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ÜMKHI S.
Antonio Beristain
Nova criminologia à luz do
direito penal e da vitimologia
Apêndice: Declaração sobre os princípios
fundamentais de justiça para as vítimas de delitos
e do abuso de poder (ONU)
Tradução
Cândido Furtado M aia Neto
Professor do Curso de M estrado
em Direito da Universidade Paranaense - U N IPA R
EDITORA
Imprensa
Oficial!
UnB
Equipe editorial: Airton Lugarinho (Supervisão editorial); Rejane de
M eneses (A com panham ento editorial); W ilm a G onçalves Rosas Saltarelli
(Preparação de originais); M auro Caixeta de Deus, W ilm a G onçalves
R osas Saltarelli e Sonja C avalcanti (R evisão); E ugênio Felix B raga
(Editoração eletrônica); W agner Soares (Capa).
Copyright © 2000 by Editora Universidade de Brasília
Título original: Nueva criminología desde el derecho penal y la victimología
Impresso no Brasil
Direitos exclusivos para esta edição:
Editora Universidade de Brasília
SCS Q. 02 Bloco C N- 78
Ed. O K 2- andar
7 0 3 0 0 -5 0 0 -B ra sília , DF
T e l:(0 x x 6 1 ) 226-6874
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0 3 1 0 3 -9 0 2 - S ã o Paulo, SP
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Todos os direitos reservados. N enhum a parte desta publicação poderá ser
arm azenada ou reproduzida por qualquer meio sem a autorização por es­
crito da Editora.
Ficha catalográfica elaborada pela
Biblioteca Central da Universidade de Brasília
Beristain, Antonio
B511 Nova criminologia à luz do direito penal e da
vitim ologia/ Antonio Beristain; tradução de Cândi­
do Furtado Maia Neto. - Brasília : Editora U ni­
versidade de Brasília : São Paulo : Imprensa
Oficial do Estado, 2000.
194p.
T radução de: N ueva crim inología desde el
derecho penal y la victimología.
ISBN 85-230-0591-9
1. Direito criminal. I. M aia Neto, Cândido
Furtado. II. Título.
CDU 343.2
Às pessoas c às instituições que, inteligente, generosa e
valentemente, trabalham em favor da assistência às vítimas do
terrorismo do ETA.
Àqueles que cientificamente desmascaram e recusam as
ideologias que encobrem e disfarçam o problema de Euskadi
(País Vasco) como mero enfrentamento de duas violências.
Àqueles que, em alto-mar, com barco afundado, crêem,
esperam e amam.
Aqueles que, em plena noite, vêem/criam a aurora.
Às pessoas privadas de liberdade, das que tanto tenho
aprendido a respeito do sentido de viver e de morrer. Perdoem
nosso “esquecimento” imperdoável e nossa cotidiana
insolidariedade.
A Pedro Láin EntraIgo, autor de Esperança em (empo de crise.
Sumário
P r e f á c io , 11
Eu g ê n io Ra ú l Za f f a r o n i
N o t a d o t r a d u t o r , 15
p a r t e I
CRIMINOLOGIA
Ca p ít u l o 1
A p r o x i m a ç ã o c r i m í n o l ó g i c a e d e p e n d ê n c i a d e d r o g a s , 19
Interdependência: terrorismo internacional-tráfico de drogas, 19
Contribuição artística e mística, 22
Religião e arte: novos horizontes e respostas, 25
Ca p ít u l o 2
T r a b a l h a d o r e s v o l u n t á r i o s n o m u n d o d e h o j e e d e
a m a n h ã ( a s r e g r a s m í n i m a s d e s a n ç õ e s c a r c e r á r i a s
E NÃO-CARCERÁR1AS), 29
Os voluntários estrulunidores da pessoa e da sociedade, 29
Exemplos de voluntários na Europa e na América, 33
Perfil do trabalhador voluntário penitenciário, 35
O voluntariado penitenciário como direito e como serviço, 42
Universitários e trabalhadores voluntários com jovens em risco, 46
As regras mínimas de sanções não-carcerárias, 47
Resumo e conclusões, 49
8 Antonio Beristain
C a p ít u l o 3
EPISTEMOLOGIA CR1MINOLÓGICA: DA RETALIAÇÃO
AO PERDÃO, 53
Resumo histórico-comparativo do Talião na política criminal e
no direito penal, 53
Talião dialético de integração cósmica, não-unidimensional, 54
Direito dos delinqüentes ao perdão, 57
Epistemologia criminológica metarracional, 59
Dessacralização e ressacralização do Talião, 62
PARTL II
VITIMOLOGIA
Ca p ít u l o 4
N o v a f i l o s o f i a p o l í t i c a d e e p a r a a n o v a p o l í t i c a c r i m i n a l
(o E s t a d o n ã o t e m o m o n o p ó l i o d a v i o l ê n c i a ) , 69
Metas, 69
Pilares fundamentais comuns, 71
Evolução histórica paralela?, 73
Da política criminal privada ao caos e à filosofia política
absolutista, 74
Da política criminal sacra à filosofia política do poder que
emana de Deus aos cidadãos, 75
Do poder que rotula e marginaliza ao abolicionismo da pena
de morte, ao abolicionismo do cárcere e ao utópico abolicio­
nismo do direito penal, 75
Da filosofia política assislencial à política criminal vitimo-
lógica, 77
Da política criminal estatal à filosofia política supra e inter­
nacional, 77
Olhando para o futuro, 78
Sumário 9
Ca p ít u l o 5
A SOCIEDADE/JUDICATURA ATENDE A SUAS VÍTIM AS/
TESTEM UNHAS?, 83
Vitimologia, 83
Conceitos básicos e importância da vitimologia, 88
Dificuldades e perigos da vitimologia, 91
Vítimas/testemunhas, 96
Graus de vitimação, 103
Sociedade/judicatura, 109
Conclusões de legeferenda, 123
A p ê n d ic e
D e c l a r a ç ã o s o b r e o s p r i n c í p i o s f u n d a m e n t a i s d e
JUSTIÇA PARA AS VÍTIMAS DE DELITOS E DO ABUSO DE PODER
(ONU), 127
As vítimas de delitos, 127
As vítimas do abuso de poder, 131
Pa r t e III
DIREITO PENAL
C a p ít u l o 6
A HISTÓRIA CAMINHA PARA A ABOLIÇÃO DA SANÇÃO CAPITAL, 135
Coordenadas fundamentais, 135
Evolução histórica, 138
Assistência religiosa, 150
Sigamos discorrendo, 152
C a p ít u l o 7
VlNCULAÇÃO HISTÓRICA EN I RE RELIGIÃO E DIREITO PENAL, 1 5 7
Luzes e sombras, 157
Apoenci cullei, 160
indultos e anistia, 163
10 Antonio Beristain
C a p í t u l o 8
J u s t i ç a p e n a l r e c r i a d o r a , d a r e t r i b u t i v a à
r e s t a u r a t i v a , 171
Uma terceira cosmovisão da justiça penal, 171
Linhas fundamentais das cosmovisões retributiva e restau­
rativa, 173
Comentários a favor da justiça recriadora, 176
Traços fundamentais do novo modelo recriador, 187
C a p í t u l o 9
DA V1TIMOLOGIA À REFORMA DO CÓDIGO PEN AL, 191
Não confundamos o sujeito passivo com as vítimas, 191
A reparação no Código penal do século XIX não é a do
século XXI, 192
0 juiz deve atender primeiro às vítimas, 193
Prefácio
Em algum ponto do infinito desconhecido, achar-se-ão carti­
lhas, porque são comuns os livros de autores latino-americanos
prefaciados por europeus, mas o inverso é tão estranho que quase
pertence ao inexplicável. Essa rara honra confere-me o professor
Beristain, e, por certo, trata-se de uma distinção que - sem falsa
modéstia - não creio merecer. Pode-se afirmar que supõe uma
transgressão, o que por hora chamará a atenção do leitor, mas que
ao final do livro julgar-se-á natural, porque se verá que todo seu
conteúdo é transgressor. Aceito comovido a honra que me confere
o mestre da Universidade do País Vasco e trato de estar à altura de
tamanha infração, o que constitui um singular desafio.
O autor e seu pensamento são amplamente conhecidos e apre­
ciados, de modo que seria vã a tarefa de insistir nisso. Não obstan­
te, nem sempre se interpreta o que se conhece, e creio que por ali
deve ir a via do prefácio.
Os escritos de Beristain não são simples. Não nos devemos
enganar com a prosa clara, a leitura fácil, a ocasional falta de con­
clusões - nada criado está concluído - e as citações que pulam sé­
culos e milênios, continentes e idiomas, disciplinas e culturas, em
forma de terremoto epistemológico; terremoto que faz emergir a
profunda unidade radical. Tudo isso provoca estupor, porque jus­
tamente é esse o efeito buscado pelo autor. E não se creia que por
isso ali acaba a intencionalidade: nada estaria mais longe da verda­
de que pretender sair do estado de surpresa atribuindo sua provoca­
ção à ânsia de originalidade sensacionalista.
A grande transgressão do professor de San Sebastián começa
pela própria estrutura de seu trabalho. Às vezes, contém uma linha
que leva a conclusões que quase se lhe escapam da caneta, o que
oferece como concessão ao clássico, mas, diferentemente do tradi­
1Z Eugênio Raúl Zaffaroni
cional, quase nunca são a idéia central, tampouco a mais valiosa,
porque não quer arrastar-nos a elas, não escreve para isso. Cada um
de nós, ao escrever, propõe-se a ganhar adeptos para sua causa
(nesses termos cabe falar dos difíceis debates das ciências penais),
todos, salvo Beristain, que somente se propõe a desconcertar-nos, e
por certo que o consegue como ninguém. Sua “não-estrutura” pare­
ce calculada na dose necessária para nos desestruturar, porque não
busca convencer-nos de que suas soluções são melhores que as
nossas (até o ponto que, às vezes, nem sequer as menciona), mas
sim pretende quebrar nossos limites para que meditemos livremente.
Foucault ensinou-nos, como poucos, a forma pela qual o poder
nos fabrica como sujeitos cognoscentes. O saber penal, sempre tão
ligado ao poder, caracteriza-se por extremar essa reprodução, por
limitar duramente horizontes científicos, gerando “verdades” ao
preço da marginalização de dados. A moderna tendência progres­
sista orienta-se para a crítica mais ou menos radical ao poder de
fora, ao sistema de reprodução do poder, mas Beristain comete
uma transgressão de maior calibre, porque se opõe ao poder intro-
jetado mediante uma espécie de terapia de choque, e, para conse­
guir seu objetivo, sequer duvida em apelar ao incentivo de soluções
conservadoras, para que, ao responder, devamos esforçar-nos e ultra­
passar os limites que nos traça o poder. Não teoriza nossas limitações
de poder introduzido, mas, sim, diretamente nos força a quebrá-las.
Sem dúvida, trata-se de uma atitude francamente religiosa; a socio­
logia da religião faz muitos anos que chamou a atenção a respeito
dos trabalhos dos benzedores, pais-de-santos, beatos e outros ope­
radores religiosos populares americanos, para os quais sempre o
mal “encerra”, e sua expulsão requer “abrir”, libertar para deixar
que o bem opere.
Em cada página, muito discretamente, Beristain trata de dizer
aos sábios que não são tão sábios, que todas as suas “verdades” são
provisórias pela estreileza de seus horizontes e que não sonhem
com abarcar o universo do inexplicável, porque não é um universo,
mas um infinito. Esse é o máximo da transgressão, e, ainda que
sempre prevenido de que seus trabalhos iam em prol da desestrutu-
ração por meio de uma não-estrutura calculada, neste livro desco­
brirá o leitor que, com elegante citação de Unamuno, o autor o
confessa abertamente.
Prefácio 13
Desse modo, Beristain incorre, continuamente, na mais grave
infração contra a Inquisição, que, desde sua origem até hoje, tem
mudado o discurso, mas não a forma, quando, ao ampliar os hori­
zontes, semeia a dúvida, não fazendo mais que erradicar a “here­
sia” como conceito, ainda que a tipifiquem os mesmos cientistas, e
cai na mais alta “heresia”, ao pôr em dúvida a autoridade dos in­
quisidores. Reprova-lhes o maniqueísmo e convida-os a “re-ligar”.
Mas esse percurso implica um constante trânsito por um fio
suspenso 110 vazio. Sem correr o risco de que a reprovação do ma­
niqueísmo se converta em satanização e, desse modo, se incorra em
um novo maniqueísmo, ou bem que o “re-ligar” vá dar em um
novo dogmatismo. Beristain coloca uma rede de segurança em seu
experimento, contendo uma nova transgressão: apela à fraternidade.
E tem razão, porque não há outra vacina contra o disparate autoritá­
rio e genocida. O eixo superador do “des-encantainento” não pode
passar senão pela fraternidade, que, inclusive, já não se limita a
uma regra ética entre os homens de hoje, mas sim que a ética eco­
lógica deve reconhecer como sujeitos de direitos a respeitar entes
não-humanos e humanos que ainda não estão 110 mundo. Sem fraterni­
dade, a fuga do desencantamento não resultaria 110 “re-encantamento”,
mas sim 11a feitiçaria que continuaria o ciclo das inquisições.
Como já dissemos, essa apelação fraterna de Beristain, que lhe
salva do irracionalismo e lhe permite mover-se com singular ma­
estria e comodidade sobre o fio, constitui outra de suas transgres­
sões. Com efeito, apelar à fraternidade em um mundo em que está
a ponto de desaparecer 0 direito trabalhista, simplesmente porque é
necessário obter preços competitivos, é uma nova transgressão do
professor do País Vasco. Não é possível nenhum reencantamento
sem superar esse holocausto em função da absolutização dos inte­
resses setoriais que antagonizam classes, etnias, países, faixas etá­
rias, religiões, etc. Não há fraternidade sem igualdade para os
desiguais, que é o antídoto da discriminação. E a discriminação é a
arma que hoje se esgrime para suprimir competidores e opositores,
para calar os protestos, para cobrar o que não se deve e para não
pagar 0 que se deve.
Ainda que Beristain não o diga, esta última transgressão leva-o
à busca da utopia, mas não no sentido romântico (e autoritário) de
quem parte de uma utopia para deduzir 0 mundo e impô-la a todos,
14 Eugênio Raúl Zaffaroni
mas que o mundo nos convida a não cessar na sua busca, ainda que
com a advertência de que nunca a alcançaremos, e quando nos de-
temos, satisfeitos do que conseguimos saber, nos desconcerta para
nos moslrar que sabemos pouco.
Sua intolerância às “verdades” que, por indiscutíveis, abrem
vias ao autoritarismo, é quase visceral. Muitos sabem disso, mas
especial testemunho, nós, os argentinos, podemos dar, pois, em
1980, vimo-lo rejeitar toda tentativa limitante de sua voz, falando
de direitos humanos; em plena ditadura genocida, ela nos recordou
o valor da liberdade acadêmica, dando-nos ânimo em meio à ca­
tástrofe. Naquele momento ficou claro que não importavam muito
suas conclusões, mas sim o impulso à utopia como destino, inclu­
sive nas condições mais negativas.
O espírito profundamente religioso do catedrático do País
Vasco (portanto, absolutamente antidogmático) leva-o a assumir a
função que há décadas vem cumprindo, ainda que às vezes resulte
incômoda: é algo assim como o instrutor de vôo do penalismo
atual, que não suporta que mostremos nossa plumagem com orgu­
lho das “cornijas e chaminés”.
Eugênio Raúl Zaffaroni
Catedrático de Criminología e Direito Penal
Universidade de Buenos Aires
FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
Reitor
Lauro Morhy
Vice-Reitor
Timothy Martin MulhollancI
E d i t o r a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a
Diretor
Alexandre Lima
C o n s e l h o E d i t o r i a l
Alexandre Lima, Airton Lugarinho de Lima Camara, Emanuel
Araújo, Hermes Zaneti, José Maria G. de Almeida Júnior,
Moema Malheiros Pontes
Im p r e n s a O f i c i a l d o E s t a d o
Diretor-Presidente
Sérgio Kobayashi
Diretor Vice-Presidente
Carlos Conde
Diretor Industrial
Carlos Nicolaewsky
Diretor Financeiro e Administrativo
Richard Vainberg
Coordenador Editorial
Carlos Taufik Haddad
Nova criminología à luz do
direito penal e da vitimologia
Nota do tradutor
De igual maneira, ao sentir-se honrado o prof. Raúl Zaffaroni
com o convite para prefaciar a obra do catedrático europeu dr.
Antonio Beristain, devo, também, com muita humildade e sinceri­
dade, dizer o mesmo quanto à tradução, e mais, sinto-me imensa­
mente gratificado espiritualmente, primeiro porque como brasileiro
fui sorteado pela generosidade de Antonio Beristain, e também
porque no seu livro se lêem coisas como: “o efetivo é o afetivo”; “a
força do amor supera o ódio”; “direito penal medieval em sua cos-
movisão infantil da liberdade...”; “unia justiça penal defasada no
tempo é uma injustiça”; “quem exerce o poder se considera dele­
gado da divindade vingativa”; etc., e isso tudo se traduz em um
marco essencial para a definição da compreensão do verdadeiro
sentido das “expressões” e da práxis jurídico-penal dos tribunais
contemporâneos.
Verdadeiramente, o conteúdo das palavras de Ajilonio Beris­
tain e a riqueza da linguagem agradam, indiscutivelmente, a todos
que lutam e pretendem transformar os usos e os costumes da admi­
nistração da justiça criminal - vale dizer, pela sua substanciosa,
preciosa e fluida mensagem. O livro prende, rouba a atenção do
leitor, desde a primeira linha até a última palavra.
Mais do que tentar realizar justiça com o perdão, como asseve­
ra o autor, é preciso aceitar que é impossível dissociar a justiça da
religião, pois são duas coisas que nasceram e caminham juntas, por
séculos e séculos, em todo o mundo, sem exceção, por mais que
determinados regimes de governo ou homens acéticos pretendam
negar a sua íntima relação.
A leitura desta obra de Antonio Beristain é, com certeza, uma
fonte de luz para a reorientação da “justiça” penal, que o homem
16 Cândido Furtado Maia Neto
(profissional do direito) espiritualmente evoluído denuncia com
boa-fé dentro de suas melhores e ingênuas pretensões.
Trata-se de um livro sincero, escrito por um autor-amigo -
amigo de todos os leitores —, porque nos dá bons augúrios de horas
felizes.
Temos plena certeza de que o leitor desta obra poderá - e so­
mente por meio da criminologia, que não é “perfumaria” alguma -
compreender a função verdadeira do direito penal (política crimi­
nal), a finalidade e os objetivos das sanções, em especial quanto à
reação e à punição estatal - como a atual manutenção da pena pri­
vativa de liberdade e dessa hedionda política penitenciária contem­
porânea.
A mediação penal proposta por Beristain é o caminho mais fá­
cil para a transformação da ideologia penal repressiva, já que os
homens de boa vontade não estão conseguindo, por completo, fazer
valer as idéias humanistas no campo das ciências penais e crimi-
nológicas. Penso ser muito mais fácil, e necessário, no primeiro
plano das propostas, falar de direitos da vítima, do que propugnar
por medidas alternativas ou substitutivas da prisão, ou pelos direi­
tos dos presos, também necessários no último estágio do sistema da
administração da justiça penal.
Por todas e infinitas razões é que na tradução deste trabalho -
do espanhol para o português - fizemos o maior esforço para
manter as expressões usadas por Beristain, razão pela qual as cita­
ções literárias permanecem no original, por suas qualidades dentro
da cosmovisão, para facilitar o leitor a buscar o auxílio necessário.
No mais, tudo está perfeito e flagrantemente explicado no prefácio
do ilustre mestre e amigo Raúl Zaffaroni.
O professor Antonio Beristain é a utopia realizável em pessoa,
é a bondade e a perfeição.
Cândido Furtado Maia Neío
Parte I
Criminologia
Capítulo 1
Aproximação criminológica e
dependência de drogas
Interdependência: terrorismo internacional-tráfico de drogas
À luz dos trabalhos do Conselho da Europa, das Nações Uni­
das, do Parlamento Europeu, da Organização Mundial da Saúde,
etc., pretende-se descobrir e descrever a realidade de sua dimensão
econômica, social, terrorista, pedagógica... e indicar como se pode
ajudar o cavaleiro-andante, o cidadão, especialmente o jovem, para
que desperte de seus delírios e de seus vícios.
Se auscultamos a sociedade de hoje, constatamos que se inicia
um novo tempo criminológico para que os controles sociais estru­
turem um programa de prevenção e tratamento global coerente, que
inclua o direito liberador e a arte, sem esquecer o padre (de Dom
Quixote) com seu evangelho, que é uma Boa-Nova ou deve ser,
não um Código penal, e ao barbeiro com sua sabedoria de senso
comum que “trouxe um grande caldeirão de água fria do poço e
derramou-lhe por todo o corpo repentinamente, com o qual des­
pertou Dom Quixote”.
Espero que 110 decorrer destes estudos aperfeiçoemos a logística
de despertar a muitos, com grande satisfação para quem tem cola­
borado nos trabalhos preparatórios, na elaboração das conferências,
dos seminários, do Livro branco da dependência de drogas em
Euskadi (San Sebatian, Espanha), 1987, etc.
As instituições universitárias, os congressos internacionais e a
sociedade “a pé” devem e podem contribuir para que todos nós
20 Nova criminologia à luz do direito penal e da vitimologia
abramos os olhos e demos as mãos (deve-se admitir a tese marxis­
ta, deve-se trabalhar, deve-se “discorrer” também manualmente)
para harmonizar uma política social integral que reduza os proble­
mas da droga a dimensões humanas, do viril e do feminino, de
nova convivência criadora, utópica e mais realista.
0 Conselho da Europa, como outras instituições supranacio­
nais, ao falar do problema da dependência das drogas, toca, repeti­
das vezes, nas vinculações da droga com o terrorismo. Faz poucos
dias, de 23 a 28 de agosto 1994, nos Estados Unidos celebrou-se
um congresso internacional sobre “Terrorismo e tráfico de drogas”,
na Universidade de Chicago.
Nesse campo não quero ser dogmático, mas somente sugesti­
vo. Não é fácil entrar nas intrincadas e discutidas relações entre
abusos de drogas, narcotráfico e terrorismo, relações às vezes con­
traditórias e que passam de um branco neve a um negro ou a um
vermelho. Não se mantém uma linha constante nem no narcotrafi­
cante nem no terrorista.
Quando falo de terrorismo não falo de heroísmo, falo do que
em direito penal e em criminologia se considera terrorismo, isto é,
aterrorizar a sociedade tentanto atingir fins que não se conseguem
por esses meios, em definição dialogai. A definição técnica, creio,
é o que menos interessa aqui, nesse momento.
É difícil avançar nos labirintos e nas pontes internacionais en­
tre abuso, tráfico de drogas e terrorismo. No entanto, o Conselho
da Europa tem tido a valentia de, em repetidas ocasiões, falar sobre
a relação entre a droga e o terrorismo. Concretamente, a Recomen­
dação de 1984 diz: para lutar com êxito contra o narcotráfico,
devem-se levar em consideração “as relações que existem, indis­
cutivelmente, com as redes de tráfico de armas e o terrorismo, ten­
do em conta o fato extremamente preocupante de que grandes
somas de dinheiro que provêm da venda ilegal de drogas são utili­
zadas para financiar o terrorismo internacional”. No congresso
internacional que se celebrou em San Sebastián sobre “Legislação
e drogas”, de 2 a 5 de julho de 1985, dois representantes do Con­
selho da Europa não se atreveram a manifestar-se em público, mas,
secretamente e com um dos chefes da Erízain/za (polícia), sim,
apresentando provas concretas e absolutas dessas relações. Nos
Antonio Beristain 21
arquivos da sede do Conselho da Europa, em Estrasburgo, há cons­
tatações dessas lamentáveis vinculações.
Conhecidos especialistas afirmam algo parecido a respeito de
determinados países. Assim, I-Iurtado Pozo, catedrático de direito
penal da Universidade de Friburgo, na Suíça, ao analisar o terro­
rismo 110 Peru, afirma: “Uma hipótese que se apresenta cada vez
com mais insistência é o financiamento dos subversivos pelos tra­
ficantes de drogas” (pode-se ler seu estudo “Terrorismo y tráfico
de drogas”, La droga en Ia sociedad ac(uai Nitevos horizontes en
criminología, San Sebastián, 1985, p. .169 e ss.). Da mesma manei­
ra, o juiz italiano de 47 anos, Giovanni Falcone, participante da
reunião do Parlamento Europeu, em 20 de março de 1986, afirmou
que a relação entre os narcotraficantes e as organizações terroristas
não está diminuindo.
Em junho de 1987, estudei o tema - o problema na Colômbia
dialoguei com autoridades governamentais, com professores uni­
versitários, com pessoas acusadas de narcotráfico; na prisão de Cali
falei com Gilberto Rodríguez Orejuela, extraditado pelo governo
espanhol para a Colômbia. Como conclusão, reafirmei a complexa
interdependência do terrorismo internacional com o tráfico de dro­
gas, que constatam o Conselho da Europa e os especialistas.
Se defendemos a metologia e a práxis global para responder e
solucionar o problema das drogas, isto se deve à inerente globali-
dade de suas origens, sem excluir as interconexões que vão e vêm,
desde o terrorismo ao narcotráfico e deste para aquele. Os crimes
não-convencionais, os de maior importância e a vitimação (às ve­
zes hecatômbica) - como o genocídio, a tortura, as desaparições
autorizadas pelos governos, etc. - entrelaçam-se em suas raízes e
em suas fontes, ainda que um ou outro delinqüente isolado ignore
ou negue este fato. Em parte, porque lhe interessa e, em parte, por­
que não o tem analisado.
Creio que é interessante comentar a dupla relação, passiva e
ativa, no campo da dependência de drogas da Europa para a Espa­
nha e do nosso país para a Europa. Vivemos cada dia mais na
Europa, e a Europa vive cada dia mais em nós (Espanha). Por isso,
ao abordar as questões, estudamos atentamente as informações e
as recomendações do Conselho da Europa, conscientes de que em
22 Nova criminología à luz do direito penal e da vitimologia
suas páginas se encontra (escrito, estudado e sentido), acertada-
mente, o mundo enigmático da toxicomania e do narcotráfico.
Contribuição artística e mística
Conhecidas a imaturidade de nosso campus universitário e a
nossa crise criminológico-judiciai, parece natural que acolhamos
com gratidão - ainda que não às cegas - as autorizadas lições do
Conselho da Europa, das Nações Unidas, etc., em todos os terrenos
e, especialmente, no das drogas. Somos conscientes de que o mo­
vimento deve ser de vinda e ida. Escutamos e recebemos o que nos
dizem o Conselho da Europa e as instituições supranacionais, mas
também temos algo a dizer-lhes. Fixar-me-ei, agora, 11a contribui­
ção artística e mística da Espanha. Em um problema global como 0
das toxicomanias e seu correspondente mercado, influem muito e
têm uma incidência extraordinária a arte e a cosmovisão (vivência)
religiosa ou espiritual.
É uma lástima que o Conselho da Europa e outras instituições
similares não se refiram mais expressamente à incidência da arte na
enigmática subeultura dos viciados em drogas e nas substâncias
psicotrópicas. Indiretamente, trata-se da arte quando se fala da
educação, na Recomendação de 1983, relativa aos meios culturais
e educativos para reduzir a violência.
Uma obra de arte pode contribuir mais e melhor que mil frases
nos trabalhos pedagógicos de conscientização, sensibilização, etc.,
para solucionar nossos problemas concretos. Assim, vem a reco­
nhecê-lo a Conferência Internacional das Nações Unidas sobre o
uso indevido e o tráfico de drogas, celebrada em Viena de 17 a 26
de junho de 1994, em Background information, de 28 de abril de
1987. Diz textualmente que importantes artistas de nosso tempo
têm contribuído com suas obras para promover eloqüentes mensa­
gens para 0 progresso de toda a humanidade e, em seguida, apre­
senta um posíer (distribuído a todos os assistentes), que para esta
Conferência Internacional o artista árabe Mohamed S. Burhaud
pintou em várias cores a frase: “Sim à vida, não à droga”. Deste
poster foram feitas edições com a frase em seis idiomas.
Antonlo Beristain 23
Passando ao campo de nossa arte, limito-me a insinuar parte
da mensagem artística vinculada por alguns dos artistas que ulti­
mamente têm ornamentado publicações do Instituto Vasco de Cri­
minologia. Recentemente, Jorge Oteiza, na capa do livro La droga
en !a sociedad aclual. Nuevos horizontes en criminologia, coloca
um pé-base na parte inferior e separa-o do alabastro resplandecente
que coloca acima “como a estrutura (é um comentário escrito por
ele) espiritual alucinada, transparente, que a enfermidade separa de
sua atadura racional, quando no inferno se destrói o abraço sagrado
indivisível da alma com seu terrenal suporte”. Frases de Oteiza,
como sempre densas, ajudam a compreender tudo o que ele trans­
mite nessa enfermidade (que pode ser superada, e nessa separação
pode se reunir em fusão indivisível). A maior parte das obras artís­
ticas de Oteiza leva o selo direto do misterioso, do vazio, do trans­
cendente.
Eduardo Chillida envolve e abre o livro Ciência penal y crimi­
nalogía com sua ímpar força e ternura, com um abraço ao delin­
qüente e um grito contra a injustiça. Quem sentir em suas veias o
abutre da heroína compreenderá e consentirá este símbolo bipolar.
Nele, Chillida “utiliza códigos que se podem rastrear e nos levam
até a pré-história. Esses códigos são precisos e livres, estão basea­
dos na percepção e seus limites, assim como na razão da intuição e
seus constantes conflitos”.
“Nesta hora de urgente e vital renascimento coletivo, cultural e
político, Néstor Basterretxea trabalha com o sentimento claro do
poder testemunhai da arte, que é a ferramenta definidora de novas
luzes e enriquecimento espiritual”, e em várias páginas do volume
Estúdios vascos de criminologia mostra que, quando se fala por
meio da própria vitimação (fala por meio de uma ferida na mão, o
profeta que recria Néstor Basterretxea), quando um ex-viciado di­
aloga com outro “colega”, brotam a escuta e a sintonia que facili­
tam a desejada repersonalização.
Andrés Nagel, nas capas de Presondegiak, Gazíeen Gaizkin/za
Drogak e de Cuesiiones penales y criminológicas, desnuda o ho­
mem caído, tira-lhe a roupa da falsidade, dos ritos falsos e insigni­
ficantes da nossa sociedade atual; na solidão do vício, o homem
exposto à intempérie, sem conseguir decifrar a caixa do enigma do
mistério que leva nas mãos, porque, sobretudo, é o jovem que leva
24 Nova criminología à luz do direito penal e da vitimologia
o mistério da vida, da dor e, inclusive, da morte, e é ele também
que, com os braços cruzados, os olhos fechados e no silêncio, aju­
dado, talvez, pela sociedade, deve intuir, preparar e aprofundar o
significado desse “além” que está dentro.
Entre as apertadas e harmônicas pétalas do Egnzkilore que
pintou Rafael Ruiz Balerdi, conseguiu-se recolher toda a energia
do sol para proteger-nos da epidemia e da bruxaria do haxixe, da
coca, do álcool, do craque, contra a crença das coisas mais precisas
de que padece a juventude, “a droga não é causa, mas sim resultado
de unia desconformidade (doença) profunda que afeta mais e mais
a uma parte importante da juventude de todo o mundo”, como
afirmou Regine, em Viena, no dia 17 de junho de 1987.
Se a resposta ao problema social (e, portanto, problema espi­
ritual) da toxicomania deve ser global, logicamente há de se levar
em consideração, também, a dimensão espiritual. Esta agíutinante
estrutura, base de qualquer povo, integra-o e amortiza-o com seus
conflitos - como testemunha a moderna antropologia (Julio Caro
Baroja, Los fundamentos dei pensamiento antropológico moderno,
Consejo Superior de Investigaciones Científicas, Madri, 1985). Seu
aspecto negativo e, sobretudo, seu aspecto positivo devem ser levados
em conta para responder às questões que aqui nos preocupam.
Toda sociedade amadurece por meio de um agíutinante espi­
ritual, ainda que este, talvez, em muitas épocas, a prejudique.
Não falo agora de uma religião concreta e, desde já, prescindo
de todo o “dogmático” que possa dar-se nas religiões. Falo so­
mente do valor espiritual próprio (e transcendente) à pessoa, pres­
cindindo dos dogmas, porque destes, com freqüência, brotam
fontes muito potentes de violações de direitos humanos: inquisição,
guerra e religião, etc.
Neste setor, o povo vasco (e outros povos da Espanha) tem
tido algo peculiar para oferecer a outros povos, como eles o reco­
nhecem com freqüência: refiro-me aos místicos. Sem nenhum mé­
rito nosso, apesar de nossa culpabilidade e finidade, ontem e hoje
pessoas místicas, como Inácio de Loyola, Angeles Sorazu, Francis­
co Javier, Juan de la Cruz, Teresa de Ávila, encontram acolhida em
todos os países, suas obras se traduzem para os idiomas de qualquer
ideologia, de qualquer pensamento, de qualquer postura política,
porque contêm algo que leva à realidade básica do eu profundo, do
Antonio Beristain 25
mais humano. A doutrina de nossos místicos, com seu silêncio so­
noro - estou recordando uma obra de Chi Ilida com sua vida es­
condida, com seu vazio (os apóstolos de Aránzazu), com seu
integrar a morte na vida, com suas lágrimas, com seus êxtases e
visões, com suas viagens (110 duplo sentido), com sua caridade ili­
mitada, comunica-nos (com força imponente) um sentido da vida,
da dor e do gozo, um transpassar o horizonte que, se soubermos
pô-lo ao alcance de todos e se soubermos senti-lo, tiraremos o solo
onde se apóiam os pés do viciado e do traficante, e colocaremos
em suas mãos um báculo com que se apoiar para andar e uma
ferramenta para cravar nos cumes para subir e transcender, reco­
nhecendo a lição de Immanuel Kant (Die Reiigion innerhaib der
Grenzen der blossen Vernunft - A religião dentro dos limites da
mera razão): a especificidade e a irredutibilidade do campo da
transcendência são indiscutíveis.
Com satisfação, pode-se ler que —e por que - o Grupo Pompi-
dou convida para alguma de suas reuniões um representante do
Vaticano, pois a dimensão religiosa pode beneficiar a prevenção
geral, e a especial, assim como a repersonalização do toxicômano e
do narcotraficante.
Religião e arte: novos horizontes e respostas
Opinamos que durante a preparação e a realização da primeira
conferência das Nações Unidas, celebrada em Viena em 1994, pres­
tou-se menos atenção à arte (ainda que se tenha preparado e difun­
dido o posier a que antes nos referimos) e à religião.
Merecem aplausos algumas referências parciais e indiretas aos
valores espirituais no documento de antecedentes 11° 5, de janeiro
de 1987, que, ao tratar das “Atividades para as horas livres”, diz:
devem-se
conccbcr e iniciar atividades para que, como alternativas positivas
às drogas, as realizem os grupos propensos a incorrer no uso in­
devido das drogas. Preparar program as que prom ovam estilos
de vida salutar e livres de drogas e fazer participarem todos os
segm entos da com unidade governam ental e não-governam ental
26 Nova criminologia à luz do direito penal e da vitimologia
na integração plena dessas pessoas e atividades dentro do ambiente
cultural. Participação ativa do social-counselling (referente à
conscientização da com unidade), educação preventiva e ativi­
dades de proteção em nível da família, da escola, das instituições
religiosas (m elhor se não são governam entais) e de organis­
m os encarregados de fazer cum prir a lei.
Este mesmo grupo de trabalho reconheceu a necessidade de
criar uma visão e um enfoque amplo da prevenção como solução
prioritária para combater o uso indevido de drogas. Destacou tam­
bém a conveniência de que membros da sociedade (das instituições
não-governamentais, não-piramidais) proclamem a necessidade de
restabelecer a “dimensão espiritual” e a importância dos valores.
Nesse sentido, Regine, a presidenta da Asociación S.O.S. Drug
International, em Viena, em 17 de junho de 1994, disse: “O pro­
blema reside na capacidade de nossa sociedade para desenvolver os
valores nos quais a juventude possa acreditar e aos quais deseja
aderir”. Considero que quem opina que a dimensão espiritual do
homem está hoje em descrédito não tem examinado devidamente
os símbolos dos tempos. Muitos especialistas concordam em que a
juventude está cada dia mais faminta de religiosidade, mas que os
adultos não lhes damos, nem a oferecemos, nem cooperamos
(cf. Croyanls en Hausse, em L'ActuaIité Religieuse, 15 de outubro
de 1986).
Parece patente, por outra parte, o perigo da sacralização desses
temas, sobretudo quando se admitem posturas dogmáticas “reve­
ladas”, indiscutíveis, o qual, em criminologia, se considera equi­
vocado e criminógeno. Nessa linha, em 15 de janeiro de 1987, os
professores Ferracuti e Bruno, na Reunião Científica da Comissão
do Comitê Europeu da Direção-Geral de Emprego, Assistência So­
cial e Educação, que se celebrou em Luxemburgo, de 14 a 16 de
janeiro de 1987 (o tema era “Abuso de cocaína, bases clínicas e
programas de tratamento farmacológico”), nas conclusões
lam entam (traduzo literalmente do italiano), com o possível, que
problem as éticos c filosófico-religiosos, de não fácil solução,
tenham contribuído para inibir todo intento serio de investiga­
ção a respeito da capacidade hedonística do homem.
Antonio Beristain 27
Não poucos coincidem com estes autores. Preconceitos éticos
e filosófico-religiosos foram obstáculos que detiveram —e ainda
detêm, embora menos —a nave da cultura, da investigação, da ci­
ência e da capacidade hedonística do homem.
Atinadamente, Don José Miguel de Barandiarán destaca outro
perigo (no que tem caído parte do povo vasco) ao interpretar o
Evangelho com excessiva coloração política e com excessivo
dogmatismo e fanatismo.
Oxalá atinemos e colaboremos todos para a necessária dessacra-
lização da idolátrica sociedade e da justiça, oxalá tiremos (pondo
uin dado simbólico concreto) os crucifixos dos palácios de justiça.
Mas, oxalá também, atinemos (abramos os olhos e manchemos
as mãos) para conseguir a oportuna ressacralizaçao espiritual,
não-confessional, ecumênica, da nossa sociedade e da nossa justi­
ça. Maveremos de colocar pedras similares na casa onde devemos
morar, trabalhar, descansar, dormir, sonhar, comer e beber fraternal
e gozosamente tudo.
Nestes dois aspectos —religião e arte —, partindo do nosso
povo, podemos brindar o Conselho da Europa e talvez a todos os
países com algo - não muito - que contribua para abrir novos hori­
zontes de melhor qualidade de vida, com menor abuso e tráfico de
drogas. Fora de nossas fronteiras, conhecem-se e apreciam-se, de
maneira peculiar, os artistas e os místicos vascos. Por intermédio
deles, permitimo-nos oferecer novas respostas pessoais e humanas
ao holocausto do vício.
Capítulo 2
Trabalhadores voluntários no
mundo de hoje e de amanhã
(as regras mínimas de sanções
carcerárias e não-carcerárias)
O homem perfeito é aquele
que é mais útil aos demais.
Corão
Os voluntários estruturadores da pessoa c da sociedade
Considerando que o objetivo do Conselho da Europa - como
se reconhece na Recomendação nBR(85) do Comitê de Ministros
do Conselho da Europa aos Estados-membros sobre o trabalho
voluntário em atividades de bem-estar social - é o de realizar uma
união mais estreita entre seus membros, a fim de, singularmente,
favorecer seu progresso social, seu Comitê de Ministros estima que
c conveniente promover e desenvolver ações voluntárias a serviço
da comunidade e reconhecer a necessidade de lixar algumas regras
para o exercício de tais ações, sem privá-las de seu caráter espon­
tâneo, e recomenda aos Estados-membros que reconheçam o papel,
as características e o valor do trabalho voluntário realizado, de ma­
neira desinteressada, por pessoas que, por sua própria vontade,
30 Nova criminologia à luz do direito penal e da vitimologia
participam na ação social e que tomam medidas apropriadas a fim
de definir e melhorar as modalidades de realização de tal trabalho.1
Diante da variedade e da complexidade - inclusive do parado­
xo - dos processos históricos supranacionais, temos de reconhecer
que a estratégia empresarial e econômica de nossas sociedades oci­
dentais - e das não-ocidentais - pode incidir, e incide positiva e/ou
negativamente, no desenvolvimento, na mudança social. Temos de
reconhecer o perigo de que essas técnicas empresariais e econômi­
cas avoquem o capitalismo e o neocapitalismo extremos; assim
como temos de admitir o perigo de que alguns anátemas contra a
economia de mercado conduzam à ditadura e à miséria...(como o
patentizam movimentos de abertura atuais nos países do Leste eu­
ropeu. Para que não caiamos nesses perigos, é necessária a existên­
cia de atitudes e estruturas sociais humanitárias, de instituições
não-governamentais, como a do voluntariado, que freiem os abusos
inerentes aos poderes políticos, econômicos e, inclusive, culturais e
religiosos. Esses freios podem ser uma das funções do voluntaria­
do. Ele pode e deve atuar contra os abusos do poder e, simultanea­
mente, promover o desenvolvimento social-humanitário. Pode ser
um eficaz modelo cultural inovador e favorável à mudança social
progressiva. Como escreveu Meurant, “certos grupos de voluntários
questionam a estrutura e, inclusive, o lundamento da sociedade”.
O voluntariado pode ser, em última instância, um reparador dos
fundos residuais, dos buracos negros do capitalismo e das ditaduras
da Nomejiclatura (não nos esqueçamos do arquipélago de Gulag e
que dentro deste gênero brotam diversas espécies).
O voluntariado pode apresentar seus grãos de areia para muitas
construções fomentadoras do progresso humanitário. Também para
romper e superar a excessiva e consolidada estratificação social,
contra a qual se levantam as vozes de Karl Marx, Max Weber,
1 Cf. Conselho da Europa. Recomendação n“ R (85), do Comitê de Ministros aos
Estados-membros. sobre o trabalho voluntário em atividades de bem-estar social.
2 Cf. F. de Ia Sierra, Los dircctores de las grandes empresas espanolas ante e!
cambio social, Madri, CIS, J981.
3
Jacques Meurant, El servicio voluntário de la Crtiz Roja en Ia sociedad de hoy,
Cruz Vermelha Espanhola, Madri, 1986, p. 21 ss.; Cruz Vermelha Espanhola,
Departamento de Voluntariado, Conferência Nacional sobre Voluntariado, Se-
vilha, 8-10 de maio 1986, 110 p.
Antonio Beristain 31
Talcott Parsons, etc. Pode introduzir em seu tronco uma cunha de
mobilidade social (facilidade de passos de um estrato social a outro) e
uma cunha de superação do acesso diferencial (isto é, privilegiado
e desproporcionado à dignidade comum de todas as pessoas) e fo­
mentar a igualdade de oportunidades. Assim, pode propugnar con­
tra a acumulação de desigualdades institucionalizadas.
Quando falamos do voluntariado como estruturacior da pessoa
e da sociedade, empregamos esta palavra (estruturador) no sentido
técnico, mais amplo e, quiçá, ambíguo, à luz das modernas e diver­
sas doutrinas sociológicas do estruturalismo.
Talcott Parsons, em sua obra PolHics and social stmcture
(Nova York, The Free Press, 1969), faz alusão a processos de
implicação relacionai, realmente observáveis, subjacentes (mas
observáveis) aos fenômenos sociais, que têm caráter (rasgos) de
composição e de permanência, com incidência nos comportamentos,
inclusive nos criminosos. Da diversa, ainda que parecida, perspec­
tiva, à luz das obras de Gurtvich, Merton e outros, referimo-nos a
um conjunto estabilizado de interações sociais. Como declarei, em
Buenos Aires, em meus Diálogos com Elias Neuman:
Convém confiar a solução de certas situações a serviços não-
judiciais. Existem países de direito consuetudinário e outros so ­
cialistas que proporcionam , abundantem ente, exem plos desta
técnica profundam ente arraigada na tradição popular. O País
Vasco e a Catalunha dispõem de usos e costum es com rico
conteúdo “privatista” , isto é, onde a atuação de pessoas não-
públicas chega a cotas altas e beneficiosas. Os antecedentes
niultisseculares da H erm andad e do Apellido vascos e do So-
m atén catalán estão por ser estudados.4
A relativa privatização do sistema penal, propugnada nestas
páginas, encontra, também, argumentos em seu favor, ao constatar
o aumento das empresas privadas de segurança e/ou empresas de
polícia privada em alguns países, por exemplo nos EUA.
Diante da estruturação da sociedade competitiva, capitalista,
que confere caráter básico (estrutural) aos binômios “dar para re-
A. Beristain, E. Neuman, Criminología y dignidad humana (Diálogos), Buenos
Aires, Depalma, 1989, p. 119 s.
4
32 Nova criminologia à luz do direito penal e da vitimologia
ceber”, “oferecer para esperar”, etc. (recordemos algumas leituras
das vantagens criadas, de Jacinto Benavente), o voluntariado tece
a estrutura social da gratuidade e brinda outra da frugalidade e tes­
temunha também outra da austeridade, sem perda do lúdico/
Nosso voluntariado elabora um tecido gratuito das pessoas e
das sociedades, consciente de que o efetivo é o afetivo, e que a for­
ça do amor supera a do ódio. Consciente de que a paz, da qual
tanto se fala, é algo mais e distinto que a ausência de guerra, se­
gundo vêm propugnando pessoas como Gandhi (e muito antes Só­
crates e Jesus Cristo) e instituições internacionais, como a Anistia
Internacional, a Assembléia Ecumênica em Basiléia (maio 1989),
etc. Esta paz se logrará quando - e não antes que - a maioria dos
cidadãos atuar por motivações mais altruístas, quando aumentarem,
notavelmente, o número e a qualidade dos voluntários.
Outro ponto concreto: a lentidão da administração de justiça,
que foi estudada e universalmente lamentada na XXI Conférence
de Recherches Criminologiques, em Estrasburgo, no final de no­
vembro de 1989, não poderá ser superada até que um número alto
de voluntários trabalhe na administração de justiça, com a paralela
modificação estrutural desta/’
O voluntário, como toda pessoa que trabalha nas instituições
judiciais - mais especialmente ele, por seu altruísmo - , deve saber
que o delito “é resultado de um extenso processo de marginaliza-
ção de muito difícil detecção”7 e que exige outro extenso processo
de acompanhamento respeitoso, mais do que reincorporador. Não
se nega a liberdade jurídica, mas sim evita-se o simplismo do “di­
reito penal medieval em sua cosmovisão infantil da liberdade e da
5 Constituição pastoral do Concilio Vaticano II sobre a Igreja no mundo atual,
Gaudium et Spes, nü 64 ss., Roma, 7 de dezembro de 1956.
Enrique Ruiz Vadillo. “La crisis dei Deredio y el recurso de casación penal”,
em Varios, Estúdios de Derecho p enaiy criminologia (em homenagem ao prof.
José Maria Rodríguez Devesa), Universidad Nacional de Educación a Distan­
cia, Madri, 1989, p. 249 s., p. 266, p. 260: “A situação atual é gravemente
injusta e intolerável. Entre todos, com objetivos elevados, haveremos de buscar
soluções práticas que garantam plenamente a justiça. O que não é nem mini­
mamente aceitável é seguir assim: uma justiça penal defasada no tempo é unia
injustiça”.
7 Raul Pena Cabrera, “Pena y Estado capitalista”,...p. 57.
Antonio Beristain 33
culpa”, e corrige-se a miscelânea primitiva, submissa e heterônoma
com a moral.
Exemplos de voluntários na Europa e na América
Falemos agora de certas associações de voluntários, na Europa
e na América Latina, que pretendem colaborar com esse tecido es­
trutural da gratuidade, com essa privatização e melhora da justiça
penal e com esse desenvolvimento dos direitos humanos.
José Luis L. Aranguren, em suas recentes publicações,8 insiste na
necessidade de intensificar os movimentos comunitários e asso-
ciacionistas (ressaltando a diversidade entre ambos) em todos os
campos da convivência. Não se refere, obviamente, às associações
de gente de vida irregular, que em outros momentos tanto interes­
sam aos criminólogos.J
Atualmente, no final do século XX, o voluntariado (sobretudo
o juvenil), como instituição nova em muitos sentidos (apesar de
seus antecedentes multisseculares), apresenta resultados positivos -
e cada dia mais - a todos os setores da sociedade, também aos
jovens em gerai, e não somente aos marginalizados. Os setores
marginalizados beneficiam-se da assistência que lhes prestam os
voluntários. E, simultaneamente, os trabalhadores voluntários (em
particular os juvenis) beneficiam-se duplamente: porque se dão aos
marginalizados e porque recebem dos mesmos marginalizados.
Esse movimento do voluntariado (especialmente o juvenil) en­
contra ampla acolhida em diversos ambientes, sobretudo em alguns
países estrangeiros.
Merecem ser citadas, estudadas e imitadas muitas associações
e comunidades de voluntários mais além de nossas fronteiras, e
também várias instituições jesuíticas de voluntários que vão se es­
tendendo por não poucas cidades do mundo.
José Lu is L. Aranguren, “Elica y comunidades adultas”, Etica de la felicidad y
otros lenguajes, Madri, Tecnos, 1988, p. 133 ss.
y
Julio Caro Baroja, Realidad y fantasia eu ei mundo criminai. Consejo Superior
de Jnvestigaciones Científicas. Madri, 1986, p. 45 ss.
34 Nova criminología à luz do direito penal e da vitimologia
Na Europa, a Jesuit European Volunteers, que reúne um gran­
de número de jovens, apóia-se nas quatro coordenadas seguintes:
1) Compromisso com ajustiça. Compromisso e opção, como Jesus,
compromisso e opção pelos pobres à luz do Concilio Vaticano
II, das publicações de Medelim e de Puebla. Compromisso que
exige algo mais que pura teoria; que exige conhecer e mudar o
mundo, como indicou Marx em sua tese de número onze, e
muito antes Jesus Cristo.
Desenvolvimento da semente conhecida já no livro do Gênesis,
quando Jeová pede que o homem domine todo o mundo. Este
compromisso inclui um conhecimento e uma atuação político-
social nas estruturas.
2) Espiritualidade. A relação profunda e existencial entre os ho­
mens e do homem consigo mesmo é fonte e efeito da relaçãoV
sobrenatural com Deus. A luz do Evangelho, os voluntários je-
suíticos europeus procuram encontrar Deus em todas as coisas e
todas as coisas em Deus, como celebra a Bibiia. Cultivam a li­
turgia e a contemplação pessoal.
3) Comunidade. Mais que em associação, estes jovens pretendem
viver em comunidade. Comunidade que inclui uma diversidade,
uma variedade. Uma unidade radical apoiada nos direitos huma­
nos e na mensagem evangélica, a qual supõe uma ocasião e uma
missão. Ocasião de complementar-se mutuamente, e missão de
respeitar e desenvolver o direito de ser diferente para conseguir
a unidade que harmoniza o mistério trinitário.
4) Vida simples. É fundamental nos grupos dos JEV optar por uma
alternativa contra a sociedade de consumo que predomina em
muitos campos da humanidade atual. Tomando consciência da
situação no Terceiro Mundo e do conflito Norte-Sul, esses voluntá­
rios comprometem-se a desenvolver a cultura da simplicidade e
da sobriedade e descobrir a felicidade que se encontra melhor no
dar que no receber e a solidariedade com os marginalizados e os
pobres.
Vários grupos de voluntários austríacos trabalham em Viena e
em outras cidades próximas. Na Alemanha, há uma dúzia de grupos.
Também encontramos voluntários na América do Norte e do
Sul. Por exemplo, nos EUA, o Jesuit Volunteer Corps (JVC) de­
nomina-se um importante movimento de leigos dirigido pelos
Antonio Beristain 35
jesuítas. Esse movimento nasceu 110 ano 1956, promovido por
Kack Morris. S. J., 110 Alasca, e atualmente conta com muitos gru­
pos de voluntários que vivem em pequenas comunidades. Grupos
de seis a dez jovens, que se comprometem a viver um ou dois anos
trabalhando em favor dos marginalizados, sem nenhum ganho.
Em novembro de 1983, na Universidade de Georgetown, de
Washington, nasceu outra organização similar: Jesuit International
Volunteers (JIV).
Na América de língua espanhola, também existe voluntariado
jesuítico. Assim, o superior geral, Peter-Hans Kolvenbach, quando
visitou El Salvador, de 29 de fevereiro a 5 de março de 1988, falou
desses Voluntários do Serviço Jesuíta aos cristãos do Refúgio San
José em Calle Real.
Perfil do trabalhador voluntário penitenciário
Recentemente, descreveu-se o voluntário penitenciário como a
pessoa especialmente sensibilizada e formada, associada livre­
mente, que colabora altruisticamente respeitando e potenciando o
assistido, e sendo consciente de que seu trabalho lhe enriquece não
menos que ao interno na instituição penitenciária.10
Aqui acrescento algumas considerações a respeito da obriga­
ção de que o cárcere cumpra sua missão ressoeializadora e a im­
prescindível colaboração do voluntário devidamente instruído e
formado. Resta dizer que a este se deve considerar dentro do pes­
soal penitenciário como um a mais, porém muito diferente. As
“Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento dos De­
tentos” (de 1955), como a Ensemble des règles minimes poitr le
traiíemení des déleiuts do Conselho da Europa (de 1973), acerta-
10 Cf. A. Beristain, “Voluntários y/o benévolos en favor de los presos y en contra
de nuestras cárceles”, Revista cie Estúdios Penitenciários, nL>239, 1988, p. 17;
idem, “Relaciones enlre los privados de libertad y el mundo exterior (El volun­
tariado)”, Eguzkiiore. Cuaderno dei Instituto Vasco de Criminologia, número
extra, San Sebastián, 1988, p. 29 ss.; idem, Crimen y castigo. Crislianos ante la
justicia penal aciuai (vídeo produzido por Audiprol, 28006 Madri, Maldonado
l-A-1989).
36 Nova criminología à luz do direito penal e da vitimologia
damente falam dele quando se referem ao pessoal penitenciário."
Todo legislador - também o espanhol - deve tê-lo em conta ao atua­
lizar a legislação penitenciária.
As regras penitenciárias européias do Conselho da Europa do
ano de 1987, em sua Regra 57. 2, que trata do pessoal penitenciário,
nos dizem que este pessoal deve normalmente estar assentado
sobre uma base permanente, mas também se podem convocar au-
xiliares em tempo parcial ou voluntários, no caso de necessidade,
quando sua participação seja considerada oportuna.
Ainda que seja muito difícil,12o Estado necessita ressocializar
o interno nas instituições penitenciárias. Manilesta-o claramente o
art. 25 da Constituição Espanhola. E, também, Pena Cabrera o re­
conhece quando assinala que:
afirm a-se c postula-se nas constituições e nas leis penais que as
sanções e as medidas dc segurança estão orientadas para a res-
socialização e a reinserção social. Seria absurdo recusar que
essa proposta tenha realmente representado um progresso. Re­
jeitando-se a pena com o expiação e retribuição, não há dúvida
dc que se tem avançado. Dessa maneira, o Estado não é o Levi-
alã onipotente e indiscutível, nem a pena é o rem édio a todos os
males que se pretende condenar. O im portante é que detrás des­
sa desm istificação do Estado as penas abrem cam inhos dc d e­
bate e de crítica.13
Para que o Estado consiga este fim repersonalizador, necessita
do voluntário, necessita de pessoas que ajudem a “apresentar dife­
11 Regras Mínimas da ONU, na 49. 2; “Ensemble Conseil de PEurope, regra 49.2;
e de especial interesse as Regras 128 a 135, dos “Minimum standard guidelines
for corrections in Auslralia and New Zealand”, 1987, em International Pena!
and Penitentiary Foundation, The elaboraiion o f standard inininuini rides fo r
non-institucioiial treatment, Bonn, 1989, p. 154-167, cf. Anexo I.
12
Miguel He má ndez, quando recebe a notícia de que seu filho já aprendeu a an­
dar, lhe escreve da prisão: “Manolito de mi alma... Puesto que ya andas, ven
aqui conmigo y aprenderás a ser hombre en la cárcel, donde tantos hombres de­
saprendeu”. em Josefina Manresa. Recuerdos da la vinda de Sfignel ílernández,
Madri, Ediciones de la Torre, 1980, p. 129.
Raúl Pena Cabrera, “Pena y Estado capitalista”, Libro Homenaje a Alfonso
Reyes Echandia, Bogotá, Temis, 1987, p. 309.
13
Antonio Beristain 37
rentes alternativas para a solução tios conflitos propriamente indi­
viduais e os sociais” que implicam a maior parte dos delitos.14
Não esqueçamos a obrigação do Estado democrático de pro­
porcionar a participação dos cidadãos nas decisões gerais do Esta­
do e, portanto, na política criminal e 11a política penitenciária, pois,
como se indica 110 livro Estado mundial da infância, do Fundo das
Nações Unidas para a Infância, do ano de 1989:
Até a data, a experiência dos program as de desenvolvim en­
to...indica que existe uma diferença absolutam ente crucial entre
o tipo de ajuda que capacita e prom ove a participação e a ajuda
cjuc aliena a confiança e cria dependência. O êxito ou o fracasso
de qualquer atividade de desenvolvim ento, 110 geral, dependerá
de cm que lado desta linha divisória., às vezes tênue, se situe a
ajuda em questão.15
Pena Cabrera insiste que “a potestade punitiva deve andar de
mãos dadas com o humanitarismo”.16 Para alcançar essa meta, re­
sulta indispensável a colaboração dos voluntários antes, durante e
depois do internamento dos delinqüentes, isto é, na tarefa preventi­
va, 11a ressocializadora penitenciária e na crítica das estruturas so­
ciais injustas. Dito com outras palavras, na luta pacífica contra a
macrovitimação carcerária, no empenho constante por uma justiça
penal (destacando a justiça versus o penal).
A nossos voluntários compete trabalhar, se possível em equipe,17
para cooperar de “fora” (da esfera privada, não-estatal), para elaborar
e levar a cabo diversas tarefas que podem consistir em assessorar,
controlar, avaliar, etc. o que se passa nas instituições penitenciárias,
antes que 0 marginalizado ingresse na instituição penitenciária.
Também, e sobretudo, durante o tempo do internamento para lograr,
na medida do possível, múltiplas metas: a ressocialização do interno,
14 ibidem. p. 310.
Fundo cias Nações Unidas para a Infância, Estado mundia! da infância, 1989, p. 57.
Raúl Pena Cabrera, “Pena y Estado capitalista”,.- p- 311.
Alfonso Paslore, Pastoral carcerária e você. Experiências, estudos e perguntas
de um trabalho com presos. Aparecida (Brasil), Ed. Santuário, 1986, p. 18 ss.;
Joaquín Gimenez, “E! juez y la cárcel”, Eguskilore, Cuaderno dei Instituto Vas­
co de Criminologia, n- extra, San Sebaslián, 1988, p. 71.
38 Nova criminologia à luz do direito penal e da vitimologia
os impedimentos aos profissionais funcionários de instituições pe­
nitenciárias de excessivas deformações profissionais, etc., etc.
E, não menos, corresponde aos voluntários, durante esse tem­
po, estar próximo dos familiares dos internos para possibilitar, par­
tindo do seu lar, essa desejada e difícil recuperação do delinqüente.
Fazer-lhe ver e perceber, compreender e sentir que, como já afir­
mou Platão, em seu diálogo mais moderno, mais do homem de
18 •
hoje, o Górgias, “o melhor gênero de vida consiste em viver e
morrer praticando a justiça e todas as demais virtudes”.
Conseguir essa tão problemática e difícil recuperação do de­
linqüente exige, antes de tudo, uma mais justa e humana estrutura­
ção do trabalho penitenciário, como indica José Lu is da Costa.19
Também lhes cabe conhecer e difundir “que a pena privativa
de liberdade assinala uma espécie de justiça seletiva, visto que em
todo o mundo cai nela, preferentemente, quem pertence aos setores
sociais mais desfavorecidos” e que os novos progressos criminoló-
gico-vitimológicos e os novos sentimentos humanitários superem
as teses retribucionistas e consigam sobrepujar o freqüente instinto
de buscar um “bode expiatório” para levá-lo ao cárcere/"
A sensibilidade feminina (como indicamos em outro lugar)-1
capacita, de uma maneira especial, a mulher para atuar como
bálsamo nas feridas de todas as pessoas presas e de seus familiares.
A história nos mostra a ação eficaz de muitas dessas mulheres vo­
luntárias - pessoas como a religiosa Magdalena de São Gerônimo,
Concepción Arenal e Victoria Kent, na Espanha, e Mary Bell Harris,
nos Estados Unidos, para só citar algumas.
Convém insistir que ao voluntariado feminino competem tare­
fas, em certos casos mais urgentes e mais peculiares —e, desde
logo, mais profundas - que aos homens. Referimo-nos, particular-
18
Platão, Górgias, 527 e.
19
José Lu is de la Cuesta. Ei trabajo penitenciário resociolizador. Teoria y Regu-
lación TosUiva, San Sebastián, Caixa de Ahorros Provincial de Guipúzcoa,
1984. p. 403 ss.
Raúl Zaffaroni. “Tratado c!e derecho penal”, torno V, Buenos Aires. 1983. p. 123;
Raúl Pena Cabrera. “Pena v Estado capitalista”,... p. 311.
Cf. Anlonio Beristain, “ La mujer víctima y proctetora en la cárcel”, em A. Be­
ristain, J. L. de la Cuesta (compiladores). Cárcel de mujeres. Ayer y hoy de la
mujer deiincuente y víctima, Bilbao, Mensajero, 1989, p. 159 ss.
Antonio Beristain 39
mente, à atenção e à assistência aos menores inocentes, mas “con­
denados” e internados durante anos e anos (na Espanha, até os seis
anos, e em outros países, inclusive, até mais tarde).22
Alguns especialistas das religiões e das etnias primitivas, por
exemplo Mircca Eliade e José Miguel de Barandiaráu, descrevem
os mitos da Deusa Mãe sentada na entrada da caverna com um es­
pelho e penteando sua longa cabeleira. Com esse espelho, entram
também mulheres voluntárias 110 cárcere para ensinar a quem sofre
ali, dentro das celas, o que Sonia ensina a Raskolnikoff, o protago­
nista de Crime e castigo: “És delinqüente, sim, mas podes estabe­
lecer o diálogo eu e tu, podes ver-te em meu espelho com todo meu
apreço. Podes nascer de novo”.
O espelho 11a mão da mulher voluntária mostra ao delinqüente
(se é cristão) sua identificação com Jesus, porque alguém lhe de­
volve uma vida nova. A mulher, não menos a voluntária, sempre
pode ser mãe. Também dos presos.
No âmbito propriamente religioso, 0 voluntário pode ajudar o
interno. Também pode aprender com ele, pois, entre os internos,
não faltam - hoje como ontem ~ pessoas que encontram Deus com
profunda experiência de gozo e exultação.
Algo assim recorda Cario Maria Martini, cardeal de Milão, em
23
seu livro Palavras sobre a Igreja, quando escreve:
E recordem os tam bém a Paulo, colocado 110 fundo de uma pri­
são. Ferido, com chagas e acorrentado, até a meia-noite. Paulo e
Silas estavam em oração cantando hinos a Deus (Atos dos
A póstolos 16, 25). Esla plenitude de consolo em meio ao sofri­
m ento se experim enta lambem, hoje, sob formas que às vezes
parecem milagres e que revelam a presença do Espírito Santo,
sem pre pronto a confortar c santificar seu povo. Seria fácil ap re­
sentar exem plos que conheci no cárcere, nas prisões.
2^
“ Cf. E. Gimenez-Salinas. “Condena o privilegio?”, em J. L. de la Cuesta, I. Den-
daluze, E. Echeburua (compiladores), Criminología y derecho penal al servicio
de la persona. Livro em homenagem ao professor Antonio Beristain, San Se-
bastián. Instituto Vasco de-Criminologia. 1989. p. 1.153 ss.: Ms L. Lima, Cri-
minalidad femenina (teorias v reacción social). México. Ed. Porrúa. 1988.
Cf. Cario M' Martini, Pa/abras sobre la Iglesia. Puehlo de Dios para la vida
deI mundo, Santander. Sal Terrae. 1988, p. 106 ss.
2^
40 Nova criminología à luz do direito penal e da vitimologia
Como detalham Pierre Raphael e a irmã franciscana Bernade-
tte, capelã da prisão de Rikers Island, em Nova York: “Os voluntá­
rios influem muito nas questões religiosas”.24 Também diversos
internos americanos de língua espanhola testemunham a vida pu-
jante religiosa dentro do cárcere."
Com sobra de razão, as Regras penitenciárias européias 46 e
47 (do ano 1987) recordam o direito dos internos à sua vida reli­
giosa, às suas crenças. Mas não esqueçamos as atinadas e “bené­
volas” considerações de Nils Christie, quando escreve:
Claro eslá que, ao abrir-se para a im portância das crenças, tam ­
bém se está abrindo às crenças que dem andam dor. O Palácio da
Inquisição cm Cartagena é um edifício muito bonito, onde vive­
ram com dignidade e com odidade benévolos sacerdotes, com a
câm ara dc torturas som ente a um piso mais abaixo. E uso aqui a
palavra benévolo sem nenhum a ironia. Estou convencido de que
entre eles havia pessoas justas e boas que acreditavam em Deus,
c que resgatavam as pobres almas. Para os inquisidores, o infer­
no era uma realidade, e repartiam a dor com um propósito pre-
26
venhvo.
Nos cárceres, a religião pode e deve ser não o ópio do povo. e
sim a fonte de uma critica não desesperada que, como o Evange­
lho, simultaneamente com a crítica, comunica a força para que o
criticado atue melhor.
Por desgraça, múltiplos casos concretos patentizam que as
instituições penitenciárias em muitos países (quiçá em todos) vio­
lam direitos humanos fundamentais. Mas, afortunadamente, não
faltam vozes religiosas que se atrevem, “voluntariamente”, a criti-
24
Cf. Pierre Raphael. com a colaboração de Menri Tincq. Dans I 'enfer de Rikers
Island. Un prêire français dans la plus grande prision des Etats-Unis, Paris,
Cenlurion, 1988, p. 103 ss.; Adolfo Bachelet, S. J. “La preghiera nelle carceri”,
Oración y Servicio, nü 4, Roma, 1989, p. 61 ss.
25
Pierre Raphael, com a colaboração de Henri Tincq, Dans ien fer de Rikers Is-
land..., p. 119 ss.
26 Nils Christie, Los limites dei dolur, trad. Mariluz Caso, México, Ed. Fondo de
Cultura Econômica, 1984, p. 123 s.
Antonio Beristain 41
cá-las. Basta recordar um exemplo: o cardeal Wyszynski, em seu
Diário de la cárcel,27 no dia 18 de fevereiro de 1955, escreve:
O com andante - Padre, nos lhe traiam os com am abilidade.
Q uanto à correspondência, olhe, m elhor é que seja lida que
proibida.
Eu - Dispenso seus bons modos. Pode-se fazer muito mal
com toda am abilidade. 12 os senhores me vêm m altratando há
um ano c meio. Não com partilho da sua opinião a respeito de
minha correspondência. Por isso, escrevo raras vezes a meu pai,
para evitar-lhe o mal de que leiam m inhas carlas e fiquem com
elas. Com o m e explica o senhor, vam os ver, este tipo de inter­
vencionism o, jamais usado com outros prisioneiros?... Os se­
nhores são os que têm organizado o boicote contra minha
correspondência, a tal ponto que, de outubro de 1953 a abril de
1954, não recebi nenhum a caria. Nem sequer a felicitação de
Natal. Não se cham a a isto violação dos direitos hum anos?
Muitíssimos são os presos que recordam como tal ou qual sa­
cerdote lhes ajudou durante sua detenção, e como se atreveram a
criticar os abusos de autoridade. A viúva de Miguel Hernández
recorda a ajuda dos sacerdotes: Don Monserrate Abad Huertas,
vigário de Cox, graças a quem pôde falar três vezes em comunica­
ção extraordinária com Miguel, no cárcere de Alicante.28 Também
recorda o vigário anterior, Don Manuel Serna,
que disse às novas autoridades que, se não tirassem os presos,
sairia dali. Depois de três ou quatro meses, saiu desprezando-os,
pois lhe doía e não achava justo que estivessem no cárcere lio-
27
Stefan Wyszynski, Diário de la cárcel, trad. José Luís Ixgaza, Madri, Bibliote­
ca de Autores Cristãos, 1984, p. 163.
Josefina Manresa, Recuerdos de la vinda de Miguel Hernández, Madri, Ed. de
la Torre, 1980, p. 139. Também podemos recordar Francisco de Quevedo. que
três séculos antes agradece aos jesuítas o muito tjue lhe ajudaram durante sua
prisão em San Marcos de León, como indica a atual reilora da Universidade de
Sorbonne, Michèle Gendreau-Massaloux, Heritage et creation: recherches stir
riiiimanisme de Ouevedo, Paris, 1977, p. 36 j ss.
42 Nova criminología à luz do direito penal e da vitimologia
niens que lhe haviam salvado a vida, tanto a dele com o a de
29
outros do povoado.
Não esqueçamos que uma alta porcentagem (mais de 50%) dos
cidadãos encontra apoio na religião, como constatam os estudos
socioiogicos.
O voluntariado penitenciário como direito e como serviço
O voluntariado é mais que, e diferente de, uma profissão
socioassistencial. O voluntário distingue-se em mil facetas do tra­
balhador social. Pode-se considerá-lo como um recurso social e,
sobretudo, como um direito e também um serviço muito diferentes
^1
em países desenvolvidos do que em países em desenvolvimento.
Como “recurso”, todos podemos recorrer ao voluntariado.
Concretamente, ao voluntário, no âmbito prisional, recorrem os
internos, suas famílias, seus amigos, os companheiros funcionários
penitenciários e, não menos, qualquer cidadão ou instituição que se
ocupe e/ou se preocupe com o mundo carcerário, sobretudo com
sua humanização e democratização.
Também nós, que nos ocupamos e nos preocupamos em con-
seguir sua maior privatização. A luz do art. 1, 1, da Constituição
Espanhola, que desenha um modelo de Estado democrático, deve­
mos reservar um papel importante ao indivíduo e às associações
dos cidadãos em todos os campos, também no da justiça penal, isto
2l)
Ibidem, p. 113. Podem-se ler também as diversas manifestações orais e escritas
dos pontífices romanos Pio XII, “Mensaje a los encarcelados de todo e! mun­
do”, Ecclesia, n° 548, 1952; Paulo VI, “Alocución en la cárcel ‘Regina Coeli’
de Roma”, Ecclesia, n~ 1.188, 1964; João Paulo II. “Encuentro con los presos”.
Ecclesia, na 2.156, 1983; João Paulo II, “Mensaje radiado a los presos de Fran-
cia”, L 'OsseiTatore Romano, 19 de outubro 1986, p. 4 (664).
Jan Kerkhofs, “Cambio de valores en Europa?”, em Varios, Jíonibrey religión,
Universidad de Deusto (centenário), Bilbao, 1988, p. 32. Segundo estatísticas,
quanto mais avançada a idade das pessoas, maior é o seu apoio à religião.
Pierre-Henri Bolle, “General Report”, em International Penal and Penilentiary
Foundation, The elaboraiion o f standard minimum ruies fo r non-institudonal
treatment, Bonn, 1989, p. 186.
31
Antonio Beristain 43
é, devemos abrir as portas a uma democrática privatização da justi­
ça penal.
Como “direito”, todo cidadão (individual ou coletivamente)
tem direito a colaborar e/ou participar, livre e eficazmente, no
desenvolvimento político, social, econômico, cultural e espiritual
dos concidadãos, com base no que se diz na Constituição Espa­
nhola, art. 9. 2 e 48, e na Declaração Universal dos Direitos do
Homem de 1948, arts. 20 e 27:
Artigo 9. 2. Compete aos poderes públicos promover as condi­
ções para que a liberdade e a igualdade do indivíduo e dos grupos
em que se Íntegra sejam reais e efetivas; remover os obstáculos que
impeçam ou dificultem sua plenitude e facilitem a participação de
todos os cidadãos na vida política, econômica, cultural e social.
Artigo 48. Os poderes públicos propiciarão as condições para
a participação livre e eficaz da juventude no desenvolvimento po­
lítico, social, econômico e cultural.
Artigo 20.1. Toda pessoa tem direito à liberdade de reunião e
de associação pacíficas.
Artigo 27.1. Toda pessoa tem direito a tomar parte livremente
na vida cultural da comunidade, a gozar das artes e a participar 110
progresso científico e nos benefícios que dele resultem.
O poder político tem o dever de regulamentar esse direito de
todos os cidadãos ao trabalho voluntário para coordená-lo com os
demais direitos e deveres. Em muitos países existem normas con­
cretas, mais ou menos setoriais. Por exemplo, a Cruz Vermelha na
Espanha, a partir dos anos setenta, tem descrito com nitidez seu
voluntariado.
Para nós e para tantos especialistas, a desejada formulação legal
da figura do voluntariado na normativa penitenciária pode servir de
orientação, apesar de suas limitações, à Lei italiana de 26 de julho
de 1975; especificamente, seu artigo 78, que trata dos assistentes
voluntários, e também diversos artigos do Regulamento de execu­
ção desta Lei 354; sobretudo, os artigos 4, 63, 103 e, mais especi­
almente, 0 107. Este último reconhece que a autorização que
proclama o artigo 78 da lei se concederá àqueles que demonstrem
interesse e sensibilidade em relação à condição humana dos priva­
dos de liberdade e que dêem prova de capacidade concreta na as­
sistência a pessoas necessitadas.
44 Nova criminologia à luz do direito penal e da vitimologia
Em certo sentido, Platão pode ajudar-nos a entender como os
voluntários servem, acompanham e animam o marginalizado, não
lhe oferecem resistência, senão que cedem a seu movimento. Pla­
tão, no único diálogo que trata da linguagem como problema, o
Crátilo, explica o nome “voluntário”: hekoúsion como “o que
cede” (o eikon) e não oferece resistência. “Como digo, estaria re­
presentado por este nome, que está em conformidade com a ‘von­
tade’ (boulé), ‘o que cede ao movimento’ (o eikon lôi iónti)”.32
Ao voluntariado como “serviço” competem missões próprias e
de suplência para cobrir as lacunas dos diversos poderes e das
diversas instituições. Mas não somente missões de suplência. A luz do
princípio geral (ainda que às vezes esquecido) de subsidiariedade,
às instituições políticas, econômicas, sociais, religiosas, etc., não
lhes é permitido “cortar” os campos do voluntariado, nem expulsar
deles quem leva a cabo suas tarefas próprias e específicas. Parece
desacertada a postura do Conselho da Europa, em sua Resolução
sobre as associações sem fins lucrativos na Comunidade Européia,
de 13 de março de 1987, quando afirma:
Considerando a amplitude do m ovim ento associativo no seio da
Com unidade, o apoio constante que recebe por parte dos cida­
dãos cm todos os Estados, o importante serviço que as associa­
ções prestam à Com unidade, servem, com eficácia, ao interesse
geral, de forma com plem entaria à ação dos Estados.
Em nossa opinião, o voluntariado não é somente uma forma
complementaria. Quiçá, ao contrário, seja complementaria a ação
dos Estados. Acerta o Concilio Vaticano H33 quando reconhece e
pede que se reconheça, se respeite e se promova o direito de todos
os cidadãos a participar na vida pública, e quando exige que se res­
peite, como um direito peculiar, como uma parcela própria da ação
da Igreja, a assistência aos mais necessitados (por meio de seu vo­
luntariado). Instituições eclesiásticas (privadas), como a Caritas,
devem ter - e merecer —certa preferência, antes mesmo de outras
instituições estatais e similares, com fins lucrativos.
Platão, Crátilo. 420 d.
Gaudium et Spes, t f 42.
33
Antonio Beristain 45
Há muito tempo, existe o voluntariado como serviço, ainda
que sem esta denominação concreta. Ajudar aos demais gratuita­
mente é algo inerente à humanidade, por isso tem acompanhado
desde sempre o homem, como sua sombra, ainda que com rasgos
muito distintos. Algo que vem sendo exigido desde as raízes antro­
pológicas da pessoa, e tende a seu topo mais elevado (também en­
tre os animais constatamos a lei da ajuda mútua).
Sobre o que hoje chamamos voluntariado ou, melhor dito, suas
coordenadas fundamentais, dissertaram alguns grandes pensadores,
Kant (1724-1804) nunca menciona a expressão “voluntariado”,
mas, em vários de seus livros, formula princípios, metas e comen­
tários que são o alfa e o ômega do atual voluntariado. Assim, em
// religião dentro dos limites da mera razão (Die Religion hvierhalb
der Grenzen der biossen Venmnft), escrito em 1793, na terceira
parte “O triunfo do princípio bom sobre o mau e a fundação de um
reino de Deus sobre a terra”, fala de “a ganância suprema que pode
alcançar o homem: ser liberado da escravidão sol) a lei do pecado,
para viver a justiça”,., “manter-se sempre preparado para a luta”.
Essas afirmações podem aplicar-se a qualquer voluntariado, e mais
ao que se dedica gratuitamente a sua tarefa no labirinto carcerário;
ele vive para a justiça e se mantém sempre preparado para a luta.
Pouco depois, Kant contrapõe o estado civil do direito sob leis
coativas ao estado civil ético, no qual os homens estão reunidos
sob leis não-coativas. Os homens em estado civil ético, segundo
Kant, chegam a lograr o que não se alcança com leis e meios de
coação. Também se pode aplicar esta consideração aos voluntários,
pois eles alcançam muito mais do que se consegue com as sanções
penitenciárias como resposta às faltas dos internos (e/ou dos fun­
cionários).
Como “serviço”, o voluntariado alcança as metas que deseja
Kant (p. 188 s.), pois tende a promover o bem (moral), é um servi­
ço dos corações, e um conjunto de ações destinadas aos homens,
não exclusivamente a Deus.
Segundo o filósofo de Kõnigsberg, o homem, para superar o
estado originário de interna amoralidade (p. 98), deve procurar sair
desse estado “tão logo seja possível”, e tem um dever de índole
peculiar de todo o gênero humano para consigo mesmo, “pois to­
dos estamos determinados” à promoção do bem supremo como
46 Nova criminologia à luz do direito penal e da vitimologia
bem comunitário ou como “uma contribuição efetiva ao bem do
mundo” (p. 169). Essas considerações de Kant encontram cumpri­
mento na maioria dos voluntários penitenciários.
Esperamos que, entre os universitários e todos os cidadãos, a
cada dia, encontre mais amplo eco este novo e velho movimento do
voluntariado em favor dos menos favorecidos, marginalizados e/ou
condenados.
Muitos investigadores, que com afinco buscam sanções alter­
nativas à privação da liberdade, insistem em que um pivô dessas
futuras sanções deve ser o voluntário, e desde a idade juvenil. Com
satisfação, encontramos em algumas salas e corredores de univer­
sidades anúncios e posters de estudantes que se oferecem para tra­
balhar e organizar tarefas de voluntariado em campos diversos e,
concretamente, 110 campo penitenciário. Pode servir de exemplo a
atividade de muitos universitários no GENEPI - Groupe Étudiant
National d ’Enseignement aux Personnes Incarcerées (247 rue St.
Honoré, 75038, Paris, Cedex 01, telef.: 1-49270463).
Universitários e trabalhadores voluntários com jovens em risco
Um exemplo que pode iluminar a teoria e a prática do volunta­
riado nos oferece Manuel Segura Morales,34 quando fala da insti­
tuição que se encontra na cidade de Chatham, na zona rural de Kent
(Inglaterra): 0 Medway Center. Está orientado para menores entre
os dez e os dezesseis anos que, sem ser delinqüentes habituais, te­
nham cometido uma ou várias infrações não-graves: são os meno­
res considerados oficialmente em risco, aí risk.
No centro - localizado em uma casa antiga, um pouco som­
bria, que parece muito atrativa para os jovens que a utilizam —, tra­
balha, junto ao pessoal profissional assalariado, uma dezena de
voluntários. Esses voluntários levam o peso dos sete grupos, que
vêm do Community Service Volunteers, ou Voluntários para o
Serviço Social, ou outros simplesmente universitários ou trabalha­
Manuel Segura Morales, Trotamientos ejicaces de delincuentes juveniles. Mi­
nistério da Justiça, Madri, 1985, p. 379 ss.
14
Antonio Beristain 47
dores locais: tiveram também algum universitário vindo da Cali­
fórnia para fazer sua tese.
Na atualidade, estes voluntários são recrutados amistosamente,
por meio de amigos que trazem outros amigos. Evita-se, por prin­
cípio, pôr anúncios nos jornais, pois esse procedimento atraiu um
alto percentual de neuróticos no passado. Mas, ainda que se realize
informalmente, o sistema de recrutamento e seleção de voluntários
é cuidadoso e eficaz: depois da apresentação, feita por quem o
trouxe ao Centro, e de ter tido com ele a primeira entrevista, é
contratado por um mês, como experiência. Para contratá-lo, são
tomados em consideração, principalmente, dois aspectos: a maturi­
dade pessoal do condidato, e que possua algum conhecimento ou
habilidade técnica que possa ensinar aos menores em tratamento.
Por exemplo, se oferece: carpintaria, mecânica de motos, montanhis­
mo, música e teatro, pintura e filatelia, além dos esportes comuns.
Durante o mês de experiência, avalia-se, preferencialmente, a
capacidade de relação do voluntário com os menores. Se o voluntá­
rio é mulher, aprecia-se também sua aptidão para oferecer aos mais
novos uma figura materna, que provavelmente nunca tenham tido.
Como mínimo, se exige de cada voluntário que coordene e anime
um dos sete grupos uma vez por semana, durante três horas; mas
existem alguns voluntários que, tendo terminado seus estudos e
estando sem trabalho, colaboram três ou quatro dias na semana.
As regras mínimas cie sanções não-carcerárias
Foram publicadas pela International Penal and Penitentiary
Foundation (Fundação Internacional Penal e Penitenciária) as re­
gras mínimas para o cumprimento das sanções e das medidas não-
carcerárias que implicam uma restrição de liberdade.35
Convém ressaltar o que se afirma na introdução deste docu­
mento:36 para o correto cumprimento dessas normas orientadoras
35 International Penal and Penitentiary Foundation, Standard minimun m/es for the
implementation o f non-custodiai sanctions and mesures involvíng rcstriction o f
liberíy, Bonn, 1989.
36 ibidem, p. 19.
48 Nova criminologia à luz do direito penal e da vitimologia
de como devem ser cumpridas as sanções não-carcerárias, fazem
falta muitas pessoas responsáveis e organizações não-governamentais.
As pessoas responsáveis pelo cumprimento dessas sanções devem
ser, portanto, capazes de organizar a ajuda do voluntariado. Os tra­
balhadores voluntários devem ser selecionados, formados e ajudados,
de maneira que possam desenvolver as competências profissionais
necessárias. Em particular, os profissionais devem estar capacita­
dos para vigiar e ajudar os benévolos que estão aptos a participar
nos processos de vigilância.
Entre todas essas regras, merecem especial atenção a 16 e a 34.
A Regra 16 diz:
Os vigilantes, que têm a seu cargo os delinqüentes, deverão ser
responsáveis perante uma autoridade estatal constituída para
este fim. Os voluntários exercerão uma tarefa de supervisão
som ente a título de delegados de um funcionário, de uma auto­
ridade estatal, ou constituída para este fim.
Comentário. Se bem convém fomentar o trabalho dos volun­
tários e o com prom isso da com unidade no que se refere à exe­
cução das sanções e medidas não-carcerárias, por outra parte os
direitos dos delinqüentes devem estar protegidos, perm anecen­
do a autoridade estatal responsável pelo cum prim ento devido
dessas sanções ou medidas não-carcerárias. Isto é também neces­
sário para garantir que o delinqüente disponha da proteção de um
instrumento de recursos.
De modo semelhante, o comentário à Regra 8 fala também a
favor do trabalho e do compromisso dos voluntários e das organi­
zações comunitárias, e, indiretamente, insistem no mesmo os co­
mentários às Regras 29 e 33.
Segundo a Regra 34,
...fom entar a colaboração com prom etida dos voluntários. Estes
deverão ser selecionados e, se necessário, guiados pelo pessoal
profissional, e capacitados para cum prir as tarefas que correspon­
dem às suas qualidades e possibilidades. O briga-se-lhes tam bém
o segredo profisssional.
Com entário, Os voluntários podem prestar uma contribuição
im portante na execução das penas e medidas não-carcerárias.
Antonio Beristain 49
Suas m issões estarão relacionadas com suas capacidades, que
podem ser desenvolvidas, quando resulte necessário, m ediante a
orientação do pessoal profissional.
Todos esses textos podem ajudar na, por nós desejada, parcial
privatização da justiça penal. Um passo nesta direção significou o
convênio de colaboração entre o governo vasco e o Conselho Geral
do Poder Judiciário para a criação de um serviço de assistência e
orientação social ao detento, firmado em 27 de novembro de 1987.37
Resumo e conclusões
V
A luz do indicado nas páginas anteriores, podemos formular,
telegraficamente, as proposições-conclusões seguintes:
l 3 - Em alguns países, a teoria, a prática e a legislação correm o
perigo de ignorar e/ou menosprezar o trabalho do voluntariado.
Também podem esquecer os direitos prévios e inalienáveis das
pessoas individuais e das associações privadas, à luz do princípio
da subsidiariedade. As competências do Estado começam onde
terminam as dos cidadãos; não antes.
2a - As autoridades devem tomar as medidas apropriadas para de­
finir e melhorar as modalidades de realização dos diversos traba­
lhos dos voluntários. Aos voluntários masculinos e femininos cabe
um papel imprescindível, rentável e fecundo na administração da
justiça penal e em sua desejada privatização. Essa missão do vo­
luntariado exige - para seu eficaz desenvolvimento - uma modifi­
cação estrutural do funcionamento da administração da justiça.
33- Atualmente, o perfil do voluntariado, em geral (e do penitenciá­
rio, em particular), pede que seja uma pessoa especialmente, sensi­
bilizada e formada, associada livremente, que trabalhe
altruísticamente no serviço aos demais (especialmente os menos
favorecidos) e colabore com seus colegas profissionais.
4a- Diversos exemplos da legislação, da teoria e da práxis provam
a grande importância, no passado e 110 presente, do voluntário
(também o penitenciário), isto é, todo aquele que trabalhe em favor
37Joa(|uín Gimenez, “El juez y la cárcel”, em Varios, Eguzkilore, Cuaderno dei
fmiiiitto lasco de Criminologia, número extra, San Sebastián, 1988, p. 74 ss.
50 Nova criminologia à luz do direito penal e da vitimologia
de uma maior justiça social, da prevenção da delinqüência e da as­
sistência às vítimas. Olhando para um futuro próximo, convém in­
tensificar, remodelar e melhorar este campo.
5a—Compete, também, ao voluntariado (inclusive ao penitenciário)
- devidamente formado como “técnico” - estar aberto à dimensão
teológico-espiritual, sobre a base do direito fundamental da liber­
dade religiosa.
63 - Nossos voluntários penitenciários devem trabalhar em equipe
para cooperar, elaborar e levar a cabo múltiplas tarefas, que podem
consistir em assessorar, controlar, avaliar, etc., tudo aquilo que contri­
bua para a prevenção da delinqüência, antes do internamento em
instituições penitenciárias, durante o tempo em que permanece a pes­
soa em privação de liberdade e depois de sua saída da instituição
penitenciária.
T - De acordo com as Regras Mínimas das Nações Unidas (1955),
do Conselho da Europa (1973 e 1987) e da Fundação Internacional
Penal e Penitenciária (1989), o voluntariado penitenciário deve en­
contrar acolhida expressa na legislação, nos artigos referentes ao
pessoal penitenciário —ainda que não-profissional —, assim como
nos artigos correspondentes à assistência social.
8~ - Para que o Estado cumpra sua missão social, deve fomentar a
participação dos cidadãos, e não menos dos jovens, também nos
trabalhos de reabilitação dos delinqüentes. Também na assistência
aos familiares e amigos dos internos.
Ao Estado compete estruturar de tal maneira as instituições
penitenciárias que elas permitam o trabalho do voluntariado e sir­
vam para a repersonalização do condenado.
9Ü- Interessa conhecer diversos exemplos concretos do voluntaria­
do penitenciário, em sentido estrito (e em sentido amplo), no exte­
rior, para superar as lacunas teóricas, legais e práticas acerca do
voluntariado espanhol (não obstante, a Direção-Geral de Institui­
ções Penitenciárias, com data de 2 de novembro de 1989, redigiu
uma circular a respeito do trabalho do voluntariado nos cárceres
espanhóis e forãneo; em muitos países onde falta a regulação for­
mal, infelizmente, não se cumpre, a este respeito, nem o mínimo
das Regras Mínimas do Conselho da Europa, das Nações Unidas e
da Fundação Internacional Penal e Penitenciária.
Antonio Beristain 51
10° - Pani conseguir uma privatização aconselhável do direito pe­
nal, da criminología e da vilimologia, podem e devem ajudar a
acertada legislação e a práxis do voluntariado penitenciário, incluin-
do-o junto aos funcionários profissionais (nestes, claro, está incluí-
do o criminólogo, formado em nossas universidades).'
Antonio Beristain, “Ensenanza eriminológica desde y liacia las eapellanías pe-
nitenciarias”, em XLt Curso Internacional de Criminología, La ensenanza uni-
versitaria de la criminología en el mundo de hoy, llguzkilore. Cuadenw deI
Instituto lasco de Criminología, ntJ3. extra, San Sebastián, 1990. p. 111.
Capítulo 3
Epistemologia criminológica:
da retaliação ao perdão
Resumo histórico-comparativo üo Talião na política criminai e
no direito penal
Uma investigação diacrônica desde o momento zero1 através
dos séculos e sincrônica ao longo do mapa geográfico dos países
modernos acerca do Talião, ou seja, das respostas sociais e go­
vernamentais às condutas criminais e às pessoas marginalizadas,
mostra-nos, em enfrentamcnto dialético, dois critérios e duas práti­
cas de controle social:
- por uma parte, a sanção severa, punitiva, que hoje se centraliza
na privação da liberdade como castigo, sem concessões ao trata­
mento e, em casos extremos, logicamente à pena de morte;
- e, por outra parte, as sanções alternativas ao cárcere, como a
multa, a “provação”, os arrestos de fins-de-semana, a prestação de
serviços à comunidade, a plea bargaining, a diversion, a não-
intervenção e (segundo alguns teóricos extremos) a substituição
do direito penal por medidas de segurança ou por instituições pa­
ralelas ao direito civil ou ao direito administrativo.2
1 Ernst Bloch, Natwrecht mui menschliche Wiirde, Frankfurt am Main, Et!.
Suhrkamp, 1961, p. 276 ss. Jacques Leclercq, “Réflexions sur le droit de punir”.
Estúdios Renales. Homenaje o1P. Julián Pereda (preparado por A. Beristain),
n"s 25-26, Universidad de Deusto, Bilhão, 1965, p. 473 ss.
2
Jacqueline Bernal de Celis, “Aboiitionisme du système péual et politique crimi­
neile en faveur des viclimes”, em L. Hulsman/J. Bemal de Celis, Peines perdues.
54 Nova criminologia à luz do direito penal e da vitimologia
Essa descrição panorâmica ou telegráfica, a vôo de pássaro,
omite muitos pontos e deforma outros, pois pretende descrever um
problema sumamente complexo que exigiria mil detalhes e matiza-
ções. Entretanto, para nos introduzir no tema que desejamos expor,
resulta suficientemente orientativa. Esta visão de conjunto nos le­
vanta (e se aclara com) três considerações fundamentais, que des­
envolveremos a seguir:
a. Diante da criminalidade e da marginalidade, temos de responder
com critérios de integração cósmica. Temos de evilar as respostas
unidimensionais vindicativas, tanto as totalmente permissivas ou
simplesmente mecânicas, técnicas, amorais, sem sentido humano,
como as utopias exclusivas de tratamento.
b. A faceta criadora de todo ser humano deve gerar algo novo no
sistema penal (especialmente na seníencing) de finais do século
XX. Concretamente, deve criar (e/ou desenvolver) o direito ao -
maior ou menor - perdão a toda pessoa, também ao delinqüente.
c. Os até hoje desconhecidos horizontes que vai alcançando a
consciência da pessoa pós-moderna exigem ler e formular o Talião
como uma original epistemologia metarracional.
d. Ainda mais, com uma epistemologia espiritual, mística, não-
dogmática; com o único freio do razoável (não do radonal-lógico)
e do real “de seu”, além do fenomenológico.'
Talião dialético de integração cósmica, não-iinklimensionai
Por respostas (ao delito e ao desvio) de integração cósmica
entendemos, dito brevemente, algo assim como aqueles controles
sociopenais que, quase sem julgar,4 vão além do juízo; pois procu­
Le système pénale en question, Paris, Le CerUurion, J982, p. 123 ss. Ver Lola
Aniyar de Castro* Alternativas ai sistema penitenciário.
* Peter Noll, Diktate iiber Sterben ct Tod, com Totenrede von Ma. Frisch Pendo,
Zurique, 1984, p. 132 ss. Xavier Zubiri, Inteligencia y razón, Madri, Alianza
Editorial, 1983, p. 91 ss., p. 263 ss.
Thomas Merton, Zen and birds o f apetite, tradução para o espanhol de Rolando,
Hanglin, 3a ed., Barcelona, Kairós, 1979, p. 43. Ninguém nega que existem - e
devem existir - as estruturas e as instituições jurídicas. Ninguém opina que deve-
4
Antonio Beristain 55
ram refletir, como um espelho,5 a realidade (além da aparência) do
conflito-delito e facilitar a harmônica simbiose da ação-reação-
criação, isto é, dar a cada um o que necessita mais do que merece,
pela sanção-compensação dinâmica e solidária.
A história sociológica e a filosofia jurídica ensinam que sem
sanções penais resulta impossível a convivência, ao menos nos
tempos historicamente conhecidos e na atualidade. Talvez e oxalá,
as próximas gerações possam prescindir da sanção penal. Nossa
geração não pode evitar as penas como resposta a certos delitos. Há
séculos, Platão, em seu Górgias, repete com diversas matizações:
“o que tem sido injusto e ímpio deve ir ao cárcere da expiação e do
castigo que chamam Tártaro” {Górgias, 532 b); “se alguém faz al­
gum mal, deve ser castigado e satisfazer a culpa por meio do casti­
go” {Górgias, 527 b).6
Em semelhante sentido se expressam, posteriormente, muitos
penalistas e criminólogos em todos os tempos e lugares.7
Entretanto, esta necessidade de defender-nos aplicando sanções
penais não significa, ou não deve significar, que os deliqüentes te­
nham que ser encarcerados entre quatro paredes para castigá-los
com intuito unicamente vingativo, sem gastar um minuto para sua
integração na sociedade.
Atualmente, muitos países islâmicos, os Estados Unidos, etc.,
exageram no aspecto severo das leis e esquecem a dimensão eqiii-
tativa e conciliadora da justiça.
Muitos governos e muitos tratadistas, decepcionados com o
escasso resultado dissuasivo e repersonalizador obtido pela ideolo­
gia penitenciária do tratamento, que tanto eco encontrou na década
de 1960 e começo da de 1970, têm sido vítimas de uma reação
excessiva em sentido contrário; reacionariamente, pedem que os
policiais, os juizes e os funcionários das prisões adotem posturas
técnicas exclusivamente punitivas, inclusive vingativas. Ao delin-
mos tratá-las como não existentes e necessárias...Realmente, no fundo, a estru­
tura é vazia em si mesma.
O espelho reflete a realidade, carece de pré-juízos...O espelho carece de uma
mente que distinga, julgue, categorize e classifique.
Platão. Diálogos, Górgias. trad. J. Calonge, Madri, Gredos. 1983, p. 145 ss.
Giuseppe Bettiol. Diriito penale. parle generale. 203 ed., Pádua, Cedam, 1966,
p. 779 ss.
56 Nova criminologia à luz do direito penal e da vitimologia
qüente, dizem, deve-se dar o que lhe corresponde legalmente (just
desert). A cada um, segundo seus méritos. Aos assassinos com
agravantes dever-se-á aplicar uma injeção letal. Os cárceres devem
ser de máxima segurança, e sempre com orçamento menor ao dos
pobres e dos desempregados não-deIinqüentes.v
Por desgraça, não poucos cidadãos e especialistas em direito
penal e em criminologia olham o Código penal, a lei penitenciária
e a norma policial como instrumentos para acusar e encontrar -
criar? - delinqüentes puníveis.
Ao contrário, segundo nossa opinião, os princípios básicos re­
pressivos dos controles sociais admitem e devem admitir exceções
e formas de benefício em todos os estratos. O oposto (exigir que se
apliquem sem dar certa chance ao perdão, à generosidade, à indul­
gência) seria suma injustiça, como declararam, há mais de vinte
séculos, os romanos em seu adágio summum ius sitmma injuria.™
Antes, Platão, em seu Proíágoras (324 b), ensina-nos que:
Ninguém sanciona os criminosos prestando atenção ao que te­
nham delinqüido ou pelo fato dc haver delinqüido, a não ser
quem se vingue, irracionalmente, como uni animal. Mas aquele
que tenta sancionar com razão não se vinga por causa do crime
cometido - pois não se lograria que o fato não tenha acontecido -
senão com vistas ao futuro, para que não obrem mau dc novo
nem este mesmo nem outro, ao ver que este sofre sua sanção...
pois sanciona para efeito de dissuasão.
A eqüidade e a epiquéia devem protagonizar a interpretação e a
aplicação do direito penal."
£
No âmbito da psiquiatria forense, tende-se hoje a substituir o conceito de não-
imputabilidade ou imputabilidade diminuída pelo conceito de mérito, desert,
como afirmam F. Ferracuti e F. Bruno, Enciclopédia Médica Italiana, vol. XH,
Florença, 1985, coluna 1691.
Manuel Lopez-Rey y Arrojo, Compêndio de criminologia v política criminal,
Madri, Tecnos, 1985, p. 190 ss., 215 ss.
1(1Elias Neuman, “El sistema penal y sus víctimas”, Estudios de derecho penal en
homenaje aí prof. Luis Jittténez de Asúa, Revista Facultad de Derecho, Univer-
sidad Complutense, Monográfico 11, Madri, junho 1986, p. 483 ss.
11 Horst Schüler-Springorum, “Was làsst der Strafvollzug für Gefühle übrig?”,
Festschriftfür Giinter Blau zuni 70 Geburststag am 18, dezembro 1985, Berlim,
Nova York, Walter de Gruyter, 1985, p. 259 ss.
Antonio Beristain 57
Outros especialistas propugnam que os controles sociais se
limitem aos dados puramente fenomenológicos e prescindam de
toda a atenção à culpabilidade, apoiados em que ninguém pode
provar cientificamente a liberdade de uma pessoa. Alguns teóricos
(vítimas de sua boa vontade, de sua compaixão diante da violação
dos direitos humanos nos cárceres e nos patíbulos) colocam pela
borda, sem prévio discernimento, um valor adquirido pelos esfor­
ços culturais de muitos séculos: a culpabilidade jurídica.12
Entretanto, todos deveríamos ver nos controles sociais a prote­
ção dos cidadãos inocentes e criminosos, a Carta Magna da liber­
dade, a arte da compreensão, da solidariedade, da mútua criação.
Direito dos delinqüentes ao perdão
A moderna psicologia mostra que, afortunadamente, supera­
mos o antigo homo faber, trabalhador, e o homo sapiens, que
constata a realidade exterior a ele. Chegamos ao homo pius, com­
passivo e solidário,13 ao homo creator, que do seu interior vai fa­
zendo e refazendo as coisas, inclusive as pessoas às quais gera e dá
vida ao material corporal, ao instintivo animal e também ao espi­
ritual. Toda pessoa é fundamental e essencialmente criadora, auto-
criadora e heterocriadora.14
Claramente aparece essa força criadora 110 âmbito dos direitos
elementares, pois ao longo dos séculos constatamos como vão
crescendo e desenvolvendo-se. Hoje, com relação ao direito à li­
berdade, estamos muito longe de pensar como pensavam os gregos
contemporâneos de Aristóteles a respeito de seus escravos. Hoje
desapareceu 0 ius vitae et necis do pciter-familias romano, e a pena
P
~Munoz Conde, “Culpabilidad y prevención en derecho penal”, Cuadernos de
Polifica Criminal, n'J 12, 1980, p. 41 ss. Angel Torio Lopez, “El concepto indi­
vidual de culpahilidnd”, Crime and Criminal Policy, em homenagem a M. Ló-
pez-Rey, Milão, Franco Angeli, 1985, p. 675 ss.
*' A. Beristain, “La dimensión religiosa en la filosofia de la política criminal (El
derecho penal dei homo pius)”, Estúdios Vascos de Criminologia, Bilbao, Men-
sajero. 1982, p. 330 ss.
Xavier Zubiri, Infeligencia y logos, Madri, Alianza Ed., 1982, p. 209 ss.
14
Nova criminologia à luz do direito penal e da vitimologia
Nova criminologia à luz do direito penal e da vitimologia
Nova criminologia à luz do direito penal e da vitimologia
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Nova criminologia à luz do direito penal e da vitimologia

  • 2. Antonio Beristain Nova criminologia à luz do direito penal e da vitimologia Apêndice: Declaração sobre os princípios fundamentais de justiça para as vítimas de delitos e do abuso de poder (ONU) Tradução Cândido Furtado M aia Neto Professor do Curso de M estrado em Direito da Universidade Paranaense - U N IPA R EDITORA Imprensa Oficial! UnB
  • 3. Equipe editorial: Airton Lugarinho (Supervisão editorial); Rejane de M eneses (A com panham ento editorial); W ilm a G onçalves Rosas Saltarelli (Preparação de originais); M auro Caixeta de Deus, W ilm a G onçalves R osas Saltarelli e Sonja C avalcanti (R evisão); E ugênio Felix B raga (Editoração eletrônica); W agner Soares (Capa). Copyright © 2000 by Editora Universidade de Brasília Título original: Nueva criminología desde el derecho penal y la victimología Impresso no Brasil Direitos exclusivos para esta edição: Editora Universidade de Brasília SCS Q. 02 Bloco C N- 78 Ed. O K 2- andar 7 0 3 0 0 -5 0 0 -B ra sília , DF T e l:(0 x x 6 1 ) 226-6874 Fax: (Oxxfil) 225-5611 editora@ unb.br Imprensa Oficial do Estado Rua da Moca, 1921 0 3 1 0 3 -9 0 2 - S ã o Paulo, SP T e l:(0 x x l 1)6099-9446 Fax: (Oxxl 1)6692-3503 imprensaoficial@imprensaoflcial.com.br SA C 0800-123401 Todos os direitos reservados. N enhum a parte desta publicação poderá ser arm azenada ou reproduzida por qualquer meio sem a autorização por es­ crito da Editora. Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Central da Universidade de Brasília Beristain, Antonio B511 Nova criminologia à luz do direito penal e da vitim ologia/ Antonio Beristain; tradução de Cândi­ do Furtado Maia Neto. - Brasília : Editora U ni­ versidade de Brasília : São Paulo : Imprensa Oficial do Estado, 2000. 194p. T radução de: N ueva crim inología desde el derecho penal y la victimología. ISBN 85-230-0591-9 1. Direito criminal. I. M aia Neto, Cândido Furtado. II. Título. CDU 343.2
  • 4. Às pessoas c às instituições que, inteligente, generosa e valentemente, trabalham em favor da assistência às vítimas do terrorismo do ETA. Àqueles que cientificamente desmascaram e recusam as ideologias que encobrem e disfarçam o problema de Euskadi (País Vasco) como mero enfrentamento de duas violências. Àqueles que, em alto-mar, com barco afundado, crêem, esperam e amam. Aqueles que, em plena noite, vêem/criam a aurora. Às pessoas privadas de liberdade, das que tanto tenho aprendido a respeito do sentido de viver e de morrer. Perdoem nosso “esquecimento” imperdoável e nossa cotidiana insolidariedade. A Pedro Láin EntraIgo, autor de Esperança em (empo de crise.
  • 5. Sumário P r e f á c io , 11 Eu g ê n io Ra ú l Za f f a r o n i N o t a d o t r a d u t o r , 15 p a r t e I CRIMINOLOGIA Ca p ít u l o 1 A p r o x i m a ç ã o c r i m í n o l ó g i c a e d e p e n d ê n c i a d e d r o g a s , 19 Interdependência: terrorismo internacional-tráfico de drogas, 19 Contribuição artística e mística, 22 Religião e arte: novos horizontes e respostas, 25 Ca p ít u l o 2 T r a b a l h a d o r e s v o l u n t á r i o s n o m u n d o d e h o j e e d e a m a n h ã ( a s r e g r a s m í n i m a s d e s a n ç õ e s c a r c e r á r i a s E NÃO-CARCERÁR1AS), 29 Os voluntários estrulunidores da pessoa e da sociedade, 29 Exemplos de voluntários na Europa e na América, 33 Perfil do trabalhador voluntário penitenciário, 35 O voluntariado penitenciário como direito e como serviço, 42 Universitários e trabalhadores voluntários com jovens em risco, 46 As regras mínimas de sanções não-carcerárias, 47 Resumo e conclusões, 49
  • 6. 8 Antonio Beristain C a p ít u l o 3 EPISTEMOLOGIA CR1MINOLÓGICA: DA RETALIAÇÃO AO PERDÃO, 53 Resumo histórico-comparativo do Talião na política criminal e no direito penal, 53 Talião dialético de integração cósmica, não-unidimensional, 54 Direito dos delinqüentes ao perdão, 57 Epistemologia criminológica metarracional, 59 Dessacralização e ressacralização do Talião, 62 PARTL II VITIMOLOGIA Ca p ít u l o 4 N o v a f i l o s o f i a p o l í t i c a d e e p a r a a n o v a p o l í t i c a c r i m i n a l (o E s t a d o n ã o t e m o m o n o p ó l i o d a v i o l ê n c i a ) , 69 Metas, 69 Pilares fundamentais comuns, 71 Evolução histórica paralela?, 73 Da política criminal privada ao caos e à filosofia política absolutista, 74 Da política criminal sacra à filosofia política do poder que emana de Deus aos cidadãos, 75 Do poder que rotula e marginaliza ao abolicionismo da pena de morte, ao abolicionismo do cárcere e ao utópico abolicio­ nismo do direito penal, 75 Da filosofia política assislencial à política criminal vitimo- lógica, 77 Da política criminal estatal à filosofia política supra e inter­ nacional, 77 Olhando para o futuro, 78
  • 7. Sumário 9 Ca p ít u l o 5 A SOCIEDADE/JUDICATURA ATENDE A SUAS VÍTIM AS/ TESTEM UNHAS?, 83 Vitimologia, 83 Conceitos básicos e importância da vitimologia, 88 Dificuldades e perigos da vitimologia, 91 Vítimas/testemunhas, 96 Graus de vitimação, 103 Sociedade/judicatura, 109 Conclusões de legeferenda, 123 A p ê n d ic e D e c l a r a ç ã o s o b r e o s p r i n c í p i o s f u n d a m e n t a i s d e JUSTIÇA PARA AS VÍTIMAS DE DELITOS E DO ABUSO DE PODER (ONU), 127 As vítimas de delitos, 127 As vítimas do abuso de poder, 131 Pa r t e III DIREITO PENAL C a p ít u l o 6 A HISTÓRIA CAMINHA PARA A ABOLIÇÃO DA SANÇÃO CAPITAL, 135 Coordenadas fundamentais, 135 Evolução histórica, 138 Assistência religiosa, 150 Sigamos discorrendo, 152 C a p ít u l o 7 VlNCULAÇÃO HISTÓRICA EN I RE RELIGIÃO E DIREITO PENAL, 1 5 7 Luzes e sombras, 157 Apoenci cullei, 160 indultos e anistia, 163
  • 8. 10 Antonio Beristain C a p í t u l o 8 J u s t i ç a p e n a l r e c r i a d o r a , d a r e t r i b u t i v a à r e s t a u r a t i v a , 171 Uma terceira cosmovisão da justiça penal, 171 Linhas fundamentais das cosmovisões retributiva e restau­ rativa, 173 Comentários a favor da justiça recriadora, 176 Traços fundamentais do novo modelo recriador, 187 C a p í t u l o 9 DA V1TIMOLOGIA À REFORMA DO CÓDIGO PEN AL, 191 Não confundamos o sujeito passivo com as vítimas, 191 A reparação no Código penal do século XIX não é a do século XXI, 192 0 juiz deve atender primeiro às vítimas, 193
  • 9. Prefácio Em algum ponto do infinito desconhecido, achar-se-ão carti­ lhas, porque são comuns os livros de autores latino-americanos prefaciados por europeus, mas o inverso é tão estranho que quase pertence ao inexplicável. Essa rara honra confere-me o professor Beristain, e, por certo, trata-se de uma distinção que - sem falsa modéstia - não creio merecer. Pode-se afirmar que supõe uma transgressão, o que por hora chamará a atenção do leitor, mas que ao final do livro julgar-se-á natural, porque se verá que todo seu conteúdo é transgressor. Aceito comovido a honra que me confere o mestre da Universidade do País Vasco e trato de estar à altura de tamanha infração, o que constitui um singular desafio. O autor e seu pensamento são amplamente conhecidos e apre­ ciados, de modo que seria vã a tarefa de insistir nisso. Não obstan­ te, nem sempre se interpreta o que se conhece, e creio que por ali deve ir a via do prefácio. Os escritos de Beristain não são simples. Não nos devemos enganar com a prosa clara, a leitura fácil, a ocasional falta de con­ clusões - nada criado está concluído - e as citações que pulam sé­ culos e milênios, continentes e idiomas, disciplinas e culturas, em forma de terremoto epistemológico; terremoto que faz emergir a profunda unidade radical. Tudo isso provoca estupor, porque jus­ tamente é esse o efeito buscado pelo autor. E não se creia que por isso ali acaba a intencionalidade: nada estaria mais longe da verda­ de que pretender sair do estado de surpresa atribuindo sua provoca­ ção à ânsia de originalidade sensacionalista. A grande transgressão do professor de San Sebastián começa pela própria estrutura de seu trabalho. Às vezes, contém uma linha que leva a conclusões que quase se lhe escapam da caneta, o que oferece como concessão ao clássico, mas, diferentemente do tradi­
  • 10. 1Z Eugênio Raúl Zaffaroni cional, quase nunca são a idéia central, tampouco a mais valiosa, porque não quer arrastar-nos a elas, não escreve para isso. Cada um de nós, ao escrever, propõe-se a ganhar adeptos para sua causa (nesses termos cabe falar dos difíceis debates das ciências penais), todos, salvo Beristain, que somente se propõe a desconcertar-nos, e por certo que o consegue como ninguém. Sua “não-estrutura” pare­ ce calculada na dose necessária para nos desestruturar, porque não busca convencer-nos de que suas soluções são melhores que as nossas (até o ponto que, às vezes, nem sequer as menciona), mas sim pretende quebrar nossos limites para que meditemos livremente. Foucault ensinou-nos, como poucos, a forma pela qual o poder nos fabrica como sujeitos cognoscentes. O saber penal, sempre tão ligado ao poder, caracteriza-se por extremar essa reprodução, por limitar duramente horizontes científicos, gerando “verdades” ao preço da marginalização de dados. A moderna tendência progres­ sista orienta-se para a crítica mais ou menos radical ao poder de fora, ao sistema de reprodução do poder, mas Beristain comete uma transgressão de maior calibre, porque se opõe ao poder intro- jetado mediante uma espécie de terapia de choque, e, para conse­ guir seu objetivo, sequer duvida em apelar ao incentivo de soluções conservadoras, para que, ao responder, devamos esforçar-nos e ultra­ passar os limites que nos traça o poder. Não teoriza nossas limitações de poder introduzido, mas, sim, diretamente nos força a quebrá-las. Sem dúvida, trata-se de uma atitude francamente religiosa; a socio­ logia da religião faz muitos anos que chamou a atenção a respeito dos trabalhos dos benzedores, pais-de-santos, beatos e outros ope­ radores religiosos populares americanos, para os quais sempre o mal “encerra”, e sua expulsão requer “abrir”, libertar para deixar que o bem opere. Em cada página, muito discretamente, Beristain trata de dizer aos sábios que não são tão sábios, que todas as suas “verdades” são provisórias pela estreileza de seus horizontes e que não sonhem com abarcar o universo do inexplicável, porque não é um universo, mas um infinito. Esse é o máximo da transgressão, e, ainda que sempre prevenido de que seus trabalhos iam em prol da desestrutu- ração por meio de uma não-estrutura calculada, neste livro desco­ brirá o leitor que, com elegante citação de Unamuno, o autor o confessa abertamente.
  • 11. Prefácio 13 Desse modo, Beristain incorre, continuamente, na mais grave infração contra a Inquisição, que, desde sua origem até hoje, tem mudado o discurso, mas não a forma, quando, ao ampliar os hori­ zontes, semeia a dúvida, não fazendo mais que erradicar a “here­ sia” como conceito, ainda que a tipifiquem os mesmos cientistas, e cai na mais alta “heresia”, ao pôr em dúvida a autoridade dos in­ quisidores. Reprova-lhes o maniqueísmo e convida-os a “re-ligar”. Mas esse percurso implica um constante trânsito por um fio suspenso 110 vazio. Sem correr o risco de que a reprovação do ma­ niqueísmo se converta em satanização e, desse modo, se incorra em um novo maniqueísmo, ou bem que o “re-ligar” vá dar em um novo dogmatismo. Beristain coloca uma rede de segurança em seu experimento, contendo uma nova transgressão: apela à fraternidade. E tem razão, porque não há outra vacina contra o disparate autoritá­ rio e genocida. O eixo superador do “des-encantainento” não pode passar senão pela fraternidade, que, inclusive, já não se limita a uma regra ética entre os homens de hoje, mas sim que a ética eco­ lógica deve reconhecer como sujeitos de direitos a respeitar entes não-humanos e humanos que ainda não estão 110 mundo. Sem fraterni­ dade, a fuga do desencantamento não resultaria 110 “re-encantamento”, mas sim 11a feitiçaria que continuaria o ciclo das inquisições. Como já dissemos, essa apelação fraterna de Beristain, que lhe salva do irracionalismo e lhe permite mover-se com singular ma­ estria e comodidade sobre o fio, constitui outra de suas transgres­ sões. Com efeito, apelar à fraternidade em um mundo em que está a ponto de desaparecer 0 direito trabalhista, simplesmente porque é necessário obter preços competitivos, é uma nova transgressão do professor do País Vasco. Não é possível nenhum reencantamento sem superar esse holocausto em função da absolutização dos inte­ resses setoriais que antagonizam classes, etnias, países, faixas etá­ rias, religiões, etc. Não há fraternidade sem igualdade para os desiguais, que é o antídoto da discriminação. E a discriminação é a arma que hoje se esgrime para suprimir competidores e opositores, para calar os protestos, para cobrar o que não se deve e para não pagar 0 que se deve. Ainda que Beristain não o diga, esta última transgressão leva-o à busca da utopia, mas não no sentido romântico (e autoritário) de quem parte de uma utopia para deduzir 0 mundo e impô-la a todos,
  • 12. 14 Eugênio Raúl Zaffaroni mas que o mundo nos convida a não cessar na sua busca, ainda que com a advertência de que nunca a alcançaremos, e quando nos de- temos, satisfeitos do que conseguimos saber, nos desconcerta para nos moslrar que sabemos pouco. Sua intolerância às “verdades” que, por indiscutíveis, abrem vias ao autoritarismo, é quase visceral. Muitos sabem disso, mas especial testemunho, nós, os argentinos, podemos dar, pois, em 1980, vimo-lo rejeitar toda tentativa limitante de sua voz, falando de direitos humanos; em plena ditadura genocida, ela nos recordou o valor da liberdade acadêmica, dando-nos ânimo em meio à ca­ tástrofe. Naquele momento ficou claro que não importavam muito suas conclusões, mas sim o impulso à utopia como destino, inclu­ sive nas condições mais negativas. O espírito profundamente religioso do catedrático do País Vasco (portanto, absolutamente antidogmático) leva-o a assumir a função que há décadas vem cumprindo, ainda que às vezes resulte incômoda: é algo assim como o instrutor de vôo do penalismo atual, que não suporta que mostremos nossa plumagem com orgu­ lho das “cornijas e chaminés”. Eugênio Raúl Zaffaroni Catedrático de Criminología e Direito Penal Universidade de Buenos Aires
  • 13. FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA Reitor Lauro Morhy Vice-Reitor Timothy Martin MulhollancI E d i t o r a U n i v e r s i d a d e d e B r a s í l i a Diretor Alexandre Lima C o n s e l h o E d i t o r i a l Alexandre Lima, Airton Lugarinho de Lima Camara, Emanuel Araújo, Hermes Zaneti, José Maria G. de Almeida Júnior, Moema Malheiros Pontes Im p r e n s a O f i c i a l d o E s t a d o Diretor-Presidente Sérgio Kobayashi Diretor Vice-Presidente Carlos Conde Diretor Industrial Carlos Nicolaewsky Diretor Financeiro e Administrativo Richard Vainberg Coordenador Editorial Carlos Taufik Haddad
  • 14. Nova criminología à luz do direito penal e da vitimologia
  • 15. Nota do tradutor De igual maneira, ao sentir-se honrado o prof. Raúl Zaffaroni com o convite para prefaciar a obra do catedrático europeu dr. Antonio Beristain, devo, também, com muita humildade e sinceri­ dade, dizer o mesmo quanto à tradução, e mais, sinto-me imensa­ mente gratificado espiritualmente, primeiro porque como brasileiro fui sorteado pela generosidade de Antonio Beristain, e também porque no seu livro se lêem coisas como: “o efetivo é o afetivo”; “a força do amor supera o ódio”; “direito penal medieval em sua cos- movisão infantil da liberdade...”; “unia justiça penal defasada no tempo é uma injustiça”; “quem exerce o poder se considera dele­ gado da divindade vingativa”; etc., e isso tudo se traduz em um marco essencial para a definição da compreensão do verdadeiro sentido das “expressões” e da práxis jurídico-penal dos tribunais contemporâneos. Verdadeiramente, o conteúdo das palavras de Ajilonio Beris­ tain e a riqueza da linguagem agradam, indiscutivelmente, a todos que lutam e pretendem transformar os usos e os costumes da admi­ nistração da justiça criminal - vale dizer, pela sua substanciosa, preciosa e fluida mensagem. O livro prende, rouba a atenção do leitor, desde a primeira linha até a última palavra. Mais do que tentar realizar justiça com o perdão, como asseve­ ra o autor, é preciso aceitar que é impossível dissociar a justiça da religião, pois são duas coisas que nasceram e caminham juntas, por séculos e séculos, em todo o mundo, sem exceção, por mais que determinados regimes de governo ou homens acéticos pretendam negar a sua íntima relação. A leitura desta obra de Antonio Beristain é, com certeza, uma fonte de luz para a reorientação da “justiça” penal, que o homem
  • 16. 16 Cândido Furtado Maia Neto (profissional do direito) espiritualmente evoluído denuncia com boa-fé dentro de suas melhores e ingênuas pretensões. Trata-se de um livro sincero, escrito por um autor-amigo - amigo de todos os leitores —, porque nos dá bons augúrios de horas felizes. Temos plena certeza de que o leitor desta obra poderá - e so­ mente por meio da criminologia, que não é “perfumaria” alguma - compreender a função verdadeira do direito penal (política crimi­ nal), a finalidade e os objetivos das sanções, em especial quanto à reação e à punição estatal - como a atual manutenção da pena pri­ vativa de liberdade e dessa hedionda política penitenciária contem­ porânea. A mediação penal proposta por Beristain é o caminho mais fá­ cil para a transformação da ideologia penal repressiva, já que os homens de boa vontade não estão conseguindo, por completo, fazer valer as idéias humanistas no campo das ciências penais e crimi- nológicas. Penso ser muito mais fácil, e necessário, no primeiro plano das propostas, falar de direitos da vítima, do que propugnar por medidas alternativas ou substitutivas da prisão, ou pelos direi­ tos dos presos, também necessários no último estágio do sistema da administração da justiça penal. Por todas e infinitas razões é que na tradução deste trabalho - do espanhol para o português - fizemos o maior esforço para manter as expressões usadas por Beristain, razão pela qual as cita­ ções literárias permanecem no original, por suas qualidades dentro da cosmovisão, para facilitar o leitor a buscar o auxílio necessário. No mais, tudo está perfeito e flagrantemente explicado no prefácio do ilustre mestre e amigo Raúl Zaffaroni. O professor Antonio Beristain é a utopia realizável em pessoa, é a bondade e a perfeição. Cândido Furtado Maia Neío
  • 18. Capítulo 1 Aproximação criminológica e dependência de drogas Interdependência: terrorismo internacional-tráfico de drogas À luz dos trabalhos do Conselho da Europa, das Nações Uni­ das, do Parlamento Europeu, da Organização Mundial da Saúde, etc., pretende-se descobrir e descrever a realidade de sua dimensão econômica, social, terrorista, pedagógica... e indicar como se pode ajudar o cavaleiro-andante, o cidadão, especialmente o jovem, para que desperte de seus delírios e de seus vícios. Se auscultamos a sociedade de hoje, constatamos que se inicia um novo tempo criminológico para que os controles sociais estru­ turem um programa de prevenção e tratamento global coerente, que inclua o direito liberador e a arte, sem esquecer o padre (de Dom Quixote) com seu evangelho, que é uma Boa-Nova ou deve ser, não um Código penal, e ao barbeiro com sua sabedoria de senso comum que “trouxe um grande caldeirão de água fria do poço e derramou-lhe por todo o corpo repentinamente, com o qual des­ pertou Dom Quixote”. Espero que 110 decorrer destes estudos aperfeiçoemos a logística de despertar a muitos, com grande satisfação para quem tem cola­ borado nos trabalhos preparatórios, na elaboração das conferências, dos seminários, do Livro branco da dependência de drogas em Euskadi (San Sebatian, Espanha), 1987, etc. As instituições universitárias, os congressos internacionais e a sociedade “a pé” devem e podem contribuir para que todos nós
  • 19. 20 Nova criminologia à luz do direito penal e da vitimologia abramos os olhos e demos as mãos (deve-se admitir a tese marxis­ ta, deve-se trabalhar, deve-se “discorrer” também manualmente) para harmonizar uma política social integral que reduza os proble­ mas da droga a dimensões humanas, do viril e do feminino, de nova convivência criadora, utópica e mais realista. 0 Conselho da Europa, como outras instituições supranacio­ nais, ao falar do problema da dependência das drogas, toca, repeti­ das vezes, nas vinculações da droga com o terrorismo. Faz poucos dias, de 23 a 28 de agosto 1994, nos Estados Unidos celebrou-se um congresso internacional sobre “Terrorismo e tráfico de drogas”, na Universidade de Chicago. Nesse campo não quero ser dogmático, mas somente sugesti­ vo. Não é fácil entrar nas intrincadas e discutidas relações entre abusos de drogas, narcotráfico e terrorismo, relações às vezes con­ traditórias e que passam de um branco neve a um negro ou a um vermelho. Não se mantém uma linha constante nem no narcotrafi­ cante nem no terrorista. Quando falo de terrorismo não falo de heroísmo, falo do que em direito penal e em criminologia se considera terrorismo, isto é, aterrorizar a sociedade tentanto atingir fins que não se conseguem por esses meios, em definição dialogai. A definição técnica, creio, é o que menos interessa aqui, nesse momento. É difícil avançar nos labirintos e nas pontes internacionais en­ tre abuso, tráfico de drogas e terrorismo. No entanto, o Conselho da Europa tem tido a valentia de, em repetidas ocasiões, falar sobre a relação entre a droga e o terrorismo. Concretamente, a Recomen­ dação de 1984 diz: para lutar com êxito contra o narcotráfico, devem-se levar em consideração “as relações que existem, indis­ cutivelmente, com as redes de tráfico de armas e o terrorismo, ten­ do em conta o fato extremamente preocupante de que grandes somas de dinheiro que provêm da venda ilegal de drogas são utili­ zadas para financiar o terrorismo internacional”. No congresso internacional que se celebrou em San Sebastián sobre “Legislação e drogas”, de 2 a 5 de julho de 1985, dois representantes do Con­ selho da Europa não se atreveram a manifestar-se em público, mas, secretamente e com um dos chefes da Erízain/za (polícia), sim, apresentando provas concretas e absolutas dessas relações. Nos
  • 20. Antonio Beristain 21 arquivos da sede do Conselho da Europa, em Estrasburgo, há cons­ tatações dessas lamentáveis vinculações. Conhecidos especialistas afirmam algo parecido a respeito de determinados países. Assim, I-Iurtado Pozo, catedrático de direito penal da Universidade de Friburgo, na Suíça, ao analisar o terro­ rismo 110 Peru, afirma: “Uma hipótese que se apresenta cada vez com mais insistência é o financiamento dos subversivos pelos tra­ ficantes de drogas” (pode-se ler seu estudo “Terrorismo y tráfico de drogas”, La droga en Ia sociedad ac(uai Nitevos horizontes en criminología, San Sebastián, 1985, p. .169 e ss.). Da mesma manei­ ra, o juiz italiano de 47 anos, Giovanni Falcone, participante da reunião do Parlamento Europeu, em 20 de março de 1986, afirmou que a relação entre os narcotraficantes e as organizações terroristas não está diminuindo. Em junho de 1987, estudei o tema - o problema na Colômbia dialoguei com autoridades governamentais, com professores uni­ versitários, com pessoas acusadas de narcotráfico; na prisão de Cali falei com Gilberto Rodríguez Orejuela, extraditado pelo governo espanhol para a Colômbia. Como conclusão, reafirmei a complexa interdependência do terrorismo internacional com o tráfico de dro­ gas, que constatam o Conselho da Europa e os especialistas. Se defendemos a metologia e a práxis global para responder e solucionar o problema das drogas, isto se deve à inerente globali- dade de suas origens, sem excluir as interconexões que vão e vêm, desde o terrorismo ao narcotráfico e deste para aquele. Os crimes não-convencionais, os de maior importância e a vitimação (às ve­ zes hecatômbica) - como o genocídio, a tortura, as desaparições autorizadas pelos governos, etc. - entrelaçam-se em suas raízes e em suas fontes, ainda que um ou outro delinqüente isolado ignore ou negue este fato. Em parte, porque lhe interessa e, em parte, por­ que não o tem analisado. Creio que é interessante comentar a dupla relação, passiva e ativa, no campo da dependência de drogas da Europa para a Espa­ nha e do nosso país para a Europa. Vivemos cada dia mais na Europa, e a Europa vive cada dia mais em nós (Espanha). Por isso, ao abordar as questões, estudamos atentamente as informações e as recomendações do Conselho da Europa, conscientes de que em
  • 21. 22 Nova criminología à luz do direito penal e da vitimologia suas páginas se encontra (escrito, estudado e sentido), acertada- mente, o mundo enigmático da toxicomania e do narcotráfico. Contribuição artística e mística Conhecidas a imaturidade de nosso campus universitário e a nossa crise criminológico-judiciai, parece natural que acolhamos com gratidão - ainda que não às cegas - as autorizadas lições do Conselho da Europa, das Nações Unidas, etc., em todos os terrenos e, especialmente, no das drogas. Somos conscientes de que o mo­ vimento deve ser de vinda e ida. Escutamos e recebemos o que nos dizem o Conselho da Europa e as instituições supranacionais, mas também temos algo a dizer-lhes. Fixar-me-ei, agora, 11a contribui­ ção artística e mística da Espanha. Em um problema global como 0 das toxicomanias e seu correspondente mercado, influem muito e têm uma incidência extraordinária a arte e a cosmovisão (vivência) religiosa ou espiritual. É uma lástima que o Conselho da Europa e outras instituições similares não se refiram mais expressamente à incidência da arte na enigmática subeultura dos viciados em drogas e nas substâncias psicotrópicas. Indiretamente, trata-se da arte quando se fala da educação, na Recomendação de 1983, relativa aos meios culturais e educativos para reduzir a violência. Uma obra de arte pode contribuir mais e melhor que mil frases nos trabalhos pedagógicos de conscientização, sensibilização, etc., para solucionar nossos problemas concretos. Assim, vem a reco­ nhecê-lo a Conferência Internacional das Nações Unidas sobre o uso indevido e o tráfico de drogas, celebrada em Viena de 17 a 26 de junho de 1994, em Background information, de 28 de abril de 1987. Diz textualmente que importantes artistas de nosso tempo têm contribuído com suas obras para promover eloqüentes mensa­ gens para 0 progresso de toda a humanidade e, em seguida, apre­ senta um posíer (distribuído a todos os assistentes), que para esta Conferência Internacional o artista árabe Mohamed S. Burhaud pintou em várias cores a frase: “Sim à vida, não à droga”. Deste poster foram feitas edições com a frase em seis idiomas.
  • 22. Antonlo Beristain 23 Passando ao campo de nossa arte, limito-me a insinuar parte da mensagem artística vinculada por alguns dos artistas que ulti­ mamente têm ornamentado publicações do Instituto Vasco de Cri­ minologia. Recentemente, Jorge Oteiza, na capa do livro La droga en !a sociedad aclual. Nuevos horizontes en criminologia, coloca um pé-base na parte inferior e separa-o do alabastro resplandecente que coloca acima “como a estrutura (é um comentário escrito por ele) espiritual alucinada, transparente, que a enfermidade separa de sua atadura racional, quando no inferno se destrói o abraço sagrado indivisível da alma com seu terrenal suporte”. Frases de Oteiza, como sempre densas, ajudam a compreender tudo o que ele trans­ mite nessa enfermidade (que pode ser superada, e nessa separação pode se reunir em fusão indivisível). A maior parte das obras artís­ ticas de Oteiza leva o selo direto do misterioso, do vazio, do trans­ cendente. Eduardo Chillida envolve e abre o livro Ciência penal y crimi­ nalogía com sua ímpar força e ternura, com um abraço ao delin­ qüente e um grito contra a injustiça. Quem sentir em suas veias o abutre da heroína compreenderá e consentirá este símbolo bipolar. Nele, Chillida “utiliza códigos que se podem rastrear e nos levam até a pré-história. Esses códigos são precisos e livres, estão basea­ dos na percepção e seus limites, assim como na razão da intuição e seus constantes conflitos”. “Nesta hora de urgente e vital renascimento coletivo, cultural e político, Néstor Basterretxea trabalha com o sentimento claro do poder testemunhai da arte, que é a ferramenta definidora de novas luzes e enriquecimento espiritual”, e em várias páginas do volume Estúdios vascos de criminologia mostra que, quando se fala por meio da própria vitimação (fala por meio de uma ferida na mão, o profeta que recria Néstor Basterretxea), quando um ex-viciado di­ aloga com outro “colega”, brotam a escuta e a sintonia que facili­ tam a desejada repersonalização. Andrés Nagel, nas capas de Presondegiak, Gazíeen Gaizkin/za Drogak e de Cuesiiones penales y criminológicas, desnuda o ho­ mem caído, tira-lhe a roupa da falsidade, dos ritos falsos e insigni­ ficantes da nossa sociedade atual; na solidão do vício, o homem exposto à intempérie, sem conseguir decifrar a caixa do enigma do mistério que leva nas mãos, porque, sobretudo, é o jovem que leva
  • 23. 24 Nova criminología à luz do direito penal e da vitimologia o mistério da vida, da dor e, inclusive, da morte, e é ele também que, com os braços cruzados, os olhos fechados e no silêncio, aju­ dado, talvez, pela sociedade, deve intuir, preparar e aprofundar o significado desse “além” que está dentro. Entre as apertadas e harmônicas pétalas do Egnzkilore que pintou Rafael Ruiz Balerdi, conseguiu-se recolher toda a energia do sol para proteger-nos da epidemia e da bruxaria do haxixe, da coca, do álcool, do craque, contra a crença das coisas mais precisas de que padece a juventude, “a droga não é causa, mas sim resultado de unia desconformidade (doença) profunda que afeta mais e mais a uma parte importante da juventude de todo o mundo”, como afirmou Regine, em Viena, no dia 17 de junho de 1987. Se a resposta ao problema social (e, portanto, problema espi­ ritual) da toxicomania deve ser global, logicamente há de se levar em consideração, também, a dimensão espiritual. Esta agíutinante estrutura, base de qualquer povo, integra-o e amortiza-o com seus conflitos - como testemunha a moderna antropologia (Julio Caro Baroja, Los fundamentos dei pensamiento antropológico moderno, Consejo Superior de Investigaciones Científicas, Madri, 1985). Seu aspecto negativo e, sobretudo, seu aspecto positivo devem ser levados em conta para responder às questões que aqui nos preocupam. Toda sociedade amadurece por meio de um agíutinante espi­ ritual, ainda que este, talvez, em muitas épocas, a prejudique. Não falo agora de uma religião concreta e, desde já, prescindo de todo o “dogmático” que possa dar-se nas religiões. Falo so­ mente do valor espiritual próprio (e transcendente) à pessoa, pres­ cindindo dos dogmas, porque destes, com freqüência, brotam fontes muito potentes de violações de direitos humanos: inquisição, guerra e religião, etc. Neste setor, o povo vasco (e outros povos da Espanha) tem tido algo peculiar para oferecer a outros povos, como eles o reco­ nhecem com freqüência: refiro-me aos místicos. Sem nenhum mé­ rito nosso, apesar de nossa culpabilidade e finidade, ontem e hoje pessoas místicas, como Inácio de Loyola, Angeles Sorazu, Francis­ co Javier, Juan de la Cruz, Teresa de Ávila, encontram acolhida em todos os países, suas obras se traduzem para os idiomas de qualquer ideologia, de qualquer pensamento, de qualquer postura política, porque contêm algo que leva à realidade básica do eu profundo, do
  • 24. Antonio Beristain 25 mais humano. A doutrina de nossos místicos, com seu silêncio so­ noro - estou recordando uma obra de Chi Ilida com sua vida es­ condida, com seu vazio (os apóstolos de Aránzazu), com seu integrar a morte na vida, com suas lágrimas, com seus êxtases e visões, com suas viagens (110 duplo sentido), com sua caridade ili­ mitada, comunica-nos (com força imponente) um sentido da vida, da dor e do gozo, um transpassar o horizonte que, se soubermos pô-lo ao alcance de todos e se soubermos senti-lo, tiraremos o solo onde se apóiam os pés do viciado e do traficante, e colocaremos em suas mãos um báculo com que se apoiar para andar e uma ferramenta para cravar nos cumes para subir e transcender, reco­ nhecendo a lição de Immanuel Kant (Die Reiigion innerhaib der Grenzen der blossen Vernunft - A religião dentro dos limites da mera razão): a especificidade e a irredutibilidade do campo da transcendência são indiscutíveis. Com satisfação, pode-se ler que —e por que - o Grupo Pompi- dou convida para alguma de suas reuniões um representante do Vaticano, pois a dimensão religiosa pode beneficiar a prevenção geral, e a especial, assim como a repersonalização do toxicômano e do narcotraficante. Religião e arte: novos horizontes e respostas Opinamos que durante a preparação e a realização da primeira conferência das Nações Unidas, celebrada em Viena em 1994, pres­ tou-se menos atenção à arte (ainda que se tenha preparado e difun­ dido o posier a que antes nos referimos) e à religião. Merecem aplausos algumas referências parciais e indiretas aos valores espirituais no documento de antecedentes 11° 5, de janeiro de 1987, que, ao tratar das “Atividades para as horas livres”, diz: devem-se conccbcr e iniciar atividades para que, como alternativas positivas às drogas, as realizem os grupos propensos a incorrer no uso in­ devido das drogas. Preparar program as que prom ovam estilos de vida salutar e livres de drogas e fazer participarem todos os segm entos da com unidade governam ental e não-governam ental
  • 25. 26 Nova criminologia à luz do direito penal e da vitimologia na integração plena dessas pessoas e atividades dentro do ambiente cultural. Participação ativa do social-counselling (referente à conscientização da com unidade), educação preventiva e ativi­ dades de proteção em nível da família, da escola, das instituições religiosas (m elhor se não são governam entais) e de organis­ m os encarregados de fazer cum prir a lei. Este mesmo grupo de trabalho reconheceu a necessidade de criar uma visão e um enfoque amplo da prevenção como solução prioritária para combater o uso indevido de drogas. Destacou tam­ bém a conveniência de que membros da sociedade (das instituições não-governamentais, não-piramidais) proclamem a necessidade de restabelecer a “dimensão espiritual” e a importância dos valores. Nesse sentido, Regine, a presidenta da Asociación S.O.S. Drug International, em Viena, em 17 de junho de 1994, disse: “O pro­ blema reside na capacidade de nossa sociedade para desenvolver os valores nos quais a juventude possa acreditar e aos quais deseja aderir”. Considero que quem opina que a dimensão espiritual do homem está hoje em descrédito não tem examinado devidamente os símbolos dos tempos. Muitos especialistas concordam em que a juventude está cada dia mais faminta de religiosidade, mas que os adultos não lhes damos, nem a oferecemos, nem cooperamos (cf. Croyanls en Hausse, em L'ActuaIité Religieuse, 15 de outubro de 1986). Parece patente, por outra parte, o perigo da sacralização desses temas, sobretudo quando se admitem posturas dogmáticas “reve­ ladas”, indiscutíveis, o qual, em criminologia, se considera equi­ vocado e criminógeno. Nessa linha, em 15 de janeiro de 1987, os professores Ferracuti e Bruno, na Reunião Científica da Comissão do Comitê Europeu da Direção-Geral de Emprego, Assistência So­ cial e Educação, que se celebrou em Luxemburgo, de 14 a 16 de janeiro de 1987 (o tema era “Abuso de cocaína, bases clínicas e programas de tratamento farmacológico”), nas conclusões lam entam (traduzo literalmente do italiano), com o possível, que problem as éticos c filosófico-religiosos, de não fácil solução, tenham contribuído para inibir todo intento serio de investiga­ ção a respeito da capacidade hedonística do homem.
  • 26. Antonio Beristain 27 Não poucos coincidem com estes autores. Preconceitos éticos e filosófico-religiosos foram obstáculos que detiveram —e ainda detêm, embora menos —a nave da cultura, da investigação, da ci­ ência e da capacidade hedonística do homem. Atinadamente, Don José Miguel de Barandiarán destaca outro perigo (no que tem caído parte do povo vasco) ao interpretar o Evangelho com excessiva coloração política e com excessivo dogmatismo e fanatismo. Oxalá atinemos e colaboremos todos para a necessária dessacra- lização da idolátrica sociedade e da justiça, oxalá tiremos (pondo uin dado simbólico concreto) os crucifixos dos palácios de justiça. Mas, oxalá também, atinemos (abramos os olhos e manchemos as mãos) para conseguir a oportuna ressacralizaçao espiritual, não-confessional, ecumênica, da nossa sociedade e da nossa justi­ ça. Maveremos de colocar pedras similares na casa onde devemos morar, trabalhar, descansar, dormir, sonhar, comer e beber fraternal e gozosamente tudo. Nestes dois aspectos —religião e arte —, partindo do nosso povo, podemos brindar o Conselho da Europa e talvez a todos os países com algo - não muito - que contribua para abrir novos hori­ zontes de melhor qualidade de vida, com menor abuso e tráfico de drogas. Fora de nossas fronteiras, conhecem-se e apreciam-se, de maneira peculiar, os artistas e os místicos vascos. Por intermédio deles, permitimo-nos oferecer novas respostas pessoais e humanas ao holocausto do vício.
  • 27. Capítulo 2 Trabalhadores voluntários no mundo de hoje e de amanhã (as regras mínimas de sanções carcerárias e não-carcerárias) O homem perfeito é aquele que é mais útil aos demais. Corão Os voluntários estruturadores da pessoa c da sociedade Considerando que o objetivo do Conselho da Europa - como se reconhece na Recomendação nBR(85) do Comitê de Ministros do Conselho da Europa aos Estados-membros sobre o trabalho voluntário em atividades de bem-estar social - é o de realizar uma união mais estreita entre seus membros, a fim de, singularmente, favorecer seu progresso social, seu Comitê de Ministros estima que c conveniente promover e desenvolver ações voluntárias a serviço da comunidade e reconhecer a necessidade de lixar algumas regras para o exercício de tais ações, sem privá-las de seu caráter espon­ tâneo, e recomenda aos Estados-membros que reconheçam o papel, as características e o valor do trabalho voluntário realizado, de ma­ neira desinteressada, por pessoas que, por sua própria vontade,
  • 28. 30 Nova criminologia à luz do direito penal e da vitimologia participam na ação social e que tomam medidas apropriadas a fim de definir e melhorar as modalidades de realização de tal trabalho.1 Diante da variedade e da complexidade - inclusive do parado­ xo - dos processos históricos supranacionais, temos de reconhecer que a estratégia empresarial e econômica de nossas sociedades oci­ dentais - e das não-ocidentais - pode incidir, e incide positiva e/ou negativamente, no desenvolvimento, na mudança social. Temos de reconhecer o perigo de que essas técnicas empresariais e econômi­ cas avoquem o capitalismo e o neocapitalismo extremos; assim como temos de admitir o perigo de que alguns anátemas contra a economia de mercado conduzam à ditadura e à miséria...(como o patentizam movimentos de abertura atuais nos países do Leste eu­ ropeu. Para que não caiamos nesses perigos, é necessária a existên­ cia de atitudes e estruturas sociais humanitárias, de instituições não-governamentais, como a do voluntariado, que freiem os abusos inerentes aos poderes políticos, econômicos e, inclusive, culturais e religiosos. Esses freios podem ser uma das funções do voluntaria­ do. Ele pode e deve atuar contra os abusos do poder e, simultanea­ mente, promover o desenvolvimento social-humanitário. Pode ser um eficaz modelo cultural inovador e favorável à mudança social progressiva. Como escreveu Meurant, “certos grupos de voluntários questionam a estrutura e, inclusive, o lundamento da sociedade”. O voluntariado pode ser, em última instância, um reparador dos fundos residuais, dos buracos negros do capitalismo e das ditaduras da Nomejiclatura (não nos esqueçamos do arquipélago de Gulag e que dentro deste gênero brotam diversas espécies). O voluntariado pode apresentar seus grãos de areia para muitas construções fomentadoras do progresso humanitário. Também para romper e superar a excessiva e consolidada estratificação social, contra a qual se levantam as vozes de Karl Marx, Max Weber, 1 Cf. Conselho da Europa. Recomendação n“ R (85), do Comitê de Ministros aos Estados-membros. sobre o trabalho voluntário em atividades de bem-estar social. 2 Cf. F. de Ia Sierra, Los dircctores de las grandes empresas espanolas ante e! cambio social, Madri, CIS, J981. 3 Jacques Meurant, El servicio voluntário de la Crtiz Roja en Ia sociedad de hoy, Cruz Vermelha Espanhola, Madri, 1986, p. 21 ss.; Cruz Vermelha Espanhola, Departamento de Voluntariado, Conferência Nacional sobre Voluntariado, Se- vilha, 8-10 de maio 1986, 110 p.
  • 29. Antonio Beristain 31 Talcott Parsons, etc. Pode introduzir em seu tronco uma cunha de mobilidade social (facilidade de passos de um estrato social a outro) e uma cunha de superação do acesso diferencial (isto é, privilegiado e desproporcionado à dignidade comum de todas as pessoas) e fo­ mentar a igualdade de oportunidades. Assim, pode propugnar con­ tra a acumulação de desigualdades institucionalizadas. Quando falamos do voluntariado como estruturacior da pessoa e da sociedade, empregamos esta palavra (estruturador) no sentido técnico, mais amplo e, quiçá, ambíguo, à luz das modernas e diver­ sas doutrinas sociológicas do estruturalismo. Talcott Parsons, em sua obra PolHics and social stmcture (Nova York, The Free Press, 1969), faz alusão a processos de implicação relacionai, realmente observáveis, subjacentes (mas observáveis) aos fenômenos sociais, que têm caráter (rasgos) de composição e de permanência, com incidência nos comportamentos, inclusive nos criminosos. Da diversa, ainda que parecida, perspec­ tiva, à luz das obras de Gurtvich, Merton e outros, referimo-nos a um conjunto estabilizado de interações sociais. Como declarei, em Buenos Aires, em meus Diálogos com Elias Neuman: Convém confiar a solução de certas situações a serviços não- judiciais. Existem países de direito consuetudinário e outros so ­ cialistas que proporcionam , abundantem ente, exem plos desta técnica profundam ente arraigada na tradição popular. O País Vasco e a Catalunha dispõem de usos e costum es com rico conteúdo “privatista” , isto é, onde a atuação de pessoas não- públicas chega a cotas altas e beneficiosas. Os antecedentes niultisseculares da H erm andad e do Apellido vascos e do So- m atén catalán estão por ser estudados.4 A relativa privatização do sistema penal, propugnada nestas páginas, encontra, também, argumentos em seu favor, ao constatar o aumento das empresas privadas de segurança e/ou empresas de polícia privada em alguns países, por exemplo nos EUA. Diante da estruturação da sociedade competitiva, capitalista, que confere caráter básico (estrutural) aos binômios “dar para re- A. Beristain, E. Neuman, Criminología y dignidad humana (Diálogos), Buenos Aires, Depalma, 1989, p. 119 s. 4
  • 30. 32 Nova criminologia à luz do direito penal e da vitimologia ceber”, “oferecer para esperar”, etc. (recordemos algumas leituras das vantagens criadas, de Jacinto Benavente), o voluntariado tece a estrutura social da gratuidade e brinda outra da frugalidade e tes­ temunha também outra da austeridade, sem perda do lúdico/ Nosso voluntariado elabora um tecido gratuito das pessoas e das sociedades, consciente de que o efetivo é o afetivo, e que a for­ ça do amor supera a do ódio. Consciente de que a paz, da qual tanto se fala, é algo mais e distinto que a ausência de guerra, se­ gundo vêm propugnando pessoas como Gandhi (e muito antes Só­ crates e Jesus Cristo) e instituições internacionais, como a Anistia Internacional, a Assembléia Ecumênica em Basiléia (maio 1989), etc. Esta paz se logrará quando - e não antes que - a maioria dos cidadãos atuar por motivações mais altruístas, quando aumentarem, notavelmente, o número e a qualidade dos voluntários. Outro ponto concreto: a lentidão da administração de justiça, que foi estudada e universalmente lamentada na XXI Conférence de Recherches Criminologiques, em Estrasburgo, no final de no­ vembro de 1989, não poderá ser superada até que um número alto de voluntários trabalhe na administração de justiça, com a paralela modificação estrutural desta/’ O voluntário, como toda pessoa que trabalha nas instituições judiciais - mais especialmente ele, por seu altruísmo - , deve saber que o delito “é resultado de um extenso processo de marginaliza- ção de muito difícil detecção”7 e que exige outro extenso processo de acompanhamento respeitoso, mais do que reincorporador. Não se nega a liberdade jurídica, mas sim evita-se o simplismo do “di­ reito penal medieval em sua cosmovisão infantil da liberdade e da 5 Constituição pastoral do Concilio Vaticano II sobre a Igreja no mundo atual, Gaudium et Spes, nü 64 ss., Roma, 7 de dezembro de 1956. Enrique Ruiz Vadillo. “La crisis dei Deredio y el recurso de casación penal”, em Varios, Estúdios de Derecho p enaiy criminologia (em homenagem ao prof. José Maria Rodríguez Devesa), Universidad Nacional de Educación a Distan­ cia, Madri, 1989, p. 249 s., p. 266, p. 260: “A situação atual é gravemente injusta e intolerável. Entre todos, com objetivos elevados, haveremos de buscar soluções práticas que garantam plenamente a justiça. O que não é nem mini­ mamente aceitável é seguir assim: uma justiça penal defasada no tempo é unia injustiça”. 7 Raul Pena Cabrera, “Pena y Estado capitalista”,...p. 57.
  • 31. Antonio Beristain 33 culpa”, e corrige-se a miscelânea primitiva, submissa e heterônoma com a moral. Exemplos de voluntários na Europa e na América Falemos agora de certas associações de voluntários, na Europa e na América Latina, que pretendem colaborar com esse tecido es­ trutural da gratuidade, com essa privatização e melhora da justiça penal e com esse desenvolvimento dos direitos humanos. José Luis L. Aranguren, em suas recentes publicações,8 insiste na necessidade de intensificar os movimentos comunitários e asso- ciacionistas (ressaltando a diversidade entre ambos) em todos os campos da convivência. Não se refere, obviamente, às associações de gente de vida irregular, que em outros momentos tanto interes­ sam aos criminólogos.J Atualmente, no final do século XX, o voluntariado (sobretudo o juvenil), como instituição nova em muitos sentidos (apesar de seus antecedentes multisseculares), apresenta resultados positivos - e cada dia mais - a todos os setores da sociedade, também aos jovens em gerai, e não somente aos marginalizados. Os setores marginalizados beneficiam-se da assistência que lhes prestam os voluntários. E, simultaneamente, os trabalhadores voluntários (em particular os juvenis) beneficiam-se duplamente: porque se dão aos marginalizados e porque recebem dos mesmos marginalizados. Esse movimento do voluntariado (especialmente o juvenil) en­ contra ampla acolhida em diversos ambientes, sobretudo em alguns países estrangeiros. Merecem ser citadas, estudadas e imitadas muitas associações e comunidades de voluntários mais além de nossas fronteiras, e também várias instituições jesuíticas de voluntários que vão se es­ tendendo por não poucas cidades do mundo. José Lu is L. Aranguren, “Elica y comunidades adultas”, Etica de la felicidad y otros lenguajes, Madri, Tecnos, 1988, p. 133 ss. y Julio Caro Baroja, Realidad y fantasia eu ei mundo criminai. Consejo Superior de Jnvestigaciones Científicas. Madri, 1986, p. 45 ss.
  • 32. 34 Nova criminología à luz do direito penal e da vitimologia Na Europa, a Jesuit European Volunteers, que reúne um gran­ de número de jovens, apóia-se nas quatro coordenadas seguintes: 1) Compromisso com ajustiça. Compromisso e opção, como Jesus, compromisso e opção pelos pobres à luz do Concilio Vaticano II, das publicações de Medelim e de Puebla. Compromisso que exige algo mais que pura teoria; que exige conhecer e mudar o mundo, como indicou Marx em sua tese de número onze, e muito antes Jesus Cristo. Desenvolvimento da semente conhecida já no livro do Gênesis, quando Jeová pede que o homem domine todo o mundo. Este compromisso inclui um conhecimento e uma atuação político- social nas estruturas. 2) Espiritualidade. A relação profunda e existencial entre os ho­ mens e do homem consigo mesmo é fonte e efeito da relaçãoV sobrenatural com Deus. A luz do Evangelho, os voluntários je- suíticos europeus procuram encontrar Deus em todas as coisas e todas as coisas em Deus, como celebra a Bibiia. Cultivam a li­ turgia e a contemplação pessoal. 3) Comunidade. Mais que em associação, estes jovens pretendem viver em comunidade. Comunidade que inclui uma diversidade, uma variedade. Uma unidade radical apoiada nos direitos huma­ nos e na mensagem evangélica, a qual supõe uma ocasião e uma missão. Ocasião de complementar-se mutuamente, e missão de respeitar e desenvolver o direito de ser diferente para conseguir a unidade que harmoniza o mistério trinitário. 4) Vida simples. É fundamental nos grupos dos JEV optar por uma alternativa contra a sociedade de consumo que predomina em muitos campos da humanidade atual. Tomando consciência da situação no Terceiro Mundo e do conflito Norte-Sul, esses voluntá­ rios comprometem-se a desenvolver a cultura da simplicidade e da sobriedade e descobrir a felicidade que se encontra melhor no dar que no receber e a solidariedade com os marginalizados e os pobres. Vários grupos de voluntários austríacos trabalham em Viena e em outras cidades próximas. Na Alemanha, há uma dúzia de grupos. Também encontramos voluntários na América do Norte e do Sul. Por exemplo, nos EUA, o Jesuit Volunteer Corps (JVC) de­ nomina-se um importante movimento de leigos dirigido pelos
  • 33. Antonio Beristain 35 jesuítas. Esse movimento nasceu 110 ano 1956, promovido por Kack Morris. S. J., 110 Alasca, e atualmente conta com muitos gru­ pos de voluntários que vivem em pequenas comunidades. Grupos de seis a dez jovens, que se comprometem a viver um ou dois anos trabalhando em favor dos marginalizados, sem nenhum ganho. Em novembro de 1983, na Universidade de Georgetown, de Washington, nasceu outra organização similar: Jesuit International Volunteers (JIV). Na América de língua espanhola, também existe voluntariado jesuítico. Assim, o superior geral, Peter-Hans Kolvenbach, quando visitou El Salvador, de 29 de fevereiro a 5 de março de 1988, falou desses Voluntários do Serviço Jesuíta aos cristãos do Refúgio San José em Calle Real. Perfil do trabalhador voluntário penitenciário Recentemente, descreveu-se o voluntário penitenciário como a pessoa especialmente sensibilizada e formada, associada livre­ mente, que colabora altruisticamente respeitando e potenciando o assistido, e sendo consciente de que seu trabalho lhe enriquece não menos que ao interno na instituição penitenciária.10 Aqui acrescento algumas considerações a respeito da obriga­ ção de que o cárcere cumpra sua missão ressoeializadora e a im­ prescindível colaboração do voluntário devidamente instruído e formado. Resta dizer que a este se deve considerar dentro do pes­ soal penitenciário como um a mais, porém muito diferente. As “Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento dos De­ tentos” (de 1955), como a Ensemble des règles minimes poitr le traiíemení des déleiuts do Conselho da Europa (de 1973), acerta- 10 Cf. A. Beristain, “Voluntários y/o benévolos en favor de los presos y en contra de nuestras cárceles”, Revista cie Estúdios Penitenciários, nL>239, 1988, p. 17; idem, “Relaciones enlre los privados de libertad y el mundo exterior (El volun­ tariado)”, Eguzkiiore. Cuaderno dei Instituto Vasco de Criminologia, número extra, San Sebastián, 1988, p. 29 ss.; idem, Crimen y castigo. Crislianos ante la justicia penal aciuai (vídeo produzido por Audiprol, 28006 Madri, Maldonado l-A-1989).
  • 34. 36 Nova criminología à luz do direito penal e da vitimologia damente falam dele quando se referem ao pessoal penitenciário." Todo legislador - também o espanhol - deve tê-lo em conta ao atua­ lizar a legislação penitenciária. As regras penitenciárias européias do Conselho da Europa do ano de 1987, em sua Regra 57. 2, que trata do pessoal penitenciário, nos dizem que este pessoal deve normalmente estar assentado sobre uma base permanente, mas também se podem convocar au- xiliares em tempo parcial ou voluntários, no caso de necessidade, quando sua participação seja considerada oportuna. Ainda que seja muito difícil,12o Estado necessita ressocializar o interno nas instituições penitenciárias. Manilesta-o claramente o art. 25 da Constituição Espanhola. E, também, Pena Cabrera o re­ conhece quando assinala que: afirm a-se c postula-se nas constituições e nas leis penais que as sanções e as medidas dc segurança estão orientadas para a res- socialização e a reinserção social. Seria absurdo recusar que essa proposta tenha realmente representado um progresso. Re­ jeitando-se a pena com o expiação e retribuição, não há dúvida dc que se tem avançado. Dessa maneira, o Estado não é o Levi- alã onipotente e indiscutível, nem a pena é o rem édio a todos os males que se pretende condenar. O im portante é que detrás des­ sa desm istificação do Estado as penas abrem cam inhos dc d e­ bate e de crítica.13 Para que o Estado consiga este fim repersonalizador, necessita do voluntário, necessita de pessoas que ajudem a “apresentar dife­ 11 Regras Mínimas da ONU, na 49. 2; “Ensemble Conseil de PEurope, regra 49.2; e de especial interesse as Regras 128 a 135, dos “Minimum standard guidelines for corrections in Auslralia and New Zealand”, 1987, em International Pena! and Penitentiary Foundation, The elaboraiion o f standard inininuini rides fo r non-institucioiial treatment, Bonn, 1989, p. 154-167, cf. Anexo I. 12 Miguel He má ndez, quando recebe a notícia de que seu filho já aprendeu a an­ dar, lhe escreve da prisão: “Manolito de mi alma... Puesto que ya andas, ven aqui conmigo y aprenderás a ser hombre en la cárcel, donde tantos hombres de­ saprendeu”. em Josefina Manresa. Recuerdos da la vinda de Sfignel ílernández, Madri, Ediciones de la Torre, 1980, p. 129. Raúl Pena Cabrera, “Pena y Estado capitalista”, Libro Homenaje a Alfonso Reyes Echandia, Bogotá, Temis, 1987, p. 309. 13
  • 35. Antonio Beristain 37 rentes alternativas para a solução tios conflitos propriamente indi­ viduais e os sociais” que implicam a maior parte dos delitos.14 Não esqueçamos a obrigação do Estado democrático de pro­ porcionar a participação dos cidadãos nas decisões gerais do Esta­ do e, portanto, na política criminal e 11a política penitenciária, pois, como se indica 110 livro Estado mundial da infância, do Fundo das Nações Unidas para a Infância, do ano de 1989: Até a data, a experiência dos program as de desenvolvim en­ to...indica que existe uma diferença absolutam ente crucial entre o tipo de ajuda que capacita e prom ove a participação e a ajuda cjuc aliena a confiança e cria dependência. O êxito ou o fracasso de qualquer atividade de desenvolvim ento, 110 geral, dependerá de cm que lado desta linha divisória., às vezes tênue, se situe a ajuda em questão.15 Pena Cabrera insiste que “a potestade punitiva deve andar de mãos dadas com o humanitarismo”.16 Para alcançar essa meta, re­ sulta indispensável a colaboração dos voluntários antes, durante e depois do internamento dos delinqüentes, isto é, na tarefa preventi­ va, 11a ressocializadora penitenciária e na crítica das estruturas so­ ciais injustas. Dito com outras palavras, na luta pacífica contra a macrovitimação carcerária, no empenho constante por uma justiça penal (destacando a justiça versus o penal). A nossos voluntários compete trabalhar, se possível em equipe,17 para cooperar de “fora” (da esfera privada, não-estatal), para elaborar e levar a cabo diversas tarefas que podem consistir em assessorar, controlar, avaliar, etc. o que se passa nas instituições penitenciárias, antes que 0 marginalizado ingresse na instituição penitenciária. Também, e sobretudo, durante o tempo do internamento para lograr, na medida do possível, múltiplas metas: a ressocialização do interno, 14 ibidem. p. 310. Fundo cias Nações Unidas para a Infância, Estado mundia! da infância, 1989, p. 57. Raúl Pena Cabrera, “Pena y Estado capitalista”,.- p- 311. Alfonso Paslore, Pastoral carcerária e você. Experiências, estudos e perguntas de um trabalho com presos. Aparecida (Brasil), Ed. Santuário, 1986, p. 18 ss.; Joaquín Gimenez, “E! juez y la cárcel”, Eguskilore, Cuaderno dei Instituto Vas­ co de Criminologia, n- extra, San Sebaslián, 1988, p. 71.
  • 36. 38 Nova criminologia à luz do direito penal e da vitimologia os impedimentos aos profissionais funcionários de instituições pe­ nitenciárias de excessivas deformações profissionais, etc., etc. E, não menos, corresponde aos voluntários, durante esse tem­ po, estar próximo dos familiares dos internos para possibilitar, par­ tindo do seu lar, essa desejada e difícil recuperação do delinqüente. Fazer-lhe ver e perceber, compreender e sentir que, como já afir­ mou Platão, em seu diálogo mais moderno, mais do homem de 18 • hoje, o Górgias, “o melhor gênero de vida consiste em viver e morrer praticando a justiça e todas as demais virtudes”. Conseguir essa tão problemática e difícil recuperação do de­ linqüente exige, antes de tudo, uma mais justa e humana estrutura­ ção do trabalho penitenciário, como indica José Lu is da Costa.19 Também lhes cabe conhecer e difundir “que a pena privativa de liberdade assinala uma espécie de justiça seletiva, visto que em todo o mundo cai nela, preferentemente, quem pertence aos setores sociais mais desfavorecidos” e que os novos progressos criminoló- gico-vitimológicos e os novos sentimentos humanitários superem as teses retribucionistas e consigam sobrepujar o freqüente instinto de buscar um “bode expiatório” para levá-lo ao cárcere/" A sensibilidade feminina (como indicamos em outro lugar)-1 capacita, de uma maneira especial, a mulher para atuar como bálsamo nas feridas de todas as pessoas presas e de seus familiares. A história nos mostra a ação eficaz de muitas dessas mulheres vo­ luntárias - pessoas como a religiosa Magdalena de São Gerônimo, Concepción Arenal e Victoria Kent, na Espanha, e Mary Bell Harris, nos Estados Unidos, para só citar algumas. Convém insistir que ao voluntariado feminino competem tare­ fas, em certos casos mais urgentes e mais peculiares —e, desde logo, mais profundas - que aos homens. Referimo-nos, particular- 18 Platão, Górgias, 527 e. 19 José Lu is de la Cuesta. Ei trabajo penitenciário resociolizador. Teoria y Regu- lación TosUiva, San Sebastián, Caixa de Ahorros Provincial de Guipúzcoa, 1984. p. 403 ss. Raúl Zaffaroni. “Tratado c!e derecho penal”, torno V, Buenos Aires. 1983. p. 123; Raúl Pena Cabrera. “Pena v Estado capitalista”,... p. 311. Cf. Anlonio Beristain, “ La mujer víctima y proctetora en la cárcel”, em A. Be­ ristain, J. L. de la Cuesta (compiladores). Cárcel de mujeres. Ayer y hoy de la mujer deiincuente y víctima, Bilbao, Mensajero, 1989, p. 159 ss.
  • 37. Antonio Beristain 39 mente, à atenção e à assistência aos menores inocentes, mas “con­ denados” e internados durante anos e anos (na Espanha, até os seis anos, e em outros países, inclusive, até mais tarde).22 Alguns especialistas das religiões e das etnias primitivas, por exemplo Mircca Eliade e José Miguel de Barandiaráu, descrevem os mitos da Deusa Mãe sentada na entrada da caverna com um es­ pelho e penteando sua longa cabeleira. Com esse espelho, entram também mulheres voluntárias 110 cárcere para ensinar a quem sofre ali, dentro das celas, o que Sonia ensina a Raskolnikoff, o protago­ nista de Crime e castigo: “És delinqüente, sim, mas podes estabe­ lecer o diálogo eu e tu, podes ver-te em meu espelho com todo meu apreço. Podes nascer de novo”. O espelho 11a mão da mulher voluntária mostra ao delinqüente (se é cristão) sua identificação com Jesus, porque alguém lhe de­ volve uma vida nova. A mulher, não menos a voluntária, sempre pode ser mãe. Também dos presos. No âmbito propriamente religioso, 0 voluntário pode ajudar o interno. Também pode aprender com ele, pois, entre os internos, não faltam - hoje como ontem ~ pessoas que encontram Deus com profunda experiência de gozo e exultação. Algo assim recorda Cario Maria Martini, cardeal de Milão, em 23 seu livro Palavras sobre a Igreja, quando escreve: E recordem os tam bém a Paulo, colocado 110 fundo de uma pri­ são. Ferido, com chagas e acorrentado, até a meia-noite. Paulo e Silas estavam em oração cantando hinos a Deus (Atos dos A póstolos 16, 25). Esla plenitude de consolo em meio ao sofri­ m ento se experim enta lambem, hoje, sob formas que às vezes parecem milagres e que revelam a presença do Espírito Santo, sem pre pronto a confortar c santificar seu povo. Seria fácil ap re­ sentar exem plos que conheci no cárcere, nas prisões. 2^ “ Cf. E. Gimenez-Salinas. “Condena o privilegio?”, em J. L. de la Cuesta, I. Den- daluze, E. Echeburua (compiladores), Criminología y derecho penal al servicio de la persona. Livro em homenagem ao professor Antonio Beristain, San Se- bastián. Instituto Vasco de-Criminologia. 1989. p. 1.153 ss.: Ms L. Lima, Cri- minalidad femenina (teorias v reacción social). México. Ed. Porrúa. 1988. Cf. Cario M' Martini, Pa/abras sobre la Iglesia. Puehlo de Dios para la vida deI mundo, Santander. Sal Terrae. 1988, p. 106 ss. 2^
  • 38. 40 Nova criminología à luz do direito penal e da vitimologia Como detalham Pierre Raphael e a irmã franciscana Bernade- tte, capelã da prisão de Rikers Island, em Nova York: “Os voluntá­ rios influem muito nas questões religiosas”.24 Também diversos internos americanos de língua espanhola testemunham a vida pu- jante religiosa dentro do cárcere." Com sobra de razão, as Regras penitenciárias européias 46 e 47 (do ano 1987) recordam o direito dos internos à sua vida reli­ giosa, às suas crenças. Mas não esqueçamos as atinadas e “bené­ volas” considerações de Nils Christie, quando escreve: Claro eslá que, ao abrir-se para a im portância das crenças, tam ­ bém se está abrindo às crenças que dem andam dor. O Palácio da Inquisição cm Cartagena é um edifício muito bonito, onde vive­ ram com dignidade e com odidade benévolos sacerdotes, com a câm ara dc torturas som ente a um piso mais abaixo. E uso aqui a palavra benévolo sem nenhum a ironia. Estou convencido de que entre eles havia pessoas justas e boas que acreditavam em Deus, c que resgatavam as pobres almas. Para os inquisidores, o infer­ no era uma realidade, e repartiam a dor com um propósito pre- 26 venhvo. Nos cárceres, a religião pode e deve ser não o ópio do povo. e sim a fonte de uma critica não desesperada que, como o Evange­ lho, simultaneamente com a crítica, comunica a força para que o criticado atue melhor. Por desgraça, múltiplos casos concretos patentizam que as instituições penitenciárias em muitos países (quiçá em todos) vio­ lam direitos humanos fundamentais. Mas, afortunadamente, não faltam vozes religiosas que se atrevem, “voluntariamente”, a criti- 24 Cf. Pierre Raphael. com a colaboração de Menri Tincq. Dans I 'enfer de Rikers Island. Un prêire français dans la plus grande prision des Etats-Unis, Paris, Cenlurion, 1988, p. 103 ss.; Adolfo Bachelet, S. J. “La preghiera nelle carceri”, Oración y Servicio, nü 4, Roma, 1989, p. 61 ss. 25 Pierre Raphael, com a colaboração de Henri Tincq, Dans ien fer de Rikers Is- land..., p. 119 ss. 26 Nils Christie, Los limites dei dolur, trad. Mariluz Caso, México, Ed. Fondo de Cultura Econômica, 1984, p. 123 s.
  • 39. Antonio Beristain 41 cá-las. Basta recordar um exemplo: o cardeal Wyszynski, em seu Diário de la cárcel,27 no dia 18 de fevereiro de 1955, escreve: O com andante - Padre, nos lhe traiam os com am abilidade. Q uanto à correspondência, olhe, m elhor é que seja lida que proibida. Eu - Dispenso seus bons modos. Pode-se fazer muito mal com toda am abilidade. 12 os senhores me vêm m altratando há um ano c meio. Não com partilho da sua opinião a respeito de minha correspondência. Por isso, escrevo raras vezes a meu pai, para evitar-lhe o mal de que leiam m inhas carlas e fiquem com elas. Com o m e explica o senhor, vam os ver, este tipo de inter­ vencionism o, jamais usado com outros prisioneiros?... Os se­ nhores são os que têm organizado o boicote contra minha correspondência, a tal ponto que, de outubro de 1953 a abril de 1954, não recebi nenhum a caria. Nem sequer a felicitação de Natal. Não se cham a a isto violação dos direitos hum anos? Muitíssimos são os presos que recordam como tal ou qual sa­ cerdote lhes ajudou durante sua detenção, e como se atreveram a criticar os abusos de autoridade. A viúva de Miguel Hernández recorda a ajuda dos sacerdotes: Don Monserrate Abad Huertas, vigário de Cox, graças a quem pôde falar três vezes em comunica­ ção extraordinária com Miguel, no cárcere de Alicante.28 Também recorda o vigário anterior, Don Manuel Serna, que disse às novas autoridades que, se não tirassem os presos, sairia dali. Depois de três ou quatro meses, saiu desprezando-os, pois lhe doía e não achava justo que estivessem no cárcere lio- 27 Stefan Wyszynski, Diário de la cárcel, trad. José Luís Ixgaza, Madri, Bibliote­ ca de Autores Cristãos, 1984, p. 163. Josefina Manresa, Recuerdos de la vinda de Miguel Hernández, Madri, Ed. de la Torre, 1980, p. 139. Também podemos recordar Francisco de Quevedo. que três séculos antes agradece aos jesuítas o muito tjue lhe ajudaram durante sua prisão em San Marcos de León, como indica a atual reilora da Universidade de Sorbonne, Michèle Gendreau-Massaloux, Heritage et creation: recherches stir riiiimanisme de Ouevedo, Paris, 1977, p. 36 j ss.
  • 40. 42 Nova criminología à luz do direito penal e da vitimologia niens que lhe haviam salvado a vida, tanto a dele com o a de 29 outros do povoado. Não esqueçamos que uma alta porcentagem (mais de 50%) dos cidadãos encontra apoio na religião, como constatam os estudos socioiogicos. O voluntariado penitenciário como direito e como serviço O voluntariado é mais que, e diferente de, uma profissão socioassistencial. O voluntário distingue-se em mil facetas do tra­ balhador social. Pode-se considerá-lo como um recurso social e, sobretudo, como um direito e também um serviço muito diferentes ^1 em países desenvolvidos do que em países em desenvolvimento. Como “recurso”, todos podemos recorrer ao voluntariado. Concretamente, ao voluntário, no âmbito prisional, recorrem os internos, suas famílias, seus amigos, os companheiros funcionários penitenciários e, não menos, qualquer cidadão ou instituição que se ocupe e/ou se preocupe com o mundo carcerário, sobretudo com sua humanização e democratização. Também nós, que nos ocupamos e nos preocupamos em con- seguir sua maior privatização. A luz do art. 1, 1, da Constituição Espanhola, que desenha um modelo de Estado democrático, deve­ mos reservar um papel importante ao indivíduo e às associações dos cidadãos em todos os campos, também no da justiça penal, isto 2l) Ibidem, p. 113. Podem-se ler também as diversas manifestações orais e escritas dos pontífices romanos Pio XII, “Mensaje a los encarcelados de todo e! mun­ do”, Ecclesia, n° 548, 1952; Paulo VI, “Alocución en la cárcel ‘Regina Coeli’ de Roma”, Ecclesia, n~ 1.188, 1964; João Paulo II. “Encuentro con los presos”. Ecclesia, na 2.156, 1983; João Paulo II, “Mensaje radiado a los presos de Fran- cia”, L 'OsseiTatore Romano, 19 de outubro 1986, p. 4 (664). Jan Kerkhofs, “Cambio de valores en Europa?”, em Varios, Jíonibrey religión, Universidad de Deusto (centenário), Bilbao, 1988, p. 32. Segundo estatísticas, quanto mais avançada a idade das pessoas, maior é o seu apoio à religião. Pierre-Henri Bolle, “General Report”, em International Penal and Penilentiary Foundation, The elaboraiion o f standard minimum ruies fo r non-institudonal treatment, Bonn, 1989, p. 186. 31
  • 41. Antonio Beristain 43 é, devemos abrir as portas a uma democrática privatização da justi­ ça penal. Como “direito”, todo cidadão (individual ou coletivamente) tem direito a colaborar e/ou participar, livre e eficazmente, no desenvolvimento político, social, econômico, cultural e espiritual dos concidadãos, com base no que se diz na Constituição Espa­ nhola, art. 9. 2 e 48, e na Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, arts. 20 e 27: Artigo 9. 2. Compete aos poderes públicos promover as condi­ ções para que a liberdade e a igualdade do indivíduo e dos grupos em que se Íntegra sejam reais e efetivas; remover os obstáculos que impeçam ou dificultem sua plenitude e facilitem a participação de todos os cidadãos na vida política, econômica, cultural e social. Artigo 48. Os poderes públicos propiciarão as condições para a participação livre e eficaz da juventude no desenvolvimento po­ lítico, social, econômico e cultural. Artigo 20.1. Toda pessoa tem direito à liberdade de reunião e de associação pacíficas. Artigo 27.1. Toda pessoa tem direito a tomar parte livremente na vida cultural da comunidade, a gozar das artes e a participar 110 progresso científico e nos benefícios que dele resultem. O poder político tem o dever de regulamentar esse direito de todos os cidadãos ao trabalho voluntário para coordená-lo com os demais direitos e deveres. Em muitos países existem normas con­ cretas, mais ou menos setoriais. Por exemplo, a Cruz Vermelha na Espanha, a partir dos anos setenta, tem descrito com nitidez seu voluntariado. Para nós e para tantos especialistas, a desejada formulação legal da figura do voluntariado na normativa penitenciária pode servir de orientação, apesar de suas limitações, à Lei italiana de 26 de julho de 1975; especificamente, seu artigo 78, que trata dos assistentes voluntários, e também diversos artigos do Regulamento de execu­ ção desta Lei 354; sobretudo, os artigos 4, 63, 103 e, mais especi­ almente, 0 107. Este último reconhece que a autorização que proclama o artigo 78 da lei se concederá àqueles que demonstrem interesse e sensibilidade em relação à condição humana dos priva­ dos de liberdade e que dêem prova de capacidade concreta na as­ sistência a pessoas necessitadas.
  • 42. 44 Nova criminologia à luz do direito penal e da vitimologia Em certo sentido, Platão pode ajudar-nos a entender como os voluntários servem, acompanham e animam o marginalizado, não lhe oferecem resistência, senão que cedem a seu movimento. Pla­ tão, no único diálogo que trata da linguagem como problema, o Crátilo, explica o nome “voluntário”: hekoúsion como “o que cede” (o eikon) e não oferece resistência. “Como digo, estaria re­ presentado por este nome, que está em conformidade com a ‘von­ tade’ (boulé), ‘o que cede ao movimento’ (o eikon lôi iónti)”.32 Ao voluntariado como “serviço” competem missões próprias e de suplência para cobrir as lacunas dos diversos poderes e das diversas instituições. Mas não somente missões de suplência. A luz do princípio geral (ainda que às vezes esquecido) de subsidiariedade, às instituições políticas, econômicas, sociais, religiosas, etc., não lhes é permitido “cortar” os campos do voluntariado, nem expulsar deles quem leva a cabo suas tarefas próprias e específicas. Parece desacertada a postura do Conselho da Europa, em sua Resolução sobre as associações sem fins lucrativos na Comunidade Européia, de 13 de março de 1987, quando afirma: Considerando a amplitude do m ovim ento associativo no seio da Com unidade, o apoio constante que recebe por parte dos cida­ dãos cm todos os Estados, o importante serviço que as associa­ ções prestam à Com unidade, servem, com eficácia, ao interesse geral, de forma com plem entaria à ação dos Estados. Em nossa opinião, o voluntariado não é somente uma forma complementaria. Quiçá, ao contrário, seja complementaria a ação dos Estados. Acerta o Concilio Vaticano H33 quando reconhece e pede que se reconheça, se respeite e se promova o direito de todos os cidadãos a participar na vida pública, e quando exige que se res­ peite, como um direito peculiar, como uma parcela própria da ação da Igreja, a assistência aos mais necessitados (por meio de seu vo­ luntariado). Instituições eclesiásticas (privadas), como a Caritas, devem ter - e merecer —certa preferência, antes mesmo de outras instituições estatais e similares, com fins lucrativos. Platão, Crátilo. 420 d. Gaudium et Spes, t f 42. 33
  • 43. Antonio Beristain 45 Há muito tempo, existe o voluntariado como serviço, ainda que sem esta denominação concreta. Ajudar aos demais gratuita­ mente é algo inerente à humanidade, por isso tem acompanhado desde sempre o homem, como sua sombra, ainda que com rasgos muito distintos. Algo que vem sendo exigido desde as raízes antro­ pológicas da pessoa, e tende a seu topo mais elevado (também en­ tre os animais constatamos a lei da ajuda mútua). Sobre o que hoje chamamos voluntariado ou, melhor dito, suas coordenadas fundamentais, dissertaram alguns grandes pensadores, Kant (1724-1804) nunca menciona a expressão “voluntariado”, mas, em vários de seus livros, formula princípios, metas e comen­ tários que são o alfa e o ômega do atual voluntariado. Assim, em // religião dentro dos limites da mera razão (Die Religion hvierhalb der Grenzen der biossen Venmnft), escrito em 1793, na terceira parte “O triunfo do princípio bom sobre o mau e a fundação de um reino de Deus sobre a terra”, fala de “a ganância suprema que pode alcançar o homem: ser liberado da escravidão sol) a lei do pecado, para viver a justiça”,., “manter-se sempre preparado para a luta”. Essas afirmações podem aplicar-se a qualquer voluntariado, e mais ao que se dedica gratuitamente a sua tarefa no labirinto carcerário; ele vive para a justiça e se mantém sempre preparado para a luta. Pouco depois, Kant contrapõe o estado civil do direito sob leis coativas ao estado civil ético, no qual os homens estão reunidos sob leis não-coativas. Os homens em estado civil ético, segundo Kant, chegam a lograr o que não se alcança com leis e meios de coação. Também se pode aplicar esta consideração aos voluntários, pois eles alcançam muito mais do que se consegue com as sanções penitenciárias como resposta às faltas dos internos (e/ou dos fun­ cionários). Como “serviço”, o voluntariado alcança as metas que deseja Kant (p. 188 s.), pois tende a promover o bem (moral), é um servi­ ço dos corações, e um conjunto de ações destinadas aos homens, não exclusivamente a Deus. Segundo o filósofo de Kõnigsberg, o homem, para superar o estado originário de interna amoralidade (p. 98), deve procurar sair desse estado “tão logo seja possível”, e tem um dever de índole peculiar de todo o gênero humano para consigo mesmo, “pois to­ dos estamos determinados” à promoção do bem supremo como
  • 44. 46 Nova criminologia à luz do direito penal e da vitimologia bem comunitário ou como “uma contribuição efetiva ao bem do mundo” (p. 169). Essas considerações de Kant encontram cumpri­ mento na maioria dos voluntários penitenciários. Esperamos que, entre os universitários e todos os cidadãos, a cada dia, encontre mais amplo eco este novo e velho movimento do voluntariado em favor dos menos favorecidos, marginalizados e/ou condenados. Muitos investigadores, que com afinco buscam sanções alter­ nativas à privação da liberdade, insistem em que um pivô dessas futuras sanções deve ser o voluntário, e desde a idade juvenil. Com satisfação, encontramos em algumas salas e corredores de univer­ sidades anúncios e posters de estudantes que se oferecem para tra­ balhar e organizar tarefas de voluntariado em campos diversos e, concretamente, 110 campo penitenciário. Pode servir de exemplo a atividade de muitos universitários no GENEPI - Groupe Étudiant National d ’Enseignement aux Personnes Incarcerées (247 rue St. Honoré, 75038, Paris, Cedex 01, telef.: 1-49270463). Universitários e trabalhadores voluntários com jovens em risco Um exemplo que pode iluminar a teoria e a prática do volunta­ riado nos oferece Manuel Segura Morales,34 quando fala da insti­ tuição que se encontra na cidade de Chatham, na zona rural de Kent (Inglaterra): 0 Medway Center. Está orientado para menores entre os dez e os dezesseis anos que, sem ser delinqüentes habituais, te­ nham cometido uma ou várias infrações não-graves: são os meno­ res considerados oficialmente em risco, aí risk. No centro - localizado em uma casa antiga, um pouco som­ bria, que parece muito atrativa para os jovens que a utilizam —, tra­ balha, junto ao pessoal profissional assalariado, uma dezena de voluntários. Esses voluntários levam o peso dos sete grupos, que vêm do Community Service Volunteers, ou Voluntários para o Serviço Social, ou outros simplesmente universitários ou trabalha­ Manuel Segura Morales, Trotamientos ejicaces de delincuentes juveniles. Mi­ nistério da Justiça, Madri, 1985, p. 379 ss. 14
  • 45. Antonio Beristain 47 dores locais: tiveram também algum universitário vindo da Cali­ fórnia para fazer sua tese. Na atualidade, estes voluntários são recrutados amistosamente, por meio de amigos que trazem outros amigos. Evita-se, por prin­ cípio, pôr anúncios nos jornais, pois esse procedimento atraiu um alto percentual de neuróticos no passado. Mas, ainda que se realize informalmente, o sistema de recrutamento e seleção de voluntários é cuidadoso e eficaz: depois da apresentação, feita por quem o trouxe ao Centro, e de ter tido com ele a primeira entrevista, é contratado por um mês, como experiência. Para contratá-lo, são tomados em consideração, principalmente, dois aspectos: a maturi­ dade pessoal do condidato, e que possua algum conhecimento ou habilidade técnica que possa ensinar aos menores em tratamento. Por exemplo, se oferece: carpintaria, mecânica de motos, montanhis­ mo, música e teatro, pintura e filatelia, além dos esportes comuns. Durante o mês de experiência, avalia-se, preferencialmente, a capacidade de relação do voluntário com os menores. Se o voluntá­ rio é mulher, aprecia-se também sua aptidão para oferecer aos mais novos uma figura materna, que provavelmente nunca tenham tido. Como mínimo, se exige de cada voluntário que coordene e anime um dos sete grupos uma vez por semana, durante três horas; mas existem alguns voluntários que, tendo terminado seus estudos e estando sem trabalho, colaboram três ou quatro dias na semana. As regras mínimas cie sanções não-carcerárias Foram publicadas pela International Penal and Penitentiary Foundation (Fundação Internacional Penal e Penitenciária) as re­ gras mínimas para o cumprimento das sanções e das medidas não- carcerárias que implicam uma restrição de liberdade.35 Convém ressaltar o que se afirma na introdução deste docu­ mento:36 para o correto cumprimento dessas normas orientadoras 35 International Penal and Penitentiary Foundation, Standard minimun m/es for the implementation o f non-custodiai sanctions and mesures involvíng rcstriction o f liberíy, Bonn, 1989. 36 ibidem, p. 19.
  • 46. 48 Nova criminologia à luz do direito penal e da vitimologia de como devem ser cumpridas as sanções não-carcerárias, fazem falta muitas pessoas responsáveis e organizações não-governamentais. As pessoas responsáveis pelo cumprimento dessas sanções devem ser, portanto, capazes de organizar a ajuda do voluntariado. Os tra­ balhadores voluntários devem ser selecionados, formados e ajudados, de maneira que possam desenvolver as competências profissionais necessárias. Em particular, os profissionais devem estar capacita­ dos para vigiar e ajudar os benévolos que estão aptos a participar nos processos de vigilância. Entre todas essas regras, merecem especial atenção a 16 e a 34. A Regra 16 diz: Os vigilantes, que têm a seu cargo os delinqüentes, deverão ser responsáveis perante uma autoridade estatal constituída para este fim. Os voluntários exercerão uma tarefa de supervisão som ente a título de delegados de um funcionário, de uma auto­ ridade estatal, ou constituída para este fim. Comentário. Se bem convém fomentar o trabalho dos volun­ tários e o com prom isso da com unidade no que se refere à exe­ cução das sanções e medidas não-carcerárias, por outra parte os direitos dos delinqüentes devem estar protegidos, perm anecen­ do a autoridade estatal responsável pelo cum prim ento devido dessas sanções ou medidas não-carcerárias. Isto é também neces­ sário para garantir que o delinqüente disponha da proteção de um instrumento de recursos. De modo semelhante, o comentário à Regra 8 fala também a favor do trabalho e do compromisso dos voluntários e das organi­ zações comunitárias, e, indiretamente, insistem no mesmo os co­ mentários às Regras 29 e 33. Segundo a Regra 34, ...fom entar a colaboração com prom etida dos voluntários. Estes deverão ser selecionados e, se necessário, guiados pelo pessoal profissional, e capacitados para cum prir as tarefas que correspon­ dem às suas qualidades e possibilidades. O briga-se-lhes tam bém o segredo profisssional. Com entário, Os voluntários podem prestar uma contribuição im portante na execução das penas e medidas não-carcerárias.
  • 47. Antonio Beristain 49 Suas m issões estarão relacionadas com suas capacidades, que podem ser desenvolvidas, quando resulte necessário, m ediante a orientação do pessoal profissional. Todos esses textos podem ajudar na, por nós desejada, parcial privatização da justiça penal. Um passo nesta direção significou o convênio de colaboração entre o governo vasco e o Conselho Geral do Poder Judiciário para a criação de um serviço de assistência e orientação social ao detento, firmado em 27 de novembro de 1987.37 Resumo e conclusões V A luz do indicado nas páginas anteriores, podemos formular, telegraficamente, as proposições-conclusões seguintes: l 3 - Em alguns países, a teoria, a prática e a legislação correm o perigo de ignorar e/ou menosprezar o trabalho do voluntariado. Também podem esquecer os direitos prévios e inalienáveis das pessoas individuais e das associações privadas, à luz do princípio da subsidiariedade. As competências do Estado começam onde terminam as dos cidadãos; não antes. 2a - As autoridades devem tomar as medidas apropriadas para de­ finir e melhorar as modalidades de realização dos diversos traba­ lhos dos voluntários. Aos voluntários masculinos e femininos cabe um papel imprescindível, rentável e fecundo na administração da justiça penal e em sua desejada privatização. Essa missão do vo­ luntariado exige - para seu eficaz desenvolvimento - uma modifi­ cação estrutural do funcionamento da administração da justiça. 33- Atualmente, o perfil do voluntariado, em geral (e do penitenciá­ rio, em particular), pede que seja uma pessoa especialmente, sensi­ bilizada e formada, associada livremente, que trabalhe altruísticamente no serviço aos demais (especialmente os menos favorecidos) e colabore com seus colegas profissionais. 4a- Diversos exemplos da legislação, da teoria e da práxis provam a grande importância, no passado e 110 presente, do voluntário (também o penitenciário), isto é, todo aquele que trabalhe em favor 37Joa(|uín Gimenez, “El juez y la cárcel”, em Varios, Eguzkilore, Cuaderno dei fmiiiitto lasco de Criminologia, número extra, San Sebastián, 1988, p. 74 ss.
  • 48. 50 Nova criminologia à luz do direito penal e da vitimologia de uma maior justiça social, da prevenção da delinqüência e da as­ sistência às vítimas. Olhando para um futuro próximo, convém in­ tensificar, remodelar e melhorar este campo. 5a—Compete, também, ao voluntariado (inclusive ao penitenciário) - devidamente formado como “técnico” - estar aberto à dimensão teológico-espiritual, sobre a base do direito fundamental da liber­ dade religiosa. 63 - Nossos voluntários penitenciários devem trabalhar em equipe para cooperar, elaborar e levar a cabo múltiplas tarefas, que podem consistir em assessorar, controlar, avaliar, etc., tudo aquilo que contri­ bua para a prevenção da delinqüência, antes do internamento em instituições penitenciárias, durante o tempo em que permanece a pes­ soa em privação de liberdade e depois de sua saída da instituição penitenciária. T - De acordo com as Regras Mínimas das Nações Unidas (1955), do Conselho da Europa (1973 e 1987) e da Fundação Internacional Penal e Penitenciária (1989), o voluntariado penitenciário deve en­ contrar acolhida expressa na legislação, nos artigos referentes ao pessoal penitenciário —ainda que não-profissional —, assim como nos artigos correspondentes à assistência social. 8~ - Para que o Estado cumpra sua missão social, deve fomentar a participação dos cidadãos, e não menos dos jovens, também nos trabalhos de reabilitação dos delinqüentes. Também na assistência aos familiares e amigos dos internos. Ao Estado compete estruturar de tal maneira as instituições penitenciárias que elas permitam o trabalho do voluntariado e sir­ vam para a repersonalização do condenado. 9Ü- Interessa conhecer diversos exemplos concretos do voluntaria­ do penitenciário, em sentido estrito (e em sentido amplo), no exte­ rior, para superar as lacunas teóricas, legais e práticas acerca do voluntariado espanhol (não obstante, a Direção-Geral de Institui­ ções Penitenciárias, com data de 2 de novembro de 1989, redigiu uma circular a respeito do trabalho do voluntariado nos cárceres espanhóis e forãneo; em muitos países onde falta a regulação for­ mal, infelizmente, não se cumpre, a este respeito, nem o mínimo das Regras Mínimas do Conselho da Europa, das Nações Unidas e da Fundação Internacional Penal e Penitenciária.
  • 49. Antonio Beristain 51 10° - Pani conseguir uma privatização aconselhável do direito pe­ nal, da criminología e da vilimologia, podem e devem ajudar a acertada legislação e a práxis do voluntariado penitenciário, incluin- do-o junto aos funcionários profissionais (nestes, claro, está incluí- do o criminólogo, formado em nossas universidades).' Antonio Beristain, “Ensenanza eriminológica desde y liacia las eapellanías pe- nitenciarias”, em XLt Curso Internacional de Criminología, La ensenanza uni- versitaria de la criminología en el mundo de hoy, llguzkilore. Cuadenw deI Instituto lasco de Criminología, ntJ3. extra, San Sebastián, 1990. p. 111.
  • 50. Capítulo 3 Epistemologia criminológica: da retaliação ao perdão Resumo histórico-comparativo üo Talião na política criminai e no direito penal Uma investigação diacrônica desde o momento zero1 através dos séculos e sincrônica ao longo do mapa geográfico dos países modernos acerca do Talião, ou seja, das respostas sociais e go­ vernamentais às condutas criminais e às pessoas marginalizadas, mostra-nos, em enfrentamcnto dialético, dois critérios e duas práti­ cas de controle social: - por uma parte, a sanção severa, punitiva, que hoje se centraliza na privação da liberdade como castigo, sem concessões ao trata­ mento e, em casos extremos, logicamente à pena de morte; - e, por outra parte, as sanções alternativas ao cárcere, como a multa, a “provação”, os arrestos de fins-de-semana, a prestação de serviços à comunidade, a plea bargaining, a diversion, a não- intervenção e (segundo alguns teóricos extremos) a substituição do direito penal por medidas de segurança ou por instituições pa­ ralelas ao direito civil ou ao direito administrativo.2 1 Ernst Bloch, Natwrecht mui menschliche Wiirde, Frankfurt am Main, Et!. Suhrkamp, 1961, p. 276 ss. Jacques Leclercq, “Réflexions sur le droit de punir”. Estúdios Renales. Homenaje o1P. Julián Pereda (preparado por A. Beristain), n"s 25-26, Universidad de Deusto, Bilhão, 1965, p. 473 ss. 2 Jacqueline Bernal de Celis, “Aboiitionisme du système péual et politique crimi­ neile en faveur des viclimes”, em L. Hulsman/J. Bemal de Celis, Peines perdues.
  • 51. 54 Nova criminologia à luz do direito penal e da vitimologia Essa descrição panorâmica ou telegráfica, a vôo de pássaro, omite muitos pontos e deforma outros, pois pretende descrever um problema sumamente complexo que exigiria mil detalhes e matiza- ções. Entretanto, para nos introduzir no tema que desejamos expor, resulta suficientemente orientativa. Esta visão de conjunto nos le­ vanta (e se aclara com) três considerações fundamentais, que des­ envolveremos a seguir: a. Diante da criminalidade e da marginalidade, temos de responder com critérios de integração cósmica. Temos de evilar as respostas unidimensionais vindicativas, tanto as totalmente permissivas ou simplesmente mecânicas, técnicas, amorais, sem sentido humano, como as utopias exclusivas de tratamento. b. A faceta criadora de todo ser humano deve gerar algo novo no sistema penal (especialmente na seníencing) de finais do século XX. Concretamente, deve criar (e/ou desenvolver) o direito ao - maior ou menor - perdão a toda pessoa, também ao delinqüente. c. Os até hoje desconhecidos horizontes que vai alcançando a consciência da pessoa pós-moderna exigem ler e formular o Talião como uma original epistemologia metarracional. d. Ainda mais, com uma epistemologia espiritual, mística, não- dogmática; com o único freio do razoável (não do radonal-lógico) e do real “de seu”, além do fenomenológico.' Talião dialético de integração cósmica, não-iinklimensionai Por respostas (ao delito e ao desvio) de integração cósmica entendemos, dito brevemente, algo assim como aqueles controles sociopenais que, quase sem julgar,4 vão além do juízo; pois procu­ Le système pénale en question, Paris, Le CerUurion, J982, p. 123 ss. Ver Lola Aniyar de Castro* Alternativas ai sistema penitenciário. * Peter Noll, Diktate iiber Sterben ct Tod, com Totenrede von Ma. Frisch Pendo, Zurique, 1984, p. 132 ss. Xavier Zubiri, Inteligencia y razón, Madri, Alianza Editorial, 1983, p. 91 ss., p. 263 ss. Thomas Merton, Zen and birds o f apetite, tradução para o espanhol de Rolando, Hanglin, 3a ed., Barcelona, Kairós, 1979, p. 43. Ninguém nega que existem - e devem existir - as estruturas e as instituições jurídicas. Ninguém opina que deve- 4
  • 52. Antonio Beristain 55 ram refletir, como um espelho,5 a realidade (além da aparência) do conflito-delito e facilitar a harmônica simbiose da ação-reação- criação, isto é, dar a cada um o que necessita mais do que merece, pela sanção-compensação dinâmica e solidária. A história sociológica e a filosofia jurídica ensinam que sem sanções penais resulta impossível a convivência, ao menos nos tempos historicamente conhecidos e na atualidade. Talvez e oxalá, as próximas gerações possam prescindir da sanção penal. Nossa geração não pode evitar as penas como resposta a certos delitos. Há séculos, Platão, em seu Górgias, repete com diversas matizações: “o que tem sido injusto e ímpio deve ir ao cárcere da expiação e do castigo que chamam Tártaro” {Górgias, 532 b); “se alguém faz al­ gum mal, deve ser castigado e satisfazer a culpa por meio do casti­ go” {Górgias, 527 b).6 Em semelhante sentido se expressam, posteriormente, muitos penalistas e criminólogos em todos os tempos e lugares.7 Entretanto, esta necessidade de defender-nos aplicando sanções penais não significa, ou não deve significar, que os deliqüentes te­ nham que ser encarcerados entre quatro paredes para castigá-los com intuito unicamente vingativo, sem gastar um minuto para sua integração na sociedade. Atualmente, muitos países islâmicos, os Estados Unidos, etc., exageram no aspecto severo das leis e esquecem a dimensão eqiii- tativa e conciliadora da justiça. Muitos governos e muitos tratadistas, decepcionados com o escasso resultado dissuasivo e repersonalizador obtido pela ideolo­ gia penitenciária do tratamento, que tanto eco encontrou na década de 1960 e começo da de 1970, têm sido vítimas de uma reação excessiva em sentido contrário; reacionariamente, pedem que os policiais, os juizes e os funcionários das prisões adotem posturas técnicas exclusivamente punitivas, inclusive vingativas. Ao delin- mos tratá-las como não existentes e necessárias...Realmente, no fundo, a estru­ tura é vazia em si mesma. O espelho reflete a realidade, carece de pré-juízos...O espelho carece de uma mente que distinga, julgue, categorize e classifique. Platão. Diálogos, Górgias. trad. J. Calonge, Madri, Gredos. 1983, p. 145 ss. Giuseppe Bettiol. Diriito penale. parle generale. 203 ed., Pádua, Cedam, 1966, p. 779 ss.
  • 53. 56 Nova criminologia à luz do direito penal e da vitimologia qüente, dizem, deve-se dar o que lhe corresponde legalmente (just desert). A cada um, segundo seus méritos. Aos assassinos com agravantes dever-se-á aplicar uma injeção letal. Os cárceres devem ser de máxima segurança, e sempre com orçamento menor ao dos pobres e dos desempregados não-deIinqüentes.v Por desgraça, não poucos cidadãos e especialistas em direito penal e em criminologia olham o Código penal, a lei penitenciária e a norma policial como instrumentos para acusar e encontrar - criar? - delinqüentes puníveis. Ao contrário, segundo nossa opinião, os princípios básicos re­ pressivos dos controles sociais admitem e devem admitir exceções e formas de benefício em todos os estratos. O oposto (exigir que se apliquem sem dar certa chance ao perdão, à generosidade, à indul­ gência) seria suma injustiça, como declararam, há mais de vinte séculos, os romanos em seu adágio summum ius sitmma injuria.™ Antes, Platão, em seu Proíágoras (324 b), ensina-nos que: Ninguém sanciona os criminosos prestando atenção ao que te­ nham delinqüido ou pelo fato dc haver delinqüido, a não ser quem se vingue, irracionalmente, como uni animal. Mas aquele que tenta sancionar com razão não se vinga por causa do crime cometido - pois não se lograria que o fato não tenha acontecido - senão com vistas ao futuro, para que não obrem mau dc novo nem este mesmo nem outro, ao ver que este sofre sua sanção... pois sanciona para efeito de dissuasão. A eqüidade e a epiquéia devem protagonizar a interpretação e a aplicação do direito penal." £ No âmbito da psiquiatria forense, tende-se hoje a substituir o conceito de não- imputabilidade ou imputabilidade diminuída pelo conceito de mérito, desert, como afirmam F. Ferracuti e F. Bruno, Enciclopédia Médica Italiana, vol. XH, Florença, 1985, coluna 1691. Manuel Lopez-Rey y Arrojo, Compêndio de criminologia v política criminal, Madri, Tecnos, 1985, p. 190 ss., 215 ss. 1(1Elias Neuman, “El sistema penal y sus víctimas”, Estudios de derecho penal en homenaje aí prof. Luis Jittténez de Asúa, Revista Facultad de Derecho, Univer- sidad Complutense, Monográfico 11, Madri, junho 1986, p. 483 ss. 11 Horst Schüler-Springorum, “Was làsst der Strafvollzug für Gefühle übrig?”, Festschriftfür Giinter Blau zuni 70 Geburststag am 18, dezembro 1985, Berlim, Nova York, Walter de Gruyter, 1985, p. 259 ss.
  • 54. Antonio Beristain 57 Outros especialistas propugnam que os controles sociais se limitem aos dados puramente fenomenológicos e prescindam de toda a atenção à culpabilidade, apoiados em que ninguém pode provar cientificamente a liberdade de uma pessoa. Alguns teóricos (vítimas de sua boa vontade, de sua compaixão diante da violação dos direitos humanos nos cárceres e nos patíbulos) colocam pela borda, sem prévio discernimento, um valor adquirido pelos esfor­ ços culturais de muitos séculos: a culpabilidade jurídica.12 Entretanto, todos deveríamos ver nos controles sociais a prote­ ção dos cidadãos inocentes e criminosos, a Carta Magna da liber­ dade, a arte da compreensão, da solidariedade, da mútua criação. Direito dos delinqüentes ao perdão A moderna psicologia mostra que, afortunadamente, supera­ mos o antigo homo faber, trabalhador, e o homo sapiens, que constata a realidade exterior a ele. Chegamos ao homo pius, com­ passivo e solidário,13 ao homo creator, que do seu interior vai fa­ zendo e refazendo as coisas, inclusive as pessoas às quais gera e dá vida ao material corporal, ao instintivo animal e também ao espi­ ritual. Toda pessoa é fundamental e essencialmente criadora, auto- criadora e heterocriadora.14 Claramente aparece essa força criadora 110 âmbito dos direitos elementares, pois ao longo dos séculos constatamos como vão crescendo e desenvolvendo-se. Hoje, com relação ao direito à li­ berdade, estamos muito longe de pensar como pensavam os gregos contemporâneos de Aristóteles a respeito de seus escravos. Hoje desapareceu 0 ius vitae et necis do pciter-familias romano, e a pena P ~Munoz Conde, “Culpabilidad y prevención en derecho penal”, Cuadernos de Polifica Criminal, n'J 12, 1980, p. 41 ss. Angel Torio Lopez, “El concepto indi­ vidual de culpahilidnd”, Crime and Criminal Policy, em homenagem a M. Ló- pez-Rey, Milão, Franco Angeli, 1985, p. 675 ss. *' A. Beristain, “La dimensión religiosa en la filosofia de la política criminal (El derecho penal dei homo pius)”, Estúdios Vascos de Criminologia, Bilbao, Men- sajero. 1982, p. 330 ss. Xavier Zubiri, Infeligencia y logos, Madri, Alianza Ed., 1982, p. 209 ss. 14