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Abaixo seguem diversos artigos extraídos da coluna “reflexão” da revista Ultimato
(www.ultimato.com.br), escritos pelo pastor Ricardo Gondim – Pr. da Igreja Ass. Deus Betesda em
São Paulo SP
Igrejas também morrem
Ricardo Gondim Rodrigues
Na Inglaterra, entrei em um salão de snooker sentindo náuseas. A vertigem que invadiu meu
corpo foi diferente de tudo que já sentira antes. As mesas verdes espalhadas pelo largo espaço
lembravam-me um necrotério.
Eu explico o porquê. Aquele salão havia sido a nave de uma igreja, que definhou através dos
anos, até ser vendido. O pastor que me levou nessa insólita visita relatou que na Inglaterra há um
grande número de igrejas que morreram lentamente. Devido aos altos custos de manutenção, só
restava ao remanescente negociá-las. Os maiores compradores, segundo ele, são os muçulmanos,
donos de lojas de antigüidades e, infelizmente, de bares e boates. Vendo o púlpito talhado em
pedra com inscrições de textos bíblicos — "Pregamos a Cristo crucificado"; "O sangue Cristo nos
purifica de todo pecado" —, voltei no tempo e lembrei-me de que aquela igreja, fundada durante o
avivamento wesleyano, já fora um espaço de muita vitalidade espiritual. As placas de granito e
mármore, ainda fixadas nas paredes, mostravam que naquele altar — então balcão do bar —
pregaram pastores e missionários ilustres. Imaginei aquele grande espaço, hoje cheio de homens
vazios, lotado de pessoas ansiosas por participarem do mover de Deus que varria toda a
Inglaterra. Perguntei a mim mesmo: "o que levou essa congregação a morrer de forma tão
patética?". Nesses meus solilóquios, pensei no Brasil. Semelhantemente ao avivamento
wesleyano, experimentamos um crescimento numérico nas igrejas brasileiras. Há uma
efervescência religiosa em nosso país. As periferias das grandes cidades estão apinhadas de
templos evangélicos, todos repletos. Grandes denominações compram estações de rádio e
televisão. Cantores evangélicos gravam e vendem muitos CD’s. Publicam-se revistas e livros.
Comercializam-se bugigangas religiosas nas várias livrarias, que também se multiplicam,
interligadas pelo sistema de franquias. Por outro lado, diferentemente do que aconteceu na
Inglaterra, o despertamento religioso brasileiro tem uma consistência doutrinária rala, demonstra
pouca preocupação ética e um mínimo de impacto social.
Os desdobramentos destas constatações são preocupantes. Se, com toda a firmeza doutrinária,
ética e disciplina anglo-saxônica aquelas igrejas morreram, o mesmo pode acontecer no Brasil?
Infelizmente sim. As razões que implodiram inúmeras congregações européias, obviamente são
diferentes. Lá, houve um forte movimento anti-clerical motivado pela secularização do Estado e
das universidades. A teologia liberal minou o ânimo evangelístico e os processos de
institucionalização do que era apenas um movimento jogaram a última pá de cal nos sonhos dos
antigos avivalistas ingleses.
Quais os perigos que ameaçam o futuro do movimento evangélico brasileiro? Alguns já se
mostram de forma exuberante.
A trivialização do sagrado
Visitar qualquer igreja evangélica no Brasil é oportunidade para perceber uma forte tendência
teológica e litúrgica na busca de uma divindade que se molde aos contornos teológicos dessa
igreja e que ofereça apoio aos anseios e caprichos pessoais. Faltam temor e espanto diante de
Deus. O único medo é o do pastor: de que a oferta não cubra as despesas e os seus planos de
expansão. A cultura evangélica nacional está fomentando uma atitude muito displicente quanto ao
sagrado. O deus que está a serviço de seu povo para lhes cumprir todos os desejos certamente
não é o Deus da exortação de Hebreus 12.28-29: "Por isso, recebendo nós um reino inabalável,
retenhamos a graça, pela qual sirvamos a Deus de modo agradável, com reverência e santo
temor; porque o nosso Deus é fogo consumidor". O tom de voz exigente e determinante como se
fala com Deus hoje deixa a dúvida quanto a quem é o senhor de quem. As experiências que só
geram arrepios pelo corpo são relatadas como se Deus fosse apenas um estimulante químico.
Certos pastores dizem falar e ouvir a voz de Deus — para serem contraditos pelas suas próprias
falsas profecias — sem levar em conta que "Deus não terá por inocente aquele que tomar o seu
nome em vão". Os milagres, aumentados pela manipulação, revelam uma falta de temor. O
descaso com o sagrado é uma faca de dois gumes. Se, por um lado, demonstra grande
familiaridade, por outro, gera complacência. Complacência e enfado são sinônimos entre si. Se
nos acostumarmos com o mistério de Deus e trivializarmos sua presença, acabaremos colocando-
o na mesma categoria de nossos encontros mais corriqueiros, daqueles que podem ser adiados ou
não, dependendo de nossas conveniências. Acabaremos entediados de Deus.
O esvaziamento dos conteúdos
Uma das marcas mais patéticas do tempo em que vivemos é a repetição maçante de jargões nos
púlpitos evangélicos. Frases de efeito são copiadas e multiplicadas nos sermões. Algumas, vazias
de conteúdo, criam êxtases sem nenhum desdobramento. Servem para esconder o despreparo
teológico e a falta de esmero ministerial. Manipulam-se os auditórios, eleva-se a temperatura
emotiva dos cultos, mas não se cria um enraizamento de princípios. Gera-se um falso júbilo, mas
não se fornecem ferramentas para criar convicções espirituais. Hannah Arendet, filósofa do século
XX, ao comentar sobre o fato de que Eichmann, nazista, braço direito de Hitler, respondeu com
evasivas às interrogações do tribunal de guerra que o julgava sobre seus crimes, afirmou:
"Clichês, frases feitas, adesões a condutas e códigos de expressão convencionais e padronizados
têm a função socialmente reconhecida de nos proteger da realidade, ou seja, da exigência de
atenção do pensamento feita por todos os fatos e acontecimentos".
Qual será o futuro dessa geração que se contenta com um papagaiar contínuo de frases ocas que
só prometem prosperidade, vitória sobre demônios e triunfo na vida?
A mistura de meios e fins
Por anos, combateu-se a idéia de que os fins justificavam os meios, porque essa premissa
justificava comportamentos aéticos. Hoje, o problema aprofundou-se. Não se sabe mais o que é
meio e o que é fim. Não se sabe mais se a igreja existe para levantar dinheiro ou se o dinheiro
existe para dar continuidade à igreja. Canta-se para louvar a Deus ou para entretenimento do
povo? Publicam-se livros como negócio ou para divulgar uma idéia? Os programas de televisão
visam popularizar determinado ministério ou a proclamação da mensagem? As respostas a essas
perguntas não são facilmente encontradas. Cristo não virou as mesas dos cambistas no templo
simplesmente porque eles pretendiam prestar um serviço aos peregrinos que vinham adorar no
templo. Ele detectou que os meios e os fins estavam confusos e que já não se discernia com
clareza se o templo existia para mercadejar ou se mercadejava para ajudar no culto. A obsessão
por dinheiro, a corrida desenfreada por fama e prestígio, a paixão por títulos, revelam que muitas
igrejas já não sabem se existem para faturar. Muitos líderes já não gastam suas energias
buscando um auditório que os ouça, mas procuram uma mensagem que segure o seu auditório. A
confusão de meios e fins mata igrejas por asfixia.
O livro do Apocalipse mantém a advertência, muitas vezes desapercebida, de que igrejas morrem.
As sete igrejas ali mencionadas — inclusive a irrepreensível Filadélfia — acabaram-se. Resumemse a meros registros históricos. Não podemos achar abrigo na promessa de Mateus 16 — de que
as portas do inferno não prevalecerão contra a igreja — para justificar qualquer
irresponsabilidade. O livro do Apocalipse adverte: "Lembra-te, pois, de onde caíste arrepende-te,
e volta à prática das primeiras obras; e se não, venho a ti e moverei do seu lugar o teu candeeiro,
caso não te arrependas" (Ap 2.5).
Crescer numericamente não imuniza a igreja de perigos. Pelo contrário, torna-a mais vulnerável.
Resta perguntar: Será que agora, famosos e numericamente profusos, não estamos precisando de
profetas? Será que o tão propalado avivamento evangélico brasileiro não necessita de uma
Reforma? Aprendamos com a história. Um pequeno desvio hoje pode tornar-se um abismo
amanhã. Imaginar que podemos condenar nossas igrejas a se tornarem bares de snooker é um
sonho horrível. Porém, se não fizermos algo, esse pesadelo pode se tornar realidade.
Que Deus nos ajude.
Qual o futuro para os evangélicos brasileiros?
Ricardo Gondim
Muita história separa o primeiro do segundo CBE. Em 1983 os sonhos ainda não haviam morrido,
os muros altos da guerra fria continuavam de pé. Não havia o telescópio Hubble, computadores de
colo ou de bolso, nem telefone celular ou mapeamento genético. Ainda se tocavam discos de vinil.
Naquele tempo, o Saddam Hussein recebia verbas para aumentar o seu exército e tanto o
Pinochet como o Noriega eram considerados bons estadistas. Ninguém sabia quem era o Osama
Bin Laden. Considerava-se a China um país agrícola e atrasado. Ensinavam-nos que a besta do
Apocalipse seria dez países (não mais do que 10) europeus que se juntariam para renascer o
antigo Império Romano. Não existia o eixo do mal e sim o império do mal: a União Soviética e
seus países satélites.
No Brasil, a ditadura militar, asfixiada, procurava fôlego. Ligávamos pontualmente as nossas
televisões no Jornal Nacional, querendo saber a “versão oficial”. Vivíamos sob o manto escuro do
AI 5. Acreditava-se que justiça social era discurso de comunista. Os evangélicos compunham a
minoria silenciosa e impotente do Brasil. Contudo, apoiavam a ditadura e com ela permaneceram
até o apagar da luzes do regime. Pecavam os crentes que não votassem nos partidos da situação.
Mas, em 1983, o Congresso Brasileiro de Evangelização cravou uma estaca em nossa história. Ali
se falou do imperativo da igreja entrar pela porta da Missão Integral. E daí em diante procuramos
colocar maçaneta e azeitar os gonzos nas dobradiças desta porta tão pouco conhecida. Havia,
entretanto outras opções, tais como o adesismo politico.
Poderíamos simplesmente continuar com a atitude subserviente de alguns dos nossos líderes.
Bastaria repetir e ensinar uma frase vergonhosa, que os truculentos militares ouviam ressoar de
dentro das igrejas: “Sim, senhor”. Como também escolher resignarmo-nos à nossa condição de
colônia, fotocopiando as antigas formulações teológicas de nossos irmãos mais ricos e adiantados.
Com dólares fartos, construiríamos aqui filiais dos seus mega-projetos no primeiro mundo.
Vestiríamos ternos bem talhados, ganharíamos passagens para comparecer, (nunca falar) em suas
conferências missionárias. Havia também a porta da teologia da libertação nos prometendo
instrumentais que nos habilitariam a entender e transformar nossas idiossincrasias históricas.
Graças a Deus não optamos por nenhuma delas, e assim começamos a sair da nossa imaturidade
política. Não murchamos como uma colônia e nem embarcamos no neo-panteísmo esotérico que
hoje fascina os antigos marxistas cristãos.
Optamos pela proposta da Missão Integral. Formamos uma frente informal de homens e mulheres
que se propunham a perseguir o sonho de pregar todo o Evangelho a todos os homens e mulheres
em todas as suas circunstâncias. Cheios de medo, atravessamos caminhos estreitos e largos;
tentadores e cheios de ameaças. A cada passo, víamos nascer uma nova manhã, e nela sete
outras portas. Contudo, obstinadamente continuamos procurando nosso caminho. Com o pouco
que sabíamos, lutamos para reverter as injustiças sociais, semear paz e salvar alguns.
Acrescentamos à nossa humanidade uma esperança alvissareira: o reino de Deus está entre nós.
Com o CBEII, a igreja evangélica tem sim o que celebrar. Neste Brasil de dia claro, onde o sol não
conhece amanhecer ou anoitecer e as cores se confundem num branco radiante de constante
verão, testemunhamos sinais históricos do poder do Evangelho. O que celebrar nessa breve,
brevíssima, história?
Construimos nossa agenda missionária com os materiais que dispunhamos. Transfomamos nossas
paixões juvenis em tijolos. Rebocamos paredes com a argamassa de nossa impulsividade
romântica. Caiamos nossas paredes com a determinação de alcançarmos os confins da terra.
Rechaçamos a idéia de que somos um povo inexpressivo, desinteressante e pobre. Assim, fizemos
do caboclo um missionário, do sertanejo um desbravador espiritual e do migrante gaúcho um
plantador de igrejas. Não construímos nossa missão com ouro ou prata, mas com o suor anônimo
dos Silvas, com as mãos fortes das Marias e com os olhos de lince dos Zés Ninguém. Muitas
vezes, semeamos atabalhoadamente, mas com sinceridade.
Geramos pensadores. Não tantos, talvez, mas com densidade invejável. Homens e mulheres que
nos tiraram de nossos guetos denominacionais. Gente que nos ajudou a pular para fora dos fossos
cavados por alguns líderes reacionários e que nos mantinham inimigos de nós mesmos.
Também temos muito o que lamentar em nossa caminhada de vinte anos. Afinal de contas, somos
filhos desta geração. Com ela choramos enlutados a morte das utopias. Viajamos com os nossos
veleiros rumo a um porto que parecia nunca chegar. Sentimos muitas vezes que nossos sonhos
nos abandonavam, assim como a noite abandona o seresteiro na madrugada que se recusa virar
dia. Contemplamos um tempo pálido se repetindo monotonamente. A pós modernidade buscou
nos empurrar para uma história sem sentido. E em inúmeras ocasiões nos sentimos anestesiados.
Com o avivamento do terrorismo, nos sobreveio a sensação de que a história retrocedeu para o
início de uma longa noite. Escuridão povoada de ausências e sem estofos contra a intolerância.
Testemunhamos a superficialização da fé e a exuberância da espiritualidade “pret a porter”,
prometendo um êxtase intimista e imediato. Choramos a perda da dimensão comunitária da fé e o
renascimento do individualismo. Frustramo-nos com a nossa incapacidade de encarnar eticamente
muitos de nossos pressupostos teológicos.
Chegamos ao CBE II necessitando refazer o dever de casa para aprender a elencar novas ênfases
em nossas agendas. Precisamos saber enfatizar, como Jesus Cristo, diferentes dimensões da fé.
Ele ressaltou diferentes verdades em circunstâncias distintas. Numa determinada situação afirmou
que para ser um discípulo seu, as pessoas deveriam abrir mão de alguma coisas (Marcos 8.35,
Lucas 14.26), em outras ocasiões que precisava crer (João 5.24), e com a mesma convicção
declarou a necessidade do fazer (Mateus 25:44-46); como também que confessar era condição
para se entrar no Reino (Mateus 10:32).
Na pós-modernidade o verbo crer perdeu muita relevância. Hoje, as pessoas acreditam em
qualquer coisa. Se continuarmos privilegiando o verbo crer, não conseguiremos mais produzir
verdadeiros discípulos. Proponho que elejamos a Graça como o grande tema do novo milênio e
reaprendamos todo o significado do “Consumatum est”, que Jesus bradou no Calvário. Ensinemos
que Deus já fez tudo o que precisava ser feito para a salvação da humanidade. Zelemos para que
Efésios 2.8-9 não se transforme em um chavão: “Pois vocês são salvos pela graça, por meio da fé,
e isto não vem de vocês, é dom de Deus; não por obras, para que ninguém se glorie”.
Só assim, celebraremos uma dimensão de louvor que não se esforça para agradar a Deus, mas
que festeja o amor de um Deus já agradado de nós; restituiremos ao culto felicidade e gratidão e
não penitência; daremos às nossas orações a certeza que Deus nos ouve com ouvidos carinhosos
e não numa relação de causa e efeito; repetiremos a afirmação de Paulo em Gálatas 2:20: “Logo,
já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim; e esse viver que, agora, tenho na carne, vivo
pela fé no Filho de Deus, que me amou e a si mesmo se entregou por mim”.
Somente a Graça produzirá pessoas que não almejam integridade para serem queridas de Deus,
porém filhos e filhas amadas, que por isso, desejam ser verdadeiras. Com a Graça não precisamos
orar bem para sermos ouvidos por Deus, mas andaremos confiantes que ele nos ouve sem exigir
explicações. A Graça nos ensinará que não somos salvos porque nos sacrificamos, mas que vale a
pena nos entregarmos pelo ideal do Reino de Deus. Somente a Graça manterá o cristianismo
singular diante de todas as outras espiritualidades das prateleiras religiosas pós-modernas.
Soli Deo Gloria.
Não posso calar
Ricardo Gondim
Não posso calar depois que se completam doze meses de uma das mais desastradas, inoportunas
e arrogantes campanhas militares dos últimos anos. Mais de seiscentos soldados americanos
perderam suas vidas e mais de três mil rapazes e moças dos exércitos da coalizão sofreram
amputações, desfiguramentos faciais e graves ferimentos. Cerca de dez mil civis iraquianos
morreram, entre eles mulheres, idosos e crianças. O caos e anarquia se instalaram no país que
sem um governo legítimo contempla de suas janelas a desintegração social, religiosa e política.
Não posso calar quando os americanos bradam que abriram as portas para um mundo mais
seguro onde os direitos humanos serão respeitados. Afinal de contas conseguiram desalojar do
trono um déspota sanguinário. Será? Não havia no Iraque as tão propaladas armas de destruição
em massa; Saddam Hussein não se equiparava a Hitler e nem o seu exército envelhecido e mal
equipado representava uma ameaça à segurança do mundo, sequer dos Estados Unidos. O
Ministro da Economia dos Estados Unidos, Paul O’Neill, (Treasury Secretary) publicou um livro em
que ele denuncia que a decisão de invadir o Iraque fazia parte dos planos de governo de Bush
antes do ataque terrorista de 11 de setembro de 2001. Hoje se sabe que houve má fé tanto dos
serviços secretos ingleses como americanos sobre a ligação do Iraque aos terroristas da Al Qaeda.
Não posso calar mesmo quando dizem que não é elegante tripudiar o erro alheio. Entretanto,
quando se trata de vítimas inocentes, de pais que ainda chorarão a morte de seus filhos e da paz
entre as nações, não se pode consentir silenciosamente. Devemos relembrar os beligerantes, os
militaristas e os homens de mau senso que a guerra não é a solução. E que os que se apressam
em derramar sangue, colhem amargos castigos. Devemos continuar lembrando aos americanos
que não adianta bombardearem o mundo inteiro em busca de terroristas. Assim não se acaba com
o crime – nós os brasileiros aprendemos isso, muito cedo. Quando a polícia invade uma favela e
os esquadrões da morte matam bandidos, não conseguem diminuir em nada os índices de
criminalidade. O mesmo se aplica a bandidos internacionais.
Não posso calar ao me lembrar do apoio que os evangélicos deram a essa malfadada guerra. Onde
os senhores líderes religiosos fundamentalistas lavaram a cara de vergonha quando descobriram
que o presidente deles é um mentiroso? O que disseram de seus púlpitos depois que viram a
fotografia de um menino com os dois braços amputados por uma “bomba inteligente” que também
matou os seus pais? Como dormiram quando ouviram esse menino pedir para morrer sem haver
ainda alcançado a puberdade?
Não posso calar para que as pedras não comecem a clamar. A verdade é que vivemos em um
mundo muito mais perigoso, mais cheio de ódio e mais paranóico. Não quero me calar mesmo
sabendo que minha voz representa pouco. Contudo, sei que de meu grito, permanecerá como
uma vaga lembrança de que nem todos consentiram com a insanidade destes dias.
Soli Deo Gloria
Inquietações imediatas
Pr. Ricardo Gondim Rodrigues
Recentemente participei de um encontro de teólogos, embora não seja teólogo. Ali, espicacei a
chamada igreja evangélica brasileira com seus disparates teológicos e éticos, outros me
acompanharam, igualmente revoltados. Denunciamos as agendas furadas das igrejas
neopentecostais. Um dos participantes chegou a cogitar a convocação de um Concílio para se
definisse qual é o genuíno movimento evangélico, herdeiro da Reforma. Esbravejei mais que todos
contra as excrescências dos neopentecostais.
Voltei para casa e comecei a sentir-me um verdadeiro fariseu. Daqueles que se indignam com um
til e uma vírgula da lei que foi quebrada, mas que faz enormes concessões no essencial.
Inquietei-me por haver pregado em ambientes em que seria inconfortável falar contra a injustiça
social que condena milhões a viverem numa miséria vergonhosa. E para não perturbar, discursei
sobre assuntos esterilizados, insípidos e que não perturbavam a complacência burguesa.
Confesso que continuo calado diante dos grandes debates e não me engajo pelas causas
humanas. É aí que confronto a mim mesmo: Será que me adeqüei ao sistema e acho que já não
posso e nem quero mexer em vespeiros? Sinto-me confortável? Começo a pensar que essas
acomodações éticas não são apenas um desvio de minha própria vida, mas do contexto religioso
em que vivo. Convivo com uma religião rápida e ágil para denunciar o que é de menor
importância, elástica e lenta para detectar o que é inconveniente e sempre silenciosa no
profetismo real e genuíno. Acredito que sequer saibamos o verdadeiro caráter do ofício profético.
A camisa de força da teologia sistemática não me deixa ser criativo, as cataratas espirituais do
dogmatismo secular obscurecem minha visão e o patrulhamento do gueto me ameaça quando
quero pensar com liberdade.
A turma da Teologia ortodoxa se indigna com as aberrações neopentecostais, mas não se ouve
deles uma só denúncia contra o nacionalismo evangélico norte-americano que abençoou uma das
maiores mentiras da humanidade (cadê as armas de destruição em massa do Iraque?), como
matou muita gente inocente, meros efeitos colaterais de uma guerra sem propósito. Não se ouve
nada, apenas um silêncio hesitante.
Participo de um meio que denuncia o Benny Hinn e Kenneth Hagin , mas se cala com o
fundamentalismo de direita do status quo evangélico; tememos confrontar o quintal de famosos
como Franklin Graham, Pat Robertson, John McArthur, Chuck Colson, etc. Quando os militares
dominaram a cena política brasileira, fizemos um acordo tácito com eles. Eles nos deixavam
pregar, realizar nossas campanhas evangelísticas, e nós os deixávamos em paz, torturando nos
porões e enriquecendo as elites. Por que eu tenho dificuldades de me sentar na mesa dos
neopentecostais e não tenho escrúpulos participar da roda dos ricos pastores do primeiro mundo,
que sob o manto do conservadorismo teológico, empurram a agenda da direita conservadora
americana? Eles certamente lêem na cartilha do Bush. A Maioria Moral batalha contra o aborto,
contra os homossexuais, mas defende a pena de morte e apóia o discurso da National Rifle
Association, uma das mais anacrônicas entidades que defende o uso de armas.
Será que nos vemos como guardiões da inerrância, vigilantes da ortodoxia apostólica, contudo
perpetuadores de uma religiosidade cada vez desconexa do mundo real; cada vez mais insípida?
A grande verdade é que nós os evangélicos, continuamos nos especializando no irrelevante. Nossa
agenda não tem o menor desdobramento na luta contra o preconceito racial ou de gênero. Não
alteramos a sorte de milhões de crianças que vivem nas periferias fétidas das metrópoles
brasileiras. Porém, convocamos mais fóruns para discutir nossa identidade evangélica e,
indignados com aqueles que diferem da nossa cartilha teológica, esbravejamos nosso furor
farisaico.
Acredito que há enormes defeitos genéticos em nossa identidade; a cultura que nos formou vinha
com anomalias. Nossa cosmovisão nasceu de uma aberração da natureza espiritual: religião sem
alma. Acabo concluindo: Adoeceram minha alma e eu não me dou conta sequer de que doença
sofro...
Soli Deo Gloria
Quatro episódios e muitas inquietações.
Ricardo Gondim Rodrigues
Primeiro episódio.
A pastora Miriam Silva prometera algumas surpresas para o próximo culto. Na data marcada uma
pequena multidão superlotou o seu auditório em São Paulo. Disputavam lugares até nos
corredores. O ar pastoso do calor não inibia a euforia que passava de pessoa para pessoa. Ondas
de uma eletricidade emocional causavam arrepios em todos. Cantaram-se alguns hinos; todos
convocando os crentes para uma batalha. De repente, as portas que ladeiam a plataforma do
templo se abriram e a pastora Miriam entrou. Vinha acompanhada por alguns dos seus oficiais.
Apareceu trajando um uniforme militar com camuflagem e carregando uma baioneta pendurada
no cinto. Marchou até o centro, sempre rodeada de seus oficiais. Todos igualmente fantasiados. A
voltagem subia a cada hino que se cantava. De repente abriu-se mais uma porta e seis homens
surgiram carregando um caixão de defuntos nos ombros. Os gazofilácios serviram de apoio para
repousarem a urna funerária diante do povo. Agora o frenesi emocional misturava-se à
perplexidade. Tudo se mostrava inusitado demais. A pastora Miriam sacou a baioneta e com ela
em punho começou a pregar o seu sermão. Culpava a cultura romana pelos percalços da nação
brasileira. Afirmou que somos pobres, vivemos no meio da violência e estacionamos em nosso
desenvolvimento devido ao “espírito de Roma”. “Esse espírito”, continuou com a voz afetada, “nos
ensinou a guardar o domingo e batizar crianças. Temos que matar e esfaquear esse espírito, ele
não provém de Deus”. Depois de mais de meia hora condenando o “espírito de Roma”, convocou a
todos no auditório a verificarem se suas próprias vidas também não estariam contaminadas com o
tal espírito. Abriram o caixão e as pessoas trouxeram um papel escrito, indicando de que maneira
estavam maculados por Roma. Quando se aproximavam do caixão, enxergavam-se num espelho
estrategicamente colocado no lugar onde repousaria a cabeça do morto. Depois que todos
depositaram seus pedaços de papel naquele móvel sinistro, repuseram a sua tampa e esperaram o
próximo movimento da pastora. Ela desceu com a baioneta em posição de ataque e logo começou
a esfaquear o caixão com força. Lancetava com tanto furor que lascas de madeira voavam pelo
espaço. Ao terminar com a sua coreografia, deixou claro para o seu auditório que aquilo não fora
apenas uma encenação. Eles haviam presenciado um “ato profético”. Prometeu que depois
daquele evento, Deus reverteria a sorte do Brasil.
Segundo Episódio.
Minha secretária anunciou que o Alexandre Souza já chegara. Pedi então que ele entrasse em meu
escritório, pois queria um aconselhamento pastoral. Aproximou-se cabisbaixo e me encarou
apenas de soslaio, embora apertasse minha mão com firmeza. Notei logo sua timidez. Calculei sua
idade por volta dos 28 anos. Os cabelos bem aparados e penteados para a esquerda chamavam a
atenção pela negritude. Pedi que Alexandre se sentasse. Iniciei nosso diálogo procurando deixá-lo
mais à vontade. Ofereci um copo d’água, que aceitou sem esboçar nenhuma emoção. Achei-o
muito quieto. Pensei na dificuldade daquele aconselhamento. Imaginei que gastaria a maior parte
do tempo perguntando e ouvindo meras respostas monossilábicas. Ledo engano.
Logo que bebeu o primeiro gole, Alexandre me encarou e perdeu toda timidez. – Pastor, começou
sem gaguejar, faço parte da igreja ‘X’ aqui em Fortaleza. Há dois anos estou endemoninhado. –
Vim aqui porque preciso de libertação, emendou. Mostrei-me surpreso: - Endemoninhado? Você
está em pleno controle de suas faculdades mentais, emocionalmente equilibrado e com um
semblante tranqüilo. O que lhe leva a crer que está endemoninhado?
Sua resposta me deixou ainda mais perplexo. – Todas as sextas-feiras eu vou ao culto de quebra
de maldições em minha igreja e faz dois anos que eu caio tomado por demônios em todos os
cultos. Pela voz não parecia indignado, apenas cansado. – O bispo põe a mão sobre minha cabeça
e eu fico agoniado, tenho vontade de tirar a mão dele de cima de mim. É nesse exato momento
que acontece... – O quê? Interrompi. – Fico nervoso, com uma aflição muito grande. Quero tirar a
mão do bispo de cima de mim. Acabo caindo no chão. Lá me dizem que essa aflição é demoníaca.
Questionei-lhe porque o bispo não conseguia libertá-lo totalmente, já que sua possessão se
manifestava semanalmente há dois anos. Explicaram-lhe que esse tipo de demônio é muito
esperto. Quando o expulsavam da mente, corria para o espírito. Do espírito se escondia na
vontade e da vontade pulava para a alma. Desta forma, continuava cativo mesmo já batizado e
mesmo havendo terminado o seu curso sobre plenitude do Espírito Santo. Mostrei-lhe que não era
possesso, apenas um inocente útil. Um joguete nas mãos dos líderes que precisavam de pessoas
sugestionáveis para valorizar os cultos de libertação da sexta-feira.
Terceiro Episódio.
Roberto Pires pastoreia uma igreja no Rio de Janeiro. Certo dia, resolveu agir, indignado com a
violência da cidade. Precisava fazer alguma coisa para reverter a incompetência crônica da polícia.
Não cogitou ações políticas, nem imaginou um programa na igreja que melhorasse a educação
cívica de seus membros. Sequer lhe passou pela cabeça participar de manifestações ou passeatas
exigindo melhor segurança pública. Os óculos teológicos e ideológicos com que enxerga a sua
realidade não lhe permitem essas cogitações. Assim, orava em um culto quando lhe veio uma
idéia que considerou a mais genial de sua vida - tão genial que ele a relatou por anos.
Correu para o seu escritório, abriu a Lista Telefônica e nervosamente procurou pelos “agás”;
queria “helicópteros”. Desejava saber quanto custaria alugar um desses beija-flores mecânicos.
Anotou os valores e levou sua idéia para o culto daquela noite. “Irmãos e irmãs, Deus me deu
uma visão. Preciso que vocês me ajudem a cumpri-la. Deus mandou que eu alugasse um
helicóptero, colocasse um tonel de óleo dentro e ungisse a cidade do Rio de Janeiro”. O auditório
irrompeu em palmas, uma oferta foi levantada e o pastor Roberto Pires naquela semana embarcou
no mais bizarro sobrevôo que o Rio de Janeiro já teve. Latas de óleo eram derramadas para
ungirem a Cidade Maravilhosa. Respingos melados caíram sobre a avenida Rio Branco, na praia de
Copacabana e sobre alguns dos morros mais violentos da cidade. Fora o inconveniente oleoso,
nada aconteceu; meses depois a violência carioca recrudesceu.
Quarto Episódio
O pastor Carlos Feijó voltou para Curitiba depois de uma semana em um seminário de batalha
espiritual. A equipe que ministrou o curso ensinou-lhe a “decretar sua cidade para Deus”. Ali
aprendeu como identificar os limites do seu município e declarar que ele pertence a Jesus Cristo.
Aprendeu mais: Se a igreja não souber reivindicar o que pertence ao Senhor, o diabo continuará
com direitos legais sobre vidas, espalhando miséria. O pastor Carlos passou uma semana
indignado consigo mesmo e com os outros pastores. Por anos não se aperceberam dessa imensa
negligência. Foi para casa e orou. Com lágrimas rolando pelo rosto, se propôs a jejuar. No terceiro
dia do jejum veio-lhe o que também considerou uma brilhante revelação divina. Há muitos anos
aprendera que tanto os leões como os lobos urinam para demarcar o seu território e impedir a
invasão de outros machos. Ele precisava fazer o mesmo, como legítimo representante de Jesus –
o Leão da Tribo de Judá.
Naquela semana, convocou seus parceiros de ministério para saírem pela madrugada urinando em
pontos estratégicos da cidade. Gastaram algumas horas na empreitada. O comboio de carros
percorreu vários quilômetros com muitas paradas. Beberam litros e litros d’água; precisavam de
muita urina para uma cidade tão grande.
Esses quatro episódios descritos são verdadeiros. Todos patéticos! Realmente aconteceram nas
cidades mencionadas. Apenas os nomes e alguns detalhes são fictícios. Ilustram bem o que invade
as igrejas evangélicas no Brasil. Entendo que as pessoas têm o direito constitucional de crerem,
praticarem ou pregarem o que quiserem. Entretanto, não deveriam fazer em nome da fé
protestante e evangélica. Muito sangue já foi derramado, muitas vidas sacrificadas e muitos
missionários afadigados para que testemunhássemos tanta superficialidade.
Além disso, produzem um estrago imensurável em vidas. Muita gente já perdeu a fé. Qualquer
pessoa com um mínimo de senso crítico, depois que passa a euforia e o fanatismo, se sentirá
envergonhada de um dia haver participado de ambientes onde imperam tantas tolices. Acabam
trilhando o caminho do cinismo ou da revolta. Ambos muito trágicos.
Torna-se necessário que aconteçam denúncias internas para que o evangelho não se desfigure em
um “outro evangelho”. Se nos calarmos, mancharemos nosso legado de fé e nos tornaremos
culpados por omissão. Quando a igreja deixa de salgar e passa a ser motivo de chacota, para
nada mais serve senão para ser pisada pelos homens. Há muito joio dentro das igrejas
evangélicas e ele não se parece em nada com o trigo. Pelo contrário, dá-nos vontade de rir e de
chorar ao mesmo tempo. Protestemos, antes que só dê vontade de chorar.
Soli Deo Gloria
Viver sem sonhar não é viver.
Pr. Ricardo Gondim
Terminamos um século confuso, e ao mesmo tempo empolgante, tenso e ao mesmo tempo
divertido, violento e bonito. Na verdade, ele não começa no Reveillon de 1900 para 1901, este
século começou em 1917 quando a Revolução Russa é finalmente vitoriosa. Naquele alvorecer do
século XX o mundo vivia sob a bandeira da modernidade.
A modernidade, mais do que um período histórico, era uma mentalidade. Uma mentalidade que
nasceu de uma confluência de fatores históricos. A modernidade se adensava desde alguns
séculos antes. Quando Nicolau Copérnico, rompia com a visão científica de que o universo era
geocêntrico. Ele propunha que o universo fosse heliocêntrico. Seu arrojo abria caminho para que
Galileu desse um passo ainda mais ousado, o universo nem era geocêntrico, sequer heliocêntrico.
Tanto a terra como o sol não passavam de pequenos ciscos em um cosmo vastíssimo com bilhões
de estrelas. Sua coragem de romper com esse paradigma científico era imensa pois a tutela do
labor científico ainda era do poder religioso. Fazia-se ciência com a chancela do clero. Mas a partir
de Copérnico e Galileu, a igreja perde seu controle sobre o conhecimento científico.
Nesse mesmo tempo histórico, o mundo passaria de uma economia feudal para o modelo do
capitalismo. O mundo pré-moderno se estratificara com a aristocracia, o clero e os miseráveis. A
miséria era glorificada e as virtudes de ser pobre compensadas com o céu. Não havia possibilidade
de ascender socialmente. Lucros e juros soavam como palavras feias. Mas com o advento dos
grandes navegadores e dos mercadores que singravam os mares trazendo iguarias do oriente,
possibilitam com o surgimento dos burgueses, uma classe de ricos que ascendia das camadas
mais pobres. A cosmovisão católica que combatia o lucro e os juros ruía por terra.
Quando Maquiavel escreveu o Príncipe, sopraram novos ventos na política. O conceito de estado
tutelado pelo poder religioso era um paradigma intocado. Mas, cansados de um sistema promíscuo
em que não se sabia corretamente até onde ia o poder do rei e quais eram os limites do poder
papal, cidadãos europeus perceberam que um novo modelo se esboçava. O do estado laico.
Filosoficamente começam aspirações para que renascessem os conceitos dos pensadores gregos.
Que o pensar também não fosse tutelado pelo clero. E, com René Descartes e seu Cogito ergo
sum.: Penso, logo existo. Acontecia uma nova mudança. Se na pré-modernidade o essencial era:
Creio, logo existo. Agora era: Penso.
Foi nesse caldeirão de mudanças que um monge agostiniano, adensava o processo da
modernidade também na religião. Martinho Lutero invocava o direito de pensar as Escrituras
livremente. Cada pessoa seria dona de seus raciocínios. Ele negava à igreja o direito de conduzir e
manipular a interpretação; induzir a compreensão e anúncio do evangelho. A Reforma Protestante
do século XVI representou o anseio da modernidade, inclusive na religião.
Todas essas mudanças levarão a Modernidade a viver o seu apogeu entre os séculos XVII e XIX.
As mudanças eram visíveis, nítidas.
O ser humano passava a ser o centro do universo. Quando Rousseau elaborou seus conceitos
filosóficos sobre o bom selvagem, ele não apenas rompia com o cristianismo agostiniano de que
somos por natureza maus. Ele mostrava filosoficamente que a preocupação da modernidade
centrava-se no bem estar de homens e mulheres.
Assim, a modernidade vive seu apogeu no Iluminismo. A produção artística não era mais voltada
para retratar a beleza do criador, mas a excelência do ser humano. Prevalecia na literatura e nas
artes não mais os contos e as biografias dos santos, mas as tragédias de Shakespeare. O belo era
almejado desde os estudos sobre as proporções do corpo humano. A grandeza de Davi, retratado
por Michelangelo, mostrava a altíssima estima que se tinha do ser humano.
Na política respirava-se uma crescente impaciência com o sistema monárquico que só premiava a
aristocracia. Na revolução francesa, nascia um novo paradigma: a República com os ideais de
Liberdade, fraternidade e igualdade.
A ciência produzia freneticamente querendo melhorar as condições de vida do ser humano. A
revolução industrial, os grandes inventos, e finalmente as linhas de produção prometiam que
finalmente poderíamos viver em um mundo melhor.
A filosofia, de Voltaire, Rousseau, Hegel, o positivismo de Augusto Comte e finalmente Marx,
acreditavam que conseguiriam, através da educação das massas, do progresso, da ordem e de um
sistema inteiramente justo, autenticamente solidário e humano, viabilizar aqui na terra o sonhos
da utopia de Thomas Moore.
O próprio cristianismo passou a usar o instrumental da modernidade para compreender os textos
sagrados. Nasceram os hermeneutas que querendo demonstrar que se não
demitologizarmos (essa é uma expressão de Bultman) os textos, não haveria pontes entre a
religião e a modernidade. A Alta crítica, era a vertente teológica alemã que analisava os textos
bíblicos com o mesmo rigor científico da análise dos textos históricos. Inaugurava-se a teologia do
não, da negação.
A América era o Novo Mundo, lá os peregrinos chegaram com o sonho de torna-lo no Eldorado. O
mundo todo pulsava com um otimismo enorme.
Com a vitória do bolchevistas soviéticos e com o triunfo da revolução russa nascia o primeiro
experimento concreto de viabilização dos ideais de Hegel, Marx. Na Rússia, prometia-se, uma
nação sem estado; lá nasceria o “novo homem” da filosofia de Rousseau. Buscava-se que os ricos
dessem de acordo com a sua abundância e os pobres recebessem de acordo com a sua
necessidade.
Assim, entramos o século XX. Cheios de otimismo. Este seria o século do progresso, do amor. A
ciência abriria fronteiras fantásticas, as massas seriam educadas, o conhecimento universal
acabaria as barreiras entre nações.
E Deus? Extinguindo-se a escuridão e com a luz elétrica conseguiríamos, educando-se as massas
libertar as multidões do misticismo, das superstições. Já não haveria necessidade mais de Deus.
Aquele Deus das religiões oficiais, seria descartado. Nascendo o super homem que Nietsche
sonhava, não haverá mais necessidade de Deus. O Louco, protagonista da filosofia niilista de
Nietsche entrou o século XX gritando: “Deus está morto. Nós o matamos.” Os próprios teólogos
alemães chegaram a elaborar a teologia da morte de Deus.
Albert Camus afirmou que:
“Contrariamente ao que pensam alguns de seus críticos cristãos, Nietzsche não medito o projeto
de matar Deus. Ele o encontrou morto na alma de seu tempo.” Albert Camus.
Mas, a modernidade sofreu o seu primeiro duro golpe com a Primeira Guerra Mundial, que na
verdade não foi tão mundial assim. Foi na verdade uma guerra muito mais européia. Percebeu-se
ali, quão estúpidos somos. A ciência, que deveria ter produzido para o bem estar, agora fabricava
tanques de guerra, utilizava aviões que soltavam bombas. Pela primeira vez, usou-se a guerra
química. Foi nessa guerra que usou-se o gás de mostarda, para matar.
O processo de criação da União Soviética também não foi incruento. Todo aquele sonho de um
mundo bonito, justo. Ruía já no nascedouro. Para se viabilizar no poder, Stalin precisou de fazer
expurgos. Milhões foram mortos, criou-se uma truculenta polícia política, exilavam-se cidadãos
russos em clínicas psiquiátricas e nos famosos Gulags, nos desolados desertos da Sibéria.
Não ouviram o alerta de Engels no final de sua vida:
“As pessoas que se vangloriam de terem feito uma revolução sempre acabam percebendo no dia
seguinte que elas não tinham a menor idéia do que estavam fazendo, e que a revolução feito em
nada se parece com aquela que elas gostariam de ter feito.”
Eduardo Giannetti assim conclui:
“A revolução feita em nome da racionalidade econômica e do fim do Estado enquanto forma de
dominação política redundou no seu contrário: um grotesco hospício econômico comandado por
uma das mais brutais máquinas de repressão e opressão política da era moderna.”
Terminada a Primeira Guerra Mundial, a Alemanha em ruínas com uma inflação tão alta, que não
havia tempo para se imprimir os dois lados de uma cédula, porque o dinheiro perdia o seu valor.
Enfim, toda a Europa perplexa via o sonho do paraíso do Novo Mundo ruir. O crash da bolsa de
Nova Iorque em 1929, a Grande Depressão econômica que se seguiu, também jogavam dúvidas
sobre o modelo capitalista. Entretanto, tanto os Estados Unidos, como a Alemanha elegiam líderes
de primeira grandeza e que prometiam tirar seus patrícios do pantanal em que se encontravam.
Nos Estados Unidos foi Franklin Delano Roosevelt e na Alemanha foi Adolf Hitler.
Bastaram alguns anos e os dois se mostraram tremendamente eficientes na solução do impasse
de seus países. A modernidade ganhava come eles um novo fôlego. A Alemanha esteticamente
bonita, limpa e saneada era uma potência temida na segunda parte da década de trinta. Os
Estados Unidos, com o New Deal de Roosevelt construía estradas e estabelecia a infra estrutura
para o maior parque industrial do planeta.
Em pouco tempo, entretanto, Hitler mostrou que sua eficiência era patológica. Por detrás do
sonho de transformar a Alemanha em um reino milenar, estava um facínora. Megalomaníaco,
implacável, racista e pervertido sexual, começou a anexar os países da Europa. Intencionava
transformar a Alemanha em um reino universal. Seu militarismo parecia sem limites. Foi um efeito
dominó, Polônia, Holanda, França todos capitularam. Fez um pacto de não agressão com a União
Soviética, embora odiasse os comunistas. O resto a própria história conta. Aliou-se com a Itália e
o Japão formando os países do eixo. Traiu a Stalin, invadindo a Rússia. Começou a bombardear a
Inglaterra. Seu destino selou-se, quando os japoneses cometeram o maior de todos os deslizes,
bombardeando Pearl Harbor, Roosevelt tinha agora o álibi que precisava para entrar na guerra.
Quando chegaram os Yankees, Hitler ganhou um inimigo mortal, o parque industrial americano. A
Alemanha não conseguia vencer a produção das indústrias americanas que fabricavam
freneticamente aviões, tanques, metralhadoras. Supriam os ingleses, os russos e todos os países
aliados.
Hitler,sabendo que estava com a guerra perdida, deu velocidade ao que se chamava na Alemanha
de Solução Final. O extermínio sistemático dos judeus.
Quando finalmente a Europa foi liberada e os russos chegaram em Berlin, 6 milhões de judeus
haviam sido mortos em campos de concentração.
NO pacífico, os japoneses teimavam em não se render. E Hary Truman autoriza que uma bomba
seja usada sobre duas cidades. Hiroshima e Nagasaki, sabe-se hoje que essas duas cidades foram
escolhidas porque estavam intactas e se queria saber qual era o real poder destrutivo das
bombas.
A guerra terminou e o mundo respirou aliviado. Embora estivéssemos sobre os escombros da
Europa, ainda cheirando a fumaça dos campos de extermínio, e apavorados com a bomba
atômica. Finalmente podemos recomeçar o sonho de um mundo melhor. Se agora sabemos que
somos monstros de iniqüidade, (nesse tempo o existencialismo cru de Sartre e Camus são
unanimidade na Europa):
“No auge do irracional, o homem, em sua terra que ele sabe ser de agora em diante solitária, vai
juntar-se aos crimes da razão a caminho do império dos homens. Ao ‘eu me revolto, logo
existimos’, ele acrescenta, tendo em mente prodigiosos desígnios e a própria morte da revolta: ‘E
estamos sós.’”
Mas o fim da II Guerra Mundial deixa uma réstia de luz da modernidade ainda
brilhando. Prometia-se que ainda era possível sonhar com esse novo mundo.
As Nações se uniram com uma nova organização chamada de Nações Unidas. Teríamos agora a
penicilina, a propulsão a jato, e a energia atômica. Essa energia não é só destrutiva, nos
prometiam. Ela poderia ser domesticada e logo teríamos energia elétrica gratuita. Propagandeavase: Descobrimos o meio de produzir energia tão barata que as indústrias não terão mais que
computar energia como despesa na contabilidade de custos.
Viveu-se nos Estados Unidos, na Europa o que se chamava de “Anos dourados”. As mulheres
agora também trabalhavam. O poder aquisitivo das famílias praticamente dobrou e o parque
industrial que produzia armamentos, continuava num ritmo frenético.
Mas esse sonho de utopia sofreu os primeiros golpes mortais na década de 60. Ergueu-se o muro
em Berlim e novamente a humanidade acordou com o pesadelo de uma guerra que ameaçava a
destruição total da raça humana. Chamava-se de Guerra Fria. Em um impasse em Cuba,
americanos e soviéticos enfrentaram-se, olho no olho, esperando quem piscava primeiro. Sabia-se
que tanto americanos como russos possuíam potencial atômico para acabar com o mundo.
Sentia-se o calafrio de um inverno milenar da radiação, quando anunciou-se experimentos com a
bomba de hidrogênio que para ser detonada necessitava da espoleta de uma bomba atômica. Seu
poder destruidor, milhares de vezes maior do que a bomba usada no Japão, podia aniquilar-nos
completamente.
O jovens que foram criados com a opulência dos anos dourados, revoltaram-se contra aquilo tudo.
O movimento hippie nasceu dizendo basicamente o seguinte: o legado da modernidade fede.
Aturdidos, os americanos choram o assassinato de John Kennedy. Sem entender o porquê os
ingleses viram os seus jovens revoltarem-se contra a monarquia, os costumes, e a religião
racional e lógica dos protestantes europeus. Os hippies elegeram os seus reis, eles eram um
conjunto de rock: Os Beatles. A moda era escapar da realidade tomando LSD, injetando heroína
nas veias e fumando haxixe.
Em 1968, dizem alguns, começa o fim da modernidade. Aquele foi um ano totalmente atípico,
singular. Na Tchecoslováquia houve o primeiro levante contra o poder comunista, Mostrava-se
para o mundo que a felicidade comunista era falsa. Na França, os estudantes se revoltaram contra
o sistema de ensino e foram para as ruas. Paris se transformou numa praça de guerra. Os Estados
Unidos, literalmente atolados no Viet-Nam, estavam divididos. Parecia que uma nova guerra da
Secessão explodiria. Os jovens estavam revoltados. Em 1968 foram assassinados, Martin Luther
King Jr e Robert Kennedy.
A América Latina foi dominada por regimes militares truculentos. Pinochet governava com um
regime perverso no Chile. Viveu-se ao redor do mundo um tempo muito cinzento. A Grécia,
Portugal, Espanha também sofriam com ditadores.
A África libertava-se do colonialismo europeu mas era incapaz de se articular. Respirava-se
violência, perplexidade, medo.
Essas são as marcas dos anos 70.
Os anos 80 se iniciaram com alguns líderes marcando essa década. Ronald Reagan nos Estados
Unidos, Margareth Thatcher na Inglaterra, Gorbatchov na União Soviética, e Khoumeini no Irã.
Eles jogaram as última pás de cal no sonho da modernidade.
Reagan e Thatcher na Inglaterra falavam que a economia sofria porque a presença do estado na
economia é ruim. O estado é perdulário, lento e sua burocracia, perniciosa. Disseram que ele
precisa ser enxuto. Quanto menos a presença do estado melhor. Gorbatchov, na União pregava a
Perestroika e a Glasnost. Eram dois programas necessários para viabilizar o comunismo. Para o
último dos comunistas , o país precisava ser transparente. Essa “transparência” deveria significar,
a humildade de que a União Soviética estava falida. Glasnost era o jargão que buscava uma reestruturação. Enquanto isso, o Khoumeini conseguia encabeçar uma revolução que buscava
demonstrar que o projeto de modernização do Iran com o Xá Reza Pahlevi era, na verdade, um
embuste. O Irã precisava voltar à pre-modernidade islâmica. A teocracia triunfava sobre a
democracia. O clericalismo vencia o laicismo. A fé voltava a tutelar a vida das pessoas.
O Muro de Berlim caiu em 1989. Os protagonistas desta nova revolução foram o movimento do
sindicato de Solidariedade na Polônia, os cristãos na Romênia, Vaclav Havel na Checoslováquia, e
Karol Woytila no Vaticano. Por cause de suas vidas, a União Soviética perdeu o seu domínio sobre
a Europa Oriental e acabou se dissolvendo em 1991.
O mundo também se revoltava contra as propostas científicas do progresso. Chegamos à
conclusão que o planeta terra não conseguia reciclar tantos gases, tanto lixo, tanta devastação.
Se a modernidade preconizava o progresso contínuo, agora pedíamos que não houvesse tanto
progresso.
Sem a modernidade e sem um projeto para o futuro, ficamos no meio do caminho.
Qual o modelo político que desejamos? Os nossos políticos, nossas estruturas democráticas não
são tão democráticas assim.
Qual o modelo econômico? O capitalismo é frágil, perverso (haja vista, a África literalmente
jogada à moscas). Os excluídos do neo-liberalismo.
Que tipo de ser humano nós somos? Negociamos armas e faturamos com a morte, não
conseguimos acabar com os cartéis de drogas, não conseguimos educar as massas para a
felicidade.
Que tipo de religiosidade desejamos? A lógica, racionalmente compreensiva? A oriental? A
esotérica?
A razão perdeu o seu domínio.
O certo e o errado deixaram de ter qualquer referencial externo.
O belo e o feio não têm sentido.
Começamos o século com o apogeu da modernidade, terminaremos com o nascimento da pósmodernidade.
Se a Modernidade foi uma época da lógica e do método, a pós é marcada pela ambigüidade e por
contradições.
Por um lado, gera muita esperança mas por outro gera pavor.
Se por um lado este foi o século de Einstein, Flemming, Sabin, também foi de Menguele.
Se gerou um Churchill, um também gerou Kadaffi, Stalin e Hitler.
Se por um lado valorizou Ghandi, Martin Luther King, e Mandela, também valorizou Mussolini,
Pinochet.
Se por um lado teve um Pavarotti e um Bernstein também teve uma Janis Joplin, uma Madona,
um Michael Jackson.
Se por um lado tem jato, internet, e tomografia computadorizada, suicídio assistido, e cartéis de
cocaína.
Foi o século de Madre Teresa de Calcutá, Billy Graham, C. S Lewis; mas também de Jim Jones,
Maharaji Iogui e do Rev. Moon.
Vivemos hoje na estreita brecha entre a esperança e o desespero.
Não sabemos se vale a pena lutar pelo futuro, ou se é melhor cada qual cuidar de se divertir o
máximo possível.
O tempo que estamos vivendo não é mais o tempo de Sartre mas de Paulo Coelho.
Não é mais o tempo de estadistas, como Lenin, Roosevelt, Churchill, Juscelino, mas de Yeltsin,
Clinton.
A Alta Crítica perdeu espaço, ganharam os carismáticos.
O fundamentalismo evangélico perdeu relevância, ganhou a igreja Universal.
Leonardo Boff parou de defender os pobres e agora defende a natureza.
Na modernidade a filosofia era primordialmente otimista, na pós é cínica.
Na modernidade o estado laico seria árbitro das injustiças humanas, na pós ele deve ser
enxugado por que é perdulário, autoritário, burocrático e corrompido.
Na modernidade o deicídio era a vertente teológica seriamente discutida nas Universidades alemãs
que, através da Alta Crítica, questionavam a integridade dos textos bíblicos e a possibilidade de
um Deus objetivamente verdadeiro. Na pós modernidade discute-se o macro ecumenismo.
Na modernidade, a razão, o método, a o experimento empírico desfaria a ignorância das multidões
e levaria a um mundo sem as superstições místicas da Idade Média que ainda escravizavam as
multidões. Na pós modernidade abre-se o caminho para o saber intuitivo, para a inteligência
emocional, para verdades não racionais.
Na modernidade a tecnociência abriria estradas para um mundo melhor, na pós ela é vilã do
ambiente.
Entre a modernidade e a pós modernidade há duas guerras mundiais e mais de cem milhões de
mortos. Há Stalin, Hitler, Idi Amin, Pol Pot, Auschwitz e Ruanda. Há Hiroshima e Nagasaki. Há
Bangladesh, Índia, Vale do Inhamuns. Há o Tietê, Chernobyl, e o buraco de Ozônio.
A angústia do homem pós-moderno pode bem ser ilustrada na vida daquele personagem que fazia
análise e vivia um dilema todas as vezes que ia para a consulta com seu analista. Se eu chegar
adiantado ele vai pensar que estou ansioso demais, se eu chegar na hora sou um disciplinado
compulsivo e se chegar atrasado estou fugindo dos meus problemas.
86% da classe média dos países ocidentais sofre de stress crônico.
Por outro lado ainda há lágrimas nos casamentos, ainda há sorriso nas crianças, ainda há o
gorjeio dos pássaros, ainda há poetas fazendo poesia, ainda há evangelistas na esquina do Hyde
Park na Inglaterra, igrejas ainda estão sendo plantadas no Rio de Janeiro, ainda se ouve os
tamborins e pandeiros nas igrejas do México. E pelas madrugadas ainda se ouve o clamor dos
crentes em cultos de vigília nas igrejas evangélicas.
Em uma época como essas você e eu fomos chamados. Na confusão pós-moderna que não sabe
discernir bem qual a diferença entre o belo e o feio, entre a verdade e a mentira, entre o vício e a
virtude. Fomos chamados para pregar o evangelho.
Houve um período assim na história de Israel. De acordo com a profecia dada ao rei Ezequias,
muitos anos antes (Isaías 39.6-7) o reino de Judá seria invadido por Nabucodonosor. A
sistemática desobediência do país, a deterioração da moral pública, o enfraquecimento espiritual
do povo, tornou essa profecia irreversível. A Babilônia finalmente invadiu a terra e com um
programa bem elaborado trabalhou para quebrar a espinha dorsal de Israel. Primeiro, promoveu
um êxodo étnico. Esvaziou as cidades. Depois, selecionou os mais capazes para serem re
programados com lavagem cerebral, castrou jovens e vendeu mocinhas para serem concubinas na
Babilônia. O templo, orgulho dos judeus foi destruído e os utensílios sagrados de-sacralizados.
Jeremias profetizou que este período de desolação seria de 70 anos – Jeremias 25.11. Ao terminar
este tempo, os persas ganharam a guerra anexaram os Medos, conquistaram a Babilônia.
Um dos primeiros atos do novo governante, Ciro, depois da captura da Babilônia, foi passar um
edito autorizando os judeus exilados a retornarem à sua própria terra.
Esdras e Neemias trabalharam intensamente para construir as muralhas e o templo. Os vasos
roubados do templo por Nabucodonosor foram devolvidos. Depois deste recomeço a construção do
templo permaneceu desolada por 15 anos.
Havia uma espécie de apatia. Tiveram uma depressão pós-parto. As pessoas se voltaram para
seus empreendimentos pessoais, largaram os seus ideais, perderam o elã. Cada qual voltou-se
para os seus próprios projetos.
A filosofia era mais ou menos a de hoje:
Se que não cuidar do que é meu, quem cuida?
Melhor covarde vivo, que herói morto.
Primeiro o meu, depois o teu.
Nessas circunstâncias Ageu profetizou. Interessante que por 4 vezes veio a ele a voz de Deus.
Capítulo 1.1. Capítulo 2.1 Capítulo 2.10.
Capítulo 2.20.
A primeira palavra que Deus deu a Ageu foi uma denúncia contra o egoísmo, a apatia de sua
geração – 1.1 –11.
Quando há uma desilusão, quando se é obrigado a conviver com a frustração adoece-se:
“A Esperança que se adia faz adoecer o coração, mas o desejo cumprido é árvore da vida.” – Prov.
13.12.
Uma das maiores tragédias de nossos dias é a falência dos sonhos e dos ideais. A tarefa de
reconstruir muitas vezes parece tão grande tão difícil que somos jogados numa espécie de torpor
espiritual, existencial.
Sonhar para quê? O negócio e tentar fazer o meu pé de meia.
Eu soube que no período de altíssima inflação na Argentina, alguns sociólogos estudaram os
efeitos da alta inflação sobre o povo. A constatação foi sombria: quanto mais alta subia a inflação
mais as pessoas se mostravam duras, egoístas, menor era a disposição de partilhar.
Eu soube que um dos muros de São Paulo foi pichado com a seguinte frase:
Estou cansado de ações, preciso de promessas.
O cinismo campeia, o deboche e a superficialidade estão em voga.
Christopher Lasch, escreveu um livro que foi catecismo nas Universidades de São Paulo: O Mínimo
Eu. Em que ele defende que o individualismo antes de ser um adoecimento de nossa natureza ele
é um mecanismo de defesa.
O mundo, e particularmente, o Brasil é um país que tira nossas energias para fins improdutivos:
não ser assaltado, não ser furtado na conta de luz, não perder o emprego, não comprar na Encol,
não depositar no Econômico, não se mudar para o Palace I, não comprar remédio falsificado,
vencer a guerra do trânsito, tolerar as longas filas dos bancos, dos postos de saúde, preparar-se
para passar uma velhice pobre.
Para se defender disso tudo, nos voltamos para o imediatismo. Vivemos a geração das grifes, dos
Status Symbols (Bolsas Luis Vinton, carros BMW, condomínios em Miami, grifes de roupas).
Somos a geração de brinquedos caros, mas de alma vazia, sem causas para defender, sem
qualquer projeto que valha a pena morrer por ele.
Interessante que os hippies dos anos 60 se transformaram nos yuppies dos anos 80.
O conceito religioso, deixou de ser uma verdade que abracei ou uma experiência mística
arrebatadora que me encantou, o conceito religioso hoje é utilitário. Instrumentado.
Quando se fala em apologética cristã, não se deve pensar em defender a fé com os mesmos
pressupostos da modernidade. Nossa luta hoje não consiste em defender a verdade do
cristianismo sob o ponto de vista do saber cartesiano, mas defender a fé sob o ponto de vista de
uma geração que já não tem sonhos.
O hedonismo é a filosofia portátil. Vive um imediatismo patológico. Só o presente conta. Homens
e mulheres da pós modernidade vive sem as tradições do passado e sem um projeto do futuro. A
pós modernidade é o túmulo dos modelos cristãos do passado. As pessoas procuram credos
“menos coletivos”, como afirmou Jair Ferreira dos Santos, “mais personalizados (meditações, zenbudismo, yoga, esoterismo, astrologia).
“É que o homem pós-moderno não é religiosos, é psicológico. Pensa mais na expansão da mente
que na salvação da alma. Há toda uma cultura ‘psi’ fazendo a cabeça da moçada: psicanálise,
psicodrama, gestalt, bioenergética, biodança, grio prima e por aí vai. Para não falar no dilúvio de
bolinhas alucinógenos que rola. Nisso tudo, o bom é que a cultura religiosa era culpabilizante,
enquanto a psi é libertadora. Ao sujeito pós-moderno interessa um ego sem fronteiras, não uma
consciência vigilante.” Jair Ferreira dos Santos.
A segunda vez que a voz de Deus vem ao profeta Ageu, conseqüência da primeira é uma
convocação que o povo volte a sonhar, tenha esperança. Volte a lutar, levante novamente suas
flâmulas.
Para terem esperança ele convida o povo a três olhares.
1. Um olhar em perspectiva – v. 3 – Voltem a acreditar que a glória do segundo templo será maior
do que a glória do primeiro.
Esperança de acreditar que ainda vale a penas lutar por um futuro melhor.
Creio que esperança é acreditar que o futuro ainda pode ser melhor. Vivemos em uma geração
sem olhar para horizontes.
“Pertenço a uma geração que herdou a descrença na fé cristã e que criou para si uma descrença
em todas as outras fés. Os nossos pais tinham ainda o impulso credor, que transferiam do
cristianismo para outras formas de ilusão. Uns eram entusiastas da igualdade social, outros eram
enamorados só da beleza, outros tinham a fé na ciência e nos seus proveitos, e havia outros que,
mais cristãos ainda, iam buscar a Orientes e Ocidentes outras formas religiosas, com que
entretivessem a consciência, sem elas oca, de meramente viver. Tudo isso nós perdemos, de
todas essas consolações nascemos órfãos.” F. Pessoa, 289 –Desassossego.
2. Um olhar retrospectivo – v. 5. – Olhem para trás. A sua aliança é inquebrantável.
Aldous Huxley descreveu-se da seguinte maneira:
“Nasci vagando entre dois mundos, um morto e outro incapaz de fazer-se nascer, eu consegui de
maneira curiosa piorar ainda mais os dois.
Em Náusea, Sartre, encarnando o protagonista Roquetim, afirma:
“Estou sozinho, a maioria das pessoas voltaram para seus lares; estão lendo o jornal da tarde e
ouvindo o rádio. O domingo que termina deixou-lhes um gosto de cinzas e seu pensamento se
volta para segunda-feira. Mas para mim não existem segunda-feira nem domingo: existem dias
que se atropelam desordenadamente...Sartre, Náusea, 87.
3. Um olhar prospectivo – v.6-9 – Olhem para cima. Ele continua Deus.
A terceira palavra que vem a palavra a Ageu, ele convoca o povo a uma reforma ética – capítulo
2.10-19.
A pós modernidade nos chama a estudarmos o que significa ética. A nossa apologética passa por
estudarmos o que significa dizer não, quando todos estão dizendo sim. Como podemos, como
dizia
A última vez que a palavra de Deus veio para Ageu, ele foi desafiado a encontrar o eixo histórico,
seu nexo em Deus – 2.20-23.
Ele chama o profeta a avisar ao governador de Judá, Zorobabel a nunca se esquecer que em
última análise está no controle da história é o próprio Deus.
Portanto, devemos nos envolver. O controle da história está nas mãos de Deus. Ele ainda é quem
governa.
Religião é a cocaína do povo.
Ricardo Gondim
Vivi parte de minha adolescência nas décadas de sessenta e setenta. Naqueles anos, os Beatles e
os Rolling Stones reinavam na música. Discutia-se o existencialismo de Sartre nos barzinhos de
Ipanema. As mulheres se libertavam lendo Simone de Beauvoir. Che Guevara inspirava os ideais
revolucionários dos latino-americanos. As drogas se tornaram uma obsessão mundial. Muitos
jovens caminhavam pelas trilhas que começavam em Amsterdã, seguiam pelo Afeganistão e
chegavam à Índia em busca de haxixe. A maconha deixou de ser consumida no submundo da
marginalidade e dominou as universidades das Américas. Tomavam-se doses mínimas de LSD
para viajar por horas no mundo alucinógeno. Os picos de heroína nas veias abreviavam a vida de
milhares.
Os tempos mudaram. A rebeldia dos jovens aquietou-se, os heróis comunistas ruíram, o
consumismo substituiu as antigas aspirações revolucionárias e a “techno music” substituiu o rock.
Aquelas drogas que entorpeciam e deixavam seus usuários num estado zen, foram suplantadas
por outras que ativam, energizam e potencializam. Substituíram-se os tóxicos que causavam
torpor por outros que davam uma sensação de poder e de autonomia. Assim, hoje quase não se
fala mais em heroína ou LSD. As drogas da moda são a cocaína e sua versão mais barata, o crack.
E cresce a busca pelas sintéticas, como o ecstasy, que prometem um melhor desempenho,
inclusive sexual.
A religião também mudou muito. Naqueles anos, predominava entre os jovens o conceito que a
religião servia os interesses das elites, pacificando os oprimidos. Os debates reforçavam o
pensamento de Karl Marx que em 1844 afirmou: “O sofrimento religioso é, a um único e mesmo
tempo, a expressão do sofrimento real e um protesto contra o sofrimento real”. Marx acreditava
que “a religião é o único suspiro da criatura oprimida, o coração de um mundo sem coração e a
alma de condições desalmadas”. Meus contemporâneos repetiram sua conclusão: “A religião é o
ópio do povo”.
Marx não afirmava que a religião é um narcótico qualquer. Ele a identificava com um entorpecente
poderosíssimo de seus dias: o ópio. As condições sociais perversas da Europa no século XIX
condenavam os trabalhadores a pouco mais que escravos. Marx entendia que as mesmas
condições também produziram uma religião que prometia um mundo melhor só para a próxima
vida. Assim, tanto ele como seus seguidores difundiram que a religião não é apenas uma ilusão,
mas cumpre a função social: de distrair os oprimidos. Por isso, afirmava que a religião é um
narcótico que não apenas alivia a dor do trabalhador, como lhe embriaga, roubando o seu poder
de transformar sua realidade. Para ele, a esperança religiosa era um ópio que prometia felicidade
no porvir, adiando o furor revolucionário. O pior é que ele tinha razão em suas análises. A igreja
de seus dias realmente estava decadente e, aliada à aristocracia, desempenhava exatamente esse
papel anestesiante.
Porém, com a pós-modernidade, a religião já não cumpre essa tarefa entorpecente. No ocidente, a
proposta religiosa vem crescentemente se tornando mais parecida com um outro tóxico: a
cocaína. O neo-liberalismo, pai deste materialismo consumista tão bem representado no fascínio
pelos shoppings e pelas grifes, já entorpece como o ópio. Por outro lado, a religião de hoje
procura excitar e produzir sensações de poder parecidas com a da cocaína.
As igrejas neopentecostais se multiplicam prometendo que as pessoas têm o direito de ser felizes
aqui e agora. Repetem exaustivamente que ninguém precisa transferir para a eternidade o que
pode ser reivindicado já. Insistem na promessa feita a Israel de que o fiel é “cabeça e não cauda”.
E assim o crente que freqüenta os cultos da prosperidade, recebe semanalmente uma injeção de
cocaína espiritual no sangue, fazendo que se sinta o dono do mundo. Nem que seja por apenas
alguns minutos de culto, sonha com tudo o que os seus olhos gulosos viram as empresas de
marketing anunciar na televisão.
As igrejas se transformam em ilhas da fantasia capitalista. Empresários falidos, artistas em fim de
carreira, jogadores de futebol mal-sucedidos, empregados sem qualificação, correm para as
infindáveis campanhas em busca de reverter a pretensa “maldição” que paira sobre suas vidas. E,
depois de espoliados, são devolvidos à dura realidade da vida, obrigados a encarar a rebordosa da
segunda-feira. Dependurados nos trens suburbanos ou numa fila burocrática sofrem triste e
deprimidos como os foliões do carnaval que voltam para seu destino na madrugada da quartafeira de cinza. Enfrentam sozinhos a dura realidade de que não são reis ou rainhas, apenas subempregados; obrigados a viverem com um salário miserável.
A própria definição do que é fé vem sofrendo enormes mudanças. Antigamente entendia-se fé
como uma adesão a um conceito teológico ou mesmo como uma habilidade sensitiva de perceber
o mundo espiritual. Pessoas de fé discerniam as ações de Deus e do mundo espiritual com maior
acuidade. Eram pessoas que confiavam no caráter de Deus, mesmo sem evidências que
comprovassem sua palavra. Hoje se entende fé como uma mera capacidade de instrumentalizar
os poderes de Deus egoisticamente. Por isso, fé e cocaína se parecem muito; dão uma falsa
sensação de poder e geram pessoas artificialmente soberbas. Mas a ressaca tanto da cocaína
como da fé pós-moderna é horrível, pois vem sempre acompanhada de depressão e desengano.
O tóxico religioso de hoje é sempre estimulante. Por isso os novos mercadejadores da fé
precisaram redefinir, inclusive, a pessoa de Deus. A divindade pós-moderna só existe para servir
os caprichos das pessoas. Os cultos se transformaram em centros de aperfeiçoamento e
aprimoramento humano. As igrejas deixaram de ser espaços para se cultuar a divindade,
especializaram-se em ensinar como manipular Deus. As liturgias espiritualizam as técnicas mais
populares de como “liberar o poder de Deus”, “afastar encostos”, “tomar posse dos direitos”,
“conquistar gigantes”. As pessoas se aproximam de Deus cheias de direitos, vontades, acreditando
que são o centro do universo e que tudo e todos lhes devem obrigações. Perde-se o estado de
“maravilhamento”, reverência e submissão ao Eterno.
Assim o propósito de toda atividade religiosa é homocêntrica, nunca teocêntrica. As igrejas
acabam se transformando em balcões de serviços religiosos e a relação do pastor com os fiéis é a
mesma do empresário com o cliente. Redobram-se os esforços de oferecer uma maior gama de
atividades que agradem os clientes que se tornaram ferozes consumidores religiosos e com um
nível de exigência tremenda.
Acredito que a genuína mensagem do evangelho não pode ser comparada ao ópio como fez Marx
e nem à cocaína, como fazem os pregadores da religiosidade pós-moderna.
Jesus Cristo não prometeu um celeste porvir que anestesiava. Seus discípulos foram convocados a
serem o sal da terra, levedarem a massa, enfrentarem os reis poderosos, transformarem a
realidade aqui e agora. Antes que se levante o sol da justiça e que o Senhor volte trazendo
salvação sob suas asas, Ele comissionou sua igreja a enfrentar as estruturas humanas que
produzem a morte e declarar guerra ao próprio inferno. Tampouco, prometeu que nos tornaríamos
os donos do mundo, ricos e prósperos. Fomos chamados para encarnarmos o mesmo sentimento
que houve em Cristo, que sendo em forma de Deus não teve por usurpação ser igual a Deus, mas
tomou a forma de servo, humilhando-se até a morte e morte de cruz.
O culto não deveria ser diminuído e se transformar em um centro de auto-ajuda. Não precisamos
aprender técnicas que nos ajudem a obter o favor de Deus. Precisamos sim aprender celebrar o
seu grande amor de Pai que nos quer bem, apesar de nossa própria pequenez.
Acredito que Marx estava certo quando denunciou o que acontecia com a igreja que se colocava a
serviço das aristocracias. Aquela religião adoecida e morta realmente merecia a pecha de ópio do
povo. Os líderes religiosos que comiam nas mesas dos poderosos e que desdenhavam da sorte
dos miseráveis realmente buscavam entorpecer o povo.
O que se oferece de muitos púlpitos pós-modernos não é o Evangelho de Jesus Cristo, mas mera
cocaína religiosa. E se algum outro filósofo ateu afirmar que essa religião pragmática que se
espalha no ocidente, combina com o narcótico da moda, também seremos obrigados a concordar.
Já se ouve o murmúrio das pedras. Urge que os profetas comecem a falar.
Soli Deo Gloria
Evangelho e cidadania.
Ricardo Gondim
O Brasil enfrenta uma das piores crises de sua história. Uma crise tal que os futuros historiadores
terão dificuldades de explicar como foi possível este país construir uma catástrofe destas
dimensões ao chegar no final do século XX.
Estamos desarticulados socialmente. Os sintomas desta desarticulação se mostram na miséria
que se perpetua nos subúrbios dos grandes centros urbanos, na deseducação das crianças que
são forçadas a estudar em escolas públicas em ruínas; no esvaziamento do campo e na explosão
urbana. Nossa desarticulação social se revela mais exuberante na perda do sentimento de
nacionalidade: vive-se uma descrença em relação ao futuro. Somos o país em que políticos ainda
se elegem promovendo laqueadura de trompas e distribuindo dentaduras. Observa-se a lenta
perda do poder aquisitivo da classe média e nenhuma melhoria para a maioria pobre. Vive-se uma
desigualdade regional. O sul próspero e o norte e nordeste com índices africanos. Convivemos
com o paradoxo de sermos um dos mais ricos países do mundo em terras e ainda assim sermos
um dos mais pobres em nutrição; termos uma enorme quantidade de escolas de medicina e
estarmos classificados de acordo com Organização Mundial de Saúde quanto a saúde pública em
centésimo vigésimo quinto lugar. Segundo dados preliminares do Ministério do Bem Estar Social,
haveria no Brasil, dezenas de milhares de adolescentes prostitutas. Muitas delas acabam
engravidando reproduzindo o ciclo da miséria. Outras, engrossam as sombrias estatísticas de
aborto e mortalidade materna.
Dois em cada dez brasileiros vão dormir com fome.
Trinta e dois milhões de indigentes, pessoas que não conseguem comprar sequer uma cesta
básica.
365 mil crianças abaixo de 5 anos morrem por ano no Brasil vítimas de desnutrição. É mais que 3
estádios do Morumbi.
O Brasil é um país com uma economia doente, sucateada com uma recessão brutal que mantém
os índices de inflação baixos; cartelizada; dependente do protecionismo e subsídio do estado,
refém dos grandes bancos, escrava à especulação do capital estrangeiro. O estado está falido, o
sistema médico e previdenciário dilapidados. O sistema fiscal desmoralizado, perverso, incoerente.
O salário mínimo, um dos mais baixos do mundo. O brasileiro é obrigado a conviver com as mais
altas taxas de juros do planeta. Por conta disto, as estradas brasileiras são esburacadas,
impedindo o fluxo da riqueza para os grandes portos, o trânsito nas grandes capitais é caótico, o
transporte público bagunçado. As cadeias públicas super lotadas, transformaram-se em antros de
criminalidade. As polícias mal pagas e mal equipadas são temidas pelos cidadãos e escarnecidas
pelos bandidos. O estado não tem recursos para cumprir com suas obrigações previstas na
Constituição.
Ecologicamente o Brasil é um desastre. Os rios e florestas destruídos pela exploração
irresponsável de seus recursos naturais. Desequilibramos nosso ecossistema quando
transformamos algumas de nossas lindas cataratas em imensos lagos artificiais. Poluímos nossas
praias pela especulação imobiliária. Continuamos a devastar nossa selva para suprir o guloso
mercado madeireiro do primeiro mundo. O resultado patético vê-se – e cheira-se – por todas
parte: nossos rios são esgotos abertos, alguns de nossos prados se parecem com cenários
lunares. Algumas de nossas montanhas, corroídas pela erosão, são retratos surrealistas de nossa
miséria.
O Brasil é o país da degradação ética. Vive-se aqui a generalização do oportunismo político. Há
conivência com a irresponsabilidade. Como é grande nossa tolerância com a corrupção – grande
ou pequena! A fraude é vista como fato normal. Os interesses corporativos prevalecem sobre os
sociais. Aceitamos, sem perdermos o sono, a coexistência gritante da ostentação com os mais
dramáticos níveis de miséria. A injustiça social no Brasil é uma das mais alarmante do mundo,
sem que haja consternação das elites e das emergentes. Dinheiro que deveria ser destinado a
merenda escolar de crianças é desviado para gordas contas na Suíça. Promessas eleitoreiras se
repetem de tempo em tempo, enquanto nossas cidades estão entulhando-se de desempregados
crônicos – os chamados excluídos. Parece que o deboche diante da tragédia está passando a ser
parte de nossa cultura. O conformismo, a falta de espírito público tanto da classe política da
esquerda como da direita são características de nossa enfermidade ética. Somente aqui a
vergonhosa lei do Gerson nos faz rir e não corar de vergonha.
Por mais que o nosso presidente diga que não, somos uma vergonha, no cenário internacional. Lá
fora nos conhecem como o país da violência generalizada, da corrupção, da devastação da
Amazônia, do assassinato de crianças e de índios. Somos vistos como o país do sexo promíscuo
do carnaval. Muitos europeus lembram-se do Brasil como exportador de travestis.
Aqui neste espaço, nos concerne refletir sobre quais os posicionamentos do evangelho na difícil
tarefa de equipar os brasileiros como atores sociais. Qual o papel da igreja evangélica brasileira?
Ela é povoada de cidadãos da Cidade de Deus? A igreja produz cidadãos também para o aqui e
agora?
É de bom alvitre que se leia neste ponto de nossa reflexão o capítulo 22 de Mateus, dos versículos
15 ao 22.
“Então, retirando-se os fariseus, consultaram entre si como o surpreenderiam em alguma palavra.
E enviaram-lhe os discípulos, juntamente com os herodianos, para dizer-lhe: Mestre, sabemos que
és verdadeiro e que ensinas o caminho de Deus, de acordo com a verdade, sem te importares
com quem quer que seja, porque não lhas a aparência dos homens. Dize-nos, pois: que te
parece? É lícito pagar tributo a César ou não? Jesus, porém, conhecendo-lhes a malícia,
respondeu: Por que me experimentais, hipócritas? Mostrai-me a moeda do tributo. Trouxeram-lhe
um denário. E ele lhes perguntou: De quem é esta efígie e inscrição? Responderam: De César.
Então, lhes disse: Daí, pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus. Ouvindo isto, se
admiraram e, deixando-o, foram-se.”
Neste texto de Mateus, Jesus já está em Jerusalém e de lá só sairá pela chamada Via Dolorosa. A
multidão o aclama e o clima está se tornando insuportável. Depois de insistir em falar de assuntos
inquietantes, há uma conspiração que tenta surpreender-lhe. Os fariseus se retiraram, a fim de
planejar o modo pelo qual poderiam apanhar Jesus na armadilha de alguma palavra. Decidiram
enviar alguns de seus discípulos, com os herodianos, a fim de propor-lhe uma questão
controvertida a respeito de pagamento de impostos ao imperador romano. Nada sabemos a
respeito dos herodianos, senão o que está registrado aqui. Supõe-se que seriam defensores
judeus de Herodes Antipas, que apoiavam o colaboracionismo aos conquistadores romanos.
Começam com lisonjas. “Mestre, bem sabemos que és verdadeiro e que ensinas o caminho de
Deus com toda sinceridade. Tu não te preocupas com o que pensam as pessoas, porque não te
interessas por ganhar-lhes o favor. Então diga-nos, é lícito pagar tributo a César, ou não?” Fica
claro como cristal o dilema que propõem a Jesus. Se ele se opusesse ao pagamento de impostos,
estaria em dificuldades com as autoridades civis. Os herodianos o acusariam de tentar incitar uma
rebelião. Se aprovasse o pagamento dos impostos, perderia popularidade. Parecia que não havia
meio de ele responder à pergunta sem sair perdendo.
O imposto a que se referiam era uma taxa per capita obrigatória a cada cidadão a partir da
puberdade até os sessenta e cinco anos. Devia ser pago em moeda romana ao tesouro imperial. O
povo judeu se ressentia do pagamento de tal imposto, porque lembrava a todos que eram
vassalos de uma potência estrangeira que lhes confiscara a terra e, agora, lhes extorquia uma
soma de dinheiro que engordaria os cofres do imperador.”
O texto é da maior importância porque ele nos arremete aos posicionamentos de Jesus Cristo
sobre a difícil questão da cidadania. Sua resposta fornece princípios sobre como a igreja se
comporta quando confrontada com o dilema ideológico. Aqui precisamos abrir um parêntese para
esclarecermos o que entendemos por ideologia.
Ideologia seria a lente que nos capacita a ler nossa realidade, a natureza de nossas estruturas e
quais as possibilidades escatológicas.
A escolha do texto, a observação de como Cristo reagiu não é por acaso. Pois o comportamento
do cristianismo através dos séculos não foi sem tensões, ambigüidades. Como agir, reagir,
comportar-se como cidadãos de dois reinos? Até que ponto é permitida a desobediência civil, a
revolta armada, o exílio?
Ainda na embrionária igreja primitiva esse dilema se apresenta diante de Pedro e João. Acusados
de causar incômodo religioso na monolítica Jerusalém judaica, Pedro reagiu diante do mesmo
Sinédrio que conduziu a condenação de Cristo afirmando em Atos 4.19:
“Julgai se é justo diante de Deus ouvir-vos antes a vós outros do que a Deus.”
Pouco tempo depois insistiu em Atos 5.29:
“Antes, importa obedecer a Deus do que aos homens.”
Entretanto, Paulo, quase que contradizendo a postura de Pedro ensina em Romanos 13.1-7:
“Todo homem esteja sujeito às autoridades superiores; porque não há autoridade que não
proceda de Deus; e as autoridades que existem foram por ele instituídas. De modo que aquele
que se opõe à autoridade resiste à ordenação de Deus; e os que resistem trarão sobre si mesmos
condenação. Porque os magistrados não são para temor, quando se faz o bem, e sim quando se
faz o mal. Quere tu não temer a autoridade? Faze o bem e terás louvor dela, visto que a
autoridade é ministro de Deus para teu bem. Entretanto, se fizeres o mal, teme; porque não é
sem motivo que ela traz a espada; pois é ministro de Deus, vingador, para castigar o que pratica o
mal. É necessário que lhe estejais sujeitos, não somente por causa do temor da punição, mas
também por dever de consciência. Por esse motivo, também pagais tributos, porque são ministros
de Deus, atendendo, constantemente, a este serviço. Pagai a todos o que lhes é devido: a quem
tributo, tributo; a quem imposto, imposto; a quem respeito, respeito; a quem honra, honra.”
Assim, por toda a história, o comportamento dos cristãos em regimes totalitários, sociedades
eticamente adoecidas e em culturas perversas não foi sempre homogêneo. Algumas vezes
pareceu coerente:
Quando a perseguição e martírio dos cristãos era comum no mundo antigo, foi necessário optar
não pela resistência aos regimes, mas ao exílio. Por isso, foram construídas as catacumbas.
Já nos tempos dos gladiadores, Roma já encontrava-se encharcada pelo cristianismo. Foi a
militância dos cristãos que estancou o sangue que jorrava no Coliseu.
Em algumas circunstâncias, os regimes valeram-se dos cristãos para legitimar suas ambições de
conquistas, seus sistemas de dominação e suas guerras sangrentas.
Diz-se que Isabel, a católica cometeu mais atrocidades em nome de sua fé do que Nero jamais
por causa de sua perversão.
Hoje, sabe-se que grande parte do poder religioso calou-se quando Hitler dizimava os judeus, os
ciganos, os homossexuais e os deficientes físicos. Quando não houve conivência, houve um
silêncio cômodo.
Salazar, em Portugal, Franco na Espanha, e os regimes totalitários da América Latina contavam
com o apoio da Cúria.
No Brasil, o regime ditatorial mais longo de nossa história, o que começou em 1964, na verdade
não teria vingado se fosse a Marcha por Deus e pela Família, liderada pela igreja católica. Os
evangélicos calaram-se pelas três décadas. Crente que fosse verdadeiramente, votava na Arena.
Os militares contaram com a obediência serena e meiga dos evangélicos. Enquanto atrocidades
eram cometidas nos porões do Doi Codi e nos porões da repressão, alheios, continuávamos
conduzindo reuniões evangelísticas. Acreditamos que os comunistas eram perigo tão grande, que
deveríamos no unir aos militares por que eles derrotariam as forças do mal.
Em Ruanda, hoje sabe-se a política de extermínio na questão étnicas entre os Tutsis e os Hutus
teve o aval da igreja cristã local.
Eis porque devemos observar o comportamento de Cristo diante do impasse que lhe
apresentaram:
1. O conceito cristão de cidadania dessacraliza os processos políticos.
Ele pergunta, de quem é a efígie na moeda. A resposta obvia é que era de César. Portanto, não há
uma ótica transcendente na leitura daquele regime. O regime de César não é visto como agente
do mal e nem como agente do bem; é visto como uma manifestação dos processos humanos de
condução da história.
Para cristo, os sonhos teocráticos estão esvaziados. Ele edificará um reino que não guerreará
pelos mesmos espaços geográficos que Roma, seu reino não usa a nomenclatura do poder de
César, não aparecerá um novo partido dentro da confusa geo-política palestina do primeiro século.
O evangelho não contempla no socialismo o sonho de concretização do reino. Sequer consegue
ver o capitalismo que faz do dinheiro o seu deus, a possibilidade de encarnar a utopia do novo céu
e da nova terra.
Isso força o cristianismo a interpretar sua realidade histórica à luz da realidade e não do ideal.
Quando se indaga a Cristo se deve pagar impostos a Roma, está embutida na pergunta uma
inquietação: Um povo deve subjugar outro povo. Uma nação poderosa deve extorquir impostos de
outra nação pobre? Não. O ideal não é que isso aconteça, mas o cristianismo não trabalha com
pressupostos do ideal e sim do que é. O ideal é que não se gastasse bilhões na indústria das
armas, o ideal é que o sistema financeiro não premiasse a especulação e sim a produção, o ideal é
que o sistema não se alicerçasse sobre a ganância e sim sobre a solidariedade.
Foi devido a isso que a escravatura não é duramente combatida nas páginas do Novo Testamento.
Na realidade em que foi escrito, a escravatura era amplamente difundida. Os autores mergulhados
na realidade histórica que viveram sem percepção nítida de como aquela situação pudesse ser
revertida não tentam desmoronar o sistema da escravatura, mas lutam para humaniza-lo.
No exercício da sua cidadania o cristão reconhece sua realidade mas não se encaramuja pela
distância entre o que é e o que desejamos que seja. O ideal é que não houvesse meninos
morando nas ruas, chacinados por hordas de justiceiros. O ideal é que não haja traficantes
vendendo crack para os miseráveis que já vivem no inferno. Entre este ideal e o que vemos
quotidianamente há um abismo enorme. O que fazer. O evangelho desafia os cristãos a lutar para
que eles sejam cuidados, que as estruturas que perpetuam esse estado de coisas sejam
derrubadas e que se engatilhem processos que prevenirão outros a caírem nesse caldeirão de
desgraça.
Foi interessante a postura do Ministro da Saúde dos Governos do Jimmy Carter e do George Bush.
Ele, evangélico militante, iniciou uma campanha pela distribuição de preservativos por todos os
Estados Unidos. Confrontado pela Maioria Moral, se não estava legitimando a promiscuidade no
país, ele respondeu: O ideal é que as pessoas vivam uma vida monogâmica, mas antes que esse
ideal se concretize há milhares de pessoas se contaminando com o vírus HIV. Sou ministro da
saúde, não lido com o ideal, tenho que lidar com a dolorosa realidade, portanto, vamos ensinar as
pessoas a usar a camisinha.
O ideal é que não haja abortos. Entretanto, milhares de mulheres estão recorrendo a clínicas de
aborto imundas. Muitas morrem por infecção. O que fazer? Creio que o conceito de cidadania deve
incorporar programas alternativos de adoção, creches antes que as apedrejemos.
2. O exercício da cidadania cristã trabalha dentro dos contornos sociais, sem contudo legitimá-los.
O simples fato de pagar o tributo não significa que o regime opressor de Roma está legitimado por
Cristo. Cristo não admite que suas posturas sejam exploradas por razões políticas, como também
ensinou aos seus discípulos a nunca se valeram das estruturas do poder para alavancar o projeto
do reino.
Francis Schaeffer é que cunhou a expressão co-beligerância. Fazem-se parcerias sem contudo
legitimar.
Quando percebo que a igreja católica levantou uma bandeira digna, como sua luta contra a
exploração sexual de menores, posso me aliar com ela naquela luta, sem que necessariamente
esteja legitimando outros posicionamentos dela como sua mariolatria, o poder papal, etc.
Quando percebo que os sem terra, estão com reivindicações sólidas sobre a reforma agrária e
sobre a injustiça social no campo o evangelho deve ratificar o esforço deles – Há muitos crentes
entre os sem-terra – sem contudo, estar legitimando a invasão de prédios públicos ou estar
solidário a pressupostos socialistas.
Quando o presidente da República desenvolve um projeto de cidadania, um esforço de alfabetizar
os evangélicos devem se posicionar a favor, sem que com isso estejam dizendo que aprovam os
métodos que foram usados para que se ganhassem os votos pela re-eleição.
“Odeio os indiferentes. Acredito que viver significa tomar partido. Não podem existir os apenas
homens, estranhos à cidade. Quem verdadeiramente vive não pode deixar de ser cidadão e
partidário. Indiferença é abulia, parasitismo, covardia, não é vida. Por isso odeio os indiferentes. A
indiferença é o peso morto da história. É a bala de chumbo para o inovador e a matéria inerte em
que se afogam freqüentemente os entusiasmos mais esplendorosos, o fosso que circunda a velha
cidade e defende melhor do que nunca as ais sólidas muralhas, melhor do que o peito dos seus
guerreiros, porque engole nos seus sorvedouros de lama os assaltantes, os dizima e desencoraja
e, às vezes, os leva a desistir da gesta heróica.
Odeio os indiferentes também, porque me provocam tédio as suas lágrimas de eternos inocentes.
Peço contas a todos eles pela maneira como cumpriram a tarefa que a vida lhe impôs e impõem
quotidianamente, do que fizeram e, sobretudo, do que não fizeram. E sim que posso ser
inexorável, que não devo desperdiçar a minha compaixão, que não posso repartir com eles
minhas lágrimas. Sou militante, estou vivo. Sinto nas consciências viris dos que estão comigo
pulsando a atividade da cidade futura que estamos a construir. Vivo, sou militante. Por isso, odeio
quem não toma partido, odeio os indiferentes.”
Antônio Gramsci – 11.02.1917.
3. O exercício da cidadania é encarado no cristianismo, não como uma atividade da redenção mas
da criação.
A função de governar a terra e de administrar foi outorgada no Gênesis antes da queda. O
cristianismo, portanto, não necessita de homens redimidos para que o bem seja promovido.
Está fora o conceito de que o Brasil será melhor quando tivermos o maior número de evangélicos
no poder.
Não, o Brasil estará melhor quando tivermos o maior número de bons políticos exercendo, da
mesma maneira que a aviação brasileira estará melhor quando tivermos melhores pilotos
pilotando nossas aeronaves, da mesma maneira que o nosso programa de desenvolvimento da
física nuclear estará melhor quando tivermos o maior número de bons físicos à frente dos nossos
projetos energéticos.
4. O exercício da cidadania evangélica é ao mesmo tempo uma expressão de amor como
expressão de justiça.
O âmago do evangelho é a busca da justiça em amor. E da proclamação do amor a partir
O que segue a justiça e a bondade achará a vida, a justiça e a honra. Provérbios 21.21.
O exemplo do Bom Samaritano. O fez por um sentimento de amor, talvez não passasse no teste
do politicamente correto. Não houve contestação do sistema, da insegurança. Mas como
expressão do seu profundo amor, a justiça foi exaltada.
Esse é o mistério da encarnação. Cristo ao mesmo tempo dá o que é de Deus e de César. O
transcendente e o imanente encarnam-se. A igreja participa no palco social e constrói um castelo
transcendental. Age no imanente como justiça, porque foi visitada pelo transcendente com amor.
Por isso é que historicamente ela tanto tem um
Desmond Tutu na África do Sul que celebra um culto a Deus orando para que seja desmantelado o
sistema do Aparthaid como sai pelas ruas em passeata pedindo que o regime iníquo caia por
terra.
Um Martin Luther King Jr, que prega o sermão em Atlanta e faz o discurso em Washington.
Um Wilberforce que pastoreia uma igreja e ao mesmo tempo é membro do Parlamento Britânico
que joga por terra o regime escravagista.
Você tem comunidades evangélicas no morro pregando o evangelho e promovendo cursos de
alfabetização. Missionários que dão aula de bíblia e de cuidados de higiene.
Soli Deo Gloria
A mulher samaritana, Coca-Cola e Jesus.
Ricardo Gondim Rodrigues
Às vezes, a gente ouve certas coisas que não aceita, mas não sabe bem o porquê. Só depois de
algum tempo entende. Não foi por mera antipatia que aquela mensagem não desceu bem.
Recordo-me quando ouvi pela primeira vez o paralelo entre Jesus e a Coca-Cola. O pregador,
inflamado de zelo e paixão missionária, afirmava que numa viagem ao interior do Haiti, sob uma
temperatura de mais de 40 graus, sentiu-se aliviado quando parou num quiosque miserável feito
de palha de coqueiros e pôde comprar uma garrafa do mais famoso refrigerante do mundo.
Devidamente refeito depois de beber sua Coca geladinha, perguntou ao dono da venda se já
ouvira falar de Jesus. Ele não sabia de quem se tratava. E o nosso palestrante fez sua analogia,
tentando dar um choque na complacência da igreja ocidental: “A Coca-Cola conseguiu alcançar o
mundo inteiro em menos de um século e a igreja cristã ainda não cumpriu a ordem da Grande
Comissão em mais de 20 séculos!”. Depois daquela primeira exortação, já devo ter escutado essa
mesma comparação uma dúzia de vezes em diversas conferências missionárias. Verdade ou
tolice? Pior. Estou certo que essas ilustrações não são meros simplismos, nascem de grandes erros
teológicos (ou ideológicos?).
Coca-Cola é uma bebida inventada na Geórgia, Estados Unidos, com uma fórmula secreta. Sabese que sua receita original continha alguns ingredientes também encontrados na cocaína, daí o
seu nome. Seus fabricantes nunca intencionaram outro propósito senão matar a sede das
pessoas. A The Coca-Cola Company não convoca ninguém a rever valores do caráter, não
confronta estruturas de morte, não se propõe a aliviar culpa, não revela a eternidade e nem Deus.
Para chegar aos quiosques mais remotos do globo, bastou criar um produto doce e gaseificado.
Investir bilhões em boas estratégias de propaganda, construir fábricas e desenvolver uma boa
rede de distribuição para que o produto chegasse com a mesma qualidade nos pontos de venda.
Tentar comparar a missão da igreja no anúncio do Reino de Deus às estratégias de mercado de
um refrigerante, beira o absurdo. Confunde-se um bem material com uma pessoa e enxerga-se na
mensagem um produto. Os missiólogos sucumbiram à lógica do mercado do novo milênio?
Acreditam mesmo que cumpriremos nossa missão com os instrumentais corporativos? Tudo pode
se tornar um produto?
No Brasil, o esforça-se muito para “vender” o Evangelho. Quase não se usa a mídia para
proclamar os conteúdos do Evangelho. Alardeiam-se os benefícios da fé. Basta observar a
enormidade de tempo gasto divulgando os horários dos cultos, a eficácia da oração, mostrando
que aquela igreja é melhor e que a sua mensagem é a mais forte para resolver todos os
problemas das pessoas. Aborda-se o Evangelho como um produto eficaz e adota-se uma
mentalidade empresarial no seu anúncio. Prometem-se enormes possibilidades. Tratam as pessoas
como clientes e sem constrangimento, anuncia-se que qualquer um pode adquirir esse
determinado benefício com um esforço mínimo. As igrejas se transformam em balcões de serviços
religiosos ou supermercados da fé. A tendência de oferecer cultos diferenciados e as intermináveis
campanhas de milagres demonstram bem esse espírito. Como um supermercado com as gôndolas
recheadas de produtos, as igrejas procuram incrementar os “serviços” ao gosto dos fregueses. Os
pastores dividem os dias da semana com programações atrativas; gastam suas energias
desenvolvendo estratégias que atraiam o maior número de pessoas. Sonham com auditórios
lotados. Campanhas, correntes e demonstrações grotescas de exorcismos e milagres financeiros
se sucedem. As pessoas, por sua vez, se achegam, seduzidos pelas promoções das prateleiras
eclesiásticas.
Esse modelo induz as pessoas a adorarem a Deus por aquilo que ele dá e não por quem é. Não se
anuncia o senhorio de Cristo, apenas os benefícios da fé. Os crentes acabam tratando a Bíblia
como um amuleto e, supersticiosos, continuam presos ao medo. Vive-se uma religião de consumo.
Mas existe outra dimensão ainda mais sutil. Naomi Klein, jornalista canadense, publicou
recentemente “Sem Logo” (Editora Record) para denunciar a tirania das marcas em um planeta
obcecado pelo consumo. Ela defende a tese de que a grandes corporações do mercado global não
vendem apenas os seus produtos, mas a marca. Procuram criar uma filosofia de vida embutida
em seus produtos. Desejam induzir seus consumidores a acreditarem que podem viver um
determinado estilo de vida, desde que comprem aquela marca específica. Assim os fumantes de
Marlboro imaginam personificar o “cowboy” solitário, mesmo morando em um apartamento.
Quando atletas amadores vestem as roupas ou calçam os tênis da Nike, acham que se
transformam em campeões. Gente que vive presa no trânsito apinhado das grandes metrópoles,
ao dirigir jipes com tração nas quatro rodas, sente-se desbravando sertões. Klein declara:
“’Marcas, não produtos!’ tornou-se o grito de guerra de um renascimento do marketing liderado
por uma nova estirpe de empresas que se viam como ‘agentes de significado’ em vez de
fabricantes de produtos. Segundo o velho paradigma, tudo o que o marketing vendia era um
produto. De acordo com o novo modelo, contudo, o produto sempre é secundário ao verdadeiro
artigo. A marca e a sua venda adquirem um componente adicional que só pode ser descrito como
espiritual”.
Infelizmente percebe-se o mesmo em determinados círculos cristãos. Querem fazer do Evangelho
uma grife. Como? Primeiro transforma-se um seleto grupo de evangelistas, cantores e pastores
em superestrelas ao estilo de Hollywood. Depois associam seu nome a grandes eventos e dão-lhes
o holofote. Ensinam-lhes habilidades espirituais acima da média. Assim produzem-se ícones
semelhantes aos do mundo do entretenimento. Eles aglutinam multidões, vendem qualquer coisa
e criam novas modas. A indústria fonográfica enriquece, os congressos se enchem, e os novos
astros do mundo “gospel” alavancam suas igrejas.
Jesus dialogou com uma mulher samaritana e ofereceu-lhe uma água viva. A mulher imaginou
essa água com raciocínios concretos. Pensou que ao beber, nunca mais teria sede. Uma água
dessas hoje, devidamente comercializada, seria um tesouro sem preço. “Dá-me dessa água e
assim nunca mais terei que voltar aqui”.
Jesus corrigiu sua linha de pensamento. A água que ele oferecia não era mágica, mas um
relacionamento: filhos e filhas adorando ao Criador em espírito em verdade. Infelizmente muitos
evangélicos brasileiros propagandeiam água mágica. Pretensamente matando a sede de qualquer
um no estalar dos dedos.
O evangelho não é produto ou grife, volto a repetir, mas uma alvissareira notícia. Não deveria se
escravizar às regras do mercado. Ricardo Mariano em sua tese de doutoramento concluiu, para a
vergonha de tantas igrejas neo-pentecostais: “As concessões mágicas feitas pelas igrejas
pentecostais às massas desafortunadas, por certo, não constituem tão-somente meras
concessões... observa-se que a oferta pentecostal de serviços mágicos segue cada vez mais uma
dinâmica empresarial, ditada pela férrea lógica do mercado religioso, que pressiona os diferentes
concorrentes religiosos a acirrarem seu ativismo e a tornarem mais eficazes suas ações e
estratégias evangelísticas”.
Essa mercadoria religiosa caricaturada de evangelho não representa o leito principal da tradição
apostólica. A indústria que encena essa coreografia carismática de muito barulho e pouca eficácia,
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Igrejas também morrem: os perigos que ameaçam o futuro do movimento evangélico brasileiro

  • 1. Abaixo seguem diversos artigos extraídos da coluna “reflexão” da revista Ultimato (www.ultimato.com.br), escritos pelo pastor Ricardo Gondim – Pr. da Igreja Ass. Deus Betesda em São Paulo SP Igrejas também morrem Ricardo Gondim Rodrigues Na Inglaterra, entrei em um salão de snooker sentindo náuseas. A vertigem que invadiu meu corpo foi diferente de tudo que já sentira antes. As mesas verdes espalhadas pelo largo espaço lembravam-me um necrotério. Eu explico o porquê. Aquele salão havia sido a nave de uma igreja, que definhou através dos anos, até ser vendido. O pastor que me levou nessa insólita visita relatou que na Inglaterra há um grande número de igrejas que morreram lentamente. Devido aos altos custos de manutenção, só restava ao remanescente negociá-las. Os maiores compradores, segundo ele, são os muçulmanos, donos de lojas de antigüidades e, infelizmente, de bares e boates. Vendo o púlpito talhado em pedra com inscrições de textos bíblicos — "Pregamos a Cristo crucificado"; "O sangue Cristo nos purifica de todo pecado" —, voltei no tempo e lembrei-me de que aquela igreja, fundada durante o avivamento wesleyano, já fora um espaço de muita vitalidade espiritual. As placas de granito e mármore, ainda fixadas nas paredes, mostravam que naquele altar — então balcão do bar — pregaram pastores e missionários ilustres. Imaginei aquele grande espaço, hoje cheio de homens vazios, lotado de pessoas ansiosas por participarem do mover de Deus que varria toda a Inglaterra. Perguntei a mim mesmo: "o que levou essa congregação a morrer de forma tão patética?". Nesses meus solilóquios, pensei no Brasil. Semelhantemente ao avivamento wesleyano, experimentamos um crescimento numérico nas igrejas brasileiras. Há uma efervescência religiosa em nosso país. As periferias das grandes cidades estão apinhadas de templos evangélicos, todos repletos. Grandes denominações compram estações de rádio e televisão. Cantores evangélicos gravam e vendem muitos CD’s. Publicam-se revistas e livros. Comercializam-se bugigangas religiosas nas várias livrarias, que também se multiplicam, interligadas pelo sistema de franquias. Por outro lado, diferentemente do que aconteceu na Inglaterra, o despertamento religioso brasileiro tem uma consistência doutrinária rala, demonstra pouca preocupação ética e um mínimo de impacto social. Os desdobramentos destas constatações são preocupantes. Se, com toda a firmeza doutrinária, ética e disciplina anglo-saxônica aquelas igrejas morreram, o mesmo pode acontecer no Brasil? Infelizmente sim. As razões que implodiram inúmeras congregações européias, obviamente são diferentes. Lá, houve um forte movimento anti-clerical motivado pela secularização do Estado e das universidades. A teologia liberal minou o ânimo evangelístico e os processos de institucionalização do que era apenas um movimento jogaram a última pá de cal nos sonhos dos antigos avivalistas ingleses. Quais os perigos que ameaçam o futuro do movimento evangélico brasileiro? Alguns já se mostram de forma exuberante. A trivialização do sagrado Visitar qualquer igreja evangélica no Brasil é oportunidade para perceber uma forte tendência teológica e litúrgica na busca de uma divindade que se molde aos contornos teológicos dessa igreja e que ofereça apoio aos anseios e caprichos pessoais. Faltam temor e espanto diante de Deus. O único medo é o do pastor: de que a oferta não cubra as despesas e os seus planos de expansão. A cultura evangélica nacional está fomentando uma atitude muito displicente quanto ao sagrado. O deus que está a serviço de seu povo para lhes cumprir todos os desejos certamente não é o Deus da exortação de Hebreus 12.28-29: "Por isso, recebendo nós um reino inabalável, retenhamos a graça, pela qual sirvamos a Deus de modo agradável, com reverência e santo temor; porque o nosso Deus é fogo consumidor". O tom de voz exigente e determinante como se fala com Deus hoje deixa a dúvida quanto a quem é o senhor de quem. As experiências que só geram arrepios pelo corpo são relatadas como se Deus fosse apenas um estimulante químico. Certos pastores dizem falar e ouvir a voz de Deus — para serem contraditos pelas suas próprias falsas profecias — sem levar em conta que "Deus não terá por inocente aquele que tomar o seu nome em vão". Os milagres, aumentados pela manipulação, revelam uma falta de temor. O descaso com o sagrado é uma faca de dois gumes. Se, por um lado, demonstra grande familiaridade, por outro, gera complacência. Complacência e enfado são sinônimos entre si. Se nos acostumarmos com o mistério de Deus e trivializarmos sua presença, acabaremos colocando-
  • 2. o na mesma categoria de nossos encontros mais corriqueiros, daqueles que podem ser adiados ou não, dependendo de nossas conveniências. Acabaremos entediados de Deus. O esvaziamento dos conteúdos Uma das marcas mais patéticas do tempo em que vivemos é a repetição maçante de jargões nos púlpitos evangélicos. Frases de efeito são copiadas e multiplicadas nos sermões. Algumas, vazias de conteúdo, criam êxtases sem nenhum desdobramento. Servem para esconder o despreparo teológico e a falta de esmero ministerial. Manipulam-se os auditórios, eleva-se a temperatura emotiva dos cultos, mas não se cria um enraizamento de princípios. Gera-se um falso júbilo, mas não se fornecem ferramentas para criar convicções espirituais. Hannah Arendet, filósofa do século XX, ao comentar sobre o fato de que Eichmann, nazista, braço direito de Hitler, respondeu com evasivas às interrogações do tribunal de guerra que o julgava sobre seus crimes, afirmou: "Clichês, frases feitas, adesões a condutas e códigos de expressão convencionais e padronizados têm a função socialmente reconhecida de nos proteger da realidade, ou seja, da exigência de atenção do pensamento feita por todos os fatos e acontecimentos". Qual será o futuro dessa geração que se contenta com um papagaiar contínuo de frases ocas que só prometem prosperidade, vitória sobre demônios e triunfo na vida? A mistura de meios e fins Por anos, combateu-se a idéia de que os fins justificavam os meios, porque essa premissa justificava comportamentos aéticos. Hoje, o problema aprofundou-se. Não se sabe mais o que é meio e o que é fim. Não se sabe mais se a igreja existe para levantar dinheiro ou se o dinheiro existe para dar continuidade à igreja. Canta-se para louvar a Deus ou para entretenimento do povo? Publicam-se livros como negócio ou para divulgar uma idéia? Os programas de televisão visam popularizar determinado ministério ou a proclamação da mensagem? As respostas a essas perguntas não são facilmente encontradas. Cristo não virou as mesas dos cambistas no templo simplesmente porque eles pretendiam prestar um serviço aos peregrinos que vinham adorar no templo. Ele detectou que os meios e os fins estavam confusos e que já não se discernia com clareza se o templo existia para mercadejar ou se mercadejava para ajudar no culto. A obsessão por dinheiro, a corrida desenfreada por fama e prestígio, a paixão por títulos, revelam que muitas igrejas já não sabem se existem para faturar. Muitos líderes já não gastam suas energias buscando um auditório que os ouça, mas procuram uma mensagem que segure o seu auditório. A confusão de meios e fins mata igrejas por asfixia. O livro do Apocalipse mantém a advertência, muitas vezes desapercebida, de que igrejas morrem. As sete igrejas ali mencionadas — inclusive a irrepreensível Filadélfia — acabaram-se. Resumemse a meros registros históricos. Não podemos achar abrigo na promessa de Mateus 16 — de que as portas do inferno não prevalecerão contra a igreja — para justificar qualquer irresponsabilidade. O livro do Apocalipse adverte: "Lembra-te, pois, de onde caíste arrepende-te, e volta à prática das primeiras obras; e se não, venho a ti e moverei do seu lugar o teu candeeiro, caso não te arrependas" (Ap 2.5). Crescer numericamente não imuniza a igreja de perigos. Pelo contrário, torna-a mais vulnerável. Resta perguntar: Será que agora, famosos e numericamente profusos, não estamos precisando de profetas? Será que o tão propalado avivamento evangélico brasileiro não necessita de uma Reforma? Aprendamos com a história. Um pequeno desvio hoje pode tornar-se um abismo amanhã. Imaginar que podemos condenar nossas igrejas a se tornarem bares de snooker é um sonho horrível. Porém, se não fizermos algo, esse pesadelo pode se tornar realidade. Que Deus nos ajude. Qual o futuro para os evangélicos brasileiros? Ricardo Gondim Muita história separa o primeiro do segundo CBE. Em 1983 os sonhos ainda não haviam morrido, os muros altos da guerra fria continuavam de pé. Não havia o telescópio Hubble, computadores de colo ou de bolso, nem telefone celular ou mapeamento genético. Ainda se tocavam discos de vinil. Naquele tempo, o Saddam Hussein recebia verbas para aumentar o seu exército e tanto o Pinochet como o Noriega eram considerados bons estadistas. Ninguém sabia quem era o Osama Bin Laden. Considerava-se a China um país agrícola e atrasado. Ensinavam-nos que a besta do Apocalipse seria dez países (não mais do que 10) europeus que se juntariam para renascer o
  • 3. antigo Império Romano. Não existia o eixo do mal e sim o império do mal: a União Soviética e seus países satélites. No Brasil, a ditadura militar, asfixiada, procurava fôlego. Ligávamos pontualmente as nossas televisões no Jornal Nacional, querendo saber a “versão oficial”. Vivíamos sob o manto escuro do AI 5. Acreditava-se que justiça social era discurso de comunista. Os evangélicos compunham a minoria silenciosa e impotente do Brasil. Contudo, apoiavam a ditadura e com ela permaneceram até o apagar da luzes do regime. Pecavam os crentes que não votassem nos partidos da situação. Mas, em 1983, o Congresso Brasileiro de Evangelização cravou uma estaca em nossa história. Ali se falou do imperativo da igreja entrar pela porta da Missão Integral. E daí em diante procuramos colocar maçaneta e azeitar os gonzos nas dobradiças desta porta tão pouco conhecida. Havia, entretanto outras opções, tais como o adesismo politico. Poderíamos simplesmente continuar com a atitude subserviente de alguns dos nossos líderes. Bastaria repetir e ensinar uma frase vergonhosa, que os truculentos militares ouviam ressoar de dentro das igrejas: “Sim, senhor”. Como também escolher resignarmo-nos à nossa condição de colônia, fotocopiando as antigas formulações teológicas de nossos irmãos mais ricos e adiantados. Com dólares fartos, construiríamos aqui filiais dos seus mega-projetos no primeiro mundo. Vestiríamos ternos bem talhados, ganharíamos passagens para comparecer, (nunca falar) em suas conferências missionárias. Havia também a porta da teologia da libertação nos prometendo instrumentais que nos habilitariam a entender e transformar nossas idiossincrasias históricas. Graças a Deus não optamos por nenhuma delas, e assim começamos a sair da nossa imaturidade política. Não murchamos como uma colônia e nem embarcamos no neo-panteísmo esotérico que hoje fascina os antigos marxistas cristãos. Optamos pela proposta da Missão Integral. Formamos uma frente informal de homens e mulheres que se propunham a perseguir o sonho de pregar todo o Evangelho a todos os homens e mulheres em todas as suas circunstâncias. Cheios de medo, atravessamos caminhos estreitos e largos; tentadores e cheios de ameaças. A cada passo, víamos nascer uma nova manhã, e nela sete outras portas. Contudo, obstinadamente continuamos procurando nosso caminho. Com o pouco que sabíamos, lutamos para reverter as injustiças sociais, semear paz e salvar alguns. Acrescentamos à nossa humanidade uma esperança alvissareira: o reino de Deus está entre nós. Com o CBEII, a igreja evangélica tem sim o que celebrar. Neste Brasil de dia claro, onde o sol não conhece amanhecer ou anoitecer e as cores se confundem num branco radiante de constante verão, testemunhamos sinais históricos do poder do Evangelho. O que celebrar nessa breve, brevíssima, história? Construimos nossa agenda missionária com os materiais que dispunhamos. Transfomamos nossas paixões juvenis em tijolos. Rebocamos paredes com a argamassa de nossa impulsividade romântica. Caiamos nossas paredes com a determinação de alcançarmos os confins da terra. Rechaçamos a idéia de que somos um povo inexpressivo, desinteressante e pobre. Assim, fizemos do caboclo um missionário, do sertanejo um desbravador espiritual e do migrante gaúcho um plantador de igrejas. Não construímos nossa missão com ouro ou prata, mas com o suor anônimo dos Silvas, com as mãos fortes das Marias e com os olhos de lince dos Zés Ninguém. Muitas vezes, semeamos atabalhoadamente, mas com sinceridade. Geramos pensadores. Não tantos, talvez, mas com densidade invejável. Homens e mulheres que nos tiraram de nossos guetos denominacionais. Gente que nos ajudou a pular para fora dos fossos cavados por alguns líderes reacionários e que nos mantinham inimigos de nós mesmos. Também temos muito o que lamentar em nossa caminhada de vinte anos. Afinal de contas, somos filhos desta geração. Com ela choramos enlutados a morte das utopias. Viajamos com os nossos veleiros rumo a um porto que parecia nunca chegar. Sentimos muitas vezes que nossos sonhos nos abandonavam, assim como a noite abandona o seresteiro na madrugada que se recusa virar dia. Contemplamos um tempo pálido se repetindo monotonamente. A pós modernidade buscou nos empurrar para uma história sem sentido. E em inúmeras ocasiões nos sentimos anestesiados. Com o avivamento do terrorismo, nos sobreveio a sensação de que a história retrocedeu para o início de uma longa noite. Escuridão povoada de ausências e sem estofos contra a intolerância.
  • 4. Testemunhamos a superficialização da fé e a exuberância da espiritualidade “pret a porter”, prometendo um êxtase intimista e imediato. Choramos a perda da dimensão comunitária da fé e o renascimento do individualismo. Frustramo-nos com a nossa incapacidade de encarnar eticamente muitos de nossos pressupostos teológicos. Chegamos ao CBE II necessitando refazer o dever de casa para aprender a elencar novas ênfases em nossas agendas. Precisamos saber enfatizar, como Jesus Cristo, diferentes dimensões da fé. Ele ressaltou diferentes verdades em circunstâncias distintas. Numa determinada situação afirmou que para ser um discípulo seu, as pessoas deveriam abrir mão de alguma coisas (Marcos 8.35, Lucas 14.26), em outras ocasiões que precisava crer (João 5.24), e com a mesma convicção declarou a necessidade do fazer (Mateus 25:44-46); como também que confessar era condição para se entrar no Reino (Mateus 10:32). Na pós-modernidade o verbo crer perdeu muita relevância. Hoje, as pessoas acreditam em qualquer coisa. Se continuarmos privilegiando o verbo crer, não conseguiremos mais produzir verdadeiros discípulos. Proponho que elejamos a Graça como o grande tema do novo milênio e reaprendamos todo o significado do “Consumatum est”, que Jesus bradou no Calvário. Ensinemos que Deus já fez tudo o que precisava ser feito para a salvação da humanidade. Zelemos para que Efésios 2.8-9 não se transforme em um chavão: “Pois vocês são salvos pela graça, por meio da fé, e isto não vem de vocês, é dom de Deus; não por obras, para que ninguém se glorie”. Só assim, celebraremos uma dimensão de louvor que não se esforça para agradar a Deus, mas que festeja o amor de um Deus já agradado de nós; restituiremos ao culto felicidade e gratidão e não penitência; daremos às nossas orações a certeza que Deus nos ouve com ouvidos carinhosos e não numa relação de causa e efeito; repetiremos a afirmação de Paulo em Gálatas 2:20: “Logo, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim; e esse viver que, agora, tenho na carne, vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e a si mesmo se entregou por mim”. Somente a Graça produzirá pessoas que não almejam integridade para serem queridas de Deus, porém filhos e filhas amadas, que por isso, desejam ser verdadeiras. Com a Graça não precisamos orar bem para sermos ouvidos por Deus, mas andaremos confiantes que ele nos ouve sem exigir explicações. A Graça nos ensinará que não somos salvos porque nos sacrificamos, mas que vale a pena nos entregarmos pelo ideal do Reino de Deus. Somente a Graça manterá o cristianismo singular diante de todas as outras espiritualidades das prateleiras religiosas pós-modernas. Soli Deo Gloria. Não posso calar Ricardo Gondim Não posso calar depois que se completam doze meses de uma das mais desastradas, inoportunas e arrogantes campanhas militares dos últimos anos. Mais de seiscentos soldados americanos perderam suas vidas e mais de três mil rapazes e moças dos exércitos da coalizão sofreram amputações, desfiguramentos faciais e graves ferimentos. Cerca de dez mil civis iraquianos morreram, entre eles mulheres, idosos e crianças. O caos e anarquia se instalaram no país que sem um governo legítimo contempla de suas janelas a desintegração social, religiosa e política. Não posso calar quando os americanos bradam que abriram as portas para um mundo mais seguro onde os direitos humanos serão respeitados. Afinal de contas conseguiram desalojar do trono um déspota sanguinário. Será? Não havia no Iraque as tão propaladas armas de destruição em massa; Saddam Hussein não se equiparava a Hitler e nem o seu exército envelhecido e mal equipado representava uma ameaça à segurança do mundo, sequer dos Estados Unidos. O Ministro da Economia dos Estados Unidos, Paul O’Neill, (Treasury Secretary) publicou um livro em que ele denuncia que a decisão de invadir o Iraque fazia parte dos planos de governo de Bush antes do ataque terrorista de 11 de setembro de 2001. Hoje se sabe que houve má fé tanto dos serviços secretos ingleses como americanos sobre a ligação do Iraque aos terroristas da Al Qaeda. Não posso calar mesmo quando dizem que não é elegante tripudiar o erro alheio. Entretanto, quando se trata de vítimas inocentes, de pais que ainda chorarão a morte de seus filhos e da paz entre as nações, não se pode consentir silenciosamente. Devemos relembrar os beligerantes, os
  • 5. militaristas e os homens de mau senso que a guerra não é a solução. E que os que se apressam em derramar sangue, colhem amargos castigos. Devemos continuar lembrando aos americanos que não adianta bombardearem o mundo inteiro em busca de terroristas. Assim não se acaba com o crime – nós os brasileiros aprendemos isso, muito cedo. Quando a polícia invade uma favela e os esquadrões da morte matam bandidos, não conseguem diminuir em nada os índices de criminalidade. O mesmo se aplica a bandidos internacionais. Não posso calar ao me lembrar do apoio que os evangélicos deram a essa malfadada guerra. Onde os senhores líderes religiosos fundamentalistas lavaram a cara de vergonha quando descobriram que o presidente deles é um mentiroso? O que disseram de seus púlpitos depois que viram a fotografia de um menino com os dois braços amputados por uma “bomba inteligente” que também matou os seus pais? Como dormiram quando ouviram esse menino pedir para morrer sem haver ainda alcançado a puberdade? Não posso calar para que as pedras não comecem a clamar. A verdade é que vivemos em um mundo muito mais perigoso, mais cheio de ódio e mais paranóico. Não quero me calar mesmo sabendo que minha voz representa pouco. Contudo, sei que de meu grito, permanecerá como uma vaga lembrança de que nem todos consentiram com a insanidade destes dias. Soli Deo Gloria Inquietações imediatas Pr. Ricardo Gondim Rodrigues Recentemente participei de um encontro de teólogos, embora não seja teólogo. Ali, espicacei a chamada igreja evangélica brasileira com seus disparates teológicos e éticos, outros me acompanharam, igualmente revoltados. Denunciamos as agendas furadas das igrejas neopentecostais. Um dos participantes chegou a cogitar a convocação de um Concílio para se definisse qual é o genuíno movimento evangélico, herdeiro da Reforma. Esbravejei mais que todos contra as excrescências dos neopentecostais. Voltei para casa e comecei a sentir-me um verdadeiro fariseu. Daqueles que se indignam com um til e uma vírgula da lei que foi quebrada, mas que faz enormes concessões no essencial. Inquietei-me por haver pregado em ambientes em que seria inconfortável falar contra a injustiça social que condena milhões a viverem numa miséria vergonhosa. E para não perturbar, discursei sobre assuntos esterilizados, insípidos e que não perturbavam a complacência burguesa. Confesso que continuo calado diante dos grandes debates e não me engajo pelas causas humanas. É aí que confronto a mim mesmo: Será que me adeqüei ao sistema e acho que já não posso e nem quero mexer em vespeiros? Sinto-me confortável? Começo a pensar que essas acomodações éticas não são apenas um desvio de minha própria vida, mas do contexto religioso em que vivo. Convivo com uma religião rápida e ágil para denunciar o que é de menor importância, elástica e lenta para detectar o que é inconveniente e sempre silenciosa no profetismo real e genuíno. Acredito que sequer saibamos o verdadeiro caráter do ofício profético. A camisa de força da teologia sistemática não me deixa ser criativo, as cataratas espirituais do dogmatismo secular obscurecem minha visão e o patrulhamento do gueto me ameaça quando quero pensar com liberdade. A turma da Teologia ortodoxa se indigna com as aberrações neopentecostais, mas não se ouve deles uma só denúncia contra o nacionalismo evangélico norte-americano que abençoou uma das maiores mentiras da humanidade (cadê as armas de destruição em massa do Iraque?), como matou muita gente inocente, meros efeitos colaterais de uma guerra sem propósito. Não se ouve nada, apenas um silêncio hesitante. Participo de um meio que denuncia o Benny Hinn e Kenneth Hagin , mas se cala com o fundamentalismo de direita do status quo evangélico; tememos confrontar o quintal de famosos como Franklin Graham, Pat Robertson, John McArthur, Chuck Colson, etc. Quando os militares dominaram a cena política brasileira, fizemos um acordo tácito com eles. Eles nos deixavam pregar, realizar nossas campanhas evangelísticas, e nós os deixávamos em paz, torturando nos porões e enriquecendo as elites. Por que eu tenho dificuldades de me sentar na mesa dos
  • 6. neopentecostais e não tenho escrúpulos participar da roda dos ricos pastores do primeiro mundo, que sob o manto do conservadorismo teológico, empurram a agenda da direita conservadora americana? Eles certamente lêem na cartilha do Bush. A Maioria Moral batalha contra o aborto, contra os homossexuais, mas defende a pena de morte e apóia o discurso da National Rifle Association, uma das mais anacrônicas entidades que defende o uso de armas. Será que nos vemos como guardiões da inerrância, vigilantes da ortodoxia apostólica, contudo perpetuadores de uma religiosidade cada vez desconexa do mundo real; cada vez mais insípida? A grande verdade é que nós os evangélicos, continuamos nos especializando no irrelevante. Nossa agenda não tem o menor desdobramento na luta contra o preconceito racial ou de gênero. Não alteramos a sorte de milhões de crianças que vivem nas periferias fétidas das metrópoles brasileiras. Porém, convocamos mais fóruns para discutir nossa identidade evangélica e, indignados com aqueles que diferem da nossa cartilha teológica, esbravejamos nosso furor farisaico. Acredito que há enormes defeitos genéticos em nossa identidade; a cultura que nos formou vinha com anomalias. Nossa cosmovisão nasceu de uma aberração da natureza espiritual: religião sem alma. Acabo concluindo: Adoeceram minha alma e eu não me dou conta sequer de que doença sofro... Soli Deo Gloria Quatro episódios e muitas inquietações. Ricardo Gondim Rodrigues Primeiro episódio. A pastora Miriam Silva prometera algumas surpresas para o próximo culto. Na data marcada uma pequena multidão superlotou o seu auditório em São Paulo. Disputavam lugares até nos corredores. O ar pastoso do calor não inibia a euforia que passava de pessoa para pessoa. Ondas de uma eletricidade emocional causavam arrepios em todos. Cantaram-se alguns hinos; todos convocando os crentes para uma batalha. De repente, as portas que ladeiam a plataforma do templo se abriram e a pastora Miriam entrou. Vinha acompanhada por alguns dos seus oficiais. Apareceu trajando um uniforme militar com camuflagem e carregando uma baioneta pendurada no cinto. Marchou até o centro, sempre rodeada de seus oficiais. Todos igualmente fantasiados. A voltagem subia a cada hino que se cantava. De repente abriu-se mais uma porta e seis homens surgiram carregando um caixão de defuntos nos ombros. Os gazofilácios serviram de apoio para repousarem a urna funerária diante do povo. Agora o frenesi emocional misturava-se à perplexidade. Tudo se mostrava inusitado demais. A pastora Miriam sacou a baioneta e com ela em punho começou a pregar o seu sermão. Culpava a cultura romana pelos percalços da nação brasileira. Afirmou que somos pobres, vivemos no meio da violência e estacionamos em nosso desenvolvimento devido ao “espírito de Roma”. “Esse espírito”, continuou com a voz afetada, “nos ensinou a guardar o domingo e batizar crianças. Temos que matar e esfaquear esse espírito, ele não provém de Deus”. Depois de mais de meia hora condenando o “espírito de Roma”, convocou a todos no auditório a verificarem se suas próprias vidas também não estariam contaminadas com o tal espírito. Abriram o caixão e as pessoas trouxeram um papel escrito, indicando de que maneira estavam maculados por Roma. Quando se aproximavam do caixão, enxergavam-se num espelho estrategicamente colocado no lugar onde repousaria a cabeça do morto. Depois que todos depositaram seus pedaços de papel naquele móvel sinistro, repuseram a sua tampa e esperaram o próximo movimento da pastora. Ela desceu com a baioneta em posição de ataque e logo começou a esfaquear o caixão com força. Lancetava com tanto furor que lascas de madeira voavam pelo espaço. Ao terminar com a sua coreografia, deixou claro para o seu auditório que aquilo não fora apenas uma encenação. Eles haviam presenciado um “ato profético”. Prometeu que depois daquele evento, Deus reverteria a sorte do Brasil. Segundo Episódio. Minha secretária anunciou que o Alexandre Souza já chegara. Pedi então que ele entrasse em meu escritório, pois queria um aconselhamento pastoral. Aproximou-se cabisbaixo e me encarou apenas de soslaio, embora apertasse minha mão com firmeza. Notei logo sua timidez. Calculei sua idade por volta dos 28 anos. Os cabelos bem aparados e penteados para a esquerda chamavam a atenção pela negritude. Pedi que Alexandre se sentasse. Iniciei nosso diálogo procurando deixá-lo
  • 7. mais à vontade. Ofereci um copo d’água, que aceitou sem esboçar nenhuma emoção. Achei-o muito quieto. Pensei na dificuldade daquele aconselhamento. Imaginei que gastaria a maior parte do tempo perguntando e ouvindo meras respostas monossilábicas. Ledo engano. Logo que bebeu o primeiro gole, Alexandre me encarou e perdeu toda timidez. – Pastor, começou sem gaguejar, faço parte da igreja ‘X’ aqui em Fortaleza. Há dois anos estou endemoninhado. – Vim aqui porque preciso de libertação, emendou. Mostrei-me surpreso: - Endemoninhado? Você está em pleno controle de suas faculdades mentais, emocionalmente equilibrado e com um semblante tranqüilo. O que lhe leva a crer que está endemoninhado? Sua resposta me deixou ainda mais perplexo. – Todas as sextas-feiras eu vou ao culto de quebra de maldições em minha igreja e faz dois anos que eu caio tomado por demônios em todos os cultos. Pela voz não parecia indignado, apenas cansado. – O bispo põe a mão sobre minha cabeça e eu fico agoniado, tenho vontade de tirar a mão dele de cima de mim. É nesse exato momento que acontece... – O quê? Interrompi. – Fico nervoso, com uma aflição muito grande. Quero tirar a mão do bispo de cima de mim. Acabo caindo no chão. Lá me dizem que essa aflição é demoníaca. Questionei-lhe porque o bispo não conseguia libertá-lo totalmente, já que sua possessão se manifestava semanalmente há dois anos. Explicaram-lhe que esse tipo de demônio é muito esperto. Quando o expulsavam da mente, corria para o espírito. Do espírito se escondia na vontade e da vontade pulava para a alma. Desta forma, continuava cativo mesmo já batizado e mesmo havendo terminado o seu curso sobre plenitude do Espírito Santo. Mostrei-lhe que não era possesso, apenas um inocente útil. Um joguete nas mãos dos líderes que precisavam de pessoas sugestionáveis para valorizar os cultos de libertação da sexta-feira. Terceiro Episódio. Roberto Pires pastoreia uma igreja no Rio de Janeiro. Certo dia, resolveu agir, indignado com a violência da cidade. Precisava fazer alguma coisa para reverter a incompetência crônica da polícia. Não cogitou ações políticas, nem imaginou um programa na igreja que melhorasse a educação cívica de seus membros. Sequer lhe passou pela cabeça participar de manifestações ou passeatas exigindo melhor segurança pública. Os óculos teológicos e ideológicos com que enxerga a sua realidade não lhe permitem essas cogitações. Assim, orava em um culto quando lhe veio uma idéia que considerou a mais genial de sua vida - tão genial que ele a relatou por anos. Correu para o seu escritório, abriu a Lista Telefônica e nervosamente procurou pelos “agás”; queria “helicópteros”. Desejava saber quanto custaria alugar um desses beija-flores mecânicos. Anotou os valores e levou sua idéia para o culto daquela noite. “Irmãos e irmãs, Deus me deu uma visão. Preciso que vocês me ajudem a cumpri-la. Deus mandou que eu alugasse um helicóptero, colocasse um tonel de óleo dentro e ungisse a cidade do Rio de Janeiro”. O auditório irrompeu em palmas, uma oferta foi levantada e o pastor Roberto Pires naquela semana embarcou no mais bizarro sobrevôo que o Rio de Janeiro já teve. Latas de óleo eram derramadas para ungirem a Cidade Maravilhosa. Respingos melados caíram sobre a avenida Rio Branco, na praia de Copacabana e sobre alguns dos morros mais violentos da cidade. Fora o inconveniente oleoso, nada aconteceu; meses depois a violência carioca recrudesceu. Quarto Episódio O pastor Carlos Feijó voltou para Curitiba depois de uma semana em um seminário de batalha espiritual. A equipe que ministrou o curso ensinou-lhe a “decretar sua cidade para Deus”. Ali aprendeu como identificar os limites do seu município e declarar que ele pertence a Jesus Cristo. Aprendeu mais: Se a igreja não souber reivindicar o que pertence ao Senhor, o diabo continuará com direitos legais sobre vidas, espalhando miséria. O pastor Carlos passou uma semana indignado consigo mesmo e com os outros pastores. Por anos não se aperceberam dessa imensa negligência. Foi para casa e orou. Com lágrimas rolando pelo rosto, se propôs a jejuar. No terceiro dia do jejum veio-lhe o que também considerou uma brilhante revelação divina. Há muitos anos aprendera que tanto os leões como os lobos urinam para demarcar o seu território e impedir a invasão de outros machos. Ele precisava fazer o mesmo, como legítimo representante de Jesus – o Leão da Tribo de Judá. Naquela semana, convocou seus parceiros de ministério para saírem pela madrugada urinando em pontos estratégicos da cidade. Gastaram algumas horas na empreitada. O comboio de carros percorreu vários quilômetros com muitas paradas. Beberam litros e litros d’água; precisavam de
  • 8. muita urina para uma cidade tão grande. Esses quatro episódios descritos são verdadeiros. Todos patéticos! Realmente aconteceram nas cidades mencionadas. Apenas os nomes e alguns detalhes são fictícios. Ilustram bem o que invade as igrejas evangélicas no Brasil. Entendo que as pessoas têm o direito constitucional de crerem, praticarem ou pregarem o que quiserem. Entretanto, não deveriam fazer em nome da fé protestante e evangélica. Muito sangue já foi derramado, muitas vidas sacrificadas e muitos missionários afadigados para que testemunhássemos tanta superficialidade. Além disso, produzem um estrago imensurável em vidas. Muita gente já perdeu a fé. Qualquer pessoa com um mínimo de senso crítico, depois que passa a euforia e o fanatismo, se sentirá envergonhada de um dia haver participado de ambientes onde imperam tantas tolices. Acabam trilhando o caminho do cinismo ou da revolta. Ambos muito trágicos. Torna-se necessário que aconteçam denúncias internas para que o evangelho não se desfigure em um “outro evangelho”. Se nos calarmos, mancharemos nosso legado de fé e nos tornaremos culpados por omissão. Quando a igreja deixa de salgar e passa a ser motivo de chacota, para nada mais serve senão para ser pisada pelos homens. Há muito joio dentro das igrejas evangélicas e ele não se parece em nada com o trigo. Pelo contrário, dá-nos vontade de rir e de chorar ao mesmo tempo. Protestemos, antes que só dê vontade de chorar. Soli Deo Gloria Viver sem sonhar não é viver. Pr. Ricardo Gondim Terminamos um século confuso, e ao mesmo tempo empolgante, tenso e ao mesmo tempo divertido, violento e bonito. Na verdade, ele não começa no Reveillon de 1900 para 1901, este século começou em 1917 quando a Revolução Russa é finalmente vitoriosa. Naquele alvorecer do século XX o mundo vivia sob a bandeira da modernidade. A modernidade, mais do que um período histórico, era uma mentalidade. Uma mentalidade que nasceu de uma confluência de fatores históricos. A modernidade se adensava desde alguns séculos antes. Quando Nicolau Copérnico, rompia com a visão científica de que o universo era geocêntrico. Ele propunha que o universo fosse heliocêntrico. Seu arrojo abria caminho para que Galileu desse um passo ainda mais ousado, o universo nem era geocêntrico, sequer heliocêntrico. Tanto a terra como o sol não passavam de pequenos ciscos em um cosmo vastíssimo com bilhões de estrelas. Sua coragem de romper com esse paradigma científico era imensa pois a tutela do labor científico ainda era do poder religioso. Fazia-se ciência com a chancela do clero. Mas a partir de Copérnico e Galileu, a igreja perde seu controle sobre o conhecimento científico. Nesse mesmo tempo histórico, o mundo passaria de uma economia feudal para o modelo do capitalismo. O mundo pré-moderno se estratificara com a aristocracia, o clero e os miseráveis. A miséria era glorificada e as virtudes de ser pobre compensadas com o céu. Não havia possibilidade de ascender socialmente. Lucros e juros soavam como palavras feias. Mas com o advento dos grandes navegadores e dos mercadores que singravam os mares trazendo iguarias do oriente, possibilitam com o surgimento dos burgueses, uma classe de ricos que ascendia das camadas mais pobres. A cosmovisão católica que combatia o lucro e os juros ruía por terra. Quando Maquiavel escreveu o Príncipe, sopraram novos ventos na política. O conceito de estado tutelado pelo poder religioso era um paradigma intocado. Mas, cansados de um sistema promíscuo em que não se sabia corretamente até onde ia o poder do rei e quais eram os limites do poder papal, cidadãos europeus perceberam que um novo modelo se esboçava. O do estado laico. Filosoficamente começam aspirações para que renascessem os conceitos dos pensadores gregos. Que o pensar também não fosse tutelado pelo clero. E, com René Descartes e seu Cogito ergo sum.: Penso, logo existo. Acontecia uma nova mudança. Se na pré-modernidade o essencial era: Creio, logo existo. Agora era: Penso. Foi nesse caldeirão de mudanças que um monge agostiniano, adensava o processo da modernidade também na religião. Martinho Lutero invocava o direito de pensar as Escrituras
  • 9. livremente. Cada pessoa seria dona de seus raciocínios. Ele negava à igreja o direito de conduzir e manipular a interpretação; induzir a compreensão e anúncio do evangelho. A Reforma Protestante do século XVI representou o anseio da modernidade, inclusive na religião. Todas essas mudanças levarão a Modernidade a viver o seu apogeu entre os séculos XVII e XIX. As mudanças eram visíveis, nítidas. O ser humano passava a ser o centro do universo. Quando Rousseau elaborou seus conceitos filosóficos sobre o bom selvagem, ele não apenas rompia com o cristianismo agostiniano de que somos por natureza maus. Ele mostrava filosoficamente que a preocupação da modernidade centrava-se no bem estar de homens e mulheres. Assim, a modernidade vive seu apogeu no Iluminismo. A produção artística não era mais voltada para retratar a beleza do criador, mas a excelência do ser humano. Prevalecia na literatura e nas artes não mais os contos e as biografias dos santos, mas as tragédias de Shakespeare. O belo era almejado desde os estudos sobre as proporções do corpo humano. A grandeza de Davi, retratado por Michelangelo, mostrava a altíssima estima que se tinha do ser humano. Na política respirava-se uma crescente impaciência com o sistema monárquico que só premiava a aristocracia. Na revolução francesa, nascia um novo paradigma: a República com os ideais de Liberdade, fraternidade e igualdade. A ciência produzia freneticamente querendo melhorar as condições de vida do ser humano. A revolução industrial, os grandes inventos, e finalmente as linhas de produção prometiam que finalmente poderíamos viver em um mundo melhor. A filosofia, de Voltaire, Rousseau, Hegel, o positivismo de Augusto Comte e finalmente Marx, acreditavam que conseguiriam, através da educação das massas, do progresso, da ordem e de um sistema inteiramente justo, autenticamente solidário e humano, viabilizar aqui na terra o sonhos da utopia de Thomas Moore. O próprio cristianismo passou a usar o instrumental da modernidade para compreender os textos sagrados. Nasceram os hermeneutas que querendo demonstrar que se não demitologizarmos (essa é uma expressão de Bultman) os textos, não haveria pontes entre a religião e a modernidade. A Alta crítica, era a vertente teológica alemã que analisava os textos bíblicos com o mesmo rigor científico da análise dos textos históricos. Inaugurava-se a teologia do não, da negação. A América era o Novo Mundo, lá os peregrinos chegaram com o sonho de torna-lo no Eldorado. O mundo todo pulsava com um otimismo enorme. Com a vitória do bolchevistas soviéticos e com o triunfo da revolução russa nascia o primeiro experimento concreto de viabilização dos ideais de Hegel, Marx. Na Rússia, prometia-se, uma nação sem estado; lá nasceria o “novo homem” da filosofia de Rousseau. Buscava-se que os ricos dessem de acordo com a sua abundância e os pobres recebessem de acordo com a sua necessidade. Assim, entramos o século XX. Cheios de otimismo. Este seria o século do progresso, do amor. A ciência abriria fronteiras fantásticas, as massas seriam educadas, o conhecimento universal acabaria as barreiras entre nações. E Deus? Extinguindo-se a escuridão e com a luz elétrica conseguiríamos, educando-se as massas libertar as multidões do misticismo, das superstições. Já não haveria necessidade mais de Deus. Aquele Deus das religiões oficiais, seria descartado. Nascendo o super homem que Nietsche sonhava, não haverá mais necessidade de Deus. O Louco, protagonista da filosofia niilista de Nietsche entrou o século XX gritando: “Deus está morto. Nós o matamos.” Os próprios teólogos alemães chegaram a elaborar a teologia da morte de Deus. Albert Camus afirmou que: “Contrariamente ao que pensam alguns de seus críticos cristãos, Nietzsche não medito o projeto de matar Deus. Ele o encontrou morto na alma de seu tempo.” Albert Camus.
  • 10. Mas, a modernidade sofreu o seu primeiro duro golpe com a Primeira Guerra Mundial, que na verdade não foi tão mundial assim. Foi na verdade uma guerra muito mais européia. Percebeu-se ali, quão estúpidos somos. A ciência, que deveria ter produzido para o bem estar, agora fabricava tanques de guerra, utilizava aviões que soltavam bombas. Pela primeira vez, usou-se a guerra química. Foi nessa guerra que usou-se o gás de mostarda, para matar. O processo de criação da União Soviética também não foi incruento. Todo aquele sonho de um mundo bonito, justo. Ruía já no nascedouro. Para se viabilizar no poder, Stalin precisou de fazer expurgos. Milhões foram mortos, criou-se uma truculenta polícia política, exilavam-se cidadãos russos em clínicas psiquiátricas e nos famosos Gulags, nos desolados desertos da Sibéria. Não ouviram o alerta de Engels no final de sua vida: “As pessoas que se vangloriam de terem feito uma revolução sempre acabam percebendo no dia seguinte que elas não tinham a menor idéia do que estavam fazendo, e que a revolução feito em nada se parece com aquela que elas gostariam de ter feito.” Eduardo Giannetti assim conclui: “A revolução feita em nome da racionalidade econômica e do fim do Estado enquanto forma de dominação política redundou no seu contrário: um grotesco hospício econômico comandado por uma das mais brutais máquinas de repressão e opressão política da era moderna.” Terminada a Primeira Guerra Mundial, a Alemanha em ruínas com uma inflação tão alta, que não havia tempo para se imprimir os dois lados de uma cédula, porque o dinheiro perdia o seu valor. Enfim, toda a Europa perplexa via o sonho do paraíso do Novo Mundo ruir. O crash da bolsa de Nova Iorque em 1929, a Grande Depressão econômica que se seguiu, também jogavam dúvidas sobre o modelo capitalista. Entretanto, tanto os Estados Unidos, como a Alemanha elegiam líderes de primeira grandeza e que prometiam tirar seus patrícios do pantanal em que se encontravam. Nos Estados Unidos foi Franklin Delano Roosevelt e na Alemanha foi Adolf Hitler. Bastaram alguns anos e os dois se mostraram tremendamente eficientes na solução do impasse de seus países. A modernidade ganhava come eles um novo fôlego. A Alemanha esteticamente bonita, limpa e saneada era uma potência temida na segunda parte da década de trinta. Os Estados Unidos, com o New Deal de Roosevelt construía estradas e estabelecia a infra estrutura para o maior parque industrial do planeta. Em pouco tempo, entretanto, Hitler mostrou que sua eficiência era patológica. Por detrás do sonho de transformar a Alemanha em um reino milenar, estava um facínora. Megalomaníaco, implacável, racista e pervertido sexual, começou a anexar os países da Europa. Intencionava transformar a Alemanha em um reino universal. Seu militarismo parecia sem limites. Foi um efeito dominó, Polônia, Holanda, França todos capitularam. Fez um pacto de não agressão com a União Soviética, embora odiasse os comunistas. O resto a própria história conta. Aliou-se com a Itália e o Japão formando os países do eixo. Traiu a Stalin, invadindo a Rússia. Começou a bombardear a Inglaterra. Seu destino selou-se, quando os japoneses cometeram o maior de todos os deslizes, bombardeando Pearl Harbor, Roosevelt tinha agora o álibi que precisava para entrar na guerra. Quando chegaram os Yankees, Hitler ganhou um inimigo mortal, o parque industrial americano. A Alemanha não conseguia vencer a produção das indústrias americanas que fabricavam freneticamente aviões, tanques, metralhadoras. Supriam os ingleses, os russos e todos os países aliados. Hitler,sabendo que estava com a guerra perdida, deu velocidade ao que se chamava na Alemanha de Solução Final. O extermínio sistemático dos judeus. Quando finalmente a Europa foi liberada e os russos chegaram em Berlin, 6 milhões de judeus haviam sido mortos em campos de concentração. NO pacífico, os japoneses teimavam em não se render. E Hary Truman autoriza que uma bomba seja usada sobre duas cidades. Hiroshima e Nagasaki, sabe-se hoje que essas duas cidades foram escolhidas porque estavam intactas e se queria saber qual era o real poder destrutivo das
  • 11. bombas. A guerra terminou e o mundo respirou aliviado. Embora estivéssemos sobre os escombros da Europa, ainda cheirando a fumaça dos campos de extermínio, e apavorados com a bomba atômica. Finalmente podemos recomeçar o sonho de um mundo melhor. Se agora sabemos que somos monstros de iniqüidade, (nesse tempo o existencialismo cru de Sartre e Camus são unanimidade na Europa): “No auge do irracional, o homem, em sua terra que ele sabe ser de agora em diante solitária, vai juntar-se aos crimes da razão a caminho do império dos homens. Ao ‘eu me revolto, logo existimos’, ele acrescenta, tendo em mente prodigiosos desígnios e a própria morte da revolta: ‘E estamos sós.’” Mas o fim da II Guerra Mundial deixa uma réstia de luz da modernidade ainda brilhando. Prometia-se que ainda era possível sonhar com esse novo mundo. As Nações se uniram com uma nova organização chamada de Nações Unidas. Teríamos agora a penicilina, a propulsão a jato, e a energia atômica. Essa energia não é só destrutiva, nos prometiam. Ela poderia ser domesticada e logo teríamos energia elétrica gratuita. Propagandeavase: Descobrimos o meio de produzir energia tão barata que as indústrias não terão mais que computar energia como despesa na contabilidade de custos. Viveu-se nos Estados Unidos, na Europa o que se chamava de “Anos dourados”. As mulheres agora também trabalhavam. O poder aquisitivo das famílias praticamente dobrou e o parque industrial que produzia armamentos, continuava num ritmo frenético. Mas esse sonho de utopia sofreu os primeiros golpes mortais na década de 60. Ergueu-se o muro em Berlim e novamente a humanidade acordou com o pesadelo de uma guerra que ameaçava a destruição total da raça humana. Chamava-se de Guerra Fria. Em um impasse em Cuba, americanos e soviéticos enfrentaram-se, olho no olho, esperando quem piscava primeiro. Sabia-se que tanto americanos como russos possuíam potencial atômico para acabar com o mundo. Sentia-se o calafrio de um inverno milenar da radiação, quando anunciou-se experimentos com a bomba de hidrogênio que para ser detonada necessitava da espoleta de uma bomba atômica. Seu poder destruidor, milhares de vezes maior do que a bomba usada no Japão, podia aniquilar-nos completamente. O jovens que foram criados com a opulência dos anos dourados, revoltaram-se contra aquilo tudo. O movimento hippie nasceu dizendo basicamente o seguinte: o legado da modernidade fede. Aturdidos, os americanos choram o assassinato de John Kennedy. Sem entender o porquê os ingleses viram os seus jovens revoltarem-se contra a monarquia, os costumes, e a religião racional e lógica dos protestantes europeus. Os hippies elegeram os seus reis, eles eram um conjunto de rock: Os Beatles. A moda era escapar da realidade tomando LSD, injetando heroína nas veias e fumando haxixe. Em 1968, dizem alguns, começa o fim da modernidade. Aquele foi um ano totalmente atípico, singular. Na Tchecoslováquia houve o primeiro levante contra o poder comunista, Mostrava-se para o mundo que a felicidade comunista era falsa. Na França, os estudantes se revoltaram contra o sistema de ensino e foram para as ruas. Paris se transformou numa praça de guerra. Os Estados Unidos, literalmente atolados no Viet-Nam, estavam divididos. Parecia que uma nova guerra da Secessão explodiria. Os jovens estavam revoltados. Em 1968 foram assassinados, Martin Luther King Jr e Robert Kennedy. A América Latina foi dominada por regimes militares truculentos. Pinochet governava com um regime perverso no Chile. Viveu-se ao redor do mundo um tempo muito cinzento. A Grécia, Portugal, Espanha também sofriam com ditadores. A África libertava-se do colonialismo europeu mas era incapaz de se articular. Respirava-se violência, perplexidade, medo.
  • 12. Essas são as marcas dos anos 70. Os anos 80 se iniciaram com alguns líderes marcando essa década. Ronald Reagan nos Estados Unidos, Margareth Thatcher na Inglaterra, Gorbatchov na União Soviética, e Khoumeini no Irã. Eles jogaram as última pás de cal no sonho da modernidade. Reagan e Thatcher na Inglaterra falavam que a economia sofria porque a presença do estado na economia é ruim. O estado é perdulário, lento e sua burocracia, perniciosa. Disseram que ele precisa ser enxuto. Quanto menos a presença do estado melhor. Gorbatchov, na União pregava a Perestroika e a Glasnost. Eram dois programas necessários para viabilizar o comunismo. Para o último dos comunistas , o país precisava ser transparente. Essa “transparência” deveria significar, a humildade de que a União Soviética estava falida. Glasnost era o jargão que buscava uma reestruturação. Enquanto isso, o Khoumeini conseguia encabeçar uma revolução que buscava demonstrar que o projeto de modernização do Iran com o Xá Reza Pahlevi era, na verdade, um embuste. O Irã precisava voltar à pre-modernidade islâmica. A teocracia triunfava sobre a democracia. O clericalismo vencia o laicismo. A fé voltava a tutelar a vida das pessoas. O Muro de Berlim caiu em 1989. Os protagonistas desta nova revolução foram o movimento do sindicato de Solidariedade na Polônia, os cristãos na Romênia, Vaclav Havel na Checoslováquia, e Karol Woytila no Vaticano. Por cause de suas vidas, a União Soviética perdeu o seu domínio sobre a Europa Oriental e acabou se dissolvendo em 1991. O mundo também se revoltava contra as propostas científicas do progresso. Chegamos à conclusão que o planeta terra não conseguia reciclar tantos gases, tanto lixo, tanta devastação. Se a modernidade preconizava o progresso contínuo, agora pedíamos que não houvesse tanto progresso. Sem a modernidade e sem um projeto para o futuro, ficamos no meio do caminho. Qual o modelo político que desejamos? Os nossos políticos, nossas estruturas democráticas não são tão democráticas assim. Qual o modelo econômico? O capitalismo é frágil, perverso (haja vista, a África literalmente jogada à moscas). Os excluídos do neo-liberalismo. Que tipo de ser humano nós somos? Negociamos armas e faturamos com a morte, não conseguimos acabar com os cartéis de drogas, não conseguimos educar as massas para a felicidade. Que tipo de religiosidade desejamos? A lógica, racionalmente compreensiva? A oriental? A esotérica? A razão perdeu o seu domínio. O certo e o errado deixaram de ter qualquer referencial externo. O belo e o feio não têm sentido. Começamos o século com o apogeu da modernidade, terminaremos com o nascimento da pósmodernidade. Se a Modernidade foi uma época da lógica e do método, a pós é marcada pela ambigüidade e por contradições. Por um lado, gera muita esperança mas por outro gera pavor. Se por um lado este foi o século de Einstein, Flemming, Sabin, também foi de Menguele. Se gerou um Churchill, um também gerou Kadaffi, Stalin e Hitler. Se por um lado valorizou Ghandi, Martin Luther King, e Mandela, também valorizou Mussolini, Pinochet. Se por um lado teve um Pavarotti e um Bernstein também teve uma Janis Joplin, uma Madona, um Michael Jackson. Se por um lado tem jato, internet, e tomografia computadorizada, suicídio assistido, e cartéis de cocaína. Foi o século de Madre Teresa de Calcutá, Billy Graham, C. S Lewis; mas também de Jim Jones, Maharaji Iogui e do Rev. Moon.
  • 13. Vivemos hoje na estreita brecha entre a esperança e o desespero. Não sabemos se vale a pena lutar pelo futuro, ou se é melhor cada qual cuidar de se divertir o máximo possível. O tempo que estamos vivendo não é mais o tempo de Sartre mas de Paulo Coelho. Não é mais o tempo de estadistas, como Lenin, Roosevelt, Churchill, Juscelino, mas de Yeltsin, Clinton. A Alta Crítica perdeu espaço, ganharam os carismáticos. O fundamentalismo evangélico perdeu relevância, ganhou a igreja Universal. Leonardo Boff parou de defender os pobres e agora defende a natureza. Na modernidade a filosofia era primordialmente otimista, na pós é cínica. Na modernidade o estado laico seria árbitro das injustiças humanas, na pós ele deve ser enxugado por que é perdulário, autoritário, burocrático e corrompido. Na modernidade o deicídio era a vertente teológica seriamente discutida nas Universidades alemãs que, através da Alta Crítica, questionavam a integridade dos textos bíblicos e a possibilidade de um Deus objetivamente verdadeiro. Na pós modernidade discute-se o macro ecumenismo. Na modernidade, a razão, o método, a o experimento empírico desfaria a ignorância das multidões e levaria a um mundo sem as superstições místicas da Idade Média que ainda escravizavam as multidões. Na pós modernidade abre-se o caminho para o saber intuitivo, para a inteligência emocional, para verdades não racionais. Na modernidade a tecnociência abriria estradas para um mundo melhor, na pós ela é vilã do ambiente. Entre a modernidade e a pós modernidade há duas guerras mundiais e mais de cem milhões de mortos. Há Stalin, Hitler, Idi Amin, Pol Pot, Auschwitz e Ruanda. Há Hiroshima e Nagasaki. Há Bangladesh, Índia, Vale do Inhamuns. Há o Tietê, Chernobyl, e o buraco de Ozônio. A angústia do homem pós-moderno pode bem ser ilustrada na vida daquele personagem que fazia análise e vivia um dilema todas as vezes que ia para a consulta com seu analista. Se eu chegar adiantado ele vai pensar que estou ansioso demais, se eu chegar na hora sou um disciplinado compulsivo e se chegar atrasado estou fugindo dos meus problemas. 86% da classe média dos países ocidentais sofre de stress crônico. Por outro lado ainda há lágrimas nos casamentos, ainda há sorriso nas crianças, ainda há o gorjeio dos pássaros, ainda há poetas fazendo poesia, ainda há evangelistas na esquina do Hyde Park na Inglaterra, igrejas ainda estão sendo plantadas no Rio de Janeiro, ainda se ouve os tamborins e pandeiros nas igrejas do México. E pelas madrugadas ainda se ouve o clamor dos crentes em cultos de vigília nas igrejas evangélicas. Em uma época como essas você e eu fomos chamados. Na confusão pós-moderna que não sabe discernir bem qual a diferença entre o belo e o feio, entre a verdade e a mentira, entre o vício e a virtude. Fomos chamados para pregar o evangelho. Houve um período assim na história de Israel. De acordo com a profecia dada ao rei Ezequias, muitos anos antes (Isaías 39.6-7) o reino de Judá seria invadido por Nabucodonosor. A sistemática desobediência do país, a deterioração da moral pública, o enfraquecimento espiritual do povo, tornou essa profecia irreversível. A Babilônia finalmente invadiu a terra e com um programa bem elaborado trabalhou para quebrar a espinha dorsal de Israel. Primeiro, promoveu um êxodo étnico. Esvaziou as cidades. Depois, selecionou os mais capazes para serem re programados com lavagem cerebral, castrou jovens e vendeu mocinhas para serem concubinas na Babilônia. O templo, orgulho dos judeus foi destruído e os utensílios sagrados de-sacralizados. Jeremias profetizou que este período de desolação seria de 70 anos – Jeremias 25.11. Ao terminar este tempo, os persas ganharam a guerra anexaram os Medos, conquistaram a Babilônia. Um dos primeiros atos do novo governante, Ciro, depois da captura da Babilônia, foi passar um edito autorizando os judeus exilados a retornarem à sua própria terra.
  • 14. Esdras e Neemias trabalharam intensamente para construir as muralhas e o templo. Os vasos roubados do templo por Nabucodonosor foram devolvidos. Depois deste recomeço a construção do templo permaneceu desolada por 15 anos. Havia uma espécie de apatia. Tiveram uma depressão pós-parto. As pessoas se voltaram para seus empreendimentos pessoais, largaram os seus ideais, perderam o elã. Cada qual voltou-se para os seus próprios projetos. A filosofia era mais ou menos a de hoje: Se que não cuidar do que é meu, quem cuida? Melhor covarde vivo, que herói morto. Primeiro o meu, depois o teu. Nessas circunstâncias Ageu profetizou. Interessante que por 4 vezes veio a ele a voz de Deus. Capítulo 1.1. Capítulo 2.1 Capítulo 2.10. Capítulo 2.20. A primeira palavra que Deus deu a Ageu foi uma denúncia contra o egoísmo, a apatia de sua geração – 1.1 –11. Quando há uma desilusão, quando se é obrigado a conviver com a frustração adoece-se: “A Esperança que se adia faz adoecer o coração, mas o desejo cumprido é árvore da vida.” – Prov. 13.12. Uma das maiores tragédias de nossos dias é a falência dos sonhos e dos ideais. A tarefa de reconstruir muitas vezes parece tão grande tão difícil que somos jogados numa espécie de torpor espiritual, existencial. Sonhar para quê? O negócio e tentar fazer o meu pé de meia. Eu soube que no período de altíssima inflação na Argentina, alguns sociólogos estudaram os efeitos da alta inflação sobre o povo. A constatação foi sombria: quanto mais alta subia a inflação mais as pessoas se mostravam duras, egoístas, menor era a disposição de partilhar. Eu soube que um dos muros de São Paulo foi pichado com a seguinte frase: Estou cansado de ações, preciso de promessas. O cinismo campeia, o deboche e a superficialidade estão em voga. Christopher Lasch, escreveu um livro que foi catecismo nas Universidades de São Paulo: O Mínimo Eu. Em que ele defende que o individualismo antes de ser um adoecimento de nossa natureza ele é um mecanismo de defesa. O mundo, e particularmente, o Brasil é um país que tira nossas energias para fins improdutivos: não ser assaltado, não ser furtado na conta de luz, não perder o emprego, não comprar na Encol, não depositar no Econômico, não se mudar para o Palace I, não comprar remédio falsificado, vencer a guerra do trânsito, tolerar as longas filas dos bancos, dos postos de saúde, preparar-se para passar uma velhice pobre. Para se defender disso tudo, nos voltamos para o imediatismo. Vivemos a geração das grifes, dos Status Symbols (Bolsas Luis Vinton, carros BMW, condomínios em Miami, grifes de roupas). Somos a geração de brinquedos caros, mas de alma vazia, sem causas para defender, sem qualquer projeto que valha a pena morrer por ele. Interessante que os hippies dos anos 60 se transformaram nos yuppies dos anos 80. O conceito religioso, deixou de ser uma verdade que abracei ou uma experiência mística arrebatadora que me encantou, o conceito religioso hoje é utilitário. Instrumentado.
  • 15. Quando se fala em apologética cristã, não se deve pensar em defender a fé com os mesmos pressupostos da modernidade. Nossa luta hoje não consiste em defender a verdade do cristianismo sob o ponto de vista do saber cartesiano, mas defender a fé sob o ponto de vista de uma geração que já não tem sonhos. O hedonismo é a filosofia portátil. Vive um imediatismo patológico. Só o presente conta. Homens e mulheres da pós modernidade vive sem as tradições do passado e sem um projeto do futuro. A pós modernidade é o túmulo dos modelos cristãos do passado. As pessoas procuram credos “menos coletivos”, como afirmou Jair Ferreira dos Santos, “mais personalizados (meditações, zenbudismo, yoga, esoterismo, astrologia). “É que o homem pós-moderno não é religiosos, é psicológico. Pensa mais na expansão da mente que na salvação da alma. Há toda uma cultura ‘psi’ fazendo a cabeça da moçada: psicanálise, psicodrama, gestalt, bioenergética, biodança, grio prima e por aí vai. Para não falar no dilúvio de bolinhas alucinógenos que rola. Nisso tudo, o bom é que a cultura religiosa era culpabilizante, enquanto a psi é libertadora. Ao sujeito pós-moderno interessa um ego sem fronteiras, não uma consciência vigilante.” Jair Ferreira dos Santos. A segunda vez que a voz de Deus vem ao profeta Ageu, conseqüência da primeira é uma convocação que o povo volte a sonhar, tenha esperança. Volte a lutar, levante novamente suas flâmulas. Para terem esperança ele convida o povo a três olhares. 1. Um olhar em perspectiva – v. 3 – Voltem a acreditar que a glória do segundo templo será maior do que a glória do primeiro. Esperança de acreditar que ainda vale a penas lutar por um futuro melhor. Creio que esperança é acreditar que o futuro ainda pode ser melhor. Vivemos em uma geração sem olhar para horizontes. “Pertenço a uma geração que herdou a descrença na fé cristã e que criou para si uma descrença em todas as outras fés. Os nossos pais tinham ainda o impulso credor, que transferiam do cristianismo para outras formas de ilusão. Uns eram entusiastas da igualdade social, outros eram enamorados só da beleza, outros tinham a fé na ciência e nos seus proveitos, e havia outros que, mais cristãos ainda, iam buscar a Orientes e Ocidentes outras formas religiosas, com que entretivessem a consciência, sem elas oca, de meramente viver. Tudo isso nós perdemos, de todas essas consolações nascemos órfãos.” F. Pessoa, 289 –Desassossego. 2. Um olhar retrospectivo – v. 5. – Olhem para trás. A sua aliança é inquebrantável. Aldous Huxley descreveu-se da seguinte maneira: “Nasci vagando entre dois mundos, um morto e outro incapaz de fazer-se nascer, eu consegui de maneira curiosa piorar ainda mais os dois. Em Náusea, Sartre, encarnando o protagonista Roquetim, afirma: “Estou sozinho, a maioria das pessoas voltaram para seus lares; estão lendo o jornal da tarde e ouvindo o rádio. O domingo que termina deixou-lhes um gosto de cinzas e seu pensamento se volta para segunda-feira. Mas para mim não existem segunda-feira nem domingo: existem dias que se atropelam desordenadamente...Sartre, Náusea, 87. 3. Um olhar prospectivo – v.6-9 – Olhem para cima. Ele continua Deus. A terceira palavra que vem a palavra a Ageu, ele convoca o povo a uma reforma ética – capítulo 2.10-19. A pós modernidade nos chama a estudarmos o que significa ética. A nossa apologética passa por estudarmos o que significa dizer não, quando todos estão dizendo sim. Como podemos, como dizia
  • 16. A última vez que a palavra de Deus veio para Ageu, ele foi desafiado a encontrar o eixo histórico, seu nexo em Deus – 2.20-23. Ele chama o profeta a avisar ao governador de Judá, Zorobabel a nunca se esquecer que em última análise está no controle da história é o próprio Deus. Portanto, devemos nos envolver. O controle da história está nas mãos de Deus. Ele ainda é quem governa. Religião é a cocaína do povo. Ricardo Gondim Vivi parte de minha adolescência nas décadas de sessenta e setenta. Naqueles anos, os Beatles e os Rolling Stones reinavam na música. Discutia-se o existencialismo de Sartre nos barzinhos de Ipanema. As mulheres se libertavam lendo Simone de Beauvoir. Che Guevara inspirava os ideais revolucionários dos latino-americanos. As drogas se tornaram uma obsessão mundial. Muitos jovens caminhavam pelas trilhas que começavam em Amsterdã, seguiam pelo Afeganistão e chegavam à Índia em busca de haxixe. A maconha deixou de ser consumida no submundo da marginalidade e dominou as universidades das Américas. Tomavam-se doses mínimas de LSD para viajar por horas no mundo alucinógeno. Os picos de heroína nas veias abreviavam a vida de milhares. Os tempos mudaram. A rebeldia dos jovens aquietou-se, os heróis comunistas ruíram, o consumismo substituiu as antigas aspirações revolucionárias e a “techno music” substituiu o rock. Aquelas drogas que entorpeciam e deixavam seus usuários num estado zen, foram suplantadas por outras que ativam, energizam e potencializam. Substituíram-se os tóxicos que causavam torpor por outros que davam uma sensação de poder e de autonomia. Assim, hoje quase não se fala mais em heroína ou LSD. As drogas da moda são a cocaína e sua versão mais barata, o crack. E cresce a busca pelas sintéticas, como o ecstasy, que prometem um melhor desempenho, inclusive sexual. A religião também mudou muito. Naqueles anos, predominava entre os jovens o conceito que a religião servia os interesses das elites, pacificando os oprimidos. Os debates reforçavam o pensamento de Karl Marx que em 1844 afirmou: “O sofrimento religioso é, a um único e mesmo tempo, a expressão do sofrimento real e um protesto contra o sofrimento real”. Marx acreditava que “a religião é o único suspiro da criatura oprimida, o coração de um mundo sem coração e a alma de condições desalmadas”. Meus contemporâneos repetiram sua conclusão: “A religião é o ópio do povo”. Marx não afirmava que a religião é um narcótico qualquer. Ele a identificava com um entorpecente poderosíssimo de seus dias: o ópio. As condições sociais perversas da Europa no século XIX condenavam os trabalhadores a pouco mais que escravos. Marx entendia que as mesmas condições também produziram uma religião que prometia um mundo melhor só para a próxima vida. Assim, tanto ele como seus seguidores difundiram que a religião não é apenas uma ilusão, mas cumpre a função social: de distrair os oprimidos. Por isso, afirmava que a religião é um narcótico que não apenas alivia a dor do trabalhador, como lhe embriaga, roubando o seu poder de transformar sua realidade. Para ele, a esperança religiosa era um ópio que prometia felicidade no porvir, adiando o furor revolucionário. O pior é que ele tinha razão em suas análises. A igreja de seus dias realmente estava decadente e, aliada à aristocracia, desempenhava exatamente esse papel anestesiante. Porém, com a pós-modernidade, a religião já não cumpre essa tarefa entorpecente. No ocidente, a proposta religiosa vem crescentemente se tornando mais parecida com um outro tóxico: a cocaína. O neo-liberalismo, pai deste materialismo consumista tão bem representado no fascínio pelos shoppings e pelas grifes, já entorpece como o ópio. Por outro lado, a religião de hoje procura excitar e produzir sensações de poder parecidas com a da cocaína. As igrejas neopentecostais se multiplicam prometendo que as pessoas têm o direito de ser felizes aqui e agora. Repetem exaustivamente que ninguém precisa transferir para a eternidade o que
  • 17. pode ser reivindicado já. Insistem na promessa feita a Israel de que o fiel é “cabeça e não cauda”. E assim o crente que freqüenta os cultos da prosperidade, recebe semanalmente uma injeção de cocaína espiritual no sangue, fazendo que se sinta o dono do mundo. Nem que seja por apenas alguns minutos de culto, sonha com tudo o que os seus olhos gulosos viram as empresas de marketing anunciar na televisão. As igrejas se transformam em ilhas da fantasia capitalista. Empresários falidos, artistas em fim de carreira, jogadores de futebol mal-sucedidos, empregados sem qualificação, correm para as infindáveis campanhas em busca de reverter a pretensa “maldição” que paira sobre suas vidas. E, depois de espoliados, são devolvidos à dura realidade da vida, obrigados a encarar a rebordosa da segunda-feira. Dependurados nos trens suburbanos ou numa fila burocrática sofrem triste e deprimidos como os foliões do carnaval que voltam para seu destino na madrugada da quartafeira de cinza. Enfrentam sozinhos a dura realidade de que não são reis ou rainhas, apenas subempregados; obrigados a viverem com um salário miserável. A própria definição do que é fé vem sofrendo enormes mudanças. Antigamente entendia-se fé como uma adesão a um conceito teológico ou mesmo como uma habilidade sensitiva de perceber o mundo espiritual. Pessoas de fé discerniam as ações de Deus e do mundo espiritual com maior acuidade. Eram pessoas que confiavam no caráter de Deus, mesmo sem evidências que comprovassem sua palavra. Hoje se entende fé como uma mera capacidade de instrumentalizar os poderes de Deus egoisticamente. Por isso, fé e cocaína se parecem muito; dão uma falsa sensação de poder e geram pessoas artificialmente soberbas. Mas a ressaca tanto da cocaína como da fé pós-moderna é horrível, pois vem sempre acompanhada de depressão e desengano. O tóxico religioso de hoje é sempre estimulante. Por isso os novos mercadejadores da fé precisaram redefinir, inclusive, a pessoa de Deus. A divindade pós-moderna só existe para servir os caprichos das pessoas. Os cultos se transformaram em centros de aperfeiçoamento e aprimoramento humano. As igrejas deixaram de ser espaços para se cultuar a divindade, especializaram-se em ensinar como manipular Deus. As liturgias espiritualizam as técnicas mais populares de como “liberar o poder de Deus”, “afastar encostos”, “tomar posse dos direitos”, “conquistar gigantes”. As pessoas se aproximam de Deus cheias de direitos, vontades, acreditando que são o centro do universo e que tudo e todos lhes devem obrigações. Perde-se o estado de “maravilhamento”, reverência e submissão ao Eterno. Assim o propósito de toda atividade religiosa é homocêntrica, nunca teocêntrica. As igrejas acabam se transformando em balcões de serviços religiosos e a relação do pastor com os fiéis é a mesma do empresário com o cliente. Redobram-se os esforços de oferecer uma maior gama de atividades que agradem os clientes que se tornaram ferozes consumidores religiosos e com um nível de exigência tremenda. Acredito que a genuína mensagem do evangelho não pode ser comparada ao ópio como fez Marx e nem à cocaína, como fazem os pregadores da religiosidade pós-moderna. Jesus Cristo não prometeu um celeste porvir que anestesiava. Seus discípulos foram convocados a serem o sal da terra, levedarem a massa, enfrentarem os reis poderosos, transformarem a realidade aqui e agora. Antes que se levante o sol da justiça e que o Senhor volte trazendo salvação sob suas asas, Ele comissionou sua igreja a enfrentar as estruturas humanas que produzem a morte e declarar guerra ao próprio inferno. Tampouco, prometeu que nos tornaríamos os donos do mundo, ricos e prósperos. Fomos chamados para encarnarmos o mesmo sentimento que houve em Cristo, que sendo em forma de Deus não teve por usurpação ser igual a Deus, mas tomou a forma de servo, humilhando-se até a morte e morte de cruz. O culto não deveria ser diminuído e se transformar em um centro de auto-ajuda. Não precisamos aprender técnicas que nos ajudem a obter o favor de Deus. Precisamos sim aprender celebrar o seu grande amor de Pai que nos quer bem, apesar de nossa própria pequenez. Acredito que Marx estava certo quando denunciou o que acontecia com a igreja que se colocava a serviço das aristocracias. Aquela religião adoecida e morta realmente merecia a pecha de ópio do povo. Os líderes religiosos que comiam nas mesas dos poderosos e que desdenhavam da sorte dos miseráveis realmente buscavam entorpecer o povo.
  • 18. O que se oferece de muitos púlpitos pós-modernos não é o Evangelho de Jesus Cristo, mas mera cocaína religiosa. E se algum outro filósofo ateu afirmar que essa religião pragmática que se espalha no ocidente, combina com o narcótico da moda, também seremos obrigados a concordar. Já se ouve o murmúrio das pedras. Urge que os profetas comecem a falar. Soli Deo Gloria Evangelho e cidadania. Ricardo Gondim O Brasil enfrenta uma das piores crises de sua história. Uma crise tal que os futuros historiadores terão dificuldades de explicar como foi possível este país construir uma catástrofe destas dimensões ao chegar no final do século XX. Estamos desarticulados socialmente. Os sintomas desta desarticulação se mostram na miséria que se perpetua nos subúrbios dos grandes centros urbanos, na deseducação das crianças que são forçadas a estudar em escolas públicas em ruínas; no esvaziamento do campo e na explosão urbana. Nossa desarticulação social se revela mais exuberante na perda do sentimento de nacionalidade: vive-se uma descrença em relação ao futuro. Somos o país em que políticos ainda se elegem promovendo laqueadura de trompas e distribuindo dentaduras. Observa-se a lenta perda do poder aquisitivo da classe média e nenhuma melhoria para a maioria pobre. Vive-se uma desigualdade regional. O sul próspero e o norte e nordeste com índices africanos. Convivemos com o paradoxo de sermos um dos mais ricos países do mundo em terras e ainda assim sermos um dos mais pobres em nutrição; termos uma enorme quantidade de escolas de medicina e estarmos classificados de acordo com Organização Mundial de Saúde quanto a saúde pública em centésimo vigésimo quinto lugar. Segundo dados preliminares do Ministério do Bem Estar Social, haveria no Brasil, dezenas de milhares de adolescentes prostitutas. Muitas delas acabam engravidando reproduzindo o ciclo da miséria. Outras, engrossam as sombrias estatísticas de aborto e mortalidade materna. Dois em cada dez brasileiros vão dormir com fome. Trinta e dois milhões de indigentes, pessoas que não conseguem comprar sequer uma cesta básica. 365 mil crianças abaixo de 5 anos morrem por ano no Brasil vítimas de desnutrição. É mais que 3 estádios do Morumbi. O Brasil é um país com uma economia doente, sucateada com uma recessão brutal que mantém os índices de inflação baixos; cartelizada; dependente do protecionismo e subsídio do estado, refém dos grandes bancos, escrava à especulação do capital estrangeiro. O estado está falido, o sistema médico e previdenciário dilapidados. O sistema fiscal desmoralizado, perverso, incoerente. O salário mínimo, um dos mais baixos do mundo. O brasileiro é obrigado a conviver com as mais altas taxas de juros do planeta. Por conta disto, as estradas brasileiras são esburacadas, impedindo o fluxo da riqueza para os grandes portos, o trânsito nas grandes capitais é caótico, o transporte público bagunçado. As cadeias públicas super lotadas, transformaram-se em antros de criminalidade. As polícias mal pagas e mal equipadas são temidas pelos cidadãos e escarnecidas pelos bandidos. O estado não tem recursos para cumprir com suas obrigações previstas na Constituição. Ecologicamente o Brasil é um desastre. Os rios e florestas destruídos pela exploração irresponsável de seus recursos naturais. Desequilibramos nosso ecossistema quando transformamos algumas de nossas lindas cataratas em imensos lagos artificiais. Poluímos nossas praias pela especulação imobiliária. Continuamos a devastar nossa selva para suprir o guloso mercado madeireiro do primeiro mundo. O resultado patético vê-se – e cheira-se – por todas parte: nossos rios são esgotos abertos, alguns de nossos prados se parecem com cenários lunares. Algumas de nossas montanhas, corroídas pela erosão, são retratos surrealistas de nossa miséria. O Brasil é o país da degradação ética. Vive-se aqui a generalização do oportunismo político. Há conivência com a irresponsabilidade. Como é grande nossa tolerância com a corrupção – grande ou pequena! A fraude é vista como fato normal. Os interesses corporativos prevalecem sobre os
  • 19. sociais. Aceitamos, sem perdermos o sono, a coexistência gritante da ostentação com os mais dramáticos níveis de miséria. A injustiça social no Brasil é uma das mais alarmante do mundo, sem que haja consternação das elites e das emergentes. Dinheiro que deveria ser destinado a merenda escolar de crianças é desviado para gordas contas na Suíça. Promessas eleitoreiras se repetem de tempo em tempo, enquanto nossas cidades estão entulhando-se de desempregados crônicos – os chamados excluídos. Parece que o deboche diante da tragédia está passando a ser parte de nossa cultura. O conformismo, a falta de espírito público tanto da classe política da esquerda como da direita são características de nossa enfermidade ética. Somente aqui a vergonhosa lei do Gerson nos faz rir e não corar de vergonha. Por mais que o nosso presidente diga que não, somos uma vergonha, no cenário internacional. Lá fora nos conhecem como o país da violência generalizada, da corrupção, da devastação da Amazônia, do assassinato de crianças e de índios. Somos vistos como o país do sexo promíscuo do carnaval. Muitos europeus lembram-se do Brasil como exportador de travestis. Aqui neste espaço, nos concerne refletir sobre quais os posicionamentos do evangelho na difícil tarefa de equipar os brasileiros como atores sociais. Qual o papel da igreja evangélica brasileira? Ela é povoada de cidadãos da Cidade de Deus? A igreja produz cidadãos também para o aqui e agora? É de bom alvitre que se leia neste ponto de nossa reflexão o capítulo 22 de Mateus, dos versículos 15 ao 22. “Então, retirando-se os fariseus, consultaram entre si como o surpreenderiam em alguma palavra. E enviaram-lhe os discípulos, juntamente com os herodianos, para dizer-lhe: Mestre, sabemos que és verdadeiro e que ensinas o caminho de Deus, de acordo com a verdade, sem te importares com quem quer que seja, porque não lhas a aparência dos homens. Dize-nos, pois: que te parece? É lícito pagar tributo a César ou não? Jesus, porém, conhecendo-lhes a malícia, respondeu: Por que me experimentais, hipócritas? Mostrai-me a moeda do tributo. Trouxeram-lhe um denário. E ele lhes perguntou: De quem é esta efígie e inscrição? Responderam: De César. Então, lhes disse: Daí, pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus. Ouvindo isto, se admiraram e, deixando-o, foram-se.” Neste texto de Mateus, Jesus já está em Jerusalém e de lá só sairá pela chamada Via Dolorosa. A multidão o aclama e o clima está se tornando insuportável. Depois de insistir em falar de assuntos inquietantes, há uma conspiração que tenta surpreender-lhe. Os fariseus se retiraram, a fim de planejar o modo pelo qual poderiam apanhar Jesus na armadilha de alguma palavra. Decidiram enviar alguns de seus discípulos, com os herodianos, a fim de propor-lhe uma questão controvertida a respeito de pagamento de impostos ao imperador romano. Nada sabemos a respeito dos herodianos, senão o que está registrado aqui. Supõe-se que seriam defensores judeus de Herodes Antipas, que apoiavam o colaboracionismo aos conquistadores romanos. Começam com lisonjas. “Mestre, bem sabemos que és verdadeiro e que ensinas o caminho de Deus com toda sinceridade. Tu não te preocupas com o que pensam as pessoas, porque não te interessas por ganhar-lhes o favor. Então diga-nos, é lícito pagar tributo a César, ou não?” Fica claro como cristal o dilema que propõem a Jesus. Se ele se opusesse ao pagamento de impostos, estaria em dificuldades com as autoridades civis. Os herodianos o acusariam de tentar incitar uma rebelião. Se aprovasse o pagamento dos impostos, perderia popularidade. Parecia que não havia meio de ele responder à pergunta sem sair perdendo. O imposto a que se referiam era uma taxa per capita obrigatória a cada cidadão a partir da puberdade até os sessenta e cinco anos. Devia ser pago em moeda romana ao tesouro imperial. O povo judeu se ressentia do pagamento de tal imposto, porque lembrava a todos que eram vassalos de uma potência estrangeira que lhes confiscara a terra e, agora, lhes extorquia uma soma de dinheiro que engordaria os cofres do imperador.” O texto é da maior importância porque ele nos arremete aos posicionamentos de Jesus Cristo sobre a difícil questão da cidadania. Sua resposta fornece princípios sobre como a igreja se comporta quando confrontada com o dilema ideológico. Aqui precisamos abrir um parêntese para esclarecermos o que entendemos por ideologia.
  • 20. Ideologia seria a lente que nos capacita a ler nossa realidade, a natureza de nossas estruturas e quais as possibilidades escatológicas. A escolha do texto, a observação de como Cristo reagiu não é por acaso. Pois o comportamento do cristianismo através dos séculos não foi sem tensões, ambigüidades. Como agir, reagir, comportar-se como cidadãos de dois reinos? Até que ponto é permitida a desobediência civil, a revolta armada, o exílio? Ainda na embrionária igreja primitiva esse dilema se apresenta diante de Pedro e João. Acusados de causar incômodo religioso na monolítica Jerusalém judaica, Pedro reagiu diante do mesmo Sinédrio que conduziu a condenação de Cristo afirmando em Atos 4.19: “Julgai se é justo diante de Deus ouvir-vos antes a vós outros do que a Deus.” Pouco tempo depois insistiu em Atos 5.29: “Antes, importa obedecer a Deus do que aos homens.” Entretanto, Paulo, quase que contradizendo a postura de Pedro ensina em Romanos 13.1-7: “Todo homem esteja sujeito às autoridades superiores; porque não há autoridade que não proceda de Deus; e as autoridades que existem foram por ele instituídas. De modo que aquele que se opõe à autoridade resiste à ordenação de Deus; e os que resistem trarão sobre si mesmos condenação. Porque os magistrados não são para temor, quando se faz o bem, e sim quando se faz o mal. Quere tu não temer a autoridade? Faze o bem e terás louvor dela, visto que a autoridade é ministro de Deus para teu bem. Entretanto, se fizeres o mal, teme; porque não é sem motivo que ela traz a espada; pois é ministro de Deus, vingador, para castigar o que pratica o mal. É necessário que lhe estejais sujeitos, não somente por causa do temor da punição, mas também por dever de consciência. Por esse motivo, também pagais tributos, porque são ministros de Deus, atendendo, constantemente, a este serviço. Pagai a todos o que lhes é devido: a quem tributo, tributo; a quem imposto, imposto; a quem respeito, respeito; a quem honra, honra.” Assim, por toda a história, o comportamento dos cristãos em regimes totalitários, sociedades eticamente adoecidas e em culturas perversas não foi sempre homogêneo. Algumas vezes pareceu coerente: Quando a perseguição e martírio dos cristãos era comum no mundo antigo, foi necessário optar não pela resistência aos regimes, mas ao exílio. Por isso, foram construídas as catacumbas. Já nos tempos dos gladiadores, Roma já encontrava-se encharcada pelo cristianismo. Foi a militância dos cristãos que estancou o sangue que jorrava no Coliseu. Em algumas circunstâncias, os regimes valeram-se dos cristãos para legitimar suas ambições de conquistas, seus sistemas de dominação e suas guerras sangrentas. Diz-se que Isabel, a católica cometeu mais atrocidades em nome de sua fé do que Nero jamais por causa de sua perversão. Hoje, sabe-se que grande parte do poder religioso calou-se quando Hitler dizimava os judeus, os ciganos, os homossexuais e os deficientes físicos. Quando não houve conivência, houve um silêncio cômodo. Salazar, em Portugal, Franco na Espanha, e os regimes totalitários da América Latina contavam com o apoio da Cúria. No Brasil, o regime ditatorial mais longo de nossa história, o que começou em 1964, na verdade não teria vingado se fosse a Marcha por Deus e pela Família, liderada pela igreja católica. Os evangélicos calaram-se pelas três décadas. Crente que fosse verdadeiramente, votava na Arena. Os militares contaram com a obediência serena e meiga dos evangélicos. Enquanto atrocidades eram cometidas nos porões do Doi Codi e nos porões da repressão, alheios, continuávamos conduzindo reuniões evangelísticas. Acreditamos que os comunistas eram perigo tão grande, que
  • 21. deveríamos no unir aos militares por que eles derrotariam as forças do mal. Em Ruanda, hoje sabe-se a política de extermínio na questão étnicas entre os Tutsis e os Hutus teve o aval da igreja cristã local. Eis porque devemos observar o comportamento de Cristo diante do impasse que lhe apresentaram: 1. O conceito cristão de cidadania dessacraliza os processos políticos. Ele pergunta, de quem é a efígie na moeda. A resposta obvia é que era de César. Portanto, não há uma ótica transcendente na leitura daquele regime. O regime de César não é visto como agente do mal e nem como agente do bem; é visto como uma manifestação dos processos humanos de condução da história. Para cristo, os sonhos teocráticos estão esvaziados. Ele edificará um reino que não guerreará pelos mesmos espaços geográficos que Roma, seu reino não usa a nomenclatura do poder de César, não aparecerá um novo partido dentro da confusa geo-política palestina do primeiro século. O evangelho não contempla no socialismo o sonho de concretização do reino. Sequer consegue ver o capitalismo que faz do dinheiro o seu deus, a possibilidade de encarnar a utopia do novo céu e da nova terra. Isso força o cristianismo a interpretar sua realidade histórica à luz da realidade e não do ideal. Quando se indaga a Cristo se deve pagar impostos a Roma, está embutida na pergunta uma inquietação: Um povo deve subjugar outro povo. Uma nação poderosa deve extorquir impostos de outra nação pobre? Não. O ideal não é que isso aconteça, mas o cristianismo não trabalha com pressupostos do ideal e sim do que é. O ideal é que não se gastasse bilhões na indústria das armas, o ideal é que o sistema financeiro não premiasse a especulação e sim a produção, o ideal é que o sistema não se alicerçasse sobre a ganância e sim sobre a solidariedade. Foi devido a isso que a escravatura não é duramente combatida nas páginas do Novo Testamento. Na realidade em que foi escrito, a escravatura era amplamente difundida. Os autores mergulhados na realidade histórica que viveram sem percepção nítida de como aquela situação pudesse ser revertida não tentam desmoronar o sistema da escravatura, mas lutam para humaniza-lo. No exercício da sua cidadania o cristão reconhece sua realidade mas não se encaramuja pela distância entre o que é e o que desejamos que seja. O ideal é que não houvesse meninos morando nas ruas, chacinados por hordas de justiceiros. O ideal é que não haja traficantes vendendo crack para os miseráveis que já vivem no inferno. Entre este ideal e o que vemos quotidianamente há um abismo enorme. O que fazer. O evangelho desafia os cristãos a lutar para que eles sejam cuidados, que as estruturas que perpetuam esse estado de coisas sejam derrubadas e que se engatilhem processos que prevenirão outros a caírem nesse caldeirão de desgraça. Foi interessante a postura do Ministro da Saúde dos Governos do Jimmy Carter e do George Bush. Ele, evangélico militante, iniciou uma campanha pela distribuição de preservativos por todos os Estados Unidos. Confrontado pela Maioria Moral, se não estava legitimando a promiscuidade no país, ele respondeu: O ideal é que as pessoas vivam uma vida monogâmica, mas antes que esse ideal se concretize há milhares de pessoas se contaminando com o vírus HIV. Sou ministro da saúde, não lido com o ideal, tenho que lidar com a dolorosa realidade, portanto, vamos ensinar as pessoas a usar a camisinha. O ideal é que não haja abortos. Entretanto, milhares de mulheres estão recorrendo a clínicas de aborto imundas. Muitas morrem por infecção. O que fazer? Creio que o conceito de cidadania deve incorporar programas alternativos de adoção, creches antes que as apedrejemos. 2. O exercício da cidadania cristã trabalha dentro dos contornos sociais, sem contudo legitimá-los. O simples fato de pagar o tributo não significa que o regime opressor de Roma está legitimado por Cristo. Cristo não admite que suas posturas sejam exploradas por razões políticas, como também
  • 22. ensinou aos seus discípulos a nunca se valeram das estruturas do poder para alavancar o projeto do reino. Francis Schaeffer é que cunhou a expressão co-beligerância. Fazem-se parcerias sem contudo legitimar. Quando percebo que a igreja católica levantou uma bandeira digna, como sua luta contra a exploração sexual de menores, posso me aliar com ela naquela luta, sem que necessariamente esteja legitimando outros posicionamentos dela como sua mariolatria, o poder papal, etc. Quando percebo que os sem terra, estão com reivindicações sólidas sobre a reforma agrária e sobre a injustiça social no campo o evangelho deve ratificar o esforço deles – Há muitos crentes entre os sem-terra – sem contudo, estar legitimando a invasão de prédios públicos ou estar solidário a pressupostos socialistas. Quando o presidente da República desenvolve um projeto de cidadania, um esforço de alfabetizar os evangélicos devem se posicionar a favor, sem que com isso estejam dizendo que aprovam os métodos que foram usados para que se ganhassem os votos pela re-eleição. “Odeio os indiferentes. Acredito que viver significa tomar partido. Não podem existir os apenas homens, estranhos à cidade. Quem verdadeiramente vive não pode deixar de ser cidadão e partidário. Indiferença é abulia, parasitismo, covardia, não é vida. Por isso odeio os indiferentes. A indiferença é o peso morto da história. É a bala de chumbo para o inovador e a matéria inerte em que se afogam freqüentemente os entusiasmos mais esplendorosos, o fosso que circunda a velha cidade e defende melhor do que nunca as ais sólidas muralhas, melhor do que o peito dos seus guerreiros, porque engole nos seus sorvedouros de lama os assaltantes, os dizima e desencoraja e, às vezes, os leva a desistir da gesta heróica. Odeio os indiferentes também, porque me provocam tédio as suas lágrimas de eternos inocentes. Peço contas a todos eles pela maneira como cumpriram a tarefa que a vida lhe impôs e impõem quotidianamente, do que fizeram e, sobretudo, do que não fizeram. E sim que posso ser inexorável, que não devo desperdiçar a minha compaixão, que não posso repartir com eles minhas lágrimas. Sou militante, estou vivo. Sinto nas consciências viris dos que estão comigo pulsando a atividade da cidade futura que estamos a construir. Vivo, sou militante. Por isso, odeio quem não toma partido, odeio os indiferentes.” Antônio Gramsci – 11.02.1917. 3. O exercício da cidadania é encarado no cristianismo, não como uma atividade da redenção mas da criação. A função de governar a terra e de administrar foi outorgada no Gênesis antes da queda. O cristianismo, portanto, não necessita de homens redimidos para que o bem seja promovido. Está fora o conceito de que o Brasil será melhor quando tivermos o maior número de evangélicos no poder. Não, o Brasil estará melhor quando tivermos o maior número de bons políticos exercendo, da mesma maneira que a aviação brasileira estará melhor quando tivermos melhores pilotos pilotando nossas aeronaves, da mesma maneira que o nosso programa de desenvolvimento da física nuclear estará melhor quando tivermos o maior número de bons físicos à frente dos nossos projetos energéticos. 4. O exercício da cidadania evangélica é ao mesmo tempo uma expressão de amor como expressão de justiça. O âmago do evangelho é a busca da justiça em amor. E da proclamação do amor a partir O que segue a justiça e a bondade achará a vida, a justiça e a honra. Provérbios 21.21. O exemplo do Bom Samaritano. O fez por um sentimento de amor, talvez não passasse no teste do politicamente correto. Não houve contestação do sistema, da insegurança. Mas como
  • 23. expressão do seu profundo amor, a justiça foi exaltada. Esse é o mistério da encarnação. Cristo ao mesmo tempo dá o que é de Deus e de César. O transcendente e o imanente encarnam-se. A igreja participa no palco social e constrói um castelo transcendental. Age no imanente como justiça, porque foi visitada pelo transcendente com amor. Por isso é que historicamente ela tanto tem um Desmond Tutu na África do Sul que celebra um culto a Deus orando para que seja desmantelado o sistema do Aparthaid como sai pelas ruas em passeata pedindo que o regime iníquo caia por terra. Um Martin Luther King Jr, que prega o sermão em Atlanta e faz o discurso em Washington. Um Wilberforce que pastoreia uma igreja e ao mesmo tempo é membro do Parlamento Britânico que joga por terra o regime escravagista. Você tem comunidades evangélicas no morro pregando o evangelho e promovendo cursos de alfabetização. Missionários que dão aula de bíblia e de cuidados de higiene. Soli Deo Gloria A mulher samaritana, Coca-Cola e Jesus. Ricardo Gondim Rodrigues Às vezes, a gente ouve certas coisas que não aceita, mas não sabe bem o porquê. Só depois de algum tempo entende. Não foi por mera antipatia que aquela mensagem não desceu bem. Recordo-me quando ouvi pela primeira vez o paralelo entre Jesus e a Coca-Cola. O pregador, inflamado de zelo e paixão missionária, afirmava que numa viagem ao interior do Haiti, sob uma temperatura de mais de 40 graus, sentiu-se aliviado quando parou num quiosque miserável feito de palha de coqueiros e pôde comprar uma garrafa do mais famoso refrigerante do mundo. Devidamente refeito depois de beber sua Coca geladinha, perguntou ao dono da venda se já ouvira falar de Jesus. Ele não sabia de quem se tratava. E o nosso palestrante fez sua analogia, tentando dar um choque na complacência da igreja ocidental: “A Coca-Cola conseguiu alcançar o mundo inteiro em menos de um século e a igreja cristã ainda não cumpriu a ordem da Grande Comissão em mais de 20 séculos!”. Depois daquela primeira exortação, já devo ter escutado essa mesma comparação uma dúzia de vezes em diversas conferências missionárias. Verdade ou tolice? Pior. Estou certo que essas ilustrações não são meros simplismos, nascem de grandes erros teológicos (ou ideológicos?). Coca-Cola é uma bebida inventada na Geórgia, Estados Unidos, com uma fórmula secreta. Sabese que sua receita original continha alguns ingredientes também encontrados na cocaína, daí o seu nome. Seus fabricantes nunca intencionaram outro propósito senão matar a sede das pessoas. A The Coca-Cola Company não convoca ninguém a rever valores do caráter, não confronta estruturas de morte, não se propõe a aliviar culpa, não revela a eternidade e nem Deus. Para chegar aos quiosques mais remotos do globo, bastou criar um produto doce e gaseificado. Investir bilhões em boas estratégias de propaganda, construir fábricas e desenvolver uma boa rede de distribuição para que o produto chegasse com a mesma qualidade nos pontos de venda. Tentar comparar a missão da igreja no anúncio do Reino de Deus às estratégias de mercado de um refrigerante, beira o absurdo. Confunde-se um bem material com uma pessoa e enxerga-se na mensagem um produto. Os missiólogos sucumbiram à lógica do mercado do novo milênio? Acreditam mesmo que cumpriremos nossa missão com os instrumentais corporativos? Tudo pode se tornar um produto? No Brasil, o esforça-se muito para “vender” o Evangelho. Quase não se usa a mídia para proclamar os conteúdos do Evangelho. Alardeiam-se os benefícios da fé. Basta observar a enormidade de tempo gasto divulgando os horários dos cultos, a eficácia da oração, mostrando que aquela igreja é melhor e que a sua mensagem é a mais forte para resolver todos os problemas das pessoas. Aborda-se o Evangelho como um produto eficaz e adota-se uma mentalidade empresarial no seu anúncio. Prometem-se enormes possibilidades. Tratam as pessoas como clientes e sem constrangimento, anuncia-se que qualquer um pode adquirir esse
  • 24. determinado benefício com um esforço mínimo. As igrejas se transformam em balcões de serviços religiosos ou supermercados da fé. A tendência de oferecer cultos diferenciados e as intermináveis campanhas de milagres demonstram bem esse espírito. Como um supermercado com as gôndolas recheadas de produtos, as igrejas procuram incrementar os “serviços” ao gosto dos fregueses. Os pastores dividem os dias da semana com programações atrativas; gastam suas energias desenvolvendo estratégias que atraiam o maior número de pessoas. Sonham com auditórios lotados. Campanhas, correntes e demonstrações grotescas de exorcismos e milagres financeiros se sucedem. As pessoas, por sua vez, se achegam, seduzidos pelas promoções das prateleiras eclesiásticas. Esse modelo induz as pessoas a adorarem a Deus por aquilo que ele dá e não por quem é. Não se anuncia o senhorio de Cristo, apenas os benefícios da fé. Os crentes acabam tratando a Bíblia como um amuleto e, supersticiosos, continuam presos ao medo. Vive-se uma religião de consumo. Mas existe outra dimensão ainda mais sutil. Naomi Klein, jornalista canadense, publicou recentemente “Sem Logo” (Editora Record) para denunciar a tirania das marcas em um planeta obcecado pelo consumo. Ela defende a tese de que a grandes corporações do mercado global não vendem apenas os seus produtos, mas a marca. Procuram criar uma filosofia de vida embutida em seus produtos. Desejam induzir seus consumidores a acreditarem que podem viver um determinado estilo de vida, desde que comprem aquela marca específica. Assim os fumantes de Marlboro imaginam personificar o “cowboy” solitário, mesmo morando em um apartamento. Quando atletas amadores vestem as roupas ou calçam os tênis da Nike, acham que se transformam em campeões. Gente que vive presa no trânsito apinhado das grandes metrópoles, ao dirigir jipes com tração nas quatro rodas, sente-se desbravando sertões. Klein declara: “’Marcas, não produtos!’ tornou-se o grito de guerra de um renascimento do marketing liderado por uma nova estirpe de empresas que se viam como ‘agentes de significado’ em vez de fabricantes de produtos. Segundo o velho paradigma, tudo o que o marketing vendia era um produto. De acordo com o novo modelo, contudo, o produto sempre é secundário ao verdadeiro artigo. A marca e a sua venda adquirem um componente adicional que só pode ser descrito como espiritual”. Infelizmente percebe-se o mesmo em determinados círculos cristãos. Querem fazer do Evangelho uma grife. Como? Primeiro transforma-se um seleto grupo de evangelistas, cantores e pastores em superestrelas ao estilo de Hollywood. Depois associam seu nome a grandes eventos e dão-lhes o holofote. Ensinam-lhes habilidades espirituais acima da média. Assim produzem-se ícones semelhantes aos do mundo do entretenimento. Eles aglutinam multidões, vendem qualquer coisa e criam novas modas. A indústria fonográfica enriquece, os congressos se enchem, e os novos astros do mundo “gospel” alavancam suas igrejas. Jesus dialogou com uma mulher samaritana e ofereceu-lhe uma água viva. A mulher imaginou essa água com raciocínios concretos. Pensou que ao beber, nunca mais teria sede. Uma água dessas hoje, devidamente comercializada, seria um tesouro sem preço. “Dá-me dessa água e assim nunca mais terei que voltar aqui”. Jesus corrigiu sua linha de pensamento. A água que ele oferecia não era mágica, mas um relacionamento: filhos e filhas adorando ao Criador em espírito em verdade. Infelizmente muitos evangélicos brasileiros propagandeiam água mágica. Pretensamente matando a sede de qualquer um no estalar dos dedos. O evangelho não é produto ou grife, volto a repetir, mas uma alvissareira notícia. Não deveria se escravizar às regras do mercado. Ricardo Mariano em sua tese de doutoramento concluiu, para a vergonha de tantas igrejas neo-pentecostais: “As concessões mágicas feitas pelas igrejas pentecostais às massas desafortunadas, por certo, não constituem tão-somente meras concessões... observa-se que a oferta pentecostal de serviços mágicos segue cada vez mais uma dinâmica empresarial, ditada pela férrea lógica do mercado religioso, que pressiona os diferentes concorrentes religiosos a acirrarem seu ativismo e a tornarem mais eficazes suas ações e estratégias evangelísticas”. Essa mercadoria religiosa caricaturada de evangelho não representa o leito principal da tradição apostólica. A indústria que encena essa coreografia carismática de muito barulho e pouca eficácia,