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A lei antivéu na França fere o estado laico?
Gabriela Cafrune
2° semestre
Setembro de 2012
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A lei antivéu na França fere o estado laico?
Existem opiniões divergentes a respeito do assunto, por exemplo: a do promotor de Justiça, Roberto Livanu e da procuradora de Justiça do Ministério Público de São Paulo, Luiza Nagib Eluf. Ele diz que sim, ela, que não.
Roberto fala, em defesa do véu, que a lei nasceu impregnada de xenofobia e um caráter discriminatório e que a França tem sido palco de diversas manifestações de desagrado a postura estatal antiestrangeira. A defesa do governo é: proíbe-se o véu em razão da defesa do caráter laico do Estado. Ele faz, também, uma retomada histórica falando que antes da Reforma protestante, Igreja e Estado eram unha e carne, até Martinho Lutero corajosamente apontar os malefícios que surgiam dessa aliança. Na França, há mais de dois séculos, foram banidos de prédios públicos os símbolos religiosos e extinguiu-se o ensino religioso das escolas. Quando se abomina o véu islâmico, não se está levando em consideração que a vestimenta das pessoas remete à sua cultura e história e, em nome da laicidade do Estado, viola-se o direito à personalidade e a liberdade de expressão, afinal a vestimenta é uma forma de expressão. O desrespeito ao estrangeiro parece algo tolerável.
A defesa da laicidade não passa de mero pretexto para desrespeitar pessoas adeptas a determinadas religiões.
Por outro lado, Luiza afirma: "ninguém pode gostar da burca1 ou do niqab2".
A procuradora diz que não se pode fazer qualquer atrocidade em nome da religião e cita casos, no Brasil, em que alguns crentes durante seus rituais sacrificam crianças. Ela diz que a lei antivéu é correta e enumera motivos para isso: a) em conformidade com as leis da França, a humilhação e/ou escravização da mulher não é permitida e é isso que o véu representa b) o Alcorão não fala nada a respeito do véu, diz apenas
1 A burca é uma veste feminina que cobre todo o corpo, até o rosto e os olhos. A burca foi proibida, na França, em 17 de julho de 2010, pela Lei nº 524, que entrou em vigor seis meses após sua promulgação.
2 O niqab é um véu que cobre o rosto e só revela os olhos, usado por algumas mulheres muçulmanas; o niqab pode cobrir também os olhos com um tecido transparente. Geralmente é feito de algodão ou poliéster, tendo no preto a sua cor mais comum.
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que os fiéis devem vestir-se modestamente logo, a cobertura total do corpo da mulher é fruto de imposição social e da discriminação com as mulheres, pois os homens não têm essa mesma restrição quanto ao vestuário, podem andar descobertos sem maiores problemas, c) as regras de segurança pública sugerem que as pessoas não cubram a face ao frequentarem locais públicos.
Parte da comunidade muçulmana na França sentiu-se confrontada com a proibição total do véu, mas a reação não foi unânime. Um dos representantes da Congregação Islâmica de Oxford declarou que diversos pensadores islâmicos ficaram bastante satisfeitos com as restrições quanto ao uso do véu, pois a vestimenta é atentatória aos direitos femininos. Luiza salienta que ao se declararem a favor da burca ou do niqab, as mulheres estão demonstrando uma falta de percepção de suas condições, pois foram submetidas ao uso durante toda a vida e acreditam que são felizes assim, sufocadas dentro de uma burca, cedendo ao poder do homem e aceitando a desigualdade como uma questão normal.
Dito isso, devemos pensar acerca do debate. A lei fere, ou não o Estado laico?
Como visto anteriormente, existe divergência quanto à resposta, alguns pensam que sim e outros que não. Ambos os pontos de vista possuem bons argumentos como o fato de que a vestimenta retrata e nos remete à cultura, em contraponto a ser submissão ao poder do homem. Logo, não se pode afirmar com toda a certeza qual dos dois lados está correto, mas em alguns aspectos, fere sim o Estado laico, pois a laicidade quer dizer, justamente, que o Estado deve aceitar todas as religiões e não ser mais favorável a nenhuma, e no momento em que se proíbe a utilização do véu, se prejudica o islamismo. Os argumentos utilizados são hipócritas e sem fundamento. A proibição da burca e do niqab pela segurança, pois podem ser terroristas disfarçados? Desde quando terrorista e homem-bomba precisaram de disfarce para entrar em ação?
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O véu integral, que não é necessário no Alcorão, fere a dignidade da mulher por excluí-la da sociedade. Muçulmanas obrigadas pelo marido a se cobrir estariam, enfim, livres para mostrar o rosto. Mas e as que não abrem mão de se vestir assim? A França estaria violando seus direitos humanos. Depoimento de Chrystelle Khedouche, francesa de 36 anos que se converteu ao islã, sobre o assunto: “Decidi não usar o véu islâmico... agora, me obrigar a não usar é suprimir minha liberdade”. Não se deve tornar obrigatório o uso da burca, usa quem quer, assim como Chrystelle decidiu não usar, mas proibir é impor a vontade do estado sobre a vontade do indivíduo.
Pode-se fazer analogia ao caso dos crucifixos em uma escola pública da Baviera, Alemanha. Foi solicitada pelos pais de alguns alunos a retirada dos crucifixos das salas de aula, pois estes queriam educar seus filhos sem nenhum princípio religioso e eles acreditavam que a presença do símbolo traria uma forte influência do catolicismo. Isso fere a laicidade do Estado, pois mesmo com o argumento de que o crucifixo representa as religiões, em geral, é senso comum que a cruz representa uma religião, a Católica, e o Estado ao permitir os crucifixos nas salas está priorizando certa crença, mas também sua proibição é uma agressão a liberdade religiosa.
Com este pequeno exemplo, podemos perceber que não é apenas com uma ou outra determinada cultura ou crença que existe preconceito e desrespeito com tudo àquilo que é diferente do aceito pela maioria e preferência ou até um tipo de imposição ao que é senso comum. Cada um deveria ser permitido a fazer aquilo no qual acredita, o que gosta e o que tem vontade, sem se preocupar com a opressão e repressão dos demais, pois numa sociedade onde todos fizessem o que gostam, dentro dos conformes legais, obviamente, ninguém se preocuparia com: crença, gosto, opinião, sexualidade, partido político -e qualquer outro tipo de posicionamento- alheios. Mas, infelizmente, pelo menos com o que presenciamos do mundo atualmente, com tanta brutalidade, desrespeito, racismo, intolerância, massacres, extermínios e todas as
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outras formas de violência, essa sociedade idealizada por tantos, está realmente distante de existir.
Se formos defender a laicidade do Estado, ou o que quer que seja, que façamos isso de forma mais neutra e imparcial possível, pois do jeito que está, justiça e imparcialidade passam longe.
Burca
Niqab