Ser respeitado ou ser temido: o dilema do profissional de SMS (até
1. Ser temido ou ser respeitado:
O dilema do profissional de SMS nas frentes de serviços das grande obras
Engº Antonio Fernando Navarro1
Introdução:
Vale Mais Ser Amado ou Temido? Vale mais ser amado ou temido (na chefia)? O ideal é ser as duas coisas,
mas como é difícil reunir as duas coisas, é muito mais seguro - quando uma delas tiver que faltar - ser
temido do que amado. Porque, dos homens em geral, se pode dizer o seguinte: que são ingratos, volúveis,
fingidos e dissimulados, fugidios ao perigo, ávidos do ganho. E enquanto lhes fazeis bem, são todos vossos
e oferecem-vos a família, os bens pessoais, a vida, os descendentes, desde que a necessidade esteja bem
longe. Mas quando ela se avizinha, contra vós se revoltam. E aquele príncipe que tiver confiado naquelas
promessas, como fundamento do ser poder, encontrando-se desprovido de outras precauções, está
perdido. É que as amizades que se adquirem através das riquezas, e não com grandeza e nobreza de
carácter, compram-se, mas não se pode contar com elas nos momentos de adversidade. Os homens
sentem menos inibição em ofender alguém que se faça amar do que outro que se faça temer, porque a
amizade implica um vínculo de obrigações, o qual, devido à maldade dos homens, em qualquer altura se
rompe, conforme as conveniências. O temor, por seu turno, implica o medo de uma punição, que nunca
mais se extingue. No entanto, o príncipe deve fazer-se temer, de modo que, senão conseguir obter a
estima, também não concite o ódio. Nicolo Maquiavel, in 'O Príncipe' (Niccolo Maquiavel, 1469 //
1527Filósofo/Escritor/Político)
O significado de Temido é o seguinte: adj. Que infunde medo ou temor; temível: guerreiro temido por
todos.
O significado da palavra Respeitado é o seguinte: adj (part de respeitar) 1 Que se respeita ou se respeitou. 2
Tratado com respeito. 3 Acatado. 4 Reverenciado, honrado. 5 Que, por seus méritos, se impõe ao respeito
público.
Muitos profissionais confundem o significado entre esses dois adjetivos, principalmente durante o exercício
de suas profissões, ou em seu trato diário com as pessoas. Alguns especialistas dizem que muitas vezes o
profissional passa a ter uma atitude mais incisiva ou grosseira, para intimidar seus subordinados. Trata-se
do chefe irascível. Aquele a quem todos os funcionários “pensam duas vezes” antes de procura-lo para a
solução de algum problema. Alguns se escondem por detrás dessa fama para esconder suas fragilidades no
trato pessoal ou técnicas.
Quando se trata de relações humanas todos os envolvidos devem entender seus limites de relacionamento
e de compreensão sobre os temas comuns. Um chefe temido não é um chefe educador. Talvez não seja o
chefe líder, ou exemplo de todos.
1
Antonio Fernando Navarro é engenheiro civil, engenheiro de segurança do trabalho, mestre em saúde e meio
ambiente e especialista em gerenciamento de riscos. É engenheiro de segurança do trabalho e professor da
Universidade Federal Fluminense.
2. Nas atividades de Segurança, Meio Ambiente e Saúde, letras que associadas significam um sistema ou
processo, sob os cuidados de um profissional, e assessoramento de especialistas, o objetivo primeiro é o de
prover meios para que todos os envolvidos no empreendimento, o próprio empreendimento e o ambiente
natural ao redor do mesmo empreendimento possam ter níveis de segurança elevados, sem ocorrências de
acidentes, sejam esses de trabalho, ambientais ou de saúde, como infestações de vírus ou bactérias, ou de
doenças crônicas relacionadas ao trabalho ou ao ambiente.
O papel do profissional de SMS nas grandes obras, principalmente industriais, relacionadas a atividades de
risco, como a construção e montagem de uma refinaria, uma base de petróleo, um terminal, ou uma faixa
de dutos, sempre apresentou conflitos de entendimento. Em primeiro lugar porque os acidentes tinham
que ser evitados “a qualquer custo”. Em segundo lugar porque sempre houve pressões para o atendimento
aos programas de Gestão Integrada, através das normas de qualidade (ISO 9001), Meio Ambiente (ISO
14001) e Saúde e Segurança (OHSAS 18001). Além disso, as ações de SMS passam, em alguns momentos, e
em muitas empresas a ser priorizadas. Ao se priorizar uma ação que é importante, como salvar-se vidas,
essa deixa de ser um valor para a empresa, visto que, como prioridade pode ser modificada, quando se
priorizam outras ações, como a do incremento da produção ou a entrega de uma obra. Os empresários,
com contratos milionários sofrem todos os tipos de pressão para que a obra ocorra dentro de um
cronograma definido na assinatura do contrato. Em alguns, há bônus pela entrega antecipada da obra.
Também os mesmos empresários são premidos em concorrências a reduzir suas margens de lucro, mas não
seus interesses comerciais e financeiros. Se há cortes no geral essa diferença passa a ser rateada nas
atividades que não são fim. E a atividade de SMS é nada mais nada menos do que uma atividade meio e
nunca uma atividade fim, em uma construção e montagem. Já houve tempo em que muitos empresários
pressionavam as contratantes dos serviços para reduzir os níveis de exigências nas áreas complementares.
Vimos obras com os funcionários recebendo EPIs de baixa qualidade, do nível de exigências contratuais
limitar-se ao que a legislação oficial determina, se tanto, já que essa apresenta uma exigência mínima.
Também vimos ferramentas e equipamentos de baixa qualidade e obras conduzidas por feitores ao invés
de mestres de obras. Obras onde os operários reclamavam, algumas vezes com razão, da ração alimentar,
principalmente da qualidade das mesmas.
Essas diretrizes, fazer cumprir as normas de gestão, não admitindo desvios, e evitar qualquer tipo de
acidentes, fez com que fosse “burilado” um perfil de profissional com características mais “autoritária”,
pois que, o profissional bonzinho, que jogava bola com seus companheiros nos finais de semana, que
“passava” a mão sobre a cabeça de alguns, que poderia ter um tratamento diferenciado entre o grupo dos
amigos ou colaboradores mais próximos e os demais, como verificamos em nossas atividades gerenciais nas
empresas contratadas, nos fez perceber dois tipos de profissionais e os resultados de suas experiências e
sucessos, em contrapartida o “bonzinho” sempre foi aceito, porque entendia-se que ele conseguiria atrair a
atenção de todos, e, principalmente, conseguir a cumplicidade com os operários para atingir a meta da não
ocorrência de acidentes. Também era aquele que a gerência maior se apoiava para resolver conflitos
pessoais.
O “temido” sempre foi tido como o disciplinador. Aquele importante para implementar programas de
gestão, com olhar crítico capaz de identificar as não conformidades, que os trabalhadores tinham receio
quando estava por perto, já que poderiam ser afastados de suas funções, muitas vezes por motivos fúteis.
Mas qual seria a melhor opção, o temido ou o bonzinho?
3. Discussão do Tema:
Temido ou bonzinho todos o somos, de acordo com os momentos que se apresentam. No nosso dia a dia
temos momentos de bonzinhos e outros nem tanto. Isso pode estar associado ao nosso humor. Há dias que
antes de sairmos de casa já estamos “maldizendo havermos acordados”. Por quê?
Se há normas a serem seguidas não podemos permitir que essas sejam burladas ou atendidas
parcialmente. Para muitos essa é uma atitude de chefe autoritário. Se o operário tirou momentaneamente
seu óculos de segurança para limpar as lentes embaçadas pelo suor e poeira da obra e o chefe relega o
desvio esse passa a ser o bonzinho.
Nossas diferenças de humor podem até ser consideradas normais, pois que se enquadram no estereótipo
de qualquer pessoa. Ninguém consegue assumir a mesma postura o tempo todo. Ficamos zangados e
alegres muitas vezes ao dia. O que não é normal é a pessoa assumir uma postura que não se coaduna com
sua personalidade, muitas vezes somente para agradar a um grupo de pessoas com o qual mantém
relacionamentos.
O profissional de SMS é aquele que tem como principal objetivo criar uma harmonia em um ambiente de
trabalho de modo construtivo, que tem, como uma de suas metas, a não ocorrência de acidentes.
Ocorre que os acidentes não são devidos somente à postura do profissional de SMS. Os acidentes ocorrem
devido a vários fatores. Se pudéssemos expressar as ocorrências dos acidentes em termos de percentuais,
em uma avaliação do conjunto da obra poderíamos, sem fugir muito da realidade, que esses poderiam ter
como causa:
Acidentes
15% 15%
10% Ambiente
Supervisão
Trabalhador
60%
Atividade
Notas explicativas:
1. Ambiente
Representa o espaço físico onde o trabalhador desenvolve suas atividades. Quase sempre, ou melhor, na
maioria das vezes, associada ao arranjo físico local e o que denominamos de “5S”.
2. Supervisão
A supervisão é o acompanhamento da atividade, seja pelo encarregado da mesma ou pelo profissional de
SMS. O ideal é quando essa atividade de supervisão é feita pelo superior hierárquico dos empregados, ou
seja, pelos encarregados. Para tal, o mesmo deve estar familiarizado não só com as atividades
desenvolvidas como também com os conceitos, critérios e programas de SMS.
4. 3. Trabalhador
O trabalhador é o ator principal da peça encenada no ambiente da obra. Tem que ser capacitado e
orientado para a correta execução de suas atividades, e, principalmente, do resultado que essa possa ter
no conjunto da obra.
4. Atividade
Como atividade entendemos os serviços que são ou estão sendo executados. Esses podem ser normais ou
corriqueiros e os que representem riscos mais elevados. Por exemplo, pregar uma tábua para compor uma
forma pode ser um trabalho corriqueiro para um carpinteiro, da mesma forma que aplicar a raiz de solda
em uma chapa o pode ser para um soldador. Escalar uma torre pode ser uma atividade corriqueira para um
alpinista industrial que esteja realizando atividades de inspeção. Em todas essas atividades tão díspares, se
os profissionais executarem as tarefas que são de outros certamente terão alguma dificuldade. Essas
dificuldades associadas a uma que não seja a ideal pode fazer com que aquele trabalhador esteja correndo
mais riscos do que o habitual.
Diante do quadro anterior, onde um acidente não se deve necessariamente a uma falta de relacionamento
dos profissionais de SMS com os trabalhadores, qual seria o profissional ideal: o temido ou o respeitado?
Muitos têm dúvidas a esse respeito. Nossa experiência nos conduz que podemos ser temidos e respeitados.
Temidos, respeitosamente, pela inflexibilidade no cumprimento das tarefas e atendimento aos
procedimentos, e respeitados pela maneira cordial como tratamos a todos, demonstrando com isso o
respeito, independentemente das funções que ocupem.
Lembramo-nos que na implementação de processos de auditoria comportamental em uma região, onde
éramos multiplicadores, fomos auditados pela equipe responsável pela capacitação do programa. Em uma
visita ao campo fomos testemunhas de um fato insólito. O “tutor” se aproximou de um operário que
escavava uma vala, tirou sua luva, aproximou-se mais, se apresentou para reconhecer que aquele operário
estava executando suas tarefas de maneira correta, quanto ao uso dos equipamentos de proteção
individual recomendados para a atividade. O trabalhador, vendo as pessoas, eu e o “tutor” se
aproximarem, também retirou suas luvas, em sinal de respeito. Vendo que o profissional se apresentava
esticou sua suada e calosa mão de trabalho, de modo entusiasmado. Qual não foi nossa surpresa quando
nosso acompanhante, havendo recebido um aperto de uma mão suado do trabalho a enxugou nas pernas
do uniforme. O trabalhador percebeu e humilhado se retraiu ainda mais, pois que alguém estava com
“nojo” de seu suor. Ao percebermos isso e com a saída de nosso ilustre visitante, convocamos os membros
de nossa equipe de SMS para uma reunião no dia seguinte. Naquele dia, abrimos nosso coração e
repassamos uma nova abordagem. Poderíamos ser duros no cumprimento de nossas atividades, mas nunca
destratar ou abordar um trabalhador de maneira grosseira.
O resultado? Ficamos mais de 2.200 dias sem nenhuma ocorrência de acidentes. O responsável por isso?
Uma laboriosa equipe de profissionais de SMS e um grande contingente de pessoas que trabalhavam nas
empresas contratadas ou subcontratadas que entenderam que éramos duros para cumprirmos nossa
atividade que era a de protegê-los.
O respeito, esse foi sendo construído na medida em que os trabalhadores perceberam nossas reais
intenções.
5. Conclusão:
Alguns conceitos foram apreendidos e assimilados por nós. A Transparência. Nossas ações eram guiadas
para o atendimento das normas. Para conseguirmos os resultados almejados era importante que os
trabalhadores soubessem o porquê e como iríamos buscar esses meios. A partir dessa etapa, os
trabalhadores passaram a ter voz, não representatividade. Qualquer um poderia apresentar uma sugestão
para o aprimoramento das questões de SMS. Em uma segunda fase passamos a distinguir as melhores
sugestões. Em terceiro lugar premiávamos a equipe. Mas, o resultado maior passou a ser aquele onde, ao
invés de repreendermos aquele que cometia desvios, passamos a elogiar aqueles que desempenhavam
bem suas funções. Com isso, todos queriam ser reconhecidos. Como as regras eram claras, obtivemos uma
melhoria nos níveis de segurança.
Podemos finalizar este pequeno artigo resumindo que para o profissional de SMS é muito melhor ser
respeitado por seus pares e pelos trabalhadores do que ser temido pelos maus modos, grosserias ou
desrespeito com os profissionais. Não podemos admitir desvios nos procedimentos, já que quase sempre
esses podem redundar em acidentes sérios. Mas também não podemos criar barreiras ao nosso redor,
impedindo os funcionários de nos procurarem para aprender ou mesmo relatar fatos importantes que em
alguns momentos não os consideramos. Encontrar-se o equilíbrio é uma tarefa difícil que pode ser melhor
resolvida quando o profissional de SMS possui elevado nível de maturidade e um excelente “jogo de
cintura”.
Onde se encontra esse profissional? Talvez este esteja sendo formado em empresas que valorizam as ações
e resultados.
Quando dirigia equipes grandes de SMS tinha sempre uma máxima que transmitia a meus subordinados:
prefiro um funcionário que erre por ter tido a iniciativa de fazer (proativo) do que aquele que errou por não
fazer (reativo).
As pirâmides de acidentes que associam um evento temido no topo, como uma morte, um desastre
ambiental ou uma pandemia, tem em sua base uma série de desvios, que são os descumprimentos de suas
atividades, não importa qual a razão.
Existem relações entre os desvios, que se encontram na base da pirâmide ao topo, evento indesejado.
Atuar-se reduzindo os desvios é uma ação pró-ativa.
Pirâmide de Heinrich 1951
6. Pirâmide Frank Bird (1969) resultados da Insurance Company of North America
Piramide definida pela Du Pont du Neymors
Entre as décadas de 50 a 2000 foram distribuídas três pirâmides tratando do mesmo tema, da associação
de um evento crítico a uma série de eventos anteriores, como se fosse um conjunto de dominós. As
relações obtidas são as pesquisadas no momento em que os conceitos foram apresentados. Cada empresa
tem sua Pirâmide. O importante é que se saiba ou se conheça as relações a fim de que as ações pró-ativas,
e reduzir as bases seja eficaz.
Atuar-se na análise dos acidentes é uma atitude reativa. Reduzir-se desvios é muito mais fácil do que
ressuscitar mortos ou devolver-se o braço de quem o perdeu em um acidente. Para reduzir os desvios
devemos contar com profissionais que tenham fácil acesso aos trabalhadores e que consigam desses uma
relação mais próxima e respeitosa, já que será ele mesmo, o trabalhador o responsável por não cometer
desvios. Esse profissional de SMS é muito importante e pode ser enquadrado como aquele que está junto
ao trabalhador orientando-o.
As empresas de Óleo e Gás estão na quinta onda, onde o responsável por sua própria segurança passa a ser
o trabalhador, que deve ser qualificado e avaliado. Nesses casos, o profissional mais exigente é o melhor.
Por mais que apresentemos exemplos notaremos que precisamos se profissionais equilibrados, temidos
quando necessário e bonzinhos quando possível.
E nós? Em muitos momentos éramos mais temidos do que bonzinhos. Mas, com os membros de nossa
equipe éramos sempre conciliadores.