SUSPENSÃO DA INELEGIBILIDADE POR DECISÃO MONOCRÁTICA SOB A LEI DA FICHA LIMPA
1. DIREITO ELEITORAL - FICHA LIMPA - SUSPENSÃO DA INELEGIBILIDADE COM
SUPEDÂNEO NO ART. 26-C DA LC N. 64/90 POR DECISÃO MONOCRÁTICA.
Desde às eleições de 2010 a sociedade brasileira festeja a Lei da Ficha Limpa - Lei
Complementar n. 135/2010, protagonista de debates calorosos no Tribunal Superior
Eleitoral e no Supremo Tribunal Federal, e também responsável por trazer um "filtro de
qualidade eleitoral".
Esse "filtro de qualidade eleitoral" teve sua eficácia plena reconhecida nas eleições
de 2012 e nas eleições de 2014, primeira eleição geral sob sua vigência, protagonizando
obstáculos a mais de 500 candidatos em todo o País consoante pesquisa realizada pela
Procuradoria Geral Eleitoral e amplamente divulgada nas redes sociais e jornais de grande
circulação (http://www.prmg.mpf.mp.br/imprensa/noticias/eleitoral/mpf-impugna-mais-de-4-mil-candidatos-sendo-497-
pela-lei-da-ficha-limpa).
A Lei da Ficha Limpa foi declarada pelo Supremo Tribunal Federal constitucional sem
qualquer ressalva ao seu texto. E também assentou o STF que as novas causas de
inelegibilidade, e as alterações das causas de inelegibilidade já previstas na Lei das
Inelegibilidades, podem alcançar fatos pretéritos à sua vigência.
Outrossim, a decisão do Supremo Tribunal Federal acabou por tornar a aplicação da
Lei da Ficha Limpa ainda mais severa do que vinha aplicando a jurisprudência do TSE
antes da lei vir a ser afastada do processo eleitoral de 2010.
Pois bem, o presente texto tem por objetivo fomentar o debate em torno de um dos
pontos que mais chamam a atenção na Lei da Ficha Limpa, qual seja, a possibilidade de
exceção, em condição suspensiva, a uma das novas causas de inelegibilidade por ela
trazida.
A Lei Complementar nº 135/2010 alterou a redação de diversos dispositivos da Lei
Complementar nº 64/90, que dispõe sobre os casos de inelegibilidade, entre eles o artigo 1º,
inciso I, alínea “e”.
Antes da alteração introduzida pela Lei da Ficha Limpa, apenas a condenação,
transitada em julgado, pela prática de crime contra a economia popular, a fé pública, a
administração pública, o patrimônio público, o mercado financeiro, pelo tráfico de
entorpecentes e por crimes eleitorais, implicava inelegibilidade (art. 1º, inciso I, alínea “e”, da
Lei Complementar 64/90) .1
No entanto, a Lei Complementar 135/2010 introduziu novos casos de inelegibilidade,
entre eles a condenação, por decisão de órgão colegiado, por crime contra o patrimônio
privado. Vejamos o disposto no artigo 1, inciso I, alínea “e”, 2, da Lei Complementar 64/90,
com a redação dada pela Lei da Ficha Limpa:
Art. 1º São inelegíveis:
I - para qualquer cargo:
e) os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão
judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o
cumprimento da pena, pelos crimes:
2. contra o patrimônio privado, o sistema financeiro, o mercado de capitais e os previstos na
lei que regula a falência;
Art. 1º São inelegíveis:1
I - para qualquer cargo:
e) os que forem condenados criminalmente, com sentença transitada em julgado, pela prática de crime contra a economia popular, a fé
pública, a administração pública, o patrimônio público, o mercado financeiro, pelo tráfico de entorpecentes e por crimes eleitorais, pelo
prazo de 3 (três) anos, após o cumprimento da pena;
2. Acontece que a própria Lei da Ficha Limpa, previu a possibilidade do órgão
competente pra julgamento do recurso, havendo plausibilidade recursal, suspender a
inelegibilidade. Nesse sentido, vejamos o disposto no artigo 26-C da Lei Complementar
64/90:
Art. 26-C. O órgão colegiado do tribunal ao qual couber a apreciação do recurso contra as
decisões colegiadas a que se referem as alíneas d, e, h, j, l e n do inciso I do art. 1o poderá,
em caráter cautelar, suspender a inelegibilidade sempre que existir plausibilidade da
pretensão recursal e desde que a providência tenha sido expressamente requerida, sob
pena de preclusão, por ocasião da interposição do recurso. (Incluído pela Lei Complementar
nº 135, de 2010)
E mais, cuidou a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, formada ainda nas
Eleições 2010, antes que o eg. Supremo Tribunal Federal determinasse a incidência do art.
16 da Constituição para afastar a LC n° 135/2010 daquele pleito, a correta interpretação do
mencionado art. 26-C da LC n° 64/90, inovação decorrente da Lei da Ficha Limpa. E no
caso, tem sido amplamente admitida a concessão monocrática de liminar em medida
cautelar para suspender a inelegibilidade, de que trata o art. 26-C da LC ne 64/90. O leading
case foi a Questão de Ordem na Ação Cautelar n° 142085:
QUESTÃO DE ORDEM. AÇÃO CAUTELAR. SUSPENSÃO. EFEITOS. ACÓRDÃO
RECORRIDO. INELEGIBILIDADE. ART. 26-C DA LC Nº 64/90. DECISÃO MONOCRÁTICA.
RELATOR. PODER GERAL DE CAUTELA. VIABILIDADE. 1. Compete ao relator do feito
decidir monocraticamente pedido de liminar em ação cautelar. 2. O disposto no art. 26-C da
LC nº 64/90, inserido pela LC nº 135/2010, não afasta o poder geral de cautela conferido ao
juiz pelo art. 798 do CPC, nem transfere ao Plenário a competência para examinar,
inicialmente, pedido de concessão de medida liminar, ainda que a questão envolva
inelegibilidade. (TSE – QO em AC nº 142085, Acórdão de 22/06/2010, Relator Min.
MARCELO HENRIQUES RIBEIRO DE OLIVEIRA, DJE 28/06/2010, p. 61-62)
Como se observa do precedente acima, o TSE assentou que o art. 26-C da LC n°
64/90 não afasta o poder geral de cautela do relator da causa, e nem afeta a decisão sobre a
concessão liminar da cautelar ao órgão colegiado. Na verdade, como bem observado no voto
do em. ministro Marcelo Ribeiro, que conduziu aquele julgamento:
A competência para o julgamento final da cautelar, sem dúvida, é do órgão colegiado. O
relator, contudo, atua como órgão da Corte, cabendo-lhe, além do exame de pedidos de
liminar, a condução do processo, inclusive decidindo eventuais questões incidentes. Essa,
aliás, tem sido a práxis em todo o Judiciário brasileiro.
É dizer, além do art. 26-C da LC n° 64/90 não poder afastar o poder geral de cautela,
não assentou o mencionado dispositivo que somente uma decisão colegiada poderia
suspender a inelegibilidade. O que foi fixado no citado preceito é a competência para a
distribuição de eventual medida cautelar, no caso devendo ser endereçada ao “órgão
colegiado do tribunal ao qual couber a apreciação do recurso”. Mas isso não retira as
competências próprias do relator do processo, integrante deste órgão colegiado, inclusive a
de conceder liminarmente medidas cautelares aptas a suspender a inelegibilidade. Aliás, a se
pensar de forma diversa, os membros dos tribunais, salvo raras exceções em que a lei prevê
3. expressamente a sua competência para decidir monocraticamente, não poderiam mais fazê-
lo, dependendo toda a marcha do processo de decisões do órgão fracionário ou do Plenário.
Posteriormente, esta mesma interpretação foi confirmada no Agravo Regimental na
Ação Cautelar n° 238393 (Acórdão de 28/09/2010, Relator Min. ARNALDO VERSIANI LEITE
SOARES, DJE 21/10/2010, p. 26).
Desta forma, ainda que concedida monocraticamente, possível é o reconhecimento da
aplicação do art. 26-C da Lei da Ficha Limpa no que concerne da verificação das condições
de elegibilidade.