1. Entrevista FERNANDO MELIGENI
ADRIANA VALERIA E BRUNO DIONÍSIO
A serviço do tênis
O ex-tenista diz que quando organizou a Copa Fino, o fez para ajudar o esporte. O valor que recebeu de
patrocínio era totalmente revertido para essa finalidade e que mesmo assim, nunca recebeu nenhum apoio
F
ernando Ariel Meligeni, 39 anos,
casado e pai do pequeno Gael, é “Eu tinha
um homem multimídia e cheio de
histórias para contar. Desacredita- um sonho
do no início da prática do tênis, Fino ou Fini-
nho, apelidos carinhosos recebido dos seus e corri
fãs e amigos, lutou, treinou, construiu uma
carreira sólida e hoje é reconhecido como um atrás, não
dos grandes nomes do meio esportivo. E
mesmo tendo encerrado a carreira profissio- sabia se
nalmente em 2003, Meligeni não se afastou
do tênis e por meio do seu livro, blog e twit- era fácil
ter continua seu trabalho, agora direcionado
a —“ajudar o tênis” — observando informal- ou difícil,
mente novos talentos, promovendo e partici-
pando de eventos relacionados ao esporte e, se era
principalmente, com suas declarações e reve-
lações desprendidas acerca da situação atual possível.
e dos rumos do tênis no Brasil. Concedeu no
hall do seu apartamento localizado na Vila Queria ser
Madalena, em São Paulo, uma entrevista
intimista e cheia de valores relevantes tanto tenista”
dentro quanto fora das quadras.
Em que momento você percebeu que lutar
com seus oponentes era mais interessante
com uma raquete do que no tatame ou
debaixo das traves? Somos muito influenci-
ados pelos nossos pais, isso é obvio. Fazia
judô na escola porque estava dentro da edu-
cação física, não era uma coisa que eu queri-
a. Eu era muito ruim, magrinho, o Aurélio
Miguel não precisaria se preocupar comigo.
Ao ficar entre o futebol e o tênis, acabei
escolhendo o tênis por intermédio do meu
pai, que soube me incentivar, me levar para
um lugar sem que eu percebesse. Ele me
dava uma raquete nova, uma roupa nova pra
jogar, um tênis de Tênis, não uma chuteira.
Mas não me proibia de jogar futebol. Fiquei
com o tênis por causa do meu pai e da minha
irmã que jogavam. E nos fins de semana era
ADRIANA VALERIA
uma bagunça em família. O futebol, eu joga-
va apenas com os amigos.
Se aprimorar nos estudos ou jogar tênis?
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2. Entrevista FERNANDO MELIGENI
Alguma vez você perdeu o sono pensando
nisso? Tem uma história engraçada: quando
“Quando fui capitão pessoas vissem essa vitória com um tamanho
muito grande, por isso só falam desse cam-
fomos buscar o resultado do vestibular que a da Copa Davis peonato. Muitos acham que só joguei essa
minha irmã havia prestado na PUC, fiquei partida na minha carreira, todos falam do
com a minha mãe no carro e disse: “Você deixei claro que Pan-americano, mas ninguém fala de outros,
está vendo aquela porta da Faculdade? Você como a semifinal de Roland Garros. Parece
nunca me verá entrar nisso”. E ela respon-
deu: “Está bem, meu filho, continua brincan-
não era que minha carreira se resume a um jogo de
tênis, está bem, pelo menos o ganhei cem por
do que eu não quero mais nem escutar o que cento.
você vai falar”. Por incrível que pareça, aos político, o dia em
14 anos eu tinha um sonho e corri atrás, não Todas as suas disputas mostram sua de-
sabia se era fácil ou difícil, se era possível, que a política terminação. Você acha que é isso que ficou
mas queria muito ser tenista. Não queria para as pessoas? Acredito que devemos
trabalhar em escritório, queria jogar tênis, entrasse tomar cuidado quando se fala isso para não
viajar o mundo, ser esportista. Nesse perío- parecer arrogante, mas a minha aparição e
do, meu pai com toda a coragem, me man-
dou para fora para treinar e ficar sem estudar
no meu cargo, demonstração de que a vitória não é a única
saída foi importante. Cento e cinquenta mil
durante um ano. Isso foi um grande desafio pessoas por mês que acessam meu blog fa-
pra mim. Virei um dos melhores da Argenti- estaria fora” lam exatamente disso, que você pode perder
na e, não sei se é porque queria fugir da es- e ser bom. Acho que desmistifiquei um pou-
cola ou porque queria jogar tênis, até hoje eu co isso, porque percebi que o povo brasileiro
não tenho a resposta. não pensa só na vitória, o que ele não aceita
é o “corpo mole”, fica doido com “corpo
Ao falar de educação, seus pais lhe ensina- partes são importantes, a disciplina é essenci- mole”.
vam, mas sempre deixavam o caminho al para você ser um bom jogador ou não.
aberto para que você tomasse as suas deci- Quando você foi capitão da Copa Davis,
sões... O tênis é um esporte que nos dá uma A semifinal em Atlanta em 1996 quando teve muitos problemas com a Confedera-
educação e uma bagagem para nossos pais você perdeu a medalha para o indiano ção Brasileira de Tênis? Sou uma pessoa
que poucos esportes e poucas coisas na vida (Leander Paes), se fosse o Meligeni de muito sincera e franca, não tenho rabo preso
nos dão. Tudo que seus pais falam a respeito hoje, seria diferente? Com certeza. Tomara com ninguém. Sou incorruptível, ninguém
de educação, a respeito de disciplina, de que o Leander Paes não seja o mesmo de vai conseguir me dar presentinho pra eu falar
respeito, de não roubar, tudo isso há dentro antes. Como qualquer outro profissional, o bem ou mal. Na CBT, sou o cara que fala. E
da quadra de tênis. O seu técnico lhe fala tenista pode ter medo de entrar em quadra. O sempre tem aquela questão: “ele vai prejudi-
diariamente para ter companheirismo, já que grande diferencial é o quanto ele sabe con- car o tênis”. Acredito que prejudica muito
você treina com outro garoto, que você não trolá-lo, tem gente que vem, trava e não con- mais o tênis, não uma pessoa que fale, mas
pode roubar a bola, por ser a vez dele jogar. segue fazer nada e joga muito mal. Foi o que sim as que ficam mentindo e achando que
Então você aprende isso. Querendo ou não, a aconteceu, travei na disputa. A importância está tudo bem. Quando fui capitão da Copa
prática do esporte é uma segunda base de do jogo, o fato de ser argentino naturalizado Davis deixei claro que não era político, o dia
formação que complementa a dos nossos brasileiro, do COB (Comitê Olímpico Brasi- em que a política entrasse no meu cargo,
pais. leiro) não querer me levar, tudo isso entrou estaria fora; e foi o que aconteceu. Só que
em quadra comigo. Hoje vejo que se não sempre vou falar o que está errado, não levi-
A rotina de treinos, distância da família, o fosse essa derrota, não teria a carreira que anamente, porque nunca fiz isso. Fui critica-
que foi determinante para você nesse perí- tive e me tornado a pessoa que sou. É preci- do a vida inteira e tive que aceitar. O presi-
odo, ter disciplina ou muita vontade? so perder para depois ganhar, isso faz parte dente da CBT está lá para isso, o cargo é
Quando fui para a Argentina, vi meus famili- do esporte. uma vidraça.
ares poucas vezes e isso me fez perceber que
era isso que eu queria. Que aguentava ficar Qual o sentimento de um esportista que Existem planos de algum outro tipo de
fora de casa sozinho, longe dos meus ami- encerra sua carreira com uma medalha de torneio nos moldes da Copa Fino? E quais
gos, nas datas importantes, sem balada, ba- Ouro do Pan no peito, em uma final com o são os trabalhos que você desenvolve hoje
no esporte? Quando decidi fazer a Copa
gunça. Quando estamos treinando, trabalhan- Marcelo Rios? Não sei se sou merecedor de
Fino, quis fazer um campeonato que ajudasse
do, deixamos a vida passar, entre aspas. A- tanto. O Brasil inteiro vendo uma disputa o esporte, diferentemente de muitos promo-
minha vida social, por exemplo, começou acirrada com um ex- número um do mundo, tores de eventos que fazem um campeonato
depois dos 30 anos, é muito difícil. As duas era dia dos pais, tudo isso fez com que as pra ganhar dinheiro. Em 2003 ao parar de
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3. jogar, disse para as pessoas que trabalhavam “As pessoas não Eu passo as coisas dos bastidores do esporte,
comigo: “se a gente conseguir cinquenta mil a pressão dentro do corpo, da cabeça de um
reais pra fazer o evento, iremos gastar cin-
quenta mil”. Só que pra isso, eu precisava da
têm que ir atleta e o jornalista tem a informação, a his-
tória, os números. Não estou tirando lugar de
ajuda da nossa entidade (CBT), eles tinham ninguém, apenas incremento uma informa-
que abraçar a causa, mas nunca tive apoio. no meu blog ção.
Além de me dedicar a esse projeto, eu tinha
outros caminhos, como treinar alguém, po- procurando a E a polêmica de levar ou não o Ganso e o
rém, ía ter que viajar como um condenado de Neymar para a Copa do Mundo? Será que
novo, o que não era a minha vontade. Então notícia que o Neymar, mesmo sendo tão bom, só joga
decidi por um outro lado, que é o de fazer bem porque tem o Ganso de um lado e o
exibições, clínica de tênis para clubes, acade- Robinho do outro? Vai levar o time inteiro
mias e eventos corporativos. No Brasil intei-
não existe, do Santos? Se for, perderá a Copa com cer-
ro faço mais de 30 eventos por ano. Escrevo teza, porque não há maturidade. Já entrevis-
no meu blog onde não ganho nada, sem inte- e sim a notícia tei o moleque, e não sei se é a hora, você
resse em comercialização. É apenas informa- pode queimar o atleta. Acho que o Dunga
ção para as pessoas que querem saber sobre que um jornalista não está fazendo de maldade, até ele ser
os bastidores do tênis. Escrevi um livro tam- convocado, ele é uma promessa, quando ele
não pode dar”
bém com o mesmo intuito e, por meio desses entrar no time, vira uma solução. Mas se não
eventos, sei quem joga bem em Aracaju, em der certo, e for execrado pela mídia e pelo
Rondônia, querendo ou não sou um olheiro público, ele não vai ter cabeça como os joga
desses meninos. dores experientes têm para assumir que jo-
gou mal.
Você se refere a sua escolha de se naturali- co os primeiros professores, os primeiros “ao
zar brasileiro como uma escolha vinda do mestre com carinho”. Eles foram fundamen- Aqui tem! Aqui tem! Você gritou em qua-
coração. Alguma das suas escolhas lhe tais. Sou o aguerrido que sou, logicamente dra para provar que ainda estava no jogo.
deixou arrependido? Não. Quando você faz pelo lado familiar que tem essa cultura, mas Como homem e brasileiro, qual seria o
a escolha pensada e com o coração, você também por causa do Nunes. Me lembro de significado desse grito se fosse diante da
analisa os prós e os contras, acredito que seus incentivos até hoje. difícil realidade do povo brasileiro? O
possamos nos arrepender de não ter feito povo brasileiro ainda é um pouco submisso
melhor alguma coisa, mas não de ter feito a Como o Fino foi parar no comando de aos problemas que vivencia. Reclamamos
coisa. Quando jovem, poderia ter feito me- programas de tv? Acabei aparecendo na demais dos problemas políticos, dos proble-
lhor algumas coisas, ter treinado mais em televisão por acaso. Fui participar de um mas, em geral, do país e fazemos de menos.
determinadas situações, ter sido um pouco piloto como entrevistado na MTV e, por ser Se mostrássemos o quanto ficamos chateados
mais aberto, mas tudo isso faz parte do ensi- uma pessoa muito comunicativa, o diretor do com a quantidade de impostos, o pouco que
namento. Eu tinha tomado a decisão de parar programa achou melhor eu ficar no lugar do se faz com o dinheiro público, com a saúde
de jogar tênis em 2001, mas tive a sorte de entrevistador. Assim, fiquei 4 anos na TV. O ridícula, com a falta de segurança, com as
ter um treinador e amigo chamado Erique ruim de você se dedicar durante tanto tempo ruas esburacadas e com os pedágios gigan-
Perez que não me permitiu fazer isso. Mas a um esporte, é que quando você para, vira tescos, com certeza, nossos políticos teriam
mesmo se tivesse parado sem a medalha de um desempregado, um aposentado. Por medo de fazer as barbáries que fazem. Não
Ouro, eu teria encerrado minha carreira mui- isso, assim que decidi parar com o esporte, a podemos esperar que o nosso país seja uma
to bem, porque já tinha olhado o tênis de equipe que trabalhava comigo já começou a potência enquanto a impunidade e o jeitinho
uma maneira diferente, e agradeço isso a ele estudar algumas coisas que eu poderia fazer. brasileiro vencerem. Eu conheci o mundo, e
país como o Brasil não há, isso eu garanto.
Você falou do Enrique Perez, também tem Como foi sua recepção na mídia pelos Agora, povo que deixa as coisas acontecerem
o José Flávio Nunes, qual a importância profissionais do meio, já que alguns tor- e faz de conta que não é com ele porque está
dessas pessoas na sua vida? O “Sarará cem o nariz para ex-esportistas ocupando bem de vida, isso é o que mais tem aqui,
Nunes” é o cara que me ensinou a jogar tênis suas vagas ? Nunca me senti um profissional como eu nunca vi no mundo inteiro. A gente
e é gratificante vê-lo continuar com esse do meio, um jornalista, pois ele dá o furo da tem que mostrar que “Aqui tem” povo,
sonho de fazer as coisas acontecerem pra matéria, eu não. Eu passo o que sei passar. “Aqui tem” gente que não está gostando do
molecada. Ele fica muito feliz com o meu As pessoas não têm que ir no meu blog pro- que eles estão fazendo, é isso que falta ter;
reconhecimento, porque a gente mora num curando a notícia que não existe, e sim a mais gente, não revolucionária, mas que não
país onde as pessoas reconhecem muito pou- informação que um jornalista não pode dar. aceite que passem a mão na bunda delas.
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