Álvaro de Campos foi um heterónimo de Fernando Pessoa. Passou a infância e adolescência na África do Sul e estudou engenharia. Teve três fases poéticas marcadas pelo decadentismo, sensacionismo e pessimismo. Alberto Caeiro focou-se na natureza enquanto Álvaro tentou viver intensamente mas nunca alcançou a felicidade completa.
2. Biografia de Álvaro de Campos
Álvaro de Campos é o mais versátil e
emotivo de todos os heterónimos de
Fernando Pessoa.
Nasceu em 1890 e passou a sua infância
e adolescência na África do Sul,
prosseguindo os seus estudos com os cursos
de engenharia mecânica e logo de seguida
engenharia naval. Durante a sua fase adulta
viajou para o oriente e trabalhou em
Londres. Ao ficar desempregado voltou para
Lisboa em 1926 bastante desapontado com
a vida que estava a levar.
Fisicamente:
Era um senhor alto com 1,75 m,
um pouco curvado, magro, moreno
de pele clara e usava monóculo.
Tinha cabelo liso e não tinha barba.
3. Características da poesia de
Álvaro de Campos
Marcas Temáticas:
Civilização mecânica e industrial;
Atitude escândalos;
Sadismo e masoquismo;
Cansaço existencial, frustração;
Solidão, isolamento.
Explosão sentimental e emocional
Melancolia pela infância perdida
Marcas Formais:
Versos longos;
Anáforas, onomatopeias, aliterações, metáforas;
Verso livre;
Pontuação expressiva;
Ordenação caótica das palavras;
Universo simbólico.
4. As suas fases
Álvaro de Campos teve três fases durante
a sua obra:
1ª fase - Decadentista
2ª fase – Sensacionismo/ Futurismo
3ª fase – Intimismo / Pessimismo
5. 1ª Fase
Álvaro de Campos mostra horror à
vida, tem tédio de viver e mostra-nos um
espírito bastante decadentista nos seus
poemas, onde ele sente necessidade de
dar um novo rumo à sua vida, mas não
sabe por onde começar. Nos poemas
desta fase é predominante o romantismo
e o simbolismo. Nesta fase Álvaro de
Campos usou as drogas como recurso de
fuga à realidade que enfrentava.
Citação de o poema ‘’ Opiário ’’
Esta vida de bordo há-de matar-me.
São dias só de febre na cabeça
E, por mais que procure até que adoeça,
já não encontro a mola pra adaptar-me.
Em paradoxo e incompetência astral
Eu vivo a vincos de ouro a minha vida,
Onda onde o pundonor é uma descida
E os próprios gozos gânglios do meu mal.
É por um mecanismo de desastres,
Uma engrenagem com volantes falsos,
Que passo entre visões de cadafalsos
Num jardim onde há flores no ar, sem
hastes.
Vou cambaleando através do lavor
Duma vida-interior de renda e laca.
Tenho a impressão de ter em casa a faca
Com que foi degolado o Precursor.
6. 2ª Fase
Nesta fase podemos ver um Álvaro
de Campos completamente diferente da
fase anterior. É evidente a presença do
futurismo com o gosto em ver a
evolução industrial e sensacionismo
onde Álvaro vive um excesso de
sensações. Tem atitude dominadora e
triunfadora perante a vida, porém
demonstra náusea pela civilização
moderna e pela sua moral.
Citação do poema ‘’Ode Triunfal’’
Ah, poder exprimir-me todo como um motor se exprime!
Ser completo como uma máquina!
Poder ir na vida triunfante como um automóvel último-modelo!
Poder ao menos penetrar-me fisicamente de tudo isto,
Rasgar-me todo, abrir-me completamente, tornar-me passento
A todos os perfumes de óleos e calores e carvões
Desta flora estupenda, negra, artificial e insaciável!
Fraternidade com todas as dinâmicas!
Promíscua fúria de ser parte-agente
Do rodar férreo e cosmopolita
Dos comboios estrênuos.
Da faina transportadora-de-cargas dos navios.
Do giro lúbrico e lento dos guindastes,
Do tumulto disciplinado das fábricas,
E do quase-silêncio ciciante e monótono das correias de
transmissão!
Horas européias, produtoras, entaladas
Entre maquinismos e afazeres úteis!
Grandes cidades paradas nos cafés,
Nos cafés — oásis de inutilidades ruidosas
Onde se cristalizam e se precipitam
Os rumores e os gestos do Útil
E as rodas, e as rodas-dentadas e as chumaceiras do Progressivo!
Nova Minerva sem-alma dos cais e das gares!
Novos entusiasmos de estatura do Momento!
Quilhas de chapas de ferro sorrindo encostados às docas,
Ou a seco, erguidas, nos planos-inclinados dos portos!
Atividade internacional, transatlântica, Canadian-Pacific!
Luzes e febris perdas de tempo nos bares, nos hotéis,
Nos Longchamps e nos Derbies e nos Ascots,
E Piccadillies e Avenues de l'Opéra que entram
Pela minh'alma dentro!
7. Poema ‘’Estou Cansado’’
Estou cansado, é claro,
Porque, a certa altura, a gente tem que
estar cansado.
De que estou cansado, não sei:
De nada me serviria sabê-lo,
Pois o cansaço fica na mesma.
A ferida dói como dói
E não em função da causa que a
produziu.
Sim, estou cansado,
E um pouco sorridente
De o cansaço ser só isto —
Uma vontade de sono no corpo,
Um desejo de não pensar na alma,
E por cima de tudo uma transparência
lúcida
Do entendimento retrospectivo...
E a luxúria única de não ter já
esperanças?
Sou inteligente; eis tudo.
Tenho visto muito e entendido muito o
que tenho visto,
E há um certo prazer até no cansaço
que isto nos dá,
Que afinal a cabeça sempre serve para
qualquer coisa.
3ª Fase
Fase do ceticismo, marcada pelo
desânimo, tédio e náusea face à
incapacidade de realização pessoal. Álvaro
de Campos mostra-se incapaz de se adaptar
ao mundo real, torna-se cansado e é nesta
fase que mais podemos ver a sua identidade
perdida e a dor de viver.
8. Álvaro de Campos Vs Alberto Caeiro
Alberto CaeiroÁlvaro de Campos
9. Álvaro de Campos Vs. Alberto Caeiro
Sendo Álvaro de Campos e Alberto Caeiro uns dos
heterónimos mais conhecidos de Fernando Pessoa, são
obviamente os mais estudados e analisados.
Alberto Caeiro era um poeta da natureza e das sensações,
sendo ele o menos instruído de todos os heterónimos, mas o
mestre de todos eles.
Caeiro acreditava que pensar seria estar doente dos olhos,
e era um poeta completamente entregue à natureza e às
sensações, sendo bastante ingénuo e tentou ser alheio às
‘’mentiras humanas’’ que vinham até ele.
Álvaro de Campos é um dos heterónimos mais complexos
de Fernando Pessoa, talvez por ter sido o mais evolutivo de
todos e devido às fases atravessadas durante toda a sua obra.
Porém mesmo depois de todo o seu sacrifício para tentar
atingir a plenitude, este nunca foi capaz de a alcançar.
Em suma, podemos dizer que Alberto Caeiro era totalmente
genuíno e por isso conseguiu absorver e encontrar a sua
plenitude total, diferentemente de Álvaro de Campos, que ao
tentar viver com grande intensidade e dar privilégio ao que as
sensações que a vida lhe proporcionava, mas nunca conseguiu
atingir a felicidade completa, talvez porque pensava demais, e
de fato o simples ato de pensar tira-nos alguma ingenuidade e
causa-nos tristeza muitas vezes.
10. Álvaro de Campos e Pessoa Ortónimo
Álvaro de Campos e Fernando Pessoa ortónimo são muito próximos no que toca aos temas
abordados, principalmente naquilo que foi a 3ª fase de Álvaro de Campos. Fernando Pessoa
dizia que Álvaro escrevia tudo aquilo que Pessoa não poderia escrever, pois Álvaro abordava
os temas de forma mais violenta, enquanto que Pessoa ortónimo falava dos mesmos temas
como por exemplo a ‘’dor de pensar’’, ‘’identidade perdida’’ e a ‘’melancolia da infância
perdida’’, sempre de forma mais discreta e contida do que Álvaro de Campos. Na 3ª fase de
Campos foi muito visível as parecenças entre os dois até nas linhas formais dos seus poemas,
como a ausência de rima e os versos longos.