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Antonio Carlos Silva Benvindo

RAP BRASILEIRO:
O dilema da visibilidade midiática e as consequências para o
movimento em Belo Horizonte

Belo Horizonte – MG
Faculdade Promove
2011
Antonio Carlos Silva Benvindo

RAP BRASILEIRO:
O dilema da visibilidade midiática e as consequências para o
movimento em Belo Horizonte

Monografia apresentada ao curso de Comunicação
Social/ Publicidade e Propaganda da Faculdade
Promove, como requisito parcial à obtenção do
título de graduação em Publicidade e Propaganda.
Área de concentração: Comunicação Social
Orientadora: Profª. Márcia Cruz

Belo Horizonte – MG
Faculdade Promove
2011
AGRADECIMENTOS

Ao grande de pai de todo o universo e todos os seres que habitam nela. Minha
abençoada família, minha namorada (por aguentar minhas neuroses). A todos do
movimento Hip hop pela contribuição nesse trabalho. Aos meus amigos do Promove
pelos momentos de descontração. E a todos os meus mestres do Promove, que
dedicaram seu tempo a nos ensinar.
“Dessas favelas lamacentas podem sair ideias que impulsionam a vida ou precipitam a
morte, dando-nos paz ou conduzindo para outra guerra.”
Paul Gilroy
RESUMO
O movimento Rap difunde, atualmente, um processo amplo de significação e ressignificação
cultural. Inserido num contexto das grandes cidades, o Rap se propagou aliado a ferramentas
tipicamente dos meios de comunicação de massa. Este trabalho tem o intuito de analisar o
processo de apropriação do movimento cultural tipicamente periférico, foi realizado pelos meios
de comunicação de massa. Através de análise de determinados marcos midiáticos que deram
visibilidade ao movimento e como foi interpretado pela sociedade de forma geral. A partir desse
objetivo, faz-se necessário analisar o processo histórico do Rap, bem como sua relação complexa
com os meios de comunicação de massa. Assim iremos pesquisar através do grupo focal, como
os apreciadores avaliam essa visibilidade midiática e quais os reflexos no Rap e em suas vidas de
uma maneira geral, e o que possibilitou essa visibilidade midiática.

PALAVRAS-CHAVE: cultura marginal, cultura popular, visibilidade midiática, movimento
cultural.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................... 6
1

O RAP BRASILEIRO: ENTRE A DEMONIZAÇÃO E A GLAMOURIZAÇÃO.......... 11
1.1
Comportamento social e estilo .................................................................................. 14
1.2
Marcos Midiáticos ..................................................................................................... 17
2
O RAP: ENTRE A CULTURA POPULAR E A MARGINAL........................................ 24
2.1
O Rap e sua reclassificação entre as classes sociais .................................................. 30
3
O RAP BRASILEIRO NA ESFERA DE VISIBILIDADE .............................................. 33
3.1
Visibilidade midiática ................................................................................................ 36
3.2
O Rap e os meios de comunicação de massa............................................................. 39
3.3
Os dilemas do Rap ..................................................................................................... 41
3.3.1 O Rap necessita dos meios de comunicação de massa? ....................................... 41
3.3.2 Os marcos midiáticos alteraram a mudança da imagem do Rap? ....................... 44
3.3.3 O movimento Rap em bh: projetos e sonhos ......................................................... 46
4
CONCLUSÃO ................................................................................................................... 48
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................................... 52
ANEXO I ....................................................................................................................................... 59
ANEXO II ..................................................................................................................................... 61
ANEXO III .................................................................................................................................... 63
ANEXO IIII ................................................................................................................................... 65
6

INTRODUÇÃO

O movimento Rap se difundiu na Jamaica a partir da década de 1960 e nos anos 1980 se
propagou no Brasil. Atualmente, é presença nos grandes centros urbanos, em qualquer casa da
periferia, igrejas evangélicas ou nos sons automotivos de pessoas da classe média. O movimento,
que se iniciou na classe baixa, avançou por todas as classes sociais. Apropriou das novas
tecnologias para propagar seu conteúdo. E com a identificação do público com esse tipo de
música, em virtude de suas características como a linguagem, conteúdo das letras, ritmo, bem
como a contundente expressão e vestuário dos apreciadores.

O Rap se propôs a ultrapassar os limites artísticos tornando-se uma forma de expressão
alternativa, por sua postura subversiva, reveladas nas letras. O Rap passou a ser considerado um
“movimento marginal”. O termo não desagrada os produtores, mas, inicialmente, a palavra soava
de maneira ambígua, podendo remeter a um sentido negativo e direcionava o movimento a uma
subcultura.

O Rap se difunde como uma das principais culturas populares, cujo intuito é instigar a reflexão
acerca dos problemas do mundo contemporâneo, mas os próprios produtores da cultura,
atualmente, se autointitulam “marginais” e se mostram à vontade com o termo.

Esse modelo musical consegue atingir um número amplo de pessoas, haja vista os grupos de Rap
que têm grandes vendagens de CD’s e lotam seus shows, apenas utilizando métodos de
publicidade não-convencionais.

A pergunta que norteia esse trabalho é como a visibilidade dada ao Rap brasileiro, a partir de
marcos midiáticos, alterou o cenário do movimento Rap em Belo Horizonte?

A partir desse questionamento, procuramos compreender o processo histórico do Rap no Brasil,
comparando o movimento atual e desde o fim da década de 1980, bem como suas mudanças.
Procuramos contextualizar as mudanças de comportamento dos jovens de periferia com o
7

processo evolutivo do Rap; analisamos o conteúdo veiculado a partir dos marcos midiáticos.
Identificamos se a visibilidade dada ao movimento Rap contribuiu para o fortalecimento da autoestima dos apreciadores do mesmo. Por fim, mas não menos importante, identificamos a disputa
simbólica relacionada à representação da periferia e do jovem que mora nessas localidades.

Tendo em vista a importância da participação desses jovens por meio da música na esfera de
visibilidade pública, cabe avaliar a partir de marcos midiáticos se a visibilidade alterou questões
antes tão impregnadas no movimento. Como o preconceito em relação aos apreciadores,
aceitação maior dessa cultura nos meios de comunicação de massa, entre outros.

As músicas buscam apontar soluções, para questões como a pobreza, a violência urbana e
policial, a discriminação racial, as altas taxas de desemprego, desigualdade na distribuição da
renda, a falência da rede educacional, chacinas, dentre outros (ANDRADE1 apud MARTINS,
1999). Salles ressalta a importância desse movimento de forma ampla,
o Rap pode ser pensado como uma nova maneira através da qual os negros brasileiros,
sobretudo os residentes nas áreas pobres dos centros urbanos do país, possam propor
uma estética radicalmente nova e apropriada ao seu propósito: afirmar uma identidade e
uma história própria (SALLES, 2007, p.74).

Herschmann ressalta que o Rap, "é um modo de fazer arte arquitetada no coração da decadência
urbana, a transformar os produtos tecnológicos, que se acumularam como lixo na cultura e na
indústria, em fontes de prazer e poder” (HERSCHMANN2 apud SALLES, 2007, p.42). Gilroy
(2001) enfatiza a questão da cultura negra (permeada nesse trabalho pelo movimento Hip hop) e
sua representatividade no mundo atual:
Desejo endossar a sugestão de que esses subversivos músicos e usuários de música
representam um tipo diferente de intelectual, principalmente porque sua auto-identidade
e sua prática da política cultural permanecem fora desta dialética entre devoção e culpa
que, particularmente entre os oprimidos, tantas vezes tem governado a relação entre a
elite literária e as massas da população existentes fora das letras (GILROY, 2001,
p.165).

Acerca disso, devemos analisar como foi feita a apropriação do Rap pelos meios de comunicação

1
2

ANDRADE, Elaine. O Rap é Educação. São Paulo: Editora Selo Negro, 2007.
ROSE in HERSCHMANN, 1997, p.192.
8

de massa. O elemento Hip hop, em algum momento histórico, era tratado como um produto
cultural fora dos padrões da indústria de massa, pelo seu caráter contundente, modelo estético
diferenciado, comportamento social e constante questionamento da situação social e política do
país.

Contribuem para a pesquisa proposta, Lúcia Santaella (1990) com seu questionamento sobre as
denominações feitas na cultura. Em virtude dos equívocos do elitismo ao separar a cultura em
apenas duas forças antagônicas e maniqueístas, cultura popular e elitista. Foi necessário enfatizar
John B. Thompson (1998) e seus conceitos sobre os meios de comunicação de massa, além de
Vera França (2006) no que diz respeito à temática das trocas simbólicas, realizadas pelos meios
de comunicação de massa. Shusterman (1996) e Herschman (2005) contribuem na
contextualização da cultura Hip hop, bem como a visão antropológica abrangente de Nestor
Garcia Canclini (2006).

O método para a análise empregado foi pesquisa qualitativa, por meio do grupo focal, para
identificar essas tendências, a partir do mesmo permitir a “reflexão sobre o essencial, o sentido
dos valores, dos princípios e motivações que regem os julgamentos e percepções das pessoas.”
(COSTA, 2010, p.180). O grupo focal segundo Costa (2010) “ajuda a identificar tendências, o
foco, desvenda problemas, busca a agenda oculta do problema” e também, quando bem
orientado, “permite a reflexão sobre o essencial, o sentido dos valores, dos princípios e
motivações como regem os julgamentos e percepções das pessoas”.

Realizamos o grupo focal com oito pessoas, tipicamente apreciadores do movimento Hip hop,
especificamente o Rap, com idade variando entre 20 e 30 anos. A escolha foi através do
conhecimento das pessoas e convivência do pesquisador com a mesma, além da divulgação nas
redes sociais direcionadas ao movimento.

Procuramos analisar como o público do movimento, dentro da cidade de Belo Horizonte se
envolveu com os mesmos, ou como foi feita a recepção e apropriação de tais aspectos.
Destacamos como marcos midiáticos: O programa YO da MTV, dedicado exclusivamente ao Rap
que iniciou em 1994 e durou até 2007. No início o programa era veiculado na madrugada, depois
9

foi alterado para horário nobre. O programa passava clipes de Rap, o que dava uma grande
repercussão ao movimento.

Em 1998 o grupo de Rap Racionais MC’s, lançou o álbum “Sobrevivendo no inferno”, o álbum
teve grande repercussão. O rapper Xis autor do rap “Us manos e as minas”, que ganhou o VMB
(Video Music Brasil) participou em 2002 do reality show, Casa dos Artistas, no Sistema
Brasileiro de Televisão (SBT). Em 2010, Mano Brown participou de um clipe junto com Jorge
Ben Jor, na regravação da música “Umabaraúma – Ponta de lança africano”, o clipe foi veiculado
no Programa Fantástico da Rede Globo de Televisão. Em 2010, o rapper MV Bill estreiou como
ator da novela teen Malhação também da Rede Globo.

Ao longo da pesquisa, embora não seja o objetivo do trabalho, identificamos a alteração do status
do Rap nos meios de comunicação de massa. Com o passar do tempo, artistas, expoentes do
movimento, bem como músicas e clipes ganharam espaço na programação televisiva. Dessa
forma o Rap permeia algumas discussões ideológicas desde a origem, o fator de socialização
provocada nas classes baixas da sociedade brasileira, que o torna instrumento de comunicação,
por ser um modo de expressão por seu caráter ideológico.

Consideramos as reflexões propostas por este trabalho relevantes para o campo da comunicação,
dada as trocas simbólicas envolvidas nessas produções musicais. Para Braga, o trabalho de
convencimento pela palavra, a reflexão sobre a produção de efeitos poéticos, a interação da
psique com o mundo social constituem as interações comunicacionais. Neste sentido,
consideramos possível a aproximação do que é feito pelos rappers nas músicas ao que Braga
define como processos comunicativos. O Rap constrói sua própria retórica e com um modo
particular se expressa sobre os problemas do mundo que nos cerca. Assim,

a música, o dom relutante que supostamente compensava os escravos, não só por seu
exílio dos legado ambíguos da razão prática, mas também por sua total exclusão da
sociedade política moderna, tem sido refinada e desenvolvida de sorte que ela propicia
um modo melhorado de comunicação para além do insignificante poder das palavras –
faladas ou escritas (GILROY, 2001, p.164).

Esta pesquisa tem intuito de contribuir para o debate acerca da relação comunicacional
estabelecida com o produto “cultural marginal” e a sociedade. A monografia também é uma
10

forma de contribuir com o conhecimento acerca da produção cultural no país. A partir deste
trabalho, esperamos contribuir com análises posteriores, por se tratar de um tema com um leque
amplo de estudos.
11

1

O RAP BRASILEIRO: ENTRE A DEMONIZAÇÃO E A GLAMOURIZAÇÃO

Para compreender os processos que serão apresentados logo adiante é necessário permear por
algumas discussões relacionadas ao movimento Rap, bem como sua contextualização histórica,
origem e a importância do mesmo na atualidade e características fundamentais.
O movimento Rap é oriundo da Jamaica na década de 1960, nutrido de uma formação híbrida3 do
sound system4 e criou novas raízes no Bronks5 em Nova York, região pobre dos Estados Unidos,
habitado em sua maioria por jovens negros e imigrantes da América Latina. Ali, o Rap encontrou
significado impulsivo de luta.
De acordo com Martins6 (2008), o termo Hip hop, designa um conjunto cultural vasto composto
de quatro elementos artísticos: MC, mestre de cerimônia ou rapper, a pessoa que leva a
mensagem poético-lírica à multidão; o DJ (disc-jóquei), aquele que coloca a música para dançar;
o b-boy, para aqueles que se expressam por meio de movimentos de dança, juntamente com o
grafiteiro que é o artista visual.

Martins ainda ressalta que o Hip hop emerge das experiências e práticas dos jovens em
desvantagem econômica, participantes de uma cultura distinta da ordem dominante. Tal cultura é
marcada por uma série de costumes integrados incluindo a dança, a música e arte visual com o

3

Canclini trata do conceito de hibridismo ainda na introdução do seu livro, “entendo hibridação são processos
socioculturais nos quais estruturas ou práticas discretas, que existiam de forma separada, se combinam para gerar
novas estruturas, objetos e práticas.” (CANCLINI, 2006, p.19)
4
Gilroy, 2001, p.89. No contexto da cultura popular jamaicana, um sound-system (sistema de som) é um grupo de
disc-jóqueis, de coordenadores e de MCs do disco tocando a música do ska, a rocksteady ou do reggae. A cena do
sound-system é considerada geralmente como uma parte importante de história cultural jamaicana e como sendo
responsável para a ascensão de diversos gêneros musicais jamaicanos modernos. O conceito do sound-system tornouse primeiramente popular nos anos 50, nos guetos de Kingston (Capital jamaicana). DJ’s carregavam um caminhão
com um gerador, umas plataformas giratórias, alto-falantes e instalação elétrica de ruas enormes, para disseminar os
seus sons pelas ruas jamaicanas.
5
SHUSTERMAN, 1998, p.147.
6
Em seu artigo “Rap Nacional e as Práticas Discursivas Identitárias”, disponível em www.musicaecultura.ufba.com.
Rosana Martins é Cientista Social formada pela USP, Mestre e Doutora em Ciências da Comunicação pela
ECA/USP. Professora Doutora do Unicentro Belas Artes de São Paulo. Autora de livros: Hip-Hop, o Estilo que
ninguém segura (Esetec, 2006), Admirável Mundo MTV Brasil (Saraiva, 2006), Direitos Humanos Segurança
Pública e Comunicação ( Acadepo, 2007). Pós-doutorada e Professora Visitante do Programa de Pós-graduação do
Instituto de Artes da UNICAMP.
12

objetivo de disponibilizar oportunidades para a interação e comunicação de grupos
marginalizados. Configura-se, inclusive, como um fórum pelos quais pudessem rever o
significado de ser jovem e negro (MARTINS, 2008).

O termo norte-americano, Rap significa rhythm and poetry (ritmo e poesia). De acordo com
Salles, no Dicionário de relações étnicas e raciais, o termo “deriva da gíria para fala e refere-se
ao gênero meio falado, meio cantado que se tornou a tradução musical da experiência afroamericana das décadas de 1980 e 1990” 7. Enquanto o Dicionário Groove de Música o define
como “estilo de música popular dos negros norte-americanos, consistindo de rimas improvisadas,
interpretadas sobre um acompanhamento rítmico” (ALVES 8apud SALLES, 2007, p.38).
Não se trata de um contradiscurso, mas de uma contracultura que reconstrói
desafiadoramente sua própria genealogia crítica, intelectual e moral em uma esfera
pública parcialmente oculta e inteiramente sua. A política da transfiguração, portanto
revela as fissuras internas ocultas no conceito de modernidade (GILROY, 2001, p.96).

Historicamente, o Rap difundiu-se com mais força no Brasil na década de 1980, embora haja
apontamentos que, antes disso, houve artistas como Jair Rodrigues, Tony Tornado, Wilson
Simonal e Gersón King Combo9, que desenvolveram músicas com a sua estética nas raízes da
Black Music, dentro os quais o Rap e o funky. Fazer uma analogia entre as músicas produzidas
por esses artistas e o Rap é complexo, porém vale ressaltar que esses artistas já produziam na
década de 1970 músicas com raízes tipicamente negras.

Não há registros, mas há apontamentos de que o Rap iniciou sua história no Brasil com o DJ
Théo Werneck, que em 1986, fazia seus shows no Teatro Mambembe, em São Paulo, e era pouco
aceito pela crítica em virtude de seu teor violento musicalmente e tipicamente periférico. 10

7
CASHMORE, Ellis. 2000. “Raça” – Como significante. In Cashmore, Ellis; Banton Micael. Dicionário de relações
étnicas e raciais. São Paulo: Summus.
8
DICIONARIO, Grove de música: edição concisa. Tradução Eduardo Francisco Alves; edição Stanley Sadie. Rio de
Janeiro: Zahar, 1994.
9
O artista GOG fez músicas de referência a Gerson King Combo e Tony Tornado veja a letra: Gerson, Tony
Tornado, malandragem no real conceito/ Movimentos perfeitos, o ritmo desafiando leis/ Dom é dom herança do Rei
dos reis... (GOG, Música Lei de Gerson, CD e DVD Ao vivo – Cartão Postal Bomba, 2009).
10

Disponível em: http://no.comunidades.net/sites/rap/rapvolucaobonosbns1/index.php?pagina=1114600011
Acesso dia 24 de Maio de 2010.
13

Embora o Rap tenha surgido no Brasil na década de 1980, foi a partir de 1990 que essa arte
desenvolveu efetivamente e ganhou um número maior de adeptos. A cultura Rap foi distribuída
com esforço dos próprios artistas e parceria de rádios comunitárias, que levaram esse tipo de
música a um número maior de indivíduos, principalmente aos pobres da periferia.

Tendo em vista que a internet ainda não tinha a abrangência que tem atualmente e considerando
que as rádios comunitárias não eram patrocinadas por empresas de grande porte, tampouco
tinham vínculo com as grandes gravadoras, os rappers tinham a liberdade de fazer o seu próprio
conteúdo e veiculá-lo ao seu público.

No início da década de 1990, o Brasil passava por um momento conturbado, acabara de sair da
ditadura militar e processos de transformação políticas constantes. O Rap desenvolvia nas
periferias, sem apoio da mídia de massa, haja vista que a indústria fonográfica ainda considerava
o movimento violento. Conforme Pinto (2004), a prática do Rap é empregada para atrair a
juventude da periferia e desenvolver os seus valores. No início dos anos 1990, foi alvo principal
de censura e acusado de fomentar a violência.
Cabe salientar que o Rap, suas raízes culturais e os primeiros adeptos pertencem à classe baixa da
sociedade brasileira. De acordo com Gilroy,
O Hip hop é, em diversos sentidos, a mesma coisa que o bebop, porque era uma música
renegada. Ele veio de uma subcultura privada de direitos políticos, que fora excluída do
sistema. Eles disseram: “Vamos recuperar nossa própria vida. Teremos nossa própria
língua” (GILROY apud JONES11, 2001, p.218).

O Rap desenvolvia naquele momento como um modelo de crítica diferenciado, analisando que, o
período do regime militar tinha artistas que utilizam de aspectos literários para fazer críticas
diretas ao sistema, como Chico Buarque, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Geraldo Vandré, dentre
outros. Esses artistas do período da ditadura utilizavam formas de burlar o sistema de fiscalização
militar, e assim produziam um conteúdo musical, marcado por aspectos literários, tendo em vista
que, muitas vezes, as músicas de protesto passavam despercebidas pela crítica da ditadura

11

JONES, Quincy. Listen Up: The Many lives of Quincy Jones. Nova York: Warner Books, 1990, p.167.
14

brasileira e eram veiculados nos meios de comunicação de massa.

O Rap assemelha-se aos artistas da MPB, ao desenvolver críticas ao modelo econômico, político
e social brasileiro, mas, na questão estética, diferencia-se por ser mais direto, colocando aspectos
de compreensão disponível a públicos distintos, de níveis de culturas diversas. Shusterman
(1998) ainda acrescenta que o Rap é a arte popular pós-moderna que desafia não só as
convenções estéticas do modernismo, como estilo artístico e como ideologia, mas também a
doutrina filosófica da modernidade e da diferenciação entre as esferas culturais. Dessa forma,
pode-se fazer uma analogia com Gilroy (2001) , quando ele cita,
a arte se tornou a espinha dorsal das culturas políticas dos escravos e de sua história
cultural. Ela continua a ser o meio pelos quais os militantes culturais ainda hoje se
engajam em “resgatar críticas” do presente tanto pela mobilização de recordações do
passado como pela invenção de um estado passado imaginário que possa alimentar suas
esperanças utópicas (GILROY, 2001, p.129, 130).

Santos (2007) enfatiza: “o Rap faz cultura e política ao mesmo tempo. É a possibilidade de
superação da cultura popular sobre a cultura de massa quando se difunde com a utilização de
instrumentos da própria cultura de massa”,12 ou seja, ao se apropriar do aparato tecnológico
desenvolvido pela cultura de massa e utilizá-lo para si.

1.1

Comportamento social e estilo

O Rap não é apenas um movimento artístico, mas também é sócio-cultural. O rapper não quer
dar visibilidade apenas à sua forma artística, mas, ao contrário, ele quer usá-la para mostrar os
modos de vida e sociabilidade de um grupo social vulnerável. “O visual, os hábitos, os gestos, a
linguagem são elementos que vão construindo o estilo de vida Rap como uma identidade
coletiva” (DAYRELL, 2005, p.96). A postura dos rappers é característica fundamental, como
ressalta Herschmann, “os gorros enterrados na cabeça, os ‘manos’, tatuagens, a agressividade
juvenil, o discurso comunitário e coletivo, tudo é passível de ser traduzido simultaneamente como
12

Idem
15

moda e ‘legítima ira social’ que canta e exige mudanças” (HERSCHMANN, 2005, p.155).

Partindo desse pressuposto, o Rap tem características próprias comportamentais, que são seguidas
pelos “manos13”, e é moldado em padrões próprios regidos em condutas coletivas, um modo
diferenciado de encarar a realidade, como a maneira de andar o vestuário e as gírias.

Em eventos, encontram-se jovens usando bermudas largas, deixando à mostra a roupa íntima,
calças de veludo, os cabelos Black Power ou trançados são marcas dos negros espectadores dos
shows de Rap, o que eles gostam de chamar “estilo de vida marginal”, por não ser aceito em
determinados locais.

Os rappers também têm comportamentos distintos de outros artistas, como usar o microfone com
a parte inferior apontada para cima, os bonés de aba reta e as camisas largas, os movimentos das
mãos se assemelham às armas sempre apontando para o público ou a câmera. O olhar sisudo faz
parte da encenação e associa-se às letras contundentes. O conjunto dos aspectos imagéticos é uma
fórmula de identificação com o público do Rap. Em determinados momentos, este perfil é
exaltado nas letras de música tanto ao se referir ao seu público, ou a si mesmo,
Racionais capítulo 4 versículo 3
Faz frio em São Paulo pra mim tá sempre bom,
Eu tô na rua de bombeta e moletom.
Dim dim dom
O rap é o som
Quem manda no Opala marrom (...)
Que os outros manos vêm
pela ordem tudo bem melhor
Quem é quem no bilhar no dominó (...) (RACIONAIS MC’S, 1997).

Até mesmo repudiando outros modos de vida,

Racionais capítulo 4 versículo 3
Você vai terminar tipo o outro mano lá
Que era um preto tipo “A” ninguém tava numa
13

Como são chamados os apreciadores do Rap. A palavra – Mano, significa irmão e tem origem africana, Mário de
Andrade usou muito esse termo no livro Macunaíma. Segundo o dicionário web, significa: Tratamento entre irmãos.
Adj. Muito amigo, íntimo, familiar. Disponível em: http://www.dicionarioweb.com.br/mano.html, acesso dia 28 de
Mar. 2011.
16

Mó estilo de calça kalvin klein tênis puma é
Um jeito humilde de ser no trampo e no rolê
Curtia um funk jogava uma bola
Buscava a preta dele no portão da escola
Exemplo pra nóis, mó moral, mó ibope
Mas começou colar com os branquinhos do shopping
"Aí já era" - ih mano outra vida,
outro pique, só mina de elite, balada, vários drink
Puta de butique toda aquela porra
Sexo sem limite, Sodoma e Gomorra
Isso faz uns nove anos
Há uns quinze dias atrás eu vi o mano
Se tem que ver, pedindo cigarro
pros tiozinho no ponto
Dente todo zuado
O bolso sem nenhum conto
O cara sentir medo
Muito louco de sei lá o que?
Logo cedo
Agora não oferece mais perigo
Viciado doente fudido, inofensivo (...)
(...) o Diabo corre tudo ao seu redor
Pelo Rádio, jornal, revista e outdoor
Te oferece dinheiro, conversa com calma
Contamina seu caráter, rouba tua alma
Depois de joga na merda sozinho
Transforma o “Preto tipo A”
Num “neguinho” (...). (RACIONAIS MC’S, 1997).

Os rappers como produtores de conteúdo esteticamente periférico, em conjunto do cunho social,
tornam-se reflexos para seus públicos, pois “falar diretamente com o público, compartilham
códigos e signos que constroem ‘nós’” (SALLES, 2004, p.93). Esses nós se entrelaçam nas
periferias onde estão os representantes da coletividade do Rap. Quaisquer atitudes e
comportamentos são exemplos para uma grande massa e provocam alterações nesse sentido, pela
identificação recíproca, tendo em vista que,
(...) um público surge quando determinados acontecimentos, produtos, obras projetam
(estabelecem) um "contexto institucional", uma situação que provoca sentido e propicia
às pessoas envolvidas passar pela mesma experiência ("sofrer a mesma experiência").
Público, então, é o resultado de uma ação, é produzido na experiência ligada a um
processo de contextualização. (FRANÇA, 2006, p.80-81).

Esses comportamentos e estilos dos rappers e de seu público vêm de ídolos que eles escutam ou
veem pela TV, principalmente nos videoclipes e atualmente pelos vídeos na internet. Podem-se
perceber roupas típicas norte-americanas nos palcos e na platéia de um show de Rap: blusas de
equipes de basquete (esporte favorito dos americanos), camisas de líderes norte-americanos,
17

bonés de aba reta com inscrições estrangeiras, etc. O antropólogo Tella14 ressalta:
(...) é por meio deste material que eles se deparam com gestos, estilos de roupas,
símbolos, temas de resistência internacionalizados. Os jovens afro-descendentes não
entendiam o conteúdo das letras, no entanto, as imagens os seduziram. Os video clipes
tiveram para eles um papel importante nas suas primeiras construções de identificação,
motivando-os a conhecerem tais símbolos (TELLA, 2000, p.14).

Para exemplificarmos essa distinção de estilos, tenhamos como exemplo o fato ocorrido com
Alexandre Pires, músico brasileiro negro, que foi convidado a cantar para o Presidente George
W. Bush em outubro de 2003 em comemoração a Descendência Hispânica. Durante o encontro, o
ex-pagodeiro brasileiro chorou, no ombro do então presidente americano. Os rappers não
aprovaram a atitude do ex-pagodeiro, considerando que o artista fugiu de um "contexto
institucional" criado pelos artistas negros da cultura. Tendo em vista que o mesmo é um líder de
sua etnia, alguns até fizeram músicas criticando o artista,
Salve-se quem puder
(...) [GOG] Não sei se vou pro céu, sou fiel, sou Fidel, sou cruel
Mas não tenho o coração de papel
Pisou na bola, olha minha sola, o calcanhar de Aquiles
[Dexter] Aí GOG, se o Bin Laden pega
hummm,
Fica ruim pro Alexandre Pires
[GOG] Falhou, sujou, a bandeira brasileira
Envergonhando a América Latina inteira
Inocência, oportunismo, ignorância da história
Chorou nos braços de quem tem fama sem glória (...). (DEXTER, FUNÇÃO E GOG,
2007).

Essas afirmações aproximam da identidade que os rappers querem transmitir como narradores de
uma nova perspectiva contrária a um modelo de atitude que considera errônea.

1.2

14

Marcos Midiáticos

Marco Aurélio Tella é doutor em antropologia na PUC-SP, foi pesquisador do núcleo de Estudos do Cotidiano e
de Cultura Urbana e professor do Instituto Metodista/Itapeva. Artigo disponível em: www.ifcs.ufrj.br
18

A negação aos meios de comunicação de massa fez parte do processo evolutivo do movimento e
foi, por algum tempo, discurso quase padrão dos artistas de Rap. Por suas letras contundentes,
alguns meios de comunicação de massa, várias vezes, atribuíram-lhe a ideia de um produto que
faz apologia ao crime. Por esse motivo os meios de comunicação de massa foram pouco porosos
às reivindicações desses movimentos formadas tipicamente por jovens negros e pobres.

Por não ser presença constante nos meios de comunicação, podemos entender algumas
participações como marcos midiáticos, por certo caráter de divisor de águas. O Rap conseguiu,
entre polêmicas e fatos, visibilidade considerável promovida por meio da aparição ou
participação de rappers em diversos programas televisivos. Cronologicamente serão inseridos
aspectos de consideração pertinente para o estudo do objeto em questão.

No início da década de 1990, a MTV Brasil começou a veicular no Brasil o YO!MTV RAPS,
com rótulo da MTV americana. O programa era pioneiro em mostrar na TV grupos de Rap.
Estreou em 1991 e em 1994 o programa foi reformulado e passou a ser apresentado por Primo
Preto. Durante os anos de exibição foi apresentado por VJ Rodrigo PFunk, KL Jay (Racionais
Mc’s) e finalmente pelo rapper Thaíde. No início o programa passava nas madrugadas, mas
devido à popularidade começou a ser veiculado às 19h.

Em 1997, o Rap nacional ganhou notoriedade novamente com os Racionais MC’s e o seu álbum
“Sobrevivendo no inferno”, disco que vendeu mais 500 mil cópias, sem contar as inúmeras
pirateadas. Dentre músicas clássicas estava o sucesso, Diário de um detento, que no final de 1998
rendeu ao grupo o prêmio de audiência na VMB (Vídeo Music Brasil), da MTV. Com esse
prêmio a música foi tocada exaustivamente na mídia e deu ao grupo um patamar de visibilidade
nunca antes alcançado no Brasil por um grupo de Rap. Tendo em vista inúmeros convites de
gravadoras, como a Sony Music, que chegou a assinarem contratos, mas o grupo desistiu e voltou
atrás da decisão, antes mesmo de ter lançado qualquer álbum.

O disco “Sobrevivendo no inferno” trazia um questionamento aos problemas sociais brasileiros,
além de problemas sentimentais, de convivência entre manos, conflitos e constante exaltação a
19

periferia. Além de clássicos que se tornaram músicas conhecidas do público como: Diário de um
detento, que contava sob o ponto de vista de um preso, os acontecimentos no presídio do
Carandiru no massacre da polícia de 111 presos em 1997. Essa música foi um marco por trazer
um questionamento interessante em relação à sociedade carcerária do Brasil e o modo de
encarceramento.

No ano de 2002, outro marco midiático referente aos produtores do Rap ganhou notoriedade. O
rapper Xis, ganhador do VMB (Video Music Brasil) da MTV em 2000, com a música “Us
manos, as minas”, participou do reality show “A Casa dos Artistas” no SBT (Sistema de
Brasileiro de Televisão). O rapper fazia críticas à mídia em suas músicas e causou surpresa ao
aparecer no reality show. Quando questionado até onde iria para divulgar seu trabalho o artista
ressaltou,
Se derem condições qualquer lugar. Por que o Xis vai à TV? O Rap não é dele, quem
não quiser não vai, mano. Xis vai à rádio porque quer a música dele toque. Faz clipe
porque quer TV. Muita gente de talento quer. Tem quem não é bom e se esconde atrás de
cortina. Quem do rap já foi chamado para ir ao Gugu, ao Jô Soares? (XIS, Entrevista
Revista Trip, jun.2002) 15.

O rapper mostrou-se disponível para ir a quaisquer “meios de comunicação de massa” com
intuito de propagar o Rap cada vez mais, segundo ele essa exposição pode ser favorável a essa
cultura, “quantas bandas de Rap fazem show hoje? A gente não tem oportunidade de fazer show.
Mas o Rap ainda vai ser a música mais tocada no Brasil.” (XIS, Entrevista Revista Trip,
jun.2002).16

Os Racionais MC’s são o grupo de Rap de maior sucesso no Brasil, mesmo sem divulgação dos
“meios de comunicação comerciais.” O grupo conseguiu vender mais de 1,5 milhões de discos17,
sem mensurarmos o enorme número de produtos comercializados na pirataria. Por essa
repercussão, o grupo é constantemente convidado a participar de programas de TV ou Rádio. O
15

REVISTA TRIP, Jun. 2002. Entrevista disponível em:
http://books.google.com.br/books?id=1C0EAAAAMBAJ&pg=PT29&lpg=PT29&dq=rapper+xis+critica+a+midia&
source=bl&ots=UITfKnSFN&sig=BOjorJr1t_t6n_FelfQjmrluNk8&hl=ptBR&ei=xwCSTbLhEJC4sAOaw4GnDg&s
a=X&oi=book_result&ct=result&resnum=3&ved=0CCUQ6AEwAg#v=onepage&q&f=false. Acesso em 28 de
Março de 2011.
16
Idem.
17
Fonte: Revista Rolling Stones, dezembro de 2009.
20

grupo não aceita determinados convites para programas populares com um pressuposto de uma
postura política e crítica aos veículos, adotada desde os primórdios, os rappers acreditam que o
que é transmitido em determinadas mídias não condizem com a realidade do seu público,
tipicamente da periferia. Tendo em vista as afirmações de Mano Brown no DVD ao vivo do
grupo de 2007 que ressalta, “rapaziada vamos parar de ver novela da Rede Globo e Malhação,
aquilo ali não existe, a liberdade ganha um dia de cada vez, morô”?

Mas, atualmente, a participação em determinados “meios de comunicação” já está sendo revista
por pessoas do movimento hip-hop, o que há algum tempo geraria internamente diversas críticas.
Mano Brown, líder do grupo Racionais MC’s já esteve no Programa Roda Viva da TV Cultura,18
em 2007. Participou de um vídeo clipe no Programa Fantástico19 cantando com Jorge Ben Jor a
música “Umabaraúma – Ponta de lança africano20”, em homenagem aos jogadores da Seleção
Brasileira de futebol que disputavam a Copa do Mundo de 2010. O rapper também deu
entrevistas para revista especializadas em músicas, como a Rolling Stones em 200921. Segundo
ele, esse modelo de Racionais radical e fechado para os meios de comunicação foi criado,
O Racionais MC’s parece ter uma cartilha a seguir e não fomos nós que a escrevemos.
Foi a opinião pública. Somos reféns das palavras, mas não posso ser refém de nada, nem
do Rap. Vamos quebrar. Aquele Mano Brown virou sistema viciado, uma estátua óbvia
demais. Pergunta tal coisa que ele vai responder tal coisa. Eu estava mapeado e rastreado
(MANO BROWN em entrevista a Revista Rolling Stones, dezembro de 2009).

O rapper já até se dispõe a conversar sobre um possível convite da Rede Globo para participar
mais efetivamente na emissora, fato que anteriormente teria uma negativa sumária. Segundo o
rapper, caso haja um convite “haverá uma votação instantânea entre os integrantes do que ele
chama ‘família’ – músicos, produtores e amigos que acompanham as idéias de Brown”

22

. Essa

mudança de postura entre os rappers, ainda incipiente, relaciona-se com o medo de Mano Brown
em se tornar o que ele definiu como uma “bolha social”

18

23

, na qual a todo tempo procurava

A entrevista foi concedida no dia 24 de Setembro de 2007, no Programa Roda Viva da TV Cultura, as 23h. A
entrevista encontra-se na íntegra na internet no site: http://oglobo.globo.com/cultura/mat/2007/09/25/29787
5244.asp, acesso dia 25 de Março de 2011.
19
O clipe foi lançando um dia antes do primeiro jogo da Seleção Brasileira de futebol na Copa do Mundo da África
de 2010. Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=WmHflxWUfmU, acesso dia 25 de Março de 2011.
20
Música do LP "África Brasil" (1976).
21
Revista número 39, dezembro de 2009.
22
Mano Brown em entrevista a Revista Rolling Stones, dezembro de 2009.
23
Mano Brown em entrevista a Revista Rolling Stones, dezembro de 2009.
21

críticas a quaisquer situações e vivia isolado sem compartilhar e interagir.

Outros rappers veem com bons olhos, há certo tempo, participar de programas populares ou
mesmo fazer parte do elenco de grandes emissoras de TV. É o exemplo do rapper MV Bill que
faz parte do grupo de atores da novela jovem da Rede Globo de Televisão, Malhação. MV Bill
que esteve no programa Faustão em 2009 cantando a música “Só Deus pode me julgar” que faz
referências indiretas à própria emissora na qual se apresentava,
Só Deus pode me julgar
(...) Só tem paquita loira,
aqui não tem preta como apresentadora
Novela de escravo a emissora gosta mostra os pretos
Tomando chibatadas pelas costas
Faz confusão na cabeça de um moleque que não gosta de escola (...) (MV BILL, 2002).

O rapper aceitou o convite da emissora para tornar-se ator da novela jovem “Malhação” na
temporada de 2011, ele foi criticado pelo público do movimento e ganhou alcunha de "vendido"
aos grandes “meios de comunicação de massa.” O rapper carioca justifica a sua presença no
elenco de atores da Rede Globo de Televisão,
Ao aceitar o convite, pensei que pudesse estar ajudando a modificar um formato do qual
sempre discordei. Sempre critiquei as novelas, mas também me coloquei aberto a
dialogar. Vi que havia uma disposição da Globo para mudar as coisas, estar mais
próximo das pessoas que vivem no meu mundo. Não participar de algo que sempre quis
mudar seria uma contradição (MV BILL, 2010, ao site http//malhacao-br.blogspot.com).

Na novela o rapper faz o papel de um professor de matemática viúvo que tem uma filha. O
rapper afirma que a participação na novela pode ser um fator importante para a mudança em
relação à visibilidade dos negros no Brasil,
Sempre fui muito crítico a novelas e sempre questionei a presença dos favelados e dos
pretos. Na própria novela em que vou participar, também nunca consegui me ver. Mas
há uma mudança no comportamento da direção do programa, entendendo a importância
de ter uma novela condizente com a diversidade e os conflitos do povo brasileiro. Seria
uma contradição minha não participar, já que propus mudanças em vários setores. E
penso que, quando jovens de favela me assistirem participar, pensarão que esses lugares
também podem ser ocupados por eles (MV BILL, 2010, Site O Globo) 24.

24

Entrevista via Twitter no dia 19 de Agosto de 2010. Disponível em:
http://oglobo.globo.com/megazine/mat/2010/08/19/mv-bill-explica-porque-aceitou-entrar-em-malhacao-ha-umamudanca-no-comportamento-da-direcao-do-programa-917435877.asp, acesso dia 28 de Março de 2011.
22

Ainda conforme o rapper, a cor da pele não influencia muito quando você se torna um
personagem midiático, “continuo a afirmar que, para quem fica famoso, a cor deixa de ser um
fator determinante.” (MV BILL, 2010, Site O Globo).25 Ele ressalta também porque foi
convidado para participar dessa fase da novela e o assuntos da mesma “(...) nas palavras da
direção, além dos trabalhos anteriores que eles tinham visto meus, eles também querem a minha
credibilidade. A nova temporada irá falar de questões sociais e raciais, assuntos que já trato
cotidianamente.” (MV BILL, 2010, Site O Globo) 26.

Em outro momento de sua carreira, MV Bill fez críticas contundentes à televisão e a artistas do
meio, como na música “A voz dos excluídos27” em parceria com a Banda de reggae Cidade
Negra, na qual insere: “(...) considerado louco por ser realista maluco e não me iludo com vidinha
de artista (...) Televisão; ilusão tudo igual (...)”. Assim para muitos fãs essa atitude de estar na TV
atualmente demonstra incoerência do rapper e contradição aos preceitos consolidados ao longo
dos anos pelo movimento.

O rapper Thaíde (um dos precursores do Rap no Brasil) também é presença constante no meio
televisivo, atualmente ele é repórter do Programa “A Liga28”, na Band e já apresentou programas
na MTV como YO Raps, além de ter participado de mini-séries na TV Globo, como a
continuação do longa metragem “Antonia”, de Tata Amaral, em 2009.29

A opinião do público do Rap é que a mídia não dialoga ainda com as pessoas da periferia, o
discurso que a mídia apresenta ainda não atende de forma efetiva a vontade do público, segundo
Souza (2005) “hoje eles (a mídia) operam mais como representantes de grupos hegemônicos, do
que como estimuladores do senso crítico e de processos criativos.” (SOUZA, 2005, p.182). Nesse
sentido Antunes e Vaz inserem,
A mídia dialoga com a contemporaneidade da vida social, mas não acolhe os discursos
da mesma maneira, uns mais, outros menos. Alguns são influxos (uma vaga) que vêm da
25

Idem
Idem
27
Música do MV Bill com Cidade Negra de 2009, disponível no site http://www.vagalume.com.br/mv-bill/a-vox-doexcluido.html, acesso dia 22 de Março de 2011.
28
Programa veiculado todas as terças-feiras, a partir de 22h e 30, na Rede Band de Televisão.
29
Na longa metragem e depois na série, Thaíde fazia o personagem de um empresário musical que sempre tentava se
dar bem.
26
23

vida social. A interlocução que a mídia estabelece com a cultura brasileira é resultado
daquilo que está para além dela. O peso do discurso tem a ver com a maneira como ele
nasce na vida social (ANTUNES-VAZ, 2006, p.56).

Dessa forma os rappers acreditam que a mídia não atende o discurso da periferia, assim propõem
discussões em suas letras de músicas com ênfase no que é veiculado nos meios de comunicação
cotidianamente. Por esse motivo, o movimento prefere estar circunscrito em outras denominações
que atendam os desejos da população periférica, como veremos adiante.
24

2

O RAP: ENTRE A CULTURA POPULAR E A MARGINAL

O Rap utiliza dos aspectos coloquiais dando voz a quem não teve chance e distribuindo um
pensamento crítico, assim como muitas artistas já fizeram em algum momento histórico, como o
Macunaíma de Mário de Andrade. Como o nosso interesse é entender como a visibilidade dada
ao Rap pelos meios de comunicação relaciona-se com os apreciadores do movimento em Belo
Horizonte, consideramos necessário entender a ideia de que se trata de uma arte marginal, uma
vez que tal denominação tem a ver com a relação com a mídia. Para isso, iremos apresentar uma
reflexão sobre o que vem a ser cultura popular e cultura marginal. Para começar, analisamos a
divisão clássica entre alta e baixa cultura.

Conforme Shusterman (1998), as obras de arte populares apresentam valores estéticos que os
críticos reservam às artes maiores, como: unidade e complexidade, intertextualidade e polissemia,
estrutura aberta e experimentação formal.

Os produtos gerados pelas classes populares costumam ser mais representativos da história local
e mais adequados às necessidades presentes do grupo que os fabrica (CANCLINI, 2006). A
cultura popular é capaz de promover reivindicações através de transformações, promovendo
assim a democracia, dando voz às pessoas e aos artistas da comunidade, consolidando uma
cultura local, suburbana, de interesse próprio, mas que expõe o perfil de uma classe desfavorecida
na hierarquia social.

Esses argumentos supracitados visam consolidar a ideologia de que o Rap é um produto
tipicamente popular. Considerando que os produtos culturais populares foram, ao longo dos anos
definidos por teóricos, críticos e filósofos como artes que “não consegue oferecer nenhuma
satisfação estética”. (SHUSTERMAN, 1998, p.110). Partimos dessa indagação para propor
questionamentos, referente ao que seja atualmente, definido como “arte popular” e o que seria
definido como “artes maiores”.

Vianna propõe “que as culturas não obedecem ao rigor de um sistema que estaria fundamentado
num conjunto de regras estáticas” (VIANNA, 2005, p. 116), assim “nós interpretamos mal a
25

natureza desses sistemas sociais se insistimos na ideia implícita ou explícita de que eles são
grupos étnicos com fronteiras claras e sem ambiguidade.” (idem, p.117).

Tendo em vista todo o processo de mudança nos modos de definir a arte, atualmente passa por
um processo de transformação. Para analisarmos dois conceitos maniqueístas utilizados no
modernismo como as “artes elitistas ou artes maiores” e “artes populares”, é necessário permear
por algumas questões históricas.

Após Revolução Industrial, o aparecimento da imprensa e o crescimento avassalador das cidades
modificaram o modo de vida dos indivíduos. Como pontua Thompson (1998), em virtude desses
desenvolvimentos, as formas simbólicas foram produzidas e reproduzidas em escala sempre em
expansão. Com os avanços tecnológicos, os meios de comunicação se difundiram como grandes
propagadores da cultura, devido à capacidade de atingir um número maior de indivíduos, ficaram
acessíveis aos indivíduos largamente dispersos no tempo e no espaço, por isso são chamados por
Thompson (1998) de “meios de comunicação de massa”.
Esses meios de comunicação ou mídia30 são fundamentalmente culturais, preocupados tanto com
o caráter significativo das formas simbólicas, quanto a sua contextualização social. Como a nova
classe emergente, a burguesia31, era detentora dos meios de comunicação, a mesma passou a
transmitir para a população o que era conveniente para seu projeto político,
(...) População passa a ser docilmente manipulada na absorção de mensagens que
camuflam, sob a fantasia do lazer inofensivo, os interesses políticos de dominação. Tudo
isso ocorre sob os olhos complacentes do Estado e das classes dominantes nacionais que,
cooptadas ao capital monopolístico, detêm a propriedade dos meios e mantêm sob o seu
manto, direta ou indiretamente, o controle da produção de suas mensagens
(SANTAELLA, 1990, p.80).

Thompson (1998) define essas práticas difusoras de conteúdo culturais como um poder
simbólico, que tem a capacidade de intervir no curso dos acontecimentos.
30

Devido às mudanças tecnológicas atuais o termo “mídia” se torna amplo e difere do termo meios de comunicação
de massa, que circunscreve as grandes empresas de comunicação, que detêm uma abrangência maior e um público de
fato amplo.
31
Segundo Santaella (1990), burguesia consiste em uma maioria que detém a posse do que deveria ser de todos.
Sendo assim, cabe ressaltar que a autora não se pauta na concepção histórica de burguesia, mas sim estende o uso do
termo para conotações mais generalizadas e próximas a compreensão usual de elite social.
26

As classes dominantes tentam instituir como cultura a “sua” cultura e como incultura a
cultura das classes dominadas. Quando muito concedem à cultura do povo o status de
folk-clore (conhecimento do povo) (SANTAELLA, 1990, p.17).

De acordo com Canclini, “a ‘socialização’ ou democratização da cultura foi realizada pelas
indústrias culturais – em posse quase sempre de empresas privadas – mais que pela vontade
cultural ou política dos produtores”. Conforme Montiel (2003), “a criação cultural se converte em
produção mercantil ou cultura comercializada, uma atividade empresarial; consequentemente, o
consumo cultural se faz consumo mercantil”.

Conforme Canclini muitos dos desajustes que são empregados ao modernismo e a modernização
(desenvolvido nos avanços tecnológicos) têm o intuito de preservar a hegemonia das classes
dominantes; “no consumo, os setores populares estariam sempre no final do processo, como
destinatários, espectadores obrigados a reproduzir o ciclo do capital e a ideologia dos
dominadores” (CANCLINI, 2006, p.205).

Dessa forma, a arte popular por alguns anos vem sendo pasteurizada como “lixo cultural e até
mesmo tratada com desdém por alguns filósofos e teóricos” (SHUSTERMAN, 1998, p.99), sobre
a alegação da falta de gosto e de reflexão. Shusterman (1998) admite que a arte popular é, às
vezes, miserável do ponto de vista estético, porém o autor questiona os argumentos filosóficos
que a arte popular constitui um fracasso estético necessário, inferior e inadequado. Santaella
(1990)32 enfatiza, que os valores estéticos, defendidos como eternos e imutáveis, mantém-se
ativados, através de recursos diversos, como elementos de uma estrutura econômico-política,
assegurando o poder dos opressores,

Ao invés de lançarmos indiscriminadamente nossas pedras sobre os produtos artísticos
dos quais as classes opressoras econômicas, política e culturalmente se assenhoreiam,
não seria mais revolucionário culturalmente fazer incidir um dos focos de luta contra os
valores estéticos que as classes dominantes defendem como eternos e imutáveis e através
dos quais sua impostação de superioridade se perpetua? (SANTAELLA, 1990, p.18).

Ainda conforme Santaella (1990) se quer com isso afirmar que a arte não pode, por si só, mudar o
curso da história, mas que pode isto sim constituir-se ativo dessa mudança. Esse é uma
27

característica do Rap, se desenvolver como um movimento em prol das alterações sociais.

Shusterman (1998) propõe uma revisão nos conceitos de arte popular, com o argumento que a
mesma arte pode satisfazer os critérios mais importantes de nossa tradição estética, como também
tem o poder de enriquecer e remodelar nosso conceito tradicionalista de estética, liberando-se da
sua associação alienada a temas como privilégio de classe, inércia político-social e negação
ascética da vida. Dessa forma, conforme Ribeiro, podemos crer numa “inversão de valores”, ou
ainda, o “desprendimento do sentido de cultura da sua tradição elitista para as práticas cotidianas”
(ESCOSTEGUY apud RIBEIRO, 2009, p.69), a partir daí se desenvolve uma nova concepção de
cultura, permeada por grupos periféricos de classes marginalizadas.

Canclini salienta que os produtos populares “também podem alcançar alto valor estético e
criatividade, conforme se comprova no artesanato, na literatura e na música de muitas regiões
populares” (2006, p.196). A dificuldade desses produtos é convertê-los em patrimônio
generalizado e amplamente reconhecido, “acumulá-los historicamente, torná-los base de um
saber objetivado, expandi-los mediante uma educação institucional e aperfeiçoá-los através da
investigação e da experimentação sistemática33” (idem).

Devemos considerar as informações de Shusterman (1998) de que muitos produtos culturais
foram desprezados como populares migraram ao longo do tempo para o status de arte legítima,
como por exemplo, o teatro grego, o teatro elisabetano, e muitos romances (como, O morro dos
ventos uivantes), atualmente estimados, eram publicados em jornais difamados como
sensacionalistas, assim como muitos filmes, produtos da TV e músicas de rock34, dessa forma “a
arte e a estética não são essências universais, intemporais, mas produtos culturais essencialmente
informados e transformados por condições sócio-históricas”. (SHUSTERMAN, 1998, p.136).

De acordo com Shusterman, essa variação mostra como as artes maiores “são reclassificadas, seu
modo de recepção é redefinido de maneira a reservá-las essencialmente para o distinto deleite da

32

Peixoto, Fernando. A Procura da Identidade. In: Boal, Augusto. Técnicas Latino-Americanas de Teatro Popular,
op.cit.,p. 9.
33
CANCLINI, 2006, p.196.
34
SHUSTERMANN, 1998, p. 115.
28

elite cultural, desprezando sua apreciação popular”. (SHUSTERMAN, 1998, p.115). Podemos
explicar essa definição, dando um exemplo tipicamente brasileiro, como o caso do samba na
década de 1970 passava por esse processo de marginalização, atualmente o produto cultural passa
por uma reclassificação e distinção que lhe é atribuído um status de nobreza.

Essas discussões têm o intuito de diferenciar dois modelos de artes produzidos por classes sociais
distintas. A arte culta é definida como padrão estético imutável e de maior apreciação pelas
classes elitistas da sociedade, enquanto a arte popular é um produto oriundo da classe baixa e
enquadra-se em modelo de arte tratada com desprezo por alguns críticos, filósofos e teóricos.
Segundo Canclini, “a cultura popular pode ser entendida como resultado da apropriação desigual
dos bens econômicos e simbólicos por parte dos setores subalternos.” (CANCLINI, 2006, p.273).

Mas essa separação da arte em classes no Brasil torna-se complexa, tendo em vista um país tão
miscigenado culturalmente como aqui. Essa miscigenação ocorre em virtude das “hibridações
culturais”, que conforme Canclini (2006) ocorrem com mais intensidade em virtude da expansão
urbana, o intenso cruzamento das várias forças modernas, assim transformando os “nós” e crises.

Canclini (2006) ressalta que a sociedade que produz desigualdades em todos os setores de
convivência como, fábricas e escolas, na comunicação massiva e no acesso a cultura, também
produz subordinação nas classes sociais. Segundo autor os “comunicólogos vêem a cultura
popular contemporânea constituída a partir dos meios eletrônicos, não como resultado de
diferenças locais, mas da ação difusora e integradora da indústria cultural”. (CANCLINI, 2006,
p.259).

Porém o Rap não se encaixa nessa denominação de popular apresentada pelos meios de
comunicação de massa. Conforme Canclini (idem) “popular é o que agrada multidões”, ou seja
está ligada muito mais a termos numéricos. Não há preocupação em manter o popular como
tradição ou cultura, interessa as “indústrias culturais construir e renovar o contrato simultâneo
entre emissores e receptores.” (idem).

Assim a “cultura” difundida na periferia escolhe outras direções e prefere ser circunscrita em
29

outras terminologias com as quais se identifiquem de maneira mais agradável a cada artista.35 O
termo “cultura popular” varia de acordo com o espaço-temporal, o que para uma época
cronológica é visto como arte, na sucessão do tempo pode vir a mudar a sua essência pode
agregar novos significados e novas representações.
O movimento Hip hop, e especificamente o Rap e outros produtos culturais tipicamente de
periferia, preferem ser alocados como “Cultura Marginal”. Os representantes dessa cultura são
artistas que estão ou estiveram a “margem” da sociedade como: pobres, negros, prostitutas,
mendigos, presidiários, etc. Como ressalta Rosa, nesses locais desenvolve a vida, “mesmo sendo
dessacralizado de uma arquitetura onde a sua espacialidade confusa, construída em camadas
sobrepostas, vai reverberar no indivíduo, isto é, nesse cidadão das bordas que sempre será o ser
marginalizado da cidade” (ROSA, 2009, p.5). Nesses espaços das bordas, ou às margens, que as
expressões culturais locais, irão ganhar o rumo do espaço urbano centralizado com o intuito de
ganhar o encontro com outros jovens que estão em favelas mais distantes.

Servem também para a positivação do que é característico dos espaços “marginalizados” como o
linguajar próprio, as gírias, os valores e as formas de sociabilidade.36 (NASCIMENTO, 2005).
Levando em consideração a própria terminologia da palavra “marginal” – o que vive às margens,
ou às margens das normas éticas. Ética esta proposta ou consolidadas pelos “meios de
comunicação de massa”, e atualmente tão consolidados que se tornaram verdades canônicas.

O termo marginal perpassa pelo conceito de que é “um indivíduo à margem de duas culturas e de
duas sociedades que nunca se interpretaram e fundiram totalmente” (BELTRÃO, 1980, p.39). De
acordo com Beltrão (1980) existem dois grupos de marginalizados, os grupos urbanos
marginalizados e os culturalmente marginalizados. Os urbanos marginalizados se caracterizam
pelo baixo poder aquisitivo devido à baixa renda e concentrados geralmente em favelas e
construções populares.

35

É necessário ressaltar que há exceções. Há grupos de periferia, típicos do movimento Hip hop que se enquadra em
uma cultura de massa, mas essa discussão não cabe nesse trabalho.
36
Conceito extraído do artigo – Por uma interpretação socioantropológica da nova literatura marginal, de Érica
Peçanha do Nascimento, Mestranda em Antropologia Social pela FFLCH-USP, em 2005. Disponível em
http://www.fflch.usp.br/ds/plural/edicoes/12/artigo_2_Plural_12.pdf, acesso dia 28 de Fevereiro de 2011.
30

Os grupos culturalmente marginalizados são considerados a parte por constituírem-se de
indivíduos que contestam a cultura e a organização pré-estabelecida. Essas características se
assemelham aos rappers, por serem líderes dos grupos denominados marginalizados, as ideias
representam a filosofia do seu público, por isso são considerados, líderes interpretados de
maneira messiânica.

A partir daí, podemos considerar a cultura marginal como uma arte de conflito e provocação
social, desenvolvendo uma cultura contrária ao belo e politicamente correto. Conforme
Herschmann (2005) a cultura periférica ocupa um novo discurso de rebeldia e potência,
primordial na mobilização e sedução dos jovens, sendo de periferia ou não,
Oscilando entre a condenação e sua glamourização no mercado, na passagem da música
às imagens, do baile encravado no morro ou na periferia às telas de tevê e do cinema,
temos a emergência de novos sujeitos sociais portadores de um discurso: “marginais
midiáticos” (HERSCHMANN, 200, p.153).

Para fazer uma analogia entre a cultura marginal e popular é necessário estreitar os dois
conceitos. Canclini reflete sobre o que é popular,
Os produtos gerados pelas classes populares costumam ser mais representativos da
história local e mais adequados às necessidades presentes do grupo que os fabrica.
Constituem, nesse sentido seu patrimônio próprio (CANCLINI, 2006, p.196).

Partindo desse pressuposto ressaltado por Canclini conclui-se que a Cultura Marginal Rap é
também uma Cultura Popular (mas não aquela difundida pelos comunicólogos como ressalta
Canclini), caracterizada pelo “local” e patrimônio próprio dos povos da periferia. Alocada por um
dialeto, estilo, vestuário e dogmas próprios; como a gíria, a maneira de se vestir, o modo de andar
e de proceder junto à sociedade.

2.1

O Rap e sua reclassificação entre as classes sociais

É necessário pautar por essa discussão da transição que ocorreu com o Rap nos últimos anos, pois
devemos considerar que esse processo de mudança de “popular” para o status de nobreza, ela
31

ocorre quando a classe alta da sociedade aceita o movimento cultural. A classe alta da sociedade
,geralmente, detentora dos grandes meios de comunicação, ou das empresas privadas que
patrocinam esses meios legitimam o que é comercializado, assim uma reclassificação do Rap, o
daria um status de grandeza.

Assim começaremos com uma contextualização histórica do Rap nesse sentido. Durante os anos
de 1990, o Rap ganhou as ruas de bairros mais ricos de São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Belo
Horizonte. Mesmo separando nas letras, as diferentes classes sociais, a música passou a ser
escutada por jovens da classe alta e adquiriu adeptos e atenção nas grandes redes mesmo sendo
destinada diretamente ao público de periferia. Percebe-se na letra abaixo o direcionamento que o
grupo Racionais MC’s faz,
Da ponte pra cá
Playboy bom é chinês e australiano
fala feio mora longe e não me chama de mano
(...) Odeio todos vocês vem de artes marciais que eu vou de Sig Sawer,
quero tua irmã e teu relógio Tag Heuer (...)
O vem com a minha cara e o din-din do seu pai,
Mais no rolé com nóis "cê" não vai
Nóis aqui, vocês lá, cada um no seu lugar
Entendeu?
Se a vida é assim, tem culpa eu? (...) (RACIONAIS MC’S, 2001).

Os rappers têm como público alvo as periferias e delimita isso em suas letras. Essa devoção se
deve ao fato de acreditarem que o público da favela levou-os a uma visibilidade e abandonar tal
público nesse momento seria ir contra a própria ideologia, "para os rappers é preciso vivenciar
(ou pelo menos ter vivenciado) o contexto da periferia para ‘traduzir’ essa realidade de forma
fiel" (SOUZA, 2005, p.185),
eles se apresentam como os principais responsáveis pela profusão desse capital
transitório e, mais do que demarcadores simbólicos ou de distinção, os meios operam
através de uma série de práticas institucionais necessárias para a criação, a classificação
e distribuição cultural (THORTON37 apud SOUZA 2005, p.183).

Segundo Souza (2005, p.185) "a cultura urbana, cada vez mais vista como um bem simbólico,
transita por diversos estratos sociais permitindo aos jovens da classe média absorverem as
singularidades do Rap e do movimento Hip hop”. De alguma maneira os jovens da classe média
37

THORNTON, Sara. Club Cultures. Music, media and subcultural capital. Londres: Wesleyan e New England,
1996.
32

se identificaram com o movimento e suas singularidades.

Dessa forma o Rap se desenvolveu e mudou de postura em relação aos meios de comunicação de
massa, provavelmente em virtude da postura dos próprios meios de comunicação de aceitar
alguns produtos do Rap, como vídeo clipes e apropriações de líderes do movimento cultural para
se tornarem atores de novelas e séries, como ocorreu com MV Bill e Thaíde. Mas é necessário
analisar de forma mais abrangente como a visibilidade do Rap brasileiro ocorreu e tem mudado
nos últimos anos.
33

3

O RAP BRASILEIRO NA ESFERA DE VISIBILIDADE

O Rap foi tratado por muito tempo como um produto cultural de qualidade questionável e, em
virtude disso, encontrava dificuldade de ter seus produtos veiculados nos grandes meios de
comunicação de massa, os grandes difusores de “bens simbólicos” desde a revolução industrial, o
crescimento das cidades e o surgimento da classe burguesa.

Por essa razão, é necessário analisar como se deu as articulações que os chamados meios de
comunicação de massa desenvolveram e desenvolvem até os dias atuais, sua distribuição de bens
simbólicos. Esses bens simbólicos disseminados por “instituições culturais” que são os meios de
informação e comunicação, dentre deles estão as grandes mídias atuais, que conforme Thompson
é um “quarto poder”, que nasce “na atividade de produção, transmissão e recepção do significado
das formas simbólicas” (THOMPSON, 1998, p.24).

Os meios de comunicação de massa são fundamentalmente culturais, ou seja, preocupados com o
caráter significativo das formas simbólicas, quanto com sua contextualização social.
As indústrias da mídia não são as únicas instituições interessadas na valorização
econômica das formas simbólicas, mas no mundo moderno elas estão certamente entre
as mais importantes instituições que invadem cotidianamente as vidas de muitos
indivíduos (THOMPSON, 1998, p.34).

Segundo Thompson no mundo moderno os seres humanos fabricam teias de significação para si
mesmas, aos usarem as indústrias de mídia. Assim, os indivíduos produzem formas simbólicas a
todo tempo, com intuitos variados e interesses diversos, “estes conjuntos de circunstâncias podem
ser conceituadas como campos de interação” (THOMPSON, 1998, p.20). Dentro desses campos,
os indivíduos buscam posições, para se tornarem estáveis e se relacionarem socialmente.

A partir desses relacionamentos sociais, procuram “formas simbólicas”, que atinjam (ou estejam
à disposição) para o número maior de indivíduos, num curto espaço de tempo,
34

A reprodutibilidade das formas simbólicas é uma das características que estão na base da
exploração comercial dos meios de comunicação. As formas simbólicas podem ser
“mercantilizadas”, isto é, transformadas em mercadorias para serem vendidas e
compradas no mercado, e os meios principais de “mercantilização” das formas
simbólicas estão justamente no aumento e no controle da capacidade de sua reprodução
(THOMPSON, 1998, p.27).

Para Thompson o que está em jogo “na comunicação de massa não está na quantidade de
indivíduos que recebe os produtos, mas no fato de estes produtos estão disponíveis para uma
grande pluralidade de indivíduos” (THOMPSON, 1998, p.30). O autor sugere também algumas
alterações ao termo “comunicação de massa”, como não reduz a palavra “massa” a uma questão
de quantidade, pois devemos abandonar a mística de que os destinatários acompanham passivos
os produtos que lhe são direcionados, como se fosse “uma esponja que absorve a água” (idem).

O autor propõe uma revisão no termo comunicação que, conforme o mesmo pode ser
“enganador”, pois a comunicação de massa é diferente da “conversação ordinária”. Na
conversação face a face, “o fluxo de comunicação tem mão dupla, ou seja, fundamentalmente
dialógicos” (THOMPSON, 1998, p.31). Enquanto a comunicação de massa “é esmagadoramente
de sentido único”, assim Thompson sugere o termo “transmissão ou difusão” como algo mais
coerente para definição dos conceitos.

Thompson sugere o termo “comunicação de massa” apenas para referir a “produção
institucionalizada e difusão generalizada de bens simbólicos através da fixação e transmissão de
informação ou conteúdo simbólico” (THOMPSON, 1998, p.32).

Thompson (1998) ressalta que o sentido que os indivíduos dão ao produto da mídia varia de
acordo com a formação e as condições sociais de cada um, de tal maneira que a mesma
mensagem pode ser entendida de várias maneiras em diferentes contextos, assim encerra o “mito”
de que o público recebe os produtos da mídia de forma passiva, cada qual transforma essa
recepção em um novo produto que lhe agrada.

Tenhamos como exemplo nosso objeto empírico, o Rap, que prefere utilizar a recepção dos
produtos midiáticos e fazer críticas a esse modelo empregado pelos “meios de comunicação de
massa”, como mostra a letra do grupo Racionais Mc’s,
35

Racionais Capítulo 4 Versículo 3
Seu comercial de TV não me engana
Eu não preciso de status nem fama
Seu carro e sua grana já não me seduz
E nem sua puta de olhos azuis
Eu sou apenas um rapaz, latino americano
Apoiado por mais de cinqüenta mil manos
Efeito colateral que o seu sistema fez
Racionais, Capítulo 4, versículo 3. (RACIONAIS MC’S, 1997).

Assim os produtos da mídia ganham sentido ideológico, num processo de interpretação próprio,
adquirindo outro sentido e aumentando o espectro de possibilidades, pois segundo Thompson “é
um processo que pode se estender muito além do contexto inicial da atividade de recepção”
(idem), pois cada conteúdo pode ser discutido “durante a recepção e depois”. Levando em
consideração
o fato de que a recepção e a apropriação dos fenômenos culturais são processos
fundamentalmente hermenêuticos nos quais os indivíduos se servem de recursos
materiais e simbólicos disponíveis a eles, bem como da ajuda interpretativa oferecida por
aqueles com quem eles interagem quotidianamente, de modo a dar sentido às mensagens
que recebem e incorporá-las de alguma maneira em suas vidas (THOMPSON, 1998,
p.154).

Partindo desse pressuposto, iremos fazer uma analogia com o objeto empírico em questão nesse
trabalho. Considerando que os rappers resolveram propor um modelo próprio de bens
simbólicos, como os meios de comunicação, marginalizaram o produto disseminado pelos
músicos, os artistas tiveram que encontrar meios alternativos de propagação de seu conteúdo.

Os rappers propagaram seus conteúdos por outras vias não convencionais (como as rádios
comunitárias) e internet. Nos dias atuais, os meios de comunicação de massa definem padrões ao
que deve ser veiculado nas grandes redes de TV e de Rádio. Segundo Amâncio38 (2010) para uma
música ser tocada no Rádio é necessário que ela não ultrapasse 5 minutos de duração, o que não
condiz com os padrões musicais do Rap, que geralmente utilizam de canto falado para contar
histórias longas. Outros fatores que desencadeiam críticas é o caráter das letras serem violentos e

38

Produtor musical, percussionista, ator, pesquisador da cultura da criança, professor de palavra, som e imagem do
curso de dança e teatro do Palácio da Artes, idealizador do FAN – Festival de Arte Negra, compositor da trilha
sonora do Filme “Uma Onda no Ar” e de espetáculos de dança e música. Fez a produção musical dos discos
Manifesto 1ºPasso e Tá Caindo Fulô das Meninas de Sinhá que ganhou o Prêmio TIM 2008 de música como melhor
grupo e o Prêmio Rival 2008 da Petrobrás. Fonte: http://gilamancio.blogspot.com/. Acesso dia 16 de Novembro de
36

a própria origem do movimento nas periferias, são usados como argumentos para a não
veiculação das músicas nos grandes meios comerciais, além do fato de não terem contratos com
gravadoras que definem os produtos culturais direcionados as empresas de comunicação.

Mesmo com toda a mudança de aceitabilidade ocorrida com Rap, nos últimos anos,
principalmente pela classe alta da sociedade, o produto não tem a mesma visibilidade nas rádios
comerciais do Brasil como ocorre com o Gangsta Rap (formado artistas como Snoopy Dog, 50
Cent, Eminem, entre outros).

Por esse motivo, especificamente o Rap brasileiro, difundiu-se em meios de comunicação como
as rádios comunitárias. Segundo Sunega (2006) “o surgimento de vias alternativas de
comunicação – informação é um sistema de processos que se verificam no fundo de vida social,
uma tentativa de romper o cerco das estruturas informativas predominantes (...)”. (PERUZZO
apud SUNEGA, 2006, p.5).

Mais recentemente com advento da internet a mesma tornou-se a grande propagadora desse
produto cultural, por sua circulação ampla de material nos sites de compartilhamento de
conteúdo. Dessa forma o público encontra as músicas de seus artistas preferidos com facilidade.
O Rap aderiu “entusiasticamente à nova tecnologia e à cultura de massa” (SHUSTERMAN,
1998, p. 145) para difundir sua cultura e propagar seus produtos, utilizando dos próprios aparatos
tecnológicos.

3.1

Visibilidade midiática

Atualmente a “espetacularização” da imagem cresce em função de uma publicidade que esvazia o
debate público, de acordo com Maia (2002), “vozes diversas se unem para denunciar que a
televisão promove uma ignorância geral acerca das questões políticas e induz a população a uma
posição de desinteresse (MAIA, 2002, p.3). O diagnóstico da autora é que a mídia massiva

2010. Palestra realizada no dia 10 de Novembro de 2010, nas Faculdades Promove na aula ministrada pela professora
37

promove um efeito de “mundo vazio”, que não gera discussões relevantes para debate,
conduzindo dessa forma para condenação da mesma. Porém, Maia ressalta que a mídia embora,
não esteja organizada inteiramente em torno de linhas democráticas, e apresente
inúmeros déficits e patologias em suas funções políticas, somente ela pode preencher
algumas funções cruciais para o exercício ampliado da deliberação pública39, nas
sociedades complexas (MAIA, 2002, p.5).

Essas sociedades complexas atuais aparecem no meio de inúmeros conflitos gerados pelas
metropóles. Embora os grupos elitistas exerçam certo controle e domínio sobre a mídia, o
“espaço midiático não é passível de ser controlado por agentes singulares: atores sociais e
políticos contradizem-se uns aos outros; imagens, discursos e estratégias chocam-se entre si,
gerando pressões e contra pressões no jogo político” (MAIA, 2002, p.7).

Ao trazer à tona midiática uma discussão sobre a violência em seus clipes, além das próprias
letras enfatizarem temas de discussões relevantes que antes não tenham sido enfatizadas. O Rap
ressalta um discurso próprio e acompanha criticamente o que é veiculado, principalmente, pela
televisão. Dessa forma, partimos do pressuposto ressaltado por Antunes e Vaz, para fazermos
uma analogia com o que é transmitido pelo Rap,
(...) a televisão como mídia de informação, tem maneiras próprias de constituir o seu
discurso, articuladas a condições de produção e interpretação também específicas. Essa
não é uma demarcação incorreta, porém algo imprecisa e por demais insatisfatórias para
caracterizar o papel da mídia na constituição de diferentes modalidades narrativas e seu
regime de representação. (ANTUNES e VAZ, p. 57-58).

Tais discussões sobre a visibilidade e o anonimato inserem no que Maia40 (2002) chama de
“espaço de visibilidade dos mídias”. Segundo a autora, “o espaço de visibilidade midiática
promove uma complexa relação entre os atores das instâncias formais do sistema político e

Márcia Cruz.
39
Seguindo a definição de Bohman, Rousiley C. M. Maia ressalta que é “um processo dialógico de troca de razões
com o objetivo de solucionar situações problemáticas que não podem ser estabelecidas sem a coordenação e
cooperação interpessoal” (Bohman, 2000, p.27). Nesse sentido a deliberação política não possui um domínio
singular; “inclui atividades tão diversas quanto a formulação e a obtenção de metas coletivas, a tomada de decisões
da política sobre meios e fins, o esclarecimento de conflitos entre princípios e interesses, a resolução de problemas
tais como emergem na vida social”. (Bohman, 2000, p.53)
40
Rousiley C.M. Maia é professora adjunta no Departamento de Comunicação Social da UFMG e doutora em
ciência política pela University of Nottingham, da Inglaterra. Este trabalho deriva-se da discussão desenvolvida no
GT Comunicação e Política na XI Reunião Anual da Compós de 2002, a partir do texto de autoria da autora, “Mídia
e deliberação pública: mediações possíves”, e do relato produzido pelo prof. Wilson Gomes.
38

aqueles da sociedade civil, bem como entre a política e a cultura.” (MAIA, 2002, p.1).

Conforme a autora, “as diversas associações presentes na sociedade civil podem promover um
tratamento crítico de problemas sociais, estabelecendo uma importante relação entre participação
e argumentação pública” (MAIA, 2002, p.2). Partindo desse conceito, podemos fazer novamente
uma analogia com o Rap, em virtude de suas características de argumentação dos problemas
sociais, o que traz para os debates públicos inúmeros questionamentos. Ao exprimir em suas
letras, questões como chacina, preconceito, violência policial, tráfico de drogas, entre outros
temas.

A autora também acrescenta que a argumentação pública pode enfatizar questões que os próprios
representantes políticos e às elites não tenham percebido. Assim esses grupos se tornam
essenciais,
Os grupos cívicos são vistos como atores que agem tanto para modificar os modos de
perceber e interpretar os problemas sociais quanto para articular projetos alternativos de
políticas públicas, propagando, em outros grupos da população, o interesse em suas
causas ou questões. De tal sorte, podem não só modificar o contexto para o
entendimento de determinados problemas, como, também, propor o rumo de soluções
mais apropriadas e, assim, exercer uma pressão eficaz sobre aqueles que detêm o poder
de decisão no sistema político (MAIA, 2002, p.2).

Partindo da premissa de que a mídia é eximia “difusora” de informações para um número amplo
de indivíduos, assim a mídia contribuiu para “criar um espaço para deliberação social”. Essa
deliberação se difundiu através da publicidade em sua premissa principal como “a propriedade
das coisas na medida em que estão visíveis e disponíveis para o conhecimento comum” (GOMES
apud MAIA, 2002, p.3-4). Intrisecamente está a visibilidade midiática que, conforme Maia, é
formada pelo conjunto emitido pela mídia em seus conteúdos como materiais culturais e
artísticos, de entretenimento, jornalismo e peças publicitárias.

Daí a mídia disponibiliza um conteúdo amplo de “discursos” e “opinões” e se transforma no que
Maia define como “fórum para o debate pluralista (...) em que não há parceiros fixos ou
autorizados” (MAIA, 2002, p.7). Tudo que é disponibilizado no “espaço de visibilidade
midiático” pode alimentar discussões politicamente relevantes (idem).
39

A partir desses conceitos, relacionamos ao movimento Rap que difunde um material cultural que
propõe discussões políticas e sociais. Seus marcos midiáticos trouxeram de alguma forma
questionamentos relevantes no que tange os problemas sociais da sociedade atualmente e a partir
desses questionamentos “novas dimensões temporais e espaciais emergem” (MAIA, 2002, p.8).

A visibilidade midiática pode inserir um novo panorama dinâmico de interpretações, criando
assim uma base nova “reflexiva e recursiva para atores específicos” (MAIA, 2002, p.19).
Modificando dessa forma as práticas discursivas na “esfera pública”, para um público maior de
indivíduos, além de entender a si próprio e os seus interesses; embora sofram limitações sérias,
conseguem ainda assim desencadear um debate público ampliado (MAIA, 2002). Dessa forma,

A visibilidade midiática é importante não como um fim em si, mas na medida em que
incita um processo de interação e interlocução entre os atores sociais, contribuindo para
a instauração do debate público na sociedade. Apesar de todas as limitações, a
visibilidade produzida pela TV pode ser compreendida como um importante modo de
trazer à cena pública questões que permaneciam ocultas, obscuros conflitos de interesse
e exclusão de participantes do debate público (MAIA, 2002, p.10).

Iremos nos ater nesse momento, apenas a um exemplo típico, ocorrido com frequência no
movimento Rap. Os mais variados clipes de Rap censurados em virtude de sua analogia com a
apologia ao crime ou as drogas, as diversas discussões que esse tema trouxe a tona, desencadeou
debates intensos, sobre os assuntos tratados pelos difusores dessa cultura.

A partir desses conceitos cabe ressaltar como a visibilidade midiática interferiu de alguma forma
na mudança de concepção do movimento cultural Rap e sua influência na atitude de artistas do
movimento, além da concepção de filósofos e teóricos em relação essas mudanças.

3.2

O Rap e os meios de comunicação de massa

Atualmente, o Rap brasileiro se encontra num processo de transição do “local” para o “global” 41
41

Termos muito utilizados na obra Canclini, Culturas híbridas de 2006.
40

o que amplia sua visibilidade nos meios de comunicação, alguns artistas do meio já se
predispõem a aparecerem com maior frequência nesses meios. A importância para um
movimento cultural ter visibilidade midiática, passa por um processo atual, segundo o
pressuposto ressaltado por Herschmann,
a sociedade contemporânea, portanto, caracteriza-se por sua teatralização, pelo
investimento na construção de ‘superfícies densas’. Hoje diferente do passado, não basta
o indivíduo ‘ser’, ‘acreditar numa causa’ ou se ‘identificar com algum projeto’, é preciso
obter visibilidade e espetacularizar-se (isto é, ‘parece ser’), de modo que seja possível se
posicionar social e politicamente, construindo sentidos no cotidiano (HERSCHMANN,
2005, p.153).

Dessa forma o movimento Rap encontra num possível parceria com os meios de comunicação de
massa, a possibilidade de disseminar cada vez mais o movimento e que ele se consolide como
ocorreu com os outros produtos culturais podendo dessa maneira recriar a cultura tipicamente
periférica como cita Sunega,
As culturas locais recriam-se sob o signo da globalização, de tal forma que também se
apropriam das novas possibilidades, alcançando visibilidade através dos meios de
comunicação e criando possibilidade de intercâmbios, o que acarreta uma permanente
possibilidade de recriação (GUIMARÃES apud SUNEGA, 2006, p.5).

De acordo com Herschmann (2005), o discurso midiático intercala entre a demonização e certa
glamorização dos excluídos, na medida em que a mídia os torna “visíveis” e permite-lhes, de
alguma maneira, denunciar a condição de degradado e reivindicar cidadania, trazendo à tona,
para o debate na esfera pública, a discussão aos problemas sociais, visibilidade e acesso ao lazer e
a cidade; colocando em pauta as contradições do processo de “democratização” do país e suas
tensões sociais.
41

3.3

Os dilemas do Rap

O grupo focal foi composto por apreciadores do Rap e conhecedores do movimento, o que lhes
tornam aptos a discutir os marcos midiáticos. A idade dos participantes varia de 20 a 30 anos.
Todos apreciam o Rap há mais de cinco anos, o que possibilita uma análise aprofundada dos
marcos midiáticos que serviram de norte para a conversa no grupo focal.

A convocação dos apreciadores do Rap ocorreu pela vivencia cotidiana do pesquisador com
determinados apreciadores, além de uma divulgação nas redes sociais específicas de Hip hop, no
intuito de convocar pessoas diferenciadas, com pontos de vista distintos, mas que todas fossem
aptas a responder as questões.

Inicialmente, os participantes falaram da experiência com o Rap, bem como o que o movimento
lhes trouxe de negativo ou positivo individualmente e para a sociedade de uma forma geral. Logo
depois os participantes responderam as perguntas referentes ao recorte empírico do trabalho.

3.3.1

O Rap necessita dos meios de comunicação de massa?

Para discutirmos essa questão é necessário voltar nas afirmações de Thompson (1998), a
reprodutibilidade das formas simbólicas é uma das características que estão na base da exploração
comercial dos meios de comunicação. Assim sendo os meios de comunicação de massa são os principais
difusores dessa comunicação.

A questão de o Rap necessitar dos meios de comunicação de massa para propagar seu conteúdo
de uma maneira geral foi unânime entre os participantes do grupo focal, embora seja complexa. O
que se pode perceber é que devemos avaliar por outro foco essa questão da relação entre os meios
de comunicação de massa e o Rap. Partindo do pressuposto de que o movimento é muito mais
amplo do que qualquer veículo de comunicação, assim o participante Eduardo ressalta:
42

“Os meios de comunicação não têm que legitimar nada. Quem legitima é o povo. O MV
Bill não tem que ir lá falar do negro, ele tem que falar para o povo e a mídia ir atrás dele,
e não o contrário. Nenhum veículo legitima uma cultura, a cultura Rap é muito maior
que a mídia” (Eduardo, 30 anos).

Tendo em vista as afirmações de Herschmann (2005), de que o discurso midiático intercala entre
a demonização e certa glamorização dos excluídos, na medida em que a mídia os torna “visíveis”
e permite-lhes, de alguma maneira, denunciar a condição de degradado e reivindicar cidadania,
trazendo à tona, para o debate na esfera pública, a discussão aos problemas sociais, visibilidade e
acesso ao lazer e a cidade; colocando em pauta as contradições do processo de “democratização”
do país e suas tensões sociais.

Dessa forma, o que podemos perceber no grupo focal, é que quem deve direcionar o que deve ser
escutado e tocado nos meios de comunicação é o povo, as empresas de comunicação não devem
impor suas regras, baseadas no consumo do movimento cultural em questão, e o tornar um
produto padronizado. Por exemplo, foi citada a questão das grandes gravadoras escolherem as
músicas que seriam veiculadas num CD de determinado artista,
“A gravadora Universal fala: eu gravo, mas você canta o que quero. Se você fizer “X”
coisas, você ganha dinheiro” (Marcos, 29 anos).

Segundo os apreciadores do Rap, essas escolhas devem ser feitas pelos próprios produtores, tendo
em vista que eles que sabem o que deve ser ouvido, e não deve ser determinado seguindo os
padrões definidos pelo consumo de massa. Como aquelas características definidas por Amâncio
(2010) como tamanho da música ser com menos de cinco minutos para ser tocada nas rádios.

Outra questão relacionada à divulgação do Rap nos meios de comunicação de massa é a
consequente popularização do movimento, a possibilidade de tornar o Rap um conteúdo cultural
comercial, os provedores ganharem mais dinheiro e produzirem cada vez mais. Os participantes
salientaram que, ganhar dinheiro é algo importante e legítimo, faz parte do valor artístico. O que
geraria a possibilidade de desenvolver ainda mais o movimento Rap e mais produções nesse
sentido. Porém, segundo eles isso tem que acontecer “sem se vender”, ou seja, sem que as
grandes empresas de comunicação ditem as regras,
43

“Existe um esquema: Globo – estourar – grana. Você não se vende ganhando grana. Se
vender é quando você muda. Por exemplo, o MV Bill num entra cantando em Malhação,
isso é divulgar o Rap?” (Wanderson, 29 anos).
“Acho que isso já acontece. Se eu mudo o que faço para aparecer, isso é dinheiro. Não
pode ser determinado por dinheiro” (Eduardo, 29 anos).

Com certa visibilidade, alguns rappers têm sido convidados a participar mais efetivamente dos
meios de comunicação de massa, como ator de novelas ou apresentadores de televisão. Contudo,
é necessário delimitar algumas questões segundo os participantes. É diferente o rapper Xis
participar da Casa dos Artistas, ou o MV Bill participar de Malhação em relação à participação
de Thaíde no programa, A Liga na Band, ou mesmo o rapper Max B.O ao apresentar o “Manos e
Minas” da TV Cultura. A questão está no conteúdo que é exibido, aos quais os rappers
participam, está na questão do que o representante do movimento se propõe a apresentar.
Segundo os participantes,
“Fazendo um paralelo: Malhação mostra outra realidade ‘malhação – namora, come e
dorme’. Na Liga a proposta é outra.” (Gustavo, 24 anos).
“A Liga cria um debate na esfera pública. As pessoas irão discutir depois nas ruas, irá
trazer questionamentos” (Wanderson, 29 anos).

Dessa forma, os participantes do grupo focal ressaltaram que é necessário os produtores do Rap
ficarem atentos às propostas dos meios de comunicação de massa, para uma possível parceria,
tendo em vista que, segundo eles, os meios de comunicação viram no Rap a possibilidade de
consolidar um público diferenciado. Podemos constatar também que a visibilidade midiática é
importante, desde que seja proveitosa, principalmente para o movimento Hip hop. O que nos
remonta à questão ressaltada anteriormente por Maia (2002) de que os meios de comunicação
ainda são formas importantes para a deliberação pública. Como exemplo,
“Quando MV Bill veio na Roxy42, a Rádio Oi patrocinou o evento, mas é uma Rádio que
nem tocava suas músicas. Fez isso porque é bom pra ela ser associada ao nome do MV
Bill” (Marcos, 29 anos).

Mas, quando questionados sobre a possibilidade dos grupos de Rap irem aos meios de
comunicação de massa, a maioria deles foi favorável, desde que seja para propagar o conteúdo do
movimento,
42

Boate na região central de Belo Horizonte, conhecida por ter como público pessoas de classe média alta.
44

“Tem que ir nos meios de comunicação de massa para expor seu produto cultural, assim
abrirá oportunidade para que venham outros grupos e o movimento desenvolva cada vez
mais” (Thiago, 22 anos).
“O Rap é um movimento de contra cultura. Acredito que o Rap pode chegar a tocar no
Palácio das Artes, por exemplo.” (Eduardo, 30 anos).
“O Rap tem capacidade de mudar a visão, e começar a pensar em dinheiro” (Gabriel, 26
anos).
“Tem que ir onde o povo está independente da classe social” (Wanderson, 29 anos).

3.3.2

Os marcos midiáticos alteraram a mudança da imagem do Rap?

Alguns marcos midiáticos trouxeram questionamentos diversos no período em que foram
veiculados. Assim eles foram expostos novamente ao grupo focal para que se analisasse cada
qual a sua percepção sobre esses marcos midiáticos. É necessário refletir se essa visibilidade
midiática alterou de alguma forma, algumas questões em relação ao movimento Rap. Conforme
os participantes, o que mudou não foi o preconceito, e sim outras questões como as descritas
abaixo:
“Ainda hoje, o cara que curte Rap é visto como estereótipo de ladrão. Os shows de Rap
ainda são vistos com desprezo pelas pessoas.” (Gabriel, 26 anos).
“O Rap alterou minha auto-estima, como diz o Mano Brown, “se o negro soubesse o
valor da sua cor, pintava a mão de preto”. Ainda há preconceito. O Rap não é crime. As
pessoas que estão no Rap curtem o movimento. Está sujeito a ter bandidos em todos os
lugares” (Geraldo, 25 anos).
“O Rap ainda não chegou aonde deveria estar. O preconceito ainda é grande. Há certo
desprezo ainda em relação ao movimento. Outro dia teve uma divulgação no jornal onde
trabalho, que o nome do rapper estava saindo errado, ainda existe uma preguiça com
relação a isso, ninguém se importa se a informação iria sair errado” (Marcos, 29 anos).

Segundo o participante Marcos, ainda existe por parte dos meios de comunicação de massa certo
desprezo com informações que são veiculadas para divulgar o Rap, e essa questão ainda não se
alterou.

Os participantes ressaltaram que o que mudou foi à interação, atualmente a discussão proposta
pelo Rap saiu da periferia e foi para as academias e, consequentemente, para outros lugares,
45

“O que mudou não foi o marco e sim a interação. O ‘playboy’ passou a escutar o Rap e a
admirar” (Gustavo, 24 anos).

Segundo os participantes, os marcos midiáticos, foram sim importantes, cada qual em sua época,
como o programa YO MTV RAPS e o álbum dos Racionais Mc’s “Sobrevivendo no inferno”
(dentro os citados), de 1998,
“O povo que curte Rap se sentiu ouvido em 1998, através do álbum dos Racionais Mc’s.
Foi a primeira vez que tivemos repercussão nos meios de comunicação de massa. Porém,
o preconceito ainda é visível” (Gustavo, 24 anos).
“Os meios de comunicação de massa não se envolveram tanto com o Rap, desde 1998.
Foi a última vez que vi, a partir dali comecei a gostar do Rap ao vê-lo na MTV. De lá
para cá não vi nada nesse sentido” (Gabriel, 26 anos).

O participante Eduardo acrescentou a importância da Radio Favela e da TV Cultura, que
contribuíram intensamente pela propagação do Rap desde a década de 1990,
“Queria fazer justiça com a Rádio Favela. Quero ir além da cultura. Temos a TV
Cultura, mas ainda é pouco” (Eduardo, 30 anos).

Contudo, atualmente é a interação quem contribui efetivamente para o avanço do Rap, de acordo
com os apreciadores do movimento,
“A questão é o avanço tecnológico, é muito favorável, ficou fácil e graça disseminar
conteúdo. O Rap, hoje, está em um grande momento, é a democratização da informação.
A classe baixa tem acesso ao material cultural. Porém a MTV foi importante também”
(Eduardo, 30 anos).
“As tecnologias aprimoraram e contribuíram. O “playboy” chega ao mais pobre e a
classe baixa se mistura com o “playboy” ao ouvir seus relatos” (Gustavo, 24 anos).

Essa interação não é apenas social, segundo os participantes, ela se dá musicalmente também.
Atualmente, rappers fazem músicas com participação de músicos de outros gêneros musicais, e
isso é visto com aceitação, dependendo do artista,
“O Caju e Castanha gravou um Rap com o MC Cauan.
pessoas é válido” (Marcos, 29 anos).

43

43

Quando o propósito é juntar

Disponível em http://raplongavidanacional.blogspot.com/2010/06/mc-cauan-vigilantes-mcs-part-caju-e.html.
Acesso dia 22 de Maio de 2010.
46

3.3.3

O movimento Rap em bh: projetos e sonhos

Os marcos midiáticos foram importantes para o movimento Rap, como supracitado pelos
apreciadores. Dessa forma é necessário verificar se isso influenciou diretamente o público do
movimento, assim como eles. Segundo a maioria, a aceitação ainda é restrita, pelo menos dentro
de Belo Horizonte,
“Eu dançava Hip hop, por falta de espaço na mídia, deixei o grupo e passei a ser
divulgador de coletivos, através do meu blog fico no movimento, participo dessa forma
do movimento (...). A mídia só vincula o Rap às coisas maléficas, ninguém fala dos
casos de pessoas recuperadas, graças ao movimento” (Marcos, 29 anos).

Quando questionados se os marcos midiáticos ajudaram a mudar a concepção em relação aos
apreciadores do Rap, especificamente os participantes, a maioria foi incisiva ao dizer que não
perceberam nenhuma mudança.
“Quando eu falo com alguém, “vamos a um show de Rap?” O pessoal pergunta, mas
como é lá, dá favelado? Cadê a mídia para mostra os projetos, a mídia é sensacionalista.
Porque a mídia está dando alguma moral para o Emicida? A mídia aproveita disso.”
(Marcos, 29 anos).

Para o Rap se desenvolver efetivamente e chegar a um status de grandeza, segundo os
apreciadores é necessário passar por alguns estágios,
“Tem cara de 30 anos de estrada no Rap que não consegue gravar um CD. (Thiago, 22
anos).”
“Temos que ter bancada na política assim como as Igreja evangélicas tem atualmente. O
Estado, com o projeto “Fica Vivo” nos ensina a grafitar, mas vai tentar grafitar na rua
pra você vê? Você vai preso. Há uma incoerência aí.” (Marcos, 24 anos).

Dessa forma, o Rap pode expandir sua distribuição no mercado e alcançar novos rumos, passando
aquela fase de 1990, onde os meios de comunicação o tratava com desprezo,
“A mudança atual ocorre nas letras, em relação à década de 1990. O ritmo e poesia é
muito mais que a favela. Não é só criminalidade, são milhões de coisas. Não é só local e
regional, pode ganhar mais espaço” (Eduardo, 30 anos).
47

Esse espaço, ressaltado por Eduardo, também foi questionado por outro participante,
“O que falta para termos aqui em Belo Horizonte um evento do nível do Pop Rock ou do
Axé Brasil? Temos que ser ‘militantes’ da cultura, temos que ‘pedir moral’.” (Marcos,
29 anos).
“Concientização.” (Gabriel, 26 anos).
“Medo. Preconceito.” (Érica, 27 anos).
“A violência é um problema social e não de gênero musical.” (Eduardo 30 anos).
“Vou lá há muito tempo nos eventos de Rap e não vi nenhuma briga.” (Marcos, 29
anos).

Salientando que o tema é bem complexo e não se esgota, assim foi necessário diluir muitas
questões que não iriam enfatizar a proposta efetiva do trabalho. De uma maneira geral podemos
perceber que o Rap ainda não conquistou, através de pequena visibilidade midiática, o “lugar”
onde o seu público almeja, e isso só será alcançado com as novas tecnologias.
48

4

CONCLUSÃO

Embora seja necessário ressaltar que as questões tratadas no grupo focal e salientadas pelos
participantes não possam ser generalizadas, consideramos que as considerações apontadas foram
essenciais para entendermos a nossa questão de pesquisa: como a visibilidade dada ao Rap
brasileiro, a partir de marcos midiáticos, alterou o cenário do movimento Rap em Belo
Horizonte? Dessa forma nossas questões permearam a compreender o processo histórico do Rap
no Brasil, comparando o movimento atual e desde o fim da década de 1980, bem como suas
mudanças. Analisar o conteúdo veiculado a partir dos “marcos midiáticos”. Identificar se a
visibilidade dada ao movimento Rap contribuiu para o fortalecimento da autoestima dos
apreciadores do mesmo. Buscamos avaliar se a visibilidade dada ao movimento Rap contribuiu
para o fortalecimento da autoestima dos apreciadores do mesmo. Além de identificarmos a
disputa simbólica relacionada à representação da periferia e do jovem que mora nessas
localidades.

Como ressaltado nesse trabalho anteriormente o Rap se comprometeu com a classe baixa da
sociedade ao ressaltar os questionamentos, que anteriormente não tinha sido feito, como buscar
soluções ou respostas para os problemas sociais e étnicos do país. Podemos perceber isso no
grupo focal, ao identificar nos apreciadores um gosto pelas letras e por questões esporádicas,
como alguns exaltarem que se viram nas letras dos Racionais MC’s, em 1998 no álbum
“Sobrevivendo no inferno”.

Em relação à produção, a questão se desenvolveu, como citado pelos apreciadores, em virtude
dos avanços tecnológicos, que contribuíram para a disseminação mais rápida e ampla do produto
em questão. Podemos perceber também que os marcos midiáticos contribuíram para a
visibilidade do movimento Rap, porém não foram os únicos fatores que fizeram do Rap força
cultural em desenvolvimento. Pois, segundo eles, muitas coisas ainda não mudaram, como por
exemplo o preconceito em relação aos apreciadores da música Rap e a aceitação da música em
locais destinados às outras artes.
Rap brasileiro e o dilema da visibilidade midiática
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Rap brasileiro e o dilema da visibilidade midiática

  • 1. Antonio Carlos Silva Benvindo RAP BRASILEIRO: O dilema da visibilidade midiática e as consequências para o movimento em Belo Horizonte Belo Horizonte – MG Faculdade Promove 2011
  • 2. Antonio Carlos Silva Benvindo RAP BRASILEIRO: O dilema da visibilidade midiática e as consequências para o movimento em Belo Horizonte Monografia apresentada ao curso de Comunicação Social/ Publicidade e Propaganda da Faculdade Promove, como requisito parcial à obtenção do título de graduação em Publicidade e Propaganda. Área de concentração: Comunicação Social Orientadora: Profª. Márcia Cruz Belo Horizonte – MG Faculdade Promove 2011
  • 3. AGRADECIMENTOS Ao grande de pai de todo o universo e todos os seres que habitam nela. Minha abençoada família, minha namorada (por aguentar minhas neuroses). A todos do movimento Hip hop pela contribuição nesse trabalho. Aos meus amigos do Promove pelos momentos de descontração. E a todos os meus mestres do Promove, que dedicaram seu tempo a nos ensinar.
  • 4. “Dessas favelas lamacentas podem sair ideias que impulsionam a vida ou precipitam a morte, dando-nos paz ou conduzindo para outra guerra.” Paul Gilroy
  • 5. RESUMO O movimento Rap difunde, atualmente, um processo amplo de significação e ressignificação cultural. Inserido num contexto das grandes cidades, o Rap se propagou aliado a ferramentas tipicamente dos meios de comunicação de massa. Este trabalho tem o intuito de analisar o processo de apropriação do movimento cultural tipicamente periférico, foi realizado pelos meios de comunicação de massa. Através de análise de determinados marcos midiáticos que deram visibilidade ao movimento e como foi interpretado pela sociedade de forma geral. A partir desse objetivo, faz-se necessário analisar o processo histórico do Rap, bem como sua relação complexa com os meios de comunicação de massa. Assim iremos pesquisar através do grupo focal, como os apreciadores avaliam essa visibilidade midiática e quais os reflexos no Rap e em suas vidas de uma maneira geral, e o que possibilitou essa visibilidade midiática. PALAVRAS-CHAVE: cultura marginal, cultura popular, visibilidade midiática, movimento cultural.
  • 6. SUMÁRIO INTRODUÇÃO ............................................................................................................................... 6 1 O RAP BRASILEIRO: ENTRE A DEMONIZAÇÃO E A GLAMOURIZAÇÃO.......... 11 1.1 Comportamento social e estilo .................................................................................. 14 1.2 Marcos Midiáticos ..................................................................................................... 17 2 O RAP: ENTRE A CULTURA POPULAR E A MARGINAL........................................ 24 2.1 O Rap e sua reclassificação entre as classes sociais .................................................. 30 3 O RAP BRASILEIRO NA ESFERA DE VISIBILIDADE .............................................. 33 3.1 Visibilidade midiática ................................................................................................ 36 3.2 O Rap e os meios de comunicação de massa............................................................. 39 3.3 Os dilemas do Rap ..................................................................................................... 41 3.3.1 O Rap necessita dos meios de comunicação de massa? ....................................... 41 3.3.2 Os marcos midiáticos alteraram a mudança da imagem do Rap? ....................... 44 3.3.3 O movimento Rap em bh: projetos e sonhos ......................................................... 46 4 CONCLUSÃO ................................................................................................................... 48 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................................... 52 ANEXO I ....................................................................................................................................... 59 ANEXO II ..................................................................................................................................... 61 ANEXO III .................................................................................................................................... 63 ANEXO IIII ................................................................................................................................... 65
  • 7. 6 INTRODUÇÃO O movimento Rap se difundiu na Jamaica a partir da década de 1960 e nos anos 1980 se propagou no Brasil. Atualmente, é presença nos grandes centros urbanos, em qualquer casa da periferia, igrejas evangélicas ou nos sons automotivos de pessoas da classe média. O movimento, que se iniciou na classe baixa, avançou por todas as classes sociais. Apropriou das novas tecnologias para propagar seu conteúdo. E com a identificação do público com esse tipo de música, em virtude de suas características como a linguagem, conteúdo das letras, ritmo, bem como a contundente expressão e vestuário dos apreciadores. O Rap se propôs a ultrapassar os limites artísticos tornando-se uma forma de expressão alternativa, por sua postura subversiva, reveladas nas letras. O Rap passou a ser considerado um “movimento marginal”. O termo não desagrada os produtores, mas, inicialmente, a palavra soava de maneira ambígua, podendo remeter a um sentido negativo e direcionava o movimento a uma subcultura. O Rap se difunde como uma das principais culturas populares, cujo intuito é instigar a reflexão acerca dos problemas do mundo contemporâneo, mas os próprios produtores da cultura, atualmente, se autointitulam “marginais” e se mostram à vontade com o termo. Esse modelo musical consegue atingir um número amplo de pessoas, haja vista os grupos de Rap que têm grandes vendagens de CD’s e lotam seus shows, apenas utilizando métodos de publicidade não-convencionais. A pergunta que norteia esse trabalho é como a visibilidade dada ao Rap brasileiro, a partir de marcos midiáticos, alterou o cenário do movimento Rap em Belo Horizonte? A partir desse questionamento, procuramos compreender o processo histórico do Rap no Brasil, comparando o movimento atual e desde o fim da década de 1980, bem como suas mudanças. Procuramos contextualizar as mudanças de comportamento dos jovens de periferia com o
  • 8. 7 processo evolutivo do Rap; analisamos o conteúdo veiculado a partir dos marcos midiáticos. Identificamos se a visibilidade dada ao movimento Rap contribuiu para o fortalecimento da autoestima dos apreciadores do mesmo. Por fim, mas não menos importante, identificamos a disputa simbólica relacionada à representação da periferia e do jovem que mora nessas localidades. Tendo em vista a importância da participação desses jovens por meio da música na esfera de visibilidade pública, cabe avaliar a partir de marcos midiáticos se a visibilidade alterou questões antes tão impregnadas no movimento. Como o preconceito em relação aos apreciadores, aceitação maior dessa cultura nos meios de comunicação de massa, entre outros. As músicas buscam apontar soluções, para questões como a pobreza, a violência urbana e policial, a discriminação racial, as altas taxas de desemprego, desigualdade na distribuição da renda, a falência da rede educacional, chacinas, dentre outros (ANDRADE1 apud MARTINS, 1999). Salles ressalta a importância desse movimento de forma ampla, o Rap pode ser pensado como uma nova maneira através da qual os negros brasileiros, sobretudo os residentes nas áreas pobres dos centros urbanos do país, possam propor uma estética radicalmente nova e apropriada ao seu propósito: afirmar uma identidade e uma história própria (SALLES, 2007, p.74). Herschmann ressalta que o Rap, "é um modo de fazer arte arquitetada no coração da decadência urbana, a transformar os produtos tecnológicos, que se acumularam como lixo na cultura e na indústria, em fontes de prazer e poder” (HERSCHMANN2 apud SALLES, 2007, p.42). Gilroy (2001) enfatiza a questão da cultura negra (permeada nesse trabalho pelo movimento Hip hop) e sua representatividade no mundo atual: Desejo endossar a sugestão de que esses subversivos músicos e usuários de música representam um tipo diferente de intelectual, principalmente porque sua auto-identidade e sua prática da política cultural permanecem fora desta dialética entre devoção e culpa que, particularmente entre os oprimidos, tantas vezes tem governado a relação entre a elite literária e as massas da população existentes fora das letras (GILROY, 2001, p.165). Acerca disso, devemos analisar como foi feita a apropriação do Rap pelos meios de comunicação 1 2 ANDRADE, Elaine. O Rap é Educação. São Paulo: Editora Selo Negro, 2007. ROSE in HERSCHMANN, 1997, p.192.
  • 9. 8 de massa. O elemento Hip hop, em algum momento histórico, era tratado como um produto cultural fora dos padrões da indústria de massa, pelo seu caráter contundente, modelo estético diferenciado, comportamento social e constante questionamento da situação social e política do país. Contribuem para a pesquisa proposta, Lúcia Santaella (1990) com seu questionamento sobre as denominações feitas na cultura. Em virtude dos equívocos do elitismo ao separar a cultura em apenas duas forças antagônicas e maniqueístas, cultura popular e elitista. Foi necessário enfatizar John B. Thompson (1998) e seus conceitos sobre os meios de comunicação de massa, além de Vera França (2006) no que diz respeito à temática das trocas simbólicas, realizadas pelos meios de comunicação de massa. Shusterman (1996) e Herschman (2005) contribuem na contextualização da cultura Hip hop, bem como a visão antropológica abrangente de Nestor Garcia Canclini (2006). O método para a análise empregado foi pesquisa qualitativa, por meio do grupo focal, para identificar essas tendências, a partir do mesmo permitir a “reflexão sobre o essencial, o sentido dos valores, dos princípios e motivações que regem os julgamentos e percepções das pessoas.” (COSTA, 2010, p.180). O grupo focal segundo Costa (2010) “ajuda a identificar tendências, o foco, desvenda problemas, busca a agenda oculta do problema” e também, quando bem orientado, “permite a reflexão sobre o essencial, o sentido dos valores, dos princípios e motivações como regem os julgamentos e percepções das pessoas”. Realizamos o grupo focal com oito pessoas, tipicamente apreciadores do movimento Hip hop, especificamente o Rap, com idade variando entre 20 e 30 anos. A escolha foi através do conhecimento das pessoas e convivência do pesquisador com a mesma, além da divulgação nas redes sociais direcionadas ao movimento. Procuramos analisar como o público do movimento, dentro da cidade de Belo Horizonte se envolveu com os mesmos, ou como foi feita a recepção e apropriação de tais aspectos. Destacamos como marcos midiáticos: O programa YO da MTV, dedicado exclusivamente ao Rap que iniciou em 1994 e durou até 2007. No início o programa era veiculado na madrugada, depois
  • 10. 9 foi alterado para horário nobre. O programa passava clipes de Rap, o que dava uma grande repercussão ao movimento. Em 1998 o grupo de Rap Racionais MC’s, lançou o álbum “Sobrevivendo no inferno”, o álbum teve grande repercussão. O rapper Xis autor do rap “Us manos e as minas”, que ganhou o VMB (Video Music Brasil) participou em 2002 do reality show, Casa dos Artistas, no Sistema Brasileiro de Televisão (SBT). Em 2010, Mano Brown participou de um clipe junto com Jorge Ben Jor, na regravação da música “Umabaraúma – Ponta de lança africano”, o clipe foi veiculado no Programa Fantástico da Rede Globo de Televisão. Em 2010, o rapper MV Bill estreiou como ator da novela teen Malhação também da Rede Globo. Ao longo da pesquisa, embora não seja o objetivo do trabalho, identificamos a alteração do status do Rap nos meios de comunicação de massa. Com o passar do tempo, artistas, expoentes do movimento, bem como músicas e clipes ganharam espaço na programação televisiva. Dessa forma o Rap permeia algumas discussões ideológicas desde a origem, o fator de socialização provocada nas classes baixas da sociedade brasileira, que o torna instrumento de comunicação, por ser um modo de expressão por seu caráter ideológico. Consideramos as reflexões propostas por este trabalho relevantes para o campo da comunicação, dada as trocas simbólicas envolvidas nessas produções musicais. Para Braga, o trabalho de convencimento pela palavra, a reflexão sobre a produção de efeitos poéticos, a interação da psique com o mundo social constituem as interações comunicacionais. Neste sentido, consideramos possível a aproximação do que é feito pelos rappers nas músicas ao que Braga define como processos comunicativos. O Rap constrói sua própria retórica e com um modo particular se expressa sobre os problemas do mundo que nos cerca. Assim, a música, o dom relutante que supostamente compensava os escravos, não só por seu exílio dos legado ambíguos da razão prática, mas também por sua total exclusão da sociedade política moderna, tem sido refinada e desenvolvida de sorte que ela propicia um modo melhorado de comunicação para além do insignificante poder das palavras – faladas ou escritas (GILROY, 2001, p.164). Esta pesquisa tem intuito de contribuir para o debate acerca da relação comunicacional estabelecida com o produto “cultural marginal” e a sociedade. A monografia também é uma
  • 11. 10 forma de contribuir com o conhecimento acerca da produção cultural no país. A partir deste trabalho, esperamos contribuir com análises posteriores, por se tratar de um tema com um leque amplo de estudos.
  • 12. 11 1 O RAP BRASILEIRO: ENTRE A DEMONIZAÇÃO E A GLAMOURIZAÇÃO Para compreender os processos que serão apresentados logo adiante é necessário permear por algumas discussões relacionadas ao movimento Rap, bem como sua contextualização histórica, origem e a importância do mesmo na atualidade e características fundamentais. O movimento Rap é oriundo da Jamaica na década de 1960, nutrido de uma formação híbrida3 do sound system4 e criou novas raízes no Bronks5 em Nova York, região pobre dos Estados Unidos, habitado em sua maioria por jovens negros e imigrantes da América Latina. Ali, o Rap encontrou significado impulsivo de luta. De acordo com Martins6 (2008), o termo Hip hop, designa um conjunto cultural vasto composto de quatro elementos artísticos: MC, mestre de cerimônia ou rapper, a pessoa que leva a mensagem poético-lírica à multidão; o DJ (disc-jóquei), aquele que coloca a música para dançar; o b-boy, para aqueles que se expressam por meio de movimentos de dança, juntamente com o grafiteiro que é o artista visual. Martins ainda ressalta que o Hip hop emerge das experiências e práticas dos jovens em desvantagem econômica, participantes de uma cultura distinta da ordem dominante. Tal cultura é marcada por uma série de costumes integrados incluindo a dança, a música e arte visual com o 3 Canclini trata do conceito de hibridismo ainda na introdução do seu livro, “entendo hibridação são processos socioculturais nos quais estruturas ou práticas discretas, que existiam de forma separada, se combinam para gerar novas estruturas, objetos e práticas.” (CANCLINI, 2006, p.19) 4 Gilroy, 2001, p.89. No contexto da cultura popular jamaicana, um sound-system (sistema de som) é um grupo de disc-jóqueis, de coordenadores e de MCs do disco tocando a música do ska, a rocksteady ou do reggae. A cena do sound-system é considerada geralmente como uma parte importante de história cultural jamaicana e como sendo responsável para a ascensão de diversos gêneros musicais jamaicanos modernos. O conceito do sound-system tornouse primeiramente popular nos anos 50, nos guetos de Kingston (Capital jamaicana). DJ’s carregavam um caminhão com um gerador, umas plataformas giratórias, alto-falantes e instalação elétrica de ruas enormes, para disseminar os seus sons pelas ruas jamaicanas. 5 SHUSTERMAN, 1998, p.147. 6 Em seu artigo “Rap Nacional e as Práticas Discursivas Identitárias”, disponível em www.musicaecultura.ufba.com. Rosana Martins é Cientista Social formada pela USP, Mestre e Doutora em Ciências da Comunicação pela ECA/USP. Professora Doutora do Unicentro Belas Artes de São Paulo. Autora de livros: Hip-Hop, o Estilo que ninguém segura (Esetec, 2006), Admirável Mundo MTV Brasil (Saraiva, 2006), Direitos Humanos Segurança Pública e Comunicação ( Acadepo, 2007). Pós-doutorada e Professora Visitante do Programa de Pós-graduação do Instituto de Artes da UNICAMP.
  • 13. 12 objetivo de disponibilizar oportunidades para a interação e comunicação de grupos marginalizados. Configura-se, inclusive, como um fórum pelos quais pudessem rever o significado de ser jovem e negro (MARTINS, 2008). O termo norte-americano, Rap significa rhythm and poetry (ritmo e poesia). De acordo com Salles, no Dicionário de relações étnicas e raciais, o termo “deriva da gíria para fala e refere-se ao gênero meio falado, meio cantado que se tornou a tradução musical da experiência afroamericana das décadas de 1980 e 1990” 7. Enquanto o Dicionário Groove de Música o define como “estilo de música popular dos negros norte-americanos, consistindo de rimas improvisadas, interpretadas sobre um acompanhamento rítmico” (ALVES 8apud SALLES, 2007, p.38). Não se trata de um contradiscurso, mas de uma contracultura que reconstrói desafiadoramente sua própria genealogia crítica, intelectual e moral em uma esfera pública parcialmente oculta e inteiramente sua. A política da transfiguração, portanto revela as fissuras internas ocultas no conceito de modernidade (GILROY, 2001, p.96). Historicamente, o Rap difundiu-se com mais força no Brasil na década de 1980, embora haja apontamentos que, antes disso, houve artistas como Jair Rodrigues, Tony Tornado, Wilson Simonal e Gersón King Combo9, que desenvolveram músicas com a sua estética nas raízes da Black Music, dentro os quais o Rap e o funky. Fazer uma analogia entre as músicas produzidas por esses artistas e o Rap é complexo, porém vale ressaltar que esses artistas já produziam na década de 1970 músicas com raízes tipicamente negras. Não há registros, mas há apontamentos de que o Rap iniciou sua história no Brasil com o DJ Théo Werneck, que em 1986, fazia seus shows no Teatro Mambembe, em São Paulo, e era pouco aceito pela crítica em virtude de seu teor violento musicalmente e tipicamente periférico. 10 7 CASHMORE, Ellis. 2000. “Raça” – Como significante. In Cashmore, Ellis; Banton Micael. Dicionário de relações étnicas e raciais. São Paulo: Summus. 8 DICIONARIO, Grove de música: edição concisa. Tradução Eduardo Francisco Alves; edição Stanley Sadie. Rio de Janeiro: Zahar, 1994. 9 O artista GOG fez músicas de referência a Gerson King Combo e Tony Tornado veja a letra: Gerson, Tony Tornado, malandragem no real conceito/ Movimentos perfeitos, o ritmo desafiando leis/ Dom é dom herança do Rei dos reis... (GOG, Música Lei de Gerson, CD e DVD Ao vivo – Cartão Postal Bomba, 2009). 10 Disponível em: http://no.comunidades.net/sites/rap/rapvolucaobonosbns1/index.php?pagina=1114600011 Acesso dia 24 de Maio de 2010.
  • 14. 13 Embora o Rap tenha surgido no Brasil na década de 1980, foi a partir de 1990 que essa arte desenvolveu efetivamente e ganhou um número maior de adeptos. A cultura Rap foi distribuída com esforço dos próprios artistas e parceria de rádios comunitárias, que levaram esse tipo de música a um número maior de indivíduos, principalmente aos pobres da periferia. Tendo em vista que a internet ainda não tinha a abrangência que tem atualmente e considerando que as rádios comunitárias não eram patrocinadas por empresas de grande porte, tampouco tinham vínculo com as grandes gravadoras, os rappers tinham a liberdade de fazer o seu próprio conteúdo e veiculá-lo ao seu público. No início da década de 1990, o Brasil passava por um momento conturbado, acabara de sair da ditadura militar e processos de transformação políticas constantes. O Rap desenvolvia nas periferias, sem apoio da mídia de massa, haja vista que a indústria fonográfica ainda considerava o movimento violento. Conforme Pinto (2004), a prática do Rap é empregada para atrair a juventude da periferia e desenvolver os seus valores. No início dos anos 1990, foi alvo principal de censura e acusado de fomentar a violência. Cabe salientar que o Rap, suas raízes culturais e os primeiros adeptos pertencem à classe baixa da sociedade brasileira. De acordo com Gilroy, O Hip hop é, em diversos sentidos, a mesma coisa que o bebop, porque era uma música renegada. Ele veio de uma subcultura privada de direitos políticos, que fora excluída do sistema. Eles disseram: “Vamos recuperar nossa própria vida. Teremos nossa própria língua” (GILROY apud JONES11, 2001, p.218). O Rap desenvolvia naquele momento como um modelo de crítica diferenciado, analisando que, o período do regime militar tinha artistas que utilizam de aspectos literários para fazer críticas diretas ao sistema, como Chico Buarque, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Geraldo Vandré, dentre outros. Esses artistas do período da ditadura utilizavam formas de burlar o sistema de fiscalização militar, e assim produziam um conteúdo musical, marcado por aspectos literários, tendo em vista que, muitas vezes, as músicas de protesto passavam despercebidas pela crítica da ditadura 11 JONES, Quincy. Listen Up: The Many lives of Quincy Jones. Nova York: Warner Books, 1990, p.167.
  • 15. 14 brasileira e eram veiculados nos meios de comunicação de massa. O Rap assemelha-se aos artistas da MPB, ao desenvolver críticas ao modelo econômico, político e social brasileiro, mas, na questão estética, diferencia-se por ser mais direto, colocando aspectos de compreensão disponível a públicos distintos, de níveis de culturas diversas. Shusterman (1998) ainda acrescenta que o Rap é a arte popular pós-moderna que desafia não só as convenções estéticas do modernismo, como estilo artístico e como ideologia, mas também a doutrina filosófica da modernidade e da diferenciação entre as esferas culturais. Dessa forma, pode-se fazer uma analogia com Gilroy (2001) , quando ele cita, a arte se tornou a espinha dorsal das culturas políticas dos escravos e de sua história cultural. Ela continua a ser o meio pelos quais os militantes culturais ainda hoje se engajam em “resgatar críticas” do presente tanto pela mobilização de recordações do passado como pela invenção de um estado passado imaginário que possa alimentar suas esperanças utópicas (GILROY, 2001, p.129, 130). Santos (2007) enfatiza: “o Rap faz cultura e política ao mesmo tempo. É a possibilidade de superação da cultura popular sobre a cultura de massa quando se difunde com a utilização de instrumentos da própria cultura de massa”,12 ou seja, ao se apropriar do aparato tecnológico desenvolvido pela cultura de massa e utilizá-lo para si. 1.1 Comportamento social e estilo O Rap não é apenas um movimento artístico, mas também é sócio-cultural. O rapper não quer dar visibilidade apenas à sua forma artística, mas, ao contrário, ele quer usá-la para mostrar os modos de vida e sociabilidade de um grupo social vulnerável. “O visual, os hábitos, os gestos, a linguagem são elementos que vão construindo o estilo de vida Rap como uma identidade coletiva” (DAYRELL, 2005, p.96). A postura dos rappers é característica fundamental, como ressalta Herschmann, “os gorros enterrados na cabeça, os ‘manos’, tatuagens, a agressividade juvenil, o discurso comunitário e coletivo, tudo é passível de ser traduzido simultaneamente como 12 Idem
  • 16. 15 moda e ‘legítima ira social’ que canta e exige mudanças” (HERSCHMANN, 2005, p.155). Partindo desse pressuposto, o Rap tem características próprias comportamentais, que são seguidas pelos “manos13”, e é moldado em padrões próprios regidos em condutas coletivas, um modo diferenciado de encarar a realidade, como a maneira de andar o vestuário e as gírias. Em eventos, encontram-se jovens usando bermudas largas, deixando à mostra a roupa íntima, calças de veludo, os cabelos Black Power ou trançados são marcas dos negros espectadores dos shows de Rap, o que eles gostam de chamar “estilo de vida marginal”, por não ser aceito em determinados locais. Os rappers também têm comportamentos distintos de outros artistas, como usar o microfone com a parte inferior apontada para cima, os bonés de aba reta e as camisas largas, os movimentos das mãos se assemelham às armas sempre apontando para o público ou a câmera. O olhar sisudo faz parte da encenação e associa-se às letras contundentes. O conjunto dos aspectos imagéticos é uma fórmula de identificação com o público do Rap. Em determinados momentos, este perfil é exaltado nas letras de música tanto ao se referir ao seu público, ou a si mesmo, Racionais capítulo 4 versículo 3 Faz frio em São Paulo pra mim tá sempre bom, Eu tô na rua de bombeta e moletom. Dim dim dom O rap é o som Quem manda no Opala marrom (...) Que os outros manos vêm pela ordem tudo bem melhor Quem é quem no bilhar no dominó (...) (RACIONAIS MC’S, 1997). Até mesmo repudiando outros modos de vida, Racionais capítulo 4 versículo 3 Você vai terminar tipo o outro mano lá Que era um preto tipo “A” ninguém tava numa 13 Como são chamados os apreciadores do Rap. A palavra – Mano, significa irmão e tem origem africana, Mário de Andrade usou muito esse termo no livro Macunaíma. Segundo o dicionário web, significa: Tratamento entre irmãos. Adj. Muito amigo, íntimo, familiar. Disponível em: http://www.dicionarioweb.com.br/mano.html, acesso dia 28 de Mar. 2011.
  • 17. 16 Mó estilo de calça kalvin klein tênis puma é Um jeito humilde de ser no trampo e no rolê Curtia um funk jogava uma bola Buscava a preta dele no portão da escola Exemplo pra nóis, mó moral, mó ibope Mas começou colar com os branquinhos do shopping "Aí já era" - ih mano outra vida, outro pique, só mina de elite, balada, vários drink Puta de butique toda aquela porra Sexo sem limite, Sodoma e Gomorra Isso faz uns nove anos Há uns quinze dias atrás eu vi o mano Se tem que ver, pedindo cigarro pros tiozinho no ponto Dente todo zuado O bolso sem nenhum conto O cara sentir medo Muito louco de sei lá o que? Logo cedo Agora não oferece mais perigo Viciado doente fudido, inofensivo (...) (...) o Diabo corre tudo ao seu redor Pelo Rádio, jornal, revista e outdoor Te oferece dinheiro, conversa com calma Contamina seu caráter, rouba tua alma Depois de joga na merda sozinho Transforma o “Preto tipo A” Num “neguinho” (...). (RACIONAIS MC’S, 1997). Os rappers como produtores de conteúdo esteticamente periférico, em conjunto do cunho social, tornam-se reflexos para seus públicos, pois “falar diretamente com o público, compartilham códigos e signos que constroem ‘nós’” (SALLES, 2004, p.93). Esses nós se entrelaçam nas periferias onde estão os representantes da coletividade do Rap. Quaisquer atitudes e comportamentos são exemplos para uma grande massa e provocam alterações nesse sentido, pela identificação recíproca, tendo em vista que, (...) um público surge quando determinados acontecimentos, produtos, obras projetam (estabelecem) um "contexto institucional", uma situação que provoca sentido e propicia às pessoas envolvidas passar pela mesma experiência ("sofrer a mesma experiência"). Público, então, é o resultado de uma ação, é produzido na experiência ligada a um processo de contextualização. (FRANÇA, 2006, p.80-81). Esses comportamentos e estilos dos rappers e de seu público vêm de ídolos que eles escutam ou veem pela TV, principalmente nos videoclipes e atualmente pelos vídeos na internet. Podem-se perceber roupas típicas norte-americanas nos palcos e na platéia de um show de Rap: blusas de equipes de basquete (esporte favorito dos americanos), camisas de líderes norte-americanos,
  • 18. 17 bonés de aba reta com inscrições estrangeiras, etc. O antropólogo Tella14 ressalta: (...) é por meio deste material que eles se deparam com gestos, estilos de roupas, símbolos, temas de resistência internacionalizados. Os jovens afro-descendentes não entendiam o conteúdo das letras, no entanto, as imagens os seduziram. Os video clipes tiveram para eles um papel importante nas suas primeiras construções de identificação, motivando-os a conhecerem tais símbolos (TELLA, 2000, p.14). Para exemplificarmos essa distinção de estilos, tenhamos como exemplo o fato ocorrido com Alexandre Pires, músico brasileiro negro, que foi convidado a cantar para o Presidente George W. Bush em outubro de 2003 em comemoração a Descendência Hispânica. Durante o encontro, o ex-pagodeiro brasileiro chorou, no ombro do então presidente americano. Os rappers não aprovaram a atitude do ex-pagodeiro, considerando que o artista fugiu de um "contexto institucional" criado pelos artistas negros da cultura. Tendo em vista que o mesmo é um líder de sua etnia, alguns até fizeram músicas criticando o artista, Salve-se quem puder (...) [GOG] Não sei se vou pro céu, sou fiel, sou Fidel, sou cruel Mas não tenho o coração de papel Pisou na bola, olha minha sola, o calcanhar de Aquiles [Dexter] Aí GOG, se o Bin Laden pega hummm, Fica ruim pro Alexandre Pires [GOG] Falhou, sujou, a bandeira brasileira Envergonhando a América Latina inteira Inocência, oportunismo, ignorância da história Chorou nos braços de quem tem fama sem glória (...). (DEXTER, FUNÇÃO E GOG, 2007). Essas afirmações aproximam da identidade que os rappers querem transmitir como narradores de uma nova perspectiva contrária a um modelo de atitude que considera errônea. 1.2 14 Marcos Midiáticos Marco Aurélio Tella é doutor em antropologia na PUC-SP, foi pesquisador do núcleo de Estudos do Cotidiano e de Cultura Urbana e professor do Instituto Metodista/Itapeva. Artigo disponível em: www.ifcs.ufrj.br
  • 19. 18 A negação aos meios de comunicação de massa fez parte do processo evolutivo do movimento e foi, por algum tempo, discurso quase padrão dos artistas de Rap. Por suas letras contundentes, alguns meios de comunicação de massa, várias vezes, atribuíram-lhe a ideia de um produto que faz apologia ao crime. Por esse motivo os meios de comunicação de massa foram pouco porosos às reivindicações desses movimentos formadas tipicamente por jovens negros e pobres. Por não ser presença constante nos meios de comunicação, podemos entender algumas participações como marcos midiáticos, por certo caráter de divisor de águas. O Rap conseguiu, entre polêmicas e fatos, visibilidade considerável promovida por meio da aparição ou participação de rappers em diversos programas televisivos. Cronologicamente serão inseridos aspectos de consideração pertinente para o estudo do objeto em questão. No início da década de 1990, a MTV Brasil começou a veicular no Brasil o YO!MTV RAPS, com rótulo da MTV americana. O programa era pioneiro em mostrar na TV grupos de Rap. Estreou em 1991 e em 1994 o programa foi reformulado e passou a ser apresentado por Primo Preto. Durante os anos de exibição foi apresentado por VJ Rodrigo PFunk, KL Jay (Racionais Mc’s) e finalmente pelo rapper Thaíde. No início o programa passava nas madrugadas, mas devido à popularidade começou a ser veiculado às 19h. Em 1997, o Rap nacional ganhou notoriedade novamente com os Racionais MC’s e o seu álbum “Sobrevivendo no inferno”, disco que vendeu mais 500 mil cópias, sem contar as inúmeras pirateadas. Dentre músicas clássicas estava o sucesso, Diário de um detento, que no final de 1998 rendeu ao grupo o prêmio de audiência na VMB (Vídeo Music Brasil), da MTV. Com esse prêmio a música foi tocada exaustivamente na mídia e deu ao grupo um patamar de visibilidade nunca antes alcançado no Brasil por um grupo de Rap. Tendo em vista inúmeros convites de gravadoras, como a Sony Music, que chegou a assinarem contratos, mas o grupo desistiu e voltou atrás da decisão, antes mesmo de ter lançado qualquer álbum. O disco “Sobrevivendo no inferno” trazia um questionamento aos problemas sociais brasileiros, além de problemas sentimentais, de convivência entre manos, conflitos e constante exaltação a
  • 20. 19 periferia. Além de clássicos que se tornaram músicas conhecidas do público como: Diário de um detento, que contava sob o ponto de vista de um preso, os acontecimentos no presídio do Carandiru no massacre da polícia de 111 presos em 1997. Essa música foi um marco por trazer um questionamento interessante em relação à sociedade carcerária do Brasil e o modo de encarceramento. No ano de 2002, outro marco midiático referente aos produtores do Rap ganhou notoriedade. O rapper Xis, ganhador do VMB (Video Music Brasil) da MTV em 2000, com a música “Us manos, as minas”, participou do reality show “A Casa dos Artistas” no SBT (Sistema de Brasileiro de Televisão). O rapper fazia críticas à mídia em suas músicas e causou surpresa ao aparecer no reality show. Quando questionado até onde iria para divulgar seu trabalho o artista ressaltou, Se derem condições qualquer lugar. Por que o Xis vai à TV? O Rap não é dele, quem não quiser não vai, mano. Xis vai à rádio porque quer a música dele toque. Faz clipe porque quer TV. Muita gente de talento quer. Tem quem não é bom e se esconde atrás de cortina. Quem do rap já foi chamado para ir ao Gugu, ao Jô Soares? (XIS, Entrevista Revista Trip, jun.2002) 15. O rapper mostrou-se disponível para ir a quaisquer “meios de comunicação de massa” com intuito de propagar o Rap cada vez mais, segundo ele essa exposição pode ser favorável a essa cultura, “quantas bandas de Rap fazem show hoje? A gente não tem oportunidade de fazer show. Mas o Rap ainda vai ser a música mais tocada no Brasil.” (XIS, Entrevista Revista Trip, jun.2002).16 Os Racionais MC’s são o grupo de Rap de maior sucesso no Brasil, mesmo sem divulgação dos “meios de comunicação comerciais.” O grupo conseguiu vender mais de 1,5 milhões de discos17, sem mensurarmos o enorme número de produtos comercializados na pirataria. Por essa repercussão, o grupo é constantemente convidado a participar de programas de TV ou Rádio. O 15 REVISTA TRIP, Jun. 2002. Entrevista disponível em: http://books.google.com.br/books?id=1C0EAAAAMBAJ&pg=PT29&lpg=PT29&dq=rapper+xis+critica+a+midia& source=bl&ots=UITfKnSFN&sig=BOjorJr1t_t6n_FelfQjmrluNk8&hl=ptBR&ei=xwCSTbLhEJC4sAOaw4GnDg&s a=X&oi=book_result&ct=result&resnum=3&ved=0CCUQ6AEwAg#v=onepage&q&f=false. Acesso em 28 de Março de 2011. 16 Idem. 17 Fonte: Revista Rolling Stones, dezembro de 2009.
  • 21. 20 grupo não aceita determinados convites para programas populares com um pressuposto de uma postura política e crítica aos veículos, adotada desde os primórdios, os rappers acreditam que o que é transmitido em determinadas mídias não condizem com a realidade do seu público, tipicamente da periferia. Tendo em vista as afirmações de Mano Brown no DVD ao vivo do grupo de 2007 que ressalta, “rapaziada vamos parar de ver novela da Rede Globo e Malhação, aquilo ali não existe, a liberdade ganha um dia de cada vez, morô”? Mas, atualmente, a participação em determinados “meios de comunicação” já está sendo revista por pessoas do movimento hip-hop, o que há algum tempo geraria internamente diversas críticas. Mano Brown, líder do grupo Racionais MC’s já esteve no Programa Roda Viva da TV Cultura,18 em 2007. Participou de um vídeo clipe no Programa Fantástico19 cantando com Jorge Ben Jor a música “Umabaraúma – Ponta de lança africano20”, em homenagem aos jogadores da Seleção Brasileira de futebol que disputavam a Copa do Mundo de 2010. O rapper também deu entrevistas para revista especializadas em músicas, como a Rolling Stones em 200921. Segundo ele, esse modelo de Racionais radical e fechado para os meios de comunicação foi criado, O Racionais MC’s parece ter uma cartilha a seguir e não fomos nós que a escrevemos. Foi a opinião pública. Somos reféns das palavras, mas não posso ser refém de nada, nem do Rap. Vamos quebrar. Aquele Mano Brown virou sistema viciado, uma estátua óbvia demais. Pergunta tal coisa que ele vai responder tal coisa. Eu estava mapeado e rastreado (MANO BROWN em entrevista a Revista Rolling Stones, dezembro de 2009). O rapper já até se dispõe a conversar sobre um possível convite da Rede Globo para participar mais efetivamente na emissora, fato que anteriormente teria uma negativa sumária. Segundo o rapper, caso haja um convite “haverá uma votação instantânea entre os integrantes do que ele chama ‘família’ – músicos, produtores e amigos que acompanham as idéias de Brown” 22 . Essa mudança de postura entre os rappers, ainda incipiente, relaciona-se com o medo de Mano Brown em se tornar o que ele definiu como uma “bolha social” 18 23 , na qual a todo tempo procurava A entrevista foi concedida no dia 24 de Setembro de 2007, no Programa Roda Viva da TV Cultura, as 23h. A entrevista encontra-se na íntegra na internet no site: http://oglobo.globo.com/cultura/mat/2007/09/25/29787 5244.asp, acesso dia 25 de Março de 2011. 19 O clipe foi lançando um dia antes do primeiro jogo da Seleção Brasileira de futebol na Copa do Mundo da África de 2010. Disponível em http://www.youtube.com/watch?v=WmHflxWUfmU, acesso dia 25 de Março de 2011. 20 Música do LP "África Brasil" (1976). 21 Revista número 39, dezembro de 2009. 22 Mano Brown em entrevista a Revista Rolling Stones, dezembro de 2009. 23 Mano Brown em entrevista a Revista Rolling Stones, dezembro de 2009.
  • 22. 21 críticas a quaisquer situações e vivia isolado sem compartilhar e interagir. Outros rappers veem com bons olhos, há certo tempo, participar de programas populares ou mesmo fazer parte do elenco de grandes emissoras de TV. É o exemplo do rapper MV Bill que faz parte do grupo de atores da novela jovem da Rede Globo de Televisão, Malhação. MV Bill que esteve no programa Faustão em 2009 cantando a música “Só Deus pode me julgar” que faz referências indiretas à própria emissora na qual se apresentava, Só Deus pode me julgar (...) Só tem paquita loira, aqui não tem preta como apresentadora Novela de escravo a emissora gosta mostra os pretos Tomando chibatadas pelas costas Faz confusão na cabeça de um moleque que não gosta de escola (...) (MV BILL, 2002). O rapper aceitou o convite da emissora para tornar-se ator da novela jovem “Malhação” na temporada de 2011, ele foi criticado pelo público do movimento e ganhou alcunha de "vendido" aos grandes “meios de comunicação de massa.” O rapper carioca justifica a sua presença no elenco de atores da Rede Globo de Televisão, Ao aceitar o convite, pensei que pudesse estar ajudando a modificar um formato do qual sempre discordei. Sempre critiquei as novelas, mas também me coloquei aberto a dialogar. Vi que havia uma disposição da Globo para mudar as coisas, estar mais próximo das pessoas que vivem no meu mundo. Não participar de algo que sempre quis mudar seria uma contradição (MV BILL, 2010, ao site http//malhacao-br.blogspot.com). Na novela o rapper faz o papel de um professor de matemática viúvo que tem uma filha. O rapper afirma que a participação na novela pode ser um fator importante para a mudança em relação à visibilidade dos negros no Brasil, Sempre fui muito crítico a novelas e sempre questionei a presença dos favelados e dos pretos. Na própria novela em que vou participar, também nunca consegui me ver. Mas há uma mudança no comportamento da direção do programa, entendendo a importância de ter uma novela condizente com a diversidade e os conflitos do povo brasileiro. Seria uma contradição minha não participar, já que propus mudanças em vários setores. E penso que, quando jovens de favela me assistirem participar, pensarão que esses lugares também podem ser ocupados por eles (MV BILL, 2010, Site O Globo) 24. 24 Entrevista via Twitter no dia 19 de Agosto de 2010. Disponível em: http://oglobo.globo.com/megazine/mat/2010/08/19/mv-bill-explica-porque-aceitou-entrar-em-malhacao-ha-umamudanca-no-comportamento-da-direcao-do-programa-917435877.asp, acesso dia 28 de Março de 2011.
  • 23. 22 Ainda conforme o rapper, a cor da pele não influencia muito quando você se torna um personagem midiático, “continuo a afirmar que, para quem fica famoso, a cor deixa de ser um fator determinante.” (MV BILL, 2010, Site O Globo).25 Ele ressalta também porque foi convidado para participar dessa fase da novela e o assuntos da mesma “(...) nas palavras da direção, além dos trabalhos anteriores que eles tinham visto meus, eles também querem a minha credibilidade. A nova temporada irá falar de questões sociais e raciais, assuntos que já trato cotidianamente.” (MV BILL, 2010, Site O Globo) 26. Em outro momento de sua carreira, MV Bill fez críticas contundentes à televisão e a artistas do meio, como na música “A voz dos excluídos27” em parceria com a Banda de reggae Cidade Negra, na qual insere: “(...) considerado louco por ser realista maluco e não me iludo com vidinha de artista (...) Televisão; ilusão tudo igual (...)”. Assim para muitos fãs essa atitude de estar na TV atualmente demonstra incoerência do rapper e contradição aos preceitos consolidados ao longo dos anos pelo movimento. O rapper Thaíde (um dos precursores do Rap no Brasil) também é presença constante no meio televisivo, atualmente ele é repórter do Programa “A Liga28”, na Band e já apresentou programas na MTV como YO Raps, além de ter participado de mini-séries na TV Globo, como a continuação do longa metragem “Antonia”, de Tata Amaral, em 2009.29 A opinião do público do Rap é que a mídia não dialoga ainda com as pessoas da periferia, o discurso que a mídia apresenta ainda não atende de forma efetiva a vontade do público, segundo Souza (2005) “hoje eles (a mídia) operam mais como representantes de grupos hegemônicos, do que como estimuladores do senso crítico e de processos criativos.” (SOUZA, 2005, p.182). Nesse sentido Antunes e Vaz inserem, A mídia dialoga com a contemporaneidade da vida social, mas não acolhe os discursos da mesma maneira, uns mais, outros menos. Alguns são influxos (uma vaga) que vêm da 25 Idem Idem 27 Música do MV Bill com Cidade Negra de 2009, disponível no site http://www.vagalume.com.br/mv-bill/a-vox-doexcluido.html, acesso dia 22 de Março de 2011. 28 Programa veiculado todas as terças-feiras, a partir de 22h e 30, na Rede Band de Televisão. 29 Na longa metragem e depois na série, Thaíde fazia o personagem de um empresário musical que sempre tentava se dar bem. 26
  • 24. 23 vida social. A interlocução que a mídia estabelece com a cultura brasileira é resultado daquilo que está para além dela. O peso do discurso tem a ver com a maneira como ele nasce na vida social (ANTUNES-VAZ, 2006, p.56). Dessa forma os rappers acreditam que a mídia não atende o discurso da periferia, assim propõem discussões em suas letras de músicas com ênfase no que é veiculado nos meios de comunicação cotidianamente. Por esse motivo, o movimento prefere estar circunscrito em outras denominações que atendam os desejos da população periférica, como veremos adiante.
  • 25. 24 2 O RAP: ENTRE A CULTURA POPULAR E A MARGINAL O Rap utiliza dos aspectos coloquiais dando voz a quem não teve chance e distribuindo um pensamento crítico, assim como muitas artistas já fizeram em algum momento histórico, como o Macunaíma de Mário de Andrade. Como o nosso interesse é entender como a visibilidade dada ao Rap pelos meios de comunicação relaciona-se com os apreciadores do movimento em Belo Horizonte, consideramos necessário entender a ideia de que se trata de uma arte marginal, uma vez que tal denominação tem a ver com a relação com a mídia. Para isso, iremos apresentar uma reflexão sobre o que vem a ser cultura popular e cultura marginal. Para começar, analisamos a divisão clássica entre alta e baixa cultura. Conforme Shusterman (1998), as obras de arte populares apresentam valores estéticos que os críticos reservam às artes maiores, como: unidade e complexidade, intertextualidade e polissemia, estrutura aberta e experimentação formal. Os produtos gerados pelas classes populares costumam ser mais representativos da história local e mais adequados às necessidades presentes do grupo que os fabrica (CANCLINI, 2006). A cultura popular é capaz de promover reivindicações através de transformações, promovendo assim a democracia, dando voz às pessoas e aos artistas da comunidade, consolidando uma cultura local, suburbana, de interesse próprio, mas que expõe o perfil de uma classe desfavorecida na hierarquia social. Esses argumentos supracitados visam consolidar a ideologia de que o Rap é um produto tipicamente popular. Considerando que os produtos culturais populares foram, ao longo dos anos definidos por teóricos, críticos e filósofos como artes que “não consegue oferecer nenhuma satisfação estética”. (SHUSTERMAN, 1998, p.110). Partimos dessa indagação para propor questionamentos, referente ao que seja atualmente, definido como “arte popular” e o que seria definido como “artes maiores”. Vianna propõe “que as culturas não obedecem ao rigor de um sistema que estaria fundamentado num conjunto de regras estáticas” (VIANNA, 2005, p. 116), assim “nós interpretamos mal a
  • 26. 25 natureza desses sistemas sociais se insistimos na ideia implícita ou explícita de que eles são grupos étnicos com fronteiras claras e sem ambiguidade.” (idem, p.117). Tendo em vista todo o processo de mudança nos modos de definir a arte, atualmente passa por um processo de transformação. Para analisarmos dois conceitos maniqueístas utilizados no modernismo como as “artes elitistas ou artes maiores” e “artes populares”, é necessário permear por algumas questões históricas. Após Revolução Industrial, o aparecimento da imprensa e o crescimento avassalador das cidades modificaram o modo de vida dos indivíduos. Como pontua Thompson (1998), em virtude desses desenvolvimentos, as formas simbólicas foram produzidas e reproduzidas em escala sempre em expansão. Com os avanços tecnológicos, os meios de comunicação se difundiram como grandes propagadores da cultura, devido à capacidade de atingir um número maior de indivíduos, ficaram acessíveis aos indivíduos largamente dispersos no tempo e no espaço, por isso são chamados por Thompson (1998) de “meios de comunicação de massa”. Esses meios de comunicação ou mídia30 são fundamentalmente culturais, preocupados tanto com o caráter significativo das formas simbólicas, quanto a sua contextualização social. Como a nova classe emergente, a burguesia31, era detentora dos meios de comunicação, a mesma passou a transmitir para a população o que era conveniente para seu projeto político, (...) População passa a ser docilmente manipulada na absorção de mensagens que camuflam, sob a fantasia do lazer inofensivo, os interesses políticos de dominação. Tudo isso ocorre sob os olhos complacentes do Estado e das classes dominantes nacionais que, cooptadas ao capital monopolístico, detêm a propriedade dos meios e mantêm sob o seu manto, direta ou indiretamente, o controle da produção de suas mensagens (SANTAELLA, 1990, p.80). Thompson (1998) define essas práticas difusoras de conteúdo culturais como um poder simbólico, que tem a capacidade de intervir no curso dos acontecimentos. 30 Devido às mudanças tecnológicas atuais o termo “mídia” se torna amplo e difere do termo meios de comunicação de massa, que circunscreve as grandes empresas de comunicação, que detêm uma abrangência maior e um público de fato amplo. 31 Segundo Santaella (1990), burguesia consiste em uma maioria que detém a posse do que deveria ser de todos. Sendo assim, cabe ressaltar que a autora não se pauta na concepção histórica de burguesia, mas sim estende o uso do termo para conotações mais generalizadas e próximas a compreensão usual de elite social.
  • 27. 26 As classes dominantes tentam instituir como cultura a “sua” cultura e como incultura a cultura das classes dominadas. Quando muito concedem à cultura do povo o status de folk-clore (conhecimento do povo) (SANTAELLA, 1990, p.17). De acordo com Canclini, “a ‘socialização’ ou democratização da cultura foi realizada pelas indústrias culturais – em posse quase sempre de empresas privadas – mais que pela vontade cultural ou política dos produtores”. Conforme Montiel (2003), “a criação cultural se converte em produção mercantil ou cultura comercializada, uma atividade empresarial; consequentemente, o consumo cultural se faz consumo mercantil”. Conforme Canclini muitos dos desajustes que são empregados ao modernismo e a modernização (desenvolvido nos avanços tecnológicos) têm o intuito de preservar a hegemonia das classes dominantes; “no consumo, os setores populares estariam sempre no final do processo, como destinatários, espectadores obrigados a reproduzir o ciclo do capital e a ideologia dos dominadores” (CANCLINI, 2006, p.205). Dessa forma, a arte popular por alguns anos vem sendo pasteurizada como “lixo cultural e até mesmo tratada com desdém por alguns filósofos e teóricos” (SHUSTERMAN, 1998, p.99), sobre a alegação da falta de gosto e de reflexão. Shusterman (1998) admite que a arte popular é, às vezes, miserável do ponto de vista estético, porém o autor questiona os argumentos filosóficos que a arte popular constitui um fracasso estético necessário, inferior e inadequado. Santaella (1990)32 enfatiza, que os valores estéticos, defendidos como eternos e imutáveis, mantém-se ativados, através de recursos diversos, como elementos de uma estrutura econômico-política, assegurando o poder dos opressores, Ao invés de lançarmos indiscriminadamente nossas pedras sobre os produtos artísticos dos quais as classes opressoras econômicas, política e culturalmente se assenhoreiam, não seria mais revolucionário culturalmente fazer incidir um dos focos de luta contra os valores estéticos que as classes dominantes defendem como eternos e imutáveis e através dos quais sua impostação de superioridade se perpetua? (SANTAELLA, 1990, p.18). Ainda conforme Santaella (1990) se quer com isso afirmar que a arte não pode, por si só, mudar o curso da história, mas que pode isto sim constituir-se ativo dessa mudança. Esse é uma
  • 28. 27 característica do Rap, se desenvolver como um movimento em prol das alterações sociais. Shusterman (1998) propõe uma revisão nos conceitos de arte popular, com o argumento que a mesma arte pode satisfazer os critérios mais importantes de nossa tradição estética, como também tem o poder de enriquecer e remodelar nosso conceito tradicionalista de estética, liberando-se da sua associação alienada a temas como privilégio de classe, inércia político-social e negação ascética da vida. Dessa forma, conforme Ribeiro, podemos crer numa “inversão de valores”, ou ainda, o “desprendimento do sentido de cultura da sua tradição elitista para as práticas cotidianas” (ESCOSTEGUY apud RIBEIRO, 2009, p.69), a partir daí se desenvolve uma nova concepção de cultura, permeada por grupos periféricos de classes marginalizadas. Canclini salienta que os produtos populares “também podem alcançar alto valor estético e criatividade, conforme se comprova no artesanato, na literatura e na música de muitas regiões populares” (2006, p.196). A dificuldade desses produtos é convertê-los em patrimônio generalizado e amplamente reconhecido, “acumulá-los historicamente, torná-los base de um saber objetivado, expandi-los mediante uma educação institucional e aperfeiçoá-los através da investigação e da experimentação sistemática33” (idem). Devemos considerar as informações de Shusterman (1998) de que muitos produtos culturais foram desprezados como populares migraram ao longo do tempo para o status de arte legítima, como por exemplo, o teatro grego, o teatro elisabetano, e muitos romances (como, O morro dos ventos uivantes), atualmente estimados, eram publicados em jornais difamados como sensacionalistas, assim como muitos filmes, produtos da TV e músicas de rock34, dessa forma “a arte e a estética não são essências universais, intemporais, mas produtos culturais essencialmente informados e transformados por condições sócio-históricas”. (SHUSTERMAN, 1998, p.136). De acordo com Shusterman, essa variação mostra como as artes maiores “são reclassificadas, seu modo de recepção é redefinido de maneira a reservá-las essencialmente para o distinto deleite da 32 Peixoto, Fernando. A Procura da Identidade. In: Boal, Augusto. Técnicas Latino-Americanas de Teatro Popular, op.cit.,p. 9. 33 CANCLINI, 2006, p.196. 34 SHUSTERMANN, 1998, p. 115.
  • 29. 28 elite cultural, desprezando sua apreciação popular”. (SHUSTERMAN, 1998, p.115). Podemos explicar essa definição, dando um exemplo tipicamente brasileiro, como o caso do samba na década de 1970 passava por esse processo de marginalização, atualmente o produto cultural passa por uma reclassificação e distinção que lhe é atribuído um status de nobreza. Essas discussões têm o intuito de diferenciar dois modelos de artes produzidos por classes sociais distintas. A arte culta é definida como padrão estético imutável e de maior apreciação pelas classes elitistas da sociedade, enquanto a arte popular é um produto oriundo da classe baixa e enquadra-se em modelo de arte tratada com desprezo por alguns críticos, filósofos e teóricos. Segundo Canclini, “a cultura popular pode ser entendida como resultado da apropriação desigual dos bens econômicos e simbólicos por parte dos setores subalternos.” (CANCLINI, 2006, p.273). Mas essa separação da arte em classes no Brasil torna-se complexa, tendo em vista um país tão miscigenado culturalmente como aqui. Essa miscigenação ocorre em virtude das “hibridações culturais”, que conforme Canclini (2006) ocorrem com mais intensidade em virtude da expansão urbana, o intenso cruzamento das várias forças modernas, assim transformando os “nós” e crises. Canclini (2006) ressalta que a sociedade que produz desigualdades em todos os setores de convivência como, fábricas e escolas, na comunicação massiva e no acesso a cultura, também produz subordinação nas classes sociais. Segundo autor os “comunicólogos vêem a cultura popular contemporânea constituída a partir dos meios eletrônicos, não como resultado de diferenças locais, mas da ação difusora e integradora da indústria cultural”. (CANCLINI, 2006, p.259). Porém o Rap não se encaixa nessa denominação de popular apresentada pelos meios de comunicação de massa. Conforme Canclini (idem) “popular é o que agrada multidões”, ou seja está ligada muito mais a termos numéricos. Não há preocupação em manter o popular como tradição ou cultura, interessa as “indústrias culturais construir e renovar o contrato simultâneo entre emissores e receptores.” (idem). Assim a “cultura” difundida na periferia escolhe outras direções e prefere ser circunscrita em
  • 30. 29 outras terminologias com as quais se identifiquem de maneira mais agradável a cada artista.35 O termo “cultura popular” varia de acordo com o espaço-temporal, o que para uma época cronológica é visto como arte, na sucessão do tempo pode vir a mudar a sua essência pode agregar novos significados e novas representações. O movimento Hip hop, e especificamente o Rap e outros produtos culturais tipicamente de periferia, preferem ser alocados como “Cultura Marginal”. Os representantes dessa cultura são artistas que estão ou estiveram a “margem” da sociedade como: pobres, negros, prostitutas, mendigos, presidiários, etc. Como ressalta Rosa, nesses locais desenvolve a vida, “mesmo sendo dessacralizado de uma arquitetura onde a sua espacialidade confusa, construída em camadas sobrepostas, vai reverberar no indivíduo, isto é, nesse cidadão das bordas que sempre será o ser marginalizado da cidade” (ROSA, 2009, p.5). Nesses espaços das bordas, ou às margens, que as expressões culturais locais, irão ganhar o rumo do espaço urbano centralizado com o intuito de ganhar o encontro com outros jovens que estão em favelas mais distantes. Servem também para a positivação do que é característico dos espaços “marginalizados” como o linguajar próprio, as gírias, os valores e as formas de sociabilidade.36 (NASCIMENTO, 2005). Levando em consideração a própria terminologia da palavra “marginal” – o que vive às margens, ou às margens das normas éticas. Ética esta proposta ou consolidadas pelos “meios de comunicação de massa”, e atualmente tão consolidados que se tornaram verdades canônicas. O termo marginal perpassa pelo conceito de que é “um indivíduo à margem de duas culturas e de duas sociedades que nunca se interpretaram e fundiram totalmente” (BELTRÃO, 1980, p.39). De acordo com Beltrão (1980) existem dois grupos de marginalizados, os grupos urbanos marginalizados e os culturalmente marginalizados. Os urbanos marginalizados se caracterizam pelo baixo poder aquisitivo devido à baixa renda e concentrados geralmente em favelas e construções populares. 35 É necessário ressaltar que há exceções. Há grupos de periferia, típicos do movimento Hip hop que se enquadra em uma cultura de massa, mas essa discussão não cabe nesse trabalho. 36 Conceito extraído do artigo – Por uma interpretação socioantropológica da nova literatura marginal, de Érica Peçanha do Nascimento, Mestranda em Antropologia Social pela FFLCH-USP, em 2005. Disponível em http://www.fflch.usp.br/ds/plural/edicoes/12/artigo_2_Plural_12.pdf, acesso dia 28 de Fevereiro de 2011.
  • 31. 30 Os grupos culturalmente marginalizados são considerados a parte por constituírem-se de indivíduos que contestam a cultura e a organização pré-estabelecida. Essas características se assemelham aos rappers, por serem líderes dos grupos denominados marginalizados, as ideias representam a filosofia do seu público, por isso são considerados, líderes interpretados de maneira messiânica. A partir daí, podemos considerar a cultura marginal como uma arte de conflito e provocação social, desenvolvendo uma cultura contrária ao belo e politicamente correto. Conforme Herschmann (2005) a cultura periférica ocupa um novo discurso de rebeldia e potência, primordial na mobilização e sedução dos jovens, sendo de periferia ou não, Oscilando entre a condenação e sua glamourização no mercado, na passagem da música às imagens, do baile encravado no morro ou na periferia às telas de tevê e do cinema, temos a emergência de novos sujeitos sociais portadores de um discurso: “marginais midiáticos” (HERSCHMANN, 200, p.153). Para fazer uma analogia entre a cultura marginal e popular é necessário estreitar os dois conceitos. Canclini reflete sobre o que é popular, Os produtos gerados pelas classes populares costumam ser mais representativos da história local e mais adequados às necessidades presentes do grupo que os fabrica. Constituem, nesse sentido seu patrimônio próprio (CANCLINI, 2006, p.196). Partindo desse pressuposto ressaltado por Canclini conclui-se que a Cultura Marginal Rap é também uma Cultura Popular (mas não aquela difundida pelos comunicólogos como ressalta Canclini), caracterizada pelo “local” e patrimônio próprio dos povos da periferia. Alocada por um dialeto, estilo, vestuário e dogmas próprios; como a gíria, a maneira de se vestir, o modo de andar e de proceder junto à sociedade. 2.1 O Rap e sua reclassificação entre as classes sociais É necessário pautar por essa discussão da transição que ocorreu com o Rap nos últimos anos, pois devemos considerar que esse processo de mudança de “popular” para o status de nobreza, ela
  • 32. 31 ocorre quando a classe alta da sociedade aceita o movimento cultural. A classe alta da sociedade ,geralmente, detentora dos grandes meios de comunicação, ou das empresas privadas que patrocinam esses meios legitimam o que é comercializado, assim uma reclassificação do Rap, o daria um status de grandeza. Assim começaremos com uma contextualização histórica do Rap nesse sentido. Durante os anos de 1990, o Rap ganhou as ruas de bairros mais ricos de São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Belo Horizonte. Mesmo separando nas letras, as diferentes classes sociais, a música passou a ser escutada por jovens da classe alta e adquiriu adeptos e atenção nas grandes redes mesmo sendo destinada diretamente ao público de periferia. Percebe-se na letra abaixo o direcionamento que o grupo Racionais MC’s faz, Da ponte pra cá Playboy bom é chinês e australiano fala feio mora longe e não me chama de mano (...) Odeio todos vocês vem de artes marciais que eu vou de Sig Sawer, quero tua irmã e teu relógio Tag Heuer (...) O vem com a minha cara e o din-din do seu pai, Mais no rolé com nóis "cê" não vai Nóis aqui, vocês lá, cada um no seu lugar Entendeu? Se a vida é assim, tem culpa eu? (...) (RACIONAIS MC’S, 2001). Os rappers têm como público alvo as periferias e delimita isso em suas letras. Essa devoção se deve ao fato de acreditarem que o público da favela levou-os a uma visibilidade e abandonar tal público nesse momento seria ir contra a própria ideologia, "para os rappers é preciso vivenciar (ou pelo menos ter vivenciado) o contexto da periferia para ‘traduzir’ essa realidade de forma fiel" (SOUZA, 2005, p.185), eles se apresentam como os principais responsáveis pela profusão desse capital transitório e, mais do que demarcadores simbólicos ou de distinção, os meios operam através de uma série de práticas institucionais necessárias para a criação, a classificação e distribuição cultural (THORTON37 apud SOUZA 2005, p.183). Segundo Souza (2005, p.185) "a cultura urbana, cada vez mais vista como um bem simbólico, transita por diversos estratos sociais permitindo aos jovens da classe média absorverem as singularidades do Rap e do movimento Hip hop”. De alguma maneira os jovens da classe média 37 THORNTON, Sara. Club Cultures. Music, media and subcultural capital. Londres: Wesleyan e New England, 1996.
  • 33. 32 se identificaram com o movimento e suas singularidades. Dessa forma o Rap se desenvolveu e mudou de postura em relação aos meios de comunicação de massa, provavelmente em virtude da postura dos próprios meios de comunicação de aceitar alguns produtos do Rap, como vídeo clipes e apropriações de líderes do movimento cultural para se tornarem atores de novelas e séries, como ocorreu com MV Bill e Thaíde. Mas é necessário analisar de forma mais abrangente como a visibilidade do Rap brasileiro ocorreu e tem mudado nos últimos anos.
  • 34. 33 3 O RAP BRASILEIRO NA ESFERA DE VISIBILIDADE O Rap foi tratado por muito tempo como um produto cultural de qualidade questionável e, em virtude disso, encontrava dificuldade de ter seus produtos veiculados nos grandes meios de comunicação de massa, os grandes difusores de “bens simbólicos” desde a revolução industrial, o crescimento das cidades e o surgimento da classe burguesa. Por essa razão, é necessário analisar como se deu as articulações que os chamados meios de comunicação de massa desenvolveram e desenvolvem até os dias atuais, sua distribuição de bens simbólicos. Esses bens simbólicos disseminados por “instituições culturais” que são os meios de informação e comunicação, dentre deles estão as grandes mídias atuais, que conforme Thompson é um “quarto poder”, que nasce “na atividade de produção, transmissão e recepção do significado das formas simbólicas” (THOMPSON, 1998, p.24). Os meios de comunicação de massa são fundamentalmente culturais, ou seja, preocupados com o caráter significativo das formas simbólicas, quanto com sua contextualização social. As indústrias da mídia não são as únicas instituições interessadas na valorização econômica das formas simbólicas, mas no mundo moderno elas estão certamente entre as mais importantes instituições que invadem cotidianamente as vidas de muitos indivíduos (THOMPSON, 1998, p.34). Segundo Thompson no mundo moderno os seres humanos fabricam teias de significação para si mesmas, aos usarem as indústrias de mídia. Assim, os indivíduos produzem formas simbólicas a todo tempo, com intuitos variados e interesses diversos, “estes conjuntos de circunstâncias podem ser conceituadas como campos de interação” (THOMPSON, 1998, p.20). Dentro desses campos, os indivíduos buscam posições, para se tornarem estáveis e se relacionarem socialmente. A partir desses relacionamentos sociais, procuram “formas simbólicas”, que atinjam (ou estejam à disposição) para o número maior de indivíduos, num curto espaço de tempo,
  • 35. 34 A reprodutibilidade das formas simbólicas é uma das características que estão na base da exploração comercial dos meios de comunicação. As formas simbólicas podem ser “mercantilizadas”, isto é, transformadas em mercadorias para serem vendidas e compradas no mercado, e os meios principais de “mercantilização” das formas simbólicas estão justamente no aumento e no controle da capacidade de sua reprodução (THOMPSON, 1998, p.27). Para Thompson o que está em jogo “na comunicação de massa não está na quantidade de indivíduos que recebe os produtos, mas no fato de estes produtos estão disponíveis para uma grande pluralidade de indivíduos” (THOMPSON, 1998, p.30). O autor sugere também algumas alterações ao termo “comunicação de massa”, como não reduz a palavra “massa” a uma questão de quantidade, pois devemos abandonar a mística de que os destinatários acompanham passivos os produtos que lhe são direcionados, como se fosse “uma esponja que absorve a água” (idem). O autor propõe uma revisão no termo comunicação que, conforme o mesmo pode ser “enganador”, pois a comunicação de massa é diferente da “conversação ordinária”. Na conversação face a face, “o fluxo de comunicação tem mão dupla, ou seja, fundamentalmente dialógicos” (THOMPSON, 1998, p.31). Enquanto a comunicação de massa “é esmagadoramente de sentido único”, assim Thompson sugere o termo “transmissão ou difusão” como algo mais coerente para definição dos conceitos. Thompson sugere o termo “comunicação de massa” apenas para referir a “produção institucionalizada e difusão generalizada de bens simbólicos através da fixação e transmissão de informação ou conteúdo simbólico” (THOMPSON, 1998, p.32). Thompson (1998) ressalta que o sentido que os indivíduos dão ao produto da mídia varia de acordo com a formação e as condições sociais de cada um, de tal maneira que a mesma mensagem pode ser entendida de várias maneiras em diferentes contextos, assim encerra o “mito” de que o público recebe os produtos da mídia de forma passiva, cada qual transforma essa recepção em um novo produto que lhe agrada. Tenhamos como exemplo nosso objeto empírico, o Rap, que prefere utilizar a recepção dos produtos midiáticos e fazer críticas a esse modelo empregado pelos “meios de comunicação de massa”, como mostra a letra do grupo Racionais Mc’s,
  • 36. 35 Racionais Capítulo 4 Versículo 3 Seu comercial de TV não me engana Eu não preciso de status nem fama Seu carro e sua grana já não me seduz E nem sua puta de olhos azuis Eu sou apenas um rapaz, latino americano Apoiado por mais de cinqüenta mil manos Efeito colateral que o seu sistema fez Racionais, Capítulo 4, versículo 3. (RACIONAIS MC’S, 1997). Assim os produtos da mídia ganham sentido ideológico, num processo de interpretação próprio, adquirindo outro sentido e aumentando o espectro de possibilidades, pois segundo Thompson “é um processo que pode se estender muito além do contexto inicial da atividade de recepção” (idem), pois cada conteúdo pode ser discutido “durante a recepção e depois”. Levando em consideração o fato de que a recepção e a apropriação dos fenômenos culturais são processos fundamentalmente hermenêuticos nos quais os indivíduos se servem de recursos materiais e simbólicos disponíveis a eles, bem como da ajuda interpretativa oferecida por aqueles com quem eles interagem quotidianamente, de modo a dar sentido às mensagens que recebem e incorporá-las de alguma maneira em suas vidas (THOMPSON, 1998, p.154). Partindo desse pressuposto, iremos fazer uma analogia com o objeto empírico em questão nesse trabalho. Considerando que os rappers resolveram propor um modelo próprio de bens simbólicos, como os meios de comunicação, marginalizaram o produto disseminado pelos músicos, os artistas tiveram que encontrar meios alternativos de propagação de seu conteúdo. Os rappers propagaram seus conteúdos por outras vias não convencionais (como as rádios comunitárias) e internet. Nos dias atuais, os meios de comunicação de massa definem padrões ao que deve ser veiculado nas grandes redes de TV e de Rádio. Segundo Amâncio38 (2010) para uma música ser tocada no Rádio é necessário que ela não ultrapasse 5 minutos de duração, o que não condiz com os padrões musicais do Rap, que geralmente utilizam de canto falado para contar histórias longas. Outros fatores que desencadeiam críticas é o caráter das letras serem violentos e 38 Produtor musical, percussionista, ator, pesquisador da cultura da criança, professor de palavra, som e imagem do curso de dança e teatro do Palácio da Artes, idealizador do FAN – Festival de Arte Negra, compositor da trilha sonora do Filme “Uma Onda no Ar” e de espetáculos de dança e música. Fez a produção musical dos discos Manifesto 1ºPasso e Tá Caindo Fulô das Meninas de Sinhá que ganhou o Prêmio TIM 2008 de música como melhor grupo e o Prêmio Rival 2008 da Petrobrás. Fonte: http://gilamancio.blogspot.com/. Acesso dia 16 de Novembro de
  • 37. 36 a própria origem do movimento nas periferias, são usados como argumentos para a não veiculação das músicas nos grandes meios comerciais, além do fato de não terem contratos com gravadoras que definem os produtos culturais direcionados as empresas de comunicação. Mesmo com toda a mudança de aceitabilidade ocorrida com Rap, nos últimos anos, principalmente pela classe alta da sociedade, o produto não tem a mesma visibilidade nas rádios comerciais do Brasil como ocorre com o Gangsta Rap (formado artistas como Snoopy Dog, 50 Cent, Eminem, entre outros). Por esse motivo, especificamente o Rap brasileiro, difundiu-se em meios de comunicação como as rádios comunitárias. Segundo Sunega (2006) “o surgimento de vias alternativas de comunicação – informação é um sistema de processos que se verificam no fundo de vida social, uma tentativa de romper o cerco das estruturas informativas predominantes (...)”. (PERUZZO apud SUNEGA, 2006, p.5). Mais recentemente com advento da internet a mesma tornou-se a grande propagadora desse produto cultural, por sua circulação ampla de material nos sites de compartilhamento de conteúdo. Dessa forma o público encontra as músicas de seus artistas preferidos com facilidade. O Rap aderiu “entusiasticamente à nova tecnologia e à cultura de massa” (SHUSTERMAN, 1998, p. 145) para difundir sua cultura e propagar seus produtos, utilizando dos próprios aparatos tecnológicos. 3.1 Visibilidade midiática Atualmente a “espetacularização” da imagem cresce em função de uma publicidade que esvazia o debate público, de acordo com Maia (2002), “vozes diversas se unem para denunciar que a televisão promove uma ignorância geral acerca das questões políticas e induz a população a uma posição de desinteresse (MAIA, 2002, p.3). O diagnóstico da autora é que a mídia massiva 2010. Palestra realizada no dia 10 de Novembro de 2010, nas Faculdades Promove na aula ministrada pela professora
  • 38. 37 promove um efeito de “mundo vazio”, que não gera discussões relevantes para debate, conduzindo dessa forma para condenação da mesma. Porém, Maia ressalta que a mídia embora, não esteja organizada inteiramente em torno de linhas democráticas, e apresente inúmeros déficits e patologias em suas funções políticas, somente ela pode preencher algumas funções cruciais para o exercício ampliado da deliberação pública39, nas sociedades complexas (MAIA, 2002, p.5). Essas sociedades complexas atuais aparecem no meio de inúmeros conflitos gerados pelas metropóles. Embora os grupos elitistas exerçam certo controle e domínio sobre a mídia, o “espaço midiático não é passível de ser controlado por agentes singulares: atores sociais e políticos contradizem-se uns aos outros; imagens, discursos e estratégias chocam-se entre si, gerando pressões e contra pressões no jogo político” (MAIA, 2002, p.7). Ao trazer à tona midiática uma discussão sobre a violência em seus clipes, além das próprias letras enfatizarem temas de discussões relevantes que antes não tenham sido enfatizadas. O Rap ressalta um discurso próprio e acompanha criticamente o que é veiculado, principalmente, pela televisão. Dessa forma, partimos do pressuposto ressaltado por Antunes e Vaz, para fazermos uma analogia com o que é transmitido pelo Rap, (...) a televisão como mídia de informação, tem maneiras próprias de constituir o seu discurso, articuladas a condições de produção e interpretação também específicas. Essa não é uma demarcação incorreta, porém algo imprecisa e por demais insatisfatórias para caracterizar o papel da mídia na constituição de diferentes modalidades narrativas e seu regime de representação. (ANTUNES e VAZ, p. 57-58). Tais discussões sobre a visibilidade e o anonimato inserem no que Maia40 (2002) chama de “espaço de visibilidade dos mídias”. Segundo a autora, “o espaço de visibilidade midiática promove uma complexa relação entre os atores das instâncias formais do sistema político e Márcia Cruz. 39 Seguindo a definição de Bohman, Rousiley C. M. Maia ressalta que é “um processo dialógico de troca de razões com o objetivo de solucionar situações problemáticas que não podem ser estabelecidas sem a coordenação e cooperação interpessoal” (Bohman, 2000, p.27). Nesse sentido a deliberação política não possui um domínio singular; “inclui atividades tão diversas quanto a formulação e a obtenção de metas coletivas, a tomada de decisões da política sobre meios e fins, o esclarecimento de conflitos entre princípios e interesses, a resolução de problemas tais como emergem na vida social”. (Bohman, 2000, p.53) 40 Rousiley C.M. Maia é professora adjunta no Departamento de Comunicação Social da UFMG e doutora em ciência política pela University of Nottingham, da Inglaterra. Este trabalho deriva-se da discussão desenvolvida no GT Comunicação e Política na XI Reunião Anual da Compós de 2002, a partir do texto de autoria da autora, “Mídia e deliberação pública: mediações possíves”, e do relato produzido pelo prof. Wilson Gomes.
  • 39. 38 aqueles da sociedade civil, bem como entre a política e a cultura.” (MAIA, 2002, p.1). Conforme a autora, “as diversas associações presentes na sociedade civil podem promover um tratamento crítico de problemas sociais, estabelecendo uma importante relação entre participação e argumentação pública” (MAIA, 2002, p.2). Partindo desse conceito, podemos fazer novamente uma analogia com o Rap, em virtude de suas características de argumentação dos problemas sociais, o que traz para os debates públicos inúmeros questionamentos. Ao exprimir em suas letras, questões como chacina, preconceito, violência policial, tráfico de drogas, entre outros temas. A autora também acrescenta que a argumentação pública pode enfatizar questões que os próprios representantes políticos e às elites não tenham percebido. Assim esses grupos se tornam essenciais, Os grupos cívicos são vistos como atores que agem tanto para modificar os modos de perceber e interpretar os problemas sociais quanto para articular projetos alternativos de políticas públicas, propagando, em outros grupos da população, o interesse em suas causas ou questões. De tal sorte, podem não só modificar o contexto para o entendimento de determinados problemas, como, também, propor o rumo de soluções mais apropriadas e, assim, exercer uma pressão eficaz sobre aqueles que detêm o poder de decisão no sistema político (MAIA, 2002, p.2). Partindo da premissa de que a mídia é eximia “difusora” de informações para um número amplo de indivíduos, assim a mídia contribuiu para “criar um espaço para deliberação social”. Essa deliberação se difundiu através da publicidade em sua premissa principal como “a propriedade das coisas na medida em que estão visíveis e disponíveis para o conhecimento comum” (GOMES apud MAIA, 2002, p.3-4). Intrisecamente está a visibilidade midiática que, conforme Maia, é formada pelo conjunto emitido pela mídia em seus conteúdos como materiais culturais e artísticos, de entretenimento, jornalismo e peças publicitárias. Daí a mídia disponibiliza um conteúdo amplo de “discursos” e “opinões” e se transforma no que Maia define como “fórum para o debate pluralista (...) em que não há parceiros fixos ou autorizados” (MAIA, 2002, p.7). Tudo que é disponibilizado no “espaço de visibilidade midiático” pode alimentar discussões politicamente relevantes (idem).
  • 40. 39 A partir desses conceitos, relacionamos ao movimento Rap que difunde um material cultural que propõe discussões políticas e sociais. Seus marcos midiáticos trouxeram de alguma forma questionamentos relevantes no que tange os problemas sociais da sociedade atualmente e a partir desses questionamentos “novas dimensões temporais e espaciais emergem” (MAIA, 2002, p.8). A visibilidade midiática pode inserir um novo panorama dinâmico de interpretações, criando assim uma base nova “reflexiva e recursiva para atores específicos” (MAIA, 2002, p.19). Modificando dessa forma as práticas discursivas na “esfera pública”, para um público maior de indivíduos, além de entender a si próprio e os seus interesses; embora sofram limitações sérias, conseguem ainda assim desencadear um debate público ampliado (MAIA, 2002). Dessa forma, A visibilidade midiática é importante não como um fim em si, mas na medida em que incita um processo de interação e interlocução entre os atores sociais, contribuindo para a instauração do debate público na sociedade. Apesar de todas as limitações, a visibilidade produzida pela TV pode ser compreendida como um importante modo de trazer à cena pública questões que permaneciam ocultas, obscuros conflitos de interesse e exclusão de participantes do debate público (MAIA, 2002, p.10). Iremos nos ater nesse momento, apenas a um exemplo típico, ocorrido com frequência no movimento Rap. Os mais variados clipes de Rap censurados em virtude de sua analogia com a apologia ao crime ou as drogas, as diversas discussões que esse tema trouxe a tona, desencadeou debates intensos, sobre os assuntos tratados pelos difusores dessa cultura. A partir desses conceitos cabe ressaltar como a visibilidade midiática interferiu de alguma forma na mudança de concepção do movimento cultural Rap e sua influência na atitude de artistas do movimento, além da concepção de filósofos e teóricos em relação essas mudanças. 3.2 O Rap e os meios de comunicação de massa Atualmente, o Rap brasileiro se encontra num processo de transição do “local” para o “global” 41 41 Termos muito utilizados na obra Canclini, Culturas híbridas de 2006.
  • 41. 40 o que amplia sua visibilidade nos meios de comunicação, alguns artistas do meio já se predispõem a aparecerem com maior frequência nesses meios. A importância para um movimento cultural ter visibilidade midiática, passa por um processo atual, segundo o pressuposto ressaltado por Herschmann, a sociedade contemporânea, portanto, caracteriza-se por sua teatralização, pelo investimento na construção de ‘superfícies densas’. Hoje diferente do passado, não basta o indivíduo ‘ser’, ‘acreditar numa causa’ ou se ‘identificar com algum projeto’, é preciso obter visibilidade e espetacularizar-se (isto é, ‘parece ser’), de modo que seja possível se posicionar social e politicamente, construindo sentidos no cotidiano (HERSCHMANN, 2005, p.153). Dessa forma o movimento Rap encontra num possível parceria com os meios de comunicação de massa, a possibilidade de disseminar cada vez mais o movimento e que ele se consolide como ocorreu com os outros produtos culturais podendo dessa maneira recriar a cultura tipicamente periférica como cita Sunega, As culturas locais recriam-se sob o signo da globalização, de tal forma que também se apropriam das novas possibilidades, alcançando visibilidade através dos meios de comunicação e criando possibilidade de intercâmbios, o que acarreta uma permanente possibilidade de recriação (GUIMARÃES apud SUNEGA, 2006, p.5). De acordo com Herschmann (2005), o discurso midiático intercala entre a demonização e certa glamorização dos excluídos, na medida em que a mídia os torna “visíveis” e permite-lhes, de alguma maneira, denunciar a condição de degradado e reivindicar cidadania, trazendo à tona, para o debate na esfera pública, a discussão aos problemas sociais, visibilidade e acesso ao lazer e a cidade; colocando em pauta as contradições do processo de “democratização” do país e suas tensões sociais.
  • 42. 41 3.3 Os dilemas do Rap O grupo focal foi composto por apreciadores do Rap e conhecedores do movimento, o que lhes tornam aptos a discutir os marcos midiáticos. A idade dos participantes varia de 20 a 30 anos. Todos apreciam o Rap há mais de cinco anos, o que possibilita uma análise aprofundada dos marcos midiáticos que serviram de norte para a conversa no grupo focal. A convocação dos apreciadores do Rap ocorreu pela vivencia cotidiana do pesquisador com determinados apreciadores, além de uma divulgação nas redes sociais específicas de Hip hop, no intuito de convocar pessoas diferenciadas, com pontos de vista distintos, mas que todas fossem aptas a responder as questões. Inicialmente, os participantes falaram da experiência com o Rap, bem como o que o movimento lhes trouxe de negativo ou positivo individualmente e para a sociedade de uma forma geral. Logo depois os participantes responderam as perguntas referentes ao recorte empírico do trabalho. 3.3.1 O Rap necessita dos meios de comunicação de massa? Para discutirmos essa questão é necessário voltar nas afirmações de Thompson (1998), a reprodutibilidade das formas simbólicas é uma das características que estão na base da exploração comercial dos meios de comunicação. Assim sendo os meios de comunicação de massa são os principais difusores dessa comunicação. A questão de o Rap necessitar dos meios de comunicação de massa para propagar seu conteúdo de uma maneira geral foi unânime entre os participantes do grupo focal, embora seja complexa. O que se pode perceber é que devemos avaliar por outro foco essa questão da relação entre os meios de comunicação de massa e o Rap. Partindo do pressuposto de que o movimento é muito mais amplo do que qualquer veículo de comunicação, assim o participante Eduardo ressalta:
  • 43. 42 “Os meios de comunicação não têm que legitimar nada. Quem legitima é o povo. O MV Bill não tem que ir lá falar do negro, ele tem que falar para o povo e a mídia ir atrás dele, e não o contrário. Nenhum veículo legitima uma cultura, a cultura Rap é muito maior que a mídia” (Eduardo, 30 anos). Tendo em vista as afirmações de Herschmann (2005), de que o discurso midiático intercala entre a demonização e certa glamorização dos excluídos, na medida em que a mídia os torna “visíveis” e permite-lhes, de alguma maneira, denunciar a condição de degradado e reivindicar cidadania, trazendo à tona, para o debate na esfera pública, a discussão aos problemas sociais, visibilidade e acesso ao lazer e a cidade; colocando em pauta as contradições do processo de “democratização” do país e suas tensões sociais. Dessa forma, o que podemos perceber no grupo focal, é que quem deve direcionar o que deve ser escutado e tocado nos meios de comunicação é o povo, as empresas de comunicação não devem impor suas regras, baseadas no consumo do movimento cultural em questão, e o tornar um produto padronizado. Por exemplo, foi citada a questão das grandes gravadoras escolherem as músicas que seriam veiculadas num CD de determinado artista, “A gravadora Universal fala: eu gravo, mas você canta o que quero. Se você fizer “X” coisas, você ganha dinheiro” (Marcos, 29 anos). Segundo os apreciadores do Rap, essas escolhas devem ser feitas pelos próprios produtores, tendo em vista que eles que sabem o que deve ser ouvido, e não deve ser determinado seguindo os padrões definidos pelo consumo de massa. Como aquelas características definidas por Amâncio (2010) como tamanho da música ser com menos de cinco minutos para ser tocada nas rádios. Outra questão relacionada à divulgação do Rap nos meios de comunicação de massa é a consequente popularização do movimento, a possibilidade de tornar o Rap um conteúdo cultural comercial, os provedores ganharem mais dinheiro e produzirem cada vez mais. Os participantes salientaram que, ganhar dinheiro é algo importante e legítimo, faz parte do valor artístico. O que geraria a possibilidade de desenvolver ainda mais o movimento Rap e mais produções nesse sentido. Porém, segundo eles isso tem que acontecer “sem se vender”, ou seja, sem que as grandes empresas de comunicação ditem as regras,
  • 44. 43 “Existe um esquema: Globo – estourar – grana. Você não se vende ganhando grana. Se vender é quando você muda. Por exemplo, o MV Bill num entra cantando em Malhação, isso é divulgar o Rap?” (Wanderson, 29 anos). “Acho que isso já acontece. Se eu mudo o que faço para aparecer, isso é dinheiro. Não pode ser determinado por dinheiro” (Eduardo, 29 anos). Com certa visibilidade, alguns rappers têm sido convidados a participar mais efetivamente dos meios de comunicação de massa, como ator de novelas ou apresentadores de televisão. Contudo, é necessário delimitar algumas questões segundo os participantes. É diferente o rapper Xis participar da Casa dos Artistas, ou o MV Bill participar de Malhação em relação à participação de Thaíde no programa, A Liga na Band, ou mesmo o rapper Max B.O ao apresentar o “Manos e Minas” da TV Cultura. A questão está no conteúdo que é exibido, aos quais os rappers participam, está na questão do que o representante do movimento se propõe a apresentar. Segundo os participantes, “Fazendo um paralelo: Malhação mostra outra realidade ‘malhação – namora, come e dorme’. Na Liga a proposta é outra.” (Gustavo, 24 anos). “A Liga cria um debate na esfera pública. As pessoas irão discutir depois nas ruas, irá trazer questionamentos” (Wanderson, 29 anos). Dessa forma, os participantes do grupo focal ressaltaram que é necessário os produtores do Rap ficarem atentos às propostas dos meios de comunicação de massa, para uma possível parceria, tendo em vista que, segundo eles, os meios de comunicação viram no Rap a possibilidade de consolidar um público diferenciado. Podemos constatar também que a visibilidade midiática é importante, desde que seja proveitosa, principalmente para o movimento Hip hop. O que nos remonta à questão ressaltada anteriormente por Maia (2002) de que os meios de comunicação ainda são formas importantes para a deliberação pública. Como exemplo, “Quando MV Bill veio na Roxy42, a Rádio Oi patrocinou o evento, mas é uma Rádio que nem tocava suas músicas. Fez isso porque é bom pra ela ser associada ao nome do MV Bill” (Marcos, 29 anos). Mas, quando questionados sobre a possibilidade dos grupos de Rap irem aos meios de comunicação de massa, a maioria deles foi favorável, desde que seja para propagar o conteúdo do movimento, 42 Boate na região central de Belo Horizonte, conhecida por ter como público pessoas de classe média alta.
  • 45. 44 “Tem que ir nos meios de comunicação de massa para expor seu produto cultural, assim abrirá oportunidade para que venham outros grupos e o movimento desenvolva cada vez mais” (Thiago, 22 anos). “O Rap é um movimento de contra cultura. Acredito que o Rap pode chegar a tocar no Palácio das Artes, por exemplo.” (Eduardo, 30 anos). “O Rap tem capacidade de mudar a visão, e começar a pensar em dinheiro” (Gabriel, 26 anos). “Tem que ir onde o povo está independente da classe social” (Wanderson, 29 anos). 3.3.2 Os marcos midiáticos alteraram a mudança da imagem do Rap? Alguns marcos midiáticos trouxeram questionamentos diversos no período em que foram veiculados. Assim eles foram expostos novamente ao grupo focal para que se analisasse cada qual a sua percepção sobre esses marcos midiáticos. É necessário refletir se essa visibilidade midiática alterou de alguma forma, algumas questões em relação ao movimento Rap. Conforme os participantes, o que mudou não foi o preconceito, e sim outras questões como as descritas abaixo: “Ainda hoje, o cara que curte Rap é visto como estereótipo de ladrão. Os shows de Rap ainda são vistos com desprezo pelas pessoas.” (Gabriel, 26 anos). “O Rap alterou minha auto-estima, como diz o Mano Brown, “se o negro soubesse o valor da sua cor, pintava a mão de preto”. Ainda há preconceito. O Rap não é crime. As pessoas que estão no Rap curtem o movimento. Está sujeito a ter bandidos em todos os lugares” (Geraldo, 25 anos). “O Rap ainda não chegou aonde deveria estar. O preconceito ainda é grande. Há certo desprezo ainda em relação ao movimento. Outro dia teve uma divulgação no jornal onde trabalho, que o nome do rapper estava saindo errado, ainda existe uma preguiça com relação a isso, ninguém se importa se a informação iria sair errado” (Marcos, 29 anos). Segundo o participante Marcos, ainda existe por parte dos meios de comunicação de massa certo desprezo com informações que são veiculadas para divulgar o Rap, e essa questão ainda não se alterou. Os participantes ressaltaram que o que mudou foi à interação, atualmente a discussão proposta pelo Rap saiu da periferia e foi para as academias e, consequentemente, para outros lugares,
  • 46. 45 “O que mudou não foi o marco e sim a interação. O ‘playboy’ passou a escutar o Rap e a admirar” (Gustavo, 24 anos). Segundo os participantes, os marcos midiáticos, foram sim importantes, cada qual em sua época, como o programa YO MTV RAPS e o álbum dos Racionais Mc’s “Sobrevivendo no inferno” (dentro os citados), de 1998, “O povo que curte Rap se sentiu ouvido em 1998, através do álbum dos Racionais Mc’s. Foi a primeira vez que tivemos repercussão nos meios de comunicação de massa. Porém, o preconceito ainda é visível” (Gustavo, 24 anos). “Os meios de comunicação de massa não se envolveram tanto com o Rap, desde 1998. Foi a última vez que vi, a partir dali comecei a gostar do Rap ao vê-lo na MTV. De lá para cá não vi nada nesse sentido” (Gabriel, 26 anos). O participante Eduardo acrescentou a importância da Radio Favela e da TV Cultura, que contribuíram intensamente pela propagação do Rap desde a década de 1990, “Queria fazer justiça com a Rádio Favela. Quero ir além da cultura. Temos a TV Cultura, mas ainda é pouco” (Eduardo, 30 anos). Contudo, atualmente é a interação quem contribui efetivamente para o avanço do Rap, de acordo com os apreciadores do movimento, “A questão é o avanço tecnológico, é muito favorável, ficou fácil e graça disseminar conteúdo. O Rap, hoje, está em um grande momento, é a democratização da informação. A classe baixa tem acesso ao material cultural. Porém a MTV foi importante também” (Eduardo, 30 anos). “As tecnologias aprimoraram e contribuíram. O “playboy” chega ao mais pobre e a classe baixa se mistura com o “playboy” ao ouvir seus relatos” (Gustavo, 24 anos). Essa interação não é apenas social, segundo os participantes, ela se dá musicalmente também. Atualmente, rappers fazem músicas com participação de músicos de outros gêneros musicais, e isso é visto com aceitação, dependendo do artista, “O Caju e Castanha gravou um Rap com o MC Cauan. pessoas é válido” (Marcos, 29 anos). 43 43 Quando o propósito é juntar Disponível em http://raplongavidanacional.blogspot.com/2010/06/mc-cauan-vigilantes-mcs-part-caju-e.html. Acesso dia 22 de Maio de 2010.
  • 47. 46 3.3.3 O movimento Rap em bh: projetos e sonhos Os marcos midiáticos foram importantes para o movimento Rap, como supracitado pelos apreciadores. Dessa forma é necessário verificar se isso influenciou diretamente o público do movimento, assim como eles. Segundo a maioria, a aceitação ainda é restrita, pelo menos dentro de Belo Horizonte, “Eu dançava Hip hop, por falta de espaço na mídia, deixei o grupo e passei a ser divulgador de coletivos, através do meu blog fico no movimento, participo dessa forma do movimento (...). A mídia só vincula o Rap às coisas maléficas, ninguém fala dos casos de pessoas recuperadas, graças ao movimento” (Marcos, 29 anos). Quando questionados se os marcos midiáticos ajudaram a mudar a concepção em relação aos apreciadores do Rap, especificamente os participantes, a maioria foi incisiva ao dizer que não perceberam nenhuma mudança. “Quando eu falo com alguém, “vamos a um show de Rap?” O pessoal pergunta, mas como é lá, dá favelado? Cadê a mídia para mostra os projetos, a mídia é sensacionalista. Porque a mídia está dando alguma moral para o Emicida? A mídia aproveita disso.” (Marcos, 29 anos). Para o Rap se desenvolver efetivamente e chegar a um status de grandeza, segundo os apreciadores é necessário passar por alguns estágios, “Tem cara de 30 anos de estrada no Rap que não consegue gravar um CD. (Thiago, 22 anos).” “Temos que ter bancada na política assim como as Igreja evangélicas tem atualmente. O Estado, com o projeto “Fica Vivo” nos ensina a grafitar, mas vai tentar grafitar na rua pra você vê? Você vai preso. Há uma incoerência aí.” (Marcos, 24 anos). Dessa forma, o Rap pode expandir sua distribuição no mercado e alcançar novos rumos, passando aquela fase de 1990, onde os meios de comunicação o tratava com desprezo, “A mudança atual ocorre nas letras, em relação à década de 1990. O ritmo e poesia é muito mais que a favela. Não é só criminalidade, são milhões de coisas. Não é só local e regional, pode ganhar mais espaço” (Eduardo, 30 anos).
  • 48. 47 Esse espaço, ressaltado por Eduardo, também foi questionado por outro participante, “O que falta para termos aqui em Belo Horizonte um evento do nível do Pop Rock ou do Axé Brasil? Temos que ser ‘militantes’ da cultura, temos que ‘pedir moral’.” (Marcos, 29 anos). “Concientização.” (Gabriel, 26 anos). “Medo. Preconceito.” (Érica, 27 anos). “A violência é um problema social e não de gênero musical.” (Eduardo 30 anos). “Vou lá há muito tempo nos eventos de Rap e não vi nenhuma briga.” (Marcos, 29 anos). Salientando que o tema é bem complexo e não se esgota, assim foi necessário diluir muitas questões que não iriam enfatizar a proposta efetiva do trabalho. De uma maneira geral podemos perceber que o Rap ainda não conquistou, através de pequena visibilidade midiática, o “lugar” onde o seu público almeja, e isso só será alcançado com as novas tecnologias.
  • 49. 48 4 CONCLUSÃO Embora seja necessário ressaltar que as questões tratadas no grupo focal e salientadas pelos participantes não possam ser generalizadas, consideramos que as considerações apontadas foram essenciais para entendermos a nossa questão de pesquisa: como a visibilidade dada ao Rap brasileiro, a partir de marcos midiáticos, alterou o cenário do movimento Rap em Belo Horizonte? Dessa forma nossas questões permearam a compreender o processo histórico do Rap no Brasil, comparando o movimento atual e desde o fim da década de 1980, bem como suas mudanças. Analisar o conteúdo veiculado a partir dos “marcos midiáticos”. Identificar se a visibilidade dada ao movimento Rap contribuiu para o fortalecimento da autoestima dos apreciadores do mesmo. Buscamos avaliar se a visibilidade dada ao movimento Rap contribuiu para o fortalecimento da autoestima dos apreciadores do mesmo. Além de identificarmos a disputa simbólica relacionada à representação da periferia e do jovem que mora nessas localidades. Como ressaltado nesse trabalho anteriormente o Rap se comprometeu com a classe baixa da sociedade ao ressaltar os questionamentos, que anteriormente não tinha sido feito, como buscar soluções ou respostas para os problemas sociais e étnicos do país. Podemos perceber isso no grupo focal, ao identificar nos apreciadores um gosto pelas letras e por questões esporádicas, como alguns exaltarem que se viram nas letras dos Racionais MC’s, em 1998 no álbum “Sobrevivendo no inferno”. Em relação à produção, a questão se desenvolveu, como citado pelos apreciadores, em virtude dos avanços tecnológicos, que contribuíram para a disseminação mais rápida e ampla do produto em questão. Podemos perceber também que os marcos midiáticos contribuíram para a visibilidade do movimento Rap, porém não foram os únicos fatores que fizeram do Rap força cultural em desenvolvimento. Pois, segundo eles, muitas coisas ainda não mudaram, como por exemplo o preconceito em relação aos apreciadores da música Rap e a aceitação da música em locais destinados às outras artes.