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O ensino público em Biritinga e
      Riachão do Jacuípe

   Por: Fábio Bastos e Leandro Matos




                 2010
Nossos sinceros agradecimentos a todos aqueles que
contribuíram de algum modo para a construção desse
trabalho. Obrigado por tudo.
É o processo que adoto: extraio dos acontecimentos
algumas parcelas; o resto é bagaço.


                              Graciliano Ramos
Introdução

    Há muita complexidade na existência humana. A experiência
de existir cobra condições apropriadas para uma convivência
com os demais indivíduos, para se adaptar a um mundo já
existente, pronto e ainda curso. Quantos seres foram capazes de
durante seus anos de vida transformar a história do mundo com
uma descoberta cientifica, um pensamento filosófico, um gesto
político ou uma invenção.

    O saber e o conhecimento aliados a capacidade individual de
cada um, impulsionados pelo talento e a percepção, glorificaram
a história de grandes homens.

    Na base disso tudo, está o valor que as pessoas que formam
uma sociedade depositam na educação dos seus jovens. Quando
possibilitam um terreno fértil para a expansão cultural daqueles
que compõem a sociedade em que vivem, o domínio do
conhecimento em prol dos avanços pendentes de cada época e
de um mundo que se quer mais justo, a sociedade como um todo
se transforma.

    Claro que cada ponto desses é extremamente delicado tentar
resumi-los sem se apegar aos detalhes e nuances que eles
implicam. A rigor, as próprias histórias das sociedades nos

4
emprestam um pouco das suas experiências. Percebemos a
educação, ou o valor que se dá a ela, como um elemento
cultural. Um dos pilares das grandes nações que foram erguidas
nos últimos séculos foi a educação ou o domínio de algum
conhecimento.

    E é nesse processo histórico secular que o Brasil se perde
como um grande formador e construtor de uma educação de
qualidade. Essa ausência de políticas públicas, ou políticas
atrasadas e impróprias, renderam dividendos nada agradáveis
para o povo brasileiro. Notadamente, a pesquisa que rendeu ás
páginas deste livro encontrou traços de uma cultura pouco afeita
ao estudo, ao desenvolvimento humano. O problema não está
nos indivíduos, mas na forma como a sociedade vê e prioriza a
educação, que não consegue proporcionar no seu sistema
público de ensino uma educação realmente enriquecedora. E
isso sim reflete em seus indivíduos.

    Biritinga e Riachão do Jacuípe são pequenas cidades do
interior da Bahia, distantes quase 90 quilômetros. Muito do que
se viu em uma, se viu em outra, e isso não foi coincidência. É o
resultado de políticas públicas para a formação dos nossos
jovens, retratadas em cada página desta obra.



5
I

    A educação é um direito de cada cidadão brasileiro. A cada
nova criança nascida, é um novo ser humano que precisa de
formação para as necessidades da vida. Precisa de instrução
adequada e conhecimentos suficientes e básicos para interagir
com o mundo. E, por isso, cedo ou tarde ela deve entrar na
escola para desenvolver-se como ser humano, de modo que as
faculdades da vida lhes sejam apresentadas. Então, da sala de
parto para a sala de aula é apenas uma questão de tempo. A não
ser para aquelas que, por um motivo ou outro, acabam entrando
nas estatísticas da mortalidade infantil.

    Fora isso, os pais têm a obrigação de matricular as crianças
na escola e de acompanhar a sua freqüência. O que se chama de
dever da família. Mas para matricular é preciso ter onde
matricular, e mesmo saber a procedência da escola; se tem
qualidade ou se não tem. Promover tal educação eficiente e de
qualidade já configura uma obrigação do Estado brasileiro,
então representado pelos seus órgãos públicos, instituições e
suas respectivas autoridades. Entre elas, claro, os políticos. O
que, por si só, já nos anuncia algum dissabor.




6
II

    Riachão do Jacuípe e Biritinga são cidades pobres, sem
grandes privilégios geográficos, de economias frágeis e de
homens e mulheres públicas pouco notáveis, que não fazem
despertar por parte dos seus jovens a vontade de crescer
humanamente, educacionalmente e intelectualmente. Em parte
pela formação de uma boa parcela dos pais, que também não foi
das melhores, a grande maioria dos alunos pensa apenas em se
formar e concluir os estudos. É um pouco de uma cultura pobre,
de cidades pobres, imersas num país que historicamente nunca
foi um grande educador. E essa é um tipo de herança que
dispensa   cartórios   e   inventários,   mas   que   se   herda,
gradativamente, com o passar do tempo.

    Não dá para compreender o que se encontra por aí como
desenvolvimento pleno do ser humano, é até ofensivo achar que
a criança nascida quer tão pouco. Talvez sim. E talvez a família
pretenda pouco também. Mas fosse a vontade das mesmas,
certeza, não achariam muito mais do que o pouco que já acham.
Não é incomum encontrar pais que fazem um sacrifício que não
podem para poder colocar os filhos numa escola particular. E
nem é preciso ser um gênio para entender o que se pretende com
isso: que o filho tenha, no mínimo, uma formação e uma
7
preparação mais adequada. O investimento é no futuro, em dar
meios para que ele consiga se tornar um bom profissional. E se
o movimento contrário acontece – do estudante sair da rede
particular para ingressar na rede pública – geralmente se dá por
conta de dificuldades financeiras ou por queda de rendimento.

    São casos que não podem ser desprezados, nem passar
despercebidos, a diferença de dificuldade entre uma e outra e as
diferenças nas médias exigidas fazem com que o aluno, nesse
caso, seja matriculado na escola pública apenas para não ser
reprovado. Ou seja: os pais acham que estão desperdiçando
dinheiro com a educação dos filhos, posto que os mesmos não
demonstram interesse e dedicação. Então migram de um sistema
para outro. A lógica é elementar e denunciante: quisessem esses
realmente estudar, onde estudariam? Onde seria mais adequado?

    É evidente que há alunos na rede particular que são
irresponsáveis e não se interessam pelo aprendizado. Isso não
parte de escola paga ou gratuita, mas de cada um, da cobrança
dos pais, do interesse pessoal. A diferença está é na média que
cada uma pode produzir.

    Saber como a própria sociedade lê essas duas escolas é um
exercício indispensável. Boa parte dos pais quer mesmo é que os

8
filhos tenham condições de obter uma educação digna,
independentemente de onde estudem. Seja numa escola
particular, seja numa escola pública. Pais que se prezam buscam
as boas escolas, e quando não podem pagar por uma, buscam
entre as melhores escolas públicas para matricular seus filhos.
Mas muita gente incompetente está aí permeando o ensino
público. Muita gente sem compromisso. A escola particular, até
pela sua natureza de competitividade no mercado, tende a suprir
as lacunas deixadas pela pública, oferecendo e proporcionando
um leque maior de opções. A cobrança sobre ela será,
provavelmente, sempre maior. As duas podem e devem conviver
juntas. O que não pode é uma conviver com deficiências como
se convivesse com o mérito.




9
III

     O maior problema apontado pelos professores quanto à
formação dos alunos são as séries iniciais. Eles se queixam que
o aluno é mal formado, e que as carências deixadas pela falta de
uma boa base – ou mesmo de uma base – geram dificuldades
terríveis na continuidade de sua vida escolar. Lea Cristina,
professora do Colégio Estadual Maria Dagmar de Miranda, em
Riachão do Jacuípe, diz que costuma encontrar alunos que não
sabem fazer contas bastante simples, “que deveriam ter sido
aprendidas lá atrás”. Esses erros na formação vão seguindo de
série em série e dificilmente são e serão corrigidos.

     Parte desse problema acontecia porque as séries iniciais não
eram contempladas no orçamento destinado a educação, o que
tornava a base escolar na rede pública um tanto quanto
sucateada. Ao menos essa dificuldade orçamentária foi sanada
com a criação do Fundeb (Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos
Profissionais da Educação) em substituição ao Fundef (Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental), em
2007. Como o Fundef era destinado somente para o
financiamento do ensino fundamental, restava aos municípios
deslocarem clandestinamente alguns professores pagos pelo
10
fundo para a educação infantil. Esses alunos não entravam no
Censo da Educação. Por conta do caráter “não autorizado” e a
falta de recursos próprios, não existiam tantas turmas assim. E
nem se conseguia fazer um trabalho bem feito, pela falta de
professores qualificados. Geralmente, quem ensinava essas
crianças eram os professores que tinham habilidade para cortar,
brincar...

     Fora o Funbeb, que foi um grande avanço, no ano de 2010
entra em vigor a obrigatoriedade do ensino para crianças e
jovens entre 4 e 17 anos. Essa proposta foi aprovada pelo
Senado em 2009 e amplia as idades obrigatórias, anteriormente
de 6 a 14. Um passo relevante, pois estudos mostram que alunos
que começam a estudar antes dos seis anos de idade têm mais
chances de concluírem o nível superior.

     No mesmo dia em que foi ampliada a obrigatoriedade do
ensino, o Senado aprovou uma proposta de emenda à
Constituição (PEC) que culminou com o fim da DRU
(Desvinculação de Receitas da União) na educação. A DRU foi
criada em 1994 e desbloqueia 20% das receitas da União de
qualquer setor. Com o fim da desvinculação na educação, uma
maior quantidade de recursos ficará disponível para o ensino. A
incidência da DRU será de apenas 5% em 2010 e a partir de
11
2011 deixará de afetar por completo o orçamento educacional. O
planejamento do MEC é investir boa parte desses novos
recursos na educação de base.

     Tais mudanças servem de alento, já que, em princípio, o
número de alunos com defasagem irá diminuir e a boa base dará
a eles uma capacidade maior de seguir em frente.

     Se antes tarde do que nunca começam a surgir horizontes
melhores para a educação do país, o presente dá mostras das
dificuldades que precisam ser superadas para que sejam
atingidos níveis educacionais mais satisfatórios.

     A escola Aurélio Rodrigues Mascarenhas, em Riachão do
Jacuípe, é um exemplo dessa transformação recente. Desde
2007, a partir da instituição do Fundeb, a escola passou do
ensino fundamental para a educação infantil. Alunos de quatro a
cinco anos passaram a estudar gratuitamente as educações
infantil 1 e 2 e as de até seis anos a alfabetização. Houve um
processo de municipalização na escola. Antes administrada pelo
Estado, o município assumiu o espaço e implementou uma nova
proposta. Projeto novo, o Aurélio foi escolhido por ficar
praticamente no centro da cidade. Com quase duzentas crianças,
o município já começa a buscar outros pontos mais extremos da

12
cidade para oferecer também essa modalidade de ensino,
atendendo a pedido dos próprios pais.

     No Aurélio, depois dessa transformação, o tamanho do aluno
diminuiu, mas o da esperança aumentou.

     Lá, os alunos aprendem os significados de alguns símbolos e
as primeiras noções do alfabeto, a partir do contato com
algumas letrinhas. Cantam músicas, fazem oração e duas vezes
durante a semana contam histórias. E ao menos uma vezinha
vão até brinquedoteca. Nunca é brincar por brincar, sempre se
aprende noções básicas de alguma coisa ou desenvolve algum
estímulo. O mais pesado fica por conta da leitura e da escrita.
Eles começam a ver palavras, algumas sílabas, textos, pequenas
histórias, lendas, e por aí vai. Quando chega uma data
comemorativa, as atividades de rotina são trabalhadas para
explorar a temática, apresentando aos alunos alguma noção
sobre o tema. Segundo a professora Vanusa Lopes Soares, que
trabalha com as crianças no Aurélio Mascarenhas, só algumas
datas mais complexas é que não são trabalhadas, como a
Proclamação da República brasileira. Circunstância bastante
compreensiva, pois enfiar crianças em Deodoros e Florianos
seria até maldade. E, no mais, a história trata de perdoar os
meninos. Ao ser proclamada por militares em 15 de novembro
13
de 1889, como registrou Aristides Lobo, “o povo assistiu àquilo
tudo sem conhecer o que significava. Muitos acreditaram
seriamente estar vendo uma parada”. De fato, as crianças não
iriam muito além disso.

     Na matemática eles aprendem os números de 0 a 100, que
vão sendo trabalhados gradativamente durante o ano. Noções de
subtração, adição e alguns probleminhas que estimulam a
pensar. A mistura é boa entre o método mais tradicional de
ensino e aquele mais criativo, com atividades lúdicas. “Um
método ajuda o outro, mas o tradicional é mais eficiente. É
repetitivo, mas o aluno aprende”, destaca a professora Vanusa.

     O tempo passa, e a professora sorri satisfeita quando fala do
crescimento dos alunos. Só esconde o sorriso para lamentar a
falta de acompanhamento dos pais. “Tudo isso não adianta sem
ele ter o contato com o livro em casa. Fica restrito a escola”.

     O acompanhamento dos pais é pequeno e, ressalta a
professora, a falta desse compromisso familiar é o maior
problema que eles enfrentam. A escola chama, conversa, orienta
e sempre toca nessa mesma tecla: precisa existir uma parceria
entre a escola e a família. Mas muitos pais não se interessam.
“Não existe uma preocupação com o acompanhamento das

14
atividades do filho. Em ver se a criança está aprendendo, o que
está aprendendo, se faz a lição”. Rita Almeida, diretora da
escola, acredita que a maioria dos pais age dessa forma, “sem
acompanhar a criança”. Ela diz que costuma lembrar aos
mesmos que o esforço deve ser feito agora, no início, e que
depois que eles aprendem a ler e a escrever “seguem sozinhos,
com mais facilidade”.

     A impressão dos professores é que os pais querem que os
seus filhos façam tudo ali na escola mesmo. Acontece que ela
não consegue dar conta de todo o processo. Por mais que se
esforce, por mais que dê uma boa aula, aquilo morre na sala, se
não tiver um acompanhamento.

     Já experiente na questão, a professora Vanusa destaca a
relevância desses momentos de leitura em casa. “Eles aprendem
a copiar mais rápido porque treinam na escola, mas não sabem
ler. A dificuldade maior é na leitura, que não é praticada em
casa. Com isso você acaba criando alunos copistas”.

     Nesse sentido, os pais alegam que os filhos dependem da
jornada ampliada – programa do governo que recebe os alunos
em turno oposto ao do horário escolar, para reforço –, e que eles
não aprendem o necessário. Os monitores das jornadas sentem

15
dificuldades em trabalhar com tantos alunos de séries e escolas
diferentes e de modo tão individual. Acreditam que certo tipo de
trabalho não dá para ser feito nem na jornada, só mesmo em
casa.

     Tanto pela manhã quanto pela tarde a criança fica na escola.
Estão em casa praticamente só à noite, passando o dia nas
instituições. E ainda assim os professores sentem essa pressão
para que a escola faça tudo. “Os pais hoje em dia estão
terceirizando os filhos”, frisa Darsone Cordeiro, assistente
administrativa do Colégio Osvaldo Cruz.

     Exemplo desse descaso aconteceu com a professora Vanusa.
Certa vez, dois alunos que deveriam seguir adiante tiveram
dificuldades e permaneceram na alfabetização. A pedido dos
pais, ela achou interessante que os meninos freqüentasse a
escola para um reforço. Só que a evolução dos estudos esbarrava
na falta de acompanhamento, que não existia. Eles pouco ou
nada melhoravam.

     O “baque” veio após o recesso junino. Esses mesmos alunos
voltaram das férias sem nem terem feito uma atividade passada
a mais de 20 dias. “Eu desisti. Era muito trabalho, me
desgastava muito e assim não tinha efeito”.

16
Essa mistura de falta de interesse e de acompanhamento
esbarra em várias dificuldades. A formação dos pais influencia
bastante. Muitos são, inclusive, analfabetos, e não conseguem
ensinar. Os mais interessados tentam suprir essa deficiência com
o pagamento de um reforço escolar, mas nem sempre é assim.
“Quando encontro pais nessa situação peço que procurem
alguém que possa ajudar. Um tio, um vinzinho, um amigo...
qualquer um que possa contribuir de algum modo”, diz Rita
Almeida. Mas nem sempre os pais são analfabetos, e o que falta
mesmo é uma participação da família. A escola sente o impacto
de uma família alheia e descompromissada, assim como sente o
impacto positivo daqueles que querem e podem ajudar. Quando
une uma formação melhor e o interesse, “a gente vê o que quer
ver”, enfatiza a professora Vanusa. A satisfação aumenta e
realidade é outra.

     Mas a realidade é outra e não é essa. A despeito do que está
sendo ensinado ao filho, e da qualidade, o mais importante tem
sido a preocupação com a freqüência. Mesmo sob chuva,
atrasados como for, os alunos tem freqüentado a escola. No
ensino infantil esse empenho dos pais é mais visível, já que os
pequenos não conseguem ir para a escola sozinhos. Nisso a
marcação é ali, no pé. A diretora diz até ter ficado surpresa com
o nível de freqüência de alguns alunos em 2009.
17
O fenômeno se deve ao programa Bolsa-Família, que exige a
freqüência do aluno à escola como condição para o responsável
receber o benefício do governo. Agora, ao menos, os pais
mandam a criança para a escola. Mas uma das numerosas
críticas que são feitas ao programa é justamente a falta de
critérios mais rígidos para destinar o recurso. Se aumenta o
número de crianças com acesso a escola, retirando muitas delas
do trabalho infantil; e se ajuda a manter a criança na escola,
diminuindo a evasão escolar; o programa é limitadamente claro:
o aluno só precisa estar na escola.

     “Eu não sei se o recurso ajuda ou atrapalha. Fico em dúvida
se os alunos viriam ou não para a escola caso não fossem
obrigados, mas também acredito que não da para ser dessa
forma”.

     O próprio ministro da Educação, Fernando Haddad, disse em
entrevista a Folha de São Paulo em 2007 que era preciso
vincular o programa ao aprendizado, e não somente a
freqüência. Acontece que o cenário atual não é esse. E nessas
horas, a cultura, a educação e formação dos pais é que entram
em campo. O fenômeno não se limita apenas as séries iniciais,
elas só refletem este aspecto de maneira mais incômoda porque
nos oferece uma realidade ainda inalcançável: se a base era uma
18
deficiência crônica da educação brasileira, agora, que ela é
oferecida com mais qualidade e abrangência, como justificar um
possível fracasso? Sem dúvida que apesar dos pesares só o fato
da criança freqüentar desde cedo a escola já é um avanço. Mas
isso por si só não resolve, existem outros fatores que precisam
ser considerados nessa equação, e esse certo desinteresse dos
pais por uma cobrança maior acerca da qualidade da educação
dos filhos aparece como um deles. Aparece porque é uma queixa
geral e que pode minar a tão sonhada e requisitada base. Outras
escolas também relatam o mesmo problema. “Só vem aqui
quando é para saber sobre as faltas, e ainda é com desaforo”,
afirma Darsone Cordeiro.

     A despesa para manter o filho na escola pública hoje é
pequena. São programas e mais programas que distribuem desde
os livros didáticos ao transporte escolar. Os gastos dos pais são
mínimos, já não representam uma dificuldade tão grande. A
escola está aí. O que falta? Para o secretário de Educação de
Riachão do Jacuípe, o próprio Ministério da Educação tem
percebido que o que falta mesmo é esse envolvimento por parte
da família. Sem ela, a educação perde alguns dos seus pilares: o
apoio, o exemplo, a cobrança e o estímulo são alguns dos
elementos que se desvalorizam quando ela não está presente.
Em virtude desse problema, muitos programas tem se voltado
19
para o atendimento da família, como uma grande rede que tenta
cercar toda a estrutura familiar e seus integrantes. Mas nem só
isso explica. A conscientização é um passo importante, mas as
escolas precisam receber mais atenção.

     A Síntese de Indicadores Sociais do IBGE, feita com dados
da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), é
contundente. O estudo revela que 97,6% da população entre 7 e
14 anos está na escola. Um número que praticamente confere a
educação brasileira status de universalizada. Apesar disso, não
há o que comemorar. Dessas crianças, 2,1 milhões continuam
analfabetas mesmo freqüentando a escola. Em 2007, 87,2%
desses 2,1 milhões freqüentaram a escola regularmente. Nesses
números residem aqueles que não tiveram acesso a base. São
números de 2007, que não refletem por completo essas novas
mudanças. Mesmo assim são números tão expressivos quanto
preocupantes, porque bem se sabe que muitos desses tiveram
sim uma base. Se os alunos chegaram a escola, e é preciso saber
como chegaram a escola, não há dúvidas de que é preciso
conhecer o que eles acharam quando abriram a porta da escola.




20
21
IV

     Administrar uma escola não é tarefa fácil. O professor
Evando ensina Português no Colégio Maria Dagmar de Miranda
há 18 anos, em Riachão do Jacuípe, e já foi diretor dessa mesma
escola por um ano e oito meses. Quando perguntado, foi
categórico em dizer que “infelizmente, sim, já tinha sido
diretor”. A resposta não antecipava um descompromisso de sua
gestão, e sim remetia a um tempo árduo e de tarefas difíceis. “É
como se você tivesse que matar um leão por dia”, acrescentou.

     Toda a escola é financiada com dinheiro público. Os
serviços, os materiais, os consertos... Quando o dinheiro fica
retido por qualquer motivo, a direção precisa fazer aquilo que
está além das suas atribuições. Se não opta por matar um leão
por dia, terá que fazer ao menos mágica ou malabarismo. É uma
preocupação constante em pôr a casa em ordem. “Os recursos
não chegam. Então ou você deve na praça ou fica sem o serviço.
Quando não vem, tira de outro, depois repõe”. Muitas vezes,
pega o mínimo possível em um determinado local, economiza
no que pode e não compra o que não pode, mas a falta existe e
persiste. Os diretores reclamam, contam a situação na Direc
(Diretoria Regional de Educação), procuram se informar e
esperam. A demora se dá por diversas burocracias. Entre elas
22
está a do CNPJ (Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica), que é
único para todas as escolas do Estado. Com isso, se qualquer
diretor resolver gastar de maneira equivocada os recursos de sua
escola, de sua única escola, todas as demais sofrem a
conseqüência do bloqueio da conta.

     No início de 2009 o atraso foi geral nas escolas do Estado.
De março a junho faltaram materiais básicos para o aprendizado,
como folhas de ofício e recargas para as impressoras. Para não
ficar sem, a direção do Maria Dagmar resolveu comprar os
materiais com parte do dinheiro de um prêmio recebido pelo
Colégio. Gasto decidido em reunião de colegiado. Sem isso,
ficaria inviável a confecção de atividades e provas para os
alunos. Mesmo assim, tudo era muito reduzido e limitado, e
tinha que ser feito de forma controlada, no aperto.

     Não é nenhuma novidade colocar dinheiro do próprio bolso
dentro da escola. Alguns professores, como a professora Gilzete,
que ensina História também no Maria Dagmar, diz que cansa de
comprar pilotos, alugar filmes e ainda contribuir com algumas
outras atividades da escola, que precisam de ajuda. Como se
pode ver, o atraso de 2009 gerou alguns problemas, mas as
formas de enfrentá-lo já não eram nenhuma novidade. A


23
ausência de material faz com que os professores gastem do
próprio bolso para poder custear algumas atividades básicas.

     Nesses tempos de vacas magras, o professor Gabriel de
Oliveira se viu numa situação complicada. Na época, ele
ensinava História no Colégio Osvaldo Cruz, escola estadual que
fica em Riachão do Jacuípe, e pretendia aplicar duas provas para
duas turmas diferentes. Como as provas tinham em média cinco
páginas, ficou acuado com a situação. Talvez a escola não
pudesse se dar ao luxo de produzir algo tão supérfluo como uma
prova. E imaginando o não, decidiu então gastar do próprio
bolso para poder realizá-la. Para isso, adotou uma estratégia
econômica. As provas teriam que ser em dupla para reduzir o
prejuízo que teria. “No dia da atividade, eu não tive tempo,
então pedi a minha mãe que tirasse as cópias”. Dona Altamira,
mãe do professor Gabriel, acabou fazendo uma boa confusão na
hora de tirar as cópias. Ela seguiu a orientação da moça da
copiadora, que aludia e insistia que deveriam ser justamente um
número maior de cópias por se tratar de duas turmas e não
apenas uma. Convencida, Dona Altamira acabou tirando mais de
150 cópias. “A idéia era fazer em dupla, mas como ela já tinha
tirado além da conta, a prova teve que ser individual”. E foi
assim que o tempo, a dúvida e a confusão apertaram-se em

24
coincidências e vestiram a fantasia da virtude, outrora usada e
abandonada pela obrigação.

     E é assim. É difícil quando não chega, quando atrasa, mas
também não é nenhum mar de rosas quando tudo segue
normalizado durante todo o ano. Isso acontece porque os
recursos não são suficientes para se administrar uma escola, por
conta da demanda. Alguns professores relatam que não
conseguem ter um material adequado para as aulas, para cada
aluno, para cada atividade e assunto diferente. “O processo se dá
através do uso do material. Então, como o recurso acaba sendo
de algum modo escasso, o professor precisa sempre estar
perguntando se pode, quando pode, se tem. Isso atrapalha
muito”, alega Evando. Não é freqüente, mas também não chega
a ser tão incomum, as atividades terem que ser feitas em dupla
ou em trio por uma questão também econômica. E nem sempre a
mãe do professor Gabriel está aí para ajudar. São trabalhos
comuns da rotina dos alunos, mas imprescindíveis para uma
educação de qualidade. Para a professora Jocivone, “é uma
vergonha ter que colocar um número de questões X e um
número de folha X para poder fazer provas e atividades. “Prefiro
fazer no caderno”.



25
O dinheiro chega de acordo com a particularidade de cada
despesa e programa. A merenda possui seu recurso próprio, e
recebe por aluno. Até o início de 2009, apenas o ensino
fundamental recebia a merenda escolar. Isso fazia com que os
colégios apertassem os cintos, pois não podiam deixar faltar
para ninguém e eram obrigados a distribuir o pouco que já tinha
entre todas as turmas. Ampliado, o Programa Nacional de
Alimentação Escolar (PNAE) também receberá aumento em
2010. Nos próximos anos, o valor subirá de R$ 0,22 diário por
aluno para R$ 0,35.

     A manutenção é feita com recursos mais freqüentes, que
servem para custear despesas de produtos mais emergentes do
dia-a-dia e para algumas aquisições de “capital”, como a compra
de algo real para escola, que precisa ser tombado como
patrimônio. O dinheiro é curto e determinado, e quando
acontecem situações esporádicas, fora daquelas que estão
previstas no orçamento, fica sem solução. Ou a solução é muito
lenta.

     É uma questão legal que deve ser respeitada, sem dúvida
alguma. O difícil não é obedecer a essa legalidade, mas sim
saber que não existem outras formas legais previstas para
solucionar os demais problemas. Se um telhado quebra, por
26
exemplo, não tem como ser reparado de imediato. Tem que
esperar o final do ano ou algum dinheiro sobrar. Uma simples
tesoura, tão usada numa escola, também não pode ser adquirida.
Legalmente não tem recurso para este tipo de compra. Na
prática, as finanças seguem assim durante todo o ano: sem ter
como tapar buracos, muito menos fazer cortes.




27
V

     Existem diferenças administrativas de uma escola estadual
para uma escola municipal. O dinheiro que chega para as escolas
dos municípios via Fundeb é administrado pelas próprias
prefeituras. São elas que efetuam o pagamento dos professores e
administram o restante para a manutenção das escolas e outras
atividades. Quando a escola municipal não é tão grande, o
material necessário geralmente é solicitado pelos diretores à
secretaria de Educação municipal. Quando é, recebe alguns
recursos de programas federias que são administrados no
decorrer do ano. Mas precisam do apoio do município para
outras atividades, e todo o material humano funciona sob
gerencia municipal.

     As escolas estaduais têm um contato mais distante, e recebem
os repasses direto do Estado, através da secretaria de Educação
do Estado (Sec). Ao mesmo tempo em que os diretores da rede
municipal têm um contato mais próximo com a estrutura da
secretaria e com o secretário, eles possuem também menos
independência financeira, já que poucas são escolas que
recebem recursos do governo federal.




28
Essas diferenças são importantes, porque, em tese, o
município teria mais agilidade para resolver os seus problemas,
por acompanhar e vivenciar mais de perto a realidade de seus
alunos,    professores,    funcionários    e   escolas.   Mas   uma
dependência histórica na gestão dos recursos atrapalha bastante
a condução do sistema educacional. No município, o papel do
secretário de educação é o de organizar tudo aquilo que diz
respeito a sua pasta. No seu trabalho há um pouco de
administração sim, mas é difícil imaginar um secretário de
educação municipal como um verdadeiro gestor.

     Essa parte fica sob o comando das secretarias de finanças e
principalmente dos prefeitos. E por mais que o Ministério da
Educação      ofereça     cursos   de     planejamento    e   gestão,
demonstrando relativo interesse em cuidar do dinheiro e da
qualidade dos gastos, as duas cidades, não só nas suas
respectivas atuais gestões, mas ao longo da história, quase nunca
tiveram secretários de educação que assumissem completamente
as finanças, com boa autonomia.

     O papel do secretário é importante, mas geralmente fica
limitado ao de alguém que opina, sugere, discute, tenta
convencer e toma a frente de alguns projetos. Não que em
qualquer outro lugar um secretário seja completamente
29
independente e tome conta de tudo sozinho – nem na Educação
nem em qualquer outra secretaria –, mas a morosidade não
costuma casar bem com a educação, pois o tempo passa e as
deficiências trazem conseqüências que quebram a seqüência do
aprendizado. Num exemplo clássico, o secretário percebe as
necessidades e tudo aquilo que precisa ser reposto para que não
falte nada nas escolas. Faz uma lista, pede os itens e aguarda sua
análise. Infalivelmente essa reposição demora. O material
solicitado costuma chegar atrasado, prejudicando o dia-a-dia das
escolas. “Acontece de demorar 30, 40 ou 60 dias para chegar o
que a gente pediu para agora. E quando chega, ainda é aquém do
esperado”, afirma o secretário de Educação de Riachão do
Jacuípe, professor Jucemar da Costa.

     Secretária em Biritinga, Lúcia Cristina costuma passar seus
dias acompanhando e vistoriando as atividades e programas.
Realiza com freqüência reuniões com os coordenadores das
escolas e tenta discutir melhorias. O professor Jucemar da Costa
segue o mesmo dever, e disse se encontrar com o prefeito
algumas vezes para avaliar todo o processo. Em 2009, foram
quatro encontros, e em 2008, por conta da eleição, apenas dois.

     Ex-secretária de Educação em Riachão do Jacuípe, a
professora Jocivone dos Santos Morais procurou criar projetos
30
dentro das escolas. Destaca que, quando a frente de sua gestão,
incentivou bastante a qualificação dos docentes, promovendo
eventos, oficinas e palestras. Por causa das dificuldades, achava
importante o apoio e o acompanhamento pedagógico dos
professores.

     Para cada evento, era preciso recorrer ao prefeito municipal.
Tinha consciência que tudo era um pouco na base da conversa e
da negociação, mas confessa que ela própria não se interessava
em lidar com o dinheiro. “Conhecia as histórias e preferia não
me envolver”. Mas acredita que os secretários deveriam se
impor e só aceitar o cargo sob essa condição (de ter uma boa
gerencia dos recursos). Para ela, o fato de não acontecer assim
não atrapalha apenas, “impossibilita”.

     Sobre interferência política, o secretário de Educação de
Riachão do Jacuípe sentiu na pele como algumas coisas
funcionam. Certa vez, decidiu fechar uma escola situada na Vila
Guimarães, um povoado de Riachão do Jacuípe. Pensou, decidiu
e resolveu ir até a Rádio Jacuípe se pronunciar. Com o
microfone em mãos, explicou por qual motivo estava fechando a
escola. Justificou que o número de alunos era pequeno, que seria
melhor fechar a escola e transferir os alunos daquele local.


31
Quando terminou seu pronunciamento, saiu dos estúdios da
rádio com destino a sua casa. Antes de chegar lá recebeu
telefonemas de dois deputados e de três vereadores pedindo que
não fechasse a escola. “Era um ano político”, define.

     Acabou reconsiderando, e admite que errou quando quis
fechar a escola durante o ano letivo. O episódio serviu de lição,
e foi o motivador para a implementação de um sistema de pré-
matrícula já no mês de novembro.




32
VI

     A parte administrativa é importante para compreender como
funciona uma escola, com quais tipos de situações um diretor se
depara, e quais tipos de problemas ele tem que resolver. A parte
financeira da educação provoca um debate interminável. São
vários especialistas que defendem que o país gasta pouco para
formar seus alunos, e que por isso o sistema é tão sem
qualidade. Outros já creditam mais o insucesso ao “gastar mal”
do que ao montante propriamente dito. Discussões teóricas a
parte, quer elas pesem na realidade, outro fato relevante é a
fiscalização frouxa a qual estão submetidos estes recursos.

     São vários impostos e repasses que são destinados a financiar
a educação: os professores recebem salários, as escolas passam
por reformas, novos equipamentos são adquiridos, a merenda é
distribuída diariamente... Tudo isso é pago e administrado por
alguém.

     E, por se tratar de gasto público, preceitos como controle e
fiscalização são indispensáveis.

     Nas escolas do Estado, os diretores recebem uma quantidade
X de recursos (a depender do porte da escola) para cobrir as

33
despesas. A prestação deste dinheiro se dá por meio de
relatórios que são enviados as Direcs. É um sistema falho e
frágil, porque depende muito da honestidade daqueles que estão
à frente das diretorias. É uma fiscalização quase que formal, mas
sem o devido rigor de quem fiscaliza. “Você manda um relatório
com todas as despesas. Se tem algum erro, eles mandam alguma
notificação e pedem que você corrija. E só”, destaca Evando, ex-
diretor do Dagmar.

     Das Direcs, as prestações seguem para a secretaria de
Educação e, se for necessário, esta repassa para o Ministério da
Educação. As Direcs costumam devolver as prestações quando
encontram erros, preceitos e notas que não ficaram claras. Mas
nada muito além disso, que nem de perto se aproxima de uma
fiscalização mais severa.

     No geral, até mesmo pela falta de regularidade de alguns
recursos, as próprias escolas “burlam” as prestações. Quando a
despesa é urgente, a solução é pegar dinheiro do recurso que tem
e depois “maquiar” na prestação. Mais tarde, quando o outro
chega, compensa.

     Uma importante arma da sociedade contra os maus gastos
públicos na educação é o conselho fiscalizador do Fundeb.

34
Ele participa de algumas decisões referentes aos gastos e
fiscaliza-os. O acompanhamento é feito, inclusive, em algumas
obras. Tudo de fundamental interesse público.

     Mas isso não tem se mostrado muito eficiente na prática.
Apesar da proposta, o grau de envolvimento do conselho é
questionável. “Depende da liberdade que os conselheiros têm
perante as instituições que eles representam. Eles podem não
querer que os problemas detectados venham a tona, ou que
façam uso político dessas informações”, destaca Joaquim
Carneiro Lobo, professor do Estado e ex-prefeito de Biritinga.
Com isso, eventuais irregularidades com o dinheiro que deveria
ser gasto com a educação se perpetuam.

     Um levantamento feito pelo Ministério Público Federal
indica que a maioria dos atuais processos contra ex-gestores
municipais deriva de irregularidades nas áreas de educação e
saúde. Das 756 ações movidas pelo MPF e pelo Ministério
Público da Bahia, 79,2% estão relacionadas a essas duas áreas.
Mas não se tem notícia de quem tenha ressarcido os cofres
públicos.

     Um dos facilitadores desses desvios é que os repasses do
Fundeb são feitos diretamente ao município, sem intervenção.

35
Com isso, apesar da fiscalização definitiva ficar atribuída aos
Tribunais de Contas, o acompanhamento do conselho municipal
poderia agilizar algumas apurações. Mas o cenário de
impunidade desmotiva os participantes.

     O atual presidente do Conselho do Fundeb em Biritinga,
Mirivaldo Santos, empossado em outubro de 2009, disse que
ainda não realizou nenhuma reunião e que a primeira a ser feita
pode ser a da entrega do cargo. “Se for para cobrir espaço, não
compete a mim”. O acompanhamento dos gastos acaba sendo
feito de forma superficial. As notas são repassadas, mas não se
cobra detalhes nem se arquiva.

     Professora e vice-diretora do Colégio Estadual João Campos,
em Riachão do Jacuípe, a professora Janete Mascarenhas sentia
mais a presença da fiscalização. “Antes, até o pessoal do
Tribunal de Contas vinha aqui. Nos últimos anos não tem vindo
ninguém”.




36
VII

     Uma cultura arraigada, e que recai nessa ausência de
fiscalização, é a da freqüência em sala de muitos professores.
Nesse quesito, a direção escolar sempre foi a ponte de ligação
entre a Secretaria de Educação do Estado e os professores. Cabe
a direção o papel de notificar o descumprimento de algumas
obrigações por parte dos servidores, incluindo a freqüência ao
trabalho. No caso, sua presença na escola e principalmente na
sala de aula.

      Embora registre-se que os professores possuem um limite de
faltas permitidas durante um período, alguns abusam dessa
prática e deveriam ser penalizados por ela. Quando esse tipo de
situação acontece, a punição é sentida no salário, com desconto
no salário do servidor faltoso. Mas isso só pode ocorrer quando
a secretaria é notificada da ausência. As faltas até que
acontecem, o difícil são elas “descerem”, como dizem no jargão
da classe.

     Na prática, a situação é um pouco indigesta. A relação entre
as partes se dá com um misto de cumplicidade e medo.
Cumplicidade porque são todos colegas e no futuro um pode vir
a ser o “patrão” do outro. Sem contar os laços de amizade. Já o

37
medo deriva da possibilidade de desencadear uma confusão e
um mal estar difíceis de lidar. Porque não somente o afetado
toma as dores – há quem tome as dores por afeto, ligação e
outros que, bravamente, se antecipam aos infortúnios futuros.

     Complicada    ou    não,   a   situação    dá   mostras    do
comprometimento. A cultura criada a partir da impunidade é a
da permissividade. Se alguns diretores se omitem, e não querem
causar um mal estar, refestelam-se os acomodados. “Muitos
professores são irresponsáveis e negligentes. São aqueles que
acreditam e confiam na impunidade”, diz a professora Jocivone
Morais. Na mesma linha, a professora Gilzete acredita que a
direção peca no quesito cobrança “porque um colega falta e não
quer que coloque a falta”. “Mas isso tem que ser feito para gerar
alguma organização”, complementa.

     A leniência persistente traz consigo algumas conseqüências, e
uma delas é a rejeição ao seu antônimo. Se a direção resolve agir
com o devido rigor, a fama imediata dela é de exigente. Não
porque se cobra muito, mas porque se cobra. Os rumores e as
conversas deixam o ambiente pesado, criando um clima que
poucos diretores pretendem enfrentar. “Então, os novos
diretores não querem, preferem se omitir. Não querem criar esse
clima, já que antes não tinha”, diz Jocivone.
38
A professora Janete Mascarenhas, acabou assumindo
interinamente a direção do Colégio João Campos. Durante o
tempo em que passou administrando a escola, anotou e
carimbou várias faltas. Como a caderneta é única para vários
professores e alunos, todas as faltas ficam em um mesmo lugar.
Segundo ela, três dessas cadernetas que tinham muitas faltas
sumiram “misteriosamente”.

     André Mascarenhas, diretor eleito no Maria Dagmar no final
de 2008 e professor de História, diz ter tocado constantemente
no assunto nas reuniões. Com a concordância da maior parte dos
professores, principalmente a dos mais assíduos, a postura tem
sido mais dura com relação a esse tipo de comportamento. E a
aceitação nem sempre é muito boa. “A gente ouve comentários.
Alguns dizem que nunca imaginariam ver um professor da área
de humanas agindo dessa forma”.

     Infelizmente essa prática não é exclusiva da educação. É uma
mentalidade intrínseca ao próprio funcionalismo público,
manifesta também na rede pública de ensino. Em razão disso, a
cobrança geralmente é vista como algo ruim nas escolas
públicas, como um gesto de autoritarismo. É a reação do vício
ao tratamento. Se “mexe” na coisa, as reações desencadeadas
são naturais. Até por que essa não é a única situação incômoda.
39
A cobrança frágil recai sobre outros fatores, como o
envolvimento dos professores com a escola, o compromisso
geral e a qualidade das aulas. “Ou o diretor compra briga, e é
visto como um inimigo, ou faz vistas grossas, e faz de conta que
o outro ensina”, acrescenta Evando.

     Tudo isso requer da direção algum jogo de cintura ou
coragem ou negligência – só depende do perfil de cada um.

     O secretário de Educação do município de Riachão do
Jacuípe também acredita que os professores temem uns aos
outros com relação ao futuro. A possibilidade cria receios, pois
“como você vai punir seu futuro chefe?”, indaga.

     Por algumas questões como esse corporativismo entre
professores, mistura de medo, receio e até mesmo de
camaradagem, o professor Jucemar da Costa é a favor da
indicação de um funcionário do quadro, e não de um professor.

     No município, ele participa como pode da indicação dos
diretores das escolas. Em alguns casos diz que nem mesmo a
questão política pode atrapalhar, quando se trata de um
funcionário de muita competência. Fora isso, acha que a coisa
não muda muito. Secretário há três anos e professor a 20, avalia

40
que faltam professores capacitados para exercerem o cargo de
direção. “Quase nenhum professor tem feito cursos de
especialização   para   gestão   escolar,   quase   não   temos
profissionais com esse perfil”. Apesar da polêmica histórica
sobre indicação política, inclusive nas escolas do Estado, não
faz muitos rodeios na hora de dizer: “indicação ou eleição dá na
mesma coisa”.




41
VIII

     O semblante do diretor tem quase sempre aquele ar pesado de
preocupação. Não faltam coisas à resolver, à orientar, à
possibilitar... A responsabilidade de colocar uma escola com
tantos problemas para funcionar é grande. Há quem fuja, há
quem lamente já ter sido e há quem ainda queira ser.

     Nos municípios, a política local é tão mais intensa quanto
rasteira. Culturalmente, gente do grupo – seja ele qual for o
grupo, seja aquilo o que for um grupo – deve ocupar todos os
espaços possíveis. Se tudo é política, a educação jamais poderia
fazer oposição ao status quo, e justamente por isso a direção de
uma escola não escapa ilesa. São vários indicados para receber
indicação; elas partem do secretário, dos vereadores, dos
partidos e passam na mão do prefeito. Se nem sempre ele aponta
com o dedo indicador e diz “é esse”, nas outras apenas suspende
o polegar e consente, “pode ser esse”.

     O Estado da Bahia também permaneceu usando este critério
de indicação durante muito tempo. Os partidos que compunham
a base aliada do governo acabavam escolhendo os novos
diretores.


42
Foi em 2008, no segundo ano do governo Jaques Wagner,
que aconteceu uma mudança significativa nesse sentido. Em 18
de setembro foi assinado um decreto que instituía que os
diretores de escola passariam a ser eleitos pela comunidade
escolar por um tempo de três anos. Em tese, o governo abria
mão de mais de 4 mil cargos de confiança.

     A partir de então, todos os profissionais do magistério teriam
chances de se elegerem, desde que atendessem a alguns pré-
requisitos. Dentre eles, um Curso de Gestão Escolar fora
oferecido, de modo que os interessados se aperfeiçoassem para a
função. No geral, foi tudo muito depressa e corrido, e logo no
dia 24 do mesmo mês do decreto já estavam abertas as
inscrições para um curso que começaria no dia 29, com carga
horária de apenas 120h. O professor Jucemar da Costa pensa
que essa capacitação do Estado foi feita as pressas e que
“capacitou apenas para a eleição”.

     Logo no dia 17 de dezembro ocorreriam as eleições.

     Em toda a Bahia, 13.640 professores do quadro efetivo do
magistério público estadual se inscreveram no curso de gestão.
Desses, 8.368 realizaram uma prova que habilitou 5.438 para se


43
candidatarem em alguma chapa. Pronto. E a história volta para
Biritinga e Riachão do Jacuípe.

     O ambiente era favorável a opção de escolha. O universo
educacional estava um pouco saturado de esperar o fim da
eleição para governador e começar as especulações de quem
seria ou não o novo diretor. Principalmente aqueles que sabiam
não ter chance: os opositores. A proposta de colocar nas mãos
da comunidade escolar o poder de escolha, considerando até
mesmo a participação de pais e alunos, era uma forma de por
fim ao favor e ao cabresto político, dando um mínimo de
independência as escolas.

     A idéia era boa, mas não foi bem isso o que aconteceu. O
sentimento poderia ser de mudança, mas talvez a pressa, a falta
de estrutura da rede e a própria forma como se pensou as
eleições tenham prejudicado o resultado.

     Nas seis escolas estaduais de Riachão do Jacuípe e nas duas
de Biritinga o processo foi sentido. Mas aquela que mais se
aproximou de uma eleição foi o Maria Dagmar, maior colégio
das duas cidades. Certamente não foi o pleito eleitoral tão
sonhado por alguns, onde os candidatos, tolhidos de uma
deliciosa    demagogia,     proporiam   reformas    impossíveis,

44
prometeriam a construção de inesgotáveis bibliotecas e
debateriam insuflados as diretrizes de base da educação...

     No Maria Dagmar de Miranda, o professor André foi
candidato em chapa única. Elaborou suas propostas, discutiu em
sala, abriu espaço para ouvir a escola. Fez tudo isso, mas sem
adversários. Professor de História a mais de 10 anos, acabou
conquistando a confiança dos alunos e da comunidade.
Sua chapa foi legitimada. Para ele, aconteceu uma abertura
democrática por parte da direção. E frisa a importância do
resultado: “me sinto mais respeitado, com direito a vez e voz”.

     No Colégio Osvaldo Cruz, em Riachão do Jacuípe, a eleição
não aconteceu por conta de uma decisão dos próprios possíveis
candidatos. Quatro professores estavam aptos a participar da
disputa, mas, entre eles, foi consensual a manutenção da atual
diretora, Rosário Sampaio. Essa prática refletiu uma das
constatações da Coordenação de Gestão Descentralizada da
Secretaria Estadual da Educação (SEC).          Na maioria das
unidades onde os atuais diretores se candidataram, não houve
concorrentes na disputa do cargo. Por decisão de quatro, ficou
escolhido o que uma totalidade maior deveria decidir. “Mas
todos estão satisfeitos com a nova direção”, ressalta a professora
Maria Valdete, vice-diretora do colégio.
45
“As coisas    melhoraram, antes tinham diretores que
mandavam. Se achavam os donos”, complementa a professora
do Osvaldo Cruz, Lindinalva Mascarenhas. Apesar do consenso,
a decisão privou os outros segmentos de participarem de uma
eleição. No caso do Osvaldo Cruz, a comunidade foi preterida
pelo gosto de alguns.

     Mas de todos, nem um caso foi tão frustrado quanto o do
Colégio João Campos. Os dias que antecederam as eleições
foram cheios de requintes eleitorais. Três candidatos. O clima
era de disputa, e alguns alunos se manifestavam favoráveis a
candidato A, B e C com aquela efervescência natural dessas
horas. Passaram-se os dias e os bate-bocas. No dia da eleição
mesmo, tudo transcorria normalmente. Uns votavam, outros
também e outros nem sequer sonhavam em ir lá.

     Perto do fim da eleição, as luzes simplesmente se apagaram.
A energia foi cessada e a aflição tomou conta da escola. Não
sabiam o que se passava, até um aluno enfim passar com a urna
da eleição.

     A secretária do Colégio João Campos, Eliete Boa Hora,
testemunha que tudo ocorria normalmente, com documento e
tudo o mais que fosse preciso. “E de repente houve uma

46
reviravolta”. Com o tumulto gerado, a polícia foi chamada para
apreender a urna, que foi resgatada na Polícia Militar dois dias
depois do acontecido. O caso foi parar na justiça.

     Com isso, as vices-diretores acabaram assumindo o colégio
interinamente. Em seguida, teve outras tentativas de nomear
diretores, mas sem sucesso.

     Após certa conturbação, Maria Rosário de Almeida foi
nomeada diretora, mas isso sem antes o colégio não ter passado
por dias difíceis de instabilidade política e murmúrios sobre
quem seria o novo indicado para o cargo. Preocupados com a
situação da escola e desgastados com o clima, alguns
professores resolveram convocar reuniões com o diretório
petista local e pôr uma pedra nesse problema. Após muita
discussão, o nome de Maria do Rosário apareceu como
consenso. Ainda assim, a decisão não foi tomada de imediato.
Teve diretor nomeado e com nomeação anulada num intervalo
de dois dias. Motivo, esclarece o documento: “publicação
indevida”. Só no final de 2009, com a nomeação da professora
Maria do Rosário, que o colégio passou a ganhar aspectos mais
tranqüilos. Mas todo o tumulto prejudicou o ano de 2009.




47
Com todos esses problemas, as eleições passaram. O
processo tão desejado fora posto em prática e agora só restava
ao governo empossar os, até que fim, eleitos. A cerimônia
aconteceu em 16 de janeiro de 2009 e fora transmitida em
videoconferência para os municípios pólos da rede de educação.
Esse evento representava o marco inicial de uma proposta
política que resultou na eleição de 2.154 novos diretores e vice-
diretores que conduziriam os rumos das escolas públicas
estaduais da Bahia. Embora a idéia fosse bem recebida pela
comunidade escolar, o saldo não foi tão positivo assim, e serviu
para expor muitas deficiências que vieram a tona a partir dessa
iniciativa. Números divulgados pela Secretária de Educação
mostram que em apenas 1.001 das 1.681 escolas estaduais
ocorreu algum tipo de eleição. Isso porque o próprio decreto já
deixava de fora 114 escolas – as prisionais, creches e de 1ª à 4ª
série. Em outras 447 escolas, algumas situações impediram a
realização de qualquer eleição. Por decisões internas dos
professores ou outros fatores, houve ausência de chapas em
algumas instituições.

     Outro motivo não menos grave foi a existência de escolas em
que candidatos sequer foram aprovados no processo seletivo.
Ninguém tinha condições de assumi-las, ao menos entre os que
se candidataram.
48
Tudo isso posto, 1001 comunidades escolares puderam
escolher seus respectivos representantes. Puderam, mas ainda
assim em 101 delas as eleições foram invalidadas por não terem
atendido as exigências mínimas de representação. Válidas
mesmo, só em 900. Mas esse número ainda engloba aquelas em
que a eleição foi apenas um burocrático processo de validação,
com candidato único.

     Algumas lições puderam ser tiradas dessa jornada. Muitas
regiões apresentam deficiências impossíveis de serem sanadas
simplesmente com eleições. A maior prova disso é que nem
mesmo o titubeante dedo político tornou-se obsoleto. Aquela
idéia de dar “autonomia” a comunidade escolar esbarrou na
própria incapacidade de algumas escolas de serem autônomas. E
a direção acabou sendo mesmo indicada, ”segundo critérios
compatíveis com os exigidos para a escolha dos dirigentes
eleitos”, ressaltou em nota a Secretaria de Educação.

     A professora Maria Valdete, do Osvaldo Cruz, acha que o
novo sistema implantado é melhor do que o da indicação
política, “porque dá oportunidade para quem quiser se
candidatar”. Como todo processo democrático, esse também
carece de tempo. Os envolvidos aprenderão a melhor usar a
ferramenta que têm em mãos, aperfeiçoando o sistema. Mas não
49
parece que isso por si só resolva. Ainda que legítimos, diretores
ainda podem ser incompetentes, pois falta gente qualificada para
ocupar o cargo.

     E mesmo com bons eleitos, boa parte dos problemas das
escolas ainda permanecerá. Só que, agora, será escolhido
democraticamente quem terá o semblante de preocupação...




50
IX

     Para os alunos a mudança não foi assim tão radical. Afinal,
diretores já entravam e saiam anteriormente. A impressão que
eles possuem é que pouco ou nada mudou. Transcorrido um ano
de gestão democrática, a escola continua lá, quase a mesma. Em
parte porque o processo não foi assim tão bem sucedido. Mas
ainda que as eleições tivessem ocorrido no mais alto grau de
sucesso, a transformação seria pequena. As escolas sempre
tiveram direção, e ainda que indicados, muitos tinham
competência e deram sua contribuição como puderam. É que
algumas questões vão mais além. E se não estão alheios a este
processo político, os estudantes querem mesmo é saber da
escola funcionando. Das coisas andando. Sabem que todos esses
problemas     que    assolam   a    educação   não   são   suas
responsabilidades. Pecam no zelo, é verdade, mas a eles não
compete resolver nem administrar nada. Eles só recebem o que
lhes dão.

     Maiores prejudicados por políticas públicas equivocadas, os
estudantes nem sempre são as vítimas da história. Pilhas de
cadeiras quebradas e inutilizadas são testemunhas de um
pernicioso vandalismo. Ali empilhadas, constituem uma espécie
de monumento da má educação. Se os alunos só recebem aquilo
51
que lhes dão, muitos fazem arte com aquilo que lhes é dado.
Tem quem ache bonito. Tem quem fique de pé.

     Assim sendo, os próprios estudantes percebem que em alguns
pontos a escola se esforça, mas eles é que falham. As cadeiras,
por exemplo, quase sempre são encontradas em bom estado no
início do ano e quebram depois. Segundo o secretário de
Educação de Riachão do Jacuípe, em 2009, 1400 cadeiras foram
quebradas. Um número considerado alto por ele. Nas escolas do
Estado, as pilhas também são intermináveis. Além dessa
deterioração do patrimônio, diariamente eles convivem com a
manutenção precária de alguns serviços. Alguns alunos afirmam
que os banheiros estão recorrentemente sujos, mas muito por
conta da falta de educação dos próprios colegas. Limpos, quase
sempre eles encontram. O ambiente escolar reflete boa parcela
dos problemas sociais. São características inerentes a sociedade
e que a escola acaba recebendo, sem ter como resolvê-los. Os
professores apontam que a situação vem piorando nos últimos
anos, principalmente no que se refere ao respeito. Não raro,
ouvem frases que bem define essas linhas, e uma delas é
bastante significativa: “eu não obedeço meu pai e minha mãe,
imagine você”. O resto não é difícil de imaginar.



52
O professor André Carvalho, diretor do Maria Dagmar de
Miranda, acredita na importância da escola para o aluno,
principalmente para aqueles que são excluídos socialmente. “A
escola é justamente esse lugar para receber o aluno”, definiu.
Sobre a dificuldade de lidar e contornar certos tipos de
situações, disse que um dia recebeu um aluno bastante
problemático. “Ele já tinha sido rejeitado de várias escolas, por
conta do comportamento”. Apesar de tudo, topou o desafio. E
não bastou mais do que o primeiro dia de aula para que o aluno
mostrasse o seu cartão de visita. Soltou uma bomba bem no
meio do pátio da escola. A atitude do professor André foi
chamá-lo para uma conversa. Tentou fazê-lo enxergar um pouco
da realidade e qual o rumo ele estava dando a sua vida. “Eu tive
uma conversa dura com ele, e ele aprendeu a lição”.

     Ensinando a mais de 20 anos, a professora Maria Valdete
constata que o respeito tem diminuído. “A primeira educação,
que é a da família, não está sendo boa”, afirma. Para muitos, o
perfil da família é que tem mudado, e hoje elas estão mais
desestruturadas. Katiane Brito é psicóloga no Centro de
Referência de Assistência Social (CRAS), onde desenvolve um
trabalho de assistência às famílias, principalmente às mais
pobres. Para ela, mesmo uma estrutura familiar composta por
pai e mãe não garante um bom relacionamento. “O importante é
53
que exista um ambiente familiar saudável em diversos sentidos.
Mesmo quando não se tenha a figura do pai ou da mãe, ou de
nenhum dos dois, alguém pode substituí-los com êxito”. Há
quase quatro anos atendendo nos CRAS, disse que os Centros,
ainda que não atuem diretamente nessa área, acabam recebendo
várias demandas relacionadas ao processo de aprendizagem. E o
diagnóstico muitas vezes acaba sendo diferente. “Na maioria das
vezes, isso acaba sendo apenas o primeiro plano. Quando vamos
verificar a situação a fundo, encontramos vários problemas e
uma estrutura familiar fragilizada”. Sobre o respeito, destaca
que as regras estabelecidas em casa são fundamentais para pôr
limites na criança. “Se a criança não tiver respeito dentro de
casa, não terá nem na escola nem em outro lugar”.

     Constatações como essas não podem simplesmente passar
despercebidas. Mas é importante também reconhecer onde
terminam os problemas sociais, trazidos pelos estudantes, e onde
começam os da escola. São fatores que se associam para
apresentar uma realidade. Mas o descaso, o trabalho mal feito e
a incompetência não ganham respaldo por conta das
problemáticas sociais. A princípio, a escola pública tem que
melhorar muito para poder culpar unicamente os males externos.
E alguns pontos ajudam a tornar esse discurso fraco.

54
Uma prática não muito incomum é a de dar “um jeitinho” na
nota do aluno. Quando ele perde por falta uma prova, uma
atividade, ou o que for, alguns professores fazem transferência
de nota de uma unidade para outra ou de uma atividade para
outra. A nota migra simplesmente para que não seja feita uma
nova avaliação. A impressão é que tanto faz. Nesse exemplo,
como em outras situações, difícil é crer na desigualdade social
ou na desestrutura familiar como elemento formador dessa
circunstância. O que mais parece é o que mais é:
descompromisso.

     Isso quando o descompromisso é individual. Mas quando
acontece de faltar professor na escola, por não conseguir
contratação, a direção “dobra” a nota do aluno. O aluno não
pode ser reprovado numa matéria que não teve professor
naquela unidade. E fica apenas com a nota.

     Tanto faz também quem assiste aula. Alguns alunos relatam
que muitos professores não estão preocupados com quem entra
ou sai da sala. “Eles nem colocam falta”, diz uma aluna do
Dagmar. Assim eles vão entrando, saindo, entrando, saindo, ou
nem entram: amontoam-se em conversas. A professora Gilzete
entende que muitos professores não se dão o respeito. “Eles
deveriam se impor, mas não se impõem”. O resultado é que
55
alguns alunos sentem falta de mais rigor e de mais rigidez, ao
passo que admitem pecarem no interesse. “Se fossem mais
rígidos, acho que nos preocuparíamos mais”, admite a aluna. Já
para justificar esse comportamento ruim, dão as mais singelas
explicações, e elas vão desde os dias em que “está difícil assistir
aula” até os professores ruins. “Muitos enrolam e não ensinam
nada”, diz Naiane, aluna do 2º ano do Maria Dagmar. Se
professor não liga para aluno que entra e sai, tem aluno que trata
de não sair, como Jéssica Aparecida. Em 2009, ela concluiu o
segundo ano do ensino médio no Colégio Estadual João
Campos, em Riachão do Jacuípe. Diz que ama a escola, e
acredita que os professores se esforçam como podem. “Acho
que o professor quer que o aluno aprenda”. E, no geral, a escola
cobra, a direção fica a vagar pelos corredores pedindo que os
alunos retornem para as salas. Só que tem funcionado muito na
base do quem quer. A professora Lea Cristina, do Maria
Dagmar, se indaga sobre a situação atual do ensino. “Antes o
aluno era completamente diferente. Mas não sei se foi também o
ensino que mudou. Algo mudou. O aluno se preocupa muito
com a nota”, conclui.




56
X

     O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira (Inep) tem sido um importante aliado da
educação brasileira nos últimos anos. Através de estudos,
pesquisas e exames tem organizado estatisticamente os dados da
educação     nacional   e   proporcionado     uma   leitura   mais
compreensiva acerca da realidade vivida em nossas escolas. A
relevância dessas informações tem possibilitado ao país
enxergar seus problemas e posteriormente formular políticas
públicas condizentes com as carências de cada modalidade e
região. E uma das formas adotadas para se obter tais
informações foram os sistemas de avaliação de ensino, que
passaram a medir o grau de conhecimento do estudante
brasileiro através de aplicação de provas.

     O Sistema de Avaliação da Educação Básica, hoje, é
composto pela Prova Brasil e o               Saeb, dois exames
complementares que produzem amostragens diferentes; o Enem,
exame nacional do ensino médio, também mudou ao longo do
tempo, e recentemente tornou-se mais parecido com um grande
vestibular do que com uma prova de caráter avaliativo; o Enade,
antigo “Provão”, avalia os estudantes de nível superior.


57
Esses instrumentos têm mostrado ao país quão deficitário
continua o nosso sistema educacional em alguns pontos. Os
assustadores números da Prova Brasil de 2007 mostram que a
qualidade não ocupa nem o segundo plano das prioridades de
nossas escolas. A verdade é que os números expõem o atraso e
um longo caminho a ser percorrido na medida em que
escancaram a trágica qualidade do ensino.

     Em Biritinga e Riachão do Jacuípe, vários estudantes foram
submetidos à Prova. Como o objetivo é medir o grau de
conhecimento dos alunos, ela é aplicada aos estudantes das
séries inicias e finais do ensino fundamental: para os que estão
na 4ª e 8ª séries (ensino fundamental de 8 anos) e os que estão
no 5º e 9º (novo ensino fundamental de 9 anos) em turmas de
pelo menos 20 alunos matriculados. As instituições de ensino
não se inscrevem para participar do exame. O Inep, baseado nos
dados do Censo da Educação Básica, define automaticamente
aquelas que irão.

     Na prova em si, o estudante se depara com questões básicas e
essenciais de Língua Portuguesa e Matemática, que testam sua
capacidade de resolver alguns problemas e sua compreensão de
leitura. Em Riachão do Jacuípe, três escolas estaduais e seis
municipais tiveram seus alunos avaliados pela Prova Brasil.
58
Uma amostra que contou com 175 estudantes da quarta série e
220 da oitava, entre alunos do Estado e do município. Em
Biritinga, só os alunos da Escola Municipal Eujacio Simões é
que testaram o nível da quarta série da cidade. Num total de 84.
Entre os estudantes da oitava série, 106 estavam matriculados no
Colégio Municipal de Biritinga e outros 52 estudavam nas duas
escolas biritinguenses do Estado.

     Os resultados indagam e engasgam. A organização Todos
Pela Educação estabeleceu cinco metas que devem ser
alcançadas pelo país até 7 de setembro de 2022. Entre elas, a
Meta número três destaca o direito que o aluno tem de aprender.
Para medir tal procedimento e monitorá-lo durante os próximos
anos, definiu as notas ideais que os alunos devem tirar na Prova
Brasil/Saeb. Como são provas iguais para séries diferentes,
adotou patamares diferentes para cada série e matéria. Num
exemplo, o aluno de quarta série só terá aprendido o que é
essencial em Português se tirou nota superior a 200 pontos. O
aluno da oitava, obviamente, é mais cobrado, e precisa de 275
pontos.

     Munidos desses dados, acompanham e divulgam no site
oficial da organização a situação de cada cidade brasileira,
incluindo Biritinga e Riachão do Jacuípe. A idéia é que até 2022
59
70% ou mais dos alunos tenham um aprendizado adequado à sua
série. Ao que parece, pelos números atuais, será uma tarefa
bastante difícil.

     Segundo os números da Prova Brasil, tendo como parâmetro
as medidas definidas pelo Movimento Todos Pela Educação
(adotadas pelo próprio Ministério da Educação), 5,5% dos
alunos da oitava série de Riachão do Jacuípe aprenderam o que
deles era esperado em Matemática. E pode ser pior. Na mesma
matéria, 4,6% dos alunos da quarta série obtiveram um resultado
apropriado. Isso quer dizer que 95,4% dos pequenos alunos não
aprenderam aquilo que deveriam. É o direito de ir à escola que
não dá carona ao direito de aprender. Na cidade, a coisa nunca
não melhora muito, e o melhor resultado é um acanhando 15%
em Língua Portuguesa, dos alunos da oitava série.

     Em Biritinga, a situação melhora um pouco, mas também não
insinua sorrir. Na 4ª série, os percentuais são de 26,2% e 20,2%
para Língua Portuguesa e Matemática, respectivamente.
Percentuais comparados aos nacionais, que incluem, por
abrangerem a mostra do Saeb, até mesmo as escolas
particulares. A fundo, os números por si só não revelam tudo.
Vale lembrar que são números referentes apenas aos 84 alunos
do Eujacio Simões, escola municipal de Biritinga. Realidade
60
ruim, mas ainda assim positiva, soa confusa quando comparada
com as séries finais. Na 8ª, o desempenho cai para 15,2% e
5,1%, respectivamente.

     A esmagadora maioria não tem aprendido o suficiente nas
escolas brasileiras. Nem em Biritinga nem em Riachão do
Jacuípe.

     São números que comungam com a realidade apresentada
pela PNAD, que demonstram muitos alunos analfabetos mesmo
freqüentando a escola.

     Mais populares, os dados do Enem são divulgados todos os
anos e medem a qualidade do ensino médio. A notícia mais
associada à divulgação desses números é a disparidade entre as
escolas particulares e as escolas públicas. Num ranking
organizado pelo jornal Folha de São Paulo, que reunia quase 2
mil colégios com os melhores resultados do Enem 2008, apenas
151 eram públicos, incluindo 83 federais, considerados uma
elite dentro do sistema.

     No ranking geral, com mais de 27 mil colégios, o primeiro
colégio público baiano tradicional que aparece é o Municipal
Dr. João Paim, de São Sebastião do Passé. Sua posição: 2.672.

61
Entre as duas cidades, o estadual Professor Dídimo M. Rios, de
Riachão do Jacuípe, é quem melhor figura, mas apenas na
posição 13.448.

     Esse tipo de avaliação não mede apenas a qualidade da
escola, mas de todo o ensino e as partes envolvidas. O nível dos
alunos, dos professores, dos pais e até mesmo das políticas e
estratégias adotadas.

     O aprendizado é proporcionando por vários componentes, por
isso o professor Evando acredita que o sistema de avaliação por
provas é útil, mas que poder ir mais além. “Não sou contra, mas
também não vou dizer que é realmente eficaz, existem outras
formas. Mas sei que hoje é a única”. O Enem é realizado todos
os anos e a Prova Brasil/Saeb em dois em dois. Já no fim de
2009, os estudantes da educação básica se depararam novamente
com a avaliação. Os resultados estão previstos para julho de
2010.




62
XI

     Boa ou ruim, saudosa ou traumática, poucos são aqueles que
na vida não carregam uma marcante lembrança dos tempos de
escola. Para alguns, a experiência de estudar foi tão significante
que despertara o desejo de ensinar. Meninas de outrora, algumas
professoras têm boas lembranças dos anos de estudantes. A
professora Maria do Rosário é uma delas. Hoje diretora do
Colégio João Campos, se considera uma felizarda por ter tido
uma excelente professora nas séries iniciais. “Ela era uma
professora de mão cheia”, orgulha-se. Essa boa referência fez da
antiga mestra um ídolo, e da pequena aprendiz, uma educadora.
Assim, outras também sonharam com a profissão, e tinham a
genuína vontade de estarem à frente de uma sala. A professora
Lindinalva achava a profissão muito bonita. “Quando menor, eu
brincava de ser professora”. E apesar de ter conseguido, lamenta
a situação atual, e não esconde querer se aposentar. “Hoje, estou
desiludida”.

     Por diversos motivos, a profissão está pouco atrativa e boa
parte dos profissionais da área se queixam da desvalorização. A
ausência de um bom plano de carreira, a carga horária pesada e
os salários baixos são as deficiências mais comuns apontadas
por aqueles que acreditam na falta de reconhecimento da
63
profissão. No Brasil, cada vez menos estudantes têm optado em
seguir a carreira de professor. De acordo com dados do
Ministério da Educação, o número de alunos se formando em
cursos de licenciatura tem caído nos últimos anos.

     Em 2006, houve uma queda de 9,3% do número de alunos
que se formaram naquele ano com relação aos que se formaram
em 2005. De 2006 para 2007, a queda continuou. O número foi
4,5% menor. O baixo salário tem formado menos estudantes e
atraído profissionais ruins. E o desprestígio da classe é ainda
maior no Nordeste, que conta com a pior média de salários de
todo o país. O MEC elaborou um levantamento com dados da
PNAD de 2008 referente aos ganhos dos professores da
educação básica. Padronizando a carga horária em 40 horas, o
resultado foi uma média nacional de R$ 1.527 mensais. Em todo
o Nordeste, apenas o Estado de Sergipe oferece ganhos
superiores a média nacional. E os oito Estados restantes são
simplesmente os donos das oito piores médias do país, com a
Bahia amargurando uma média salarial de R$ 1.136 – a quarta
pior do Brasil.

     Apesar dessa evidência, a questão divide muitos profissionais
da área na região. Até porque, como o custo de vida varia de
cidade para cidade, o poder de compra e o padrão de vida de
64
cada professor altera-se de acordo com a realidade econômica
em que vivem. Um mesmo salário pode ser ruim numa cidade
como Salvador, capital do Estado, mas no mínimo razoável em
cidades do porte de Biritinga e Riachão do Jacuípe. E embora
seja unânime que os professores deveriam ganhar mais, a
“desculpa” do salário nem sempre procede, principalmente para
justificar um baixo rendimento.

     “Existem muitos professores que ganham miséria e fazem
ótimos trabalhos. Não é só o salário, é estímulo”, atesta a ex-
secretária de Educação de Riachão do Jacuípe, Jocivone Morais.
Ela ainda acrescenta que muitos profissionais não têm mesmo é
compromisso e vocação.

     Muitas vezes, por conta da carga horária pesada, da
responsabilidade de ensinar e da própria sensação de abandono,
todos os problemas misturam-se e o salário acaba sobressaindo-
se como a mais genérica das queixas. “Essa coisa de ganhar mal,
eles pegam o discurso no ar. Mal, mal, não ganham. O professor
é que não é comprometido. Não se trata de salário, mas do
profissional”, argumenta Evando. A professora Gilzete vai um
pouco mais além e indaga sobre a escolha e a responsabilidade
de cada um. “O professor sabe muito bem o quanto que vai
ganhar no momento em que se inscreve no concurso. Se ele faz
65
uma escolha errada, que culpa o aluno tem disso? É o aluno que
tem que pagar por ela?”.

     Lea Cristina é formada em Biologia, e ensina a pouco mais
de seis anos. Para ela, o professor está na base de todas as
formações e deveria ser mais valorizado. Alega que, comparada
com outras profissões, a de professor não é tão cobiçada por
conta do baixo salário. “Ela tem muita importância e deveria ser
reconhecida”.

     Certamente,   bons    salários   atrairiam   pessoas   mais
qualificadas, e seguraria alguns jovens professores interessados,
mas que ficam desencorajados com as atuais condições. Gente
de qualidade que pode e quer mais acaba buscando outros meios
mais prósperos de sobrevivência, e em muitos casos
abandonando a educação. O professor Gabriel de Oliveira, 26
anos, é formado em História e ensina a mais de 6 em escolas
públicas, cursinhos e colégios particulares. No geral, acredita
que o professor não ganha bem e projeta seu futuro. “Não quero
parar de dar aula, mas também não quero viver do salário
exclusivo de professor”. Um estudo financiado pela Fundação
Lemann e pelo Instituto Futuro Brasil mostrou que apenas 5%
dos melhores estudantes do ensino médio escolhem a árdua
missão de ser professor do ensino básico. O perfil dos alunos
66
que escolhem ser professor tem mudado tanto, que alguns cursos
superiores têm oferecido meios de suprir algumas defasagens
que os alunos demonstram ao entrarem na faculdade. Com a
queda do nível, por conta do salário pouco atrativo, da perda do
respeito e do reconhecimento profissional, aqueles sem
perspectivas em outras áreas mais rentáveis estão optando pela
educação. E muitos alunos ao invés de encontrarem a professora
“de mão cheia” que encontrou a professora Maria Rosário,
acabarão achando um profissional frustrado e ressentido, “sem
vocação”.

     E que se pondere os males que tal profissional possa trazer a
formação de alguém, a justiça solicita uma pequena nota: a
incompetência reparte com todas as áreas o sacrifício do não
saber. Se na educação isso pesa por que quem quase nada sabe
quase nada tem para ensinar, tem engenheiro que não se atreve a
entrar em casa que ergueu.




67
XII

     Nos pátios das escolas, os alunos circulam em busca de suas
missões. Muito que fazer. Vão ao banheiro, ao bebedouro, a
secretaria... Se batem, se falam, se olham. E circulam.

     De vez em quando, a química trata de juntar as rodinhas, mas
o assunto provável está mais para a trama da novela do que o
diagrama de Linus Pauling...

     Em momentos assim, o que acontece está muito ligado a
ausência de professores: os que deveriam ir e não vão, os que
estão na sala como se não estivessem e os que não existem. No
início do ano de 2009, as escolas estaduais apresentavam um
déficit de 7.510 professores. Pouco mais de 2 mil foram
contratados via Regime Especial de Direito Administrativo
(REDA) e mais de 5 mil vagas ficaram sem ser preenchidas.
Uma situação que agride mais uma escola do que outra, por
conta do contingente e da ocorrência natural de desfalques
durante o ano letivo. Com as férias, as aposentadorias, as
licenças médicas e até mesmo os falecimentos o regime de
contração temporária torna-se uma importante ferramenta para o
preenchimento de vagas e solução imediata desses problemas.
Acontece que nem sempre é assim que acontece, e outras

68
peculiaridades continuam assessorando as já muitas deficiências
da rede de ensino.

     Alguns diretores alertam que antes a coisa era um pouco pior.
A     criação    da   possibilidade   de   contratar   estagiários
temporariamente não dirimiu esta deficiência, mas ao mesmo
tempo atenuou a situação de algumas escolas. Todo ano,
atendendo a solicitação da própria secretaria, os colégios da rede
estadual enviam uma relação com o número de professores que
faltam para cada disciplina. Mas a coisa fica na mesma no que
diz respeito ao quadro efetivo. As aposentadorias, licenças e
outras situações alimentam uma instabilidade na hora de
organizar os horários das escolas, que contam com um corpo
docente próprio e uma realidade que varia de instituição para
instituição.

     Contratar um estagiário pode ser um processo mais simples e
menos oneroso para o Estado. O governo alega, inclusive, que
há urgência na contratação do pessoal para não deixar o ano
letivo prejudicado. O que se exige é que eles tenham pelo menos
o nível médio para poder lecionar no ensino fundamental e
estarem cursando no mínimo o quinto semestre da faculdade
para lecionarem no ensino médio.


69
Mas a falta de interesse de estudantes em determinadas áreas
resulta na criação de um contingente pequeno para atender a
demanda das escolas. O salário e as condições de trabalho pouco
atraem e nem sempre se consegue encontrar interessados.

     Graças a própria dinâmica da profissão, o Colégio João
Campos enfrentou em 2009 um dos piores anos com relação a
ausência de professores. É o que assegura a professora Janete,
vice-diretora da escola. A dificuldade surgiu na hora de
contratar pessoas que atendessem as exigências, tivessem
disponibilidade e interesse. Em alguns casos, o entrave já
aparece no horário necessitado pela escola e o horário de aula do
universitário. Já em outros, quando o estudante não reside na
cidade, o custo-benefício do salário recebido com os gastos de
transporte e alimentação é que acabam não valendo a pena. Por
tanto, diante da falta de alguém que pudesse lecionar a disciplina
de Língua Inglesa, a direção encaminhou no mês de setembro
para a Direc II, em Feira de Santana, uma solicitação
demandando a carência desse profissional. Quem intermedia
essa contratação é o Instituo Euvaldo Lodi (IEL), especializado
em seleção de estagiários. Sabendo da vaga, a empresa consulta
o seu cadastro e procura os candidatos com o perfil necessário
para fazer a seleção. Mas nem sempre acha interessados.

70
Tempos depois, enviou uma resposta nada satisfatória. Um
simples e-mail justificava que não tinha conseguido estudantes
com disponibilidade de deslocamento.

     Pronto. Fica sem. E fica sem mesmo. Só no final do ano, após
dois meses, é que um antigo professor da casa, que não é
formado em inglês, foi contratado temporariamente. A vice-
diretora pediu que fossem feitas atividades para não dar notas
aos alunos de graça. Ainda no mesmo colégio, em 2009, faltou
professor de Física por 3 meses, pois nenhum dos efetivos é
formado na disciplina.

     Como só pode contratar em definitivo por meio de concurso,
o poder público não conta com a flexibilidade natural das
escolas particulares, que praticamente estão dispensadas de
burocracias e substituem seus professores quando bem entende a
precisão. O REDA é uma forma de dar agilidade, mas sua
aplicação nem sempre é eficiente. Falta concurso para que não
faltem professores.

     Em 3 de dezembro de 2009 o Tribunal de Justiça da Bahia
decidiu que todos os aprovados no concurso realizado em 2006
para professores Classe III e coordenadores pedagógicos tinham
o direito de serem nomeados até maio de 2010, prazo de

71
validade do concurso. Na época, a secretaria de Educação
rechaçou as críticas e minimizou a decisão do Tribunal, que
determinava o preenchimento de todas as vagas abertas no
edital. O secretário de Educação da Bahia, Osvaldo Barreto, deu
entrevistas defendendo a contratação via REDA, considerada
por ele um tipo de contração necessária. Defendeu que há casos
de urgência, em regiões onde há carência de profissionais
efetivos formados em algumas áreas específicas. Ressaltou que
dos 3.769 professores selecionados no concurso, apenas 324
ainda não haviam sido convocados, e que um novo concurso já
estava sendo preparado para o início de 2010, com 3.200 vagas.
Mas as críticas não pararam.

     A ausência de coordenadores pedagógicos nas escolas
públicas estaduais é motivo de queixa de 10 a cada 10
professores. Mas, mesmo assim, a secretaria sinalizou após a
decisão do Tribunal que contrataria apenas 246 coordenadores
das 800 vagas constantes no edital. Em entrevista ao jornal A
Tarde, Barreto explicou que não seriam necessários tantos
coordenadores pedagógicos para atender o projeto proposto pela
secretaria.   Em   algumas     cidades   pequenas,   um   único
coordenador seria o responsável por mais de uma escola.



72
A contratação de pessoal não acontece assim de uma hora
para outra. O poder público tem responsabilidades fiscais e os
gastos com funcionários não podem simplesmente exorbitar. É
preciso ter um orçamento previsto que englobe a contração dos
novos contratados.

     Mas se o Estado já apresenta um déficit de professores e
coordenadores, não parece que tenha muito mais o quê se
esperar a não ser a definição de suas prioridades. Professores
não deixarão de tirar licenças, aposentadorias, ou abandonar, por
motivos diversos, a profissão. Se esta reposição não é tratada
como prioridade, o que resta a escola fazer? Pode remanejar
dentro do próprio quadro (quando possível for) ou pedir um
novo profissional temporário, em caráter de urgência, quando
urgência tiver. Só que o que acontece, em verdade, é que os
contratados temporariamente estão sempre presentes, porque
mais baratos. Mas como recebem pouco, eles terminam
buscando outras opções, gerando uma nova instabilidade na
escola.

     Se não pode contratar quem quer, por conta dos impasses
burocráticos, provavelmente a solução passaria por uma
contratação mais apropriada, com base no que realmente
precisa, e feita com mais freqüência. Desse modo, as vagas que
73
fossem aparecendo poderiam ser preenchidas por ocupantes do
cadastro de reserva, que aos poucos iriam se tornando efetivos.
Só que novos concursos surgem, mesmo que raros, quando o
déficit até já aumentou. Medidas sérias e prioritárias precisam
ser tomadas para que desfalques recorrentes não signifiquem
perdas irreparáveis no aprendizado do aluno. Misturar a
burocracia para contratar com a incompetência para planejar
pode ser fatal. E o aluno não escapa. A aprendizagem não
sobrevive. E a falta de professor é a fratura exposta dessa
educação acidentada.




74
XIII

     Outra situação incômoda a qual estão submetidos muitos
alunos, é a triste constatação de que alguns professores são
deslocados para ensinar o que não sabem. Historicamente,
alguns cursos formam menos profissionais. Isso, somando-se ao
salário – que nem sempre consegue competir com as outras
ofertas de emprego existentes no mercado –, acaba deixando a
rede pública de ensino com uma carência crônica de professores
em algumas disciplinas. Segundo dados do Censo Escolar de
2007, a situação é mais grave nas séries finais do ensino
fundamental. Em todas as principais matérias que contemplam o
currículo escolar dos alunos, ao menos 10% dos professores de
nível superior ensinam sem a devida licença. Em Física, por
exemplo, esse número chega a 16,82% do total. No ensino
médio, a mesma disciplina piora um pouco, e 16,90% dos
professores ensinam sem licença. Apesar de a situação amenizar
um pouco nessa etapa do ensino, com mais professores
lecionando com licença, matérias como Química e Matemática
ainda apresentam dificuldades.

     Nas escolas municipais de Biritinga, 114 dos 267 professores
efetivos são graduados. No antigo ginásio, correspondente as


75
séries finais do ensino fundamental, 15 professores lecionam
disciplinas na qual estão habilitados.

     Dados, muitas vezes, não expõem histórias. A professora
Diacuy Cordeiro Lima, é professora em Biritinga a 10 anos.
Formada em Letras com Língua Portuguesa pela Universidade
do Estado da Bahia (Uneb), nunca se sentiu realmente preparada
para ensinar a matéria nas escolas. Em Biritinga, só ensinou
Português no primeiro ano que entrou, mas logo pediu que lhe
colocassem para ensinar Matemática. Desde então, ninguém a
conhece por outra coisa a não ser como professora de
Matemática. “Eu gosto de Matemática e tenho condições de
ensinar bem a matéria. Sinto-me segura. Segurança que não
tenho para ensinar Português”, admite.

     Formação nem sempre é garantia. Um bom número de
professores sabe ensinar bem mesmo sem nunca ter feito
faculdade ou um curso específico para aquela disciplina.
Contudo, a carência não é uma invenção, mas um retrato da
realidade. Tal aspecto aparece sempre quando é necessário
compor o quadro de aulas e a carga horária dos professores.
“Sempre tem um professor que acaba pegando uma matéria que
não quer”, afirma Janete Mascarenhas.


76
Quando essa escassez de alguns profissionais especializados
atinge a escola, a solução encontrada é um balanceamento, de
modo que prejudique o aluno o menos possível. Os diretores
elencam todo o corpo docente e tentam de todas as formas
construírem uma grade adequada, de acordo com a série, o nível,
a disciplina e o horário. “Mas chega um momento que você não
tem escolha”, garante Evando. Os professores “especialistas”
ficam onde pede especialidade, e os que não possuem,
“descem”. As vagas que sobram são destinadas àqueles que têm
mais inclinação e afinidade, de acordo com alguns critérios. Mas
outras vezes não. O professor Gabriel já foi deslocado para
ensinar Educação Física. “Eu disse aos alunos que faria o
melhor que pudesse, mas que não sabia”. A boa vontade e o
espírito de colaboração até que toca o coração, mas não atinge o
cérebro.




77
XIV

     Inserida no meio de toda essa confusão que envolve o
principal agente da educação, uma categoria ainda falta ser
citada. Talvez essa não afete tanto o ensino, mas revele uns
jeitinhos possíveis e o gosto pelo o ofício. Alguns profissionais
constam que ensinam, mas nem por isso ensinam. Se os alunos
fossem perguntados sobre a dinâmica de aula de alguns
professores, diriam, sem titubear, “a mudança de substituto”.
Por diversos motivos e razões, alguns professores se ausentam
da sala de aula, colocam um substituto em seu lugar e apenas
assinam a aula que não dão.

     Interligadas que são as coisas, a falta de professores não
deixa de se relacionar com essa prática. Em determinadas
situações, tem quem prefira transferir a responsabilidade de
ensinar a se prestar ao papel de fazer de conta. Quando recebe
uma matéria que pouco entende, “coloca” algum substituto. Só
que nem todos os casos são acompanhados de dilemas assim.
Com mais ou menos freqüência, tem aqueles que adotam a
prática por querer, por preferir assim. “O colégio aceita, e às
vezes é até melhor, já que a escola recebe muitas queixas
daquele professor”, diz Gilzete. Sempre unindo o útil a
necessidade, as coisas vão sendo contornadas.
78
XV

     Algumas escolas mudaram pouco nos últimos anos. Quem
nelas estudou há tempos atrás têm a sensação de que ali está o
que ali sempre esteve, como nos tempos de juventude. Assim de
fora, pouco mudou mesmo. Mas dentro, as salas de aula
sofreram uma sutil mudança, que deu ares inovadores ao ensino.

     As tecnologias já transformam o mundo e o modo de viver
das pessoas há muitos anos, mas talvez nunca, ao menos no
Brasil, tenha modificado tanto o espaço da escola. Laboratórios
de informática, televisores, aparelhos de DVDs, TVs Pen Drives
e projetores têm penetrado o ambiente escolar ao longo dos
últimos anos. Essas transformações têm ocorrido de forma
gradativa, através de programas e projetos governamentais que
tentam implementar o acesso dessas novas tecnologias aos
alunos da rede pública de ensino.

     Só que esse processo, principalmente no que se refere aos
laboratórios de informática, esbarra no despreparo dos
professores e na falta de manutenção dos equipamentos. Quase
sempre, os políticos acabam despejando os recursos de forma
apressada e sem tantos critérios, mais preocupados em tirar
benefícios do benefício concedido do que beneficiar os supostos

79
beneficiados. O resultado dessa disseminação desordenada e
apressada é que os equipamentos são entregues a professores
que desconhecem o seu manuseio e a escolas que não possuem
condições de oferecer suporte para os reparos e instalações.

     Sem o domínio da ferramenta, não há como utilizar o recurso
tecnológico de forma eficiente. O simples oferecimento do
aparato não garante a melhoria do ensino, e seu uso inadequado
pouco acrescenta. “Eles não ensinam a usar os aparelhos,
simplesmente colocam na escola”, reclama a professora
Lindinalva. Diante desse cenário, o Ministério da Educação tem
procurado formar os profissionais. Em 2008, criou o Proinfo
Integrado, um programa que inicia os professores no universo da
educação digital. Na primeira etapa, eles adquirem informações
sobre as tecnologias e só depois aprendem a aplicar os recursos
como ferramenta educacional. O curso tem um total de 180
horas, mas pretende formar, até o final de 2010, 240 mil
professores do ensino básico, numa rede que conta com 2,5
milhões de profissionais. Ainda é pouco.

     Na maioria dos colégios, os computadores continuam
subutilizados, por conta do despreparo e até mesmo do
desinteresse. O secretário de Educação do município de Riachão
do Jacuípe lamenta que até mesmo alguns professores mais
80
jovens não demonstram interesse em usar os recursos. “Você
pensa que eles chegam com espírito de modernidade, adaptados
as novas tecnologias, mas muitos são tradicionalistas. Pedimos
para que eles usem os laboratórios, mas não se importam, não
usam”. O aproveitamento dos laboratórios também é afetado
pela falta de manutenção dos computadores. Sem ter todo esse
poder financeiro de resolver os problemas num estalar de dedos,
as novas estruturas empacam nos velhos problemas. O
orçamento da escola não mudou muito, e as despesas continuam
as de sempre.      Num laboratório comum, com média de 10
computadores, sempre há um risco de defeitos aparecerem.

     Nessas horas é preciso consultar o caixa para saber o que
pode ser feito: quando um profissional pode vir, quando a peça
poderá ser reposta... E o tempo vai passando. Outras situações
mais emergenciais tomam a frente das necessidades dos
laboratórios. Ocasionalmente o número de máquinas disponíveis
para os alunos diminui, e os laboratórios passam de 10 a quatro
computadores, por exemplo. “É mais fácil a gente conseguir
outro computador. Esse ao menos existe a possibilidade de
pedir”, acrescenta a professora Janete Mascarenhas.

     Para agravar a situação, duas escolas do Estado foram vítimas
de furto. Os colégios Osvaldo Cruz e João Campos, de Riachão
81
do Jacuípe, tiveram o número de computadores reduzidos por
causa de uma ilustre visita aos laboratórios da escola.

     Identificado, um sujeito se passou de funcionário da empresa
que instalou os computadores e mergulhou sorrateiramente nos
laboratórios. Como foram instalados na mesma “leva”, o
suposto funcionário alegou que iria fazer uma manutenção de
rotina nas escolas. Segundo uma funcionária, ele “veio ver se
estava tudo ok”. Sem suspeitar nem imaginar, as escolas
permitiram, e ele trancafiou-se na sua esperta manutenção.

     Aos poucos, sentindo falta de uma peça aqui, outra ali, de
um computador “quebrado”, outro também, identificaram o
problema. “Após instalar a internet, perceberam que apenas três
computadores estavam funcionando e perguntaram o porquê”.
Apesar da perícia e tudo o mais, as peças furtadas não foram
repostas.

     A sorte é que, por conta do andar da carruagem, os jovens
alunos têm acesso a computador e a internet em outros lugares
que não somente a escola. Mas essa não é realidade de muitos
que são atendidos pela rede pública de ensino, que possuem na
escola a única forma de acesso a ambas as tecnologias. Dados
do IBGE indicam que o Nordeste tem o pior índice de acesso a

82
internet do país. Na região, a porcentagem da população com
acesso a grande rede pulou de 11,9% em 2005 para 25,1% em
2008. Apesar do crescimento, continua em último lugar.

     Com o crescimento da internet no Brasil e no mundo, com a
informatização e a digitalização, tornou-se inevitável que as
escolas incorporassem as tecnologias ao seu sistema de ensino.
Não fosse só pela exclusão em si, até mesmo as antigas
operações administrativas das escolas estão sendo feitas com o
uso da informática. Provas, requerimentos, solicitações e fichas
dos alunos passaram a ser informatizados.

     Equipamentos modernos assim muitas vezes destoam com o
aspecto de alguns estabelecimentos educacionais. No começo de
2009, os colégios estaduais começaram o ano com TVs Pen
Drives, um tipo de monitor educacional que possibilita
dinamizar as aulas com vários recursos de áudio, vídeo e
imagem. O investimento, de R$ 38 milhões, beneficiou as 18
mil salas de aula das 1.681 escolas da rede, além de salas de
professores e bibliotecas. Num total, 22 mil monitores foram
adquiridos.   A ausência     de   elementos   básicos    para   o
funcionamento do estabelecimento contrasta com as modernas
aquisições das escolas. No colégio João Campos, faltam mesas
para os professores em sala de aula, que improvisam com mesas
83
da biblioteca. Das 18 Tvs Pen Drives recebidas pelo colégio,
apenas 11 foram instaladas. As outras sete estão dentro da caixa
esperando o colégio ter condições de fazer as instalações
elétricas e uns pequenos reparos para adaptar as salas.

     O professor Evando é crítico quanto a esse tipo de ação.
“Base boa para os alunos e formação adequada para os
professores. Sem essas coisas essenciais, o resto é utopia”




84
XVI

     Os alunos que residem na zona rural encontram um problema
a mais na hora de estudar. Geralmente eles estudam em suas
localidades até a quarta série, em classes multisseriadas, e
depois precisam de deslocamento para ter acesso a séries
posteriores. Em alguns casos, eles freqüentam ainda mais cedo
as escolas da sede do município, quando os pais consentem que
essa seja a melhor opção para o filho, ou por falta de escola em
alguma localidade próxima.

     Como o poder público tem a obrigação de oferecer o
transporte escolar, quem realmente decide sobre as matrículas
dos filhos são os pais. Sem o transporte, seria difícil garantir o
acesso de muitos alunos a rede pública de ensino. A distância
pode ser uma inimiga para quem precisa estudar, pois nem
sempre se vive onde se tem uma escola por perto.

     Nascida e criada no povoado do Malhador, em Riachão do
Jacuípe, a professora Maria Rosário deu os seus primeiros
passos rumo à docência numa escola da zona rural. De manhã ia
para escola e quando chegava ainda cumpria várias obrigações
domésticas antes de estudar. E o caminho não era cômodo.
Distante seis quilômetros de sua casa, andava 12 km diários para

85
ir à escola. “Meus pais vendiam leite, e quando tinha que deixar
os galões no caminho, íamos de jegue para escola, eu adorava”.

     Hoje os tempos são menos árduos. Seus sobrinhos estudam
na mesma escola em que estudou, e percorrem de moto o
mesmo caminho por onde tanto andou. São duas gerações que
evidenciam diferentes momentos da educação brasileira. As
motos são custeadas pelo poder público, e representam uma
forma de garantir o acesso do estudante a escola. Desde a
Constituição de 1988, o Estado brasileiro tem por obrigação
buscar meios de viabilizar o acesso das crianças e jovens à
educação. Entretanto, a mudança de mentalidade não garante
também o acesso, nem mesmo sua rigorosa qualidade.

     Penetrando os vários rincões das duas cidades, mais de 100
veículos trafegam com alunos e professores pelas estradas
biritinguenses e jacuipenses. Excetuando um microônibus e um
ônibus adquiridos por meio de convênios pela cidade de
Biritinga nos finais de 2008 e 2009, respectivamente, todos os
transportes são terceirizados e prestam serviços às prefeituras.
Cada motorista é remunerado por quilômetro rodado, de acordo
com o seu trajeto diário. A conta não é muito complicada. Se de
determinada localidade até a sede do município a distância
percorrida for de 15 km, conta-se a ida/volta, 30 km, e o número
86
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O ensino público em biritinga e riachão do jacuípe

  • 1.
  • 2. O ensino público em Biritinga e Riachão do Jacuípe Por: Fábio Bastos e Leandro Matos 2010
  • 3. Nossos sinceros agradecimentos a todos aqueles que contribuíram de algum modo para a construção desse trabalho. Obrigado por tudo.
  • 4. É o processo que adoto: extraio dos acontecimentos algumas parcelas; o resto é bagaço. Graciliano Ramos
  • 5.
  • 6. Introdução Há muita complexidade na existência humana. A experiência de existir cobra condições apropriadas para uma convivência com os demais indivíduos, para se adaptar a um mundo já existente, pronto e ainda curso. Quantos seres foram capazes de durante seus anos de vida transformar a história do mundo com uma descoberta cientifica, um pensamento filosófico, um gesto político ou uma invenção. O saber e o conhecimento aliados a capacidade individual de cada um, impulsionados pelo talento e a percepção, glorificaram a história de grandes homens. Na base disso tudo, está o valor que as pessoas que formam uma sociedade depositam na educação dos seus jovens. Quando possibilitam um terreno fértil para a expansão cultural daqueles que compõem a sociedade em que vivem, o domínio do conhecimento em prol dos avanços pendentes de cada época e de um mundo que se quer mais justo, a sociedade como um todo se transforma. Claro que cada ponto desses é extremamente delicado tentar resumi-los sem se apegar aos detalhes e nuances que eles implicam. A rigor, as próprias histórias das sociedades nos 4
  • 7. emprestam um pouco das suas experiências. Percebemos a educação, ou o valor que se dá a ela, como um elemento cultural. Um dos pilares das grandes nações que foram erguidas nos últimos séculos foi a educação ou o domínio de algum conhecimento. E é nesse processo histórico secular que o Brasil se perde como um grande formador e construtor de uma educação de qualidade. Essa ausência de políticas públicas, ou políticas atrasadas e impróprias, renderam dividendos nada agradáveis para o povo brasileiro. Notadamente, a pesquisa que rendeu ás páginas deste livro encontrou traços de uma cultura pouco afeita ao estudo, ao desenvolvimento humano. O problema não está nos indivíduos, mas na forma como a sociedade vê e prioriza a educação, que não consegue proporcionar no seu sistema público de ensino uma educação realmente enriquecedora. E isso sim reflete em seus indivíduos. Biritinga e Riachão do Jacuípe são pequenas cidades do interior da Bahia, distantes quase 90 quilômetros. Muito do que se viu em uma, se viu em outra, e isso não foi coincidência. É o resultado de políticas públicas para a formação dos nossos jovens, retratadas em cada página desta obra. 5
  • 8. I A educação é um direito de cada cidadão brasileiro. A cada nova criança nascida, é um novo ser humano que precisa de formação para as necessidades da vida. Precisa de instrução adequada e conhecimentos suficientes e básicos para interagir com o mundo. E, por isso, cedo ou tarde ela deve entrar na escola para desenvolver-se como ser humano, de modo que as faculdades da vida lhes sejam apresentadas. Então, da sala de parto para a sala de aula é apenas uma questão de tempo. A não ser para aquelas que, por um motivo ou outro, acabam entrando nas estatísticas da mortalidade infantil. Fora isso, os pais têm a obrigação de matricular as crianças na escola e de acompanhar a sua freqüência. O que se chama de dever da família. Mas para matricular é preciso ter onde matricular, e mesmo saber a procedência da escola; se tem qualidade ou se não tem. Promover tal educação eficiente e de qualidade já configura uma obrigação do Estado brasileiro, então representado pelos seus órgãos públicos, instituições e suas respectivas autoridades. Entre elas, claro, os políticos. O que, por si só, já nos anuncia algum dissabor. 6
  • 9. II Riachão do Jacuípe e Biritinga são cidades pobres, sem grandes privilégios geográficos, de economias frágeis e de homens e mulheres públicas pouco notáveis, que não fazem despertar por parte dos seus jovens a vontade de crescer humanamente, educacionalmente e intelectualmente. Em parte pela formação de uma boa parcela dos pais, que também não foi das melhores, a grande maioria dos alunos pensa apenas em se formar e concluir os estudos. É um pouco de uma cultura pobre, de cidades pobres, imersas num país que historicamente nunca foi um grande educador. E essa é um tipo de herança que dispensa cartórios e inventários, mas que se herda, gradativamente, com o passar do tempo. Não dá para compreender o que se encontra por aí como desenvolvimento pleno do ser humano, é até ofensivo achar que a criança nascida quer tão pouco. Talvez sim. E talvez a família pretenda pouco também. Mas fosse a vontade das mesmas, certeza, não achariam muito mais do que o pouco que já acham. Não é incomum encontrar pais que fazem um sacrifício que não podem para poder colocar os filhos numa escola particular. E nem é preciso ser um gênio para entender o que se pretende com isso: que o filho tenha, no mínimo, uma formação e uma 7
  • 10. preparação mais adequada. O investimento é no futuro, em dar meios para que ele consiga se tornar um bom profissional. E se o movimento contrário acontece – do estudante sair da rede particular para ingressar na rede pública – geralmente se dá por conta de dificuldades financeiras ou por queda de rendimento. São casos que não podem ser desprezados, nem passar despercebidos, a diferença de dificuldade entre uma e outra e as diferenças nas médias exigidas fazem com que o aluno, nesse caso, seja matriculado na escola pública apenas para não ser reprovado. Ou seja: os pais acham que estão desperdiçando dinheiro com a educação dos filhos, posto que os mesmos não demonstram interesse e dedicação. Então migram de um sistema para outro. A lógica é elementar e denunciante: quisessem esses realmente estudar, onde estudariam? Onde seria mais adequado? É evidente que há alunos na rede particular que são irresponsáveis e não se interessam pelo aprendizado. Isso não parte de escola paga ou gratuita, mas de cada um, da cobrança dos pais, do interesse pessoal. A diferença está é na média que cada uma pode produzir. Saber como a própria sociedade lê essas duas escolas é um exercício indispensável. Boa parte dos pais quer mesmo é que os 8
  • 11. filhos tenham condições de obter uma educação digna, independentemente de onde estudem. Seja numa escola particular, seja numa escola pública. Pais que se prezam buscam as boas escolas, e quando não podem pagar por uma, buscam entre as melhores escolas públicas para matricular seus filhos. Mas muita gente incompetente está aí permeando o ensino público. Muita gente sem compromisso. A escola particular, até pela sua natureza de competitividade no mercado, tende a suprir as lacunas deixadas pela pública, oferecendo e proporcionando um leque maior de opções. A cobrança sobre ela será, provavelmente, sempre maior. As duas podem e devem conviver juntas. O que não pode é uma conviver com deficiências como se convivesse com o mérito. 9
  • 12. III O maior problema apontado pelos professores quanto à formação dos alunos são as séries iniciais. Eles se queixam que o aluno é mal formado, e que as carências deixadas pela falta de uma boa base – ou mesmo de uma base – geram dificuldades terríveis na continuidade de sua vida escolar. Lea Cristina, professora do Colégio Estadual Maria Dagmar de Miranda, em Riachão do Jacuípe, diz que costuma encontrar alunos que não sabem fazer contas bastante simples, “que deveriam ter sido aprendidas lá atrás”. Esses erros na formação vão seguindo de série em série e dificilmente são e serão corrigidos. Parte desse problema acontecia porque as séries iniciais não eram contempladas no orçamento destinado a educação, o que tornava a base escolar na rede pública um tanto quanto sucateada. Ao menos essa dificuldade orçamentária foi sanada com a criação do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação) em substituição ao Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental), em 2007. Como o Fundef era destinado somente para o financiamento do ensino fundamental, restava aos municípios deslocarem clandestinamente alguns professores pagos pelo 10
  • 13. fundo para a educação infantil. Esses alunos não entravam no Censo da Educação. Por conta do caráter “não autorizado” e a falta de recursos próprios, não existiam tantas turmas assim. E nem se conseguia fazer um trabalho bem feito, pela falta de professores qualificados. Geralmente, quem ensinava essas crianças eram os professores que tinham habilidade para cortar, brincar... Fora o Funbeb, que foi um grande avanço, no ano de 2010 entra em vigor a obrigatoriedade do ensino para crianças e jovens entre 4 e 17 anos. Essa proposta foi aprovada pelo Senado em 2009 e amplia as idades obrigatórias, anteriormente de 6 a 14. Um passo relevante, pois estudos mostram que alunos que começam a estudar antes dos seis anos de idade têm mais chances de concluírem o nível superior. No mesmo dia em que foi ampliada a obrigatoriedade do ensino, o Senado aprovou uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que culminou com o fim da DRU (Desvinculação de Receitas da União) na educação. A DRU foi criada em 1994 e desbloqueia 20% das receitas da União de qualquer setor. Com o fim da desvinculação na educação, uma maior quantidade de recursos ficará disponível para o ensino. A incidência da DRU será de apenas 5% em 2010 e a partir de 11
  • 14. 2011 deixará de afetar por completo o orçamento educacional. O planejamento do MEC é investir boa parte desses novos recursos na educação de base. Tais mudanças servem de alento, já que, em princípio, o número de alunos com defasagem irá diminuir e a boa base dará a eles uma capacidade maior de seguir em frente. Se antes tarde do que nunca começam a surgir horizontes melhores para a educação do país, o presente dá mostras das dificuldades que precisam ser superadas para que sejam atingidos níveis educacionais mais satisfatórios. A escola Aurélio Rodrigues Mascarenhas, em Riachão do Jacuípe, é um exemplo dessa transformação recente. Desde 2007, a partir da instituição do Fundeb, a escola passou do ensino fundamental para a educação infantil. Alunos de quatro a cinco anos passaram a estudar gratuitamente as educações infantil 1 e 2 e as de até seis anos a alfabetização. Houve um processo de municipalização na escola. Antes administrada pelo Estado, o município assumiu o espaço e implementou uma nova proposta. Projeto novo, o Aurélio foi escolhido por ficar praticamente no centro da cidade. Com quase duzentas crianças, o município já começa a buscar outros pontos mais extremos da 12
  • 15. cidade para oferecer também essa modalidade de ensino, atendendo a pedido dos próprios pais. No Aurélio, depois dessa transformação, o tamanho do aluno diminuiu, mas o da esperança aumentou. Lá, os alunos aprendem os significados de alguns símbolos e as primeiras noções do alfabeto, a partir do contato com algumas letrinhas. Cantam músicas, fazem oração e duas vezes durante a semana contam histórias. E ao menos uma vezinha vão até brinquedoteca. Nunca é brincar por brincar, sempre se aprende noções básicas de alguma coisa ou desenvolve algum estímulo. O mais pesado fica por conta da leitura e da escrita. Eles começam a ver palavras, algumas sílabas, textos, pequenas histórias, lendas, e por aí vai. Quando chega uma data comemorativa, as atividades de rotina são trabalhadas para explorar a temática, apresentando aos alunos alguma noção sobre o tema. Segundo a professora Vanusa Lopes Soares, que trabalha com as crianças no Aurélio Mascarenhas, só algumas datas mais complexas é que não são trabalhadas, como a Proclamação da República brasileira. Circunstância bastante compreensiva, pois enfiar crianças em Deodoros e Florianos seria até maldade. E, no mais, a história trata de perdoar os meninos. Ao ser proclamada por militares em 15 de novembro 13
  • 16. de 1889, como registrou Aristides Lobo, “o povo assistiu àquilo tudo sem conhecer o que significava. Muitos acreditaram seriamente estar vendo uma parada”. De fato, as crianças não iriam muito além disso. Na matemática eles aprendem os números de 0 a 100, que vão sendo trabalhados gradativamente durante o ano. Noções de subtração, adição e alguns probleminhas que estimulam a pensar. A mistura é boa entre o método mais tradicional de ensino e aquele mais criativo, com atividades lúdicas. “Um método ajuda o outro, mas o tradicional é mais eficiente. É repetitivo, mas o aluno aprende”, destaca a professora Vanusa. O tempo passa, e a professora sorri satisfeita quando fala do crescimento dos alunos. Só esconde o sorriso para lamentar a falta de acompanhamento dos pais. “Tudo isso não adianta sem ele ter o contato com o livro em casa. Fica restrito a escola”. O acompanhamento dos pais é pequeno e, ressalta a professora, a falta desse compromisso familiar é o maior problema que eles enfrentam. A escola chama, conversa, orienta e sempre toca nessa mesma tecla: precisa existir uma parceria entre a escola e a família. Mas muitos pais não se interessam. “Não existe uma preocupação com o acompanhamento das 14
  • 17. atividades do filho. Em ver se a criança está aprendendo, o que está aprendendo, se faz a lição”. Rita Almeida, diretora da escola, acredita que a maioria dos pais age dessa forma, “sem acompanhar a criança”. Ela diz que costuma lembrar aos mesmos que o esforço deve ser feito agora, no início, e que depois que eles aprendem a ler e a escrever “seguem sozinhos, com mais facilidade”. A impressão dos professores é que os pais querem que os seus filhos façam tudo ali na escola mesmo. Acontece que ela não consegue dar conta de todo o processo. Por mais que se esforce, por mais que dê uma boa aula, aquilo morre na sala, se não tiver um acompanhamento. Já experiente na questão, a professora Vanusa destaca a relevância desses momentos de leitura em casa. “Eles aprendem a copiar mais rápido porque treinam na escola, mas não sabem ler. A dificuldade maior é na leitura, que não é praticada em casa. Com isso você acaba criando alunos copistas”. Nesse sentido, os pais alegam que os filhos dependem da jornada ampliada – programa do governo que recebe os alunos em turno oposto ao do horário escolar, para reforço –, e que eles não aprendem o necessário. Os monitores das jornadas sentem 15
  • 18. dificuldades em trabalhar com tantos alunos de séries e escolas diferentes e de modo tão individual. Acreditam que certo tipo de trabalho não dá para ser feito nem na jornada, só mesmo em casa. Tanto pela manhã quanto pela tarde a criança fica na escola. Estão em casa praticamente só à noite, passando o dia nas instituições. E ainda assim os professores sentem essa pressão para que a escola faça tudo. “Os pais hoje em dia estão terceirizando os filhos”, frisa Darsone Cordeiro, assistente administrativa do Colégio Osvaldo Cruz. Exemplo desse descaso aconteceu com a professora Vanusa. Certa vez, dois alunos que deveriam seguir adiante tiveram dificuldades e permaneceram na alfabetização. A pedido dos pais, ela achou interessante que os meninos freqüentasse a escola para um reforço. Só que a evolução dos estudos esbarrava na falta de acompanhamento, que não existia. Eles pouco ou nada melhoravam. O “baque” veio após o recesso junino. Esses mesmos alunos voltaram das férias sem nem terem feito uma atividade passada a mais de 20 dias. “Eu desisti. Era muito trabalho, me desgastava muito e assim não tinha efeito”. 16
  • 19. Essa mistura de falta de interesse e de acompanhamento esbarra em várias dificuldades. A formação dos pais influencia bastante. Muitos são, inclusive, analfabetos, e não conseguem ensinar. Os mais interessados tentam suprir essa deficiência com o pagamento de um reforço escolar, mas nem sempre é assim. “Quando encontro pais nessa situação peço que procurem alguém que possa ajudar. Um tio, um vinzinho, um amigo... qualquer um que possa contribuir de algum modo”, diz Rita Almeida. Mas nem sempre os pais são analfabetos, e o que falta mesmo é uma participação da família. A escola sente o impacto de uma família alheia e descompromissada, assim como sente o impacto positivo daqueles que querem e podem ajudar. Quando une uma formação melhor e o interesse, “a gente vê o que quer ver”, enfatiza a professora Vanusa. A satisfação aumenta e realidade é outra. Mas a realidade é outra e não é essa. A despeito do que está sendo ensinado ao filho, e da qualidade, o mais importante tem sido a preocupação com a freqüência. Mesmo sob chuva, atrasados como for, os alunos tem freqüentado a escola. No ensino infantil esse empenho dos pais é mais visível, já que os pequenos não conseguem ir para a escola sozinhos. Nisso a marcação é ali, no pé. A diretora diz até ter ficado surpresa com o nível de freqüência de alguns alunos em 2009. 17
  • 20. O fenômeno se deve ao programa Bolsa-Família, que exige a freqüência do aluno à escola como condição para o responsável receber o benefício do governo. Agora, ao menos, os pais mandam a criança para a escola. Mas uma das numerosas críticas que são feitas ao programa é justamente a falta de critérios mais rígidos para destinar o recurso. Se aumenta o número de crianças com acesso a escola, retirando muitas delas do trabalho infantil; e se ajuda a manter a criança na escola, diminuindo a evasão escolar; o programa é limitadamente claro: o aluno só precisa estar na escola. “Eu não sei se o recurso ajuda ou atrapalha. Fico em dúvida se os alunos viriam ou não para a escola caso não fossem obrigados, mas também acredito que não da para ser dessa forma”. O próprio ministro da Educação, Fernando Haddad, disse em entrevista a Folha de São Paulo em 2007 que era preciso vincular o programa ao aprendizado, e não somente a freqüência. Acontece que o cenário atual não é esse. E nessas horas, a cultura, a educação e formação dos pais é que entram em campo. O fenômeno não se limita apenas as séries iniciais, elas só refletem este aspecto de maneira mais incômoda porque nos oferece uma realidade ainda inalcançável: se a base era uma 18
  • 21. deficiência crônica da educação brasileira, agora, que ela é oferecida com mais qualidade e abrangência, como justificar um possível fracasso? Sem dúvida que apesar dos pesares só o fato da criança freqüentar desde cedo a escola já é um avanço. Mas isso por si só não resolve, existem outros fatores que precisam ser considerados nessa equação, e esse certo desinteresse dos pais por uma cobrança maior acerca da qualidade da educação dos filhos aparece como um deles. Aparece porque é uma queixa geral e que pode minar a tão sonhada e requisitada base. Outras escolas também relatam o mesmo problema. “Só vem aqui quando é para saber sobre as faltas, e ainda é com desaforo”, afirma Darsone Cordeiro. A despesa para manter o filho na escola pública hoje é pequena. São programas e mais programas que distribuem desde os livros didáticos ao transporte escolar. Os gastos dos pais são mínimos, já não representam uma dificuldade tão grande. A escola está aí. O que falta? Para o secretário de Educação de Riachão do Jacuípe, o próprio Ministério da Educação tem percebido que o que falta mesmo é esse envolvimento por parte da família. Sem ela, a educação perde alguns dos seus pilares: o apoio, o exemplo, a cobrança e o estímulo são alguns dos elementos que se desvalorizam quando ela não está presente. Em virtude desse problema, muitos programas tem se voltado 19
  • 22. para o atendimento da família, como uma grande rede que tenta cercar toda a estrutura familiar e seus integrantes. Mas nem só isso explica. A conscientização é um passo importante, mas as escolas precisam receber mais atenção. A Síntese de Indicadores Sociais do IBGE, feita com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), é contundente. O estudo revela que 97,6% da população entre 7 e 14 anos está na escola. Um número que praticamente confere a educação brasileira status de universalizada. Apesar disso, não há o que comemorar. Dessas crianças, 2,1 milhões continuam analfabetas mesmo freqüentando a escola. Em 2007, 87,2% desses 2,1 milhões freqüentaram a escola regularmente. Nesses números residem aqueles que não tiveram acesso a base. São números de 2007, que não refletem por completo essas novas mudanças. Mesmo assim são números tão expressivos quanto preocupantes, porque bem se sabe que muitos desses tiveram sim uma base. Se os alunos chegaram a escola, e é preciso saber como chegaram a escola, não há dúvidas de que é preciso conhecer o que eles acharam quando abriram a porta da escola. 20
  • 23. 21
  • 24. IV Administrar uma escola não é tarefa fácil. O professor Evando ensina Português no Colégio Maria Dagmar de Miranda há 18 anos, em Riachão do Jacuípe, e já foi diretor dessa mesma escola por um ano e oito meses. Quando perguntado, foi categórico em dizer que “infelizmente, sim, já tinha sido diretor”. A resposta não antecipava um descompromisso de sua gestão, e sim remetia a um tempo árduo e de tarefas difíceis. “É como se você tivesse que matar um leão por dia”, acrescentou. Toda a escola é financiada com dinheiro público. Os serviços, os materiais, os consertos... Quando o dinheiro fica retido por qualquer motivo, a direção precisa fazer aquilo que está além das suas atribuições. Se não opta por matar um leão por dia, terá que fazer ao menos mágica ou malabarismo. É uma preocupação constante em pôr a casa em ordem. “Os recursos não chegam. Então ou você deve na praça ou fica sem o serviço. Quando não vem, tira de outro, depois repõe”. Muitas vezes, pega o mínimo possível em um determinado local, economiza no que pode e não compra o que não pode, mas a falta existe e persiste. Os diretores reclamam, contam a situação na Direc (Diretoria Regional de Educação), procuram se informar e esperam. A demora se dá por diversas burocracias. Entre elas 22
  • 25. está a do CNPJ (Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica), que é único para todas as escolas do Estado. Com isso, se qualquer diretor resolver gastar de maneira equivocada os recursos de sua escola, de sua única escola, todas as demais sofrem a conseqüência do bloqueio da conta. No início de 2009 o atraso foi geral nas escolas do Estado. De março a junho faltaram materiais básicos para o aprendizado, como folhas de ofício e recargas para as impressoras. Para não ficar sem, a direção do Maria Dagmar resolveu comprar os materiais com parte do dinheiro de um prêmio recebido pelo Colégio. Gasto decidido em reunião de colegiado. Sem isso, ficaria inviável a confecção de atividades e provas para os alunos. Mesmo assim, tudo era muito reduzido e limitado, e tinha que ser feito de forma controlada, no aperto. Não é nenhuma novidade colocar dinheiro do próprio bolso dentro da escola. Alguns professores, como a professora Gilzete, que ensina História também no Maria Dagmar, diz que cansa de comprar pilotos, alugar filmes e ainda contribuir com algumas outras atividades da escola, que precisam de ajuda. Como se pode ver, o atraso de 2009 gerou alguns problemas, mas as formas de enfrentá-lo já não eram nenhuma novidade. A 23
  • 26. ausência de material faz com que os professores gastem do próprio bolso para poder custear algumas atividades básicas. Nesses tempos de vacas magras, o professor Gabriel de Oliveira se viu numa situação complicada. Na época, ele ensinava História no Colégio Osvaldo Cruz, escola estadual que fica em Riachão do Jacuípe, e pretendia aplicar duas provas para duas turmas diferentes. Como as provas tinham em média cinco páginas, ficou acuado com a situação. Talvez a escola não pudesse se dar ao luxo de produzir algo tão supérfluo como uma prova. E imaginando o não, decidiu então gastar do próprio bolso para poder realizá-la. Para isso, adotou uma estratégia econômica. As provas teriam que ser em dupla para reduzir o prejuízo que teria. “No dia da atividade, eu não tive tempo, então pedi a minha mãe que tirasse as cópias”. Dona Altamira, mãe do professor Gabriel, acabou fazendo uma boa confusão na hora de tirar as cópias. Ela seguiu a orientação da moça da copiadora, que aludia e insistia que deveriam ser justamente um número maior de cópias por se tratar de duas turmas e não apenas uma. Convencida, Dona Altamira acabou tirando mais de 150 cópias. “A idéia era fazer em dupla, mas como ela já tinha tirado além da conta, a prova teve que ser individual”. E foi assim que o tempo, a dúvida e a confusão apertaram-se em 24
  • 27. coincidências e vestiram a fantasia da virtude, outrora usada e abandonada pela obrigação. E é assim. É difícil quando não chega, quando atrasa, mas também não é nenhum mar de rosas quando tudo segue normalizado durante todo o ano. Isso acontece porque os recursos não são suficientes para se administrar uma escola, por conta da demanda. Alguns professores relatam que não conseguem ter um material adequado para as aulas, para cada aluno, para cada atividade e assunto diferente. “O processo se dá através do uso do material. Então, como o recurso acaba sendo de algum modo escasso, o professor precisa sempre estar perguntando se pode, quando pode, se tem. Isso atrapalha muito”, alega Evando. Não é freqüente, mas também não chega a ser tão incomum, as atividades terem que ser feitas em dupla ou em trio por uma questão também econômica. E nem sempre a mãe do professor Gabriel está aí para ajudar. São trabalhos comuns da rotina dos alunos, mas imprescindíveis para uma educação de qualidade. Para a professora Jocivone, “é uma vergonha ter que colocar um número de questões X e um número de folha X para poder fazer provas e atividades. “Prefiro fazer no caderno”. 25
  • 28. O dinheiro chega de acordo com a particularidade de cada despesa e programa. A merenda possui seu recurso próprio, e recebe por aluno. Até o início de 2009, apenas o ensino fundamental recebia a merenda escolar. Isso fazia com que os colégios apertassem os cintos, pois não podiam deixar faltar para ninguém e eram obrigados a distribuir o pouco que já tinha entre todas as turmas. Ampliado, o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) também receberá aumento em 2010. Nos próximos anos, o valor subirá de R$ 0,22 diário por aluno para R$ 0,35. A manutenção é feita com recursos mais freqüentes, que servem para custear despesas de produtos mais emergentes do dia-a-dia e para algumas aquisições de “capital”, como a compra de algo real para escola, que precisa ser tombado como patrimônio. O dinheiro é curto e determinado, e quando acontecem situações esporádicas, fora daquelas que estão previstas no orçamento, fica sem solução. Ou a solução é muito lenta. É uma questão legal que deve ser respeitada, sem dúvida alguma. O difícil não é obedecer a essa legalidade, mas sim saber que não existem outras formas legais previstas para solucionar os demais problemas. Se um telhado quebra, por 26
  • 29. exemplo, não tem como ser reparado de imediato. Tem que esperar o final do ano ou algum dinheiro sobrar. Uma simples tesoura, tão usada numa escola, também não pode ser adquirida. Legalmente não tem recurso para este tipo de compra. Na prática, as finanças seguem assim durante todo o ano: sem ter como tapar buracos, muito menos fazer cortes. 27
  • 30. V Existem diferenças administrativas de uma escola estadual para uma escola municipal. O dinheiro que chega para as escolas dos municípios via Fundeb é administrado pelas próprias prefeituras. São elas que efetuam o pagamento dos professores e administram o restante para a manutenção das escolas e outras atividades. Quando a escola municipal não é tão grande, o material necessário geralmente é solicitado pelos diretores à secretaria de Educação municipal. Quando é, recebe alguns recursos de programas federias que são administrados no decorrer do ano. Mas precisam do apoio do município para outras atividades, e todo o material humano funciona sob gerencia municipal. As escolas estaduais têm um contato mais distante, e recebem os repasses direto do Estado, através da secretaria de Educação do Estado (Sec). Ao mesmo tempo em que os diretores da rede municipal têm um contato mais próximo com a estrutura da secretaria e com o secretário, eles possuem também menos independência financeira, já que poucas são escolas que recebem recursos do governo federal. 28
  • 31. Essas diferenças são importantes, porque, em tese, o município teria mais agilidade para resolver os seus problemas, por acompanhar e vivenciar mais de perto a realidade de seus alunos, professores, funcionários e escolas. Mas uma dependência histórica na gestão dos recursos atrapalha bastante a condução do sistema educacional. No município, o papel do secretário de educação é o de organizar tudo aquilo que diz respeito a sua pasta. No seu trabalho há um pouco de administração sim, mas é difícil imaginar um secretário de educação municipal como um verdadeiro gestor. Essa parte fica sob o comando das secretarias de finanças e principalmente dos prefeitos. E por mais que o Ministério da Educação ofereça cursos de planejamento e gestão, demonstrando relativo interesse em cuidar do dinheiro e da qualidade dos gastos, as duas cidades, não só nas suas respectivas atuais gestões, mas ao longo da história, quase nunca tiveram secretários de educação que assumissem completamente as finanças, com boa autonomia. O papel do secretário é importante, mas geralmente fica limitado ao de alguém que opina, sugere, discute, tenta convencer e toma a frente de alguns projetos. Não que em qualquer outro lugar um secretário seja completamente 29
  • 32. independente e tome conta de tudo sozinho – nem na Educação nem em qualquer outra secretaria –, mas a morosidade não costuma casar bem com a educação, pois o tempo passa e as deficiências trazem conseqüências que quebram a seqüência do aprendizado. Num exemplo clássico, o secretário percebe as necessidades e tudo aquilo que precisa ser reposto para que não falte nada nas escolas. Faz uma lista, pede os itens e aguarda sua análise. Infalivelmente essa reposição demora. O material solicitado costuma chegar atrasado, prejudicando o dia-a-dia das escolas. “Acontece de demorar 30, 40 ou 60 dias para chegar o que a gente pediu para agora. E quando chega, ainda é aquém do esperado”, afirma o secretário de Educação de Riachão do Jacuípe, professor Jucemar da Costa. Secretária em Biritinga, Lúcia Cristina costuma passar seus dias acompanhando e vistoriando as atividades e programas. Realiza com freqüência reuniões com os coordenadores das escolas e tenta discutir melhorias. O professor Jucemar da Costa segue o mesmo dever, e disse se encontrar com o prefeito algumas vezes para avaliar todo o processo. Em 2009, foram quatro encontros, e em 2008, por conta da eleição, apenas dois. Ex-secretária de Educação em Riachão do Jacuípe, a professora Jocivone dos Santos Morais procurou criar projetos 30
  • 33. dentro das escolas. Destaca que, quando a frente de sua gestão, incentivou bastante a qualificação dos docentes, promovendo eventos, oficinas e palestras. Por causa das dificuldades, achava importante o apoio e o acompanhamento pedagógico dos professores. Para cada evento, era preciso recorrer ao prefeito municipal. Tinha consciência que tudo era um pouco na base da conversa e da negociação, mas confessa que ela própria não se interessava em lidar com o dinheiro. “Conhecia as histórias e preferia não me envolver”. Mas acredita que os secretários deveriam se impor e só aceitar o cargo sob essa condição (de ter uma boa gerencia dos recursos). Para ela, o fato de não acontecer assim não atrapalha apenas, “impossibilita”. Sobre interferência política, o secretário de Educação de Riachão do Jacuípe sentiu na pele como algumas coisas funcionam. Certa vez, decidiu fechar uma escola situada na Vila Guimarães, um povoado de Riachão do Jacuípe. Pensou, decidiu e resolveu ir até a Rádio Jacuípe se pronunciar. Com o microfone em mãos, explicou por qual motivo estava fechando a escola. Justificou que o número de alunos era pequeno, que seria melhor fechar a escola e transferir os alunos daquele local. 31
  • 34. Quando terminou seu pronunciamento, saiu dos estúdios da rádio com destino a sua casa. Antes de chegar lá recebeu telefonemas de dois deputados e de três vereadores pedindo que não fechasse a escola. “Era um ano político”, define. Acabou reconsiderando, e admite que errou quando quis fechar a escola durante o ano letivo. O episódio serviu de lição, e foi o motivador para a implementação de um sistema de pré- matrícula já no mês de novembro. 32
  • 35. VI A parte administrativa é importante para compreender como funciona uma escola, com quais tipos de situações um diretor se depara, e quais tipos de problemas ele tem que resolver. A parte financeira da educação provoca um debate interminável. São vários especialistas que defendem que o país gasta pouco para formar seus alunos, e que por isso o sistema é tão sem qualidade. Outros já creditam mais o insucesso ao “gastar mal” do que ao montante propriamente dito. Discussões teóricas a parte, quer elas pesem na realidade, outro fato relevante é a fiscalização frouxa a qual estão submetidos estes recursos. São vários impostos e repasses que são destinados a financiar a educação: os professores recebem salários, as escolas passam por reformas, novos equipamentos são adquiridos, a merenda é distribuída diariamente... Tudo isso é pago e administrado por alguém. E, por se tratar de gasto público, preceitos como controle e fiscalização são indispensáveis. Nas escolas do Estado, os diretores recebem uma quantidade X de recursos (a depender do porte da escola) para cobrir as 33
  • 36. despesas. A prestação deste dinheiro se dá por meio de relatórios que são enviados as Direcs. É um sistema falho e frágil, porque depende muito da honestidade daqueles que estão à frente das diretorias. É uma fiscalização quase que formal, mas sem o devido rigor de quem fiscaliza. “Você manda um relatório com todas as despesas. Se tem algum erro, eles mandam alguma notificação e pedem que você corrija. E só”, destaca Evando, ex- diretor do Dagmar. Das Direcs, as prestações seguem para a secretaria de Educação e, se for necessário, esta repassa para o Ministério da Educação. As Direcs costumam devolver as prestações quando encontram erros, preceitos e notas que não ficaram claras. Mas nada muito além disso, que nem de perto se aproxima de uma fiscalização mais severa. No geral, até mesmo pela falta de regularidade de alguns recursos, as próprias escolas “burlam” as prestações. Quando a despesa é urgente, a solução é pegar dinheiro do recurso que tem e depois “maquiar” na prestação. Mais tarde, quando o outro chega, compensa. Uma importante arma da sociedade contra os maus gastos públicos na educação é o conselho fiscalizador do Fundeb. 34
  • 37. Ele participa de algumas decisões referentes aos gastos e fiscaliza-os. O acompanhamento é feito, inclusive, em algumas obras. Tudo de fundamental interesse público. Mas isso não tem se mostrado muito eficiente na prática. Apesar da proposta, o grau de envolvimento do conselho é questionável. “Depende da liberdade que os conselheiros têm perante as instituições que eles representam. Eles podem não querer que os problemas detectados venham a tona, ou que façam uso político dessas informações”, destaca Joaquim Carneiro Lobo, professor do Estado e ex-prefeito de Biritinga. Com isso, eventuais irregularidades com o dinheiro que deveria ser gasto com a educação se perpetuam. Um levantamento feito pelo Ministério Público Federal indica que a maioria dos atuais processos contra ex-gestores municipais deriva de irregularidades nas áreas de educação e saúde. Das 756 ações movidas pelo MPF e pelo Ministério Público da Bahia, 79,2% estão relacionadas a essas duas áreas. Mas não se tem notícia de quem tenha ressarcido os cofres públicos. Um dos facilitadores desses desvios é que os repasses do Fundeb são feitos diretamente ao município, sem intervenção. 35
  • 38. Com isso, apesar da fiscalização definitiva ficar atribuída aos Tribunais de Contas, o acompanhamento do conselho municipal poderia agilizar algumas apurações. Mas o cenário de impunidade desmotiva os participantes. O atual presidente do Conselho do Fundeb em Biritinga, Mirivaldo Santos, empossado em outubro de 2009, disse que ainda não realizou nenhuma reunião e que a primeira a ser feita pode ser a da entrega do cargo. “Se for para cobrir espaço, não compete a mim”. O acompanhamento dos gastos acaba sendo feito de forma superficial. As notas são repassadas, mas não se cobra detalhes nem se arquiva. Professora e vice-diretora do Colégio Estadual João Campos, em Riachão do Jacuípe, a professora Janete Mascarenhas sentia mais a presença da fiscalização. “Antes, até o pessoal do Tribunal de Contas vinha aqui. Nos últimos anos não tem vindo ninguém”. 36
  • 39. VII Uma cultura arraigada, e que recai nessa ausência de fiscalização, é a da freqüência em sala de muitos professores. Nesse quesito, a direção escolar sempre foi a ponte de ligação entre a Secretaria de Educação do Estado e os professores. Cabe a direção o papel de notificar o descumprimento de algumas obrigações por parte dos servidores, incluindo a freqüência ao trabalho. No caso, sua presença na escola e principalmente na sala de aula. Embora registre-se que os professores possuem um limite de faltas permitidas durante um período, alguns abusam dessa prática e deveriam ser penalizados por ela. Quando esse tipo de situação acontece, a punição é sentida no salário, com desconto no salário do servidor faltoso. Mas isso só pode ocorrer quando a secretaria é notificada da ausência. As faltas até que acontecem, o difícil são elas “descerem”, como dizem no jargão da classe. Na prática, a situação é um pouco indigesta. A relação entre as partes se dá com um misto de cumplicidade e medo. Cumplicidade porque são todos colegas e no futuro um pode vir a ser o “patrão” do outro. Sem contar os laços de amizade. Já o 37
  • 40. medo deriva da possibilidade de desencadear uma confusão e um mal estar difíceis de lidar. Porque não somente o afetado toma as dores – há quem tome as dores por afeto, ligação e outros que, bravamente, se antecipam aos infortúnios futuros. Complicada ou não, a situação dá mostras do comprometimento. A cultura criada a partir da impunidade é a da permissividade. Se alguns diretores se omitem, e não querem causar um mal estar, refestelam-se os acomodados. “Muitos professores são irresponsáveis e negligentes. São aqueles que acreditam e confiam na impunidade”, diz a professora Jocivone Morais. Na mesma linha, a professora Gilzete acredita que a direção peca no quesito cobrança “porque um colega falta e não quer que coloque a falta”. “Mas isso tem que ser feito para gerar alguma organização”, complementa. A leniência persistente traz consigo algumas conseqüências, e uma delas é a rejeição ao seu antônimo. Se a direção resolve agir com o devido rigor, a fama imediata dela é de exigente. Não porque se cobra muito, mas porque se cobra. Os rumores e as conversas deixam o ambiente pesado, criando um clima que poucos diretores pretendem enfrentar. “Então, os novos diretores não querem, preferem se omitir. Não querem criar esse clima, já que antes não tinha”, diz Jocivone. 38
  • 41. A professora Janete Mascarenhas, acabou assumindo interinamente a direção do Colégio João Campos. Durante o tempo em que passou administrando a escola, anotou e carimbou várias faltas. Como a caderneta é única para vários professores e alunos, todas as faltas ficam em um mesmo lugar. Segundo ela, três dessas cadernetas que tinham muitas faltas sumiram “misteriosamente”. André Mascarenhas, diretor eleito no Maria Dagmar no final de 2008 e professor de História, diz ter tocado constantemente no assunto nas reuniões. Com a concordância da maior parte dos professores, principalmente a dos mais assíduos, a postura tem sido mais dura com relação a esse tipo de comportamento. E a aceitação nem sempre é muito boa. “A gente ouve comentários. Alguns dizem que nunca imaginariam ver um professor da área de humanas agindo dessa forma”. Infelizmente essa prática não é exclusiva da educação. É uma mentalidade intrínseca ao próprio funcionalismo público, manifesta também na rede pública de ensino. Em razão disso, a cobrança geralmente é vista como algo ruim nas escolas públicas, como um gesto de autoritarismo. É a reação do vício ao tratamento. Se “mexe” na coisa, as reações desencadeadas são naturais. Até por que essa não é a única situação incômoda. 39
  • 42. A cobrança frágil recai sobre outros fatores, como o envolvimento dos professores com a escola, o compromisso geral e a qualidade das aulas. “Ou o diretor compra briga, e é visto como um inimigo, ou faz vistas grossas, e faz de conta que o outro ensina”, acrescenta Evando. Tudo isso requer da direção algum jogo de cintura ou coragem ou negligência – só depende do perfil de cada um. O secretário de Educação do município de Riachão do Jacuípe também acredita que os professores temem uns aos outros com relação ao futuro. A possibilidade cria receios, pois “como você vai punir seu futuro chefe?”, indaga. Por algumas questões como esse corporativismo entre professores, mistura de medo, receio e até mesmo de camaradagem, o professor Jucemar da Costa é a favor da indicação de um funcionário do quadro, e não de um professor. No município, ele participa como pode da indicação dos diretores das escolas. Em alguns casos diz que nem mesmo a questão política pode atrapalhar, quando se trata de um funcionário de muita competência. Fora isso, acha que a coisa não muda muito. Secretário há três anos e professor a 20, avalia 40
  • 43. que faltam professores capacitados para exercerem o cargo de direção. “Quase nenhum professor tem feito cursos de especialização para gestão escolar, quase não temos profissionais com esse perfil”. Apesar da polêmica histórica sobre indicação política, inclusive nas escolas do Estado, não faz muitos rodeios na hora de dizer: “indicação ou eleição dá na mesma coisa”. 41
  • 44. VIII O semblante do diretor tem quase sempre aquele ar pesado de preocupação. Não faltam coisas à resolver, à orientar, à possibilitar... A responsabilidade de colocar uma escola com tantos problemas para funcionar é grande. Há quem fuja, há quem lamente já ter sido e há quem ainda queira ser. Nos municípios, a política local é tão mais intensa quanto rasteira. Culturalmente, gente do grupo – seja ele qual for o grupo, seja aquilo o que for um grupo – deve ocupar todos os espaços possíveis. Se tudo é política, a educação jamais poderia fazer oposição ao status quo, e justamente por isso a direção de uma escola não escapa ilesa. São vários indicados para receber indicação; elas partem do secretário, dos vereadores, dos partidos e passam na mão do prefeito. Se nem sempre ele aponta com o dedo indicador e diz “é esse”, nas outras apenas suspende o polegar e consente, “pode ser esse”. O Estado da Bahia também permaneceu usando este critério de indicação durante muito tempo. Os partidos que compunham a base aliada do governo acabavam escolhendo os novos diretores. 42
  • 45. Foi em 2008, no segundo ano do governo Jaques Wagner, que aconteceu uma mudança significativa nesse sentido. Em 18 de setembro foi assinado um decreto que instituía que os diretores de escola passariam a ser eleitos pela comunidade escolar por um tempo de três anos. Em tese, o governo abria mão de mais de 4 mil cargos de confiança. A partir de então, todos os profissionais do magistério teriam chances de se elegerem, desde que atendessem a alguns pré- requisitos. Dentre eles, um Curso de Gestão Escolar fora oferecido, de modo que os interessados se aperfeiçoassem para a função. No geral, foi tudo muito depressa e corrido, e logo no dia 24 do mesmo mês do decreto já estavam abertas as inscrições para um curso que começaria no dia 29, com carga horária de apenas 120h. O professor Jucemar da Costa pensa que essa capacitação do Estado foi feita as pressas e que “capacitou apenas para a eleição”. Logo no dia 17 de dezembro ocorreriam as eleições. Em toda a Bahia, 13.640 professores do quadro efetivo do magistério público estadual se inscreveram no curso de gestão. Desses, 8.368 realizaram uma prova que habilitou 5.438 para se 43
  • 46. candidatarem em alguma chapa. Pronto. E a história volta para Biritinga e Riachão do Jacuípe. O ambiente era favorável a opção de escolha. O universo educacional estava um pouco saturado de esperar o fim da eleição para governador e começar as especulações de quem seria ou não o novo diretor. Principalmente aqueles que sabiam não ter chance: os opositores. A proposta de colocar nas mãos da comunidade escolar o poder de escolha, considerando até mesmo a participação de pais e alunos, era uma forma de por fim ao favor e ao cabresto político, dando um mínimo de independência as escolas. A idéia era boa, mas não foi bem isso o que aconteceu. O sentimento poderia ser de mudança, mas talvez a pressa, a falta de estrutura da rede e a própria forma como se pensou as eleições tenham prejudicado o resultado. Nas seis escolas estaduais de Riachão do Jacuípe e nas duas de Biritinga o processo foi sentido. Mas aquela que mais se aproximou de uma eleição foi o Maria Dagmar, maior colégio das duas cidades. Certamente não foi o pleito eleitoral tão sonhado por alguns, onde os candidatos, tolhidos de uma deliciosa demagogia, proporiam reformas impossíveis, 44
  • 47. prometeriam a construção de inesgotáveis bibliotecas e debateriam insuflados as diretrizes de base da educação... No Maria Dagmar de Miranda, o professor André foi candidato em chapa única. Elaborou suas propostas, discutiu em sala, abriu espaço para ouvir a escola. Fez tudo isso, mas sem adversários. Professor de História a mais de 10 anos, acabou conquistando a confiança dos alunos e da comunidade. Sua chapa foi legitimada. Para ele, aconteceu uma abertura democrática por parte da direção. E frisa a importância do resultado: “me sinto mais respeitado, com direito a vez e voz”. No Colégio Osvaldo Cruz, em Riachão do Jacuípe, a eleição não aconteceu por conta de uma decisão dos próprios possíveis candidatos. Quatro professores estavam aptos a participar da disputa, mas, entre eles, foi consensual a manutenção da atual diretora, Rosário Sampaio. Essa prática refletiu uma das constatações da Coordenação de Gestão Descentralizada da Secretaria Estadual da Educação (SEC). Na maioria das unidades onde os atuais diretores se candidataram, não houve concorrentes na disputa do cargo. Por decisão de quatro, ficou escolhido o que uma totalidade maior deveria decidir. “Mas todos estão satisfeitos com a nova direção”, ressalta a professora Maria Valdete, vice-diretora do colégio. 45
  • 48. “As coisas melhoraram, antes tinham diretores que mandavam. Se achavam os donos”, complementa a professora do Osvaldo Cruz, Lindinalva Mascarenhas. Apesar do consenso, a decisão privou os outros segmentos de participarem de uma eleição. No caso do Osvaldo Cruz, a comunidade foi preterida pelo gosto de alguns. Mas de todos, nem um caso foi tão frustrado quanto o do Colégio João Campos. Os dias que antecederam as eleições foram cheios de requintes eleitorais. Três candidatos. O clima era de disputa, e alguns alunos se manifestavam favoráveis a candidato A, B e C com aquela efervescência natural dessas horas. Passaram-se os dias e os bate-bocas. No dia da eleição mesmo, tudo transcorria normalmente. Uns votavam, outros também e outros nem sequer sonhavam em ir lá. Perto do fim da eleição, as luzes simplesmente se apagaram. A energia foi cessada e a aflição tomou conta da escola. Não sabiam o que se passava, até um aluno enfim passar com a urna da eleição. A secretária do Colégio João Campos, Eliete Boa Hora, testemunha que tudo ocorria normalmente, com documento e tudo o mais que fosse preciso. “E de repente houve uma 46
  • 49. reviravolta”. Com o tumulto gerado, a polícia foi chamada para apreender a urna, que foi resgatada na Polícia Militar dois dias depois do acontecido. O caso foi parar na justiça. Com isso, as vices-diretores acabaram assumindo o colégio interinamente. Em seguida, teve outras tentativas de nomear diretores, mas sem sucesso. Após certa conturbação, Maria Rosário de Almeida foi nomeada diretora, mas isso sem antes o colégio não ter passado por dias difíceis de instabilidade política e murmúrios sobre quem seria o novo indicado para o cargo. Preocupados com a situação da escola e desgastados com o clima, alguns professores resolveram convocar reuniões com o diretório petista local e pôr uma pedra nesse problema. Após muita discussão, o nome de Maria do Rosário apareceu como consenso. Ainda assim, a decisão não foi tomada de imediato. Teve diretor nomeado e com nomeação anulada num intervalo de dois dias. Motivo, esclarece o documento: “publicação indevida”. Só no final de 2009, com a nomeação da professora Maria do Rosário, que o colégio passou a ganhar aspectos mais tranqüilos. Mas todo o tumulto prejudicou o ano de 2009. 47
  • 50. Com todos esses problemas, as eleições passaram. O processo tão desejado fora posto em prática e agora só restava ao governo empossar os, até que fim, eleitos. A cerimônia aconteceu em 16 de janeiro de 2009 e fora transmitida em videoconferência para os municípios pólos da rede de educação. Esse evento representava o marco inicial de uma proposta política que resultou na eleição de 2.154 novos diretores e vice- diretores que conduziriam os rumos das escolas públicas estaduais da Bahia. Embora a idéia fosse bem recebida pela comunidade escolar, o saldo não foi tão positivo assim, e serviu para expor muitas deficiências que vieram a tona a partir dessa iniciativa. Números divulgados pela Secretária de Educação mostram que em apenas 1.001 das 1.681 escolas estaduais ocorreu algum tipo de eleição. Isso porque o próprio decreto já deixava de fora 114 escolas – as prisionais, creches e de 1ª à 4ª série. Em outras 447 escolas, algumas situações impediram a realização de qualquer eleição. Por decisões internas dos professores ou outros fatores, houve ausência de chapas em algumas instituições. Outro motivo não menos grave foi a existência de escolas em que candidatos sequer foram aprovados no processo seletivo. Ninguém tinha condições de assumi-las, ao menos entre os que se candidataram. 48
  • 51. Tudo isso posto, 1001 comunidades escolares puderam escolher seus respectivos representantes. Puderam, mas ainda assim em 101 delas as eleições foram invalidadas por não terem atendido as exigências mínimas de representação. Válidas mesmo, só em 900. Mas esse número ainda engloba aquelas em que a eleição foi apenas um burocrático processo de validação, com candidato único. Algumas lições puderam ser tiradas dessa jornada. Muitas regiões apresentam deficiências impossíveis de serem sanadas simplesmente com eleições. A maior prova disso é que nem mesmo o titubeante dedo político tornou-se obsoleto. Aquela idéia de dar “autonomia” a comunidade escolar esbarrou na própria incapacidade de algumas escolas de serem autônomas. E a direção acabou sendo mesmo indicada, ”segundo critérios compatíveis com os exigidos para a escolha dos dirigentes eleitos”, ressaltou em nota a Secretaria de Educação. A professora Maria Valdete, do Osvaldo Cruz, acha que o novo sistema implantado é melhor do que o da indicação política, “porque dá oportunidade para quem quiser se candidatar”. Como todo processo democrático, esse também carece de tempo. Os envolvidos aprenderão a melhor usar a ferramenta que têm em mãos, aperfeiçoando o sistema. Mas não 49
  • 52. parece que isso por si só resolva. Ainda que legítimos, diretores ainda podem ser incompetentes, pois falta gente qualificada para ocupar o cargo. E mesmo com bons eleitos, boa parte dos problemas das escolas ainda permanecerá. Só que, agora, será escolhido democraticamente quem terá o semblante de preocupação... 50
  • 53. IX Para os alunos a mudança não foi assim tão radical. Afinal, diretores já entravam e saiam anteriormente. A impressão que eles possuem é que pouco ou nada mudou. Transcorrido um ano de gestão democrática, a escola continua lá, quase a mesma. Em parte porque o processo não foi assim tão bem sucedido. Mas ainda que as eleições tivessem ocorrido no mais alto grau de sucesso, a transformação seria pequena. As escolas sempre tiveram direção, e ainda que indicados, muitos tinham competência e deram sua contribuição como puderam. É que algumas questões vão mais além. E se não estão alheios a este processo político, os estudantes querem mesmo é saber da escola funcionando. Das coisas andando. Sabem que todos esses problemas que assolam a educação não são suas responsabilidades. Pecam no zelo, é verdade, mas a eles não compete resolver nem administrar nada. Eles só recebem o que lhes dão. Maiores prejudicados por políticas públicas equivocadas, os estudantes nem sempre são as vítimas da história. Pilhas de cadeiras quebradas e inutilizadas são testemunhas de um pernicioso vandalismo. Ali empilhadas, constituem uma espécie de monumento da má educação. Se os alunos só recebem aquilo 51
  • 54. que lhes dão, muitos fazem arte com aquilo que lhes é dado. Tem quem ache bonito. Tem quem fique de pé. Assim sendo, os próprios estudantes percebem que em alguns pontos a escola se esforça, mas eles é que falham. As cadeiras, por exemplo, quase sempre são encontradas em bom estado no início do ano e quebram depois. Segundo o secretário de Educação de Riachão do Jacuípe, em 2009, 1400 cadeiras foram quebradas. Um número considerado alto por ele. Nas escolas do Estado, as pilhas também são intermináveis. Além dessa deterioração do patrimônio, diariamente eles convivem com a manutenção precária de alguns serviços. Alguns alunos afirmam que os banheiros estão recorrentemente sujos, mas muito por conta da falta de educação dos próprios colegas. Limpos, quase sempre eles encontram. O ambiente escolar reflete boa parcela dos problemas sociais. São características inerentes a sociedade e que a escola acaba recebendo, sem ter como resolvê-los. Os professores apontam que a situação vem piorando nos últimos anos, principalmente no que se refere ao respeito. Não raro, ouvem frases que bem define essas linhas, e uma delas é bastante significativa: “eu não obedeço meu pai e minha mãe, imagine você”. O resto não é difícil de imaginar. 52
  • 55. O professor André Carvalho, diretor do Maria Dagmar de Miranda, acredita na importância da escola para o aluno, principalmente para aqueles que são excluídos socialmente. “A escola é justamente esse lugar para receber o aluno”, definiu. Sobre a dificuldade de lidar e contornar certos tipos de situações, disse que um dia recebeu um aluno bastante problemático. “Ele já tinha sido rejeitado de várias escolas, por conta do comportamento”. Apesar de tudo, topou o desafio. E não bastou mais do que o primeiro dia de aula para que o aluno mostrasse o seu cartão de visita. Soltou uma bomba bem no meio do pátio da escola. A atitude do professor André foi chamá-lo para uma conversa. Tentou fazê-lo enxergar um pouco da realidade e qual o rumo ele estava dando a sua vida. “Eu tive uma conversa dura com ele, e ele aprendeu a lição”. Ensinando a mais de 20 anos, a professora Maria Valdete constata que o respeito tem diminuído. “A primeira educação, que é a da família, não está sendo boa”, afirma. Para muitos, o perfil da família é que tem mudado, e hoje elas estão mais desestruturadas. Katiane Brito é psicóloga no Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), onde desenvolve um trabalho de assistência às famílias, principalmente às mais pobres. Para ela, mesmo uma estrutura familiar composta por pai e mãe não garante um bom relacionamento. “O importante é 53
  • 56. que exista um ambiente familiar saudável em diversos sentidos. Mesmo quando não se tenha a figura do pai ou da mãe, ou de nenhum dos dois, alguém pode substituí-los com êxito”. Há quase quatro anos atendendo nos CRAS, disse que os Centros, ainda que não atuem diretamente nessa área, acabam recebendo várias demandas relacionadas ao processo de aprendizagem. E o diagnóstico muitas vezes acaba sendo diferente. “Na maioria das vezes, isso acaba sendo apenas o primeiro plano. Quando vamos verificar a situação a fundo, encontramos vários problemas e uma estrutura familiar fragilizada”. Sobre o respeito, destaca que as regras estabelecidas em casa são fundamentais para pôr limites na criança. “Se a criança não tiver respeito dentro de casa, não terá nem na escola nem em outro lugar”. Constatações como essas não podem simplesmente passar despercebidas. Mas é importante também reconhecer onde terminam os problemas sociais, trazidos pelos estudantes, e onde começam os da escola. São fatores que se associam para apresentar uma realidade. Mas o descaso, o trabalho mal feito e a incompetência não ganham respaldo por conta das problemáticas sociais. A princípio, a escola pública tem que melhorar muito para poder culpar unicamente os males externos. E alguns pontos ajudam a tornar esse discurso fraco. 54
  • 57. Uma prática não muito incomum é a de dar “um jeitinho” na nota do aluno. Quando ele perde por falta uma prova, uma atividade, ou o que for, alguns professores fazem transferência de nota de uma unidade para outra ou de uma atividade para outra. A nota migra simplesmente para que não seja feita uma nova avaliação. A impressão é que tanto faz. Nesse exemplo, como em outras situações, difícil é crer na desigualdade social ou na desestrutura familiar como elemento formador dessa circunstância. O que mais parece é o que mais é: descompromisso. Isso quando o descompromisso é individual. Mas quando acontece de faltar professor na escola, por não conseguir contratação, a direção “dobra” a nota do aluno. O aluno não pode ser reprovado numa matéria que não teve professor naquela unidade. E fica apenas com a nota. Tanto faz também quem assiste aula. Alguns alunos relatam que muitos professores não estão preocupados com quem entra ou sai da sala. “Eles nem colocam falta”, diz uma aluna do Dagmar. Assim eles vão entrando, saindo, entrando, saindo, ou nem entram: amontoam-se em conversas. A professora Gilzete entende que muitos professores não se dão o respeito. “Eles deveriam se impor, mas não se impõem”. O resultado é que 55
  • 58. alguns alunos sentem falta de mais rigor e de mais rigidez, ao passo que admitem pecarem no interesse. “Se fossem mais rígidos, acho que nos preocuparíamos mais”, admite a aluna. Já para justificar esse comportamento ruim, dão as mais singelas explicações, e elas vão desde os dias em que “está difícil assistir aula” até os professores ruins. “Muitos enrolam e não ensinam nada”, diz Naiane, aluna do 2º ano do Maria Dagmar. Se professor não liga para aluno que entra e sai, tem aluno que trata de não sair, como Jéssica Aparecida. Em 2009, ela concluiu o segundo ano do ensino médio no Colégio Estadual João Campos, em Riachão do Jacuípe. Diz que ama a escola, e acredita que os professores se esforçam como podem. “Acho que o professor quer que o aluno aprenda”. E, no geral, a escola cobra, a direção fica a vagar pelos corredores pedindo que os alunos retornem para as salas. Só que tem funcionado muito na base do quem quer. A professora Lea Cristina, do Maria Dagmar, se indaga sobre a situação atual do ensino. “Antes o aluno era completamente diferente. Mas não sei se foi também o ensino que mudou. Algo mudou. O aluno se preocupa muito com a nota”, conclui. 56
  • 59. X O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) tem sido um importante aliado da educação brasileira nos últimos anos. Através de estudos, pesquisas e exames tem organizado estatisticamente os dados da educação nacional e proporcionado uma leitura mais compreensiva acerca da realidade vivida em nossas escolas. A relevância dessas informações tem possibilitado ao país enxergar seus problemas e posteriormente formular políticas públicas condizentes com as carências de cada modalidade e região. E uma das formas adotadas para se obter tais informações foram os sistemas de avaliação de ensino, que passaram a medir o grau de conhecimento do estudante brasileiro através de aplicação de provas. O Sistema de Avaliação da Educação Básica, hoje, é composto pela Prova Brasil e o Saeb, dois exames complementares que produzem amostragens diferentes; o Enem, exame nacional do ensino médio, também mudou ao longo do tempo, e recentemente tornou-se mais parecido com um grande vestibular do que com uma prova de caráter avaliativo; o Enade, antigo “Provão”, avalia os estudantes de nível superior. 57
  • 60. Esses instrumentos têm mostrado ao país quão deficitário continua o nosso sistema educacional em alguns pontos. Os assustadores números da Prova Brasil de 2007 mostram que a qualidade não ocupa nem o segundo plano das prioridades de nossas escolas. A verdade é que os números expõem o atraso e um longo caminho a ser percorrido na medida em que escancaram a trágica qualidade do ensino. Em Biritinga e Riachão do Jacuípe, vários estudantes foram submetidos à Prova. Como o objetivo é medir o grau de conhecimento dos alunos, ela é aplicada aos estudantes das séries inicias e finais do ensino fundamental: para os que estão na 4ª e 8ª séries (ensino fundamental de 8 anos) e os que estão no 5º e 9º (novo ensino fundamental de 9 anos) em turmas de pelo menos 20 alunos matriculados. As instituições de ensino não se inscrevem para participar do exame. O Inep, baseado nos dados do Censo da Educação Básica, define automaticamente aquelas que irão. Na prova em si, o estudante se depara com questões básicas e essenciais de Língua Portuguesa e Matemática, que testam sua capacidade de resolver alguns problemas e sua compreensão de leitura. Em Riachão do Jacuípe, três escolas estaduais e seis municipais tiveram seus alunos avaliados pela Prova Brasil. 58
  • 61. Uma amostra que contou com 175 estudantes da quarta série e 220 da oitava, entre alunos do Estado e do município. Em Biritinga, só os alunos da Escola Municipal Eujacio Simões é que testaram o nível da quarta série da cidade. Num total de 84. Entre os estudantes da oitava série, 106 estavam matriculados no Colégio Municipal de Biritinga e outros 52 estudavam nas duas escolas biritinguenses do Estado. Os resultados indagam e engasgam. A organização Todos Pela Educação estabeleceu cinco metas que devem ser alcançadas pelo país até 7 de setembro de 2022. Entre elas, a Meta número três destaca o direito que o aluno tem de aprender. Para medir tal procedimento e monitorá-lo durante os próximos anos, definiu as notas ideais que os alunos devem tirar na Prova Brasil/Saeb. Como são provas iguais para séries diferentes, adotou patamares diferentes para cada série e matéria. Num exemplo, o aluno de quarta série só terá aprendido o que é essencial em Português se tirou nota superior a 200 pontos. O aluno da oitava, obviamente, é mais cobrado, e precisa de 275 pontos. Munidos desses dados, acompanham e divulgam no site oficial da organização a situação de cada cidade brasileira, incluindo Biritinga e Riachão do Jacuípe. A idéia é que até 2022 59
  • 62. 70% ou mais dos alunos tenham um aprendizado adequado à sua série. Ao que parece, pelos números atuais, será uma tarefa bastante difícil. Segundo os números da Prova Brasil, tendo como parâmetro as medidas definidas pelo Movimento Todos Pela Educação (adotadas pelo próprio Ministério da Educação), 5,5% dos alunos da oitava série de Riachão do Jacuípe aprenderam o que deles era esperado em Matemática. E pode ser pior. Na mesma matéria, 4,6% dos alunos da quarta série obtiveram um resultado apropriado. Isso quer dizer que 95,4% dos pequenos alunos não aprenderam aquilo que deveriam. É o direito de ir à escola que não dá carona ao direito de aprender. Na cidade, a coisa nunca não melhora muito, e o melhor resultado é um acanhando 15% em Língua Portuguesa, dos alunos da oitava série. Em Biritinga, a situação melhora um pouco, mas também não insinua sorrir. Na 4ª série, os percentuais são de 26,2% e 20,2% para Língua Portuguesa e Matemática, respectivamente. Percentuais comparados aos nacionais, que incluem, por abrangerem a mostra do Saeb, até mesmo as escolas particulares. A fundo, os números por si só não revelam tudo. Vale lembrar que são números referentes apenas aos 84 alunos do Eujacio Simões, escola municipal de Biritinga. Realidade 60
  • 63. ruim, mas ainda assim positiva, soa confusa quando comparada com as séries finais. Na 8ª, o desempenho cai para 15,2% e 5,1%, respectivamente. A esmagadora maioria não tem aprendido o suficiente nas escolas brasileiras. Nem em Biritinga nem em Riachão do Jacuípe. São números que comungam com a realidade apresentada pela PNAD, que demonstram muitos alunos analfabetos mesmo freqüentando a escola. Mais populares, os dados do Enem são divulgados todos os anos e medem a qualidade do ensino médio. A notícia mais associada à divulgação desses números é a disparidade entre as escolas particulares e as escolas públicas. Num ranking organizado pelo jornal Folha de São Paulo, que reunia quase 2 mil colégios com os melhores resultados do Enem 2008, apenas 151 eram públicos, incluindo 83 federais, considerados uma elite dentro do sistema. No ranking geral, com mais de 27 mil colégios, o primeiro colégio público baiano tradicional que aparece é o Municipal Dr. João Paim, de São Sebastião do Passé. Sua posição: 2.672. 61
  • 64. Entre as duas cidades, o estadual Professor Dídimo M. Rios, de Riachão do Jacuípe, é quem melhor figura, mas apenas na posição 13.448. Esse tipo de avaliação não mede apenas a qualidade da escola, mas de todo o ensino e as partes envolvidas. O nível dos alunos, dos professores, dos pais e até mesmo das políticas e estratégias adotadas. O aprendizado é proporcionando por vários componentes, por isso o professor Evando acredita que o sistema de avaliação por provas é útil, mas que poder ir mais além. “Não sou contra, mas também não vou dizer que é realmente eficaz, existem outras formas. Mas sei que hoje é a única”. O Enem é realizado todos os anos e a Prova Brasil/Saeb em dois em dois. Já no fim de 2009, os estudantes da educação básica se depararam novamente com a avaliação. Os resultados estão previstos para julho de 2010. 62
  • 65. XI Boa ou ruim, saudosa ou traumática, poucos são aqueles que na vida não carregam uma marcante lembrança dos tempos de escola. Para alguns, a experiência de estudar foi tão significante que despertara o desejo de ensinar. Meninas de outrora, algumas professoras têm boas lembranças dos anos de estudantes. A professora Maria do Rosário é uma delas. Hoje diretora do Colégio João Campos, se considera uma felizarda por ter tido uma excelente professora nas séries iniciais. “Ela era uma professora de mão cheia”, orgulha-se. Essa boa referência fez da antiga mestra um ídolo, e da pequena aprendiz, uma educadora. Assim, outras também sonharam com a profissão, e tinham a genuína vontade de estarem à frente de uma sala. A professora Lindinalva achava a profissão muito bonita. “Quando menor, eu brincava de ser professora”. E apesar de ter conseguido, lamenta a situação atual, e não esconde querer se aposentar. “Hoje, estou desiludida”. Por diversos motivos, a profissão está pouco atrativa e boa parte dos profissionais da área se queixam da desvalorização. A ausência de um bom plano de carreira, a carga horária pesada e os salários baixos são as deficiências mais comuns apontadas por aqueles que acreditam na falta de reconhecimento da 63
  • 66. profissão. No Brasil, cada vez menos estudantes têm optado em seguir a carreira de professor. De acordo com dados do Ministério da Educação, o número de alunos se formando em cursos de licenciatura tem caído nos últimos anos. Em 2006, houve uma queda de 9,3% do número de alunos que se formaram naquele ano com relação aos que se formaram em 2005. De 2006 para 2007, a queda continuou. O número foi 4,5% menor. O baixo salário tem formado menos estudantes e atraído profissionais ruins. E o desprestígio da classe é ainda maior no Nordeste, que conta com a pior média de salários de todo o país. O MEC elaborou um levantamento com dados da PNAD de 2008 referente aos ganhos dos professores da educação básica. Padronizando a carga horária em 40 horas, o resultado foi uma média nacional de R$ 1.527 mensais. Em todo o Nordeste, apenas o Estado de Sergipe oferece ganhos superiores a média nacional. E os oito Estados restantes são simplesmente os donos das oito piores médias do país, com a Bahia amargurando uma média salarial de R$ 1.136 – a quarta pior do Brasil. Apesar dessa evidência, a questão divide muitos profissionais da área na região. Até porque, como o custo de vida varia de cidade para cidade, o poder de compra e o padrão de vida de 64
  • 67. cada professor altera-se de acordo com a realidade econômica em que vivem. Um mesmo salário pode ser ruim numa cidade como Salvador, capital do Estado, mas no mínimo razoável em cidades do porte de Biritinga e Riachão do Jacuípe. E embora seja unânime que os professores deveriam ganhar mais, a “desculpa” do salário nem sempre procede, principalmente para justificar um baixo rendimento. “Existem muitos professores que ganham miséria e fazem ótimos trabalhos. Não é só o salário, é estímulo”, atesta a ex- secretária de Educação de Riachão do Jacuípe, Jocivone Morais. Ela ainda acrescenta que muitos profissionais não têm mesmo é compromisso e vocação. Muitas vezes, por conta da carga horária pesada, da responsabilidade de ensinar e da própria sensação de abandono, todos os problemas misturam-se e o salário acaba sobressaindo- se como a mais genérica das queixas. “Essa coisa de ganhar mal, eles pegam o discurso no ar. Mal, mal, não ganham. O professor é que não é comprometido. Não se trata de salário, mas do profissional”, argumenta Evando. A professora Gilzete vai um pouco mais além e indaga sobre a escolha e a responsabilidade de cada um. “O professor sabe muito bem o quanto que vai ganhar no momento em que se inscreve no concurso. Se ele faz 65
  • 68. uma escolha errada, que culpa o aluno tem disso? É o aluno que tem que pagar por ela?”. Lea Cristina é formada em Biologia, e ensina a pouco mais de seis anos. Para ela, o professor está na base de todas as formações e deveria ser mais valorizado. Alega que, comparada com outras profissões, a de professor não é tão cobiçada por conta do baixo salário. “Ela tem muita importância e deveria ser reconhecida”. Certamente, bons salários atrairiam pessoas mais qualificadas, e seguraria alguns jovens professores interessados, mas que ficam desencorajados com as atuais condições. Gente de qualidade que pode e quer mais acaba buscando outros meios mais prósperos de sobrevivência, e em muitos casos abandonando a educação. O professor Gabriel de Oliveira, 26 anos, é formado em História e ensina a mais de 6 em escolas públicas, cursinhos e colégios particulares. No geral, acredita que o professor não ganha bem e projeta seu futuro. “Não quero parar de dar aula, mas também não quero viver do salário exclusivo de professor”. Um estudo financiado pela Fundação Lemann e pelo Instituto Futuro Brasil mostrou que apenas 5% dos melhores estudantes do ensino médio escolhem a árdua missão de ser professor do ensino básico. O perfil dos alunos 66
  • 69. que escolhem ser professor tem mudado tanto, que alguns cursos superiores têm oferecido meios de suprir algumas defasagens que os alunos demonstram ao entrarem na faculdade. Com a queda do nível, por conta do salário pouco atrativo, da perda do respeito e do reconhecimento profissional, aqueles sem perspectivas em outras áreas mais rentáveis estão optando pela educação. E muitos alunos ao invés de encontrarem a professora “de mão cheia” que encontrou a professora Maria Rosário, acabarão achando um profissional frustrado e ressentido, “sem vocação”. E que se pondere os males que tal profissional possa trazer a formação de alguém, a justiça solicita uma pequena nota: a incompetência reparte com todas as áreas o sacrifício do não saber. Se na educação isso pesa por que quem quase nada sabe quase nada tem para ensinar, tem engenheiro que não se atreve a entrar em casa que ergueu. 67
  • 70. XII Nos pátios das escolas, os alunos circulam em busca de suas missões. Muito que fazer. Vão ao banheiro, ao bebedouro, a secretaria... Se batem, se falam, se olham. E circulam. De vez em quando, a química trata de juntar as rodinhas, mas o assunto provável está mais para a trama da novela do que o diagrama de Linus Pauling... Em momentos assim, o que acontece está muito ligado a ausência de professores: os que deveriam ir e não vão, os que estão na sala como se não estivessem e os que não existem. No início do ano de 2009, as escolas estaduais apresentavam um déficit de 7.510 professores. Pouco mais de 2 mil foram contratados via Regime Especial de Direito Administrativo (REDA) e mais de 5 mil vagas ficaram sem ser preenchidas. Uma situação que agride mais uma escola do que outra, por conta do contingente e da ocorrência natural de desfalques durante o ano letivo. Com as férias, as aposentadorias, as licenças médicas e até mesmo os falecimentos o regime de contração temporária torna-se uma importante ferramenta para o preenchimento de vagas e solução imediata desses problemas. Acontece que nem sempre é assim que acontece, e outras 68
  • 71. peculiaridades continuam assessorando as já muitas deficiências da rede de ensino. Alguns diretores alertam que antes a coisa era um pouco pior. A criação da possibilidade de contratar estagiários temporariamente não dirimiu esta deficiência, mas ao mesmo tempo atenuou a situação de algumas escolas. Todo ano, atendendo a solicitação da própria secretaria, os colégios da rede estadual enviam uma relação com o número de professores que faltam para cada disciplina. Mas a coisa fica na mesma no que diz respeito ao quadro efetivo. As aposentadorias, licenças e outras situações alimentam uma instabilidade na hora de organizar os horários das escolas, que contam com um corpo docente próprio e uma realidade que varia de instituição para instituição. Contratar um estagiário pode ser um processo mais simples e menos oneroso para o Estado. O governo alega, inclusive, que há urgência na contratação do pessoal para não deixar o ano letivo prejudicado. O que se exige é que eles tenham pelo menos o nível médio para poder lecionar no ensino fundamental e estarem cursando no mínimo o quinto semestre da faculdade para lecionarem no ensino médio. 69
  • 72. Mas a falta de interesse de estudantes em determinadas áreas resulta na criação de um contingente pequeno para atender a demanda das escolas. O salário e as condições de trabalho pouco atraem e nem sempre se consegue encontrar interessados. Graças a própria dinâmica da profissão, o Colégio João Campos enfrentou em 2009 um dos piores anos com relação a ausência de professores. É o que assegura a professora Janete, vice-diretora da escola. A dificuldade surgiu na hora de contratar pessoas que atendessem as exigências, tivessem disponibilidade e interesse. Em alguns casos, o entrave já aparece no horário necessitado pela escola e o horário de aula do universitário. Já em outros, quando o estudante não reside na cidade, o custo-benefício do salário recebido com os gastos de transporte e alimentação é que acabam não valendo a pena. Por tanto, diante da falta de alguém que pudesse lecionar a disciplina de Língua Inglesa, a direção encaminhou no mês de setembro para a Direc II, em Feira de Santana, uma solicitação demandando a carência desse profissional. Quem intermedia essa contratação é o Instituo Euvaldo Lodi (IEL), especializado em seleção de estagiários. Sabendo da vaga, a empresa consulta o seu cadastro e procura os candidatos com o perfil necessário para fazer a seleção. Mas nem sempre acha interessados. 70
  • 73. Tempos depois, enviou uma resposta nada satisfatória. Um simples e-mail justificava que não tinha conseguido estudantes com disponibilidade de deslocamento. Pronto. Fica sem. E fica sem mesmo. Só no final do ano, após dois meses, é que um antigo professor da casa, que não é formado em inglês, foi contratado temporariamente. A vice- diretora pediu que fossem feitas atividades para não dar notas aos alunos de graça. Ainda no mesmo colégio, em 2009, faltou professor de Física por 3 meses, pois nenhum dos efetivos é formado na disciplina. Como só pode contratar em definitivo por meio de concurso, o poder público não conta com a flexibilidade natural das escolas particulares, que praticamente estão dispensadas de burocracias e substituem seus professores quando bem entende a precisão. O REDA é uma forma de dar agilidade, mas sua aplicação nem sempre é eficiente. Falta concurso para que não faltem professores. Em 3 de dezembro de 2009 o Tribunal de Justiça da Bahia decidiu que todos os aprovados no concurso realizado em 2006 para professores Classe III e coordenadores pedagógicos tinham o direito de serem nomeados até maio de 2010, prazo de 71
  • 74. validade do concurso. Na época, a secretaria de Educação rechaçou as críticas e minimizou a decisão do Tribunal, que determinava o preenchimento de todas as vagas abertas no edital. O secretário de Educação da Bahia, Osvaldo Barreto, deu entrevistas defendendo a contratação via REDA, considerada por ele um tipo de contração necessária. Defendeu que há casos de urgência, em regiões onde há carência de profissionais efetivos formados em algumas áreas específicas. Ressaltou que dos 3.769 professores selecionados no concurso, apenas 324 ainda não haviam sido convocados, e que um novo concurso já estava sendo preparado para o início de 2010, com 3.200 vagas. Mas as críticas não pararam. A ausência de coordenadores pedagógicos nas escolas públicas estaduais é motivo de queixa de 10 a cada 10 professores. Mas, mesmo assim, a secretaria sinalizou após a decisão do Tribunal que contrataria apenas 246 coordenadores das 800 vagas constantes no edital. Em entrevista ao jornal A Tarde, Barreto explicou que não seriam necessários tantos coordenadores pedagógicos para atender o projeto proposto pela secretaria. Em algumas cidades pequenas, um único coordenador seria o responsável por mais de uma escola. 72
  • 75. A contratação de pessoal não acontece assim de uma hora para outra. O poder público tem responsabilidades fiscais e os gastos com funcionários não podem simplesmente exorbitar. É preciso ter um orçamento previsto que englobe a contração dos novos contratados. Mas se o Estado já apresenta um déficit de professores e coordenadores, não parece que tenha muito mais o quê se esperar a não ser a definição de suas prioridades. Professores não deixarão de tirar licenças, aposentadorias, ou abandonar, por motivos diversos, a profissão. Se esta reposição não é tratada como prioridade, o que resta a escola fazer? Pode remanejar dentro do próprio quadro (quando possível for) ou pedir um novo profissional temporário, em caráter de urgência, quando urgência tiver. Só que o que acontece, em verdade, é que os contratados temporariamente estão sempre presentes, porque mais baratos. Mas como recebem pouco, eles terminam buscando outras opções, gerando uma nova instabilidade na escola. Se não pode contratar quem quer, por conta dos impasses burocráticos, provavelmente a solução passaria por uma contratação mais apropriada, com base no que realmente precisa, e feita com mais freqüência. Desse modo, as vagas que 73
  • 76. fossem aparecendo poderiam ser preenchidas por ocupantes do cadastro de reserva, que aos poucos iriam se tornando efetivos. Só que novos concursos surgem, mesmo que raros, quando o déficit até já aumentou. Medidas sérias e prioritárias precisam ser tomadas para que desfalques recorrentes não signifiquem perdas irreparáveis no aprendizado do aluno. Misturar a burocracia para contratar com a incompetência para planejar pode ser fatal. E o aluno não escapa. A aprendizagem não sobrevive. E a falta de professor é a fratura exposta dessa educação acidentada. 74
  • 77. XIII Outra situação incômoda a qual estão submetidos muitos alunos, é a triste constatação de que alguns professores são deslocados para ensinar o que não sabem. Historicamente, alguns cursos formam menos profissionais. Isso, somando-se ao salário – que nem sempre consegue competir com as outras ofertas de emprego existentes no mercado –, acaba deixando a rede pública de ensino com uma carência crônica de professores em algumas disciplinas. Segundo dados do Censo Escolar de 2007, a situação é mais grave nas séries finais do ensino fundamental. Em todas as principais matérias que contemplam o currículo escolar dos alunos, ao menos 10% dos professores de nível superior ensinam sem a devida licença. Em Física, por exemplo, esse número chega a 16,82% do total. No ensino médio, a mesma disciplina piora um pouco, e 16,90% dos professores ensinam sem licença. Apesar de a situação amenizar um pouco nessa etapa do ensino, com mais professores lecionando com licença, matérias como Química e Matemática ainda apresentam dificuldades. Nas escolas municipais de Biritinga, 114 dos 267 professores efetivos são graduados. No antigo ginásio, correspondente as 75
  • 78. séries finais do ensino fundamental, 15 professores lecionam disciplinas na qual estão habilitados. Dados, muitas vezes, não expõem histórias. A professora Diacuy Cordeiro Lima, é professora em Biritinga a 10 anos. Formada em Letras com Língua Portuguesa pela Universidade do Estado da Bahia (Uneb), nunca se sentiu realmente preparada para ensinar a matéria nas escolas. Em Biritinga, só ensinou Português no primeiro ano que entrou, mas logo pediu que lhe colocassem para ensinar Matemática. Desde então, ninguém a conhece por outra coisa a não ser como professora de Matemática. “Eu gosto de Matemática e tenho condições de ensinar bem a matéria. Sinto-me segura. Segurança que não tenho para ensinar Português”, admite. Formação nem sempre é garantia. Um bom número de professores sabe ensinar bem mesmo sem nunca ter feito faculdade ou um curso específico para aquela disciplina. Contudo, a carência não é uma invenção, mas um retrato da realidade. Tal aspecto aparece sempre quando é necessário compor o quadro de aulas e a carga horária dos professores. “Sempre tem um professor que acaba pegando uma matéria que não quer”, afirma Janete Mascarenhas. 76
  • 79. Quando essa escassez de alguns profissionais especializados atinge a escola, a solução encontrada é um balanceamento, de modo que prejudique o aluno o menos possível. Os diretores elencam todo o corpo docente e tentam de todas as formas construírem uma grade adequada, de acordo com a série, o nível, a disciplina e o horário. “Mas chega um momento que você não tem escolha”, garante Evando. Os professores “especialistas” ficam onde pede especialidade, e os que não possuem, “descem”. As vagas que sobram são destinadas àqueles que têm mais inclinação e afinidade, de acordo com alguns critérios. Mas outras vezes não. O professor Gabriel já foi deslocado para ensinar Educação Física. “Eu disse aos alunos que faria o melhor que pudesse, mas que não sabia”. A boa vontade e o espírito de colaboração até que toca o coração, mas não atinge o cérebro. 77
  • 80. XIV Inserida no meio de toda essa confusão que envolve o principal agente da educação, uma categoria ainda falta ser citada. Talvez essa não afete tanto o ensino, mas revele uns jeitinhos possíveis e o gosto pelo o ofício. Alguns profissionais constam que ensinam, mas nem por isso ensinam. Se os alunos fossem perguntados sobre a dinâmica de aula de alguns professores, diriam, sem titubear, “a mudança de substituto”. Por diversos motivos e razões, alguns professores se ausentam da sala de aula, colocam um substituto em seu lugar e apenas assinam a aula que não dão. Interligadas que são as coisas, a falta de professores não deixa de se relacionar com essa prática. Em determinadas situações, tem quem prefira transferir a responsabilidade de ensinar a se prestar ao papel de fazer de conta. Quando recebe uma matéria que pouco entende, “coloca” algum substituto. Só que nem todos os casos são acompanhados de dilemas assim. Com mais ou menos freqüência, tem aqueles que adotam a prática por querer, por preferir assim. “O colégio aceita, e às vezes é até melhor, já que a escola recebe muitas queixas daquele professor”, diz Gilzete. Sempre unindo o útil a necessidade, as coisas vão sendo contornadas. 78
  • 81. XV Algumas escolas mudaram pouco nos últimos anos. Quem nelas estudou há tempos atrás têm a sensação de que ali está o que ali sempre esteve, como nos tempos de juventude. Assim de fora, pouco mudou mesmo. Mas dentro, as salas de aula sofreram uma sutil mudança, que deu ares inovadores ao ensino. As tecnologias já transformam o mundo e o modo de viver das pessoas há muitos anos, mas talvez nunca, ao menos no Brasil, tenha modificado tanto o espaço da escola. Laboratórios de informática, televisores, aparelhos de DVDs, TVs Pen Drives e projetores têm penetrado o ambiente escolar ao longo dos últimos anos. Essas transformações têm ocorrido de forma gradativa, através de programas e projetos governamentais que tentam implementar o acesso dessas novas tecnologias aos alunos da rede pública de ensino. Só que esse processo, principalmente no que se refere aos laboratórios de informática, esbarra no despreparo dos professores e na falta de manutenção dos equipamentos. Quase sempre, os políticos acabam despejando os recursos de forma apressada e sem tantos critérios, mais preocupados em tirar benefícios do benefício concedido do que beneficiar os supostos 79
  • 82. beneficiados. O resultado dessa disseminação desordenada e apressada é que os equipamentos são entregues a professores que desconhecem o seu manuseio e a escolas que não possuem condições de oferecer suporte para os reparos e instalações. Sem o domínio da ferramenta, não há como utilizar o recurso tecnológico de forma eficiente. O simples oferecimento do aparato não garante a melhoria do ensino, e seu uso inadequado pouco acrescenta. “Eles não ensinam a usar os aparelhos, simplesmente colocam na escola”, reclama a professora Lindinalva. Diante desse cenário, o Ministério da Educação tem procurado formar os profissionais. Em 2008, criou o Proinfo Integrado, um programa que inicia os professores no universo da educação digital. Na primeira etapa, eles adquirem informações sobre as tecnologias e só depois aprendem a aplicar os recursos como ferramenta educacional. O curso tem um total de 180 horas, mas pretende formar, até o final de 2010, 240 mil professores do ensino básico, numa rede que conta com 2,5 milhões de profissionais. Ainda é pouco. Na maioria dos colégios, os computadores continuam subutilizados, por conta do despreparo e até mesmo do desinteresse. O secretário de Educação do município de Riachão do Jacuípe lamenta que até mesmo alguns professores mais 80
  • 83. jovens não demonstram interesse em usar os recursos. “Você pensa que eles chegam com espírito de modernidade, adaptados as novas tecnologias, mas muitos são tradicionalistas. Pedimos para que eles usem os laboratórios, mas não se importam, não usam”. O aproveitamento dos laboratórios também é afetado pela falta de manutenção dos computadores. Sem ter todo esse poder financeiro de resolver os problemas num estalar de dedos, as novas estruturas empacam nos velhos problemas. O orçamento da escola não mudou muito, e as despesas continuam as de sempre. Num laboratório comum, com média de 10 computadores, sempre há um risco de defeitos aparecerem. Nessas horas é preciso consultar o caixa para saber o que pode ser feito: quando um profissional pode vir, quando a peça poderá ser reposta... E o tempo vai passando. Outras situações mais emergenciais tomam a frente das necessidades dos laboratórios. Ocasionalmente o número de máquinas disponíveis para os alunos diminui, e os laboratórios passam de 10 a quatro computadores, por exemplo. “É mais fácil a gente conseguir outro computador. Esse ao menos existe a possibilidade de pedir”, acrescenta a professora Janete Mascarenhas. Para agravar a situação, duas escolas do Estado foram vítimas de furto. Os colégios Osvaldo Cruz e João Campos, de Riachão 81
  • 84. do Jacuípe, tiveram o número de computadores reduzidos por causa de uma ilustre visita aos laboratórios da escola. Identificado, um sujeito se passou de funcionário da empresa que instalou os computadores e mergulhou sorrateiramente nos laboratórios. Como foram instalados na mesma “leva”, o suposto funcionário alegou que iria fazer uma manutenção de rotina nas escolas. Segundo uma funcionária, ele “veio ver se estava tudo ok”. Sem suspeitar nem imaginar, as escolas permitiram, e ele trancafiou-se na sua esperta manutenção. Aos poucos, sentindo falta de uma peça aqui, outra ali, de um computador “quebrado”, outro também, identificaram o problema. “Após instalar a internet, perceberam que apenas três computadores estavam funcionando e perguntaram o porquê”. Apesar da perícia e tudo o mais, as peças furtadas não foram repostas. A sorte é que, por conta do andar da carruagem, os jovens alunos têm acesso a computador e a internet em outros lugares que não somente a escola. Mas essa não é realidade de muitos que são atendidos pela rede pública de ensino, que possuem na escola a única forma de acesso a ambas as tecnologias. Dados do IBGE indicam que o Nordeste tem o pior índice de acesso a 82
  • 85. internet do país. Na região, a porcentagem da população com acesso a grande rede pulou de 11,9% em 2005 para 25,1% em 2008. Apesar do crescimento, continua em último lugar. Com o crescimento da internet no Brasil e no mundo, com a informatização e a digitalização, tornou-se inevitável que as escolas incorporassem as tecnologias ao seu sistema de ensino. Não fosse só pela exclusão em si, até mesmo as antigas operações administrativas das escolas estão sendo feitas com o uso da informática. Provas, requerimentos, solicitações e fichas dos alunos passaram a ser informatizados. Equipamentos modernos assim muitas vezes destoam com o aspecto de alguns estabelecimentos educacionais. No começo de 2009, os colégios estaduais começaram o ano com TVs Pen Drives, um tipo de monitor educacional que possibilita dinamizar as aulas com vários recursos de áudio, vídeo e imagem. O investimento, de R$ 38 milhões, beneficiou as 18 mil salas de aula das 1.681 escolas da rede, além de salas de professores e bibliotecas. Num total, 22 mil monitores foram adquiridos. A ausência de elementos básicos para o funcionamento do estabelecimento contrasta com as modernas aquisições das escolas. No colégio João Campos, faltam mesas para os professores em sala de aula, que improvisam com mesas 83
  • 86. da biblioteca. Das 18 Tvs Pen Drives recebidas pelo colégio, apenas 11 foram instaladas. As outras sete estão dentro da caixa esperando o colégio ter condições de fazer as instalações elétricas e uns pequenos reparos para adaptar as salas. O professor Evando é crítico quanto a esse tipo de ação. “Base boa para os alunos e formação adequada para os professores. Sem essas coisas essenciais, o resto é utopia” 84
  • 87. XVI Os alunos que residem na zona rural encontram um problema a mais na hora de estudar. Geralmente eles estudam em suas localidades até a quarta série, em classes multisseriadas, e depois precisam de deslocamento para ter acesso a séries posteriores. Em alguns casos, eles freqüentam ainda mais cedo as escolas da sede do município, quando os pais consentem que essa seja a melhor opção para o filho, ou por falta de escola em alguma localidade próxima. Como o poder público tem a obrigação de oferecer o transporte escolar, quem realmente decide sobre as matrículas dos filhos são os pais. Sem o transporte, seria difícil garantir o acesso de muitos alunos a rede pública de ensino. A distância pode ser uma inimiga para quem precisa estudar, pois nem sempre se vive onde se tem uma escola por perto. Nascida e criada no povoado do Malhador, em Riachão do Jacuípe, a professora Maria Rosário deu os seus primeiros passos rumo à docência numa escola da zona rural. De manhã ia para escola e quando chegava ainda cumpria várias obrigações domésticas antes de estudar. E o caminho não era cômodo. Distante seis quilômetros de sua casa, andava 12 km diários para 85
  • 88. ir à escola. “Meus pais vendiam leite, e quando tinha que deixar os galões no caminho, íamos de jegue para escola, eu adorava”. Hoje os tempos são menos árduos. Seus sobrinhos estudam na mesma escola em que estudou, e percorrem de moto o mesmo caminho por onde tanto andou. São duas gerações que evidenciam diferentes momentos da educação brasileira. As motos são custeadas pelo poder público, e representam uma forma de garantir o acesso do estudante a escola. Desde a Constituição de 1988, o Estado brasileiro tem por obrigação buscar meios de viabilizar o acesso das crianças e jovens à educação. Entretanto, a mudança de mentalidade não garante também o acesso, nem mesmo sua rigorosa qualidade. Penetrando os vários rincões das duas cidades, mais de 100 veículos trafegam com alunos e professores pelas estradas biritinguenses e jacuipenses. Excetuando um microônibus e um ônibus adquiridos por meio de convênios pela cidade de Biritinga nos finais de 2008 e 2009, respectivamente, todos os transportes são terceirizados e prestam serviços às prefeituras. Cada motorista é remunerado por quilômetro rodado, de acordo com o seu trajeto diário. A conta não é muito complicada. Se de determinada localidade até a sede do município a distância percorrida for de 15 km, conta-se a ida/volta, 30 km, e o número 86