetes, para durante a madrugada
           ser transportado para algum hospital fora do município. Como a prefeitura não ofertava esse
           serviço para a comunidade visto que não possuía ambulância, ele se dispusera a transportar
           aqueles que precisassem de acompanhamento médico em Salvador ou Feira de Santana, assim
           como também socorrer os moradores daquela localidade em casos de emergência.
                  Apesar de não freqüentar a igreja todo domingo, era um homem religioso e participava
           frequentemente das festas anuais da paróquia. Carregado de valores familiares tradicionais,
           em seu discurso, demonstrava simplicidade e preocupação com os carentes, a ponto de ser
           apelidado de “Irmã Dulce de Coité”. A expressão “povo de minha terra” frequentemente
           utilizada por ele, para se dirigir aos coiteenses (principalmente os menos favorecidos)
           evidencia não só a preocupação que tinha com a população humilde, mas dá idéia de
           proximidade entre os membros do mesmo lugar de origem, do mesmo lar e, portanto uma
           grande família, onde uns ajudam aos outros.
                  Incentivado por seus amigos Walter Ramos Guimarães e João Emílio se candidata a
           vereador na eleição de 1982 pelo PDS apoiando a chapa de Misael. Foi a sua primeira
           experiência política, na qual ganhou a eleição como o vereador mais votado, e foi eleito
           também para presidente da câmara em 1985 exercendo o cargo até 1986. Durante todo o
           mandato continuou o trabalho voluntário que fazia fortalecendo ainda mais os laços de
           amizade com a população do município, que se encontrava inserida numa realidade nacional,
           onde as políticas públicas não suprem as necessidades básicas do indivíduo, fazendo-se
           necessário a “ajuda” de particulares, ambiente favorável para a emergência de lideranças
           carismáticas que se apresentam com solucionadores dos problemas sociais e políticos.
                   A realidade vivenciada pela população era facilmente aproveitada pelos candidatos a
           algum cargo público, que em época de eleição providenciavam cestas básicas ou outros
           “presentes” para angariar votos. No caso de Diovando, tais práticas já faziam parte de sua
           rotina e mesmo que não tivesse a intenção de se promover politicamente, provocava um


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           sentimento de gratidão devido à sua forma de assistência, despertando o interesse do grupo
           situacionista que via a possibilidade de ganhar mais uma eleição tendo Vando ao seu lado.
           Forneceram-lhe um carro para transportar os doentes e propuseram-lhe que rompesse com o
           grupo político dos “azuis”, e se candidatasse a vice-prefeito de Everton Rios de Araújo Filho,
           até então apenas conhecido como “o sobrinho de Hamilton Rios”, pois não tinha atuado em
           nenhum cargo político. Diovando, que nunca fora “apegado” ideologicamente com partido
           algum, disputa agora ao lado do grupo situacionista numa nova campanha vitoriosa, como
           relata seu sobrinho Joilson:



                                   Utilizou-se desta ingenuidade de Vando desse ser desprendido e sem preguiça
                                   porque todos os dias ele saia daqui três horas da manhã e praticamente chegava dez
                                   onze horas da noite. Então, esse movimento rendia muito voto sem eles ter que botar
                                   a mão no bolso. (Joilson Araújo, 2. jul. 2009)




                  A popularidade de Vando, somada à força política do grupo dos vermelhos exerceu
           influência determinante na vitória de Ewerton Rios na eleição municipal de 1988, contra
           Tânia Cirino, esposa de Dr. Iêdo. A visibilidade que foi dada ao seu nome é evidente nos
           panfletos de divulgação onde o candidato a prefeito e a vice, aparecem em destaque, diferente
           do que comumente acontecia que muitas vezes a ênfase recaia sobre aquele que encabeçava a
           chapa, deste modo, esta união garantiria por mais quatro anos o poder nas mãos da
           vermelhada.
                  Durante o período em que atuava como vice-prefeito, Vando teve um filho fora do
           casamento, Diovando Almeida Quirino Cunha, e apesar de exercer um cargo de visibilidade, a
           união extraconjugal não afetou a sua popularidade. O título de vice-prefeito não impediu que
           continuasse realizando o trabalho voluntário, mesmo sendo criticado pelos adversáros, suas
           ações despertava a sensibilidade em quem conhecia a sua história, e reforçava ainda mais a
           figura de pessoa caridosa e sem interesses financeiros, como aconteceu com um
           caminhoneiro, fato narrado por Joilson, em entrevista mencionada anteriormente:


                                   [...] “rapaz ontem eu encontrei aqui uma pessoa cansada dormindo no carro, com
                                   mais de dezoito pessoas dizendo que tava levando pra Coité e que ele era o vice-
                                   prefeito, eu num acreditei. Eu nunca vi vice-prefeito com o salário que ganha ficar
                                   transportando pessoas”. Aí meu pai, cunhado de Vando, disse: “não, é meu cunhado
                                   ele faz isso há muito tempo!”. Aí o sujeito ficou tão impressionado que falou:
                                   “quando eu tiver oportunidade ainda vou transferir o meu título e morar em coité só
                                   pra votar nessa pessoa”.




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                  Esse espírito solidário despertava curiosidade naqueles que encaravam certas atitudes
           possivelmente comuns para um candidato, mas absurdas para um vice-prefeito, e fazia com
           que se destacasse entre os demais que em épocas de eleição voltavam-se para o
           assistencialismo, sendo que Vando agia em prol do outro em qualquer momento ou lugar.
           Roberto Lopes (2009, p.64) coordenador da campanha de Vando para prefeito, narra um
           episódio em que compara a atitude de Diovando com a de Hamilton Rios quando este se
           candidatou pela primeira vez em 1972:




                                   Durante a Campanha, fui com Vando a Salvador e lá pelas tantas da noite, ele
                                   inventa que ia fazer uma visita no bairro Cosme de Farias. Passou um tempo
                                   precioso. Quando olho pra cima, “praquelas” ruazinhas tortuosas e estreitas, entre
                                   construções desinformes, lá vem Vando descendo uma escada de Madeira em
                                   balanço, com uma velhinha nos braços em tempo de tropeçar e rolar ladeira abaixo.
                                   Lembrei-me de Mitinho quando em campanha idêntica, no Tabuleiro de 1972,
                                   beijou uma vela esquálida, tuberculosa, cuspindo sangue [...].




                  Foi nesse ambiente de assistencialismo que a imagem pública de Diovando começa a
           ser desenhada e difundida entre o “povo” de sua terra, imagem bem caracterizada nos
           “singelos versos” cheios de empolgação e emoção das páginas de um livreto de cordel escrito
           em sua homenagem. Literatura que constitui uma manifestação popular, e ajuda a
           compreender vários aspectos do cotidiano e da opinião de quem o produziu. É possível
           reconhecer no cordel, a visão popular acerca dos atributos que mais enobrece o ser humano
           que Diovando Carneiro é. O fato de não ser um membro da elite, mas um morador da zona
           rural tinha um peso importante no campo das relações sociais, pois ele conhecia bem o
           homem do campo e suas limitações. A relação que tinha com Irmã Dulce para dar assistência
           aos carentes, o apego à religiosidade, transmitia a idéia de que suas obras não tinham interesse
           político, mas era um compromisso cristão com o outro, tido como irmão, reconhecendo nele
           um ser desinteressado e portanto diferente dos demais.
                  O autor, que não se identifica, intitula: “Diovando Carneiro, o herói da caridade”, e
           tenta ao longo de suas palavras comprovar o porquê de tal afirmação. Inicia deixando bem
           claro que “o homem só vale pelo que é”, colocando o prestígio pessoal obtido por alguém que
           conserva os seus valores e sua moral, como mais valorizados do que a posse de riquezas, idéia
           esta comumente difundida na Bahia durante século XIX, aspecto que pode ser observado nos
           frequentes casamentos entre membros de famílias tradicionais empobrecidas com ricos
           brasileiros e estrangeiros, a fim de estes se apropriarem do prestígio que o “nome” de tais


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           famílias poderia lhe trazer. Do mesmo modo que criados e escravos, trabalhavam com
           dedicação ao seu senhor a fim de lhes serem reconhecidos qualidades de “gente direita” sendo
           que sua dedicação garantiria além de casa e comida a esperança da ascensão social e “tudo
           isso valia mais do que dinheiro” ( MATOSO, 1992, p. 13).
                  Dentro dessas concepções, o “valor” de Diovando Carneiro não estava no que ele
           tinha, seu reconhecimento fora adquirido principalmente por ser um homem caridoso e
           desapegado a títulos ou promoções, de modo que efetuava seu trabalho voluntário sempre
           com muita disposição e alegria, e apesar de ser reconhecido e aplaudido pelo povo não se
           vangloriava agindo com humildade. A figura do “herói”, também chamado de “Diovando do
           povo, ou mesmo Vando de Deus”, representava um sinal de esperança para uma população
           “carente de paz e não somente de cobre” e cujas autoridades dedicavam seu tempo e atenção
           apenas com promessas e “palavras bonitas”, enquanto Vando estava presente e era próximo à
           realidade daquelas pessoas.



                                  Quem bem conhece Diovando
                                  é o povo sofredor
                                  o trabalhador rural
                                  o popular lavrador
                                  Diovando os conhece
                                  e eles lhe dão valor.




                  Conhecer, nas palavras do autor, significa muito mais do que perceber a existência,
           chamar pelo nome, ou saber onde mora, está ligado à questão do relacionamento direto e,
           portanto a troca de experiências de vida, pois somente conhecendo poderia perceber as
           necessidades do outro e fazer algo em seu favor. No campo das representações, ou seja, o
           campo simbólico da construção de articulações entre candidatos e eleitores, o ideal de
           proximidade é responsável pela criação de laços entre representantes e representados, pois
           revela a harmonia de interesses e valores (BARREIRA, 1998, p.43). Graças a tais
           características apontadas no texto, e ao comportamento tido como digno, o autor pede a
           benção de Deus para “o ventre que o gerou”, exaltando a educação familiar que fez de
           Diovando Carneiro um “homem correto”, que veio ao mundo para dar felicidade ao seu povo.
                  O texto é redigido no momento em que Vando atuava como vice-prefeito juntamente
           com Everton Rios, cargo que, segundo o autor, lhe foi dado como um sinal de gratidão por
           parte da população reconhecendo o seu esforço e confiando em seu trabalho.




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                                     Filho de Joazeirinho
                                     terra que lhe concebeu
                                     um cargo de confiança
                                     o povão lhe concedeu
                                     e para vice - prefeito
                                     o povo lhe elegeu

                                     E assim congratularam
                                     o querido Diovando
                                     e pelos cantos da cidade
                                     tem grupinhos comentando
                                     vamos fazer nossa parte
                                     as eleições vem chegando




                   O poeta enfatiza o vermelho que Vando representava no momento, mas apesar de se
           tratar do grupo situacionista com forte poder econômico, essa não seria uma característica
           dele. Com a proximidade das eleições municipais ambos os grupos políticos discutiam acerca
           dos candidatos para concorrerem a uma vaga na prefeitura e a figura de Diovando estava
           muito comentada na cidade como um possível nome que os “vermelhos” lançariam. E como
           não seria diferente, já começava os preparativos para o próximo pleito, onde o povo
           demonstraria a força do “sangue vermelho” que corre na veia de seus seguidores fiéis.




                                     Sendo assim logo veremos
                                     o santo guerreiro cobrir tudo
                                     e derrotar com conteúdo
                                     o dragão do dinheiro
                                     pois o vermelho que corre
                                     nas veias, vale por tudo

                                     Nas artérias dos miúdos
                                     que são seus eleitores
                                     Que eles chamam analfabetos ou rudes
                                     Mas são fiéis seguidores;
                                     Corre o sangue vermelho
                                     No corpo dos sofredores




                   O “herói popular” parecia representar uma ameaça para as lideranças tradicionais
           locais, que não queriam deixar o poder nas mãos de um “carregador de defunto”, “tabaréu”8.
           Além disso, era preciso manter a tradição familiar e Vando não fazia parte da estirpe. Na
           oposição, o líder dos azuis, Misael Ferreira, já havia disputado três eleições mal sucedidas,


           8
            Diovando era apenas alfabetizado, e os discursos o apontavam como despreparado e incapaz, principalmente
           pela baixa escolaridade.


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           para prefeito em 1972 e 1982 e uma para Deputado em 1990, e não se achava em condições
           de encabeçar outra campanha tão próxima. Alguns amigos de Diovando o incentivavam a se
           lançar para prefeito, mas o grupo de Hamilton Rios descartara esta possibilidade. Deste modo
           os representantes dos “azuis” percebem no então vice-prefeito uma chance de conquistar o
           poder, em decorrência da popularidade que o mesmo havia adquirido.




                                   Não existe adversário
                                   por mais que seja atrevido
                                   que ouse falar mal dele,
                                   pois nunca foi merecido
                                   mesmo sendo dos vermelhos
                                   pelos azuis é querido

                                   Até a oposição
                                   já aprova seu talento;
                                   o seu trabalho real
                                   prova o reconhecimento
                                   e as pesquisas já falam
                                   de seus oitenta por cento




                  O ambiente relatado no cordel deixa bem claro, que a população cogitava o nome de
           Vando para as futuras eleições, e acima de tudo que o poeta reconhece nele uma bondade
           desprendida e desapegada, livre de opção política ou partidária, pois atende a “toda a classe” a
           qualquer hora, chegando ao ponto de a oposição reconhecer o seu talento. Deste modo não
           existindo defeitos, seria um atrevimento alguém lhe direcionar uma crítica, mesmo sendo um
           adversário político, pois era mais vantajoso estar com ele do que contra ele. E foi isso que as
           lideranças representantes do PMDB e PL fizeram, motivados por interesses de ambos os
           lados, montaram uma aliança entre Diovando Carneiro e Misael Ferreira para disputar o cargo
           de prefeito em Coité.




                  2. 2 Uma campanha do coração




                  A partir do cordel e da análise do discurso político de Diovando Carneiro, pode-se
           identificar na sua figura, um extravasamento de emoções que se desenvolve em um ambiente
           relacional e que contagia um grupo ao seu redor, elementos que Max Weber (1991, p.159)



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           denomina de carisma, ou seja, “uma qualidade pessoal considerada extracotidiana”, e em
           virtude da qual se atribuem a uma pessoa características sobrenaturais, e portanto digna de
           liderança. Assim como os outros tipos de dominação definidos pelo autor, um líder
           carismático só exerce poder mediante o reconhecimento por parte de seus seguidores, nesse
           sentido o poder do carisma não é atribuído legalmente ou dado por tradição, mas é baseado na
           exemplaridade do caráter, numa crença da santidade das ações heróicas realizadas pelo líder.
                  Dentro da perspectiva Weberiana, o tipo carismático realiza suas atividades com o
           sentido de missão e vocação, desapegado a recompensas ou a uma atividade econômica
           contínua. Seu reconhecimento é obtido em virtude do êxito de suas ações, e mediante tais
           “provas” consegue manter o prestígio perante aqueles aos quais dirige a sua missão. Neste
           sentido o poder de Diovando Carneiro só existiria enquanto os seus “fiéis seguidores” o
           reconhecessem como um líder, através de uma avaliação subjetiva de seu discurso, e da
           imagem que conseguira projetar. Após obtido o reconhecimento, esse força “sobrenatural”
           seria capaz de mover uma massa em prol de um ideal, visto que


                                   O carisma é a grande força revolucionária nas épocas com forte vinculação à
                                   tradição (...) significa uma modificação da direção da consciência e das ações, com
                                   orientação totalmente nova de todas as atitudes diante de todas as formas de vida e
                                   diante do mundo em geral. (WEBER, 1991, p. 161).




                  Weber destaca o papel das lideranças carismáticas como força de transformação em
           contextos de poderes tradicionalistas visto que o possuidor de tais características tem o poder
           destituído de base racional, composto por instabilidades, incorporando facilmente aspectos
           revolucionários, de mudanças.
                  Durante as campanhas políticas de 1992, a estratégia das lideranças azuis foi montar
           uma chapa que reunisse o carisma de Diovando Carneiro e o respaldo político de Misael
           Ferreira, visto que este já possuía uma caminhada no grupo e também atuou como Deputado
           Estadual entre 1987 e 1991, logo, percebiam nessa aliança uma chance de retirar o poder das
           mãos da família Rios. Como adversários, teriam que enfrentar a força tradicional, financeira e
           simbólica de Hamilton Rios de Araújo, que junto com Jorge Tirço usaria todas as armas para
           garantir a manutenção da máquina administrativa em suas mãos. Mesmo assim Vando se
           lançou sem nenhuma pretensão, pois não tinha recursos econômicos, e teria deste modo que
           se valer de outras estratégias para conquista do voto.




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                  Após o estabelecimento da aliança entre Vando e Misael, ambos afiliaram-se ao
           Partido Liberal (PL), tentaram uma aliança com Partido dos Trabalhadores local, mas o
           mesmo se recusou. Na falta de um financiador, a campanha contou com o apoio de alguns
           comerciantes e empresários simpatizantes dos azuis, mas os recursos eram poucos
           comparados ao montante investido pelo grupo rival. Nos comícios da chapa de Hamilton
           Rios, os proprietários de automóveis ganhavam gasolina para participar das carreatas, que
           sempre chamavam a atenção pelo grande número de veículos e pessoas. Era comum também a
           distribuição de camisas e bandeiras vermelhas para os eleitores, assim como a realização de
           “showmícios” sempre com bandas locais e fogos de artifício para dar um ar de “festa da
           vitória”, mesmo antes do pleito. Os grandes comícios ganhavam destaque mediante a
           utilização de recursos simbólicos, onde “ o palanque na condição de lugar convergente de
           olhares e escutas, oferece a metáfora do trono provisório. Durante o evento, o candidato
           “reina” e sua principal estratégia é transformar o provisório em Definitivo” (BARREIRA,
           1998 . p.95) e sendo assim mobilizar a massa em prol de um ideal.
                  Os comícios e caminhadas representam uma dimensão entre “povo e políticos”
           ajudando fortalecer o ideal de proximidade. Neste sentido as campanhas aliam estratégias de
           propagação de idéias nos meios de comunicação e formas simbólicas de exposição de
           candidatos no espaço público através do contato físico com o eleitorado proporcionando uma
           relação de proximidade. Numa campanha, principalmente em cidades pequenas, nem tudo o
           que acontece é estruturado por especialistas em marketing, visto que “as novas formas de
           comunicação política não substituem mecanicamente práticas dotadas de vitalidade como
           inauguração, comemorações, manifestações e comícios “( BARREIRA, 1998. p. 23). Neste
           sentido, a campanha de Vando e Misael, foi no silêncio, principalmente devido a falta de
           recurso para investimento, aconteciam comícios, mas as carreatas eram muito inferiores
           equiparadas a do adversário. O contato direto com o povo, em caminhada pelos bairros e
           também na zona rural, sempre enfatizando a prioridade em relação a saúde foram as
           estratégias principais dos azuis.
                  Ao romper com o grupo situacionista, imediatamente retiraram o carro ao qual
           Diovando utilizava em seu trabalho voluntário, pois a utilização do mesmo só seria viável
           para Hamilton Rios tendo Vando ao seu lado, no caso de ruptura, assistência ao povo não era
           mais útil, portanto foi cortada com o intuito de     diminuir    a chance de influência no
           direcionamento do voto. Deste modo, graças a ajuda de alguns amigos como João Emílio,
           com a doação de uma caminhonete, Vando pode continuar o trabalho de assistência, mesmo
           contrariando aqueles que o considerava uma ameaça às estruturas tradicionais.


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                  O momento da campanha eleitoral, faz emergir ou “aflorar” atitudes pouco comuns em
           outras épocas possibilitando analisar não só o jogo de estratégias em busca do voto, mas é um
           campo produtivo para se entender variadas dimensões do cotidiano cultural de determinada
           sociedade. Em Conceição do Coité a partir da década de setenta, o nome dos candidatos
           sempre foi vinculado às cores que representavam o seu grupo político e não ao partido que
           eram afiliados, visto que os mesmos mudavam frequentemente de legenda, e na maioria dos
           pleitos a rivalidade era apenas municipal. Grande parte do eleitorado não era guiada por
           ideologia ou propostas políticas, mas pelo jogo de interesses entre os que fazem parte dos
           beneficiados e os que não obtêm benefício algum dentro da prefeitura.
                  A cultura política local movida pelas cores obrigava alguns fanáticos, a renovar o
           guarda-roupa para não vestir a camisa do “time” adversário. Nessa eleição a coloração não
           seria diferente, o “vermelho” estaria presente nas bandeiras, no slogan e nos jingles dos
           representantes da situação. A chapa adversária deslocou o foco da cor azul e direcionou para a
           emoção, na tentativa de demonstrar que representava os interesses de todos fizeram uma
           campanha onde “azuis e vermelhos são irmãos”. Nos cartazes, camisas e santinhos, o nome de
           Vando aparece com a letra “o” em forma de coração, pintado de azul e vermelho.
                  Numa simbólica união, o destaque que foi dado à sensibilidade, indica que Diovando
           pertencia a todos e o seu coração não fazia distinção política, pois tratava as pessoas como
           irmãos. Partindo dessas características, o slogan de campanha elaborado pelo marqueteiro
           Roberto Lopes enfatizou a sensibilidade do candidato, aquele que reage segundo o ritmo da
           afetividade, “o prefeito do coração”, pois o mesmo não possuía riqueza material, e um voto de
           confiança lhe seria dado livre de interesses materiais movidos pelo afeto, por emoções. Nesse
           sentido Joilson afirma que:




                                   [...] no Vando não tinha razão, você não encontrava a racionalidade! Então não
                                   encontrando a racionalidade pra perceber que ele representava a liderança que era,
                                   ele usava só a sensibilidade, e aí não tinha como não fazer uma campanha em cima
                                   daquele ser[...]. Faltou no Vando unir razão e coração então o destaque foi mais em
                                   cima do que ele era, e isso ajudou muito a população perceber que de fato Vando
                                   era só coração, era só amigo [...].




                  Segundo Ada Bezerra (2007, p.4) em seu estudo sobre sentimentos e emoções na
           política, o campo das disputas simbólicas onde o indivíduo depende de fatores externos e da
           aceitação carismática por parte do eleitorado, o uso das emoções no discurso dos apelantes é



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           fundamental. O momento das eleições é percebido como uma “situação na qual a troca
           simbólica se realiza entre voto e adesão por credibilidade”, onde a relação de confiança é
           promovida por meio de apelos sentimentais, crenças e subjetividades do imaginário
           despertado a partir das emoções. Nesse contexto, há uma interação entre valores culturais e
           políticos onde um conjunto de crenças no terreno da subjetividade será o ponto de partida para
           as percepções políticas de cada eleitor, que se dá nos discursos, nas imagens e nas músicas
           que compõem a trilha sonora do município em períodos eleitorais.
                       Em um dos jingles políticos da campanha de 1992, paródia da música Desejo de
           amar é possível identificar a exaltação da figura de Diovando como o “salvador” da cidade,
                   9


           a única solução para os problemas de Conceição do Coité. Numa conexão entre política, parte
           do mundo secular, e sinais de “encantamento”, um apelo mágico de um povo que sofre a
           espera de “salvação”, o candidato é apresentado como aquele que está sempre disposto a
           ajudar nas horas difíceis, tanto a azuis quanto a vermelhos:




                                       Vando foi chegando com amor dando a mão
                                       A você, e tocou o seu coração não vou lhe esquecer
                                       Me machuquei, me feri , me perdi
                                       Com prazer, Vando não deixa na mão, não, não, não.
                                       Hoje estou decidido vou votar
                                       E vencer, Vando nasce pra ganhar, pra salvar Coité
                                       Hoje o azul e vermelho é irmão
                                       Em Coité e não tem separação não, não, não.
                                       O povo está sozinho precisando de você
                                       Mas Vando sempre está por perto pra poder lhe ajudar
                                       A estrada dessa vida está difícil sem você
                                       Mas Vando sempre está por perto pra poder lhe ajudar.




                       Em outra canção, não diferente, se enfatizam as práticas de assistência aos pobres nos
           momentos de tristeza e atribulação, e como se o candidato fosse um super-herói o povo pedia
           “Vando salve esta terra linda, salve o nosso lugar [...], este povo vai gostar”. As letras de um
           modo geral faziam referência às dificuldades vivenciadas pelos coiteenses, as quais seriam
           muito mais complicado de enfrentar sem a ajuda de Vando, deste modo a eleição torna-se
           uma grande oportunidade para que ele estivesse sempre perto dos necessitados, e ajudar ainda
           mais. Segundo Silvia di Poli (2008, p. 14), os jingles, são repletos de apelos sentimentais, por
           isso:


           DANIEL; PAULO, João. Desejo de amar. João Paulo e Daniel. 2002. 1 disco compacto ( 62 min): Dolby
           9

           Digital 2.0.


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O prefeito do coraçâo   samara suélen l. da silva
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O prefeito do coraçâo samara suélen l. da silva

  • 1. 1 UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS XIV COLEGIADO DE HISTÓRIA O prefeito do coração A ascensão de Diovando Carneiro no contexto político tradicional em Conceição do Coité entre 1992 e 1996. SAMARA SUÉLEN LIMA DA SILVA Conceição do Coité 2009 Create PDF with GO2PDF for free, if you wish to remove this line, click here to buy Virtual PDF Printer
  • 2. 2 SAMARA SUÉLEN LIMA DA SILVA O prefeito do coração A ascensão de Diovando Carneiro no contexto político tradicional em Conceição do Coité entre 1992 e 1996. Monografia apresentada a Universidade do Estado da Bahia – Campus XIV como requisito parcial para obtenção do título de Graduação em Licenciatura em História sob a orientação do professor Ms. Eduardo José Santos Borges. Conceição do Coité 2009 Create PDF with GO2PDF for free, if you wish to remove this line, click here to buy Virtual PDF Printer
  • 3. 3 AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus por ter me dado força espiritual para superar todos os obstáculos desta caminhada com equilíbrio e disposição. A minha família, sustentáculo da minha existência, pelo apoio que me foi ofertado, aos meus pais pela dedicação e paciência que tiveram durante a minha formação e ao meu esposo por ter estado ao meu lado em todos os momentos. Aos professores pelo auxílio no meu crescimento acadêmico, em especial a Eduardo Borges, pelo incentivo e pelos subsídios durante a produção e conclusão deste trabalho, como também a Rogério Silva e Aldo José que contribuíram no processo de elaboração do projeto. Aos colegas que compartilharam dores e glórias em especial a Cristian, Gislaine, Edcarla, Reafaela, Taila e Márcio, com os quais construí laços de amizade que se eternizarão em minha memória para sempre. Por fim agradeço a Mário Silva, por ter disponibilizado os jornais, uma das principais fontes utilizadas neste trabalho, a Carlos Neves quem me cedeu um cordel, documento fundamental para o estabelecimento dos meus objetivos, a Evania pela abertura em ceder materiais pessoais, e a todos que compartilharam as suas memórias em especial Joilson Araújo, Misael Ferreira, Aloísia Pinto e Celidônio Pinto, depoimentos imprescindíveis para a efetivação da pesquisa. Create PDF with GO2PDF for free, if you wish to remove this line, click here to buy Virtual PDF Printer
  • 4. 4 Se para o senso comum as campanhas são pálidas rememorações do já conhecido, a passagem dessa orquestra de sons, cores e ritmos anuncia coisas para se pensar. A construção de lugares, símbolos e personagens traduz na realidade, uma chuva de signos e reconhecimentos. Irlys Barreira Create PDF with GO2PDF for free, if you wish to remove this line, click here to buy Virtual PDF Printer
  • 5. 5 RESUMO Este trabalho tem como objetivo principal analisar os elementos norteadores do voto nas disputas eleitorais de 1992 e as transformações ocorridas no município de Conceição do Coité com a ascensão de Diovando Carneiro Cunha ao poder representando a oposição local. O município que havia sido dominado durante vinte anos pela Família Rios detentora do poder fazendo sucessores dentro do mesmo círculo familiar experimentou pela primeira vez uma opção pelo voto diferente, numa candidatura popular e uma campanha reveladora de sentimentos e emoções na qual o capital pessoal se sobrepôs ao financeiro. Nesse sentido pretende-se estudar o caminho desenhado pelas ações de Diovando para se consolidar como o “prefeito do coração” e o processo que conduziu o fim de seu governo e o retorno das antigas estruturas. Discute-se o processo de construção do poder da família Rios e a consolidação do “mito vermelho” dentro da cultura política local, a entrada de Diovando Carneiro na vida política, o imaginário popular construído em torno de sua figura, o processo eleitoral que garantiu a vitória de Vando e Misael, as críticas que refletiam os problemas da administração “diferente” e o restabelecimento das forças tradicionais. PALAVRAS-CHAVE: Conceição do Coité – eleições – sentimentos – tradição Create PDF with GO2PDF for free, if you wish to remove this line, click here to buy Virtual PDF Printer
  • 6. 6 ABSTRACT This paper aims at analyzing the factors guiding the vote in the electoral contests of 1992 and the changes in the municipality of Conceição do Coité with the rise of Diovando Carneiro Cunha power representing local opposition. The city which had been dominated for twenty years by the Rios family with the right doing the same successors within the family first experienced an option to vote differently on an application and a popular campaign reveals feelings and emotions in which the personal capital overlapped to finance. To this end we intend to study the path drawn by the actions of Diovando to consolidate itself as the "mayor of the heart" and the process that led to his government and the return of the old structures. We discuss the process of building the power of the Rios family and consolidation of 'myth red "in the local political culture, the entry of Diovando Carneiro in politics, popular imagination built around the figure, the electoral process that ensured the victory Vando and Misael, the criticism reflected the problems of administration "different" and the restoration of traditional forces. KEYWORDS: Conceição do Coité - elections - feelings - tradition Create PDF with GO2PDF for free, if you wish to remove this line, click here to buy Virtual PDF Printer
  • 7. 7 SUMÁRIO INTRODUÇÃO.......................................................................................................................8 CAPÍTULO I – O “MITO” VERMELHO..........................................................................12 1.1 Política de Cores................................................................................................................15 1.2 Concretização do “Mito”...................................................................................................18 CAPÍTULO II – “ESCRAVO DO POVO”, HERÓI DA CARIDADE ............................23 2.1 Vando de Deus, dos pobres, de todos ...............................................................................24 2.2 Uma campanha do coração ............................................................................................. 30 CAPÍTULO III – “SEM PRECONCEITO DE CORES” ................................................. 37 3.1 Porta voz das “doenças do coração” .................................................................................39 3.2 “Amizade e política não se misturam” ..............................................................................46 3.3 As marcas da emoção ........................................................................................................52 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 55 BIBLIOGRAFIA ...................................................................................................................56 FONTES...................................................................................................................................59 Create PDF with GO2PDF for free, if you wish to remove this line, click here to buy Virtual PDF Printer
  • 8. 8 INTRODUÇÃO Em uma manhã de outubro, Conceição do Coité amanhece parada, perplexa e chocada. Comoção, sentimentos e silêncio acompanham uma multidão de quase dez mil pessoas reunidas para prestar seu último adeus ao “prefeito dos pobres”. Os fiéis seguidores se questionam o porquê do triste fim, durante a missa que vela o corpo de Diovando Carneiro Cunha de onde se ouvem murmurinhos de quem nunca viu “um homem igual a esse”. Uma cidade que há poucos dias encontrava-se num clima de comemoração e festa característico das disputas eleitorais, estava agora parada e em lamentos. Ninguém sabe o que acontecera com o homem que foi “escravo do povo” em boa parte da sua vida e que agora se colocava diante da morte. As mesmas ondas de sentimento que acompanharam o candidato “Vando” e motivaram as suas relações pessoais com amigos e adversários, os mesmos princípios de solidariedade e de serviço ao povo que nortearam a sua atuação como prefeito, acompanharam a sua partida do meio público para ser eternizado no imaginário popular como o prefeito do coração. Uma imagem que foi construída durante a sua carreira política e que permanecera viva, mesmo diante dos problemas oriundos de embates de interesses, sentimentos e relações de poder, inseridos num contexto tradicional. A vida política de Conceição do Coité se desenvolveu sob a égide do tradicionalismo, onde a ligação familiar, o poder de posse, seja de terra ou bens que assegurem riqueza econômica, a sujeição pessoal e a fidelidade eleitoral calcada sob forte cultura política, interferem decisoriamente no processo de escolha e na atuação das elites locais. O município em toda sua história, foi dominado por famílias que se revezavam no poder, cada uma utilizando seus meios de persuasão em momentos diferenciados, fazendo sucessores, numa fase onde o baixo prestígio dos partidos políticos associado às práticas de clientelismo favorecia o círculo vicioso do sistema administrativo. As oligarquias características da Primeira República continuaram sua atuação mesmo após a Revolução de 30 e da extensão do direito de voto pelo Presidente Getúlio Vargas em 1934. Nesse mesmo ano, João Paulo Fragoso é eleito primeiro prefeito coiteense através de voto popular. Longe de se pensar em início de democracia, o Estado Novo retira o direito de escolha do povo e os prefeitos passam a ser indicados, sendo que as facções lideradas pelos chefes políticos influentes, Eustógio Pinto Resedá e Wercelêncio Calixto da Mota, conhecido “Seu Mota”, mantiveram o domínio se revezando no poder. Create PDF with GO2PDF for free, if you wish to remove this line, click here to buy Virtual PDF Printer
  • 9. 9 A pessoalidade nas relações e o domínio da família na política do Brasil são marcantes desde o período Colonial. Mesmo o Estado não tendo ligação com o espaço doméstico, num país, onde sempre prevaleceu o modelo de família patriarcal, para os detentores de cargos públicos com formação nesse ambiente, não era fácil distinguir o público do privado. A partir de 1946, quando as eleições voltam a ser diretas, os prefeitos são eleitos sucessivamente dentro do mesmo círculo familiar. Geralmente os empregos e benefícios dirigidos aos funcionários eram movidos por interesses pessoais e não objetivos, a escolha daqueles que irão exercer cargos públicos faz-se conforme a confiança pessoal e o merecimento da pessoa. Entre as décadas 1960 e 1990, o Brasil passou por um processo de grandes mudanças políticas alterando o cenário estadual e municipal com a emergência de um regime autoritário. A ascensão da Família Rios em 1972, apesar de inserida em um novo contexto político, marcado fortemente pela repressão da Ditadura e pela tentativa de centralização do poder, em C. do Coité, as relações de pessoalidade e de dependência se acentuaram. Durante os anos de 1973 a 1992, fase de hegemonia do grupo de direita conhecido na cultura política local como “vermelhos”, as práticas eleitoreiras características da Primeira República foram mantidas como estratégia para se assegurar no poder. O grupo perde o posto, apenas no pleito de 1992 retomando e se elegendo novamente até a última eleição municipal que acontecera em 2008. Somados são mais de 30 anos na liderança, com exceção da fase compreendida entre os anos de 1992 e 1996, no qual o líder Hamilton Rios de Araújo perde o comando após ser derrotado nas urnas por Diovando Carneiro Cunha. Dentro da História de Conceição do Coité, o período em que os hegemônicos perderam o posto de imbatível sempre chamou minha atenção por se tratar de uma fase reveladora de especificidades e pelo efeito público provocado no município com a ruptura do poder tradicional e o trágico fim carregado de muita simbologia e mistério. A candidatura de Diovando Carneiro possui um perfil rico em significados simbólicos que o aproximaram do espaço dos excluídos. A sua origem social, o baixo nível escolar, a ligação com valores religiosos e o envolvimento com a população mais carente, são regras de assimilação popular reveladoras de uma candidatura autentica caracterizada pela “supremacia de uma identificação que está além da dimensão partidária que pode englobar diferentes concepções ideológicas unificadas por um suposto interesse comum”. (BARREIRA, 1998, p. 177). Em épocas de campanhas eleitorais no município, o governo Vando sempre foi destacado por candidatos e eleitores do partido situacionista, como uma das razões para a perpetuação do mesmo grupo no poder, visto que esta fase é sempre encarada como “a era das trevas”, onde não houve nenhum progresso e desenvolvimento local. Um fato curioso, é que Create PDF with GO2PDF for free, if you wish to remove this line, click here to buy Virtual PDF Printer
  • 10. 10 o discurso atinge o governo, mas isenta o governante, sempre encarado como um “homem bom” e mera vítima de sua ingenuidade. O “prefeito do coração” que permaneceu na memória dos coiteenses foi um dos fatores que motivaram algumas questões, principalmente acerca das razões emocionais que moveram a opção popular pela mudança nas eleições de 1992. Pretende-se aqui fazer um trabalho no qual não se privilegia o particular e o episódio em detrimento do conjunto de personagens que se encontram no meio social, mas uma história na qual se escutam as variadas vozes dos atores sociais envolvidos no processo. Com as transformações metodológicas que a história política passou, ampliou-se as possibilidades a partir do contato que esta, estabeleceu com outras disciplinas, proporcionando uma amplitude de possibilidades de análises. Através do conceito de Cultura política introduziram-se estudos no campo das representações, imaginário público e processos eleitorais, em trabalhos nos quais os atores sociais são representados em suas tradições e comportamentos. Assim de acordo com Berstein citado por Ferreira (1992, p. 3), a Cultura política “introduz a diversidade, o social, ritos, símbolos, lá onde se acredita que reina o partido, a instituição, o imutável. Ela permite sondar os rins e os corações dos atores políticos”, e apesar de sua importância, no Brasil ainda são poucos os estudos dessa natureza. A utilização de apelos simbólicos em campanhas eleitorais recentes é um fator nem sempre considerado em pesquisas políticas. Os rituais atuam como suporte de legitimação, pois mobilizam emoções e ações dentro do campo social. O período eleitoral assim por dizer constitui um espaço favorável para fazer emergir sentimentos, reações e conflitos no qual se constroem personagens-candidatos, valores relativos à representação e símbolos “que os olhos parecem não ver em tempos normais” (BARREIRA, 1998, p. 12). Neste sentido procurou-se nesta pesquisa visualizar alguns elementos mobilizadores da opção popular na escolha de um nome que representaria o povo e a força que esse ideal de identificação tem no direcionamento do voto que se dá por credibilidade. Para a realização da pesquisa utilizou-se como fontes principais, um cordel de autoria anônima escrito em homenagem a Diovando Carneiro, que reflete bem a visão popular acerca de sua atuação como homem público e o Jornal Tribuna Coiteense, veículo de comunicação que circulava na cidade e direcionava várias críticas a administração ascendente. Além disso, também foram analisadas algumas entrevistas, o vídeo da festa da vitória e da diplomação no fórum, um documentário preparado pelos familiares em homenagem aos dez anos de sua morte e as cartas deixadas por Diovando ao cometer suicídio. O texto está organizado em três capítulos, o primeiro intitulado de O “mito” vermelho, analisa o processo de construção de uma estrutura de poder mantido nas mãos da Create PDF with GO2PDF for free, if you wish to remove this line, click here to buy Virtual PDF Printer
  • 11. 11 família Rios, cujo líder fizera uma série de sucessores no município de C. do Coité num período que se inicia durante a Ditadura Militar e se perpetuou após a redemocratização, bem como verifica a emergência das cores na política local como uma construção simbólica, ocultando os partidos e bipolarizando grupos em torno de personalidades políticas. No segundo capítulo, “Escravo do povo, herói da caridade” estudaremos a biografia de Diovando Carneiro Cunha, a sua entrada na vida política e a figura que foi construída no imaginário popular. Pretende-se discutir os apelos emocionais como estratégia utilizada no processo eleitoral e a identificação popular mobilizadora do voto no pleito de 1992. O terceiro e último capítulo “Sem preconceito de cores”, analisa a postura adotada por Vando ao assumir o cargo de prefeito, seus métodos de ação e as principais críticas dirigidas à sua administração pela imprensa local. Pretende-se também identificar as estratégias utilizadas pela oposição para recuperar o poder, e o ambiente conflituoso no qual ocorreu o fim do “governo do coração”. Deste modo partindo de tais inquietações, pretendo entender o caráter emocional que regeram a ascensão de um representante oposicionista na vida política de Conceição do Coité e as possíveis modificações ocorridas na estrutura tradicional solidificada ao longo da história política local. Create PDF with GO2PDF for free, if you wish to remove this line, click here to buy Virtual PDF Printer
  • 12. 12 CAPÍTULO 1 O “MITO” VERMELHO Já não distingo os que se foram dos que restaram. Percebo apenas a estranha idéia de família viajando através da carne. Carlos Drummond de Andrade (1973, p.7) O período compreendido entre 1972 e 1992, trata-se de uma fase peculiar na História de Conceição do Coité, tendo como característica, não a manipulação do poder público por duas ou mais famílias, mas a manutenção da máquina administrativa municipal por membros de uma única ascendência: a família Rios. Esta que assume o controle num contexto de Ditadura Militar e consegue exercer seu domínio mesmo após a redemocratização. Nesse período, não diferente dos anteriores, os grupos políticos no município, se organizam em torno de personalidades guiados a partir de critérios informais de afinidade política, onde a amizade e os laços familiares permeiam a estrutura de poder formal e são os principais mobilizadores da política local. Dentro da formulação teórica de Max Weber (1991, p.33), dominação é “a probabilidade de encontrar obediência para ordens específicas (ou todas) dentro de determinado grupo de pessoas”, submissão que pode ocorrer de modo inconsciente, guiados pela afetividade ou por interesses materiais e racionais. Os tipos de dominação tidos como racionais são baseados na crença de legitimidade de uma ordem que está instituída e do direito legal de mando que tem aqueles que foram nomeados, deste modo, se obedece ao dominador pelo poder legal que ele exerce. De maneira oposta, um líder carismático, tem seu domínio legitimado em virtude da confiança pessoal e da exemplaridade que lhe é atribuída. Os fundamentos para os tipos de dominação tradicional são construídos a partir da crença na santidade das tradições e daqueles que exercem o poder, “em virtude da dignidade pessoal que lhe atribui a tradição”(WEBER, 1991, p.148). O domínio patrimonial, com um quadro administrativo do dominante composto geralmente de pessoas ligadas ao líder por Create PDF with GO2PDF for free, if you wish to remove this line, click here to buy Virtual PDF Printer
  • 13. 13 vínculos de piedade, familiares ou de clientela, necessita de elementos constitutivos para assegurar o seu poder e o processo de reprodução do mando tradicional. Deste modo, a ocupação de cargos importantes por membros da família ou amigos próximos, a indicação de pessoas sem qualificação profissional para compor o seu quadro de funcionários, criando uma relação de dependência, e a nomeação de funcionários por controle direto do “senhor” e não por “competência”, são princípios administrativos essenciais para garantir a fidelidade dos dominados. Nas concepções de Weber, o patrimonialismo só pode vigorar em sociedades pré- capitalistas, pois as relações econômicas não são guiadas pela racionalidade. Deste modo, os trabalhos relacionados à permanência do exercício pessoal do poder como o de Vitor Nunes Leal e Maria Isaura Queiroz, defendem a tese de que, tais relações de mando só se configuram em ordens econômicas de base agrária. Sendo assim, coronel e coronelismo teriam o momento certo para se extinguir, a partir do processo de industrialização, alfabetização e expansão urbana, pois tais fatores retirariam o sustentáculo dos poderes tradicionais. Segundo tais estudos, a base do sistema coronelista era o compromisso clientelista entre poder público e privado, numa relação de lealdade e troca de favores entre os chefes estaduais e os líderes locais. Um dos centros da observação de Leal é a figura do coronel, parte do sistema coronelista, elemento indispensável na manutenção do poder dos chefes estaduais, pois, mediante a posse de terra exercia enorme força eleitoral comandando um grande lote de “votos de cabresto”, resultado da organização econômica rural, na qual o roceiro, em momentos de necessidade recorria aos grandes proprietários, estabelecendo uma relação de reciprocidade, onde a troca de favores seria garantia de voto no candidato indicado por ele. O apoio ao governo estadual assegurava autonomia para continuar influindo na política municipal, controlando a nomeação de autoridades locais e garantindo a realização de obras públicas. No entanto, na medida em que o cidadão se emancipasse e os governos estaduais estabelecessem relação direta com o eleitorado o coronelismo iria decrescer. Apesar do crescimento urbano e industrial que ocorreu no Brasil após a década de 1950, alguns índices de desigualdade, pobreza e diferença no nível de educação permaneceram quase imutáveis principalmente se compararmos a situação do Nordeste com as demais regiões do país. A população ainda sofre com analfabetismo num espaço favorável para a manutenção da dependência de boa parte do eleitorado, no qual se verifica que o fenômeno do coronelismo foi modificado, mas não extinguindo. Deve-se levar em conta o surgimento de outras forças políticas, Create PDF with GO2PDF for free, if you wish to remove this line, click here to buy Virtual PDF Printer
  • 14. 14 [...] mas a do “coronel” continua, apoiada aos mesmos fatores que a criaram ou produziram. Que importa que o coronel tenha passado a doutor? Ou que a fazenda tenha se transformado em fábrica? Ou que os seus auxiliares tenham passados a assessores ou técnicos? A realidade subjacente não se altera nas áreas a que ficou confinada. O fenômeno do “coronelismo” persiste até mesmo como reflexo de uma situação de distribuição de renda, em que a condição econômica dos proletários mal chega a distinguir-se da miséria. O desamparo em que vive o cidadão, privado de todos os direitos e de todas as garantias, concorre para a continuação do coronel, arvorado em protetor ou defensor natural de um homem sem direitos. (LEAL, 1997, p.18). A partir de 1964, grandes mudanças políticas alteraram o cenário nacional, com a emergência de um regime autoritário. Durante vinte e um anos, os militares introduziram uma série de reformas constitucionais, de modo que a legislação fosse adaptada aos seus interesses. Transformou as futuras eleições em indiretas onde o presidente passou a ser escolhido pelo congresso, os governadores pelas assembléias legislativas e os prefeitos das capitais passaram, em 1966, a ser indicados pelos governadores. Além de editar o código eleitoral, modificaram também a lei orgânica dos partidos políticos, impondo o bipartidarismo, onde todos os antigos partidos surgidos com o fim da ditadura Vargas foram extintos para dar lugar a apenas dois, um que representaria a oposição, o MDB (Movimento Democrático Brasileiro) e a ARENA (Aliança Nacional Libertadora), partido governista. Algumas reformas no Estado aconteceram na tentativa de reprimir o poder privado e acabar com as suas formas de manipulação na esfera pública. A emergência de novos grupos sociais, e de novas lideranças em torno do comércio e da indústria, minimizou as áreas de atuação do velho coronel ligado exclusivamente à posse de terra. No entanto, mesmo no referido período de autoritarismo, as oligarquias locais tinham o importante papel de legitimação do poder central, Segundo Maria Auxiliadora Lemenhe (1995, p.29), essa necessidade, pode explicar em partes a sobrevivência das formas personalísticas de exercício de poder sendo que “as vitórias eleitorais sucessivas e ampliadas ao longo da ditadura dos candidatos da ARENA são uma das provas mais evidentes disso”. Lemenhe chama atenção para a problemática da reiteração do clientelismo na política do estado do Ceará, como algo que está muito além de mera legitimação do poder central, ou de interesses estritamente agrários devido ao atraso no desenvolvimento industrial do estado. No caso estudado por ela, a dominação da política Cearense pelos “coronéis” da família Bezerra de Menezes, os líderes personalistas representam um conjunto de interesses, principalmente dos setores que se modernizaram e da burguesia industrial, e encontram Create PDF with GO2PDF for free, if you wish to remove this line, click here to buy Virtual PDF Printer
  • 15. 15 espaço e meios diversificados para exercer uma política de favores e atuar livremente de forma tradicional. Jean Blondel citado por Queiroz (1975, p.175), estudou o fenômeno do coronelismo no estado da Paraíba em sua forma ainda vigente entre 1950 e 1960, e verificou que a dominação familiar persistia, mas havia ocorrido uma evolução onde emergiram “novos coronéis” agora dependentes de sua profissão e não mais da posse de terras. No caso aqui estudado, a liderança em ascensão após 1972, Hamilton Rios de Araújo, encontra sua força maior para permanecer no poder nos fundamentos de ordem tradicionalista, dentro da formulação weberiana, no entanto, desenvolveu o segmento empresarial no município 1, demonstrando habilidades de administração que objetiva a acumulação de capital. Neste sentido, a dominação tradicional coexiste com práticas racionais voltadas para o desenvolvimento econômico. Em muitas oportunidades, o poder econômico é essencial para garantir a dependência do eleitorado, e as relações clientelistas encontram um terreno fértil em que vicejar (CARVALHO, 2001, p. 4). E foi neste mesmo terreno que a família Rios construiu seus alicerces, e os pilares da dominação. 1.1 Política de cores A eleição de 1972, fez emergir no cenário de Coité, dois nomes que posteriormente se tornariam os maiores rivais políticos, ambos com atividade econômica ligada à produção agrícola e exportação do sisal e candidatos da então facção governista ARENA que localmente era representada pelas sublegendas ARENA 1 e ARENA 2. Um deles, Misael Ferreira de Oliveira, chega ao município na década de 1960, e logo inicia sua carreira política como vereador em 1962 e 1966, exercendo na câmara a função de liderança. O empresário Hamilton Rios de Araújo, pertencia ao mesmo grupo apoiado por Misael, sendo que ambos eram antigos correligionários de Wercelêncio Calixto da Mota2, e a rivalidade só começou, quando se enfrentaram pela primeira vez nas eleições municipais de 1972. Vanilson Lopes (2002. p.79), memorialista local, relata as primeiras práticas de Hamilton Rios para conquistar espaço político: 1 Hamilton Rios é um grande empresário da Indústria Sisaleira. 2 Político que encabeçou a política de Conceição do Coité por cerca de 40 anos. Create PDF with GO2PDF for free, if you wish to remove this line, click here to buy Virtual PDF Printer
  • 16. 16 Assim que Dr. Pinheiro tomou posse, o Sr. Hamilton Rios declarou que “daquele dia em diante, seria o próximo candidato a prefeito apoiado pelo grupo de Evódio”. Para conseguir seus objetivos, montou um carro pipa e, interessado em votos, aproveitando o flagelo da seca de 1970, saiu distribuindo água nas roças e povoados, pregando que o prefeito, juntamente com seus aliados, não dava assistência ao povo. Durante dois anos, fez isso e muito mais: doou cestas básicas, materiais de construção: (cimento, tijolos, blocos, telhas...), passagem de ônibus e outros benefícios, a ponto das pessoas denominá-lo de “ pai da pobreza”. A vitória de “Mitinho” na eleição, lhe transformaria num líder político habilidoso e influente “reunindo muitos defensores fiéis e alguns fanáticos”(SANTOS, 2000, p. 34). O “pai da pobreza” conseguiu adquirir o poder de fazer as coisas com palavras, num jogo onde muitas vezes o capital simbólico prevalecia sobre o econômico. Deste modo elegeria por vinte anos candidatos de sua facção, preferencialmente de seu círculo familiar sendo responsável pela consagração do que viria a ser o “Mito Vermelho”. Mito, como era carinhosamente apelidado por sua esposa, e vermelho, apesar de nenhuma sombra de ligação com a esquerda, em decorrência da cultura política advinda da bipolarização dos grupos locais representados pelas cores vermelha e azul. Símbolos que constituem uma marca na política local, um verdadeiro folclore eleitoral, cujas origens permeiam por variadas versões entre os memorialistas da cidade. Francisco de Assis expõe em seu trabalho de especialização em estudos literários uma versão, pouco difundida e aceita entre os coiteenses, de que a escolha das cores aconteceu a partir de um caminhoneiro que visitou Parintins na Amazônia e se encantou com a rivalidade folclórica entre os bois Caprichoso e Garantido, simbolizada tradicionalmente pelas cores vermelha e azul, tendo indicado aos chefes políticos locais que adotassem as mesmas cores para evitar a confusão de sublegendas partidárias. Outra possível explicação apontada por Assis é a associação que muitos faziam entre maçonaria (“coisa do demônio”) e comunismo, tradicionalmente associado à cor vermelha. Segundo ele, na década de 1960, certo político, reconhecidamente maçom, concorreu a política de Coité sem sucesso, “os adversários do político em questão, não perderam em sentenciar: “além de maçom ele é comunista, um ‘vermelho’ ”(SANTOS, 2000, p.41). Mesmo o comunismo sendo associado a coisa ruim, a cor acabou ficando marcada como símbolo de um grupo político conservador. Em um trabalho de memória, onde Roberto Lopes descreve alguns acontecimentos que marcaram a sua vida, ele relata além da versão das cores ligada ao comunismo, desta vez sendo associada à Evódio Resedá3 que também era maçom, uma versão simplificada por ter 3 Político considerado o pai da “vermelhada”, pois sempre fizera oposição ao grupo liderado por “Seu Mota”. Create PDF with GO2PDF for free, if you wish to remove this line, click here to buy Virtual PDF Printer
  • 17. 17 acompanhado de perto toda a movimentação do pleito de 1972. Segundo ele, numa reunião de mulheres do grupo de Hamilton Rios, foi aprovada a cor vermelha para representar a campanha, sendo confeccionadas várias bandeiras vermelhas com um desenho de uma estrela verde e branca estilizado de por D. Maurícia Pinto, mãe de Everton Rios4. O outro grupo que já costumava se associar à “cor azul, cor do céu” em oposição ao “vermelho, cor do diabo”, assumiu definitivamente a utilização da cor. A versão mais conhecida para a introdução e difusão das cores na política está relatada no livro de Vanilson Oliveira (1993, p. 129): A denominação de vermelhos e azuis começou a surgir no comício de Hamilton Rios organizado para o povoado de Juazeirinho. Naquele mesmo dia, Gervásio Lopes (Vazinho), estava ao lado de Miguel da farmácia juntamente com outros colegas no povoado de onça, a 03 Km de Juazeirinho, onde seria organizado um comício em prol de Misael Ferreira (candidato a prefeito pela ARENA 1). Sem que esperassem surge uma caravana toda trajada de vermelha, conduzindo algumas mamães sacodes da mesma cor. Surpreso, Gervásio chamou a atenção dos colegas para assistirem a passagem dos “Vermelhos”. O mais interessante é que naquele dia, sem perceberem estavam os mesmos trajados de azuis, assombrando os “vermelhos” com gritarias e algazarras, chamando-os de vermelhos!!! vermelhos!!! vermelhos!!! Imediatamente eles revidaram, chamando-os de azuis!!!azuis!!!azuis!!! As versões acerca da “coloração” dos grupos políticos são diversificadas quanto à origem e sentido, mas a partir de sua difusão viera a se tornar uma característica fundamental da cultura política local, conceito empregado aqui no sentido de “um conjunto de atitudes, crenças e sentimentos que dão origem e significado a um processo político, pondo em evidência as regras e pressupostos nos quais se baseia o comportamento de seus atores” (KUSCHNIR, et al, 1999 p.1). Deste modo, a simbologia construída em torno de um determinado candidato ou grupo apresenta-se como um fator de grande representação visto que os símbolos não são meros adornos dentro do campo político, o real e o simbólico fazem parte da mesma totalidade e o que se acredita também é parte da vida social. A política aparece então como espaço fecundo para a construção do poder simbólico que se efetiva através de discursos e ritos em diferenciadas campos. Neste sentido “o simbólico provoca a presença do poder na vida cotidiana das instituições, funcionando como forma de rememoração.” ( BARREIRA, 1998. p. 42 ). 4 Everton Rios é sobrinho de Hamilton Rios, e posteriormente elegeria -se prefeito por três mandatos. Create PDF with GO2PDF for free, if you wish to remove this line, click here to buy Virtual PDF Printer
  • 18. 18 Em época de campanha eleitoral, principalmente se os candidatos são desprovidos de um programa com políticas públicas, as imagens apresentadas, somadas a algumas práticas de clientela são determinantes no processo de escolha dos governantes. Os símbolos foram explorados estrategicamente nas eleições de 1972, tanto por Hamilton Rios, como por Misael através dos jingles que eram tocados nos carros de som pela cidade: “Tengo, tengo , Santo Antônio Chalé ! Esse ano os “azuis” dão no pé! (bis) É em Hamilton, que eu vou votar. Hamilton é o candidato Que a pobreza vai votar!” “Quem é o candidato, Que vem de Salgadália, Montado em um cavalo Com seu chapéu de palha? É Misael Ferreira, quem vamos votar (Bis). É Misael Ferreira que vai ganhar!”(OLIVEIRA, 2002, p.79-80) A representação da rivalidade política por meio das cores fica evidente na primeira música, onde se faz referência aos azuis afirmando que estes perderão o poder, visto que o grupo liderado por “Seu Mota”, controlou a política de Coité por cerca de 40 anos. Ambas as canções evidenciam a tentativa de aproximação dos candidatos com as camadas mais populares, através da utilização de termos como “chapéu de palha” e “pobreza”. Tais imagens durante o período bipartidário estão fortemente ligadas a avaliação que os eleitores fazem das características pessoais dos candidatos. É o personalismo na estruturação do voto do eleitor brasileiro resultante dentre outros fatores, da difusão de algumas ideologias antidemocráticas e da estrutura econômica, onde uma boa parte da população não tem mínimas condições de subsistência. 1.2 Concretização do “Mito” A vitória da “vermelhada”, no pleito de 1972, seria apenas o início de uma série de sucessões. Ligeiramente, “Mitinho” aprendeu as malícias do jogo político, “soube impor-se ao eleitorado, realizando favores pessoais e participando de festas, bingos, rezas e leilões onde Create PDF with GO2PDF for free, if you wish to remove this line, click here to buy Virtual PDF Printer
  • 19. 19 arrematava todas as ofertas”(LOPES, p.109). Em 1976 lança o sogro de Ewerton Rios, Walter Ramos Guimarães, como candidato a sua sucessão. Um comerciante que atuava como vereador e tinha muita influência política no povoado de Aroeira, e juntamente com Evódio Resedá, compôs a chapa contra os azuis Sinval Mota Mascarenhas, vereador e presidente da câmara e Clélio Ferreira, comerciante do ramo farmacêutico. A campanha dos vermelhos tinha o apoio político e financeiro do líder dos Rios que trabalhava na eleição “como se o candidato fosse ele próprio”, e gastando “rios de dinheiro” conseguiu eleger Walter Ramos. O mandato que duraria quatro anos foi prorrogado via Emenda Constitucional, pois as eleições de 1980 para prefeito e vereador haviam sido canceladas estrategicamente pelo presidente João Batista Figueiredo como um meio de manter a ARENA no poder. Em 1982, restituiu-se o pluripartidarismo com o objetivo de fragmentar a oposição ao regime Militar. A maior parte dos membros da ARENA agrupou-se no Partido Democrático Social (PDS), o MDB transformou – se em PMDB, período em que surge também o Partido Democrático Trabalhista (PDT) e o Partido dos trabalhadores (PT). Em 1982 as eleições para prefeito e vereador ocorreram concomitante a de outros cargos. Os brasileiros puderam eleger os candidatos a governador, o que não acontecia há cerca de 20 anos, contudo uma lei emitida em 1981 proibia as coligações e estabelecia o voto por legenda partidária, visando arrastar a votação dada aos governos municipais onde a ditadura era mais forte, para os cargos majoritários. Contrariando esse princípio, o prefeito que atuava no município Walter Ramos Guimarães do PDS, apoiou juntamente com Misael Ferreira, a candidatura de Roberto Santos (PMDB) para governador da Bahia, fazendo oposição à João Durval (PDS), candidato apoiado por ACM e “Mitinho”, “como uma forma de reação das lideranças municipais aos métodos autoritários e personalistas do governador”5. Na maioria das eleições estaduais e nacionais, os líderes locais dividiram o mesmo palanque, com exceção para os anos de 1982, 1986, 1994, em que Misael apoiou candidatos contra Antônio Carlos Magalhães. O novo embate entre azuis e vermelhos, foi um dos mais polêmicos da história do município. Nessa época Walter Ramos havia rompido com o grupo de Mitinho e apoiava a candidatura de Misael e Clélio Ferreira para sua sucessão nas eleições municipais contra Hamilton Rios e Evódio Resedá. Os métodos de conquista eleitoral não divergiam muito de um candidato a outro, ambos, montaram uma estrutura muito semelhante à dos coronéis da 5 Tribuna da Bahia, Salvador, Nº 4665, 11 de Outubro de 1982. A matéria do jornal refere-se à insatisfação dos líderes no que diz respeito ao processo de escolha de João Durval para substituir Clériston Andrade, candidato a governador que morreu vítima de uma queda de helicóptero. Create PDF with GO2PDF for free, if you wish to remove this line, click here to buy Virtual PDF Printer
  • 20. 20 Primeira República, essencialmente calcada por práticas de clientelismo e barganha eleitoral, visto que o poder político era medido através da quantidade de votos. [...] Era normal no período das eleições, saírem os chefes políticos e seus cabos eleitorais em tournées pelo interior, carregados de presentes para os eleitores - botinas ringideiras para os homens, corte de vistosa chita para as mulheres da família do eleitor, roupas e brinquedos para as crianças, sendo que, num envelope, juntamente com a cédula do voto, havia outras de mil-réis... Saboroso folclore eleitoral até agora pouco conhecido e pouco levado em consideração, mas que tem um significado patente, pois revela uma verdadeira “compra” de voto. (QUEIROZ, 1975, p 178) Tais métodos eram essenciais para garantir a fidelidade do eleitorado. A “bondade” do coronel construía um laço entre ele e seu eleitor, que lhe dava o voto por lealdade, respeito e veneração. Também é comum, os candidatos custearem os gastos para a população rural no dia da eleição, bem como fornecer o transporte para levar o eleitorado até a sua zona de votação numa relação de troca de favor que gera uma aparente consciência, pois o eleitor não percebe que sua vontade está sujeita a do superior. Apesar de utilizar os mesmos métodos de ação, os candidatos se distinguiam no campo das relações de poder visto que o grupo de Hamilton Rios havia fortalecido as suas bases de dominação validando-se da posse da prefeitura em dez anos de governo. Além disso, o prefeiturável da vermelhada, já carregava sobre si um grande aparato simbólico. Roberto Lopes narra um episódio em que um “curador” fazia um despacho no cemitério contra os azuis causando a maior confusão com os eleitores de Misael. Com a aparição de Mitinho no local “foi como se chagasse um Rei!”. A situação foi controlada antes da chegada da polícia, pois ele era temido por todos e sabia se impor diante dos adversários. Deste modo, Hamilton Rios, baseado em métodos antigos e “eficazes” de persuasão do eleitor, ao final da campanha, venceu o pleito com duzentos e trinta votos de frente. O resultado das eleições sempre fora contestado pela oposição, pois além da tradicional “troca” do voto por algumas benesses, o próprio mecanismo eleitoral era falho com o voto por cédula, havendo possibilidade das autoridades responsáveis pelo processo também se corromperem. Em 1982, após sentir um mal estar, a juíza suspendeu as apurações quando Misael ganhava com poucos votos de vantagem. [...] Eu me julgo vencedor daquela eleição... Pois ali o veredicto na realidade, era a vontade do povo. O povo queria Misael na prefeitura [...]. Eu perdi uma eleição fraudada! Dormi prefeito e acordei derrotado. (Misael Ferreira, 26 jun. 2009). Create PDF with GO2PDF for free, if you wish to remove this line, click here to buy Virtual PDF Printer
  • 21. 21 Os “azuis” contestaram os resultados, mas, segundo Misael, não recorreram por vias legais pois não tinha poder suficiente a ponto de “entrar numa ação segura para anular as eleições”. Deste modo, durante os próximos seis anos, Conceição do Coité foi governada por Hamilton Rios, que conseguiu sobreviver ao processo de transição para a democracia e consolidou seu poder em seu último mandato. O jornal Tribuna Coiteense apresenta em uma de suas edições de 1989, um balanço dessa fase, através de uma pesquisa feita com alguns coiteenses onde analisaram a atuação político-administrativa de Hamilton Rios durante dez anos como prefeito em dois mandatos, na qual concluíram que “o líder paternalista/ clientelista e assistencialista Hamilton Rios é um bom samaritano, amigo, prestativo e popular, mas como representante dos interesses do povo, nunca soube o que é ser prioridade e justiça social”. 6 A transição para a democracia no Brasil ocorreu de forma lenta e no cenário baiano, o processo chegou a abalar as forças políticas ligadas à ditadura. ACM, que ascendeu e consolidou-se sobre as bases do regime ditatorial, foi derrotado por Waldir Pires nas eleições de 1986 para governador da Bahia, mas ligeiramente, soube adequar os seus interesses à Nova república, em cujo governo de Tancredo Neves e posteriormente de Sarney, conviviam personalidades que serviram à ditadura e aqueles que lutaram fielmente contra ela. Apesar de apresentar tais contradições, o novo governo estava comprometido com o retorno da normalidade institucional, deste modo o pleito de 1988 ocorrera num contexto bem diferenciado do de 1982, com poucos dias após a promulgação da nova constituição brasileira. Pela primeira vez as legendas criadas imediatamente após a reforma partidária de 1979 (PMDB, PDS, PTB, PDT e PT) disputaram uma eleição exclusivamente municipal. Em Conceição do Coité, ocorrera a primeira disputa eleitoral com três candidatos a prefeito. A novidade foi a candidatura de Arivaldo Mota e Meyre Sandra do Partido dos Trabalhadores (PT), que visava construir uma identidade política em meio a um período histórico marcado pelas disputas tradicionais. Na época, Misael atuava como Deputado estadual e os azuis indicariam o nome de Doutor Iêdo (PMDB), um médico que havia conquistado espaço político em decorrência da popularidade, mas após a sua morte quem assume a candidatura é a viúva Tânia Cirino, juntamente com Gilberto Gonçalves. Mitinho lança então o seu sobrinho Ewerton Rios de Araújo Filho, jovem recém-formado em 6 O Jornal expõe a nota que foi atribuída pelos entrevistados à saúde (7); educação (4); habitação (1); limpeza urbana (3); segurança (1); transporte (1); industrialização (1); lazer (4); salários (2); agricultura (2); saneamento (6) e urbanização (10). Tribuna Coiteense, 2ª quinzena de Janeiro de 1989, nº 40. Create PDF with GO2PDF for free, if you wish to remove this line, click here to buy Virtual PDF Printer
  • 22. 22 Economia que compusera uma chapa com Diovando Carneiro, e esses juntos conseguiram mais uma vitória para os “vermelhos” com três mil setecentos e sessenta votos de frente, e por meio dela conduziram os destinos de Conceição do Coité até 1992. Desde o início de sua trajetória, Hamilton Rios conseguiu projetar sua imagem entre muitos de seus seguidores e até adversários e construir em torno de si uma capa de imbatível. Obteve em suas mãos o sinal e o conteúdo da Radio Sisal que atingia os ouvidos de um vasto número de coiteenses. Mantivera uma política paternalista e assistencialista, onde os benefícios públicos que eram aplicados por direito da população, acabavam sendo visto por grande parte de seus eleitores como atos de bondade, dignos de retribuição. Além disso, obtinha forte ligação com o governo carlista, atuando desta forma como distribuidor de cargos estaduais no município, dava empregos aos seus, controlando funcionários públicos e todo o sistema educacional, visto que em Coité não realizou nenhum concurso público para professores até 1992. Concretizou o seu poder e fez sucessores políticos mantendo a sua linhagem no comando por vinte anos. Todas as articulações foram mecanismos de controle fundamentais na montagem de uma mega estrutura para sustentar o “Mito” e garantir que nenhum vento pudesse o abater. Create PDF with GO2PDF for free, if you wish to remove this line, click here to buy Virtual PDF Printer
  • 23. 23 CAPÍTULO 2 Escravo do povo, herói da caridade “Por isso é que da pobreza Para nós surgiu algo novo Da gema da nossa gente Vem surgindo um renovo Luz que veio clarear Os dias do nosso povo [...] [...] Com o seu grande prestígio Com caridade e fé, Servindo para o povo Pois caridoso ele é, Ele sim é o homem certo Prá Conceição do Coité”7 Os valores cordiais e a exaltação das formas sensíveis da religião constituem aspectos do comportamento social brasileiro que foram por muito tempo referencial de personalidade e significam em certos meios fatores determinantes na escolha de um representante político. Segundo Sérgio Buarque (1988, p. 112), os valores tradicionais característicos da formação do Brasil desde o período colonial, transmitidos no seio familiar, conseguiram se manter, mesmo diante da difusão das indústrias, e dos mecanismos capitalistas que restringem as relações pessoais e distanciam os seres humanos. O núcleo familiar, lugar dos primeiros contatos emocionais é responsável pelo modelo de relações sociais de onde resulta o caráter do “homem cordial”, aquele que reage segundo o ritmo da afetividade. Tais aspectos da formação social do brasileiro, que preserva o discurso voltado para a moral e a ética, podem ser observados a partir de um olhar sobre o ambiente pré-eleitoral, através das atitudes e dos jingles tocados pela cidade, onde os sussurros nas ruas confirmam o que o eleitor observa no seu preferido: ele é “gente direita”, é de família honesta, portanto “merece” ser votado. Neste sentido, os atributos pessoais, as emoções a subjetividade são fatores de forte influência na escolha de um representante, despertado através da atmosfera simbólica que rege as disputas eleitorais. 7 Diovando Carneiro, o herói da caridade. Conceição do Coité. Estrofe VI e XXVI. Create PDF with GO2PDF for free, if you wish to remove this line, click here to buy Virtual PDF Printer
  • 24. 24 Segundo Borba (2005, p.155), dentre as principais teorias que visam explicar o comportamento dos eleitores no Brasil destacam-se as que estudam pela perspectiva racional, onde as escolhas são movidas por fatores materiais; a de viés sociológico, que tem o foco nos fatores macroestruturais e nas variáveis socioeconômicas, demográficas e ocupacionais; e a que tem o foco maior no campo psicológico e psicossociológico, onde a estruturação do comportamento eleitoral dos brasileiros é identificada como resultado das motivações e percepções do indivíduo em relação à política. Nesta última, não é negado o impacto dos fatores sociais, mas acredita-se que estes somente não explicam tudo. Sendo assim, busca-se analisar também a orientação afetiva que mobiliza o direcionamento do voto através das “imagens políticas” que são transmitidas ao eleitor e que podem estar relacionadas às prioridades que os candidatos estabelecem em relação aos interesses do povo ou da elite, ou ao posicionamento numa escala de direita e esquerda. Contudo, as mudanças ocorridas nas ultimas décadas provocou um crescente descrédito na esfera da representação pública, visto que houve uma diminuição das atividades partidárias e um declínio dos partidos políticos, distanciando cada vez mais a população da participação na política. Assim, faz-se necessário a difusão de novas ideologias e de personagens políticos carismáticos, que desperte o interesse do eleitor que lhe dará um voto por confiança, como afirma Irlys Barreira, citada por Bezerra (2008, p. 3): [...] Uma figura pública, no contexto de um espaço público esvaziado, deveria apresentar aos outros “aquilo que sente”, sendo essa representação sobre o seu sentimento o móvel que suscitaria credibilidade. O enfraquecimento dos papéis públicos, finalmente, converteria o discurso político em discurso psicológico. Nesse contexto os atributos decisivos para o julgamento dos candidatos passam a ser a competência e a honestidade, sendo que o grande fator de relevância na escolha dos representantes é a avaliação que se faz de suas características pessoais. A análise do caráter, voltada para o culto à personalidade influenciam mais do que as ações ou programas de políticas públicas defendidas pelos aspirantes a algum cargo público. 2.1 Vando de Deus, dos pobres, de todos O surgimento de um novo nome na política coiteense a partir de 1982 modificaria o cenário municipal até então sob a égide de um domínio tradicionalista mantido pelo grupo liderado por Hamilton Rios de Araújo. Diovando Carneiro Cunha, ou simplesmente “Vando” Create PDF with GO2PDF for free, if you wish to remove this line, click here to buy Virtual PDF Printer
  • 25. 25 para o povo, nasceu em Conceição do Coité no dia 2 de julho de 1938, e passou grande parte de sua infância no povoado de Juazeirinho, onde vivia com seus pais. Aos dezesseis anos de idade foi para Vitória da Conquista – Espírito Santo, a fim de trabalhar, mas voltou para a sua cidade natal onde conheceu Maria Eridan Mascarenhas Cunha, com quem se casou e teve dois filhos. Até então nunca tivera pretensões de exercer cargos públicos. Vando residia na Fazenda Lagoa do Veado, e sendo um dos poucos a possuir carro na região, sempre era cogitado para prestar algum serviço dando início a uma prática de auxílio as pessoas que buscavam por sua ajuda. Era comum encontrar a sala da sua casa ocupada por conhecidos e desconhecidos, que passavam a noite em colchonetes, para durante a madrugada ser transportado para algum hospital fora do município. Como a prefeitura não ofertava esse serviço para a comunidade visto que não possuía ambulância, ele se dispusera a transportar aqueles que precisassem de acompanhamento médico em Salvador ou Feira de Santana, assim como também socorrer os moradores daquela localidade em casos de emergência. Apesar de não freqüentar a igreja todo domingo, era um homem religioso e participava frequentemente das festas anuais da paróquia. Carregado de valores familiares tradicionais, em seu discurso, demonstrava simplicidade e preocupação com os carentes, a ponto de ser apelidado de “Irmã Dulce de Coité”. A expressão “povo de minha terra” frequentemente utilizada por ele, para se dirigir aos coiteenses (principalmente os menos favorecidos) evidencia não só a preocupação que tinha com a população humilde, mas dá idéia de proximidade entre os membros do mesmo lugar de origem, do mesmo lar e, portanto uma grande família, onde uns ajudam aos outros. Incentivado por seus amigos Walter Ramos Guimarães e João Emílio se candidata a vereador na eleição de 1982 pelo PDS apoiando a chapa de Misael. Foi a sua primeira experiência política, na qual ganhou a eleição como o vereador mais votado, e foi eleito também para presidente da câmara em 1985 exercendo o cargo até 1986. Durante todo o mandato continuou o trabalho voluntário que fazia fortalecendo ainda mais os laços de amizade com a população do município, que se encontrava inserida numa realidade nacional, onde as políticas públicas não suprem as necessidades básicas do indivíduo, fazendo-se necessário a “ajuda” de particulares, ambiente favorável para a emergência de lideranças carismáticas que se apresentam com solucionadores dos problemas sociais e políticos. A realidade vivenciada pela população era facilmente aproveitada pelos candidatos a algum cargo público, que em época de eleição providenciavam cestas básicas ou outros “presentes” para angariar votos. No caso de Diovando, tais práticas já faziam parte de sua rotina e mesmo que não tivesse a intenção de se promover politicamente, provocava um Create PDF with GO2PDF for free, if you wish to remove this line, click here to buy Virtual PDF Printer
  • 26. 26 sentimento de gratidão devido à sua forma de assistência, despertando o interesse do grupo situacionista que via a possibilidade de ganhar mais uma eleição tendo Vando ao seu lado. Forneceram-lhe um carro para transportar os doentes e propuseram-lhe que rompesse com o grupo político dos “azuis”, e se candidatasse a vice-prefeito de Everton Rios de Araújo Filho, até então apenas conhecido como “o sobrinho de Hamilton Rios”, pois não tinha atuado em nenhum cargo político. Diovando, que nunca fora “apegado” ideologicamente com partido algum, disputa agora ao lado do grupo situacionista numa nova campanha vitoriosa, como relata seu sobrinho Joilson: Utilizou-se desta ingenuidade de Vando desse ser desprendido e sem preguiça porque todos os dias ele saia daqui três horas da manhã e praticamente chegava dez onze horas da noite. Então, esse movimento rendia muito voto sem eles ter que botar a mão no bolso. (Joilson Araújo, 2. jul. 2009) A popularidade de Vando, somada à força política do grupo dos vermelhos exerceu influência determinante na vitória de Ewerton Rios na eleição municipal de 1988, contra Tânia Cirino, esposa de Dr. Iêdo. A visibilidade que foi dada ao seu nome é evidente nos panfletos de divulgação onde o candidato a prefeito e a vice, aparecem em destaque, diferente do que comumente acontecia que muitas vezes a ênfase recaia sobre aquele que encabeçava a chapa, deste modo, esta união garantiria por mais quatro anos o poder nas mãos da vermelhada. Durante o período em que atuava como vice-prefeito, Vando teve um filho fora do casamento, Diovando Almeida Quirino Cunha, e apesar de exercer um cargo de visibilidade, a união extraconjugal não afetou a sua popularidade. O título de vice-prefeito não impediu que continuasse realizando o trabalho voluntário, mesmo sendo criticado pelos adversáros, suas ações despertava a sensibilidade em quem conhecia a sua história, e reforçava ainda mais a figura de pessoa caridosa e sem interesses financeiros, como aconteceu com um caminhoneiro, fato narrado por Joilson, em entrevista mencionada anteriormente: [...] “rapaz ontem eu encontrei aqui uma pessoa cansada dormindo no carro, com mais de dezoito pessoas dizendo que tava levando pra Coité e que ele era o vice- prefeito, eu num acreditei. Eu nunca vi vice-prefeito com o salário que ganha ficar transportando pessoas”. Aí meu pai, cunhado de Vando, disse: “não, é meu cunhado ele faz isso há muito tempo!”. Aí o sujeito ficou tão impressionado que falou: “quando eu tiver oportunidade ainda vou transferir o meu título e morar em coité só pra votar nessa pessoa”. Create PDF with GO2PDF for free, if you wish to remove this line, click here to buy Virtual PDF Printer
  • 27. 27 Esse espírito solidário despertava curiosidade naqueles que encaravam certas atitudes possivelmente comuns para um candidato, mas absurdas para um vice-prefeito, e fazia com que se destacasse entre os demais que em épocas de eleição voltavam-se para o assistencialismo, sendo que Vando agia em prol do outro em qualquer momento ou lugar. Roberto Lopes (2009, p.64) coordenador da campanha de Vando para prefeito, narra um episódio em que compara a atitude de Diovando com a de Hamilton Rios quando este se candidatou pela primeira vez em 1972: Durante a Campanha, fui com Vando a Salvador e lá pelas tantas da noite, ele inventa que ia fazer uma visita no bairro Cosme de Farias. Passou um tempo precioso. Quando olho pra cima, “praquelas” ruazinhas tortuosas e estreitas, entre construções desinformes, lá vem Vando descendo uma escada de Madeira em balanço, com uma velhinha nos braços em tempo de tropeçar e rolar ladeira abaixo. Lembrei-me de Mitinho quando em campanha idêntica, no Tabuleiro de 1972, beijou uma vela esquálida, tuberculosa, cuspindo sangue [...]. Foi nesse ambiente de assistencialismo que a imagem pública de Diovando começa a ser desenhada e difundida entre o “povo” de sua terra, imagem bem caracterizada nos “singelos versos” cheios de empolgação e emoção das páginas de um livreto de cordel escrito em sua homenagem. Literatura que constitui uma manifestação popular, e ajuda a compreender vários aspectos do cotidiano e da opinião de quem o produziu. É possível reconhecer no cordel, a visão popular acerca dos atributos que mais enobrece o ser humano que Diovando Carneiro é. O fato de não ser um membro da elite, mas um morador da zona rural tinha um peso importante no campo das relações sociais, pois ele conhecia bem o homem do campo e suas limitações. A relação que tinha com Irmã Dulce para dar assistência aos carentes, o apego à religiosidade, transmitia a idéia de que suas obras não tinham interesse político, mas era um compromisso cristão com o outro, tido como irmão, reconhecendo nele um ser desinteressado e portanto diferente dos demais. O autor, que não se identifica, intitula: “Diovando Carneiro, o herói da caridade”, e tenta ao longo de suas palavras comprovar o porquê de tal afirmação. Inicia deixando bem claro que “o homem só vale pelo que é”, colocando o prestígio pessoal obtido por alguém que conserva os seus valores e sua moral, como mais valorizados do que a posse de riquezas, idéia esta comumente difundida na Bahia durante século XIX, aspecto que pode ser observado nos frequentes casamentos entre membros de famílias tradicionais empobrecidas com ricos brasileiros e estrangeiros, a fim de estes se apropriarem do prestígio que o “nome” de tais Create PDF with GO2PDF for free, if you wish to remove this line, click here to buy Virtual PDF Printer
  • 28. 28 famílias poderia lhe trazer. Do mesmo modo que criados e escravos, trabalhavam com dedicação ao seu senhor a fim de lhes serem reconhecidos qualidades de “gente direita” sendo que sua dedicação garantiria além de casa e comida a esperança da ascensão social e “tudo isso valia mais do que dinheiro” ( MATOSO, 1992, p. 13). Dentro dessas concepções, o “valor” de Diovando Carneiro não estava no que ele tinha, seu reconhecimento fora adquirido principalmente por ser um homem caridoso e desapegado a títulos ou promoções, de modo que efetuava seu trabalho voluntário sempre com muita disposição e alegria, e apesar de ser reconhecido e aplaudido pelo povo não se vangloriava agindo com humildade. A figura do “herói”, também chamado de “Diovando do povo, ou mesmo Vando de Deus”, representava um sinal de esperança para uma população “carente de paz e não somente de cobre” e cujas autoridades dedicavam seu tempo e atenção apenas com promessas e “palavras bonitas”, enquanto Vando estava presente e era próximo à realidade daquelas pessoas. Quem bem conhece Diovando é o povo sofredor o trabalhador rural o popular lavrador Diovando os conhece e eles lhe dão valor. Conhecer, nas palavras do autor, significa muito mais do que perceber a existência, chamar pelo nome, ou saber onde mora, está ligado à questão do relacionamento direto e, portanto a troca de experiências de vida, pois somente conhecendo poderia perceber as necessidades do outro e fazer algo em seu favor. No campo das representações, ou seja, o campo simbólico da construção de articulações entre candidatos e eleitores, o ideal de proximidade é responsável pela criação de laços entre representantes e representados, pois revela a harmonia de interesses e valores (BARREIRA, 1998, p.43). Graças a tais características apontadas no texto, e ao comportamento tido como digno, o autor pede a benção de Deus para “o ventre que o gerou”, exaltando a educação familiar que fez de Diovando Carneiro um “homem correto”, que veio ao mundo para dar felicidade ao seu povo. O texto é redigido no momento em que Vando atuava como vice-prefeito juntamente com Everton Rios, cargo que, segundo o autor, lhe foi dado como um sinal de gratidão por parte da população reconhecendo o seu esforço e confiando em seu trabalho. Create PDF with GO2PDF for free, if you wish to remove this line, click here to buy Virtual PDF Printer
  • 29. 29 Filho de Joazeirinho terra que lhe concebeu um cargo de confiança o povão lhe concedeu e para vice - prefeito o povo lhe elegeu E assim congratularam o querido Diovando e pelos cantos da cidade tem grupinhos comentando vamos fazer nossa parte as eleições vem chegando O poeta enfatiza o vermelho que Vando representava no momento, mas apesar de se tratar do grupo situacionista com forte poder econômico, essa não seria uma característica dele. Com a proximidade das eleições municipais ambos os grupos políticos discutiam acerca dos candidatos para concorrerem a uma vaga na prefeitura e a figura de Diovando estava muito comentada na cidade como um possível nome que os “vermelhos” lançariam. E como não seria diferente, já começava os preparativos para o próximo pleito, onde o povo demonstraria a força do “sangue vermelho” que corre na veia de seus seguidores fiéis. Sendo assim logo veremos o santo guerreiro cobrir tudo e derrotar com conteúdo o dragão do dinheiro pois o vermelho que corre nas veias, vale por tudo Nas artérias dos miúdos que são seus eleitores Que eles chamam analfabetos ou rudes Mas são fiéis seguidores; Corre o sangue vermelho No corpo dos sofredores O “herói popular” parecia representar uma ameaça para as lideranças tradicionais locais, que não queriam deixar o poder nas mãos de um “carregador de defunto”, “tabaréu”8. Além disso, era preciso manter a tradição familiar e Vando não fazia parte da estirpe. Na oposição, o líder dos azuis, Misael Ferreira, já havia disputado três eleições mal sucedidas, 8 Diovando era apenas alfabetizado, e os discursos o apontavam como despreparado e incapaz, principalmente pela baixa escolaridade. Create PDF with GO2PDF for free, if you wish to remove this line, click here to buy Virtual PDF Printer
  • 30. 30 para prefeito em 1972 e 1982 e uma para Deputado em 1990, e não se achava em condições de encabeçar outra campanha tão próxima. Alguns amigos de Diovando o incentivavam a se lançar para prefeito, mas o grupo de Hamilton Rios descartara esta possibilidade. Deste modo os representantes dos “azuis” percebem no então vice-prefeito uma chance de conquistar o poder, em decorrência da popularidade que o mesmo havia adquirido. Não existe adversário por mais que seja atrevido que ouse falar mal dele, pois nunca foi merecido mesmo sendo dos vermelhos pelos azuis é querido Até a oposição já aprova seu talento; o seu trabalho real prova o reconhecimento e as pesquisas já falam de seus oitenta por cento O ambiente relatado no cordel deixa bem claro, que a população cogitava o nome de Vando para as futuras eleições, e acima de tudo que o poeta reconhece nele uma bondade desprendida e desapegada, livre de opção política ou partidária, pois atende a “toda a classe” a qualquer hora, chegando ao ponto de a oposição reconhecer o seu talento. Deste modo não existindo defeitos, seria um atrevimento alguém lhe direcionar uma crítica, mesmo sendo um adversário político, pois era mais vantajoso estar com ele do que contra ele. E foi isso que as lideranças representantes do PMDB e PL fizeram, motivados por interesses de ambos os lados, montaram uma aliança entre Diovando Carneiro e Misael Ferreira para disputar o cargo de prefeito em Coité. 2. 2 Uma campanha do coração A partir do cordel e da análise do discurso político de Diovando Carneiro, pode-se identificar na sua figura, um extravasamento de emoções que se desenvolve em um ambiente relacional e que contagia um grupo ao seu redor, elementos que Max Weber (1991, p.159) Create PDF with GO2PDF for free, if you wish to remove this line, click here to buy Virtual PDF Printer
  • 31. 31 denomina de carisma, ou seja, “uma qualidade pessoal considerada extracotidiana”, e em virtude da qual se atribuem a uma pessoa características sobrenaturais, e portanto digna de liderança. Assim como os outros tipos de dominação definidos pelo autor, um líder carismático só exerce poder mediante o reconhecimento por parte de seus seguidores, nesse sentido o poder do carisma não é atribuído legalmente ou dado por tradição, mas é baseado na exemplaridade do caráter, numa crença da santidade das ações heróicas realizadas pelo líder. Dentro da perspectiva Weberiana, o tipo carismático realiza suas atividades com o sentido de missão e vocação, desapegado a recompensas ou a uma atividade econômica contínua. Seu reconhecimento é obtido em virtude do êxito de suas ações, e mediante tais “provas” consegue manter o prestígio perante aqueles aos quais dirige a sua missão. Neste sentido o poder de Diovando Carneiro só existiria enquanto os seus “fiéis seguidores” o reconhecessem como um líder, através de uma avaliação subjetiva de seu discurso, e da imagem que conseguira projetar. Após obtido o reconhecimento, esse força “sobrenatural” seria capaz de mover uma massa em prol de um ideal, visto que O carisma é a grande força revolucionária nas épocas com forte vinculação à tradição (...) significa uma modificação da direção da consciência e das ações, com orientação totalmente nova de todas as atitudes diante de todas as formas de vida e diante do mundo em geral. (WEBER, 1991, p. 161). Weber destaca o papel das lideranças carismáticas como força de transformação em contextos de poderes tradicionalistas visto que o possuidor de tais características tem o poder destituído de base racional, composto por instabilidades, incorporando facilmente aspectos revolucionários, de mudanças. Durante as campanhas políticas de 1992, a estratégia das lideranças azuis foi montar uma chapa que reunisse o carisma de Diovando Carneiro e o respaldo político de Misael Ferreira, visto que este já possuía uma caminhada no grupo e também atuou como Deputado Estadual entre 1987 e 1991, logo, percebiam nessa aliança uma chance de retirar o poder das mãos da família Rios. Como adversários, teriam que enfrentar a força tradicional, financeira e simbólica de Hamilton Rios de Araújo, que junto com Jorge Tirço usaria todas as armas para garantir a manutenção da máquina administrativa em suas mãos. Mesmo assim Vando se lançou sem nenhuma pretensão, pois não tinha recursos econômicos, e teria deste modo que se valer de outras estratégias para conquista do voto. Create PDF with GO2PDF for free, if you wish to remove this line, click here to buy Virtual PDF Printer
  • 32. 32 Após o estabelecimento da aliança entre Vando e Misael, ambos afiliaram-se ao Partido Liberal (PL), tentaram uma aliança com Partido dos Trabalhadores local, mas o mesmo se recusou. Na falta de um financiador, a campanha contou com o apoio de alguns comerciantes e empresários simpatizantes dos azuis, mas os recursos eram poucos comparados ao montante investido pelo grupo rival. Nos comícios da chapa de Hamilton Rios, os proprietários de automóveis ganhavam gasolina para participar das carreatas, que sempre chamavam a atenção pelo grande número de veículos e pessoas. Era comum também a distribuição de camisas e bandeiras vermelhas para os eleitores, assim como a realização de “showmícios” sempre com bandas locais e fogos de artifício para dar um ar de “festa da vitória”, mesmo antes do pleito. Os grandes comícios ganhavam destaque mediante a utilização de recursos simbólicos, onde “ o palanque na condição de lugar convergente de olhares e escutas, oferece a metáfora do trono provisório. Durante o evento, o candidato “reina” e sua principal estratégia é transformar o provisório em Definitivo” (BARREIRA, 1998 . p.95) e sendo assim mobilizar a massa em prol de um ideal. Os comícios e caminhadas representam uma dimensão entre “povo e políticos” ajudando fortalecer o ideal de proximidade. Neste sentido as campanhas aliam estratégias de propagação de idéias nos meios de comunicação e formas simbólicas de exposição de candidatos no espaço público através do contato físico com o eleitorado proporcionando uma relação de proximidade. Numa campanha, principalmente em cidades pequenas, nem tudo o que acontece é estruturado por especialistas em marketing, visto que “as novas formas de comunicação política não substituem mecanicamente práticas dotadas de vitalidade como inauguração, comemorações, manifestações e comícios “( BARREIRA, 1998. p. 23). Neste sentido, a campanha de Vando e Misael, foi no silêncio, principalmente devido a falta de recurso para investimento, aconteciam comícios, mas as carreatas eram muito inferiores equiparadas a do adversário. O contato direto com o povo, em caminhada pelos bairros e também na zona rural, sempre enfatizando a prioridade em relação a saúde foram as estratégias principais dos azuis. Ao romper com o grupo situacionista, imediatamente retiraram o carro ao qual Diovando utilizava em seu trabalho voluntário, pois a utilização do mesmo só seria viável para Hamilton Rios tendo Vando ao seu lado, no caso de ruptura, assistência ao povo não era mais útil, portanto foi cortada com o intuito de diminuir a chance de influência no direcionamento do voto. Deste modo, graças a ajuda de alguns amigos como João Emílio, com a doação de uma caminhonete, Vando pode continuar o trabalho de assistência, mesmo contrariando aqueles que o considerava uma ameaça às estruturas tradicionais. Create PDF with GO2PDF for free, if you wish to remove this line, click here to buy Virtual PDF Printer
  • 33. 33 O momento da campanha eleitoral, faz emergir ou “aflorar” atitudes pouco comuns em outras épocas possibilitando analisar não só o jogo de estratégias em busca do voto, mas é um campo produtivo para se entender variadas dimensões do cotidiano cultural de determinada sociedade. Em Conceição do Coité a partir da década de setenta, o nome dos candidatos sempre foi vinculado às cores que representavam o seu grupo político e não ao partido que eram afiliados, visto que os mesmos mudavam frequentemente de legenda, e na maioria dos pleitos a rivalidade era apenas municipal. Grande parte do eleitorado não era guiada por ideologia ou propostas políticas, mas pelo jogo de interesses entre os que fazem parte dos beneficiados e os que não obtêm benefício algum dentro da prefeitura. A cultura política local movida pelas cores obrigava alguns fanáticos, a renovar o guarda-roupa para não vestir a camisa do “time” adversário. Nessa eleição a coloração não seria diferente, o “vermelho” estaria presente nas bandeiras, no slogan e nos jingles dos representantes da situação. A chapa adversária deslocou o foco da cor azul e direcionou para a emoção, na tentativa de demonstrar que representava os interesses de todos fizeram uma campanha onde “azuis e vermelhos são irmãos”. Nos cartazes, camisas e santinhos, o nome de Vando aparece com a letra “o” em forma de coração, pintado de azul e vermelho. Numa simbólica união, o destaque que foi dado à sensibilidade, indica que Diovando pertencia a todos e o seu coração não fazia distinção política, pois tratava as pessoas como irmãos. Partindo dessas características, o slogan de campanha elaborado pelo marqueteiro Roberto Lopes enfatizou a sensibilidade do candidato, aquele que reage segundo o ritmo da afetividade, “o prefeito do coração”, pois o mesmo não possuía riqueza material, e um voto de confiança lhe seria dado livre de interesses materiais movidos pelo afeto, por emoções. Nesse sentido Joilson afirma que: [...] no Vando não tinha razão, você não encontrava a racionalidade! Então não encontrando a racionalidade pra perceber que ele representava a liderança que era, ele usava só a sensibilidade, e aí não tinha como não fazer uma campanha em cima daquele ser[...]. Faltou no Vando unir razão e coração então o destaque foi mais em cima do que ele era, e isso ajudou muito a população perceber que de fato Vando era só coração, era só amigo [...]. Segundo Ada Bezerra (2007, p.4) em seu estudo sobre sentimentos e emoções na política, o campo das disputas simbólicas onde o indivíduo depende de fatores externos e da aceitação carismática por parte do eleitorado, o uso das emoções no discurso dos apelantes é Create PDF with GO2PDF for free, if you wish to remove this line, click here to buy Virtual PDF Printer
  • 34. 34 fundamental. O momento das eleições é percebido como uma “situação na qual a troca simbólica se realiza entre voto e adesão por credibilidade”, onde a relação de confiança é promovida por meio de apelos sentimentais, crenças e subjetividades do imaginário despertado a partir das emoções. Nesse contexto, há uma interação entre valores culturais e políticos onde um conjunto de crenças no terreno da subjetividade será o ponto de partida para as percepções políticas de cada eleitor, que se dá nos discursos, nas imagens e nas músicas que compõem a trilha sonora do município em períodos eleitorais. Em um dos jingles políticos da campanha de 1992, paródia da música Desejo de amar é possível identificar a exaltação da figura de Diovando como o “salvador” da cidade, 9 a única solução para os problemas de Conceição do Coité. Numa conexão entre política, parte do mundo secular, e sinais de “encantamento”, um apelo mágico de um povo que sofre a espera de “salvação”, o candidato é apresentado como aquele que está sempre disposto a ajudar nas horas difíceis, tanto a azuis quanto a vermelhos: Vando foi chegando com amor dando a mão A você, e tocou o seu coração não vou lhe esquecer Me machuquei, me feri , me perdi Com prazer, Vando não deixa na mão, não, não, não. Hoje estou decidido vou votar E vencer, Vando nasce pra ganhar, pra salvar Coité Hoje o azul e vermelho é irmão Em Coité e não tem separação não, não, não. O povo está sozinho precisando de você Mas Vando sempre está por perto pra poder lhe ajudar A estrada dessa vida está difícil sem você Mas Vando sempre está por perto pra poder lhe ajudar. Em outra canção, não diferente, se enfatizam as práticas de assistência aos pobres nos momentos de tristeza e atribulação, e como se o candidato fosse um super-herói o povo pedia “Vando salve esta terra linda, salve o nosso lugar [...], este povo vai gostar”. As letras de um modo geral faziam referência às dificuldades vivenciadas pelos coiteenses, as quais seriam muito mais complicado de enfrentar sem a ajuda de Vando, deste modo a eleição torna-se uma grande oportunidade para que ele estivesse sempre perto dos necessitados, e ajudar ainda mais. Segundo Silvia di Poli (2008, p. 14), os jingles, são repletos de apelos sentimentais, por isso: DANIEL; PAULO, João. Desejo de amar. João Paulo e Daniel. 2002. 1 disco compacto ( 62 min): Dolby 9 Digital 2.0. Create PDF with GO2PDF for free, if you wish to remove this line, click here to buy Virtual PDF Printer