O documento descreve dois movimentos arquitetônicos holandeses no início do século XX: a Escola de Amesterdão, que favorecia um estilo mais conservador e monumental inspirado no expressionismo, e o Racionalismo de Roterdão, que representava a inovação, higienismo e racionalismo. Embora diferentes em suas abordagens, ambos os movimentos contribuíram para o desenvolvimento da arquitetura moderna na Holanda, com figuras como Berlage e Oud consolidando suas ideias através de projetos notáveis. No final, Siza V
1. Escola de Amesterdão | Racionalismo de Roterdão: co-habitar
O início do século XX é marcado por movimentos de rotura e de procura de novas
soluções que precedem e antevêem a chegada da Arquitectura Moderna. Na Holanda,
esta procura veio introduzir uma nova fase da Arquitectura daquele século, centrada
em dois focos distintos de ideias e premissas que se tomavam por divergentes: a
Escola de Amesterdão e o Racionalismo de Roterdão. Estas duas linhas criativas
destacam-se com ênfase; a primeira por desejar uma arquitectura mais conservadora
e monumental, que se regia pela linha do expressionismo e da Wendingen; a segunda
por representar um momento em que se afirma a inovação, o higienismo e o
racionalismo.
Estes dois movimentos não diferem de vanguardas precedentes, do ponto de vista de
que, também no âmbito da criação destas duas experiências, surgem figuras que são
alavancadoras de ambas as partes e que vêm consolidar as premissas defendidas por
cada uma delas. No que diz respeito à Escola de Amesterdão, é Berlage quem se
assume como figura tutelar dos arquitectos que se vão associar a esta perspectiva.
Em harmonia com a legislação então existente, que visava uma expansão da cidade
equilibrada e ordenada, permitindo a construção de grandes edifícios como objecto de
quarteirão, Berlage elaborou um plano de expansão para Amesterdão-Sul, onde está
em evidência a inovação; este processo deu lugar, posteriormente, a que os
arquitectos da escola de Amesterdão viessem a desenhar os edifícios. Vai criar-se
uma arquitectura social-democrata, cujo objectivo passa por criar novas e melhores
condições sociais, sendo a “família” o centro de todo o processo; queria-se que o
quarteirão resultasse numa espécie de bloco unitário, e a ideia do ordenar vai ter
particular relevância reflectindo-se, desde logo, na busca de uma homogeneidade no
desenho dos edifícios.
De Klerk vem materializar este conceito. A Habitação Vrijheidslaan invoca a ideia fria e
violenta de desenhar um bairro social na periferia da cidade, no entanto quer-se que
esse conceito seja enaltecido. Na concepção do Complexo de Habitação em que De
Klerk coopera com Kramer, são desenhados pormenores, como as chaminés que
viriam a ser abolidas na Arquitectura Moderna ou esquinas que são concebidas de
forma gráfica e monumental, que caracterizam estes blocos de forma e conceder-lhes
alguma amabilidade na relação com as zonas periféricas. O que se está a fazer aqui é
uma exploração das técnicas tradicionais para se poder inovar. O Edifício de
Habitação Spaarndammrplantsoen, em Amesterdão, representa o espírito inventivo
2. que se procurava, apresentando um jogo de negativos e de esquinas que surgem
diferentes umas das outras. Poder-se-ia dizer que há uma espécie de delírio. Os
Edifícios de Habitação Eigen Haard são imagem da presença de um certo romantismo,
objectos que se afirmam de um modo muito mais artesanal e humano ao estilo de
Ruskin, afastando-se da Arquitectura do Ferro. Do mesmo modo, não se pode ignorar
este certo “namoro” com a obra de Frank Lloyd Wright, já que se reforçam as
premissas da horizontalidade e do “pertencer à terra”; cita-se o professor Jorge
Figueira que sugere que “até os candeeiros da rua aparecem perfeitamente
integrados”. O resultado de todo este processo é uma Arquitectura com perenidade,
que tem um certo horror à repetição.
Do outro lado, o higienismo racionalista de Roterdão consolidava igualmente as suas
premissas. Brinkman materializa o quarteirão Spangen, em Roterdão, onde surge o
tema da mítica “estrada no ar”, muito pioneiro, esta espécie de varanda que dá acesso
aos blocos de habitação. J.J.P. Oud é autor de obras que trazem uma nova tectónica
aos edifícios, catalisada pelos novos materiais. No Edifício de Habitação Kiefhoek,
Oud cria um jogo permanente entre ideias conservadoras e ideias neoplásticas.
Estamos perante uma arquitectura higienista e despojada. O Sanatório Zonnestraal
em Hilversum, de Johannes Duiker, remete para os temas da Arquitectura Moderna,
onde se evidencia a presença dominante do vidro em relação à parede. A Fábrica Van
Nelle, concebida por Brinkman e Vlugt retomam a ideia das “passerelles” suspensas
que são o sonho do Construtivismo: a leitura que se faz destes elementos traduz a
intenção de se criar uma espécie de ponte entre os materiais, em vez de espaços
habitáveis. O Município de Hilversum, de Dudock, é extraordinariamente Wrightiano,
reforçando a ideia de que a obra de Wright é uma “personagem” influente no
desenvolvimento deste processo. O que acontece aqui é que se resgata a arquitectura
de Wright para o tradicional, enquanto que o neoplasticismo resgata a arquitectura de
Wright para o vanguardismo.
Em nota conclusiva, é Siza Vieira, numa homenagem à Arquitectura Holandesa, à
Escola de Amesterdão, do tijolo e da singularidade volumétrica; e à experiência de
Roterdão, do cubismo e das cores neoplásticas, quem nos mostra que, afinal, estas
duas Escolas não são antagónicas, podendo antes co-habitar. Projecta a Doejijnstraat
em Haia, que é não mais que uma vénia à História da Arquitectura Holandesa, não
escolhendo nenhum dos lados ou, se quisermos, escolhendo os dois.