O documento trata de um caso de embargos infringentes e de nulidade interpostos por Claudimar Saldanha Lima contra sua condenação por porte ilegal de munição e uso de documento falso. A relatora conclui que houve atipicidade para o porte de munição, mas manteve a condenação por uso de documento falso, dando parcial provimento aos embargos.
Embargos infringentes analisam porte de munição e uso de documento falso
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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE RONDÔNIA
Tribunal de Justiça
Câmaras Criminais Reunidas
Data de distribuição : 10/11/2011
Data de julgamento : 16/03/2012
0011885-42.2011.8.22.0000 Embargos Infringentes e de Nulidade
Origem : 00045847220108220002 Tribunal de Justiça de Rondônia
Embargante : Claudimar Saldanha Lima
Advogado : Denis Augusto Monteiro Lopes (OAB/RO 2.433)
Advogado : Dênio Franco Silva (OAB/RO 4.212)
Embargado : Ministério Público do Estado de Rondônia
Relatora : Desembargadora Ivanira Feitosa Borges
Revisora : Desembargadora Marialva Henriques Daldegan Bueno
EMENTA
Embargos infringentes e de nulidade. Porte irregular de
munição de uso permitido. Ausência de ofensividade ou potencial
perigo de dano ao bem jurídico tutelado a incolumidade pública.
Absolvição. Procedência. Uso de documento falso. Autodefesa.
Falsificação grosseira. Atipicidade. Não ocorrência. Absolvição.
Impossibilidade.
O porte ilegal de munição de uso permitido desacompanhado de
arma de fogo não representa risco concreto à incolumidade pública, apresentando
uma insignificante potencialidade de perigo ao bem jurídico tutelado pelo tipo penal,
razão pela qual enseja a absolvição por atipicidade da conduta.
A utilização de documento falso para ocultar a condição de foragido
da Justiça não descaracteriza o delito de uso de documento falso.
A falsificação que não pode ser percebida de plano pelo homem
médio não poderá ser considerada como grosseira.
Documento assinado digitalmente em 26/03/2012 12:05:02 conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/06/2001.
Signatário: IVANIRA FEITOSA BORGES:1010352 Pág. 1 de 8
Número Verificador: 2001.1885.4220.1182.2000-0164112
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ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os
Desembargadores das Câmaras Criminais Reunidas do Tribunal de Justiça do
Estado de Rondônia, na conformidade da ata de julgamentos e das notas
taquigráficas, em, POR MAIORIA, JULGA PARCIALMENTE PROCEDENTES
EMBARGOS, VENCIDO O DESEMBARGADOR VALTER DE OLIVEIRA QUE DEU
TOTAL PROVIMENTO.
Os Desembargadores Marialva Henriques Daldegan Bueno e Cássio
Rodolfo Sbarzi Guedes e os Juízes Francisco Borges Ferreira Neto e Sandra A.
Silvestre de Frias Torres acompanharam o voto da Relatora.
Porto Velho, 16 de março de 2012.
DESEMBARGADORA IVANIRA FEITOSA BORGES
RELATORA
Documento assinado digitalmente em 26/03/2012 12:05:02 conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/06/2001.
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Número Verificador: 2001.1885.4220.1182.2000-0164112
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PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DE RONDÔNIA
Tribunal de Justiça
Câmaras Criminais Reunidas
Data de distribuição : 10/11/2011
Data de julgamento : 16/03/2012
0011885-42.2011.8.22.0000 Embargos Infringentes e de Nulidade
Origem : 00045847220108220002 Tribunal de Justiça de Rondônia
Embargante : Claudimar Saldanha Lima
Advogado : Denis Augusto Monteiro Lopes (OAB/RO 2.433)
Advogado : Dênio Franco Silva (OAB/RO 4.212)
Embargado : Ministério Público do Estado de Rondônia
Relatora : Desembargadora Ivanira Feitosa Borges
Revisora : Desembargadora Marialva Henriques Daldegan Bueno
RELATÓRIO
Claudimar Saldanha Lima interpõe embargos infringentes contra o
acórdão de fls. 167/173, proferido pela 2ª Câmara Criminal que, por maioria, deu
provimento à apelação em epígrafe, condenando o embargante em 02 anos de
reclusão e 10 dias-multa, por infração ao art. 14, caput, da Lei n. 10.826/03 (porte
ilegal de munição) e 02 anos de reclusão e 10 dias-multa, por infringência ao art.
304 do Código Penal (uso de documento falso), ambas a serem cumpridas no
regime aberto, sendo substituídas por duas restritivas de direito, consistentes em
prestação de serviço à comunidade e prestação pecuniária no valor de um salário
mínimo.
Nas razões, a defesa requer o provimento do recurso nos termos do
voto vencido na apelação, a fim de absolver o embargante de ambos os crimes, em
razão da atipicidade das condutas praticadas (fls. 176/187).
A Procuradoria-Geral de Justiça, em suas contrarrazões, manifestou-
se pelo não provimento dos embargos (fls. 190/195).
É o relatório.
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Número Verificador: 2001.1885.4220.1182.2000-0164112
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VOTO
DESEMBARGADORA IVANIRA FEITOSA BORGES
O recurso é próprio e tempestivo, portanto dele conheço.
Conforme mencionado, o embargante foi processado e condenado,
pela prática dos crimes de porte ilegal de munição e uso de documento falso.
Segundo consta na denúncia, no dia 01/05/2010, por volta de
20h00min., na Comarca de Ariquemes/RO, o embargante Claudimar Saldanha Lima
mantinha sob sua guarda e oculto dentro do veículo VW Cross Fox, cor preta, de
placas NDF-7609, uma munição de calibre 38, de uso permitido, sem autorização e
em desacordo com determinação legal ou regulamentar, que estava acondicionada
dentro de uma bolsa preta.
Consta, ainda, que após ser preso pelos policiais o embargante fez
uso de uma carteira de habilitação (CNH) falsa, em nome de Vilson Teixeira da
Silva.
Encerrada a instrução, o embargante foi absolvido de ambos os
crimes.
Irresignado, o Parquet interpôs recurso de apelação, pleiteando a
condenação do embargante pela prática de porte ilegal de munição e uso de
documento falso.
Em sede de apelação, foi dado provimento ao recurso ministerial,
por maioria, resultando vencido o Desembargador Valter de Oliveira, que votou pela
manutenção da sentença absolutória de 1º grau.
Em razão disso, foram interpostos os presentes embargos
infringentes e de nulidade.
Pois bem.
Quanto ao delito de porte ilegal de munição de uso permitido,
verifico que não há qualquer dúvida quanto à materialidade e a autoria delitiva,
sendo certo que a divergência reside exclusivamente na tipicidade material da
conduta praticada.
Segundo dispõe o ordenamento jurídico vigente o porte de munição
e assemelhados são de perigo abstrato, não necessitando, pois, da demonstração
de que efetivamente alguém foi exposto a perigo de dano, que é presumido pela lei
de forma absoluta, ou seja, prescindem da comprovação da ocorrência de perigo
concreto, bastando que o indivíduo possua essa munição o, sem autorização e em
desacordo com determinação legal ou regulamentar.
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Entretanto, no caso do delito em tela, entendo que o porte ilegal de
munição de uso permitido não se configurou em toda sua amplitude, em face da
ausência de potencialidade lesiva ao bem jurídico protegido.
A Lei n. 10.826/2003 tem como bem jurídico tutelado a incolumidade
pública, ou seja, a segurança da coletividade.
Sob esse aspecto, o que importa para a caracterização do delito é
saber se o porte de munição exercida pelo agente representa uma ameaça ou uma
verdadeira lesão ao estado de segurança que a norma procurou proporcionar à
sociedade.
In casu, não se denota na conduta do apelante nenhum tipo de
ofensividade ou potencial perigo de dano a esse bem jurídico, especialmente
quando a munição apreendida não representa risco concreto pela falta de artefato
necessário para produzir o resultado.
A conduta passível de punição importa em lesão ou ameaça de
lesão à incolumidade pública, pois, do contrário, esvazia-se de razão e proteção
penal.
Nesse sentido é a jurisprudência:
Porte irregular de munição. Acessório. Previsão legal. Bem
jurídico sob tutela. Lesividade potencial.
Se a apreensão de munição não é acompanhada do artefato,
arma de fogo, que lhe garanta a finalidade não constitui elemento do tipo
(Embargos infringentes e de nulidade n. 00035148920118220000, Rel.
Des. Daniel Ribeiro Lagos, Câmaras Criminais Reunidas, J. 15/07/2011).
Portanto, estando os elementos dos autos a demonstrar que o
apelante não praticou o crime com ofensividade ou potencial perigo de dano ao
bem jurídico tutelado, ou seja, a segurança da coletividade, entendo que a
absolvição é medida que se impõe.
No tocante ao crime de uso de documento falso, o embargante
alega que o fato é atípico, por ser a falsificação grosseira, bem como pelo fato de ter
agido em autodefesa, visto que foragido da Justiça.
O uso de documento falso caracteriza-se por ser um crime formal
que não exige resultado naturalístico para a consumação, pois efetiva-se com o ato
de exibição, independentemente da obtenção de proveito ou produção de dano no
local onde é utilizado.
No mais, insta salientar que a utilização de documento falso para
ocultar a condição de foragido da justiça não descaracteriza o delito de uso de
documento falso, conforme entendimento já pacificado no Supremo Tribunal
Federal:
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Número Verificador: 2001.1885.4220.1182.2000-0164112
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HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. AGENTE QUE SE UTILIZA
DE DOCUMENTO FALSO PARA OCULTAR SUA CONDIÇÃO DE
FORAGIDO. CONDUTA QUE SE AMOLDA AO DELITO DESCRITO NO
ART. 304 DO CP. ORDEM DENEGADA. 1. A utilização de documento
falso para ocultar a condição de foragido do agente não descaracteriza o
delito de uso de documento falso (art. 304 do CP). 2. Não se confunde o
uso de documento falso com o crime de falsa identidade (art. 307 do CP),
posto que neste não há apresentação de qualquer documento, mas tão-só
a alegação falsa quanto à identidade. 3. O princípio da autodefesa tem
sido aplicado nos casos de crime de falsa identidade, em que o indiciado
identifica-se como outra pessoa perante a autoridade policial para ocultar
sua condição de condenado ou foragido. 4. Writ denegado.
In casu, ao utilizar o documento falso, a conduta do embargante
extrapolou aquela de quem pretende apenas se defender e passa à de quem
realmente usou de má-fé, criminosamente, de forma a se beneficiar.
Doutro norte, verifico que a falsificação da carteira de habilitação
apresentada pelo embargante somente foi constatada posteriormente, já na
Delegacia, pelo serviço de inteligência da Polícia Militar (fl. 16), não podendo, assim,
ser compreendida como falsificação grosseira.
Vejamos a jurisprudência acerca do tema:
Não pode ser considerada como falsificação grosseira, a ponto de
descaracterizar o crime previsto no art. 304, o documento capaz de
enganar o homem comum, não considerado como tanto o policial que,
diante de conhecimentos específicos , é treinado para detectar
falsificações (TJSP – RT 762/592).
Note-se, portanto, que a falsificação que não pode ser percebida de
plano pelo homem médio não poderá ser considerada como grosseira.
Destarte, mantenho a condenação pelo crime de uso de documento
falso.
Ante o exposto, dou provimento parcial aos embargos infringentes,
para reformar o acórdão e absolver o embargante Claudimar Saldanha Lima tão
somente quanto à imputação do art. 14, caput, da Lei n. 10.826/03 (porte ilegal de
munição de uso permitido), com base no art. 386, inc. III, do CPP, mantendo a
condenação quanto ao crime previsto no art. 304 do CP (uso de documento falso), à
pena de 02 anos de reclusão, em regime aberto e 10 dias-multa, com a unidade
fixada no mínimo legal, bem como a substituição da pena privativa de liberdade por
duas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviço à comunidade, por
período igual à condenação (art. 55 do CP) e em prestação pecuniária no valor de
um salário mínimo.
É como voto.
Documento assinado digitalmente em 26/03/2012 12:05:02 conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/06/2001.
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DESEMBARGADORA MARIALVA HENRIQUES D. BUENO
Acompanho o voto da e. relatora, ressalvando, porém, quanto à
atipicidade material do crime de posse de munição, registro que a (in) ofensividade
mínima não pode ser avaliada como critério objetivo, ou seja, não se trata avaliar
exclusivamente a quantidade de munição apreendida.
É possível, por exemplo, que o porte ou posse, isoladamente, de
munições constitua o crime previsto no art. 12, 14 ou 16 da Lei 10.826/03, conforme
a natureza, desde que o acessório ou munição de uso permitido, proibido ou restrito
represente, isoladamente, um risco social, como p. ex., o porte ou posse de
granadas, bananas de dinamite, minas explosivas, ou mesmo a simples posse ou
porte de projeteis, ainda que apreendidos fora do armamento, ou que estejam no
pente de uma pistola que eventualmente não esteja acoplado na mesma,
permitindo, entretanto, a pronta ou rápida utilização.
É possível também que, diante das circunstâncias fáticas, a única
munição possa fazer presumir a periculosidade do agente, como p. ex., a prisão do
infrator e, locais criminógenos, onde notoriamente se praticam compra e venda de
armas e munições, o tráfico de drogas, a receptação de produtos de origem
criminosa, etc.
Não se está ignorando o estabelecido nos artigos 12, 14 ou 16 da
Lei 10.826/03 pelo fato de se exercer juízo de tipicidade material em razão da
ofensividade concreta da conduta formalmente típica. Ao contrário, estar-se-á
avaliando, em de cada caso concreto, se a conduta praticada afetou ou não o bem
jurídico tutelado pelo direito de última razão legal e fragmentário.
No caso em análise, reanalisando o feito não há efetivamente
qualquer circunstância fática que permita identificar o potencial uso da munição
aprendida, tampouco circunstâncias do fato indicam a periculosidade do recorrente.
Nesse sentido, já decidi:
Apelação criminal. Porte ilegal de munição. Atipicidade material.
Ofensividade mínima ao bem jurídico penalmente tutelado. Absolvição.
Recurso provido.
1. A apreensão com o réu, em via pública, de um único cartucho
cal. 16, sem a pronta possibilidade de utilização e a míngua de outros
elementos que demonstrem o concreto risco à sociedade, retira a
tipicidade material da conduta.
2. Recurso provido. (TJ/RO AC - 0009036-83.2010.8.22.0501,
SUA RELATORIA, J. 29.02.2012).
JUIZ FRANCISCO BORGES FERREIRA NETO
Acompanho integralmente o voto da eminente Relatora.
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Signatário: IVANIRA FEITOSA BORGES:1010352 Pág. 7 de 8
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DESEMBARGADOR VALTER DE OLIVEIRA
Peço vênia à Relatora, mas mantenho minha posição por ocasião do
voto na 2ª câmara.
JUÍZA SANDRA APARECIDA SILVESTRE DE FRIAS TORRES
Acompanho integralmente o voto da Relatora.
DESEMBARGADOR CÁSSIO RODOLFO SBARZI GUEDES
Peço vênia ao Desembargador Valter, mas vou acompanhar o voto
da Desembargadora Ivanira e registrar que entendo possível, sim, desde que em
benefício do réu, adotar o ponto de vista mantido pela Desembargadora Ivanira que
seria um meio termo entre os votos divergentes.
Acompanho a Relatora.
Documento assinado digitalmente em 26/03/2012 12:05:02 conforme MP nº 2.200-2/2001 de 24/06/2001.
Signatário: IVANIRA FEITOSA BORGES:1010352 Pág. 8 de 8
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