Este documento apresenta uma série de ilustrações inspiradas em textos de poesia e músicas. Discute conceitos de ilustração, história da ilustração, técnicas como desenho a nanquim e pintura digital. Apresenta referências como Albert Dürer, Tom Eckersley e Adara Sanchez. Descreve a concepção e execução das oito ilustrações que compõem a série, explorando visualmente os textos e músicas selecionados.
1. VASCO MENDES PAEZ NETO
ILUSTRA
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
CURSO DE ARTES VISUAIS/BACHARELADO
Campo Grande - MS
2014
2. VASCO MENDES PAEZ NETO
ILUSTRA
Campo Grande - MS
2014
Trabalho de conclusão de curso
apresentado ao Curso de Graduação em
Artes Visuais da Universidade Federal
de Mato Grosso do Sul como requisito
final para aprovação.
Orientador: Prof. Elomar Bakonyi
3. VASCO MENDES PAEZ NETO
ILUSTRA
Campo Grande, MS, _____ de __________________ de 2014
COMISSÃO EXAMINADORA
__________________________________________________
Prof. Elomar Bakonyi
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
__________________________________________________
Profª. Carla Maria Buffo de Cápua
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
__________________________________________________
Profª. Priscilla de Paula Pessoa
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
Trabalho de conclusão de curso
apresentado ao Curso de Graduação em
Artes Visuais da Universidade Federal de
Mato Grosso do Sul como requisito final
para aprovação.
4. RESUMO
Neste trabalho será apresentada a série Ilustra, que representa através de
ilustrações feitas com a técnica do desenho a tinta nanquim e da pintura digital
textos de poesia e músicas. Ainda será discutida a história da ilustração, e
alguns conceitos das técnicas de desenho, tinta nanquim e ilustração digital.
São também apresentados alguns nomes importantes para a área da arte e
ilustração. São demonstrados a concepção e as etapas de execução das
ilustrações, e apresentada uma breve reflexão sobre cada uma.
Palavras-chave: Ilustração. Ilustração digital. Poesia. Música.
5. SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 6
CAPITULO I - TEORIAS E BASES 8
1.1 Ilustração 8
1.1.2 Ilustração digital 11
1.1.3 Poesia, música e ilustração 12
1.2 Técnicas 14
1.2.1 O desenho 14
1.2.2 Tinta nanquim 15
1.3 Referências visuais 15
2. CAPITULO II - DA CONCEPÇÃO À ARTE FINAL. 18
2.1 Concepção da série. 18
2.1.2 Do esboço à arte final. 20
2.2 As Ilustrações. 24
CONSIDERAÇÔES FINAIS 43
REFERÊNCIAS 44
6. 6
INTRODUÇÃO
O que você pensa quando escuta uma boa música? Ou
quando lê um bom poema? Posso dizer que no meu pensamento formam-se
imagens, que vão ganhando nitidez conforme aprecio e sinto o texto ou a
música em questão. É fechar os olhos e imaginar. Captar essa imagem e
passá-la para o papel, de modo a ilustrar sua fonte inspiradora, com tudo o que
consigo absorver, é o desafio que proponho com a série Ilustra.
O presente trabalho fará uso das técnicas de pintura e colagem
digital e desenho à tinta para apresentar uma série de oito ilustrações
inspiradas em textos literários de poesia e músicas selecionadas pelo próprio
autor, utilizando-se como critério de escolha as possibilidades oferecidas por
cada uma para a realização de uma ilustração que pudesse melhor explorar de
forma criativa o texto ou a música apresentados. As ilustrações foram
pensadas de modo a compor as páginas de um livro, junto aos textos e
músicas selecionados.
O objetivo é demonstrar que a poesia e a música são áreas
fecundas e inspiradoras para o artista ilustrador explorar as possibilidades
visuais que as palavras e as melodias fornecem para a criação de ilustrações.
As obras deste trabalho propõem essa abordagem e interpretação da poesia e
da música, de forma a abstrair o sentimento e o entendimento, e fazê-lo
aparecer nas cores, estilos e expressão da imagem.
Será apresentado no primeiro capítulo as teorias e bases que
compõe este trabalho. Vão ser desenvolvidos neste capítulo os conceitos
básicos da ilustração e sua história, e das técnicas importantes para a
realização das ilustrações que estão aqui, como o desenho a grafite, desenho a
tinta nanquim e a pintura digital. Nas pesquisas realizadas, alguns artistas e
ilustradores serão comentados ou citados, como : Albert Dürer, Tom Eckersley,
Roger Dean, Afonso Maria Mucha, Gustav Klint. recebendo uma maior atenção
7. 7
os artistas que possuem o trabalho mais próximo dos objetivos da minha série,
a ilustradora Adara Sanchez, e o artista e ilustrador Apolo Torres.
O segundo capítulo trata da concepção e execução das
ilustrações que compõe a série Ilustra, descrevendo os objetivos e a estrutura
gerais da proposta. Contém as etapas de execução e criação das obras, e as
reflexões e análises específicas de cada uma. Encerrando, é apresentada uma
conclusão sobre o trabalho, fazendo uma breve discussão sobre a experiência
e os resultados obtidos com o projeto.
8. 8
CAPITULO 1 - TEORIAS E BASES
Será abordado neste capítulo a história e os conceitos da
ilustração, da poesia e da música, e as teorias que servem de base para as
técnicas utilizadas na execução da série deste trabalho. Ainda serão
apresentados as referências que serviram de base para este projeto.
1.1 Ilustração.
Hall (2012, p. 6) em seu livro Fundamentos essenciais da
ilustração diz que Ilustrar é fazer uma imagem pictórica que será utilizada para
acompanhar um texto de forma a explicá-lo melhor, ainda coloca que o trabalho
do ilustrador acontece a partir de uma idéia prévia que é encapsulada para que
possa posteriormente criar e comunicá-la a um determinado público, fazendo
isso de maneira articulada e inovadora. Oliveira (2008, p. 43) em seu livro Nos
Jardins Boboli: Reflexões sobre a arte de ilustrar livros para crianças e jovens,
afirma que uma imagem será considerada ilustração quando consegue
transmitir uma idéia ou uma mensagem. Em uma ilustração podem estar
escondidos inúmeros elementos que reforcem a mensagem a ser transmitida:
estilo, técnica, cores, formas, expressões ou mesmo o conjunto do trabalho.
Segundo Chinen (2011, p. 108), a ilustração quando bem
empregada abre grandes possibilidades para se transmitir a informação,
livrando-se de certas limitações impostas pela utilização de objetos do mundo
real e permitindo a introdução de conotações conceituais, além da
possibilidade de detalhar seletivamente aspectos relevantes à mensagem
pretendida.
A saturação das imagens fotográficas na mídia impressa fez
com que a ilustração voltasse ao cenário. A ilustração pode ir além dos limites
da fotografia imposto pelo objeto, permitindo transmitir emoções e nuances que
o realismo fotográfico muitas vezes não consegue. "As ilustrações podem
transmitir a sensação de que algo é bastante pessoal, principalmente devido ao
9. 9
tempo que o ilustrador dedica para criar a imagem e ao fato de que foi criada à
mão, não por algum aparelho mecânico." ( Ambrose, 2009, p 36.)
Castagini (2010, p. 08) afirma que é complicado estabelecer
uma data de início na história para a ilustração, uma vez que o ser humano
registra a sua própria história em desenhos desde o período pré-histórico. Mas
se levarmos em consideração a definição dada a ilustração por Hall ( 2012,
p.6) e por Oliveira (2008, p. 43), ou seja, pensando em ilustração como imagem
que acompanha o texto tendo a intenção de facilitar o entendimento e agregar
informação, podemos citar como primeiros ilustradores, os artistas plásticos do
século XVI, Albert Dürer e Hans Holbein.
A invenção da prensa por Gutemberg é apontada como um
momento divisor no ramo da ilustração. Com a impressão de livros em série,
criou-se a demanda por ilustradores que ilustrassem esses textos de forma que
atendessem os padrões exigidos pelo processo gráfico da época, o que
limitava as possibilidades da utilização de cores e materiais do artista.
Antes da Segunda Guerra Mundial, de modo geral os
ilustradores haviam se mantido dentro das técnicas tradicionais, imposta pelos
artistas renascentistas e vitorianos. A partir dos anos vinte, a ilustração começa
a experimentar um certo vanguardismo, explorando novas linguagens visuais
oferecidas pelo modernismo.
Segundo Lawrence Zeegen em seu livro, Fundamentos de
Ilustração (2005, p.13), não é fácil determinar o momento específico em que
começou a ilustração contemporânea. Em 1940, temos os clássicos cartazes
ilustrados por Tom Eckersley para o esforço de guerra americano durante a
Segunda Guerra mundial, e uma década mais a frente, os cartazes de Abram
Games no metrô de Londres. A partir de 1960 com o estabelecimento dos
movimentos artísticos surgidos até então, e o aumento sem precedentes do
consumismo durante a expansão comercial pós guerra, houve a necessidade
de uma linguagem gráfica com a qual os movimentos juvenis em expansão
pudessem se identificar. "Foram provavelmente os Beatles que deram a cultura
10. 10
pop algumas de suas ilustrações mais memoráveis, a capa de Klaus Voormann
para Revolver em 1965 e Peter Blake que misturou abordagens ilustrativas e
fotográficas para criar a capa de Sgt. Pepper´s..." (Zeegen, 2005, p.13).
Ainda segundo Zeegen (2005, p. 14) durante a década de 70,
as Ilustrações assumiram a estética visual da ficção cientifica e da Fantasia,
destacando nomes importantes como Roger Dean e Peter Jones. Com o
movimento punk, o design adotou uma abordagem mais crua e violenta,
fazendo uso de recortes e colagens, como fez para as bandas inglesa Sex
Pistols e The Clash. Os artistas começaram a romper as tradições trabalhando
de formas ainda mais expressivas e sintéticas, adotando para as artes gráficas
e ilustração, novas práticas como por exemplo o uso de montagem e colagem -
do cubismo e do surrealismo - e os experimentos cromáticos do fauvismo.
Segundo Castagini (2010, p. 08), as décadas de 80 e 90
marcaram o fim de uma disciplina estritamente analógica e abriram portas para
as possibilidades do mundo digital na Ilustração.
A cultura popular, assim como a experimentação de diferentes
técnicas de reprodução, também exerceu grande influência sobre as
Fig.01- Poster. Tom Eckersley.
757 x 491 mm. 1942. Litografia
sobre papel.
Fig.02- Album cover para a banda Yes.
Roger Dean. 43 x 31 cm. 1975.
11. 11
ilustrações. Houve uma fusão da tradição dos estilos clássicos com o
experimentalismo técnico e artístico dos movimentos culturais da época,
contribuindo para uma crescente gama de estilos de ilustração. (Zeegen, 2005,
p.15).
1.1.2 Ilustração Digital
Os profissionais da ilustração contemporânea utilizam o
computador para a criação total ou parcial de uma imagem. Hall (2012, p.36)
explica que empregando em conjunto um scanner e uma impressora, pode-se
gerar qualquer imagem desenhada, impressa ou pintada, e em seguida
desenvolvê-la e aperfeiçoá-la digitalmente através de programas, como o
Adobe Photoshop, Adobe Illustrator, Corel Draw, Corel Painter e outros tantos
mais.
Zeegen (2005, p.74) afirma que os designers gráficos
começaram por explorar os processos digitais que surgiram em meados de
1984 com o lançamento do Macintosh da Apple. Seria uma questão econômica
que atrasaria em quase dez anos a participação dos ilustradores na revolução
digital do design gráfico.
Nenhuma ferramenta ou processo teve tanto impacto do que o
computador sobre os métodos empregados pelo ilustrador, fato que foi notado
pelo design gráfico, que viu na ilustração digital uma abordagem totalmente
nova de criação e possibilidade pictórica graças a capacidade de explorar tanto
a habilidade de desenho quanto a manipulação de imagens. Sem as limitações
de uma técnica específica, o ambiente digital deu a liberdade de explorar e
experimentar uma ampla gama de métodos a partir do que fosse conveniente,
não sendo raro encontrar em uma ilustração uma mistura visual que contenha
elementos digitais, analógicos, tradicionais, fotográficos combinados a um
desenho feito a mão e com interferências de pinceladas na imagem. "Se é o
lápis que exerce o poder, o computador é que explora o poder e permite que o
12. 12
ilustrador transforme um desenho a lápis em uma gama infinita de novos
desenhos." (Zeegen, 2005, p.76.)
1.1.3 Poesia, Música e Ilustração.
Poesia é um gênero literário composto por versos que tendem
a seguir uma harmonia e expressar o sentimento do poeta através da beleza
estética da linguagem. Alguns elementos formais identificam uma poesia, como
o ritmo, os versos e as estrofes, elementos que compõem a métrica do poema.
A poesia permite que a língua ultrapasse a sua função comunicativa e se torne
matéria prima para a obra de arte, evidenciando as potencialidades do uso das
palavras a partir do arranjo habilidoso do poeta.1
Segundo Moraes em seu artigo Historia e música: canção
popular e conhecimento histórico (2000, p.204), a música é uma forma artística
que trabalha os sons e os ritmos nos seus diversos modos e gêneros sem
necessariamente exigir a atenção centrada do receptor, se integrando no nosso
cotidiano de modo permanente.
Ainda de acordo com Moraes (2000, p.204) a canção popular,
que é composta por verso e música, nas suas diversas variantes, é a que mais
faz parte das diferentes experiências humanas. A música popular, é mais
acessível aos que são analfabetos dos códigos musicais, possibilitando uma
criação e sonorização muito particular à trajetória e experiências do individuo,
além de possuir por esse caráter um forte poder de comunicação com ampla
dimensão da realidade social, especialmente no universo urbano.
"O que denominamos de música, portanto, pressupõe condições
históricas especiais que na realidade criam e instituem as relações
entre som, criação musical, instrumentista e o consumidor/receptor."
(Moraes, 2000, p.211)
1
Definição disponível em PUCRS. Como ler e escrever poesia . Disponível em:
< http://www.pucrs.br/gpt/poesia.php>. Acesso em 06 de junho de 2014.
13. 13
Segundo Oliveira (2008, p.44) a ilustração narrativa é aquela
que é sempre associada a um texto, que pode ser literário ou musical, como é
o caso de ilustrações para encartes de CDs. O que no entanto caracteriza esse
gênero são o ato de narrar e descrever histórias através de imagens, o que não
significa em hipótese alguma uma tradução visual do texto. A ilustração
começa onde o alcance do texto termina, e vice-versa.
Zeegen (2005, p.106) afirma que a ilustração não pode ser
encarada como uma disciplina que visualiza apenas textos, pois isso é
esquecer o poder de dar forma visual à música. Para cada ilustrador que é
apresentado à área na infância por meio dos livros, há outro que conheceu a
ilustração na adolescência por interesse à música. As imagens na música tem
um papel definitivo em moldar a forma como nos identificamos com a música
que ouvimos, criando uma identidade e uma personalidade em
forma visual.
Fig.03- Projeto para o CD Monkey- Journey to the West . Jamie Hewlett. 2008.
14. 14
1.2 Técnicas
1.2.1 O Desenho
Segundo Jubran em seu livro Desenho a mão Livre (2001,
p.08), o grafite é uma das técnicas secas mais acessíveis e com maiores
possibilidades de expressão gráfica e artística. Pode ser utilizado de várias
formas e é encontrado em distintos formatos, desde lápis, barras e em pó.
O lápis grafite, segundo Mayer em seu livro Manual do artista
de técnicas e materiais (1999, p.04), era utilizado em forma de lápis rudimentar
desde o século XVII. O lápis como o conhecemos, em seu formato moderno
com revestimento de madeira, data de aproximadamente o começo do século
XIX, sendo feito de grafita misturada com quantidades variáveis de argila,
dependendo do grau de dureza desejada. A grafita é um tipo de carbono que
quando pressionado contra o papel força suas partículas para dentro de suas
tramas, dando um leve toque lustroso sem criar relevo.
Hall (2012, p.23) afirma que o desenho é a base das artes
visuais, sendo que a ferramenta mais comumente usada nesse processo é o
lápis, muito popular graças aos seu fácil acesso e versatilidade de manuseio.
"O desenho pode tomar muitas formas visuais diferentes, desde as mais
ingênuas, até as mais realistas, das mais simples e grosseiras, até as mais
complexas." (Hall, 2012, p.24)
Essa característica é comumente chamada de "vernacular" e é
determinada pelas suas próprias intenções artísticas. Pode ser também
dividido de maneira artificial em duas categorias principais: o rafe e o desenho
finalizado.
O rafe (esboço, estudo, sketch), dá a liberdade para o artista
iniciar, desenvolver e aprimorar as idéias de maneira clara e flexível. Ele existe
15. 15
para ser alterado, discutido e melhorado, sem que se corra o risco de se perder
muito tempo na implementação das mudanças necessárias.
O desenho finalizado difere do rafe no sentido de que ele
aparece completo, sem a necessidade de adições ou subtrações, e contém
tanto precisão na observação, quanto autenticidade.
1.2.2 Tinta Nanquim
O desenho com tinta nanquim é um dos meios mais antigos de
expressão visual do homem, datado de aproximadamente 2500 anos a.C.
Atualmente existem tintas nanquim permanentes ou solúveis em água,
adequadas a diversas técnicas e estilos de desenho. Segundo Jubran (2001,
p.17), Para aplicar a tinta no papel, pode-se utilizar diversos materiais, mas os
mais tradicionais englobam penas de metal, pincéis de caligrafia, canetas
descartáveis e canetas de bambu. Hoje temos a opção de escolher o tipo da
ponta de pena para o tipo de traço desejado, obtendo um traço mais fino, ou
um traço flexível, com variação de espessura.
1.3 Referências visuais
Comecei a desenhar inspirado nas ilustrações que me tiravam
do mundo real e me absorviam para dentro delas, feitas por mestres da arte e
da ilustração como Afons Maria Mucha, Gustav Klint, Edmund Dulac, John
Bauer e muitos outros. Após começar este projeto, vários nomes mediante as
minhas pesquisas foram somados às minhas referências, como Norman
Rocwell, Yoshitaka Amano, Beatrix Potter, Boris Vallejo e Rien Portvilliet.
16. 16
Falarei um pouco sobre os que considero que tem um trabalho mais próximo
deste projeto: Apollo Torres e Adara Sanches .
Nascida em Sevilha, Espanha, no ano de 1987, Adara Sanches
cursou Belas Artes em Sevilha, fazendo posteriormente uma pós graduação
em ilustração na cidade de Barcelona. Segundo a página online da ESPM:
Escola de criação (2014), a artista é apaixonada por aquarela, pelo corpo
humano e suas nuances, pele, mãos e ossos. Seu trabalho é forte mas de
grande sutileza no uso das cores e linhas, o que cria um contraste interessante
em suas obras.
A artista se define como uma observadora que aprecia os
pequenos detalhes, encontrando inspiração em objetos e lugares mundanos, e
nas curvas do corpo humano e as poses que ele pode assumir. Seu trabalho
utiliza-se do desenho, aquarela e da arte digital, muitas vezes unindo todas
essas técnicas em uma obra só2
.
2
Informações retiradas de ESPM. Disponível em: <http://escoladecriacao.espm.br/2011/adara-sanchez-
anatomia-aquarelada/>. Acesso em 02 de novembro de 2014
Fig.04- Imagem retirada do portfólio virtual da artista.
Mixed Media. Sem dados disponíveis. Fig.05- Imagem retirada do
portfólio virtual da artista. Mixed
Media. Sem dados disponíveis.
17. 17
Segundo informa em seu próprio site3, Apolo Torres é artista e
ilustrador, mora em São Paulo, cidade onde nasceu em 1986, formando-se
bacharel em desenho industrial pela Mackenzie de São Paulo. O artista afirma
em sua página pessoal que a sua arte age como um registro dos seus
pensamentos e humor de um determinado momento. As experiências
adquiridas misturadas a sua admiração pelos assuntos do cotidiano fazem com
que a linguagem de suas obras se apresente de maneira poética, munida de
metáforas e simbolismos para representar e transmitir as suas idéias e
filosofias.
A relação entre figura e plano de fundo é assunto recorrente
nas suas séries. Conforme as informações retiradas da sua página, o artista
afirma que o graffiti levou as ilustrações a lugares inesperados e criou novos
universos sobre a parede. Ele dialoga com a arte urbana ao representar
plasticamente as texturas naturais do ambiente urbano, e ao voltar a atenção
para as possíveis variações de relação entre figura e fundo, sobrepondo dois
recortes distintos da cidade. São fragmentos das cenas urbanas que repousam
sobre um fragmento de muro, fazendo com que a superfície pictórica se integre
ao restante da figura seja na forma de chão, céu, água, muro ou até mesmo a
própria superfície da tela de pintura.
"Meu trabalho é fundamentalmente urbano. Os pensamentos
aparecem e desaparecem num fundo – cidade – que não é mais
aquele que recorta a figura, mas se forma com ela, nasce dela, funde-
se a ela. A cidade é a minha maior influência, e morando em São
Paulo, vivo a experiência urbana de maneira muito intensa. A cidade
promove encontros constantes. Vidas que se complementam, são
codependentes e estão a todo tempo criando novas maneiras de
coexistir." (Apolo Torres)
3
Disponível em: <http://apolotorres.com/site/>. Acessado em 02 de novembro de 2014.
18. 18
2. CAPITULO II - DA CONCEPÇÃO À ARTE FINAL.
Este capítulo tem a finalidade de apresentar todo o trajeto
criativo que envolveu a criação da série, desde a Idéia inicial concebida pelo
autor, passando pelo esboço, e posteriormente finalização. Serão
apresentados ao leitor através de imagens as etapas envolvidas na execução
de cada ilustração e os materiais empregados, e será feita uma breve reflexão
a respeito das ilustrações que compõe a série.
2.1 Concepção da série.
Sempre ao ouvir uma música, ou ler um poema, eu pensava
em imagens. Conforme as palavras iam entrando na minha cabeça, quando as
lia em versos, ou as ouvia em uma melodia, iniciava-se um processo em que
Fig. 06- Emergir. Apolo Torres. 80x 120 cm. 2011.
Acrílica e spray sobre tela.
Fig. 07- O Ciclo. Apolo Torres.
Grafite sobre papel e pintura
digital.
19. 19
figuras surgiam espontaneamente no pensamento. Esse processo sempre foi
muito prazeroso para mim, sendo difícil não associar uma música, ou uma
poesia a uma imagem formada mentalmente.
A partir desse prazer, me veio a idéia de tentar ilustrar aquilo
que eu via e sentia ao ouvir determinada música ou lia certo poema, e compor
as páginas de um livro com esses resultados. Originalmente, tentei associar
texto e imagem como se fossem um só, influenciado pelo design gráfico.
Cheguei a produzir duas ilustrações assim, mas enfrentei relações conflituosas
entre o tipo e a imagem. Comecei a notar que o tipo estava competindo com a
figura e que talvez a solução ideal fosse uma maior limpeza visual. A imagem
me parecia suja, amarrada, estática.
Foi aí que, ouvindo a opinião de professores e refletindo sobre
o tipo e a imagem, e a relação entre eles que comecei a experimentar a
imagem desassociada do tipo. O papel do texto era a inspiração e a obra a
imagem gerada por ele.
Consegui com isso ampliar as possibilidades na criação, e dar
uma maior expressão à ilustração, já que as informações do desenho e as
cores utilizadas na pintura não iriam concorrer com o tipo sobre a imagem.
O computador foi um grande avanço para a ilustração, permitiu
que explorássemos novas possibilidade em apenas alguns clics, fato que
exigiria muito tempo e dedicação caso fosse feito da maneira tradicional.
Apesar desse avanço, simular a expressão e o gestual da linha no desenho
como é feito no papel, ainda é muito complicado de se fazer no computador.
Para manter a expressão do traço, e deixar a ilustração mais orgânica, optei
por fazer os desenhos de maneira tradicional, utilizando tinta nanquim aplicada
com bico de pena, pincel e caneta.
A pintura, decidi fazer no ambiente digital pela gama de
possibilidades que são oferecidas, ficando mais fácil e rápido experimentar
novas abordagens. Neste ambiente posso colorir uma área de azul, e se não
gostar, com um só clic do mouse mudar para qualquer outra cor.
20. 20
2.1.2 Do esboço a arte final.
Após definida a técnica, selecionado o tema, a poesia e a
música de cada ilustração, inicia-se o processo de criação e execução de cada
obra. Esse processo será apresentado a seguir na forma de um passo a passo
ilustrado, indo da fase do esboço visual das idéias, até a finalização digital da
ilustração.
Foi escolhida a ilustração Clandestino para demonstrar as
etapas de criação.
A fig. 08, trata dos materiais empregados durante as etapas do
processo de criação das ilustrações desta série. Foram utilizados papel sulfite,
papel vegetal, lápis HB e 2B para o esboço, caneta nanquim, pincel e tinta
nanquim para as etapas de finalização do desenho. Na etapa digital de
manipulação e colorização, foi utilizado um computador, um scanner, uma
mesa digitalizadora, e softwares como o Adobe Photoshop CS6, Adobe
Ilustrator CS6 e o Corel Painter X34
.
4
Segundo Caplin (2012, p. 32) em seu livro O essencial da ilustração, o Adobe Photoshop CS6, Adobe
Ilustrator CS6 e o Corel Painter X3
4
são aplicativos de computador utilizados para a ilustração digital.
Fig.08 - Materiais utilizados (Acervo do Artista).
21. 21
Na fig. 09, podemos observar o esboço feito com grafite (1) em
papel sulfite, que foi digitalizado posteriormente. Nessa etapa, é importante o
uso de referências visuais para ajudar a compor a idéia do que se pretende
ilustrar. Com o desenho aberto no Photoshop, comecei a esboçar o resto,
explorando as possibilidades de composição da cena (passos 2, 3 e 4).
Fig. 09 - Do rascunho à digitalização (Acervo do Artista).
22. 22
Após esta fase, o esboço da composição que foi feita no
Photoshop é impresso (5), para servir de base para a line art5
, fig. 10, feita com
tinta nanquim. A line art é feita colocando-se uma folha de papel vegetal sobre
a impressão, e depois traçando-se de maneira convicta as linhas feitas com
pincel, caneta e tinta nanquim (passos 5, 6 e 7). Após essa etapa, a line art que
está feita sobre o papel vegetal é novamente digitalizada através do scanner
para receber a pintura digital (8).
5
Castagini (2010, p. 16) afirma que a line art é normalmente a passagem do traço do desenho ou esboço
inicial para o traço definitivo.
Fig. 10 - Da line art a finalização (Acervo do Artista).
23. 23
A pintura digital é realizada no Photoshop, fig. 11, utilizando-se
os princípios de sobreposição de camadas. A primeira parte a receber a cor é o
penhasco (9). O fundo é uma mistura que resulta da colagem de uma fotografia
manipulada de um céu estrelado com camadas de tinta aplicadas sobre ele
(10). A última etapa foi definir e aplicar as cores que fazem parte dos
personagens em primeiro plano, e os detalhes de iluminação e sombreamento
da imagem (11).
Fig. 11 - Pintura digital (Acervo do Artista).
24. 24
2.2 As Ilustrações.
A primeira ilustração da série é O mundo não se fez para
pensarmos nele (fig. 12), que foi baseada no poema de mesmo nome de
Alberto Caeiros, pseudônimo de Fernando Pessoa, importante poeta
português. Procurou-se absorver o sentimento de liberdade e o olhar de
novidade sobre as coisas do mundo, como se percorrêssemos os nossos
caminhos pela a primeira vez, e dessa forma, estivéssemos escancarados à
surpresa que rondam o nosso caminho.
A imagem ilustra como seria esse caminho que percorremos
diariamente seja qual for o destino, se ele fosse percorrido com um "espírito"
de primeira vez. A alusão à fábula da "Chapeuzinho Vermelho" ajuda o
espectador a povoar e tornar-se íntimo desse mundo. Vivemos em um mundo
onde sair de casa é um risco. As tentações, os perigos ocultos, as mazelas, as
pressões, tudo pode acontecer ao abrir a porta de casa e colocar o pé na rua.
Saímos para o mundo (fora de casa) com um manual de comportamento, com
experiências compradas de forma barata, que nos diz como devemonos portar
mediante as situações que se apresentam a nossa frente. Mas aí vem a
pergunta: o que acontece se sairmos do caminho? Onde está o lobo mau da
nossa história? Não sei se vale a pena continuar na estrada segura só para
chegar à casa da vovózinha.
As linhas em preto procuram definir bem a forma dos objetos e
da própria garota na imagem. Optei por deixar que as cores atuassem de forma
livre e não tivessem nenhuma correspondência com as cores dos objetos da
nossa realidade, tornando o conjunto semelhante a um pensar, a um sonho
que terá fim ao acordarmos após uma noite de sono.
Mundo não se Fez para Pensarmos Nele
O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
25. 25
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de, vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...
Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender ...
O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...
Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar ...
Amar é a eterna inocência,
E a única inocência não pensar...
Alberto Caeiros
26. 26
Fig. 12 - O mundo não se fez para pensarmos nele. Técnica
mista nanquim/pintura digital. 28 x 20 cm (Acervo do artista)
A segunda ilustração, Mulher da vida (Fig. 13), é baseada no
poema de mesmo nome escrito pela poetisa e escritora Cora Coralina. O tema
abordado é a prostituição e o respeito dado às mulheres que atuam nessa
profissão, que existe há muito tempo na história da humanidade.
Passamos por essas mulheres sem nos importarmos com elas,
como se fossem ornamentos urbanos, ficam a margem social, junto aos
27. 27
indigentes, junto as pessoas que não olhamos o rosto. Esse é o objetivo que a
ilustração busca alcançar, denunciar o comportamento da sociedade com as
mulheres que por suas escolhas, ou não, se entregam à profissão do prazer.
Buscou-se concentrar o peso das linhas, o sombreado, nas
duas mulheres sem rosto, que parecem estar em segundo plano, com todo o
peso moral e social colocado sobre elas. Em primeiro plano, as pessoas que
passam, desenhadas com linhas mais soltas e sem sombreamento, buscando
uma impressão que causa a idéia de algo passageiro, as pessoas que passam
por ali sem se dar conta do submundo a sua volta.
As cores foram escolhidas e aplicadas com o intuito de deixar a
imagem com a impressão de "suja", transmitir uma sensação quente e vulgar
de um mundo misterioso que não gostamos de lembrar, mas acabamos por
nos esbarrar.
Fig. 13 - Mulher da Vida. Técnica mista nanquim/pintura digital. 20 x 28 cm (Acervo do artista).
28. 28
Mulher da vida
Mulher da vida,
Minha irmã.
De todos os tempos.
De todos os povos.
De todas as latitudes.
Ela vem do fundo imemorial das idades
e carrega a carga pesada
dos mais torpes sinônimos,
apelidos e ápodos:
Mulher da zona,
Mulher da rua,
Mulher perdida,
Mulher à toa.
Mulher da vida,
Minha irmã.’
Cora Coralina, in "Poemas de Goiás e Estórias Mais."
A canção A cor do desejo na voz de Ney Matogrosso, é
extremamente sensual e carregada de um erotismo velado. Acompanhado de
um violino, instrumento que por excelência representa muito bem quando
tocado os desejos dos amantes que não procuram outro fim, a não ser
consumir-se até a satisfação.
A terceira ilustração da série, São teus beijos que me acertam
e revelam a ti o meu coração (fig. 14), é inspirada nessa canção. As linhas que
desenham os dois amantes, são grossas e buscam a expressividade, que só
consegui alcançar ao substituir o bico de pena e a caneta nanquim pelo pincel.
O pincel permitiu um traçado mais espontâneo, menos calculado e mais
orgânico, ajudando a passar uma sensação maior de intimidade e sentimento
entre o casal, que busca apenas em consolidar o amor naquele momento,
29. 29
naquele ato, desapegado a qualquer pudor e preocupando-se apenas com a
união dos corpos.
As cores seguiram a sugestão da música, e foram aplicadas de
forma a compartilhar o interior dos dois amantes, nuances vermelhas, laranjas,
amarelas, verdes e azuis que expressão os sentimentos, muitas vezes
confusos que são compartilhados durante o ato sexual, que muitas vezes nos
são revelados pelos pequenos gestos no leito do amor.
O fundo foi escolhido apenas para amparar o primeiro plano da
imagem, e evitar que houvesse concorrência ou desvio de foco dos amantes, e
complementasse com as cores e formas a sensação e comunicação pretendida
pela ilustração.
Fig. 14 - São teus beijos que me acertam e revelam a ti o meu coração. Técnica mista nanquim/pintura digital.
30,5 x 40 cm. (Acervo do artista).
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A Cor do Desejo
A tua boca anda oca
Da minha língua
Da minha língua
A minha língua anda à míngua
Sem tua boca
Sem tua boca
Exatos são os teus olhos que invadem
E me revelam teu coração
Exata é a cor do teu deserto
A dor do teu deserto
Exatos são teus beijos que me acertam
E a ti revelam meu coração
Exata é a cor do teu desejo
A dor do teu desejo
Ney Matogrosso
Composição : Junior Almeida / Ricardo Guima
Uma menina tão desgarrada (Fig. 15) é o nome da quarta
ilustração da série que foi baseada na música do Zé Ramalho Mistérios da
meio noite. A música basicamente conta a história de uma menina que ao
descobri-se mulher, entrega-se ao seu professor, um homem com a astúcia e
experiência da idade que parece se aproveitar da inocência da menina frente
ao amor.
Nessa Ilustração usei a sobreposição de vários desenhos para
formar a imagem da menina que desabrocha na boca de um lobo. O desenho
foi todo feito usando o pincel com tinta nanquim de modo a criar uma sensação
orgânica, de fusão e movimento entre o lobo, a flor e a garota. Optei por inserir
uma imagem fotográfica manipulada de uma lua cheia para compor o fundo e
agregar informação.
31. 31
As cores são frias, com o intuito de representar a noite e o
mundo em que a personagem está inserida. O azul, na parte inferior lembra o
mar, simbolizando a agitação sentimental vivida pela garota. Os tons de cor
mais quentes estão aplicados na personagem; no rosto, no lobo e na rosa,
representando a paixão que ela vive na música, e sua opção por se entregar
aos sentimentos ao invés de viver uma vida a abdicá-los.
Essa ilustração permite uma outra interpretação da história,
podemos considerar a menina que se descobre dona de seus sentimentos e
sabe muito bem vivê-los. Uma garota que cresceu e age na paixão como uma
predadora, uma loba.
Mistérios da Meia-Noite
Mistérios da Meia-Noite
Que voam longe
Que você nunca
Não sabe nunca
Se vão se ficam
Quem vai quem foi...
Impérios de um lobisomem
Que fosse um homem
De uma menina tão desgarrada
Desamparada se apaixonou...
Naquele mesmo tempo
No mesmo povoado se entregou
Ao seu amor porque?
Não quis ficar como os beatos
Nem mesmo entre Deus
Ou o capeta
Que viveu na feira...
Zé Ramalho
composição : Zé Ramalho
32. 32
A forma como condicionamos a nossa vida em algo que damos
o nome de tempo, e suas medidas que regem as nossas vidas, sonhos e
planos, sejam elas horas, dias, anos, o hoje, o amanha ou o ontem. Isso tudo
serve como tema para a quinta ilustração que recebe o nome de Gaiola (fig.
16) e que foi inspirada no poema Duração de Carlos Drummond de Andrade.
Tento mostrar com a ilustração de forma subjetiva e utilizando
alguns símbolos de como somos presos e explorados pelo tempo, e como em
nossa sociedade moderna somos levados a negligenciar aspectos básicos da
nossa existência em função do tempo. Sacrificamos muito por ele, ele nos
engole com a fome de um gigante insaciável.
Fig. 15 - Uma menina tão desgarrada. Técnica mista
nanquim/pintura digital/colagem digital. 42 x 30,5 cm. (Acervo do
artista).
33. 33
O desenho foi feito utilizando caneta nanquim, com a intenção
de conseguir uma linha mais precisa. A precisão é algo importante na medida
do tempo, e tentei explorar isso nos desenhos que compõe a imagem. A
sobreposição do ponteiro sobre a figura feminina expressa o rigor com que o
tempo rege e mede as nossas vidas, algo que é complementado pelos dois
relógios sobrepostos ao fundo da personagem. Os dois pássaros surpresos
que ensaiam o vôo para fora da gaiola, gaiola esta que é formada pelos ossos
do tórax, representam a qualidade inerente de liberdade dos sonhos e
pensamentos humanos, que como pássaros presos em uma gaiola, anseiam
pela liberdade, uma vida sem amarras e caminhos definidos.
As cores foram definidas de acordo a se integrarem e a
contrastarem ao desenho. Elas são aplicadas de modo a simular o acaso e a
liberdade, fatores que fogem do nosso controle. Isso tudo procura ajudar a
imagem a transmitir as sensações e idéias sobre o tema abordado.
Duração
O tempo era bom? Não era
O tempo é, para sempre.
A hera da antiga era
roreja incansavelmente.
Aconteceu há mil anos?
Continua acontecendo.
Nos mais desbotados panos,
estou me lendo e relendo.
Tudo morto, na distância
que vai de alguém a si mesmo?
Vive tudo, mas sem ânsia
de estar amando e estar preso.
Pois tudo enfim se liberta
34. 34
de ferros forjados no ar.
A alma sorri, já bem perto,
da raiz mesma do ser.
Carlos Drummond de Andrade, in 'As Impurezas do Branco'
A sexta ilustração (fig. 17) recebe o nome de Tudo mudou,
sendo baseada a partir da música Meu erro da banda Paralamas do Sucesso.
A música fala dos encontros e desencontros de um casal, que por não saber
lidar com as diferenças existentes entre eles, acabam por seguir caminhos
distintos.
Muitos casais tem dificuldade em um relacionamento em
compreender o jeito, e respeitar o espaço individual do outro. No espaço
urbano estamos sob forte estresse, causado pelas responsabilidades que
Fig. 16 - Gaiola. Técnica mista nanquim/pintura
digital/colagem digital. 45 x 30,5 cm (Acervo do artista).
35. 35
temos com a família, trabalho e as cobranças que nós sofremos por parte da
sociedade, e muitas vezes acabamos por nos frustrar por não conseguir
corresponder o que se espera de nós. Com isso, muitas vezes o nosso
relacionamento acaba sendo uma válvula de escape, e exercemos a mesma
cobrança que sofremos em cima do parceiro.
É esse, o estado que a ilustração procura captar e transmitir
para o observador, de modo a trazê-lo para um ambiente em que ele possa ter
afinidade.
Os dois animais, a girafa e o rinoceronte, representam a
diferença no modo de ser e pensar no mundo das pessoas do cotidiano, e que
mesmo assim com tantas diferenças, conseguem estar em um relacionamento.
Relacionamento esse que pode superar suas diferenças em detrimento de algo
maior que os une, ou vai se desfazendo aos poucos conforme esses contrastes
se tornam mais evidentes ao ponto de o convívio ficar insuportável.
As cores representam o calor do mundo urbano, que apesar de
todos os problemas, nos enche de esperança e aconchego. As cores que
compõem o casal, em vários momentos se mesclam por meio de manchas,
representando as coisas que carregamos do convívio com outras pessoas. No
mundo urbano, acaba sendo difícil dissociar o que é seu, e o que foi
incorporado.
Os desenhos foram sobrepostos e traçados com caneta
nanquim e pincel, obtendo uma composição próxima a de uma pirâmide, que
ajuda a evidenciar a hierarquia que olhamos desse ambiente.
Meu Erro
Eu quis dizer
Você não quis escutar
Agora não peça
Não me faça promessas
36. 36
Eu não quero te ver
Nem quero acreditar
Que vai ser diferente
Que tudo mudou
Você diz não saber
O que houve de errado
E o meu erro foi crer
Que estar ao seu lado
Bastaria
Ah! Meu Deus
Era tudo o que eu queria
Eu dizia o seu nome
Não me abandone
Mesmo querendo
Eu não vou me enganar
Eu conheço os seus passos
Eu vejo os seus erros
Não há nada de novo
Ainda somos iguais
Então não me chame
Não olhe pra trás
Não me abandone jamais
Não me abandone jamais
Não me abandone jamais
Os Paralamas do Sucesso
Composição: Herbert Vianna
37. 37
A sétima ilustração da série, Clandestino (fig. 18), é inspirado
na música de mesmo nome cantada pela Adriana Calcanhoto e composta por
Manu Chao. O tema abordado é o preconceito sofrido pelos imigrantes vindos
de países subdesenvolvidos.
A xenofobia é um problema cada vez maior nos países que
recebem muitos imigrantes. Esses imigrantes saem de sua pátria em busca de
oportunidades melhores de vida, já que vem muitas vezes de países pobres, de
baixo desenvolvimento humano ou nações que estejam passando por conflitos
armados.Essas pessoas se sujeitam muitas vezes a qualquer tipo de emprego,
e acabam sofrendo uma marginalização social, pois são empregados muitas
vezes em organizações que possuem atividades ilícitas.
Fig. 17 - Tudo mudou. Técnica mista nanquim/pintura digital. 37,5 x 30,5
cm. (Acervo do artista).
38. 38
A ilustração procura dialogar com o receptor estes aspectos
retratados pela música. O garoto que corre à frente representa os indigentes,
decidi vestir um saco sobre a cabeça dele para simbolizar este fato, que é
perseguido por uma massa social que enxerga nesses indigentes uma válvula
para a sua própria ignorância, atacando e evitando aquilo que não
compreende. Usei como inspiração para compor a imagem, cenas de alguns
filmes que trazem a perseguição ao monstro, como por exemplo a perseguição
ao monstro Frankstein.
O fundo foi montado a partir de uma fotografia que mostra um
céu estrelado, que foi manipulado e recebeu manchas de cores para se
integrar melhor ao desenho e as cores aplicadas sobre ele. O céu estrelado
serve para nos lembrar que viemos e vamos para o mesmo lugar em algum
momento, somos todos igualmente insignificantes individualmente e
importantes quando coletivamente para uma ordem maior.
Alguns símbolos estão espalhados pela imagem e servem
como recurso narrativo, que procuram traçar uma ordem dos acontecimentos.
O garoto com o saco na cabeça corre com um coração na mão após atravessar
uma porta sobre uma amarelinha. Usei crianças para fazer uma associação à
crença da criança interior de cada adulto. O coração roubado, representa uma
identidade roubada, um desespero para se sentir incluído em uma sociedade.
A porta representa um caminho escolhido, e todas as suas possibilidades e
conseqüências. A amarelinha é uma brincadeira infantil, onde o objetivo é pular
as casas para se chegar ao "céu". Ao interromper a amarelinha com o fim do
caminho que dá em um penhasco antes da última casa, o "céu", tento criar
uma expectativa sobre o futuro da ação que se desenrola na ilustração.
Clandestino (tradução)
Sozinho vou com minha dor
Sozinha vai minha condenação
Correr é meu destino
39. 39
Para burlar a lei
Perdido no coração
Da grande babilônia
Me chamam clandestino
Por não levar papel
Para uma cidade do norte
Eu fui trabalhar
Minha vida deixei
Entre Celta e Gilbraltar
Sou uma arraia no mar
Fantasma na cidade
Minha vida vai proibida
Diz a autoridade
Sozinho vou com minha dor
Sozinha vai minha condenação
Correr é meu destino
Por não levar papel
Perdido no coração
Da grande babilônia
Me chamam clandestino
Eu sou o quebra-lei
Mano negra clandestina
Peruano clandestino
Africano clandestino
Marijuana ilegal
Sozinho eu vou com minha dor
Sozinha vai minha condenação
Correr é meu destino
Para burlar a lei
Perdido no coração
Da grande babilônia
Me chamam clandestino
Por não levar papel
40. 40
Argelino clandestino
Nigeriano clandestino
Boliviano clandestino
Mano negra ilegal6
Adriana Calcanhotto
Composição: Manu Chao
A última ilustração (fig. 19) celebra a diversidade cultural em
que vivemos. Independente de onde viemos, de qual o nosso status social,
temos o direito de sonhar, direito de abraçar o mundo e suas idéias. Quando
6
Tradução obtida através do site letras.mus.br. Disponível em : < http://letras.mus.br/manu-
chao/7356/traducao.html>. acesso em : 15 out. 2014.
Fig. 18 - Clandestino. Técnica mista nanquim/pintura
digital/colagem digital. 45 x 30,5 cm. (Acervo do artista).
41. 41
criança, não perdemos tempo com os detalhes, fazemos do sonho realidade
com o que está ao nosso alcance. Um graveto vira uma espada pronta a
defender um castelo, uma toalha amarrada no pescoço nos faz ser capaz de
voar sobre os prédios mais altos. O mundo é das crianças!
As crianças de diferentes culturas vivem uma realidade
diferente umas das outras, mas todas são iguais quando se trata de imaginar,
de sonhar. Essa ilustração recebe o nome de O mundo é meu, e foi baseada
no poema Versos de Orgulho escrito pela poetisa portuguesa Florbela
Espanca.
O desenho é formado por um menino de cabelo crespo que
representa as etnias africanas, montado em um tigre, que é um símbolo de
força e dominação para a cultura asiática, que se equilibra em uma tampa de
Coca-Cola, um símbolo do capitalismo norte americano. Juntando esses
aspectos, procuro transmitir a idéia de globalização do mundo em que vivemos,
onde não existem mais fronteiras culturais, e sim um absorção de culturas pelo
indivíduo.
As cores são aplicadas com a intenção de reforçar essa idéia
de miscigenação cultural.
Versos de Orgulho
O mundo quer-me mal porque ninguém
Tem asas como eu tenho! Porque Deus
Me fez nascer Princesa entre plebeus
Numa torre de orgulho e de desdém!
Porque o meu Reino fica para Além!
Porque trago no olhar os vastos céus,
E os oiros e os clarões são todos meus!
Porque Eu sou Eu e porque Eu sou Alguém!
42. 42
O mundo! O que é o mundo, ó meu amor?!
O jardim dos meus versos todo em flor,
A seara dos teus beijos, pão bendito,
Meus êxtases, meus sonhos, meus cansaços...
São os teus braços dentro dos meus braços:
Via Láctea fechando o Infinito!...
Florbela Espanca, in "Charneca em Flor"
Fig. 19 - O mundo é meu. Técnica mista nanquim/pintura digital/
colagem digital.45 x 30,5 cm. (Acervo do artista).
43. 43
CONSIDERAÇÔES FINAIS
Foi altamente gratificante e desafiador ilustrar ao mesmo tempo
as músicas e poesias selecionadas para este projeto. Selecionar as músicas e
as poesias, equilibrando o gosto pessoal junto as possibilidades que poderia
explorar de cada ilustração demandou tempo e esforço, pois tive que me
desfazer de várias imagens pré-concebidas que já havia formado em minha
cabeça, para olhá-las de maneira nova, e buscar dar uma nova interpretação
ao texto e à melodia.
Há alguns aspectos que infelizmente são sacrificados quando
se trata de ilustrar uma música, entre esses aspectos o que mais sinto não
poder compartilhar por sua natureza é o som. Apesar de a ilustração
representar bem o "espírito" da música, creio que uma apreciação completa só
acontece com a visualização da imagem junto ao ouvir a música.
O processo de ilustrar foi desafiador por si só, conseguir reunir
as informações necessárias para que a imagem representasse as nuances e o
conteúdo do texto poético ou da música e ainda assim ter uma liberdade
artística e expressiva na abordagem foi um desafio. Desde o momento de
pesquisar as referências, em que procurei formar um arcabouço de imagens
para que pudessem alimentar a minha composição e chegar a soluções
criativas, até as etapas de definição do estilo de traço a ser utilizado nos
desenhos e como seriam aplicados as cores para que as ilustrações
mantivessem um aspecto onírico.
Foram expostos uma breve história da ilustração que nos
apresentou alguns nomes importantes para esta área, e as técnicas e meios
utilizados para chegar aos resultados. Para ilustrar, o profissional tem que ter
conhecimentos de várias outras áreas, dominar os aspectos técnicos que ainda
estão em evolução e não ter medo de juntar o "velho" com o "novo". A ordem é
experimentar.
44. 44
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ZEEGEN, Lawrence. The Fundamentals of Illustration. AVA, 2005
46.
47. Vasco Paez Neto - O mundo não se fez para pensarmos nele. -
Técnica mista nanquim/pintura digital. Dimensões 30x 20 cm.
48. Vasco Paez Neto - Mulher da vida.- Técnica mista nanquim/pintura digital.
Dimensões 24 x 30 cm.
49. Vasco Paez Neto - São teus beijos que me acertam e revelam a ti o meu
coração.- Técnica mista nanquim/pintura digital. Dimensões 30,5 x 40 cm.
50. Vasco Paez Neto - Uma menina tão desgarrada.- Técnica mista nanquim/pintura
digital/colagem digital. Dimensões 42 x 30,5 cm.
51. Vasco Paez Neto - Gaiola.- Técnica mista nanquim/pintura digital/colagem
digital. Dimensões 35 x 25 cm.
52. Vasco Paez Neto - Tudo mudou.- Técnica mista nanquim/pintura digital.
Dimensões 37,5 x 30,5 cm.
53. Vasco Paez Neto - Clandestino. - Técnica mista nanquim/pintura digital.
Dimensões 45 x 30,5 cm.
54. Vasco Paez Neto - O mundo é meu.- Técnica mista nanquim/pintura
digital/colagem digital. Dimensões 45 x 30,5 cm.
55. CURRÍCULO
Vasco Mendes Paez Neto
Rua Alfenas, 135. São Francisco.
vascopaezneto@gmail.com
Exposições:
A impressão que fica -Galeria Wega Nery - 05/2012
FAT 4.0 - Corredores da Unidade VIII UFMS - 09/2012
FAT 4.0 - Obra coletiva- Corredores da Unidade VIII UFMS - 09/2012
Exposição coletiva de escultura assemblage - Unid. VIII UFMS -10/2012
Coletivo Aurora - SESC Horto Florestal - 06/2013
Tintas e Afins - Morada dos Baís - 10/2014
Intro - Memorial da Cultura Apolônio de Carvalho - 11/2014