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FUNDAÇÃO ARMANDO ÁLVARES PENTEADO

                   FACULDADE DE DIREITO




Poder, controle e engenharia social: Elementos para uma

   crítica da legitimidade no direito contemporâneo.




                      Aluno: André Luiz Zanardo


      Professor Orientador: Carlos Eduardo Batalha da Silva e Costa




                             São Paulo
                                2011
FUNDAÇÃO ARMANDO ÁLVARES PENTEADO

                          FACULDADE DE DIREITO




    Poder, controle e engenharia social: Elementos para uma

         crítica da legitimidade no direito contemporâneo.




Aluno: André Luiz Zanardo

Professor Orientador: Carlos Eduardo Batalha da Silva e Costa




                                        Monografia apresentada à Faculdade de
                                        Direito da Fundação Armando Álvares
                                        Penteado como requisito para obtenção do
                                        titulo de bacharel.




                                    São Paulo
                                       2011




                                                                               I
Agradecimentos



     O agradecer é um ato próprio de quem existe, do ser que compartilha

experiências. Sabe-se que não é possível agradecer a si mesmo, pois sozinho nada

existe, nada se experimenta. Agradecer é um ato solidário, daqueles que juntos

choram as batalhas e unidos repartilham a glória. Deste modo, quero agradecer a

todos, indistintamente, que da forma mais sublime e mais intensa ajudou a construir o

entendimento que neste reside. Neste trabalho não se encontrará a sabedoria do autor,

apenas o seu suor.



     Mas, tão importante quanto o saber, é fazer acontecer. Neste ponto eu agradeço

com distinções. À minha família pelas condições proporcionadas e pelo amor

concedido, que sem este não haveria força no mundo que me fizesse persistir. Ao meu

irmão de jornada, Igor Leone, pelo ambicioso projeto, que viemos cumprir. E à minha

querida Thais, que todos os dias me faz ver o amor além da razão, apontando para

frente como se lá houvesse um futuro bom. Obrigado a vocês pela motivação.




                                                                                   II
Deve-se sempre um agradecimento especial aos grandes líderes. São os homens

que sem medo de viver traduziram os seus entendimentos em ações e palavras.

Compreenderam o mundo e o dissecaram passo a passo para que outros pudessem

enxergar mais longe, do outro lado da margem, onde nos esperam pacientes; grandes

são os autores que se encontram nesta bibliografia. Porém, existe um líder que eu tive

a oportunidade de conhecer. Ele soube magistralmente conduzir as minhas dispersões

e divagações, e materializar as lacunas que os meus pensamentos somente eram

capazes de intuir: Ao Professor Carlos Eduardo Batalha da Silva e Costa o meu maior

agradecimento.




                                                                                   III
Banca Examinadora

_______________________________

_______________________________

_______________________________




                             IV
Este singelo trabalho é dedicado a todos aqueles

que dedicam parte da sua vida em tentar despertar

os autômatos da vida moderna para o período de

transição que estamos por passar.




                                               V
Quem olha fora, sonha. Quem olha dentro, desperta.

                                 Carl Gustav Jung




                                               VI
Resumo



                 A legitimidade é uma necessidade intrínseca de qualquer forma de
poder que queira se estabelecer no seio social. A sua construção remonta uma história
da perpetuação de oligarquias no poder. As técnicas de controle evoluíram conforme
as tecnologias psicológicas se aperfeiçoaram e acabaram por estabelecer o seu poder
através de uma engenharia social. Este trabalho faz uma abordagem de como as
estruturas do poder construíram um sistema que transformou o direito em um instituto
de contenção e normalização de indivíduos, relatando os mecanismos que
possibilitaram o controle social através de falhas no sistema democrático.




                                                                                 VII
SUMÁRIO



INTRODUÇÃO............................................................................................................1



1. DIREITO E PODER: O MODELO DA SOBERANIA........................................3

1.1. Soberania e vontade divina: a teoria de Bodin........................................................4

1.2. Soberania e estabilidade no Estado Leviatã: a teoria de Hobbes............................6

1.3. O soberano limitado: a teoria de Locke................................................................10

1.4. O soberano submisso ao povo: a teoria de Rousseau............................................12



2. A CRÍTICA DO MODELO DA SOBERANIA...................................................15

2.1. A lógica argumentativa da construção do poder soberano....................................15

2.2. A alma da soberania segundo Foucault.................................................................19

        2.2.1. O poder-dominação...................................................................................19

        2.2.2. O poder-disciplina.....................................................................................20

        2.2.3. As funções de seqüestro............................................................................23

2.3. Disciplina e dominação, a ideologia jurídica........................................................25



3. O PODER COMO CONTROLE DE COMPORTAMENTOS.........................27

3.1. A proposta de Skinner...........................................................................................27

             3.1.1. O homem social..................................................................................27

             3.1.2. A modelagem do comportamento humano.........................................29

3.2. Mecanismos comportamentais..............................................................................30

3.3. Estímulos instintivos.............................................................................................31

3.4. Reflexos condicionados.........................................................................................33

3.5. Comportamento operante......................................................................................35



                                                                                                                   VIII
3.6. Extinção Operante.................................................................................................38

3.7. Reforçadores..........................................................................................................39

3.8. Indução..................................................................................................................41

3.9. Punição..................................................................................................................43



4. ENGENHARIA SOCIAL E O PROBLEMA DA DEMOCRACIA..................45

4.1 A sofística moderna................................................................................................45

4.2. Sigmund Freud e a invenção da psicanálise..........................................................47

4.3. Edward Bernays e a invenção das relações públicas.............................................48

        4.3.1. Psicanálise, propaganda e relações pública..............................................48

        4.3.2. A construção do consentimento................................................................54

        4.3.3. A quebra da bolsa de 1929, o New Deal e as “máquinas de
        felicidade”...........................................................................................................55

4.4. A criação do indivíduo democrático.....................................................................57

        4.4.1. O experimento social (Anna Freud)..........................................................59

        4.4.2. Os grupos de foco (Ernest Dichter)..........................................................61

        4.4.3. Influência e manipulação: o exemplo do “golpe da Guatemala”..............62

        4.4.4. A crítica de Herbert Marcuse....................................................................64

        4.4.5. A democracia como discurso....................................................................67

        4.4.6. A democracia no modelo de democracia representativa..........................70



5. O DIREITO E PODER: ALGUMAS CONCLUSÕES......................................74



REFERÊNCIAS.........................................................................................................78

ANEXO I – EXCURSO.............................................................................................81

ANEXO II – MORAR O MEDO: UM TEXTO DE MIA COUTO.......................83



                                                                                                                            IX
INTRODUÇÃO


                 Este trabalho surgiu pela necessidade do autor encontrar dentro do universo
humano qual é o papel exercido pelo direito e a democracia na sociedade contemporânea.
Verificou-se que existe um processo de manipulação comportamental e psicológica envolvida
em ambos os tópicos. Constatou-se na pesquisa uma construção do controle de massa que
pode ser dito como uma “engenharia social” Desta forma, faz-se necessário desenvolver o
trabalho dentro de uma abordagem multidisciplinar, que caminha além do direito por diversas
áreas do conhecimento científico, com passagens da psicologia, da filosofia, da sociologia, da
comunicação, da história, entre outros.
                 Primeiramente, é importante ressaltar que para se obter um melhor
aproveitamento das exposições, será necessário conhecer como se processa a construção do
conhecimento humano, os mecanismos de controles comportamentais e a atual tecnologia de
controle psicológico, que mesclam desde teorias behavioristas às freudianas. Para obter estes
conhecimentos de como processam estes mecanismos de manipulação foram colocados três
capítulos que elucidarão melhor o discorrido.
                 O primeiro capítulo trata da maneira que se consolidou o poder soberano,
desde a legitimação do poder absolutista até a concepção de uma soberania legitimada pelo
povo. O nascimento do contrato social e o direito positivado na construção da noção de
Estado. Todos estes processos consolidaram precipuamente com a intenção de perpetuar as
elites do poder, sempre de forma a garantir confiança na população. Utilizou-se de diversas
premissas filosóficas e inverdades não comprovadas que mascararam as reais intenções das
oligarquias da época.
                 Em seguida, no segundo capítulo, é apresentada uma crítica de Michel
Foucault, que demonstra a evolução do poder soberano através do poder disciplinar. Um
artifício utilizado para mascarar o que havia de dominação nos poderes da soberania. Esse

                                                                                            1
mecanismo exercido através de instituições disciplinares por processos de normalização de
condutas aplicam a força de forma muito mais sutil do que somente a dominação exercida
pelo poder soberano. Esta sobreposição de instrumentos, poder disciplinar e poder soberano,
serviu de forma a complementar a força do Estado, mascarando e legitimando as suas
intenções.
                 O terceiro capítulo aborda a análise do comportamento humano através de
uma perspectiva behaviorista. São postos para a observação do leitor alguns mecanismos que
modelam o comportamento humano. Estes mecanismos facilitam a compreensão da
construção da engenharia social, que conectam as teorias behavioristas com os estudos
freudianos. Adiante, no quarto capítulo é desenvolvido um enredo com abordagens históricas
da evolução da psicologia comportamental voltada para uma engenharia do comportamento
social. Por fim, questiona-se o papel do direito e da democracia em uma sociedade “pré-
moldada” e busca-se encontrar as conexões que permeiam as relações de poder.




                                                                                         2
1. 1. DIREITO E PODER: O MODELO DA SOBERANIA


                    “A soberania é o poder absoluto e perpétuo de uma república” 1
                    Jean Bodin


                    O Estado não é a primeira formação nuclear de poder, já existiam outras
formas de controle social dentro das famílias, tribos e clãs, porém nenhuma com arranjo tão
complexo. Normalmente, quando não se estava em crise inexistia a figura controladora do
Estado, provavelmente a sua formação é de uma origem tardia da cultura neolítica. Boa parte
das comunidades selvagens não possui tribunais, força policial ou coerção estatal. Os
costumes e o direito a vingança são à base da justiça, neste momento ainda não se concebe,
nem se materializa a ideia de crime.2
                    A instituição estatal surgiu para demandar algumas determinações políticas,
econômicas e sociais. Primordialmente, com base nos clássicos da teoria do Estado, entende-
se que o Estado surge em razão do desenvolvimento da tecnologia na agricultura e pecuária, e
que foram responsáveis pelos conflitos de desigualdades gerados pela propriedade privada e o
avanço do capital.3
                    A corrente filosófica que comunga deste entendimento chama-se
contratualismo, que floresceu desta concepção nos séculos XVII e XVIII. Esta filosofia está
pautada na celebração de um pacto social entre todos os indivíduos, para delegação de
poderes a um soberano que criará e gestará as normas de convívio social.4
                    Existem algumas peculiaridades de entendimentos quanto aos “termos
contratuais” dependendo do autor. Thomas Hobbes visualiza um pacto de submissão dos
individuais à soberania, John Locke e Rousseau acreditam num pacto consentido, pois não
estabelecem uma aceitação absoluta dos indivíduos em face dos termos contratuais. Apesar
das diferenças, elas são mínimas e todos contribuíram para criação do Contrato Social nos
termos em que se vive atualmente



1
  BODIN, Jean. Les six livres de La republique, Livro I, Capítulo VIII p.179 apud RISCAL, Sandra Aparecida. O
conceito de soberania em Jean Bodin: um estudo do desenvolvimento das idéias de Administração Pública,
Governo e Estado no século XVI. Campinas: [s.n.], 2001. P.05
2
   BURNS, Edward Macnall. História da Civilização Ocidental: do homem das cavernas à bomba atômica.
Tradução de Lourival Gomes Machado. 25. ed. São Paulo: Globo, 1983, p. 23
3
  FERRER, Walkiria Martinez, DA SILVA, Jacqueline Dias. A soberania segundo os clássicos e a crise
conceitual na atualidade. Marília. Argumentum - Revista de Direito - Volume 3 – UNIMAR, 2003
4
  Op cit, FERRER, SILVA, 2003, p.105
                                                                                                           3
1.1. Soberania e vontade divina: a teoria de Bodin


                   "Se nós dissermos que tem poder absoluto quem não está sujeito às leis, não
                   encontraremos no mundo príncipe soberano, visto que todos os príncipes da
                   Terra estão sujeitos às leis de Deus e da natureza e a certas leis humanas
                   comuns a todos os povos” 5 Jean Bodin


                   Jean Bodin era magistrado e professor de Direito, e foi o primeiro a
aprofundar-se no estudo da teoria da soberania. Viveu na França no final do século XVI, num
clima hostil entre católicos e protestantes, que disputavam a supremacia do poder político. As
igrejas não aceitavam uma dualidade quanto ao posicionamento de rei e exigiam um
posicionamento político do monarca. Jean Bodin era defensor de um partido reacionário
denominado “Políticos”, que militava em favor dos poderes absolutos do rei. Na obra “Seis
livros da República, Bodin esclarece os seus objetivos de fortalecer o poder do rei,
defendendo que o poder de soberania é exclusivo do monarca, sendo este perpétuo e absoluto.
Desta forma, o rei se torna o único responsável pela gestão política da República.6
                   A preocupação fundamental do filósofo era evitar e acabar com os conflitos
religiosos, e outros interesses classicistas, por fim extinguindo com o caos social. A
manutenção da desordem social foi refletida de forma a fortalecer o poder estatal na figura do
monarca, tornando a república ordenada e disciplinada na lei. Jean Bodin desenhou a
vitaliciedade e a sucessão hereditária do poder absoluto do monarca. Ele garantiu que o rei
fosse independente e estivesse acima da lei, afinal o Estado se constituía de fato na figura do
soberano.7


                   “Somente ao soberano cabe o poder de criar e eliminar leis, a nenhum outro
                   indivíduo ou conjunto de indivíduos, nem mesmo aos funcionários do
                   Estado, cabe a formulação das leis, pois o poder soberano deve ser absoluto
                   e para tal não pode ter ‘sócios’.” 8



5
  BODIN, Jean. Obra citada, Livro I, Capítulo VIII, p. 190, apud RISCAL, Sandra Aparecida. O conceito de
soberania em Jean Bodin: um estudo do desenvolvimento das idéias de Administração Pública, Governo e
Estado no século XVI. Campinas: [s.n.], 2001. P.204
6
  Ibd, FERRER, SILVA, 2003, p.103
7
  Op cit, FERRER, SILVA, 2003, p.104
8
  Op cit, FERRER, SILVA, 2003, p.103
                                                                                                      4
Segundo Jean Bodin, a soberania torna o soberano senhor das leis e, por
conseqüência, daqueles que estão a elas submetidos:


                   “É preciso que o soberano possa dar a lei aos súditos e anular ou revogar as
                   leis inúteis para fazer outras; o que não pode ser feito por aquele que está
                   submetido às leis ou por aquele que está sob o comando de outrem” 9


                   Ele contribuiu de fato para que se conferisse importância ao direito, às leis,
à legalidade, que por sua vez garantiu a fundamentação do poder de soberania. Porém existe
uma contradição: O poder soberano do monarca está pautado numa legislação criada pelo
próprio rei. Mas quem conferiu a ele este direito? Jean Bodin explica que o monarca é a
representação da vontade divina no reino, tornando o rei o princípio, o meio e o fim da
organização estatal. Ele ainda explica que o monarca deve obediência e respeito às leis
naturais e divinas, que somente dessa forma diferenciaria a figura do monarca e um tirano.
“Porém, mesmo que a desobediência ocorra, ela não é válida, pois carece de leis específicas
para punição do rei, desta forma carecem de eficácia legal e não exercem coerção jurídica
sobre o soberano”.10
                   Pode-se entender Bodin como um dos contribuintes do direito positivo, e da
criação de uma norma suprema. Em âmbito administrativo ela também foi um dos precursores
da análise do que seria uma função pública. Vinculou o exercício do poder não ao poder
intrínseco do monarca ou do magistrado, mas como poder delegado de uma ordem superior,
que permanece em poder de Deus e do Estado. Isto não significa que ele promovia dentro do
seu esquema de teorias de Estado a pessoalidade dentre os indivíduos. A norma incidia nas
relações entre o povo, o monarca e o império no sentido de afirmar o caráter de dinastia régia,
                                                                                    11
com a intenção de realizar condições para garantir o exercício do poder real.




9
   CHEVALLIER, Jean Jacques. As grandes obras políticas: de Maquiavel a nossos dias. Tradução de André
Praça de Souza Teles. 8. ed. Rio de Janeiro: AGIR, 2001, p. 124
10
   FERRER, SILVA, 2003, p.104
11
   MONTEIRO, Rodrigo Bentes. A República de Jean Bodin: uma interpretação do universo político francês
durante as guerras de religião. Tempo. Revista do Departamento de História da UFF. Rio de Janeiro: Sete
Letras, v.15, 2003, p.172
                                                                                                     5
1.2. Soberania e estabilidade no Estado Leviatã: a teoria de Hobbes


                   "Todos são iguais no ‘medo recíproco’, na ameaça, que paira sobre a
                   cabeça de cada um, da ‘morte violenta’. Os homens ‘igualam-se’ neste
                   medo da morte.12" Thomas Hobbes


                   Thomas Hobbes era antes de tudo um exímio observador da natureza
humana, tinha interesse no comportamento individual das pessoas e de quando elas estavam
sobre a batuta coercitiva do poder estatal. Hobbes, no século XVII, viveu em um período
marcado por conflitos religiosos e políticos entre a Coroa e o Parlamento. No final do século,
em 1688, a Revolução Gloriosa marcou o fortalecimento liberal em detrimento do
absolutismo. Diante deste contexto histórico, Hobbes percebeu uma tendência natural do
homem em desobedecer às normas de condutas e de convivência. Foi então que ele dirigiu os
seus estudos para as causas que levavam a desobediência, que na sua visão estava pautada na
Lei de Natureza: o homem livre de condicionamentos.13
                   Sucintamente, o entendimento de Hobbes é fruto do que ele acredita ser a
natureza humana, que é o resultado de um ser imaginativo, inseguro, desconfiado,
competitivo, egoísta entre outros, que está em constante disputa por poder. Com este
panorama pessimista da concepção metafísica humana, ele vê como caminho a instituição do
Estado Leviatã, que não é somente um conjunto de normas, mas também um corpo que exige
o seu cumprimento sob a lâmina da espada.
                   Thomas Hobbes, em um dos seus estudos, verifica uma imprecisão
metodológica na linguagem; entende que ela pode causar danos com conseqüências
espantosas para o homem e a sociedade, em razão do seu poder de alterar os ânimos.


                   “Quando as palavras se tornam “emotivas” e são utilizadas para enunciar
                   preferências pessoais em vez de fatos, toda ordem se torna impossível. E
                   mesmo assumindo que “todos os homens, por natureza raciocinam de forma
                   semelhante, e bem, quando têm bons princípios”.14

12
    HOBBES, Thomas. De Cive, Filósofos a Respeito do Cidadão. Tradução de Ingeborg Soler, Petrópoles,
Vozes, 1993, P.27
13
   Ibd FERRER, SILVA, 2003, p.104
14
   HOBBES, Thomas. Leviatã ou Matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil (São Paulo: Editora
Abril/Coleção Os Pensadores.1983 P.30 apud POUSADELA, Inês M.. O contratualismo hobbesiano. Na
publicação: Filosofia política moderna. De Hobbes a Marx Boron, Atilio A. CLACSO, Consejo. P.358
                                                                                                        6
Em detrimento do caráter volátil que permeia as relações humanas e de
linguagem, ele tenta fixar um padrão com base em convenções, para que seja possível uma
unidade de definições. Para Hobbes não importa que estas convenções não caracterizem a
verdade real, para ele a ciência política deve incansavelmente perseguir a paz. Ele não
acredita numa ordem natural nos assuntos humanos, defende que esta ordem deve ser criada,
assim como todas as ciências que permeiam o universo das humanidades. Para Hobbes o
importante é a estabilidade, os Estados devem ser feitos para durar. A política deve ser
demonstrável, metodológica, geométrica, tão disciplinada quanto uma estrutura kelso-
cartesiana.15
                   Thomas Hobbes visiona que intrinsecamente ao homem existe um sistema
dedutivo, em círculo fechado, “que uma vez completo os axiomas que o põe em movimento,
não acrescenta nada de novo ao que já sabemos; só iluminam relações antes não percebidas.”
Este é um sistema que não acrescenta qualquer informação que já não esteja embutido nele
mesmo. As conclusões são resolutivas diante das premissas, ou seja, nada chega de fora, tudo
já está contido desde o início. Este mecanismo de círculo fechado é chamado de Estado de
Natureza do homem. Hobbes descreve que todas as paixões e os mecanismos que o movem
são frutos da atração ou repulsa, causados por estímulos externos, que agem em razão da
autopreservação.16
                   Assim, determinada a condição de Estado de Natureza, Hobbes busca, a
partir deste ponto, derivar o Estado de forma positivada. É um processo de descobrir dentro
do homem a lei que o rege, e pautar deste, o sistema jurídico. Para Hobbes o homem é
pautado por paixão e razão, ele é análogo a uma maquina de desejos, sendo que o seu desejo é
tido como o bem e a sua aversão o mal. O homem é impulsionado pelas suas paixões, assim
como os animais, mas existem duas que predominam entre os homens, a linguagem e a
curiosidade. Graças a estes dois fatores o homem não se desenvolve exclusivamente em razão
dos desejos imediatos, mas pautado também pela garantia de satisfações futuras.17 Este efeito
resulta em “um perpétuo e irrequieto desejo de poder e mais poder, que cessa apenas com a



Latinoamericano. de Ciencias Sociales; DCP-FFLCH, Departamento de Ciencias Politicas, Faculdade de
Filosofia Letras e Ciencias Humanas, USP, Universidade de Sao Paulo. 2006. P.358
15
   HOBBES, Thomas, Leviatã ou Matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. São Paulo: Editora
Abril/Coleção Os Pensadores, 1983 P.30
16
   Ibd, POUSADELA, 2006, P. 359
17
   Ibd, POUSADELA, 2006, p.359
                                                                                                        7
morte” 18.
                  O poder, para Hobbes, é todo artifício utilizado para se obter um fim, sejam
as habilidades naturais ou adquiridas com a experiência, bens, informação entre outros.
Sinteticamente Hobbes diz: “qualquer qualidade que torna um homem amado, ou temido por
muitos, é poder; porque constitui um meio para adquirir a ajuda e o serviço de muitos” 19
Para ele, a finalidade é utilizada em razão da:


                  “(...) vanglória (sentimento de poder sobre outros homens) e honra
                  (reconhecimento de seu poder), virtudes aristocráticas em concorrência com
                  as virtudes burguesas que visam à conquista da segurança da vida e dos
                  bens. Trata-se de um dado importante porque, como aponta Zarka, constitui,
                  dentre as três grandes causas de discórdia – competição, desconfiança e
                  glória– a única verdadeiramente irracional” 20


                  Mesmo diante deste panorama caótico de emoções descrito por Hobbes, ele
diz que neste estado de natureza as pessoas possuem direitos de desejar como quiserem. Para
ele, no estado de natureza, não existe limites para o desejo, nem mesmo para o direito. Sem o
Estado todos os homens têm direito a tudo, e, portanto ninguém pode adquirir direito
exclusivo a qualquer coisa. Hobbes acredita que os homens são iguais em todos os fatores,
tanto em força quanto em faculdades mentais, e diz que se não o é, o que importa é que
desejam que o seja. E a partir deste entendimento ele diz:


                  “(...) e se a natureza fez os homens iguais, como os homens, dado que se
                  consideram iguais, só em termos igualitários aceitam entrar em condições de
                  paz, essa igualdade deve ser admitida”.21


                  Mas, Hobbes também identifica algumas causas, que em sua opinião são
procedentes da natureza humana e que impactam a igualdade de desejos, quais sejam: “a
competição (pelo benefício), a desconfiança (pela segurança) e a glória (pela reputação).
Assim, enquanto não houver um poder comum que atemorize os homens, o estado de natureza

18
   Ibd, HOBBES, 1983, p. 60
19
   Op cit, HOBBES, p.50
20
   Op cit, POUSADELA, p.360
21
   Ibd, HOBBES, 1983, 92
                                                                                            8
será um estado de guerra, real ou potencial.” 22
                  Porém, num estado como este, o direito, a ilegalidade, a justiça e a injustiça
inexistem. Tudo é válido, como forma de se obter um fim. É válido o uso da força e da fraude,
pois se trata de um padrão de regulação social subjetivo, sem um ideal denominador comum.
Todos são juízes da sua própria racionalidade, tudo é verdade.
                  Diante deste quadro, Hobbes defende que a ação impositiva de um Estado é
imprescindível para delimitar parâmetros de sobrevivência, encontrando no direito à vida em
paz um denominador comum entre os homens. Para Hobbes, se for para evitar o caos do
Estado Natural, é válido pelo soberano até mesmo o controle da consciência pública através
das doutrinas ensinadas nos domínios da soberania. É possível se retirar a liberdade de
expressão, as doutrinas revolucionárias, ou sediosas. A linguagem, como forma de criação
humana pode ser manipulada para comunicar as vontades arbitrárias, desde que os
significados sejam colocados como entender o soberano. Para Hobbes, importa menos o
conteúdo concreto da mensagem, como verdade, mas a garantia de uma certeza, a de
estabilidade. O problema a ser solucionado é que haja o mínimo possível de doutrinas
divergentes, a fim de se manter um padrão de aceitação coletiva conhecida. Para ele se trata
apenas de um dispositivo utilizado para ordenar a sociedade com a finalidade de se obter a
paz, independe a regra, o que importa é que todos entendam e às sigam. Nessa perspectiva o
soberano recebe o máximo poder de definição de padrões, ele se torna praticamente Deus.23
                  Em contrapartida, a segurança desenvolvida por este sistema tornaria os
homens dóceis e compreensíveis o suficiente a acreditarem que novamente são iguais e que,
portanto alguém assegurará a aplicação da lei. Este sistema almeja a confiança dos indivíduos
para agirem diante do acordado sem sentirem prejudicados, pois o sistema é seguido por
todos, e quando não o é existe uma punição para o ser errante. Estas regras somente exalam a
confiança quando existe o temor, pois, “na ausência do temor de algum poder capaz de levá-
las a ser respeitadas” são, de acordo com o que afirma Hobbes, “contrárias as nossas paixões
naturais”, isto é, só podem ser efetivas quando o ator sente-se seguro de segui-las sem que
isso redunde em seu próprio prejuízo.24
                  Conclui-se o pensamento hobbesiano num sistema em que a obediência e o
respeito à autoridade é a expectativa de um resultado que garanta uma maior vantagem
individual, do que: a guerra civil ou o estado e natureza. A sociedade, em harmonia com o

22
   Ibd, POUSADELA, 2006, P.361
23
   Ibd, POUSADELA, 2006, P.361
24
   Op cit, POUSADELA, 2006, P. 363
                                                                                              9
Estado, é apenas mais um meio para a inevitável realização das vontades egoísticas
individuais. A sacada de Hobbes é garantir este como o único sistema, conquistado através da
imposição do medo do desconhecido, como se fosse mais um dogma religioso ao tratar do
inferno. Este consentimento ao sistema de soberania hobbesiano é legitimado de forma tácita,
implícita, se deduz que todas as pessoas preferem o soberano a viver no inferno do estado de
natureza. É exatamente neste momento que a legitimidade se torna uma realidade factual.25
                   Ademais, um ponto de relevância na contribuição Hobbesiana para o
contratualismo foi a união do pacto de constituição com o pacto de submissão, que conferem
conjuntamente ao soberano um poder supremo, pois em apenas um momento a sociedade
constitui e determina a sua gestão absoluta ao soberano. A legitimidade foi garantida pelos
indivíduos em conjunto e não mais estabelecido como fruto de um poder divino. Assim,
Hobbes fortaleceu o poder soberano, que não mais participa do pacto, agora ele se tornou o
fruto do último.
                   Ademais, sendo o Leviatã um ser artificial composto pela vontade dos
homens no seu estado de natureza, a sua divisão passa a ser uma enfermidade da sociedade,
como se fosse a criação de um tumor no sistema. Possibilita, portanto, que o soberano
remedíe a situação com imposição máxima da sua força em nome do bem-estar social. Diante
do exposto, conclui-se que, para Hobbes “o poder supremo do monarca soberano que está à
frente do Estado em um dado momento, retrata claramente o contexto político do
absolutismo.” 26




1.3. O soberano limitado: a teoria de Locke


                   Locke certamente foi muito influenciado pelo contexto liberal. Assim como
Hobbes, John Locke viveu um período emblemático na Inglaterra, que refletia os combates
entre a Coroa e o Parlamento. Esta disputa política tinha contornos desenhados pela dinastia
Stuart, que era adepta ao absolutismo, e a burguesia liberal, que naquela altura já possuía
poder econômico e desejava também o político.27
                   Ademais, complementando os conflitos políticos supramencionados, existia
também uma disparidade entre as religiões católica, anglicana, presbiteriana e puritana. Esta

25
   Ibd, POUSADELA, 2006, P.369
26
   Ibd, POUSADELA, 2006, P. 371
27
   Ibd, FERRER, SILVA, 2003, p.108
                                                                                            10
crise não se resumia a um mero embate político, ou de gestão pública, já tinha atingido outros
patamares, pois a crise foi agravada pela “rivalidade econômica entre os beneficiários dos
privilégios e monopólios mercantilistas concedidos pelo estado e os setores que advogavam a
liberdade de comércio e produção”.28
                   Como fruto desta desordem, o resultado foi a morte do rei da dinastia Stuart,
Carlos I. Em 1649, sob o governo Cromwell implantou-se a república, a chamada Revolução
Puritana, que garantiu espaço para a burguesia. Cromwell morreu em 1660, e devolveu-se o
trono inglês à dinastia Stuart. Este período, instável, depôs Jaime II do poder, um absolutista,
para colocar em 1688, Guilherme de Orange no parlamento. Com o recebimento da Coroa do
Parlamento marcou a vitória do liberalismo sob o absolutismo. Desta maneira, Locke pode
voltar do exílio às terras britânicas e publicar suas obras. 29
                   Locke fez oposição aos entendimentos absolutistas de Robert Filmer, que
entendia à monarquia como descendente do personagem bíblico Adão, o herdeiro legítimo de
Deus. Ele também criticou a doutrina do direito divino e começou a escrever sobre o contrato
social, sempre em tom de crítica ao absolutismo. Diferentemente de Hobbes, ele não entende
o homem como um ser que quando em estado de natureza vive em guerra constante. Para
Locke, o homem natural é pacífico e harmônico, desprendendo a sua íra somente em razão da
defesa da propriedade. A propriedade era para Locke o ponto central do seu discurso político,
entendido por ele como liberdade e bens. A liberdade e os bens para Locke já existia antes
mesmo da política, tinha a origem no direito natural do homem.30
                   Diante da concepção de que o homem é pacífico por natureza, não
existiriam razões suficientes para se criar uma sociedade política, ou um governo civil, em
uma sociedade harmônica. O que caracteriza a necessidade de se delegar poderes a um
soberano é o direito de propriedade, que torna os homens impuros. Mas este poder de regular
deve advir de alguém imparcial, que não detenha poderes absolutos nem arbitrários, que seja
instituído sob a égide do consentimento racional dos homens.
                   Depois de aceitar “contratualmente” a criação de uma sociedade política,
deve-se escolher de quem será o poder de criar as leis. Para Locke a democracia era atingida
pelo poder da maioria legislar, quando era um numero ínfimo de pessoas chamava-se
oligarquia, e quando de apenas um homem, monarquia. Para ele, o poder legislativo era de
tamanha importância, pois o sistema consiste na criação de leis que possam fundamentar e

28
   Op cit, FERRER, SILVA, 2003, p.108
29
   Op cit, FERRER, SILVA, 2003, p.108
30
   Op cit, FERRER, SILVA, 2003, p.109
                                                                                             11
conservar uma sociedade. Portanto, diante de um poder originário nada mais natural do que
enxergá-lo como reinante sobre os outros poderes. Porém, esta importância “superior” do
legislativo não é absoluta, e nem arbitrária, pois primordialmente deve obediência ao bem
público. Ao executivo cabe o poder de se fazer cumprir as determinações do legislativo, bem
como aplicar eventuais penalidades em caso de sua desobediência. Por fim, ao poder
federativo como um todo insurge ditar a guerra e a paz.31
                     Determinado o sistema de consentimento de uma maioria para a finalidade
de se constituir um poder, foi criado o conceito de legitimidade ao soberano. Portanto o
sistema deve ser regido por um governo de maioria de governantes, consentido pela maioria
dos indivíduos. Desta maneira consegue-se manter uma estabilização política na aceitação do
soberano e do dever de obediência às suas leis.
                     Diante do exposto, observa-se no pensamento de Locke uma evolução no
conceito de soberania de Bodin e Hobbes, desenvolvido de acordo com as aspirações políticas
e econômicas antiabsolutistas filosofadas àquela época. Deixou-se de pensar no poder divino,
impositivo, absoluto e unilateral do monarca, para conceber a ideia de racionalização de quem
serão os governantes legitimados para adquirir o poder soberano. A sua obra iria inspirar e
aproximar o entendimento concreto de Jean Jacques Rousseau sobre o que de fato seria o “O
Contrato Social”.




1.4. O soberano submisso ao povo: a teoria de Rousseau


                     O pensamento Iluminista de Jean Jacques Rousseau forneceu a base para
que a Revolução Francesa transformasse a política na Europa e no mundo. Era um momento
de transição na Europa. Existia uma insatisfação quanto aos gastos exacerbados da nobreza
com os cofres públicos, que naquela altura, para manter a luxúria, desfalcaram a economia. A
influência de Rousseau permeou o final do século XVIII, e a sua obra de maior relevância foi
“O Contrato Social”. As teorias iluministas podiam ser vistas àquela época como duas, a visão
liberalista de John Locke, Voltaire e Montesquieu, bem como a visão democrata de
Rousseau.32



31
     Ibd, FERRER, SILVA, 2003, p.110
32
     Ibd, FERRER, SILVA, 2003, p.110 -111
                                                                                          12
“A teoria liberal representou mais a aversão a qualquer tipo de sobreposição
                  de poderes, seja da minoria quanto da maioria, do que propriamente pelos
                  ideais democráticos, refletindo os interesses da classe burguesa em ascender
                  politicamente, já que, àquele momento, já detinham considerável poder
                  econômico.” 33


                   Em princípio, o liberalismo primou por garantir a defesa dos direitos
individuais, deixando de lado os interesses relativos à coletividade. Já Jean Jaques Rousseau,
com a teoria democrática descrevia a condição de igualdade natural atinente aos homens. Ele
preocupou-se em destacar o que seria um Estado Democrático legítimo pela soberania popular
em contraposição a um grupo de governantes. Desta forma, Rousseau contribuiu com a
Revolução Francesa para que a maioria das nações se tornasse republicana, ou ao menos se
tornassem monarquias parlamentares. Com a sua obra, “O Contrato Social”, Rousseau
facilitou o período conturbado de transição, propôs métodos que garantiriam uma sociedade
mais justa e democrática.34
                   A natureza humana assim como para os outros filósofos contratualistas
também foi razão de preocupação para a filosofia de Rousseau. O contrato social também foi
justificado nas razões da natureza humana, que foi traduzido o seu entendimento na obra
“Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens”, de 1755. Ele
trata a origem da desigualdade entre os homens buscando o seu início, que se dá com o
surgimento da propriedade, o causador do pandemônio. Ao tratar sobre a natureza humana
Rousseau ousa discordar de Hobbes, que afirma que o homem no seu estado de natureza é
mau, egoísta, imaginativo, desconfiado e, portanto, amante da guerra. O filósofo francês
acredita que o homem é corrompido pela competição e desigualdades hierárquicas, sendo
fruto da transformação que a sociedade o impôs. Portanto, na visão rousseauniana o homem é
aquilo o que fazem dele, o meio social e a disposição do sistema é causa geradora das ações
humanas.35
                   Diante deste esquema lógico Jean Jacques Rousseau pensa no sistema de
forma a que os homens vivam em igualdade absoluta, e que qualquer forma de poder que
sobrepuja um direito individual deve advir da consciência coletiva, legal e legítima. Sendo

33
   Op cit, FERRER, SILVA, 2003, p.110
34
   Op cit, FERRER, SILVA, 2003, p.111
35
   Ibd, FERRER, SILVA, 2003, p.111 -112

                                                                                            13
assim, é exigida a legitimidade dos indivíduos para transformar o poder do soberano, o
colocando numa situação como a de “funcionário do povo”. Ele concebe a ideia de
temporariedade do direito de se exercer a soberania e torna a vontade do povo inalienável.
                 Por óbvio, a contribuição de Rousseau na transformação do período de
servidão a uma maior “liberdade” foi muito mais extensa do que as explanadas, assim como
as contribuições dos outros filósofos para se chegar ao contexto atual. O conceito de
soberania foi desenvolvido a partir de contextos políticos, econômicos, e sociais, conforme os
anseios da sociedade da época. Jean Bodin e Thomas Hobbes tornaram o poder absoluto, não
estatal, concentrado em um único homem. John Locke e Jean Jacques Rousseau contribuíram
para a distribuição do poder soberano e criar a noção de legitimidade. De fato, a noção
democrática persiste por ser ampliada, mas em momento nenhum se chegou a encontrá-la por
completo.




                                                                                             14
2. A CRÍTICA DO MODELO DA SOBERANIA


                    Os métodos de manutenção do poder foram se aperfeiçoando ao longo do
tempo. A busca pela legitimação da utilização do poder da força sempre foi o objetivo. No
início o soberano era um homem que se dizia a representação divina na Terra. Num segundo
momento as teorias disseram que o homem precisava ser controlado para viver em paz. As
formas de controle eram sempre baseadas na força bruta, em formas de contenção e ações
coercitivas do Estado Soberano. Em dado momento, este desgaste enérgico na aplicação da
força reduziu sua intensidade para ser substituído por tecnologias disciplinares. A sociedade
permaneceu sob controle, mas desta vez, de forma inconsciente. Para melhor entender o que
foi exposto anteriormente é importante que façamos uma observação dentro de uma estrutura
linear de argumentação.




2.1. Lógica argumentativa da construção do poder soberano.


                    “Nenhuma ordem social é intrinsecamente legítima, sua legitimidade só
                    pode advir do reconhecimento do corpo social, do consentimento ativo da
                    população.36“ Guilhon Albuquerque


                    Para explicar as razões que levaram a sociedade a um culto do egoísmo
(Capítulo IV) é necessário fazer uma abordagem da construção do poder do soberano, da
garantia legal criada e as retóricas que determinaram a sua legitimidade. Utilizar-se-á neste
tópico uma estrutura discursiva lógica e pretensamente linear. Desta forma objetiva-se
entender à disciplina ao qual a sociedade está submetida e os meios de dominação coativas
que lhe é imposta, até encontrar no topo do esquema atual de organização social o chamado
“homem burguês”, como teorizado por Hobbes. 37




36
   ALBUQUERQUE, Guilhon “Violência Social e Violação da Ordem”. in “Metáforas do Poder”, Achiamé
Socii, textos paralelos, Rio de Janeiro 1980 apud ROCHA, Leonel Severo. A fala soberana. Revista Sequência.
Ano2. 1981 p.84
37
   No Leviatã de Hobbes é possível verificar a presença, no texto do Leviatã, de uma figura à qual se pode
chamar o “homem burguês” cujas atitudes e valores mais típicos podem ser resumidos em termos de
“individualismo possessivo”, ou seja, como típico comportamento burguês, centrado na aquisição individual da
propriedade. (MONTEIRO, João Paulo. A Ideologia do Leviatã Hobbesiano. São Paulo. IEA/USP)
                                                                                                         15
Michael Foucault faz uma abordagem distinta, de tamanha pertinência para
as explanações aqui contidas, que foi reproduzida em uma de suas exposições no Collège de
France em Paris no ano de 1975 e 197638 – “Existe um princípio primeiro que contorna as
relações do Direito e do Poder: e todo pensamento jurídico que dele emanou, desde a Idade
Media, foi construído essencialmente através do poder régio. Foi em proveito deste poder,
como garantia de servir como sustentação para a sua utilização, que se construiu o edifício
jurídico das nossas sociedades.” 39
                  Observa-se que desde a Idade Media a teoria do direito, por suas excelências
intelectualidades advindas do monarca, do clero, ou por muitas vezes das classes abastadas da
sociedade, a burguesia, elas lograram por fixar a legitimidade do poder, ininterruptamente.
Esta legitimidade era necessária para se perpetuar o poder que já estava sendo imposto pelo
soberano, que em primeiro plano se sustentava fragilmente por poderes que eram ditos
concedidos por deuses. Leciona Sahid Maluf:


                  “A princípio, o poder de governo era exercido em nome e sob a influência
                  dos deuses, contando assim, pacificamente com uma justificação natural, de
                  ordem carismática, aceitável de pronto pela simples crença religiosa. Mas, a
                  necessidade de uma firme justificação doutrinária de poder foi se tornando
                  cada vez mais imperiosa, até apresentar-se, na atualidade, como problema
                  crucial da ciência política.” E o problema central da organização da teoria
                  do direito incidiu na questão da soberania. 40


                  Thomas Hobbes, como outros contratualistas, serviram de ponte para a
transição do período em que o rei se sustentava pelo poder de legitimação divina, defendida
por Robert Filmer, Bossuet41, e Bodin, até um direito positivado, técnico, e legitimado pelo
povo, desenhado por, Locke, Rousseau ou Montesquieu. Para ajudar na construção da técnica
do direito, e a ideia de soberania, Hobbes parte de uma premissa de que diante do Estado
Natural todos os homens são precipuamente egoístas e que nada no mundo satisfaria as suas
necessidades. Ele crê que haveria competições por riqueza, segurança e glória. Hobbes
acredita que haveria lutas, pois cada homem viveria em torno dos seus próprios interesses.
38
    FOUCALT, Michael. Em defesa da Sociedade; curso no Collège de France; tradução Maria Ermantina
Galvão – São Paulo: Martins Fontes, 1999
39
   Ibd FOUCALT, 1999, P.29-30
40
   MALUF, Sahid. Teoria geral do Estado. 28., rev. E atual. São Paulo: Saraiva, 2008. 39
41
   MONTEIRO, João Paulo. A Ideologia do Leviatã Hobbesiano. São Paulo. IEA/USP. P.3
                                                                                               16
Desta forma, ele dá margem para futuramente John Locke e Jean Jacques Rousseau
solucionar o problema do egocentrismo humano com a teoria do contrato social, no qual todas
as pessoas supostamente e implicitamente concordariam em assiná-lo, legitimando a ação
coercitiva de um soberano para gerir a paz coletiva. Portanto, este argumento advém da ideia,
fictícia e imposta, de que homens que antes viviam em estado de natureza, sem qualquer
artifício da vida civil, e por uma opção racional, decidem viver em uma sociedade política,
consentindo, por confiança, na instituição de um poder único, que regerá o bem da sociedade.
                            Neste momento começa a se formar uma primazia da racionalidade
com o pretexto de aumentar as possibilidades de sobrevivência e convivência em
comunidade. Para John Locke: o pacto social se refere à preservação do homem, o que lhe
recai à preservação de sua propriedade, que por ele é entendida como a liberdade, a igualdade,
a vida e aos bens materiais. Portanto, para ele, somente diante desta “lógica” de preservação
que os homens irão cumprir o seu destino divino: crescer e multiplicar42, garantindo a
preservação da humanidade. Portanto, inventada para esta finalidade, a comunidade política,
formada por um corpo único, ganha o poder de tomar decisões, e de exigir a obediência.43
                            A ideia de confiança44, que se encontra no núcleo da relação entre
governo e governados, determina que esta fosse uma condição ímpar da união entre homens
sob um governo, ademais, do dever de obediência. Com outras palavras, a relação somente
persistirá pacificamente quando existir a confiança mútua. Assim, os dois lados, governo e
governados, confiam que ambos cumprirão o seu papel: o governo, de bem governar para o
povo, e os súditos de obedecerem, na medida em que todos encaminhem suas ações para o
propósito último da criação da sociedade política: o bem comum, o bem-estar de todos. ”45
Assim sendo, destaca-se o moral voltado ao cumprimento dos compromissos assumidos,

42
   HOBBES, Thomas. Dois Tratados sobre o governo. Tradução de Júlio Fisher, São Paulo: Martins Fontes,
2005 P.41
43
   Op cit, HOBBES, 2005, P.99.
44
    “Nos Ensaios, datados de 1663-1664, Locke procura evidenciar (Ensaio VIII) que a base das relações
humanas é a confiança, mostrando que não é o interesse privado de cada um que vem a ser o fundamento da lei
de natureza. Na medida em que afasta o interesse particular, a própria vantagem e o egoísmo como base da lei de
natureza, Locke mostra que práticas virtuosas é que são responsáveis pelos elos das comunidades. Caso
prevalecesse o interesse individual, a vida em sociedade seria algo impraticável e a confiança (elo que une a
todos) impossível. Ademais, haveria uma flagrante contradição na lei de natureza, pois seria impossível conciliar
o interesse egoísta e a preservação da humanidade. Todavia, para Locke a prática voltada ao bem de todos não é
um mero cálculo matemático, uma mera prática utilitária e racional desprovida de sentimento de irmandade, ao
contrário, apresenta conotações de prática virtuosa, pois todos se reconhecem como iguais. A consequência é o
risco que se assume: todos confiam que cada um irá agir de forma a não prejudicar a outrem, ou seja, suas ações
voltam-se à preservação da humanidade” (LEOPOLDO, Giovana Brolezi. Lei Natural e submissão: Obediência
civil em Locke. São Paulo: USP/FFLCH, 2010. P16)
45
    LEOPOLDO, Giovana Brolezi. Lei Natural e submissão: Obediência civil em Locke. São Paulo:
USP/FFLCH, 2010. P.16
                                                                                                              17
como forma de obrigação, e torna-se essência nas relações entre homens, em nome da
preservação da humanidade. Observa-se que no núcleo do contratualismo, a obediência ao
soberano se dá em nome do cumprimento de uma promessa, sob a égide do bem-estar social.
Para Locke, este fato contorna todas as relações humanas, e a obediência advém da
consciência de que todos os contratantes agirão em prol do bem do contrato. Portanto, há um
fundamento no próprio consentimento, não é simplesmente obediência.46
                          Complementarmente, quanto à noção de quem determinará o contrato,
para Hobbes é claro: “a lei civil é, reflexo do poder de constrangimento que somente o
                                               47
soberano pode possuir no Estado civil.”             Para ele, somente o Estado pode legislar e o
legislador de todas as repúblicas é sempre o soberano.48. Diehl, citando Goyard-Fabre atenta
ao fato de que “para Hobbes, assim como anteriormente para Bodin, a soberania pertence e
exerce o seu poder na atuação do poder legislador em todos os domínios: que o soberano,
determinando o justo, conhece e decide todos os litígios, faz-se assim mestre do poder
judiciário” 49. Assim sendo:


                          “O soberano é quem faz a lei; e a lei é o que é feito pelo soberano –
                          dos dois lados a questão se fecha na soberania: parece que a soberania
                          liga-se, em essência, à qualidade de ser mestre absoluto do direito
                          humano. Uma vez que o Estado civil ou república são instituídos, não
                          há outro direito além do direito do Estado: um direito que, filho da lei
                          civil, é não somente um direito positivo, mas um direito que
                          ‘estabelecido humanamente’ com o contrato social, decorre, em
                          última análise, da vontade que preside a Commonwealth.50”


                   A partir desta formulação retórica está consolidada completamente a
essência legal da soberania defendida por Jean Bodin, que consiste em garantir o poder
suficiente a uma soberania para manter a paz, punindo aqueles que a quebram. E nesta mesma
concepção, para Jean Bodin, o conceito "soberania “sustenta a tese que a Monarquia francesa
é de origem hereditária e o Rei não estaria sujeito a quaisquer condições determinadas pelo

46
  LEOPOLDO, Giovana Brolezi. Lei Natural e submissão: Obediência civil em Locke. São Paulo: USP/FFLCH,
2010. P.16-17
47
   DIEHL, Frederico Lopes de Oliveira. Lei de natureza e lei civil em Hobbes. São Paulo: USP/FFLCH, 2010
48
   M. M. GOLDSMITH, Hobbes on law, p. 277, citando o Leviatã, cap. XXVI, p. 137
49
   Simone GOYARD-FABRE, Le droit et la loi dans la philosophie de Thomas Hobbes, p. 139
50
   Op cit, Simone GOYARD-FABRE, P.140
                                                                                                     18
povo. Todo poder Estatal é pertencido pelo Rei e não deve ser partilhado com nenhuma esfera
social.51
                   De uma forma ou de outra, mesmo que as idéias de Bodin não tenham
prosperado, e apesar da gradual abertura da consciência de legitimidade do povo para se
instituir a soberania, o poder sempre continua na mão de uma minoria abastada. Parece que a
soberania estendeu-se apenas do poder da nobreza para a burguesia e assim permaneceu até os
dias de hoje.




2.2. A alma da soberania segundo Foucault


                   Para perseguir o entendimento intrínseco do poder soberano é preciso
rememorar o esquema proposto por Hobbes: em Leviatã, ele era como a unificação de
diversas individualidades esparsas, que se reúnem por certos elementos constitutivos do
Estado. Porém, na essência do Estado existe algo que o constitui como tal, a soberania. A
soberania é a alma do Leviatã, por conseguinte a do Estado. Diante desta premissa
Hobbesiana verifica-se a necessidade de se analisar o poder na sua essência, descobrir as
razões que determinam a soberania, ou seja, quais os fatores que constituem a alma do Estado.
Para entender a relação de poder Michael Foucault propõem a análise a partir das táticas e
técnicas de dominação.


2.2.1. O poder-dominação


                “Já repeti cem vezes que a história dos últimos séculos da sociedade ocidental
                não mostrava a atuação de um poder essencialmente repressivo” 52
                Michel Foucault


                   A dominação é um sistema de controle arcaico dos indivíduos, é o controle
pela repressão, punição, penalização. A dominação é a imposição de normas de condutas sob
coerção por meio da força. É um sistema que pressupõe a obediência pelo medo da reação do
poder soberano ao ser questionado. Este método exige alta atividade do poder estatal, que

51
   BONAVIDES, Paulo. Ciência Política: Conceito de disciplina, conceito de poder. São Paulo. Malheiros,
1999. P.s
52
   FOUCAULT, Michel A vontade de saber. 2ª edição. , Ed. Graal, Rio de Janeiro p.79
                                                                                                    19
deve permanecer vigilante no controle punitivo, sob o perigo de perder o controle coercitivo.
Os indivíduos dominados por este sistema são mais propensos a serem combativos com o
poder soberano do que aqueles que são disciplinados. Teoricamente aqueles que são
dominados obedecem pela dor e medo, já os disciplinados porque agem sem entender a
finalidade da ação, pensam estar sob controle, conscientes das suas atitudes, mas de fato estão
dormindo. Sendo assim, para Foucault o poder de dominação é de fato aquele que é exercido
pela soberania.


2.2.2 O poder-disciplina


                  “We don't need no education. We don't need no thought control, No dark
                  sarcasm in the classroom” Pink Floyd


                  Durante os séculos XVII e XVIII, foi inventada uma nova mecânica de
poder, com procedimentos específicos e peculiares, absolutamente incompatíveis com o poder
de soberania, o “mecanismo disciplinar”. Foucault, ao longo dos tempos descobriu que a ideia
de soberania foi substituída lentamente pela disciplina, e aos poucos as monarquias
conseguiram formar sociedades disciplinares. A estrutura fundacional deste sistema é inserir
o indivíduo a um controle contínuo e perpétuo, realizado por instituições disciplinares, no
qual se mantém o indivíduo em constante doutrinação e observação. Os agentes deste sistema
são homens normais que através de uma rede imensa de pessoas interiorizam e cumprem
normas estabelecidas pela disciplina social. Exemplo: os pais, os porteiros, os guardas, os
enfermeiros, os secretários, os professores, os fiscais. A partir desta perspectiva Foucault
afirma que o poder está em toda parte porque provém de todos os lugares, e ele não
permanece na mão de uma só pessoa, mas transita a sua força entre todos os indivíduos. Esta
gestão de normalização de pessoas provém de uma forma de poder que se denomina
microfísica do poder. Ela é a dispersão dos meios de dominação entre diversas redes de
instituições e indivíduos, que exercem pequenos poderes, mas controladas por um domínio da
verdade que regula a disciplina social.53




53
  FOUCAULT, Michael. Em defesa da Sociedade: curso no Collége de France; tradução Maria Ermentina
Galvão : Martins Fontes, São Paulo,1999 P. 42
                                                                                              20
54
                    A partir desta metodologia, utilizando se do “compasso da verdade”                  ,e
tomando a verdade como o capital, facilita-se a inclusão dos indivíduos no sistema de
produção capitalista, tornando-o apenas um ser produtivo que busca sempre a maior eficiência
material e tecnológica. Esta sociedade disciplinar torna-se utilitarista, voltada para produção,
no qual cada órgão exerce uma função determinada: as oficinas e as fábricas produzem, as
escolas ensinam, as prisões corrigem. Estes dispositivos disciplinares se tornaram uma nova
tecnologia de aplicação do poder, no qual para Foucault são:


                    “(...) um tipo de poder, uma modalidade para exercê-lo, que comporta todo
                    um conjunto de instrumentos, de técnicas, de procedimentos, de níveis de
                    aplicação, de alvos; ela é uma física ou uma anatomia do poder, uma
                    tecnologia.” 55


                    Pode se dizer que a disciplina é uma mecânica utilizada para mascarar a
utilização das pessoas, a sua força de trabalho e o seu tempo, mas com os seus consentimentos
implícitos. “Ao contrário do que ocorre no âmbito do poder da soberania, o poder disciplinar
não se materializa na pessoa do rei, mas nos corpos dos sujeitos individualizados por suas
técnicas disciplinares. Enquanto que o poder da soberania, ou poder soberano, se apropria e
expia os bens e riquezas dos súditos, o poder disciplinar não se detém como uma coisa, não se
transfere como uma propriedade:


                    “(...) o poder disciplinar é, com efeito, um poder que, em vez de se apropriar
                    e retirar tem como função maior adestrar; ou sem dúvida adestrar para
                    retirar e se apropriar ainda mais e melhor.” 56


                    Observa-se que este mecanismo não se comporta da mesma maneira que no
poder de dominação, próprio da soberania, que por sua vez é vinculada a um poder que exerce
precipuamente a sua força sobre a terra e os produtos da terra. O novo mecanismo supera
todos os paradigmas decorrentes do panorama imposto pela suserania e vassalagem, pois se



54
   Mecanismo que produz e faz circular discursos que funcionem como verdade, que passam por tal e que detêm,
por esse motivo, poderes específicos.
55
   FOUCAULT, Michel Vigiar e punir. Petrópolis: Editora Vozes. 2001 P. 177
56
   Op cit, FOUCAULT, 2001 P.143
                                                                                                            21
aplicam quase que diretamente sobre os corpos e sobre o que eles fazem. Já na dominação,
imposta pela soberania:57


                  “(...) fundamenta o poder absoluto com a prática absoluta de sua força, o
                  novo método (disciplina) utiliza-se de um poder oculto com o mínimo
                  dispêndio e a máxima eficácia. Pode-se dizer que é agora mais uma das
                  grandes invenções da sociedade burguesa, que foi utilizado como
                  instrumento fundacional para a implementação do capitalismo industrial e
                  todos os seus efeitos correspondentes.” 58


                  A modalidade disciplinar de poder exerce a sua influência de forma
anônima, integrada e de forma coordenada, com intuito de multiplicar os indivíduos
reprodutores da disciplina. É como viver num suposto sistema totalitário da mente, em que
não se conceba outra forma de ideologia que não aquela que é disciplinada pelo tirano. Este
sistema evita que chegue à população outra forma de gerenciamento político apenas
controlando as instituições disciplinares. O mecanismo disciplinar quando utilizado de forma
sistematizada e sorrateira impede o questionamento da sua existência, fazendo que os
indivíduos sejam dóceis, úteis, e pouco questionadores.
                  Porém, de outra forma, quando se fala em produtividade, ou utilidade, não
se trata de produção apenas no sentido econômico:


                  “Além de ampliar a produtividade dos operários nas fábricas e oficinas, a
                  disciplina faz aumentar a produção de saber e de aptidões nas escolas, de
                  saúde nos hospitais e de força no exército, por exemplo. São por esses
                  motivos, principalmente, que Foucault fala em um triplo objetivo da
                  disciplina: ela visa tornar o exercício do poder menos custoso – seja
                  econômica ou politicamente –, busca estender e intensificar os efeitos do
                  poder o máximo possível e, ao mesmo tempo, tenciona ampliar a docilidade
                  e a utilidade de todos os indivíduos submetidos ao sistema.”59




57
   Ibd, FOUCAULT, 1999, P.43
58
   Ibd, FOUCAUL, 1999, P.43
59
   ibd FOUCAULT, 2001 P. 177
                                                                                         22
2.2.3. As funções de seqüestro


                  “O homem é tão bem manipulado e ideologizado que até mesmo o seu lazer
                  se torna uma extensão do trabalho.” Theodore Adorno


                  Dentro da análise foucaultiana da disciplina encontra-se numa sociedade
capitalista um conceito que se desdobra em três atos, são estes as “funções de seqüestro”.
Estas funções possuem como função seqüestrar a virtualidade e a liberdade do indivíduo,
preocupa-se em ocupar a mente e o corpo do indivíduo para torná-lo produtivo e submisso. 60
                  O primeiro ato trata-se de ajustar o tempo de vida do indivíduo ao tempo de
produção, tomando todo o tempo disponível do trabalhador. Mas não se trata apenas de
otimizar o tempo diário do trabalhador com o horário de produção, mas toda a sua vida se
torna voltada em para torná-lo mais produtivo. Trata-se em equivaler o tempo de vida ao
tempo de trabalho. Com este entendimento chega-se à máxima “o trabalho é que dignifica o
homem”, e todo aquele que não trabalha é excluído do sistema dos homens ideais. 61


                  “(...) é preciso que o tempo dos homens seja colocado no mercado,
                  oferecido aos que o querem comprar, e comprá-lo em troca de um salário; e
                  é preciso, por outro lado, que este tempo dos homens seja transformado em
                  tempo de trabalho.” 62


                  Isto não quer dizer que não é garantido o lazer ao indivíduo, este se torna
peça secundária, mas não menos importante. O lazer só é garantido de forma a o espairecer e
torná-lo ainda mais produtivo. O importante nesta forma de seqüestro é possuir de todo o
tempo ocioso da pessoa, seja com o trabalho produtivo ou o lazer necessário.
                  A segunda forma de seqüestro é a possessão da força corpórea. Dá-se o
direcionamento dos indivíduos aos centros de controle, onde eles possam ser instruídos,
formados, reformados, corrigidos de forma em que o disciplinamento os farão otimizar os
trabalhos de produção. "Que o corpo dos homens se torne força de trabalho." 63


60
   DA FONSECA, Marcio Alves. Michel Foucault e o direito. Ed. Max Limonad. São Paulo. 2002 p. 166-167
61
   COIMBRA, Cecília. M.B e DO NASCIMENTO, Maria Lívia. O efeito Foucault, desnaturalizando verdades,
superando dicotomias. Psicologia: Teoria e Pesquisa. vol.17 no.3 Brasília 2001 P.245-248
62
   Op cit, FOUCAULT, 2001, P.116
63
   Op cit, FOUCAULT, 2001, P.119
                                                                                                  23
A terceira função de seqüestro é sobre a produção do saber, é o domínio
sobre a individualidade psíquica do homem. Trata-se de um jogo de estímulos de
recompensas e punições que são atribuídos aos sujeitos por meio das instituições disciplinares
e pela sociedade.


                       “Através de minuciosos e constantes registros, observações e classificações
                       dos comportamentos desses sujeitos em diferentes situações e momentos vai
                       sendo construído, em cima de seu saber-experiência, outro saber sobre ele,
                       que fala dele, que o descreve, diagnostica que prescreve o que, como e
                       quando deve agir, pensar, sentir. Enfim, que rumos devem dar à sua vida.
                       Aprende, com isto, a caminhar neste mundo guiado por modelos, que dizem
                       o que fazer e como fazer e onde em nenhum momento é colocado em
                       questão o para quê fazer. Nesses modelos estão as verdades, que definem e
                       determina como ser bom cidadão, bom pai, bom filho, bom aluno, boa mãe,
                       bom trabalhador.” 64


                       Nesta perspectiva, a educação, por exemplo, deixa de obter como foco uma
perspectiva de autonomia, de tornar indivíduos críticos, e capacitados intelectualmente. Antes
deste modelo a educação possuía como fundamento tornar as experiências da vida mais
plenas, e significativas. Era esperado dos indivíduos que eles entendessem os modos relativos
de se pensar e julgar os fatos da vida, o foco era pensar criticamente, ao invés de se ensinar o
que pensar. Sob as funções de seqüestro os indivíduos: “são exaustivamente propagandeados,
ensinados a adaptarem-se às realidades contemporâneas percebidas, a aceitar e ajustarem-se
às sabedorias convencionais do momento. E uma grande ênfase é dada às fantasias
vocacionais sobre empregos de alta remuneração.” 65 O indivíduo é doutrinado a participar de
um sistema que o tornará mais um número nas estatísticas de marketing. O “consumo, logo
existo” torna mais simples a identificação e manipulação do indivíduo de forma a facilitar a
continuidade do sistema escravocrata mental capitalista.
                       Conclui-se, desta maneira que, o objetivo das funções de seqüestro é
concomitantemente controlar os indivíduos no seu tempo, corpo (força de trabalho), saber
(virtudes e ambições) de forma a manter o exercício do poder. Este fenômeno tomou a sua


64
     Ibd COIMBRA, DO NASCIMENTO, 2001 P.247
65
     KEY, Wilson Bryan. A era da manipulação. 2. ed. Scritta, São Paulo:1996. P.160
                                                                                               24
forma no final do século XVIII nos processos de realocação da riqueza industrial agrícola
desenvolvido no final do século, que consigo deu início à afirmação do capitalismo.66 Esta
forma de controle social, quando enfocada num sistema de consumo torna-se um substituto
para o idealismo democrático. A liberdade de escolher o que vestir, dirigir ou comer substitui
alternativas sociais, econômicas ou políticas que tenham um sentido. A ilusão da sociedade de
seqüestro oculta o que é corrupto, autoritário, injusto e cruelmente explorador. Assim, a ilusão
abafa, anula ou distorce qualquer percepção clara do mundo.67


2.3. Disciplina e dominação, a ideologia jurídica


                    “Todo o poder é confiança.” Benjamin Disraeli


                    Entretanto, na prática, a dominação, na teoria da soberania persistiu na sua
existência, como ideologia jurídica e na criação dos Códigos Europeus do século XIX, os
ditos Códigos Napoleônicos – o Código Civil de 1784, Código de Instrução Criminal de 1808
                                  68
e o Código Penal de 1810.              Em meados do século XIX floresce na Europa a teoria da
personalidade jurídica do Estado. Para a maioria dos juristas clássicos o Estado passaria a se
tornar o único detentor da soberania. A partir deste momento inicia uma escalada de conceitos
que explicariam o poder estatal a partir do direito e da lei. “Assim, a soberania ao ser
identificada com o poder do Estado e com a lei, auto-justificasse, legitimando
conseqüentemente o Estado e o direito. Este discurso apresenta o Estado como um ente
abstrato exterior à sociedade, que tem como finalidade o “bem comum”. Por sua vez, seus
poderes seriam regulados por uma Constituição, o que proporcionaria a segurança e a garantia
do respeito aos direitos de todos. As diferenças sociais desapareceriam frente à lei, onde todos
seriam iguais com respeito a direitos e deveres. Tal discurso provoca o deslocamento da
legitimidade política tradicional para a legitimidade impessoal da lei, onde a noção de
soberania ocupa um lugar estratégico fundamental.”69
                    Diante deste quadro, quais seriam os motivos de ainda permear dentre os
códigos as razões de dominação, se já se havia conquistado na disciplina um mecanismo



66
   Ibd, DA FONSECA, 2002, 166-191
67
   Ibd, KEYS, 1996, p.161
68
   Ibd, FOUCAULT, 1999, P.43
69
   ROCHA, Leonel Severo. A fala soberana. Revista Seqüência, Ano II, Santa Catarina. 1981 P.88
                                                                                                 25
eficaz de controle? Analisa-se a frase colocada por Foucault como base para a formulação
jurídica no ocidente:


                     “(...) creio que a personagem central, em todo o edifício jurídico ocidental, é
                     o rei. É do rei que se trata, é do rei, de seus direitos, de seu poder, dos
                     eventuais limites de seu poder, é disso que se trata fundamentalmente no
                     sistema geral, na organização geral, em todo caso, do sistema jurídico
                     ocidental.” 70


                     Neste caso, vide a figura do rei como extensiva à nova burguesia, que por
vezes dominava o poder soberano e, portanto, a arquitetura legislativa. De uma forma a teoria
da soberania foi, no século XVIII e até o século XIX, um instrumento que agia contra a
monarquia e os obstáculos que opunham o desenvolvimento da disciplina. Mas de outra
forma, a teoria e a organização de um código jurídico centrado na soberania permitiram
sobrepor os mecanismos disciplinares em um sistema que mascarava os procedimentos
soberanos, que de certa forma apagava o que podia haver de dominação e técnicas de
                                  71
dominação na disciplina.           Enfim, a burguesia garantia através deste sistema mesclado
(disciplina e dominação) os poderes necessários para garantir o novo sistema de manutenção
do poder, o capitalismo. A disciplina produz indivíduos dóceis e dispostos a trabalhar para o
burguês, e aquele homem que consegue sair desta ilusão é, de uma forma ou de outra,
enquadrado no sistema de dominação – a força.




70
     Ibd FOUCALT, 1999, P.43-44
71
     Ibd FOUCAULT, 1999, P.44
                                                                                                 26
3. O PODER COMO CONTROLE DE COMPORTAMENTOS


3.1. A proposta de Skinner
                       B.F. Skinner foi um famoso psicólogo americano, dedicou a sua vida ao
entendimento do comportamento humano. Ele se preocupou em entender o indivíduo a partir
dos comportamentos observáveis. Não significou para ele tornar o homem menos complexo,
não entender que possuísse características escondidas dentro do seu ser. Skinner preferiu
estudar os pontos que transformasse o homem em um ser analisável, de forma científica, com
pequenas margens para erro. Ele foi um grande observador da natureza humana. Nos seus
estudos descobriu como o homem reagia quando estimulado. Entender Skinner significa
aprender como modificar o ambiente para transformar o indivíduo.72
                       O entendimento da natureza humana facilitou que o indivíduo pudesse ser
controlado, quer para o bem, ou mal. Conhecer os agentes e reagentes da natureza humana
significa ter a capacidade de se controlar e ser controlado. O homem que adquire o
conhecimento de como utilizar um instrumento não necessariamente sabe como melhor se
utilizar dele. Para tirar o melhor proveito de um instrumento é necessário saber como ele se
constitui. É preciso entender o homem.73


3.1.1 O homem social


                       “Não é a consciência do homem que lhe determina o ser, mas, ao contrário,
                       o seu ser social que lhe determina a consciência.” Karl Marx


                       O homem é um ser eminentemente social, como dito por Aristóteles. Os
seus aprendizados se constroem no seu ambiente e em sociedade, conforme o homem lida
com as suas expectativas e experiências adquiridas. John Locke, um dos pensadores
contratualistas, já rascunhou esta possibilidade. No livro Ensaio Sobre o Entendimento
Humano, Locke descreve a mente como uma folha de papel em branco e homem a escreve
conforme as suas experiências e suas reflexões de aprendizagem. Ele diz ainda, que os
homens são criaturas de Deus, nascem simples e ignorantes, não se apresentando como bons


72
     SKINNER, Burrhus Frederic,. O mito da liberdade. Rio de Janeiro: Bloch, 1972. P.1-168
73
     Op cit, SKINNER, 1972. P 1-168

                                                                                             27
ou maus, e sim dotados de razão e sensações, suscetíveis ao bem e ao mal.74 Para poder
sobreviver ao mundo hostil o homem inconscientemente, talvez por uma noção instintiva,
passou a manter relacionamentos e viver em bando, e consequentemente a aprender em
conjunto.
                   Os comportamentos humanos numa visão behaviorista tradicional são
modelados, frequentemente, sob uma constante de estímulos-respostas.75 As possibilidades de
transformação do meio e da sociedade se multiplicam exponencialmente conforme este
homem soma as suas ideias vivenciadas. A vida em sociedade proporciona a soma de
conhecimentos impulsionando o homem a superar novas variáveis, obstáculos, que apenas
crescem ao longo do tempo. Em determinado espaço do tempo, este homem, dado a sua
complexidade de conexões de ideias, perde-se em meio tantas informações e o referencial de
como é construído o seu aprendizado, ele apenas vive e aprende. No momento em que o
homem já não se preocupa com a maneira em que este aprendizado é formado, sujeita que
outros mais entendidos para os processos de condicionamentos mentais passem a os controlar
da maneira que os convenha.
                   A vida no planeta Terra é regida por leis físicas e biológicas que
determinam a criação, extinção, renovação, multiplicação e tudo mais que rege a matéria.
Tudo isso ocorre de maneira ordeira e esquematizada, podendo ser manipulada muitas vezes
por quem tem o conhecimento de como se comportam os reagentes, como no caso da ciência
de laboratório.
                   De acordo com a visão evolucionista darwiniana não existe acaso, tudo é
um grande conjunto de leis que determinam como se comportarão e evoluirão os agentes. O
homem, por óbvio, também está inserido neste contexto, porém contém variáveis mais
complexas, mas não menos calculáveis por aquele que detiver o conhecimento de todo o
mecanismo. No caso do homem em uma visão behaviorista skinneriana, ele é um ser em
constante construção da sua história, que modifica o mundo e é pelo mundo modificado.76
Nesta mesma visão o ser humano é produto de três vetores: a história filogenética, que é a
genética da espécie no qual o homem pertence; a história ontogenética: que é a história de
vida de cada organismo; e a história cultural, que são as particularidades culturais no qual este


74
   LOCKE, John. Ensaio sobre o Entendimento Humano. Lisboa: Edição Fundação Calouste Gulbenkian, 2008.
Apud LEOPOLDO, 2010. P.13
75
   MOREIRA, Marco Antônio. Teorias de Aprendizagem, 1942 p.53 -63
76
   SKINNER, Burrhus Frederic,1904-1990. Ciência e comportamento humano. 11. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2003. P.11/41
                                                                                                   28
homem está inserido.77


3.1.2 A modelagem do comportamento humano


                     “Se os indivíduos se encontram nas coisas que moldam a vida deles, não o
                     fazem ditando, mas aceitando a lei das coisas” Herbert Marcuse78


                     A vivência em sociedade trabalha com os três vetores abordados pela visão
comportamentalista, e, portanto determina regras de comportamento, e modelos a serem
seguidos, que proporcionam muitas vezes tipos semelhantes de personalidade. As culturas se
determinam em conformidade com o ambiente e o convívio social. Segundo Edward Burnett
Tylor, citado por A.L. Kroeber a cultura é:


                     "o complexo que inclui conhecimento, crenças, artes, morais, leis,
                     costumes e outras aptidões e hábitos adquiridos pelo homem aprendidos de
                     geração em geração por meio da vida em sociedade” 79


                     Ou seja, o ambiente e o circulo social são determinantes na personalidade
do indivíduo. A forma em que a sociedade vive e a sua condição social demonstram que
existem personalidades em comum, com atitudes, anseios e tipologias semelhantes. Por
exemplo, no caso das subculturas, que são constituídas de microgrupos que têm como
objetivo principal estabelecer redes de amigos com base em interesses comuns, elas
apresentam como exemplo: uma conformidade de pensamentos, hábitos e maneiras de se
vestir.80
                     Na sociedade ocidental atual quase todos vivem em famílias, alguns de
classe média, outras mais abastadas, muitas de forma precária. Não é de se assustar que o
comportamento de cada classe social determina as ações, os gostos e o futuro do indivíduo.

77
   Segundo a psicologia comportamental e psicologia evolucionista a personalidade é formada pela interação
entre filogenia (histórico de desenvolvimento e aprendizagem), ontogenia (características da espécie) e contexto
sociocultural. A ontogenia é especialmente importante no ser humano para a formação do comportamento, pois
ele passa por um longuíssimo período de imaturidade e dependência, o mais longo do reino animal.
78
   MARCUSE, Herbert. Ideologias da sociedade industrial. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1969 P.36
79
   A. L. Kroeber. O Conceito de Cultura em Ciência. 1949
80
   MAFFESOLI, Michel. O Tempo das Tribos: O declínio do individualismo nas sociedades de massa. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 1998.

                                                                                                             29
Por exemplo, é de conhecimento coletivo que muitos canais de televisão possuem públicos
determinados pela classe social. As redes de televisão em busca de uma maior audiência
apresentam programas conforme os gostos e anseios de determinadas classes. Logo, é
reconhecido o construto social destes tipos unificados de personalidade, a qual mídia
consegue distinguir, e se dirigir. Podemos fazer estas comparações até mesmo com as tribos
urbanas, as subculturas, que possuem tipos identificáveis de personalidade. Sabemos que os
punks se comportam diferentemente daqueles que seguem uma posição mais puritana,
religiosa, como cristão-evangélicos. O meio e a interação social dos indivíduos determinam
estes tipos identificáveis. Sabemos quais tem tendências mais agressivas e quais tendem a
aceitar ideais de redenção, de sujeição aos deveres divinos. Ou seja, estes grupos sociais
almejam coisas distintas umas das outras, mas estes desejos são muitas vezes perceptíveis ao
olhar mais atento. Veremos que basta entender os anseios pessoais de cada tipo de subcultura,
ou personalidades, para que se possa produzir manipuladamente os resultados desejados.


3.2 Mecanismos comportamentais


                 “Perdido no meio das engrenagens extremamente complexas das
                 civilizações modernas, vendo apenas efeitos cujas causas ignoram, a
                 multidão sente-se tentada a atribuir a vontades particulares os
                 acontecimentos que resultam unicamente das leis gerais que regem o
                 encadeamento das coisas.” Gustave Le Bon


                 Todo ser vivo se comporta, é uma característica indispensável dos seres
vivos. Quando algo se mexe automaticamente associa-se o objeto animado a um ser que vive
– em especial quando ele se mexe com autonomia e de forma a alterar o ambiente. As
máquinas se movem, muitas vezes com autonomia, alteram o ambiente e nem por isso são
vivas. Porém, alguém que nunca viu uma máquina provavelmente diria que parecem viver
simplesmente porque se movem. Pode-se dizer que, hoje, somente povos primitivos poderiam
confundi-las com criaturas vivas. Mas, por óbvio, estas máquinas são constructos da
inteligência humana. Engendrando conhecimentos específicos de engenharia, adicionado o
estímulo, a energia, é possível fazer objetos, que antes inanimados, se transformarem em




                                                                                          30
autômatos motores.81 Correlatamente observa-se que a atuação de uma engenharia social
voltada ciclicamente na estimulação do Ego torna-se um método de controle em que se podem
comparar as ditas máquinas aos homens autômatos, sem a total capacidade de discernimento
racional. Os mecanismos comportamentais visualizados por Skinner proporcionam uma clara
visão daquilo que é aplicado no dia-a-dia pelos agentes controladores da sociedade, que
seqüestram as mentes e corpos. Entender estes mecanismos tornar clara a percepção da
manipulação dos sentimentos irracionais humanos, como observado por Freud. O resultado da
aplicação controlada destes métodos resulta num indivíduo que desde o nascimento tenha a
sua personalidade reprimida para ser modelada.


3.3. Estímulos instintivos


                     “Duas coisas instruem o homem, qualquer que seja a sua natureza: o instinto
                     e a experiência.” Blaise Pascal


                     O homem possui uma codificação genética nata que lhe atribui instintos,
que em princípio provocam o primeiro ato propulsionador do homem, a fome. A fome
direciona o homem para qualquer lugar diferente daquele que não tenha comida e desta forma
o faz mover a caminho de novas sensações e experimentações da vida. À medida que o
homem prossegue lhe são concedidas novas experiências estimulatórias, com as opções de
aceitar o novo desafio proposto ou simplesmente negar e seguir a diante. Devido às
atribuições instintivas, a necessidade de saciar a fome e a interação com o ambiente, não é
garantido ao homem o direito de permanecer parado, sob pena de morte. Portanto as
interações estimulatórias são constantes e determinadas pelo ambiente.82
                     Vamos observar a situação hipotética de um homem nascido em coma,
alimentado e cuidado até este exato momento, e que nunca obteve nenhuma experiência
interativa com outro ser vivente ou ambiente estimulativo. Ele acorda em uma ilha deserta e
se depara com os primeiros fatores estimulatórios, a luz solar. Cabe a ele neste momento
resolver se abre os olhos, ou fecha diante da claridade. Num primeiro momento podem
parecer dolorida as primeiras impressões (estímulo negativo), de forma em que ele permanece
de olhos fechados, mas o instinto fome, ou qualquer outra sensação como calor ou frio o

81
     Ibd SKINNER, 2003, p. 50
82
     Ibd SKINNER, 2003, p.90

                                                                                             31
provocará a sua abertura. Diante da necessidade e reiteradas tentativas de encarar a luz, o
homem se acostuma aos estímulos negativos provocando a extinção da conduta de fechar os
olhos. Após esta etapa o homem instintivamente fará movimentos a fim de se alimentar, seja
ele qual for, mas nunca lhe será concedido o direito da imobilidade, propulsionando-o para
novas reações estimulatórias. Este homem irá iniciar um processo de somas de experiências
que deverão ser analisadas individualmente, e a cada experiência acrescentará um valor
positivo, ou negativo, ou neutro. Essas experiências somadas criarão parte do seu
desenvolvimento intelectual que ditarão a sua interação com o mundo.83
                   Esqueçamos o homem na ilha por este momento. Vamos nos lembrar de um
exemplo oportuno citado por Descartes, que demonstrou que a ação primeira de um estímulo
no plano material quando somado a uma combinação genética intrínseco ao ser resolve-se na
resposta de interação entre o ser e o meio. Desta maneira ele sugeriu que o comportamento
das criaturas vivas é dependente de interação com o meio, e por vezes, para se iniciar uma
atividade é necessário uma ação externa ao ser vivente. Uma prova concreta de que ele foi
bem sucedido na sua explanação adveio dois séculos depois. Descobriu-se que a cauda de
uma salamandra, quando uma parte é tocada ou perfurada, move-se mesmo que a cauda seja
cortada do corpo.84
                   Nomenclaturas técnicas foram dadas para o aprimoramento do estudo, como
leciona B.F. Skinner:


                   “O agente externo veio a ser denominado estímulo. O comportamento por
                   ele controlado denominou-se resposta. Juntos compreendem o que foi
                   chamado um reflexo – segundo a teoria de que os distúrbios causados pelos
                   estímulos passavam pelo sistema nervoso central e eram “refletidos” outra
                   vez para os músculos.” Portanto, diante destes eventos podemos concluir
                   que existe um fator interior ao corpo vivo, uma espécie de memória genética
                   da espécie que determinará parte da interação com o meio ambiente,
                   chamaremos este evento de interação instintiva. ”85




83
   Ibd SKINNER, 2003, p.53
84
   Op cit SKINNER, 2003, p.51
85
   Ibd SKINNER, 2003, P.51

                                                                                           32
Em princípio, a interação instintiva é avaliada como a maior determinante
nas decisões do indivíduo, enquanto não é um ser dotado de experiências valorativas. Depois
de um dado momento em que o sujeito adquire experiências suficientes ele passa a
demonstrar interesses positivos diante de alguns estímulos, e desinteresses por outros
diversos, não mais correlacionados com o instinto. Quando determinado estímulo provocar
satisfação este criará uma ansiedade imediata no indivíduo para que aquele estímulo ocorra
novamente, fazendo com que ele repita a ação anterior àquela que sucedeu o estimulo
positivo. Depois de reiterados estímulos é desenvolvido o desejo pela sensação obtida com a
resposta.
                  Mas por enquanto nos importa saber que o instinto facilita a interação com o
meio ambiente, de forma a tornar possível a sobrevivência e aquisição de conhecimento
valorativo do meio, com consciência racional, diferentemente daquela consciência instintiva
advinda da espécie. O instinto, portanto pode ser suprimido, reduzido ou estimulado,
conforme a vivência, dependendo da experiência de vida do indivíduo com o mundo. Desta
forma o homem pode se tornar um ser mais instintivo, emocional ou racional. Conclui-se que
não há aleatoriedade entre os resultados das respostas estimuladoras, ou é fruto do instinto, ou
da emoção, ou da razão.


3.3. Reflexos condicionados


                  Podemos entender que os reflexos podem ser repetidos diversas vezes,
adquirindo-se em quase na totalidade das vezes respostas iguais aos estímulos impostos. A
ligação entre estímulo e resposta pode ser estabelecida durante a vida do indivíduo através de
um processo que foi primeiramente estudado por I.P. Pavlov. O Professor Pavlov interessado
àquela época no processo digestivo dos corpos estudava em cachorros as condições sob as
quais os sucos digestivos eram secretados. Com o seu brilhante trabalho ele constatou que
quando algumas substâncias químicas eram colocadas na boca, ou ingeridas, resultavam na
ação reflexa das glândulas digestivas, provocando a salivação. Por mais brilhante que a
constatação fosse, mesmo após o prêmio Nobel recebido, as dúvidas sobre o comportamento
dos agentes somente aumentaram. Pavlov continuou suas pesquisas desassossegado com certa
secreção não explicada. O preocupou o fato de saber que muitas vezes a saliva era segregada
abundantemente mesmo quando a boca estava vazia. E foi explicado por ele que se tratava de
uma “secreção psíquica”, uma espécie de expectativa de resultado por parte do animal. Era

                                                                                             33
algo muito simples de se entender: Eventualmente o cão estivesse faminto e pensando na
comida. Possivelmente a ocasião do investigador preparando o próximo experimento
recordou o cachorro da conseqüência seguinte, que ele receberia o alimento, como nas
experiências pretéritas. Não satisfeito com o resultado, querendo enquadrar mais precisamente
nos padrões científicos de observação, ele resolveu melhorar o experimento. 86
                   Primeiramente Pavlov resolveu controlar as variáveis, de forma a que as
ditas “secreções psíquicas” reduzissem de forma mais significante possível. Construiu uma
sala que reduziu ao mínimo o contato entre o investigador e o cão. A sala se verificou ausente
de estímulos imprevisíveis, ou passíveis de acidentes. Desta forma, o cão estava impedido de
escutar o som dos passos do observador ou farejar odores provindos de qualquer sistema de
circulação de ar. Em seguida, Pavlov construiu propositalmente uma “secreção psíquica” por
etapas, de forma completamente controlada. Sem falsear a percepção do cão de qualquer outra
forma, utilizando-se de mecanismos eletrônicos, ele podia emitir um som e inserir o alimento
na boca do cachorro. Assim sendo, de forma científica demonstrou a capacidade que o som
ganhou de provocar a secreção entendendo todas as variáveis do processo.87
                   O meio pelo qual se provoca o condicionamento físico e mental, como
relatado por Pavlov no seu livro, é um processo de substituição de estímulos. Ou seja, o
estímulo que anteriormente era neutro passa a ter o poder de provocar a resposta que por sua
origem era eliciada por outro estímulo diverso. A transição de estímulos ocorre propriamente
quando o estímulo neutro (som) é seguido, ou reforçado pelo estímulo de fato (alimento).88
                   Ivan Pavlov foi mais longe, chegou a estudar os efeitos dos intervalos de
tempos que decorrem entre o estímulo e o reforço. Analisou a intensidade de controle das
propriedades dos estímulos (quanto de controle). Estudou também o procedimento de
“extinção”, o procedimento inverso pelo qual o estímulo condicionado perde o seu poder de
garantir a resposta quando deixa de ser reforçado. Pode-se dizer que os reflexos, sejam os
condicionados ou não, eles se referem grande parte sob a fisiologia interior do organismo.89
Skinner, entretanto, garante que:




86
   Ibd, SKINNER, 2003, P.57
87
   Op cit, SKINNER, P.57-58
88
   Op cit, SKINNER, 2003, P.58
89
   Ibd, SKINNER, 2003, P.58
                                                                                             34
“As conseqüências do comportamento podem retroagir sobre o organismo.
                   Quando isto acontece, podem alterar a probabilidade de o comportamento
                   ocorrer novamente.” 90


3.4. Comportamento operante


                   Outro experimentador da ciência comportamentalista foi E.L Thorndike,
que em 1898 apresentou um experimento que demonstrou uma das primeiras maneiras de
observar as mudanças ocasionadas decorrentes do comportamento. Como experimento ele
colocou um gato em um alçapão do qual se poderia escapar abrindo apenas uma porta. Desta
forma o gato apresentou diversos tipos de comportamentos e alguns destes eram passíveis de
se abrir a porta. Quando o gato foi colocado repetidas vezes no alçapão, o comportamento
pretérito que o fez sucedido na empreitada de fuga tendia a se repetir cada vez mais
rapidamente, como se o gato aprendesse a se comportar diante do meio. Aparentemente o gato
estaria raciocinando, porém Thorndike não observou nenhum processo natural que pudesse
ser levado em conta como raciocínio. Para ele não era necessário supô-lo como explicação.
Concluiu os resultados baseando-se no fato que o comportamento ocorreu, pois foi sempre
seguido de um resultado positivo, qual seja, a abertura da porta. A esse fato narrado que se dá
quando seguido de certas consequências, ele chamou de “Lei do Efeito”.91
                   O cerne da Lei do Efeito conceitua-se a noção de “probabilidade de
resposta”, pois é certo que quando se analisa o comportamento humano, refere-se muitas
vezes a aspectos de tendências e predisposições para que determinado comportamento se
concretize. Estes aspectos ditam a freqüência de ocorrências dos tipos de comportamentos.92
                   Para analisar o processo que Thorndike classificou como “fixação” é
necessário se ter uma “conseqüência”. Propôs-se alimentar um organismo faminto através de
um mecanismo eletrônico remoto. Dentro de um ambiente fechado alimentou-se um animal,
por diversas vezes, condicionando o animal a receber o estímulo pela máquina. Depois de
reiteradas repetições foi determinada esta conseqüência como o contingente ao
comportamento. Para se criar uma contingência seleciona-se um comportamento
relativamente fácil, livre e de rápida repetição. Tomando como exemplo um pombo, o
comportamento de esticar a cabeça acima de um ponto demarcado é suficiente. Observa-se a

90
   Op cit, 2003 P.68
91
   Ibd SKINNER, 2003, P.64/66
92
   Op cit SKINNER 2003, P.66
                                                                                            35
Poder, Controle e a Engenharia Social
Poder, Controle e a Engenharia Social
Poder, Controle e a Engenharia Social
Poder, Controle e a Engenharia Social
Poder, Controle e a Engenharia Social
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  • 1. FUNDAÇÃO ARMANDO ÁLVARES PENTEADO FACULDADE DE DIREITO Poder, controle e engenharia social: Elementos para uma crítica da legitimidade no direito contemporâneo. Aluno: André Luiz Zanardo Professor Orientador: Carlos Eduardo Batalha da Silva e Costa São Paulo 2011
  • 2. FUNDAÇÃO ARMANDO ÁLVARES PENTEADO FACULDADE DE DIREITO Poder, controle e engenharia social: Elementos para uma crítica da legitimidade no direito contemporâneo. Aluno: André Luiz Zanardo Professor Orientador: Carlos Eduardo Batalha da Silva e Costa Monografia apresentada à Faculdade de Direito da Fundação Armando Álvares Penteado como requisito para obtenção do titulo de bacharel. São Paulo 2011 I
  • 3. Agradecimentos O agradecer é um ato próprio de quem existe, do ser que compartilha experiências. Sabe-se que não é possível agradecer a si mesmo, pois sozinho nada existe, nada se experimenta. Agradecer é um ato solidário, daqueles que juntos choram as batalhas e unidos repartilham a glória. Deste modo, quero agradecer a todos, indistintamente, que da forma mais sublime e mais intensa ajudou a construir o entendimento que neste reside. Neste trabalho não se encontrará a sabedoria do autor, apenas o seu suor. Mas, tão importante quanto o saber, é fazer acontecer. Neste ponto eu agradeço com distinções. À minha família pelas condições proporcionadas e pelo amor concedido, que sem este não haveria força no mundo que me fizesse persistir. Ao meu irmão de jornada, Igor Leone, pelo ambicioso projeto, que viemos cumprir. E à minha querida Thais, que todos os dias me faz ver o amor além da razão, apontando para frente como se lá houvesse um futuro bom. Obrigado a vocês pela motivação. II
  • 4. Deve-se sempre um agradecimento especial aos grandes líderes. São os homens que sem medo de viver traduziram os seus entendimentos em ações e palavras. Compreenderam o mundo e o dissecaram passo a passo para que outros pudessem enxergar mais longe, do outro lado da margem, onde nos esperam pacientes; grandes são os autores que se encontram nesta bibliografia. Porém, existe um líder que eu tive a oportunidade de conhecer. Ele soube magistralmente conduzir as minhas dispersões e divagações, e materializar as lacunas que os meus pensamentos somente eram capazes de intuir: Ao Professor Carlos Eduardo Batalha da Silva e Costa o meu maior agradecimento. III
  • 6. Este singelo trabalho é dedicado a todos aqueles que dedicam parte da sua vida em tentar despertar os autômatos da vida moderna para o período de transição que estamos por passar. V
  • 7. Quem olha fora, sonha. Quem olha dentro, desperta. Carl Gustav Jung VI
  • 8. Resumo A legitimidade é uma necessidade intrínseca de qualquer forma de poder que queira se estabelecer no seio social. A sua construção remonta uma história da perpetuação de oligarquias no poder. As técnicas de controle evoluíram conforme as tecnologias psicológicas se aperfeiçoaram e acabaram por estabelecer o seu poder através de uma engenharia social. Este trabalho faz uma abordagem de como as estruturas do poder construíram um sistema que transformou o direito em um instituto de contenção e normalização de indivíduos, relatando os mecanismos que possibilitaram o controle social através de falhas no sistema democrático. VII
  • 9. SUMÁRIO INTRODUÇÃO............................................................................................................1 1. DIREITO E PODER: O MODELO DA SOBERANIA........................................3 1.1. Soberania e vontade divina: a teoria de Bodin........................................................4 1.2. Soberania e estabilidade no Estado Leviatã: a teoria de Hobbes............................6 1.3. O soberano limitado: a teoria de Locke................................................................10 1.4. O soberano submisso ao povo: a teoria de Rousseau............................................12 2. A CRÍTICA DO MODELO DA SOBERANIA...................................................15 2.1. A lógica argumentativa da construção do poder soberano....................................15 2.2. A alma da soberania segundo Foucault.................................................................19 2.2.1. O poder-dominação...................................................................................19 2.2.2. O poder-disciplina.....................................................................................20 2.2.3. As funções de seqüestro............................................................................23 2.3. Disciplina e dominação, a ideologia jurídica........................................................25 3. O PODER COMO CONTROLE DE COMPORTAMENTOS.........................27 3.1. A proposta de Skinner...........................................................................................27 3.1.1. O homem social..................................................................................27 3.1.2. A modelagem do comportamento humano.........................................29 3.2. Mecanismos comportamentais..............................................................................30 3.3. Estímulos instintivos.............................................................................................31 3.4. Reflexos condicionados.........................................................................................33 3.5. Comportamento operante......................................................................................35 VIII
  • 10. 3.6. Extinção Operante.................................................................................................38 3.7. Reforçadores..........................................................................................................39 3.8. Indução..................................................................................................................41 3.9. Punição..................................................................................................................43 4. ENGENHARIA SOCIAL E O PROBLEMA DA DEMOCRACIA..................45 4.1 A sofística moderna................................................................................................45 4.2. Sigmund Freud e a invenção da psicanálise..........................................................47 4.3. Edward Bernays e a invenção das relações públicas.............................................48 4.3.1. Psicanálise, propaganda e relações pública..............................................48 4.3.2. A construção do consentimento................................................................54 4.3.3. A quebra da bolsa de 1929, o New Deal e as “máquinas de felicidade”...........................................................................................................55 4.4. A criação do indivíduo democrático.....................................................................57 4.4.1. O experimento social (Anna Freud)..........................................................59 4.4.2. Os grupos de foco (Ernest Dichter)..........................................................61 4.4.3. Influência e manipulação: o exemplo do “golpe da Guatemala”..............62 4.4.4. A crítica de Herbert Marcuse....................................................................64 4.4.5. A democracia como discurso....................................................................67 4.4.6. A democracia no modelo de democracia representativa..........................70 5. O DIREITO E PODER: ALGUMAS CONCLUSÕES......................................74 REFERÊNCIAS.........................................................................................................78 ANEXO I – EXCURSO.............................................................................................81 ANEXO II – MORAR O MEDO: UM TEXTO DE MIA COUTO.......................83 IX
  • 11. INTRODUÇÃO Este trabalho surgiu pela necessidade do autor encontrar dentro do universo humano qual é o papel exercido pelo direito e a democracia na sociedade contemporânea. Verificou-se que existe um processo de manipulação comportamental e psicológica envolvida em ambos os tópicos. Constatou-se na pesquisa uma construção do controle de massa que pode ser dito como uma “engenharia social” Desta forma, faz-se necessário desenvolver o trabalho dentro de uma abordagem multidisciplinar, que caminha além do direito por diversas áreas do conhecimento científico, com passagens da psicologia, da filosofia, da sociologia, da comunicação, da história, entre outros. Primeiramente, é importante ressaltar que para se obter um melhor aproveitamento das exposições, será necessário conhecer como se processa a construção do conhecimento humano, os mecanismos de controles comportamentais e a atual tecnologia de controle psicológico, que mesclam desde teorias behavioristas às freudianas. Para obter estes conhecimentos de como processam estes mecanismos de manipulação foram colocados três capítulos que elucidarão melhor o discorrido. O primeiro capítulo trata da maneira que se consolidou o poder soberano, desde a legitimação do poder absolutista até a concepção de uma soberania legitimada pelo povo. O nascimento do contrato social e o direito positivado na construção da noção de Estado. Todos estes processos consolidaram precipuamente com a intenção de perpetuar as elites do poder, sempre de forma a garantir confiança na população. Utilizou-se de diversas premissas filosóficas e inverdades não comprovadas que mascararam as reais intenções das oligarquias da época. Em seguida, no segundo capítulo, é apresentada uma crítica de Michel Foucault, que demonstra a evolução do poder soberano através do poder disciplinar. Um artifício utilizado para mascarar o que havia de dominação nos poderes da soberania. Esse 1
  • 12. mecanismo exercido através de instituições disciplinares por processos de normalização de condutas aplicam a força de forma muito mais sutil do que somente a dominação exercida pelo poder soberano. Esta sobreposição de instrumentos, poder disciplinar e poder soberano, serviu de forma a complementar a força do Estado, mascarando e legitimando as suas intenções. O terceiro capítulo aborda a análise do comportamento humano através de uma perspectiva behaviorista. São postos para a observação do leitor alguns mecanismos que modelam o comportamento humano. Estes mecanismos facilitam a compreensão da construção da engenharia social, que conectam as teorias behavioristas com os estudos freudianos. Adiante, no quarto capítulo é desenvolvido um enredo com abordagens históricas da evolução da psicologia comportamental voltada para uma engenharia do comportamento social. Por fim, questiona-se o papel do direito e da democracia em uma sociedade “pré- moldada” e busca-se encontrar as conexões que permeiam as relações de poder. 2
  • 13. 1. 1. DIREITO E PODER: O MODELO DA SOBERANIA “A soberania é o poder absoluto e perpétuo de uma república” 1 Jean Bodin O Estado não é a primeira formação nuclear de poder, já existiam outras formas de controle social dentro das famílias, tribos e clãs, porém nenhuma com arranjo tão complexo. Normalmente, quando não se estava em crise inexistia a figura controladora do Estado, provavelmente a sua formação é de uma origem tardia da cultura neolítica. Boa parte das comunidades selvagens não possui tribunais, força policial ou coerção estatal. Os costumes e o direito a vingança são à base da justiça, neste momento ainda não se concebe, nem se materializa a ideia de crime.2 A instituição estatal surgiu para demandar algumas determinações políticas, econômicas e sociais. Primordialmente, com base nos clássicos da teoria do Estado, entende- se que o Estado surge em razão do desenvolvimento da tecnologia na agricultura e pecuária, e que foram responsáveis pelos conflitos de desigualdades gerados pela propriedade privada e o avanço do capital.3 A corrente filosófica que comunga deste entendimento chama-se contratualismo, que floresceu desta concepção nos séculos XVII e XVIII. Esta filosofia está pautada na celebração de um pacto social entre todos os indivíduos, para delegação de poderes a um soberano que criará e gestará as normas de convívio social.4 Existem algumas peculiaridades de entendimentos quanto aos “termos contratuais” dependendo do autor. Thomas Hobbes visualiza um pacto de submissão dos individuais à soberania, John Locke e Rousseau acreditam num pacto consentido, pois não estabelecem uma aceitação absoluta dos indivíduos em face dos termos contratuais. Apesar das diferenças, elas são mínimas e todos contribuíram para criação do Contrato Social nos termos em que se vive atualmente 1 BODIN, Jean. Les six livres de La republique, Livro I, Capítulo VIII p.179 apud RISCAL, Sandra Aparecida. O conceito de soberania em Jean Bodin: um estudo do desenvolvimento das idéias de Administração Pública, Governo e Estado no século XVI. Campinas: [s.n.], 2001. P.05 2 BURNS, Edward Macnall. História da Civilização Ocidental: do homem das cavernas à bomba atômica. Tradução de Lourival Gomes Machado. 25. ed. São Paulo: Globo, 1983, p. 23 3 FERRER, Walkiria Martinez, DA SILVA, Jacqueline Dias. A soberania segundo os clássicos e a crise conceitual na atualidade. Marília. Argumentum - Revista de Direito - Volume 3 – UNIMAR, 2003 4 Op cit, FERRER, SILVA, 2003, p.105 3
  • 14. 1.1. Soberania e vontade divina: a teoria de Bodin "Se nós dissermos que tem poder absoluto quem não está sujeito às leis, não encontraremos no mundo príncipe soberano, visto que todos os príncipes da Terra estão sujeitos às leis de Deus e da natureza e a certas leis humanas comuns a todos os povos” 5 Jean Bodin Jean Bodin era magistrado e professor de Direito, e foi o primeiro a aprofundar-se no estudo da teoria da soberania. Viveu na França no final do século XVI, num clima hostil entre católicos e protestantes, que disputavam a supremacia do poder político. As igrejas não aceitavam uma dualidade quanto ao posicionamento de rei e exigiam um posicionamento político do monarca. Jean Bodin era defensor de um partido reacionário denominado “Políticos”, que militava em favor dos poderes absolutos do rei. Na obra “Seis livros da República, Bodin esclarece os seus objetivos de fortalecer o poder do rei, defendendo que o poder de soberania é exclusivo do monarca, sendo este perpétuo e absoluto. Desta forma, o rei se torna o único responsável pela gestão política da República.6 A preocupação fundamental do filósofo era evitar e acabar com os conflitos religiosos, e outros interesses classicistas, por fim extinguindo com o caos social. A manutenção da desordem social foi refletida de forma a fortalecer o poder estatal na figura do monarca, tornando a república ordenada e disciplinada na lei. Jean Bodin desenhou a vitaliciedade e a sucessão hereditária do poder absoluto do monarca. Ele garantiu que o rei fosse independente e estivesse acima da lei, afinal o Estado se constituía de fato na figura do soberano.7 “Somente ao soberano cabe o poder de criar e eliminar leis, a nenhum outro indivíduo ou conjunto de indivíduos, nem mesmo aos funcionários do Estado, cabe a formulação das leis, pois o poder soberano deve ser absoluto e para tal não pode ter ‘sócios’.” 8 5 BODIN, Jean. Obra citada, Livro I, Capítulo VIII, p. 190, apud RISCAL, Sandra Aparecida. O conceito de soberania em Jean Bodin: um estudo do desenvolvimento das idéias de Administração Pública, Governo e Estado no século XVI. Campinas: [s.n.], 2001. P.204 6 Ibd, FERRER, SILVA, 2003, p.103 7 Op cit, FERRER, SILVA, 2003, p.104 8 Op cit, FERRER, SILVA, 2003, p.103 4
  • 15. Segundo Jean Bodin, a soberania torna o soberano senhor das leis e, por conseqüência, daqueles que estão a elas submetidos: “É preciso que o soberano possa dar a lei aos súditos e anular ou revogar as leis inúteis para fazer outras; o que não pode ser feito por aquele que está submetido às leis ou por aquele que está sob o comando de outrem” 9 Ele contribuiu de fato para que se conferisse importância ao direito, às leis, à legalidade, que por sua vez garantiu a fundamentação do poder de soberania. Porém existe uma contradição: O poder soberano do monarca está pautado numa legislação criada pelo próprio rei. Mas quem conferiu a ele este direito? Jean Bodin explica que o monarca é a representação da vontade divina no reino, tornando o rei o princípio, o meio e o fim da organização estatal. Ele ainda explica que o monarca deve obediência e respeito às leis naturais e divinas, que somente dessa forma diferenciaria a figura do monarca e um tirano. “Porém, mesmo que a desobediência ocorra, ela não é válida, pois carece de leis específicas para punição do rei, desta forma carecem de eficácia legal e não exercem coerção jurídica sobre o soberano”.10 Pode-se entender Bodin como um dos contribuintes do direito positivo, e da criação de uma norma suprema. Em âmbito administrativo ela também foi um dos precursores da análise do que seria uma função pública. Vinculou o exercício do poder não ao poder intrínseco do monarca ou do magistrado, mas como poder delegado de uma ordem superior, que permanece em poder de Deus e do Estado. Isto não significa que ele promovia dentro do seu esquema de teorias de Estado a pessoalidade dentre os indivíduos. A norma incidia nas relações entre o povo, o monarca e o império no sentido de afirmar o caráter de dinastia régia, 11 com a intenção de realizar condições para garantir o exercício do poder real. 9 CHEVALLIER, Jean Jacques. As grandes obras políticas: de Maquiavel a nossos dias. Tradução de André Praça de Souza Teles. 8. ed. Rio de Janeiro: AGIR, 2001, p. 124 10 FERRER, SILVA, 2003, p.104 11 MONTEIRO, Rodrigo Bentes. A República de Jean Bodin: uma interpretação do universo político francês durante as guerras de religião. Tempo. Revista do Departamento de História da UFF. Rio de Janeiro: Sete Letras, v.15, 2003, p.172 5
  • 16. 1.2. Soberania e estabilidade no Estado Leviatã: a teoria de Hobbes "Todos são iguais no ‘medo recíproco’, na ameaça, que paira sobre a cabeça de cada um, da ‘morte violenta’. Os homens ‘igualam-se’ neste medo da morte.12" Thomas Hobbes Thomas Hobbes era antes de tudo um exímio observador da natureza humana, tinha interesse no comportamento individual das pessoas e de quando elas estavam sobre a batuta coercitiva do poder estatal. Hobbes, no século XVII, viveu em um período marcado por conflitos religiosos e políticos entre a Coroa e o Parlamento. No final do século, em 1688, a Revolução Gloriosa marcou o fortalecimento liberal em detrimento do absolutismo. Diante deste contexto histórico, Hobbes percebeu uma tendência natural do homem em desobedecer às normas de condutas e de convivência. Foi então que ele dirigiu os seus estudos para as causas que levavam a desobediência, que na sua visão estava pautada na Lei de Natureza: o homem livre de condicionamentos.13 Sucintamente, o entendimento de Hobbes é fruto do que ele acredita ser a natureza humana, que é o resultado de um ser imaginativo, inseguro, desconfiado, competitivo, egoísta entre outros, que está em constante disputa por poder. Com este panorama pessimista da concepção metafísica humana, ele vê como caminho a instituição do Estado Leviatã, que não é somente um conjunto de normas, mas também um corpo que exige o seu cumprimento sob a lâmina da espada. Thomas Hobbes, em um dos seus estudos, verifica uma imprecisão metodológica na linguagem; entende que ela pode causar danos com conseqüências espantosas para o homem e a sociedade, em razão do seu poder de alterar os ânimos. “Quando as palavras se tornam “emotivas” e são utilizadas para enunciar preferências pessoais em vez de fatos, toda ordem se torna impossível. E mesmo assumindo que “todos os homens, por natureza raciocinam de forma semelhante, e bem, quando têm bons princípios”.14 12 HOBBES, Thomas. De Cive, Filósofos a Respeito do Cidadão. Tradução de Ingeborg Soler, Petrópoles, Vozes, 1993, P.27 13 Ibd FERRER, SILVA, 2003, p.104 14 HOBBES, Thomas. Leviatã ou Matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil (São Paulo: Editora Abril/Coleção Os Pensadores.1983 P.30 apud POUSADELA, Inês M.. O contratualismo hobbesiano. Na publicação: Filosofia política moderna. De Hobbes a Marx Boron, Atilio A. CLACSO, Consejo. P.358 6
  • 17. Em detrimento do caráter volátil que permeia as relações humanas e de linguagem, ele tenta fixar um padrão com base em convenções, para que seja possível uma unidade de definições. Para Hobbes não importa que estas convenções não caracterizem a verdade real, para ele a ciência política deve incansavelmente perseguir a paz. Ele não acredita numa ordem natural nos assuntos humanos, defende que esta ordem deve ser criada, assim como todas as ciências que permeiam o universo das humanidades. Para Hobbes o importante é a estabilidade, os Estados devem ser feitos para durar. A política deve ser demonstrável, metodológica, geométrica, tão disciplinada quanto uma estrutura kelso- cartesiana.15 Thomas Hobbes visiona que intrinsecamente ao homem existe um sistema dedutivo, em círculo fechado, “que uma vez completo os axiomas que o põe em movimento, não acrescenta nada de novo ao que já sabemos; só iluminam relações antes não percebidas.” Este é um sistema que não acrescenta qualquer informação que já não esteja embutido nele mesmo. As conclusões são resolutivas diante das premissas, ou seja, nada chega de fora, tudo já está contido desde o início. Este mecanismo de círculo fechado é chamado de Estado de Natureza do homem. Hobbes descreve que todas as paixões e os mecanismos que o movem são frutos da atração ou repulsa, causados por estímulos externos, que agem em razão da autopreservação.16 Assim, determinada a condição de Estado de Natureza, Hobbes busca, a partir deste ponto, derivar o Estado de forma positivada. É um processo de descobrir dentro do homem a lei que o rege, e pautar deste, o sistema jurídico. Para Hobbes o homem é pautado por paixão e razão, ele é análogo a uma maquina de desejos, sendo que o seu desejo é tido como o bem e a sua aversão o mal. O homem é impulsionado pelas suas paixões, assim como os animais, mas existem duas que predominam entre os homens, a linguagem e a curiosidade. Graças a estes dois fatores o homem não se desenvolve exclusivamente em razão dos desejos imediatos, mas pautado também pela garantia de satisfações futuras.17 Este efeito resulta em “um perpétuo e irrequieto desejo de poder e mais poder, que cessa apenas com a Latinoamericano. de Ciencias Sociales; DCP-FFLCH, Departamento de Ciencias Politicas, Faculdade de Filosofia Letras e Ciencias Humanas, USP, Universidade de Sao Paulo. 2006. P.358 15 HOBBES, Thomas, Leviatã ou Matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. São Paulo: Editora Abril/Coleção Os Pensadores, 1983 P.30 16 Ibd, POUSADELA, 2006, P. 359 17 Ibd, POUSADELA, 2006, p.359 7
  • 18. morte” 18. O poder, para Hobbes, é todo artifício utilizado para se obter um fim, sejam as habilidades naturais ou adquiridas com a experiência, bens, informação entre outros. Sinteticamente Hobbes diz: “qualquer qualidade que torna um homem amado, ou temido por muitos, é poder; porque constitui um meio para adquirir a ajuda e o serviço de muitos” 19 Para ele, a finalidade é utilizada em razão da: “(...) vanglória (sentimento de poder sobre outros homens) e honra (reconhecimento de seu poder), virtudes aristocráticas em concorrência com as virtudes burguesas que visam à conquista da segurança da vida e dos bens. Trata-se de um dado importante porque, como aponta Zarka, constitui, dentre as três grandes causas de discórdia – competição, desconfiança e glória– a única verdadeiramente irracional” 20 Mesmo diante deste panorama caótico de emoções descrito por Hobbes, ele diz que neste estado de natureza as pessoas possuem direitos de desejar como quiserem. Para ele, no estado de natureza, não existe limites para o desejo, nem mesmo para o direito. Sem o Estado todos os homens têm direito a tudo, e, portanto ninguém pode adquirir direito exclusivo a qualquer coisa. Hobbes acredita que os homens são iguais em todos os fatores, tanto em força quanto em faculdades mentais, e diz que se não o é, o que importa é que desejam que o seja. E a partir deste entendimento ele diz: “(...) e se a natureza fez os homens iguais, como os homens, dado que se consideram iguais, só em termos igualitários aceitam entrar em condições de paz, essa igualdade deve ser admitida”.21 Mas, Hobbes também identifica algumas causas, que em sua opinião são procedentes da natureza humana e que impactam a igualdade de desejos, quais sejam: “a competição (pelo benefício), a desconfiança (pela segurança) e a glória (pela reputação). Assim, enquanto não houver um poder comum que atemorize os homens, o estado de natureza 18 Ibd, HOBBES, 1983, p. 60 19 Op cit, HOBBES, p.50 20 Op cit, POUSADELA, p.360 21 Ibd, HOBBES, 1983, 92 8
  • 19. será um estado de guerra, real ou potencial.” 22 Porém, num estado como este, o direito, a ilegalidade, a justiça e a injustiça inexistem. Tudo é válido, como forma de se obter um fim. É válido o uso da força e da fraude, pois se trata de um padrão de regulação social subjetivo, sem um ideal denominador comum. Todos são juízes da sua própria racionalidade, tudo é verdade. Diante deste quadro, Hobbes defende que a ação impositiva de um Estado é imprescindível para delimitar parâmetros de sobrevivência, encontrando no direito à vida em paz um denominador comum entre os homens. Para Hobbes, se for para evitar o caos do Estado Natural, é válido pelo soberano até mesmo o controle da consciência pública através das doutrinas ensinadas nos domínios da soberania. É possível se retirar a liberdade de expressão, as doutrinas revolucionárias, ou sediosas. A linguagem, como forma de criação humana pode ser manipulada para comunicar as vontades arbitrárias, desde que os significados sejam colocados como entender o soberano. Para Hobbes, importa menos o conteúdo concreto da mensagem, como verdade, mas a garantia de uma certeza, a de estabilidade. O problema a ser solucionado é que haja o mínimo possível de doutrinas divergentes, a fim de se manter um padrão de aceitação coletiva conhecida. Para ele se trata apenas de um dispositivo utilizado para ordenar a sociedade com a finalidade de se obter a paz, independe a regra, o que importa é que todos entendam e às sigam. Nessa perspectiva o soberano recebe o máximo poder de definição de padrões, ele se torna praticamente Deus.23 Em contrapartida, a segurança desenvolvida por este sistema tornaria os homens dóceis e compreensíveis o suficiente a acreditarem que novamente são iguais e que, portanto alguém assegurará a aplicação da lei. Este sistema almeja a confiança dos indivíduos para agirem diante do acordado sem sentirem prejudicados, pois o sistema é seguido por todos, e quando não o é existe uma punição para o ser errante. Estas regras somente exalam a confiança quando existe o temor, pois, “na ausência do temor de algum poder capaz de levá- las a ser respeitadas” são, de acordo com o que afirma Hobbes, “contrárias as nossas paixões naturais”, isto é, só podem ser efetivas quando o ator sente-se seguro de segui-las sem que isso redunde em seu próprio prejuízo.24 Conclui-se o pensamento hobbesiano num sistema em que a obediência e o respeito à autoridade é a expectativa de um resultado que garanta uma maior vantagem individual, do que: a guerra civil ou o estado e natureza. A sociedade, em harmonia com o 22 Ibd, POUSADELA, 2006, P.361 23 Ibd, POUSADELA, 2006, P.361 24 Op cit, POUSADELA, 2006, P. 363 9
  • 20. Estado, é apenas mais um meio para a inevitável realização das vontades egoísticas individuais. A sacada de Hobbes é garantir este como o único sistema, conquistado através da imposição do medo do desconhecido, como se fosse mais um dogma religioso ao tratar do inferno. Este consentimento ao sistema de soberania hobbesiano é legitimado de forma tácita, implícita, se deduz que todas as pessoas preferem o soberano a viver no inferno do estado de natureza. É exatamente neste momento que a legitimidade se torna uma realidade factual.25 Ademais, um ponto de relevância na contribuição Hobbesiana para o contratualismo foi a união do pacto de constituição com o pacto de submissão, que conferem conjuntamente ao soberano um poder supremo, pois em apenas um momento a sociedade constitui e determina a sua gestão absoluta ao soberano. A legitimidade foi garantida pelos indivíduos em conjunto e não mais estabelecido como fruto de um poder divino. Assim, Hobbes fortaleceu o poder soberano, que não mais participa do pacto, agora ele se tornou o fruto do último. Ademais, sendo o Leviatã um ser artificial composto pela vontade dos homens no seu estado de natureza, a sua divisão passa a ser uma enfermidade da sociedade, como se fosse a criação de um tumor no sistema. Possibilita, portanto, que o soberano remedíe a situação com imposição máxima da sua força em nome do bem-estar social. Diante do exposto, conclui-se que, para Hobbes “o poder supremo do monarca soberano que está à frente do Estado em um dado momento, retrata claramente o contexto político do absolutismo.” 26 1.3. O soberano limitado: a teoria de Locke Locke certamente foi muito influenciado pelo contexto liberal. Assim como Hobbes, John Locke viveu um período emblemático na Inglaterra, que refletia os combates entre a Coroa e o Parlamento. Esta disputa política tinha contornos desenhados pela dinastia Stuart, que era adepta ao absolutismo, e a burguesia liberal, que naquela altura já possuía poder econômico e desejava também o político.27 Ademais, complementando os conflitos políticos supramencionados, existia também uma disparidade entre as religiões católica, anglicana, presbiteriana e puritana. Esta 25 Ibd, POUSADELA, 2006, P.369 26 Ibd, POUSADELA, 2006, P. 371 27 Ibd, FERRER, SILVA, 2003, p.108 10
  • 21. crise não se resumia a um mero embate político, ou de gestão pública, já tinha atingido outros patamares, pois a crise foi agravada pela “rivalidade econômica entre os beneficiários dos privilégios e monopólios mercantilistas concedidos pelo estado e os setores que advogavam a liberdade de comércio e produção”.28 Como fruto desta desordem, o resultado foi a morte do rei da dinastia Stuart, Carlos I. Em 1649, sob o governo Cromwell implantou-se a república, a chamada Revolução Puritana, que garantiu espaço para a burguesia. Cromwell morreu em 1660, e devolveu-se o trono inglês à dinastia Stuart. Este período, instável, depôs Jaime II do poder, um absolutista, para colocar em 1688, Guilherme de Orange no parlamento. Com o recebimento da Coroa do Parlamento marcou a vitória do liberalismo sob o absolutismo. Desta maneira, Locke pode voltar do exílio às terras britânicas e publicar suas obras. 29 Locke fez oposição aos entendimentos absolutistas de Robert Filmer, que entendia à monarquia como descendente do personagem bíblico Adão, o herdeiro legítimo de Deus. Ele também criticou a doutrina do direito divino e começou a escrever sobre o contrato social, sempre em tom de crítica ao absolutismo. Diferentemente de Hobbes, ele não entende o homem como um ser que quando em estado de natureza vive em guerra constante. Para Locke, o homem natural é pacífico e harmônico, desprendendo a sua íra somente em razão da defesa da propriedade. A propriedade era para Locke o ponto central do seu discurso político, entendido por ele como liberdade e bens. A liberdade e os bens para Locke já existia antes mesmo da política, tinha a origem no direito natural do homem.30 Diante da concepção de que o homem é pacífico por natureza, não existiriam razões suficientes para se criar uma sociedade política, ou um governo civil, em uma sociedade harmônica. O que caracteriza a necessidade de se delegar poderes a um soberano é o direito de propriedade, que torna os homens impuros. Mas este poder de regular deve advir de alguém imparcial, que não detenha poderes absolutos nem arbitrários, que seja instituído sob a égide do consentimento racional dos homens. Depois de aceitar “contratualmente” a criação de uma sociedade política, deve-se escolher de quem será o poder de criar as leis. Para Locke a democracia era atingida pelo poder da maioria legislar, quando era um numero ínfimo de pessoas chamava-se oligarquia, e quando de apenas um homem, monarquia. Para ele, o poder legislativo era de tamanha importância, pois o sistema consiste na criação de leis que possam fundamentar e 28 Op cit, FERRER, SILVA, 2003, p.108 29 Op cit, FERRER, SILVA, 2003, p.108 30 Op cit, FERRER, SILVA, 2003, p.109 11
  • 22. conservar uma sociedade. Portanto, diante de um poder originário nada mais natural do que enxergá-lo como reinante sobre os outros poderes. Porém, esta importância “superior” do legislativo não é absoluta, e nem arbitrária, pois primordialmente deve obediência ao bem público. Ao executivo cabe o poder de se fazer cumprir as determinações do legislativo, bem como aplicar eventuais penalidades em caso de sua desobediência. Por fim, ao poder federativo como um todo insurge ditar a guerra e a paz.31 Determinado o sistema de consentimento de uma maioria para a finalidade de se constituir um poder, foi criado o conceito de legitimidade ao soberano. Portanto o sistema deve ser regido por um governo de maioria de governantes, consentido pela maioria dos indivíduos. Desta maneira consegue-se manter uma estabilização política na aceitação do soberano e do dever de obediência às suas leis. Diante do exposto, observa-se no pensamento de Locke uma evolução no conceito de soberania de Bodin e Hobbes, desenvolvido de acordo com as aspirações políticas e econômicas antiabsolutistas filosofadas àquela época. Deixou-se de pensar no poder divino, impositivo, absoluto e unilateral do monarca, para conceber a ideia de racionalização de quem serão os governantes legitimados para adquirir o poder soberano. A sua obra iria inspirar e aproximar o entendimento concreto de Jean Jacques Rousseau sobre o que de fato seria o “O Contrato Social”. 1.4. O soberano submisso ao povo: a teoria de Rousseau O pensamento Iluminista de Jean Jacques Rousseau forneceu a base para que a Revolução Francesa transformasse a política na Europa e no mundo. Era um momento de transição na Europa. Existia uma insatisfação quanto aos gastos exacerbados da nobreza com os cofres públicos, que naquela altura, para manter a luxúria, desfalcaram a economia. A influência de Rousseau permeou o final do século XVIII, e a sua obra de maior relevância foi “O Contrato Social”. As teorias iluministas podiam ser vistas àquela época como duas, a visão liberalista de John Locke, Voltaire e Montesquieu, bem como a visão democrata de Rousseau.32 31 Ibd, FERRER, SILVA, 2003, p.110 32 Ibd, FERRER, SILVA, 2003, p.110 -111 12
  • 23. “A teoria liberal representou mais a aversão a qualquer tipo de sobreposição de poderes, seja da minoria quanto da maioria, do que propriamente pelos ideais democráticos, refletindo os interesses da classe burguesa em ascender politicamente, já que, àquele momento, já detinham considerável poder econômico.” 33 Em princípio, o liberalismo primou por garantir a defesa dos direitos individuais, deixando de lado os interesses relativos à coletividade. Já Jean Jaques Rousseau, com a teoria democrática descrevia a condição de igualdade natural atinente aos homens. Ele preocupou-se em destacar o que seria um Estado Democrático legítimo pela soberania popular em contraposição a um grupo de governantes. Desta forma, Rousseau contribuiu com a Revolução Francesa para que a maioria das nações se tornasse republicana, ou ao menos se tornassem monarquias parlamentares. Com a sua obra, “O Contrato Social”, Rousseau facilitou o período conturbado de transição, propôs métodos que garantiriam uma sociedade mais justa e democrática.34 A natureza humana assim como para os outros filósofos contratualistas também foi razão de preocupação para a filosofia de Rousseau. O contrato social também foi justificado nas razões da natureza humana, que foi traduzido o seu entendimento na obra “Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens”, de 1755. Ele trata a origem da desigualdade entre os homens buscando o seu início, que se dá com o surgimento da propriedade, o causador do pandemônio. Ao tratar sobre a natureza humana Rousseau ousa discordar de Hobbes, que afirma que o homem no seu estado de natureza é mau, egoísta, imaginativo, desconfiado e, portanto, amante da guerra. O filósofo francês acredita que o homem é corrompido pela competição e desigualdades hierárquicas, sendo fruto da transformação que a sociedade o impôs. Portanto, na visão rousseauniana o homem é aquilo o que fazem dele, o meio social e a disposição do sistema é causa geradora das ações humanas.35 Diante deste esquema lógico Jean Jacques Rousseau pensa no sistema de forma a que os homens vivam em igualdade absoluta, e que qualquer forma de poder que sobrepuja um direito individual deve advir da consciência coletiva, legal e legítima. Sendo 33 Op cit, FERRER, SILVA, 2003, p.110 34 Op cit, FERRER, SILVA, 2003, p.111 35 Ibd, FERRER, SILVA, 2003, p.111 -112 13
  • 24. assim, é exigida a legitimidade dos indivíduos para transformar o poder do soberano, o colocando numa situação como a de “funcionário do povo”. Ele concebe a ideia de temporariedade do direito de se exercer a soberania e torna a vontade do povo inalienável. Por óbvio, a contribuição de Rousseau na transformação do período de servidão a uma maior “liberdade” foi muito mais extensa do que as explanadas, assim como as contribuições dos outros filósofos para se chegar ao contexto atual. O conceito de soberania foi desenvolvido a partir de contextos políticos, econômicos, e sociais, conforme os anseios da sociedade da época. Jean Bodin e Thomas Hobbes tornaram o poder absoluto, não estatal, concentrado em um único homem. John Locke e Jean Jacques Rousseau contribuíram para a distribuição do poder soberano e criar a noção de legitimidade. De fato, a noção democrática persiste por ser ampliada, mas em momento nenhum se chegou a encontrá-la por completo. 14
  • 25. 2. A CRÍTICA DO MODELO DA SOBERANIA Os métodos de manutenção do poder foram se aperfeiçoando ao longo do tempo. A busca pela legitimação da utilização do poder da força sempre foi o objetivo. No início o soberano era um homem que se dizia a representação divina na Terra. Num segundo momento as teorias disseram que o homem precisava ser controlado para viver em paz. As formas de controle eram sempre baseadas na força bruta, em formas de contenção e ações coercitivas do Estado Soberano. Em dado momento, este desgaste enérgico na aplicação da força reduziu sua intensidade para ser substituído por tecnologias disciplinares. A sociedade permaneceu sob controle, mas desta vez, de forma inconsciente. Para melhor entender o que foi exposto anteriormente é importante que façamos uma observação dentro de uma estrutura linear de argumentação. 2.1. Lógica argumentativa da construção do poder soberano. “Nenhuma ordem social é intrinsecamente legítima, sua legitimidade só pode advir do reconhecimento do corpo social, do consentimento ativo da população.36“ Guilhon Albuquerque Para explicar as razões que levaram a sociedade a um culto do egoísmo (Capítulo IV) é necessário fazer uma abordagem da construção do poder do soberano, da garantia legal criada e as retóricas que determinaram a sua legitimidade. Utilizar-se-á neste tópico uma estrutura discursiva lógica e pretensamente linear. Desta forma objetiva-se entender à disciplina ao qual a sociedade está submetida e os meios de dominação coativas que lhe é imposta, até encontrar no topo do esquema atual de organização social o chamado “homem burguês”, como teorizado por Hobbes. 37 36 ALBUQUERQUE, Guilhon “Violência Social e Violação da Ordem”. in “Metáforas do Poder”, Achiamé Socii, textos paralelos, Rio de Janeiro 1980 apud ROCHA, Leonel Severo. A fala soberana. Revista Sequência. Ano2. 1981 p.84 37 No Leviatã de Hobbes é possível verificar a presença, no texto do Leviatã, de uma figura à qual se pode chamar o “homem burguês” cujas atitudes e valores mais típicos podem ser resumidos em termos de “individualismo possessivo”, ou seja, como típico comportamento burguês, centrado na aquisição individual da propriedade. (MONTEIRO, João Paulo. A Ideologia do Leviatã Hobbesiano. São Paulo. IEA/USP) 15
  • 26. Michael Foucault faz uma abordagem distinta, de tamanha pertinência para as explanações aqui contidas, que foi reproduzida em uma de suas exposições no Collège de France em Paris no ano de 1975 e 197638 – “Existe um princípio primeiro que contorna as relações do Direito e do Poder: e todo pensamento jurídico que dele emanou, desde a Idade Media, foi construído essencialmente através do poder régio. Foi em proveito deste poder, como garantia de servir como sustentação para a sua utilização, que se construiu o edifício jurídico das nossas sociedades.” 39 Observa-se que desde a Idade Media a teoria do direito, por suas excelências intelectualidades advindas do monarca, do clero, ou por muitas vezes das classes abastadas da sociedade, a burguesia, elas lograram por fixar a legitimidade do poder, ininterruptamente. Esta legitimidade era necessária para se perpetuar o poder que já estava sendo imposto pelo soberano, que em primeiro plano se sustentava fragilmente por poderes que eram ditos concedidos por deuses. Leciona Sahid Maluf: “A princípio, o poder de governo era exercido em nome e sob a influência dos deuses, contando assim, pacificamente com uma justificação natural, de ordem carismática, aceitável de pronto pela simples crença religiosa. Mas, a necessidade de uma firme justificação doutrinária de poder foi se tornando cada vez mais imperiosa, até apresentar-se, na atualidade, como problema crucial da ciência política.” E o problema central da organização da teoria do direito incidiu na questão da soberania. 40 Thomas Hobbes, como outros contratualistas, serviram de ponte para a transição do período em que o rei se sustentava pelo poder de legitimação divina, defendida por Robert Filmer, Bossuet41, e Bodin, até um direito positivado, técnico, e legitimado pelo povo, desenhado por, Locke, Rousseau ou Montesquieu. Para ajudar na construção da técnica do direito, e a ideia de soberania, Hobbes parte de uma premissa de que diante do Estado Natural todos os homens são precipuamente egoístas e que nada no mundo satisfaria as suas necessidades. Ele crê que haveria competições por riqueza, segurança e glória. Hobbes acredita que haveria lutas, pois cada homem viveria em torno dos seus próprios interesses. 38 FOUCALT, Michael. Em defesa da Sociedade; curso no Collège de France; tradução Maria Ermantina Galvão – São Paulo: Martins Fontes, 1999 39 Ibd FOUCALT, 1999, P.29-30 40 MALUF, Sahid. Teoria geral do Estado. 28., rev. E atual. São Paulo: Saraiva, 2008. 39 41 MONTEIRO, João Paulo. A Ideologia do Leviatã Hobbesiano. São Paulo. IEA/USP. P.3 16
  • 27. Desta forma, ele dá margem para futuramente John Locke e Jean Jacques Rousseau solucionar o problema do egocentrismo humano com a teoria do contrato social, no qual todas as pessoas supostamente e implicitamente concordariam em assiná-lo, legitimando a ação coercitiva de um soberano para gerir a paz coletiva. Portanto, este argumento advém da ideia, fictícia e imposta, de que homens que antes viviam em estado de natureza, sem qualquer artifício da vida civil, e por uma opção racional, decidem viver em uma sociedade política, consentindo, por confiança, na instituição de um poder único, que regerá o bem da sociedade. Neste momento começa a se formar uma primazia da racionalidade com o pretexto de aumentar as possibilidades de sobrevivência e convivência em comunidade. Para John Locke: o pacto social se refere à preservação do homem, o que lhe recai à preservação de sua propriedade, que por ele é entendida como a liberdade, a igualdade, a vida e aos bens materiais. Portanto, para ele, somente diante desta “lógica” de preservação que os homens irão cumprir o seu destino divino: crescer e multiplicar42, garantindo a preservação da humanidade. Portanto, inventada para esta finalidade, a comunidade política, formada por um corpo único, ganha o poder de tomar decisões, e de exigir a obediência.43 A ideia de confiança44, que se encontra no núcleo da relação entre governo e governados, determina que esta fosse uma condição ímpar da união entre homens sob um governo, ademais, do dever de obediência. Com outras palavras, a relação somente persistirá pacificamente quando existir a confiança mútua. Assim, os dois lados, governo e governados, confiam que ambos cumprirão o seu papel: o governo, de bem governar para o povo, e os súditos de obedecerem, na medida em que todos encaminhem suas ações para o propósito último da criação da sociedade política: o bem comum, o bem-estar de todos. ”45 Assim sendo, destaca-se o moral voltado ao cumprimento dos compromissos assumidos, 42 HOBBES, Thomas. Dois Tratados sobre o governo. Tradução de Júlio Fisher, São Paulo: Martins Fontes, 2005 P.41 43 Op cit, HOBBES, 2005, P.99. 44 “Nos Ensaios, datados de 1663-1664, Locke procura evidenciar (Ensaio VIII) que a base das relações humanas é a confiança, mostrando que não é o interesse privado de cada um que vem a ser o fundamento da lei de natureza. Na medida em que afasta o interesse particular, a própria vantagem e o egoísmo como base da lei de natureza, Locke mostra que práticas virtuosas é que são responsáveis pelos elos das comunidades. Caso prevalecesse o interesse individual, a vida em sociedade seria algo impraticável e a confiança (elo que une a todos) impossível. Ademais, haveria uma flagrante contradição na lei de natureza, pois seria impossível conciliar o interesse egoísta e a preservação da humanidade. Todavia, para Locke a prática voltada ao bem de todos não é um mero cálculo matemático, uma mera prática utilitária e racional desprovida de sentimento de irmandade, ao contrário, apresenta conotações de prática virtuosa, pois todos se reconhecem como iguais. A consequência é o risco que se assume: todos confiam que cada um irá agir de forma a não prejudicar a outrem, ou seja, suas ações voltam-se à preservação da humanidade” (LEOPOLDO, Giovana Brolezi. Lei Natural e submissão: Obediência civil em Locke. São Paulo: USP/FFLCH, 2010. P16) 45 LEOPOLDO, Giovana Brolezi. Lei Natural e submissão: Obediência civil em Locke. São Paulo: USP/FFLCH, 2010. P.16 17
  • 28. como forma de obrigação, e torna-se essência nas relações entre homens, em nome da preservação da humanidade. Observa-se que no núcleo do contratualismo, a obediência ao soberano se dá em nome do cumprimento de uma promessa, sob a égide do bem-estar social. Para Locke, este fato contorna todas as relações humanas, e a obediência advém da consciência de que todos os contratantes agirão em prol do bem do contrato. Portanto, há um fundamento no próprio consentimento, não é simplesmente obediência.46 Complementarmente, quanto à noção de quem determinará o contrato, para Hobbes é claro: “a lei civil é, reflexo do poder de constrangimento que somente o 47 soberano pode possuir no Estado civil.” Para ele, somente o Estado pode legislar e o legislador de todas as repúblicas é sempre o soberano.48. Diehl, citando Goyard-Fabre atenta ao fato de que “para Hobbes, assim como anteriormente para Bodin, a soberania pertence e exerce o seu poder na atuação do poder legislador em todos os domínios: que o soberano, determinando o justo, conhece e decide todos os litígios, faz-se assim mestre do poder judiciário” 49. Assim sendo: “O soberano é quem faz a lei; e a lei é o que é feito pelo soberano – dos dois lados a questão se fecha na soberania: parece que a soberania liga-se, em essência, à qualidade de ser mestre absoluto do direito humano. Uma vez que o Estado civil ou república são instituídos, não há outro direito além do direito do Estado: um direito que, filho da lei civil, é não somente um direito positivo, mas um direito que ‘estabelecido humanamente’ com o contrato social, decorre, em última análise, da vontade que preside a Commonwealth.50” A partir desta formulação retórica está consolidada completamente a essência legal da soberania defendida por Jean Bodin, que consiste em garantir o poder suficiente a uma soberania para manter a paz, punindo aqueles que a quebram. E nesta mesma concepção, para Jean Bodin, o conceito "soberania “sustenta a tese que a Monarquia francesa é de origem hereditária e o Rei não estaria sujeito a quaisquer condições determinadas pelo 46 LEOPOLDO, Giovana Brolezi. Lei Natural e submissão: Obediência civil em Locke. São Paulo: USP/FFLCH, 2010. P.16-17 47 DIEHL, Frederico Lopes de Oliveira. Lei de natureza e lei civil em Hobbes. São Paulo: USP/FFLCH, 2010 48 M. M. GOLDSMITH, Hobbes on law, p. 277, citando o Leviatã, cap. XXVI, p. 137 49 Simone GOYARD-FABRE, Le droit et la loi dans la philosophie de Thomas Hobbes, p. 139 50 Op cit, Simone GOYARD-FABRE, P.140 18
  • 29. povo. Todo poder Estatal é pertencido pelo Rei e não deve ser partilhado com nenhuma esfera social.51 De uma forma ou de outra, mesmo que as idéias de Bodin não tenham prosperado, e apesar da gradual abertura da consciência de legitimidade do povo para se instituir a soberania, o poder sempre continua na mão de uma minoria abastada. Parece que a soberania estendeu-se apenas do poder da nobreza para a burguesia e assim permaneceu até os dias de hoje. 2.2. A alma da soberania segundo Foucault Para perseguir o entendimento intrínseco do poder soberano é preciso rememorar o esquema proposto por Hobbes: em Leviatã, ele era como a unificação de diversas individualidades esparsas, que se reúnem por certos elementos constitutivos do Estado. Porém, na essência do Estado existe algo que o constitui como tal, a soberania. A soberania é a alma do Leviatã, por conseguinte a do Estado. Diante desta premissa Hobbesiana verifica-se a necessidade de se analisar o poder na sua essência, descobrir as razões que determinam a soberania, ou seja, quais os fatores que constituem a alma do Estado. Para entender a relação de poder Michael Foucault propõem a análise a partir das táticas e técnicas de dominação. 2.2.1. O poder-dominação “Já repeti cem vezes que a história dos últimos séculos da sociedade ocidental não mostrava a atuação de um poder essencialmente repressivo” 52 Michel Foucault A dominação é um sistema de controle arcaico dos indivíduos, é o controle pela repressão, punição, penalização. A dominação é a imposição de normas de condutas sob coerção por meio da força. É um sistema que pressupõe a obediência pelo medo da reação do poder soberano ao ser questionado. Este método exige alta atividade do poder estatal, que 51 BONAVIDES, Paulo. Ciência Política: Conceito de disciplina, conceito de poder. São Paulo. Malheiros, 1999. P.s 52 FOUCAULT, Michel A vontade de saber. 2ª edição. , Ed. Graal, Rio de Janeiro p.79 19
  • 30. deve permanecer vigilante no controle punitivo, sob o perigo de perder o controle coercitivo. Os indivíduos dominados por este sistema são mais propensos a serem combativos com o poder soberano do que aqueles que são disciplinados. Teoricamente aqueles que são dominados obedecem pela dor e medo, já os disciplinados porque agem sem entender a finalidade da ação, pensam estar sob controle, conscientes das suas atitudes, mas de fato estão dormindo. Sendo assim, para Foucault o poder de dominação é de fato aquele que é exercido pela soberania. 2.2.2 O poder-disciplina “We don't need no education. We don't need no thought control, No dark sarcasm in the classroom” Pink Floyd Durante os séculos XVII e XVIII, foi inventada uma nova mecânica de poder, com procedimentos específicos e peculiares, absolutamente incompatíveis com o poder de soberania, o “mecanismo disciplinar”. Foucault, ao longo dos tempos descobriu que a ideia de soberania foi substituída lentamente pela disciplina, e aos poucos as monarquias conseguiram formar sociedades disciplinares. A estrutura fundacional deste sistema é inserir o indivíduo a um controle contínuo e perpétuo, realizado por instituições disciplinares, no qual se mantém o indivíduo em constante doutrinação e observação. Os agentes deste sistema são homens normais que através de uma rede imensa de pessoas interiorizam e cumprem normas estabelecidas pela disciplina social. Exemplo: os pais, os porteiros, os guardas, os enfermeiros, os secretários, os professores, os fiscais. A partir desta perspectiva Foucault afirma que o poder está em toda parte porque provém de todos os lugares, e ele não permanece na mão de uma só pessoa, mas transita a sua força entre todos os indivíduos. Esta gestão de normalização de pessoas provém de uma forma de poder que se denomina microfísica do poder. Ela é a dispersão dos meios de dominação entre diversas redes de instituições e indivíduos, que exercem pequenos poderes, mas controladas por um domínio da verdade que regula a disciplina social.53 53 FOUCAULT, Michael. Em defesa da Sociedade: curso no Collége de France; tradução Maria Ermentina Galvão : Martins Fontes, São Paulo,1999 P. 42 20
  • 31. 54 A partir desta metodologia, utilizando se do “compasso da verdade” ,e tomando a verdade como o capital, facilita-se a inclusão dos indivíduos no sistema de produção capitalista, tornando-o apenas um ser produtivo que busca sempre a maior eficiência material e tecnológica. Esta sociedade disciplinar torna-se utilitarista, voltada para produção, no qual cada órgão exerce uma função determinada: as oficinas e as fábricas produzem, as escolas ensinam, as prisões corrigem. Estes dispositivos disciplinares se tornaram uma nova tecnologia de aplicação do poder, no qual para Foucault são: “(...) um tipo de poder, uma modalidade para exercê-lo, que comporta todo um conjunto de instrumentos, de técnicas, de procedimentos, de níveis de aplicação, de alvos; ela é uma física ou uma anatomia do poder, uma tecnologia.” 55 Pode se dizer que a disciplina é uma mecânica utilizada para mascarar a utilização das pessoas, a sua força de trabalho e o seu tempo, mas com os seus consentimentos implícitos. “Ao contrário do que ocorre no âmbito do poder da soberania, o poder disciplinar não se materializa na pessoa do rei, mas nos corpos dos sujeitos individualizados por suas técnicas disciplinares. Enquanto que o poder da soberania, ou poder soberano, se apropria e expia os bens e riquezas dos súditos, o poder disciplinar não se detém como uma coisa, não se transfere como uma propriedade: “(...) o poder disciplinar é, com efeito, um poder que, em vez de se apropriar e retirar tem como função maior adestrar; ou sem dúvida adestrar para retirar e se apropriar ainda mais e melhor.” 56 Observa-se que este mecanismo não se comporta da mesma maneira que no poder de dominação, próprio da soberania, que por sua vez é vinculada a um poder que exerce precipuamente a sua força sobre a terra e os produtos da terra. O novo mecanismo supera todos os paradigmas decorrentes do panorama imposto pela suserania e vassalagem, pois se 54 Mecanismo que produz e faz circular discursos que funcionem como verdade, que passam por tal e que detêm, por esse motivo, poderes específicos. 55 FOUCAULT, Michel Vigiar e punir. Petrópolis: Editora Vozes. 2001 P. 177 56 Op cit, FOUCAULT, 2001 P.143 21
  • 32. aplicam quase que diretamente sobre os corpos e sobre o que eles fazem. Já na dominação, imposta pela soberania:57 “(...) fundamenta o poder absoluto com a prática absoluta de sua força, o novo método (disciplina) utiliza-se de um poder oculto com o mínimo dispêndio e a máxima eficácia. Pode-se dizer que é agora mais uma das grandes invenções da sociedade burguesa, que foi utilizado como instrumento fundacional para a implementação do capitalismo industrial e todos os seus efeitos correspondentes.” 58 A modalidade disciplinar de poder exerce a sua influência de forma anônima, integrada e de forma coordenada, com intuito de multiplicar os indivíduos reprodutores da disciplina. É como viver num suposto sistema totalitário da mente, em que não se conceba outra forma de ideologia que não aquela que é disciplinada pelo tirano. Este sistema evita que chegue à população outra forma de gerenciamento político apenas controlando as instituições disciplinares. O mecanismo disciplinar quando utilizado de forma sistematizada e sorrateira impede o questionamento da sua existência, fazendo que os indivíduos sejam dóceis, úteis, e pouco questionadores. Porém, de outra forma, quando se fala em produtividade, ou utilidade, não se trata de produção apenas no sentido econômico: “Além de ampliar a produtividade dos operários nas fábricas e oficinas, a disciplina faz aumentar a produção de saber e de aptidões nas escolas, de saúde nos hospitais e de força no exército, por exemplo. São por esses motivos, principalmente, que Foucault fala em um triplo objetivo da disciplina: ela visa tornar o exercício do poder menos custoso – seja econômica ou politicamente –, busca estender e intensificar os efeitos do poder o máximo possível e, ao mesmo tempo, tenciona ampliar a docilidade e a utilidade de todos os indivíduos submetidos ao sistema.”59 57 Ibd, FOUCAULT, 1999, P.43 58 Ibd, FOUCAUL, 1999, P.43 59 ibd FOUCAULT, 2001 P. 177 22
  • 33. 2.2.3. As funções de seqüestro “O homem é tão bem manipulado e ideologizado que até mesmo o seu lazer se torna uma extensão do trabalho.” Theodore Adorno Dentro da análise foucaultiana da disciplina encontra-se numa sociedade capitalista um conceito que se desdobra em três atos, são estes as “funções de seqüestro”. Estas funções possuem como função seqüestrar a virtualidade e a liberdade do indivíduo, preocupa-se em ocupar a mente e o corpo do indivíduo para torná-lo produtivo e submisso. 60 O primeiro ato trata-se de ajustar o tempo de vida do indivíduo ao tempo de produção, tomando todo o tempo disponível do trabalhador. Mas não se trata apenas de otimizar o tempo diário do trabalhador com o horário de produção, mas toda a sua vida se torna voltada em para torná-lo mais produtivo. Trata-se em equivaler o tempo de vida ao tempo de trabalho. Com este entendimento chega-se à máxima “o trabalho é que dignifica o homem”, e todo aquele que não trabalha é excluído do sistema dos homens ideais. 61 “(...) é preciso que o tempo dos homens seja colocado no mercado, oferecido aos que o querem comprar, e comprá-lo em troca de um salário; e é preciso, por outro lado, que este tempo dos homens seja transformado em tempo de trabalho.” 62 Isto não quer dizer que não é garantido o lazer ao indivíduo, este se torna peça secundária, mas não menos importante. O lazer só é garantido de forma a o espairecer e torná-lo ainda mais produtivo. O importante nesta forma de seqüestro é possuir de todo o tempo ocioso da pessoa, seja com o trabalho produtivo ou o lazer necessário. A segunda forma de seqüestro é a possessão da força corpórea. Dá-se o direcionamento dos indivíduos aos centros de controle, onde eles possam ser instruídos, formados, reformados, corrigidos de forma em que o disciplinamento os farão otimizar os trabalhos de produção. "Que o corpo dos homens se torne força de trabalho." 63 60 DA FONSECA, Marcio Alves. Michel Foucault e o direito. Ed. Max Limonad. São Paulo. 2002 p. 166-167 61 COIMBRA, Cecília. M.B e DO NASCIMENTO, Maria Lívia. O efeito Foucault, desnaturalizando verdades, superando dicotomias. Psicologia: Teoria e Pesquisa. vol.17 no.3 Brasília 2001 P.245-248 62 Op cit, FOUCAULT, 2001, P.116 63 Op cit, FOUCAULT, 2001, P.119 23
  • 34. A terceira função de seqüestro é sobre a produção do saber, é o domínio sobre a individualidade psíquica do homem. Trata-se de um jogo de estímulos de recompensas e punições que são atribuídos aos sujeitos por meio das instituições disciplinares e pela sociedade. “Através de minuciosos e constantes registros, observações e classificações dos comportamentos desses sujeitos em diferentes situações e momentos vai sendo construído, em cima de seu saber-experiência, outro saber sobre ele, que fala dele, que o descreve, diagnostica que prescreve o que, como e quando deve agir, pensar, sentir. Enfim, que rumos devem dar à sua vida. Aprende, com isto, a caminhar neste mundo guiado por modelos, que dizem o que fazer e como fazer e onde em nenhum momento é colocado em questão o para quê fazer. Nesses modelos estão as verdades, que definem e determina como ser bom cidadão, bom pai, bom filho, bom aluno, boa mãe, bom trabalhador.” 64 Nesta perspectiva, a educação, por exemplo, deixa de obter como foco uma perspectiva de autonomia, de tornar indivíduos críticos, e capacitados intelectualmente. Antes deste modelo a educação possuía como fundamento tornar as experiências da vida mais plenas, e significativas. Era esperado dos indivíduos que eles entendessem os modos relativos de se pensar e julgar os fatos da vida, o foco era pensar criticamente, ao invés de se ensinar o que pensar. Sob as funções de seqüestro os indivíduos: “são exaustivamente propagandeados, ensinados a adaptarem-se às realidades contemporâneas percebidas, a aceitar e ajustarem-se às sabedorias convencionais do momento. E uma grande ênfase é dada às fantasias vocacionais sobre empregos de alta remuneração.” 65 O indivíduo é doutrinado a participar de um sistema que o tornará mais um número nas estatísticas de marketing. O “consumo, logo existo” torna mais simples a identificação e manipulação do indivíduo de forma a facilitar a continuidade do sistema escravocrata mental capitalista. Conclui-se, desta maneira que, o objetivo das funções de seqüestro é concomitantemente controlar os indivíduos no seu tempo, corpo (força de trabalho), saber (virtudes e ambições) de forma a manter o exercício do poder. Este fenômeno tomou a sua 64 Ibd COIMBRA, DO NASCIMENTO, 2001 P.247 65 KEY, Wilson Bryan. A era da manipulação. 2. ed. Scritta, São Paulo:1996. P.160 24
  • 35. forma no final do século XVIII nos processos de realocação da riqueza industrial agrícola desenvolvido no final do século, que consigo deu início à afirmação do capitalismo.66 Esta forma de controle social, quando enfocada num sistema de consumo torna-se um substituto para o idealismo democrático. A liberdade de escolher o que vestir, dirigir ou comer substitui alternativas sociais, econômicas ou políticas que tenham um sentido. A ilusão da sociedade de seqüestro oculta o que é corrupto, autoritário, injusto e cruelmente explorador. Assim, a ilusão abafa, anula ou distorce qualquer percepção clara do mundo.67 2.3. Disciplina e dominação, a ideologia jurídica “Todo o poder é confiança.” Benjamin Disraeli Entretanto, na prática, a dominação, na teoria da soberania persistiu na sua existência, como ideologia jurídica e na criação dos Códigos Europeus do século XIX, os ditos Códigos Napoleônicos – o Código Civil de 1784, Código de Instrução Criminal de 1808 68 e o Código Penal de 1810. Em meados do século XIX floresce na Europa a teoria da personalidade jurídica do Estado. Para a maioria dos juristas clássicos o Estado passaria a se tornar o único detentor da soberania. A partir deste momento inicia uma escalada de conceitos que explicariam o poder estatal a partir do direito e da lei. “Assim, a soberania ao ser identificada com o poder do Estado e com a lei, auto-justificasse, legitimando conseqüentemente o Estado e o direito. Este discurso apresenta o Estado como um ente abstrato exterior à sociedade, que tem como finalidade o “bem comum”. Por sua vez, seus poderes seriam regulados por uma Constituição, o que proporcionaria a segurança e a garantia do respeito aos direitos de todos. As diferenças sociais desapareceriam frente à lei, onde todos seriam iguais com respeito a direitos e deveres. Tal discurso provoca o deslocamento da legitimidade política tradicional para a legitimidade impessoal da lei, onde a noção de soberania ocupa um lugar estratégico fundamental.”69 Diante deste quadro, quais seriam os motivos de ainda permear dentre os códigos as razões de dominação, se já se havia conquistado na disciplina um mecanismo 66 Ibd, DA FONSECA, 2002, 166-191 67 Ibd, KEYS, 1996, p.161 68 Ibd, FOUCAULT, 1999, P.43 69 ROCHA, Leonel Severo. A fala soberana. Revista Seqüência, Ano II, Santa Catarina. 1981 P.88 25
  • 36. eficaz de controle? Analisa-se a frase colocada por Foucault como base para a formulação jurídica no ocidente: “(...) creio que a personagem central, em todo o edifício jurídico ocidental, é o rei. É do rei que se trata, é do rei, de seus direitos, de seu poder, dos eventuais limites de seu poder, é disso que se trata fundamentalmente no sistema geral, na organização geral, em todo caso, do sistema jurídico ocidental.” 70 Neste caso, vide a figura do rei como extensiva à nova burguesia, que por vezes dominava o poder soberano e, portanto, a arquitetura legislativa. De uma forma a teoria da soberania foi, no século XVIII e até o século XIX, um instrumento que agia contra a monarquia e os obstáculos que opunham o desenvolvimento da disciplina. Mas de outra forma, a teoria e a organização de um código jurídico centrado na soberania permitiram sobrepor os mecanismos disciplinares em um sistema que mascarava os procedimentos soberanos, que de certa forma apagava o que podia haver de dominação e técnicas de 71 dominação na disciplina. Enfim, a burguesia garantia através deste sistema mesclado (disciplina e dominação) os poderes necessários para garantir o novo sistema de manutenção do poder, o capitalismo. A disciplina produz indivíduos dóceis e dispostos a trabalhar para o burguês, e aquele homem que consegue sair desta ilusão é, de uma forma ou de outra, enquadrado no sistema de dominação – a força. 70 Ibd FOUCALT, 1999, P.43-44 71 Ibd FOUCAULT, 1999, P.44 26
  • 37. 3. O PODER COMO CONTROLE DE COMPORTAMENTOS 3.1. A proposta de Skinner B.F. Skinner foi um famoso psicólogo americano, dedicou a sua vida ao entendimento do comportamento humano. Ele se preocupou em entender o indivíduo a partir dos comportamentos observáveis. Não significou para ele tornar o homem menos complexo, não entender que possuísse características escondidas dentro do seu ser. Skinner preferiu estudar os pontos que transformasse o homem em um ser analisável, de forma científica, com pequenas margens para erro. Ele foi um grande observador da natureza humana. Nos seus estudos descobriu como o homem reagia quando estimulado. Entender Skinner significa aprender como modificar o ambiente para transformar o indivíduo.72 O entendimento da natureza humana facilitou que o indivíduo pudesse ser controlado, quer para o bem, ou mal. Conhecer os agentes e reagentes da natureza humana significa ter a capacidade de se controlar e ser controlado. O homem que adquire o conhecimento de como utilizar um instrumento não necessariamente sabe como melhor se utilizar dele. Para tirar o melhor proveito de um instrumento é necessário saber como ele se constitui. É preciso entender o homem.73 3.1.1 O homem social “Não é a consciência do homem que lhe determina o ser, mas, ao contrário, o seu ser social que lhe determina a consciência.” Karl Marx O homem é um ser eminentemente social, como dito por Aristóteles. Os seus aprendizados se constroem no seu ambiente e em sociedade, conforme o homem lida com as suas expectativas e experiências adquiridas. John Locke, um dos pensadores contratualistas, já rascunhou esta possibilidade. No livro Ensaio Sobre o Entendimento Humano, Locke descreve a mente como uma folha de papel em branco e homem a escreve conforme as suas experiências e suas reflexões de aprendizagem. Ele diz ainda, que os homens são criaturas de Deus, nascem simples e ignorantes, não se apresentando como bons 72 SKINNER, Burrhus Frederic,. O mito da liberdade. Rio de Janeiro: Bloch, 1972. P.1-168 73 Op cit, SKINNER, 1972. P 1-168 27
  • 38. ou maus, e sim dotados de razão e sensações, suscetíveis ao bem e ao mal.74 Para poder sobreviver ao mundo hostil o homem inconscientemente, talvez por uma noção instintiva, passou a manter relacionamentos e viver em bando, e consequentemente a aprender em conjunto. Os comportamentos humanos numa visão behaviorista tradicional são modelados, frequentemente, sob uma constante de estímulos-respostas.75 As possibilidades de transformação do meio e da sociedade se multiplicam exponencialmente conforme este homem soma as suas ideias vivenciadas. A vida em sociedade proporciona a soma de conhecimentos impulsionando o homem a superar novas variáveis, obstáculos, que apenas crescem ao longo do tempo. Em determinado espaço do tempo, este homem, dado a sua complexidade de conexões de ideias, perde-se em meio tantas informações e o referencial de como é construído o seu aprendizado, ele apenas vive e aprende. No momento em que o homem já não se preocupa com a maneira em que este aprendizado é formado, sujeita que outros mais entendidos para os processos de condicionamentos mentais passem a os controlar da maneira que os convenha. A vida no planeta Terra é regida por leis físicas e biológicas que determinam a criação, extinção, renovação, multiplicação e tudo mais que rege a matéria. Tudo isso ocorre de maneira ordeira e esquematizada, podendo ser manipulada muitas vezes por quem tem o conhecimento de como se comportam os reagentes, como no caso da ciência de laboratório. De acordo com a visão evolucionista darwiniana não existe acaso, tudo é um grande conjunto de leis que determinam como se comportarão e evoluirão os agentes. O homem, por óbvio, também está inserido neste contexto, porém contém variáveis mais complexas, mas não menos calculáveis por aquele que detiver o conhecimento de todo o mecanismo. No caso do homem em uma visão behaviorista skinneriana, ele é um ser em constante construção da sua história, que modifica o mundo e é pelo mundo modificado.76 Nesta mesma visão o ser humano é produto de três vetores: a história filogenética, que é a genética da espécie no qual o homem pertence; a história ontogenética: que é a história de vida de cada organismo; e a história cultural, que são as particularidades culturais no qual este 74 LOCKE, John. Ensaio sobre o Entendimento Humano. Lisboa: Edição Fundação Calouste Gulbenkian, 2008. Apud LEOPOLDO, 2010. P.13 75 MOREIRA, Marco Antônio. Teorias de Aprendizagem, 1942 p.53 -63 76 SKINNER, Burrhus Frederic,1904-1990. Ciência e comportamento humano. 11. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003. P.11/41 28
  • 39. homem está inserido.77 3.1.2 A modelagem do comportamento humano “Se os indivíduos se encontram nas coisas que moldam a vida deles, não o fazem ditando, mas aceitando a lei das coisas” Herbert Marcuse78 A vivência em sociedade trabalha com os três vetores abordados pela visão comportamentalista, e, portanto determina regras de comportamento, e modelos a serem seguidos, que proporcionam muitas vezes tipos semelhantes de personalidade. As culturas se determinam em conformidade com o ambiente e o convívio social. Segundo Edward Burnett Tylor, citado por A.L. Kroeber a cultura é: "o complexo que inclui conhecimento, crenças, artes, morais, leis, costumes e outras aptidões e hábitos adquiridos pelo homem aprendidos de geração em geração por meio da vida em sociedade” 79 Ou seja, o ambiente e o circulo social são determinantes na personalidade do indivíduo. A forma em que a sociedade vive e a sua condição social demonstram que existem personalidades em comum, com atitudes, anseios e tipologias semelhantes. Por exemplo, no caso das subculturas, que são constituídas de microgrupos que têm como objetivo principal estabelecer redes de amigos com base em interesses comuns, elas apresentam como exemplo: uma conformidade de pensamentos, hábitos e maneiras de se vestir.80 Na sociedade ocidental atual quase todos vivem em famílias, alguns de classe média, outras mais abastadas, muitas de forma precária. Não é de se assustar que o comportamento de cada classe social determina as ações, os gostos e o futuro do indivíduo. 77 Segundo a psicologia comportamental e psicologia evolucionista a personalidade é formada pela interação entre filogenia (histórico de desenvolvimento e aprendizagem), ontogenia (características da espécie) e contexto sociocultural. A ontogenia é especialmente importante no ser humano para a formação do comportamento, pois ele passa por um longuíssimo período de imaturidade e dependência, o mais longo do reino animal. 78 MARCUSE, Herbert. Ideologias da sociedade industrial. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1969 P.36 79 A. L. Kroeber. O Conceito de Cultura em Ciência. 1949 80 MAFFESOLI, Michel. O Tempo das Tribos: O declínio do individualismo nas sociedades de massa. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998. 29
  • 40. Por exemplo, é de conhecimento coletivo que muitos canais de televisão possuem públicos determinados pela classe social. As redes de televisão em busca de uma maior audiência apresentam programas conforme os gostos e anseios de determinadas classes. Logo, é reconhecido o construto social destes tipos unificados de personalidade, a qual mídia consegue distinguir, e se dirigir. Podemos fazer estas comparações até mesmo com as tribos urbanas, as subculturas, que possuem tipos identificáveis de personalidade. Sabemos que os punks se comportam diferentemente daqueles que seguem uma posição mais puritana, religiosa, como cristão-evangélicos. O meio e a interação social dos indivíduos determinam estes tipos identificáveis. Sabemos quais tem tendências mais agressivas e quais tendem a aceitar ideais de redenção, de sujeição aos deveres divinos. Ou seja, estes grupos sociais almejam coisas distintas umas das outras, mas estes desejos são muitas vezes perceptíveis ao olhar mais atento. Veremos que basta entender os anseios pessoais de cada tipo de subcultura, ou personalidades, para que se possa produzir manipuladamente os resultados desejados. 3.2 Mecanismos comportamentais “Perdido no meio das engrenagens extremamente complexas das civilizações modernas, vendo apenas efeitos cujas causas ignoram, a multidão sente-se tentada a atribuir a vontades particulares os acontecimentos que resultam unicamente das leis gerais que regem o encadeamento das coisas.” Gustave Le Bon Todo ser vivo se comporta, é uma característica indispensável dos seres vivos. Quando algo se mexe automaticamente associa-se o objeto animado a um ser que vive – em especial quando ele se mexe com autonomia e de forma a alterar o ambiente. As máquinas se movem, muitas vezes com autonomia, alteram o ambiente e nem por isso são vivas. Porém, alguém que nunca viu uma máquina provavelmente diria que parecem viver simplesmente porque se movem. Pode-se dizer que, hoje, somente povos primitivos poderiam confundi-las com criaturas vivas. Mas, por óbvio, estas máquinas são constructos da inteligência humana. Engendrando conhecimentos específicos de engenharia, adicionado o estímulo, a energia, é possível fazer objetos, que antes inanimados, se transformarem em 30
  • 41. autômatos motores.81 Correlatamente observa-se que a atuação de uma engenharia social voltada ciclicamente na estimulação do Ego torna-se um método de controle em que se podem comparar as ditas máquinas aos homens autômatos, sem a total capacidade de discernimento racional. Os mecanismos comportamentais visualizados por Skinner proporcionam uma clara visão daquilo que é aplicado no dia-a-dia pelos agentes controladores da sociedade, que seqüestram as mentes e corpos. Entender estes mecanismos tornar clara a percepção da manipulação dos sentimentos irracionais humanos, como observado por Freud. O resultado da aplicação controlada destes métodos resulta num indivíduo que desde o nascimento tenha a sua personalidade reprimida para ser modelada. 3.3. Estímulos instintivos “Duas coisas instruem o homem, qualquer que seja a sua natureza: o instinto e a experiência.” Blaise Pascal O homem possui uma codificação genética nata que lhe atribui instintos, que em princípio provocam o primeiro ato propulsionador do homem, a fome. A fome direciona o homem para qualquer lugar diferente daquele que não tenha comida e desta forma o faz mover a caminho de novas sensações e experimentações da vida. À medida que o homem prossegue lhe são concedidas novas experiências estimulatórias, com as opções de aceitar o novo desafio proposto ou simplesmente negar e seguir a diante. Devido às atribuições instintivas, a necessidade de saciar a fome e a interação com o ambiente, não é garantido ao homem o direito de permanecer parado, sob pena de morte. Portanto as interações estimulatórias são constantes e determinadas pelo ambiente.82 Vamos observar a situação hipotética de um homem nascido em coma, alimentado e cuidado até este exato momento, e que nunca obteve nenhuma experiência interativa com outro ser vivente ou ambiente estimulativo. Ele acorda em uma ilha deserta e se depara com os primeiros fatores estimulatórios, a luz solar. Cabe a ele neste momento resolver se abre os olhos, ou fecha diante da claridade. Num primeiro momento podem parecer dolorida as primeiras impressões (estímulo negativo), de forma em que ele permanece de olhos fechados, mas o instinto fome, ou qualquer outra sensação como calor ou frio o 81 Ibd SKINNER, 2003, p. 50 82 Ibd SKINNER, 2003, p.90 31
  • 42. provocará a sua abertura. Diante da necessidade e reiteradas tentativas de encarar a luz, o homem se acostuma aos estímulos negativos provocando a extinção da conduta de fechar os olhos. Após esta etapa o homem instintivamente fará movimentos a fim de se alimentar, seja ele qual for, mas nunca lhe será concedido o direito da imobilidade, propulsionando-o para novas reações estimulatórias. Este homem irá iniciar um processo de somas de experiências que deverão ser analisadas individualmente, e a cada experiência acrescentará um valor positivo, ou negativo, ou neutro. Essas experiências somadas criarão parte do seu desenvolvimento intelectual que ditarão a sua interação com o mundo.83 Esqueçamos o homem na ilha por este momento. Vamos nos lembrar de um exemplo oportuno citado por Descartes, que demonstrou que a ação primeira de um estímulo no plano material quando somado a uma combinação genética intrínseco ao ser resolve-se na resposta de interação entre o ser e o meio. Desta maneira ele sugeriu que o comportamento das criaturas vivas é dependente de interação com o meio, e por vezes, para se iniciar uma atividade é necessário uma ação externa ao ser vivente. Uma prova concreta de que ele foi bem sucedido na sua explanação adveio dois séculos depois. Descobriu-se que a cauda de uma salamandra, quando uma parte é tocada ou perfurada, move-se mesmo que a cauda seja cortada do corpo.84 Nomenclaturas técnicas foram dadas para o aprimoramento do estudo, como leciona B.F. Skinner: “O agente externo veio a ser denominado estímulo. O comportamento por ele controlado denominou-se resposta. Juntos compreendem o que foi chamado um reflexo – segundo a teoria de que os distúrbios causados pelos estímulos passavam pelo sistema nervoso central e eram “refletidos” outra vez para os músculos.” Portanto, diante destes eventos podemos concluir que existe um fator interior ao corpo vivo, uma espécie de memória genética da espécie que determinará parte da interação com o meio ambiente, chamaremos este evento de interação instintiva. ”85 83 Ibd SKINNER, 2003, p.53 84 Op cit SKINNER, 2003, p.51 85 Ibd SKINNER, 2003, P.51 32
  • 43. Em princípio, a interação instintiva é avaliada como a maior determinante nas decisões do indivíduo, enquanto não é um ser dotado de experiências valorativas. Depois de um dado momento em que o sujeito adquire experiências suficientes ele passa a demonstrar interesses positivos diante de alguns estímulos, e desinteresses por outros diversos, não mais correlacionados com o instinto. Quando determinado estímulo provocar satisfação este criará uma ansiedade imediata no indivíduo para que aquele estímulo ocorra novamente, fazendo com que ele repita a ação anterior àquela que sucedeu o estimulo positivo. Depois de reiterados estímulos é desenvolvido o desejo pela sensação obtida com a resposta. Mas por enquanto nos importa saber que o instinto facilita a interação com o meio ambiente, de forma a tornar possível a sobrevivência e aquisição de conhecimento valorativo do meio, com consciência racional, diferentemente daquela consciência instintiva advinda da espécie. O instinto, portanto pode ser suprimido, reduzido ou estimulado, conforme a vivência, dependendo da experiência de vida do indivíduo com o mundo. Desta forma o homem pode se tornar um ser mais instintivo, emocional ou racional. Conclui-se que não há aleatoriedade entre os resultados das respostas estimuladoras, ou é fruto do instinto, ou da emoção, ou da razão. 3.3. Reflexos condicionados Podemos entender que os reflexos podem ser repetidos diversas vezes, adquirindo-se em quase na totalidade das vezes respostas iguais aos estímulos impostos. A ligação entre estímulo e resposta pode ser estabelecida durante a vida do indivíduo através de um processo que foi primeiramente estudado por I.P. Pavlov. O Professor Pavlov interessado àquela época no processo digestivo dos corpos estudava em cachorros as condições sob as quais os sucos digestivos eram secretados. Com o seu brilhante trabalho ele constatou que quando algumas substâncias químicas eram colocadas na boca, ou ingeridas, resultavam na ação reflexa das glândulas digestivas, provocando a salivação. Por mais brilhante que a constatação fosse, mesmo após o prêmio Nobel recebido, as dúvidas sobre o comportamento dos agentes somente aumentaram. Pavlov continuou suas pesquisas desassossegado com certa secreção não explicada. O preocupou o fato de saber que muitas vezes a saliva era segregada abundantemente mesmo quando a boca estava vazia. E foi explicado por ele que se tratava de uma “secreção psíquica”, uma espécie de expectativa de resultado por parte do animal. Era 33
  • 44. algo muito simples de se entender: Eventualmente o cão estivesse faminto e pensando na comida. Possivelmente a ocasião do investigador preparando o próximo experimento recordou o cachorro da conseqüência seguinte, que ele receberia o alimento, como nas experiências pretéritas. Não satisfeito com o resultado, querendo enquadrar mais precisamente nos padrões científicos de observação, ele resolveu melhorar o experimento. 86 Primeiramente Pavlov resolveu controlar as variáveis, de forma a que as ditas “secreções psíquicas” reduzissem de forma mais significante possível. Construiu uma sala que reduziu ao mínimo o contato entre o investigador e o cão. A sala se verificou ausente de estímulos imprevisíveis, ou passíveis de acidentes. Desta forma, o cão estava impedido de escutar o som dos passos do observador ou farejar odores provindos de qualquer sistema de circulação de ar. Em seguida, Pavlov construiu propositalmente uma “secreção psíquica” por etapas, de forma completamente controlada. Sem falsear a percepção do cão de qualquer outra forma, utilizando-se de mecanismos eletrônicos, ele podia emitir um som e inserir o alimento na boca do cachorro. Assim sendo, de forma científica demonstrou a capacidade que o som ganhou de provocar a secreção entendendo todas as variáveis do processo.87 O meio pelo qual se provoca o condicionamento físico e mental, como relatado por Pavlov no seu livro, é um processo de substituição de estímulos. Ou seja, o estímulo que anteriormente era neutro passa a ter o poder de provocar a resposta que por sua origem era eliciada por outro estímulo diverso. A transição de estímulos ocorre propriamente quando o estímulo neutro (som) é seguido, ou reforçado pelo estímulo de fato (alimento).88 Ivan Pavlov foi mais longe, chegou a estudar os efeitos dos intervalos de tempos que decorrem entre o estímulo e o reforço. Analisou a intensidade de controle das propriedades dos estímulos (quanto de controle). Estudou também o procedimento de “extinção”, o procedimento inverso pelo qual o estímulo condicionado perde o seu poder de garantir a resposta quando deixa de ser reforçado. Pode-se dizer que os reflexos, sejam os condicionados ou não, eles se referem grande parte sob a fisiologia interior do organismo.89 Skinner, entretanto, garante que: 86 Ibd, SKINNER, 2003, P.57 87 Op cit, SKINNER, P.57-58 88 Op cit, SKINNER, 2003, P.58 89 Ibd, SKINNER, 2003, P.58 34
  • 45. “As conseqüências do comportamento podem retroagir sobre o organismo. Quando isto acontece, podem alterar a probabilidade de o comportamento ocorrer novamente.” 90 3.4. Comportamento operante Outro experimentador da ciência comportamentalista foi E.L Thorndike, que em 1898 apresentou um experimento que demonstrou uma das primeiras maneiras de observar as mudanças ocasionadas decorrentes do comportamento. Como experimento ele colocou um gato em um alçapão do qual se poderia escapar abrindo apenas uma porta. Desta forma o gato apresentou diversos tipos de comportamentos e alguns destes eram passíveis de se abrir a porta. Quando o gato foi colocado repetidas vezes no alçapão, o comportamento pretérito que o fez sucedido na empreitada de fuga tendia a se repetir cada vez mais rapidamente, como se o gato aprendesse a se comportar diante do meio. Aparentemente o gato estaria raciocinando, porém Thorndike não observou nenhum processo natural que pudesse ser levado em conta como raciocínio. Para ele não era necessário supô-lo como explicação. Concluiu os resultados baseando-se no fato que o comportamento ocorreu, pois foi sempre seguido de um resultado positivo, qual seja, a abertura da porta. A esse fato narrado que se dá quando seguido de certas consequências, ele chamou de “Lei do Efeito”.91 O cerne da Lei do Efeito conceitua-se a noção de “probabilidade de resposta”, pois é certo que quando se analisa o comportamento humano, refere-se muitas vezes a aspectos de tendências e predisposições para que determinado comportamento se concretize. Estes aspectos ditam a freqüência de ocorrências dos tipos de comportamentos.92 Para analisar o processo que Thorndike classificou como “fixação” é necessário se ter uma “conseqüência”. Propôs-se alimentar um organismo faminto através de um mecanismo eletrônico remoto. Dentro de um ambiente fechado alimentou-se um animal, por diversas vezes, condicionando o animal a receber o estímulo pela máquina. Depois de reiteradas repetições foi determinada esta conseqüência como o contingente ao comportamento. Para se criar uma contingência seleciona-se um comportamento relativamente fácil, livre e de rápida repetição. Tomando como exemplo um pombo, o comportamento de esticar a cabeça acima de um ponto demarcado é suficiente. Observa-se a 90 Op cit, 2003 P.68 91 Ibd SKINNER, 2003, P.64/66 92 Op cit SKINNER 2003, P.66 35