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Universidade Nove de Julho – Uninove
Curso: História
Professor orientador: Kátia Kenez
Período noturno
Enio E. A. Vieira – RA: 911200134
Trabalho de conclusão de curso
A crise da indústria fonográfica no início dos anos 1980 vista pela mídia
especializada, e a popularização da pirataria e da fita K7
2
Resumo
Este artigo tem como intenção interpretar as contradições no discurso midiático
sobre a crise da indústria musical durante o período de popularização da fita K7 e o
aumento da comercialização dos aparelhos para sua reprodução, focando suas análises
entre os anos de 1980 – 1981. Veremos como as condições socioeconômicas e as
tecnologias da época afetaram as vendas de discos, e as soluções propostas na época
contra o fenômeno da pirataria, que então se tornava cada vez mais corriqueiro, além de
uma campanha de conscientização contra esta prática de cópias ilegais. Utilizaremos
reportagens tanto da mídia de massas, tendo os jornais A Folha de São Paulo e O
Estado de São Paulo como representantes desse tipo de discurso, além de reportagens
da extinta revista Somtrês, especializada em música e técnicas de gravação em geral.
Ademais, mestrados diversos de historiadores, sociólogos, e antropólogos nos servirão
de fonte bibliográfica e base teórica, pois estes trabalhos buscaram entender a pirataria
não somente como um fenômeno novo possibilitado pelo surgimento de novas
tecnologias, mas como uma prática comum e própria do sistema capitalista. Em outras
famosas palavras, a pirataria só existe porque a própria indústria é responsável por
fornecer “armas contra si mesma” (MARX, 2011, p. 40).
Palavras-chave: Pirataria, Fita K7, crise, indústria musical, consumo de música.
Abstract
This article intends to serve as an interpretation the contradictions in the media
about the crisis in the musical industry that occurred in the event of the popularization
of the cassette tape and the increase in the commerce of appliances for its reproduction,
focusing its analysis between the years 1980 – 1981. We will see how socioeconomic
conditions and the technologies available at the time affected the sales of vinyl discs,
and the solutions proposed at the time against the piracy phenomena, which became
increasingly popular, besides a campaign to raise awareness against illegal copies. We
are going to use articles from the major press, such as the newspapers A Folha de São
Paulo and O Estado de São Paulo, as representative of the mass media speech, besides
articles and personal ads from the extinct Somtrês magazine, which specialized in music
and studio recording techniques. Also, we use as bibliographic and theoretical basis,
thesis and dissertations from historians, sociologists, and anthropologists, since these
words tried to understand piracy not only as a new phenomenon made possible due to
the appearance of new technologies, but as a practice intrinsic to the capitalist system.
In other words, piracy only exists because industry is responsible for providing “the
weapons against itself” (MARX, 2011, p. 40).
Keywords: Piracy, cassette tape, crises, musical industry, music consumption.
3
“A gente não quer só comida, a gente quer comida diversão e arte.”
(ANTUNES, Arnaldo/ FROMER, Marcelo/BRITTO, Sérgio. Titãs – Jesus Não Tem
Dentes no País dos Banguelas. Warner Chapp. 1987)
I. Introdução
Ao falar ante a comissão de jurisconsultos do Midem – Mercado Internacional do
Disco e da Edição Musical – o advogado brasileiro Henrich Gandelman lamenta as
facilidades de emprego das, então, novas tecnologias, pois permitiam “a rápida
reprodução ilegal de toda produção musical.”1
Tal discurso poderia ter sido dito por
um rockstar nos dias de hoje, culpando as facilidades do download e do MP3 pela baixa
venda de seu último álbum, mas foi dito em 1980, momento em que a proliferação de
tecnologias como o reprodutor musical, a fita K7 e o som automotivo se popularizavam.
Ademais, nosso país vivia momentos de turbulência, pois o governo Figueiredo
prosseguia no caminho da abertura política rumo à redemocratização do país, que ao
mesmo tempo sofria profunda crise econômica:
Tendo alcançado o índice anual de 110,2% em 1980, [a inflação] caiu para
95,2 em 1981 [...]. Desenhou-se naqueles anos um quadro que se tornaria
familiar aos brasileiros, chamado de “estagflação”, por combinar estagnação
econômica e inflação. (FAUSTO, 2012, p. 428).
O historiador americano Paul Friedlander aponta como já no fim dos anos 70,
“importantes tendências econômicas e artísticas estavam afetando o modo como a
música era criada e vendida”. Ele também nos diz como
O surgimento da tecnologia das fitas cassete [...], aliado a outras variáveis
econômicas, mais a perda de interesse do público por certos segmentos [...],
causaram uma queda nas vendas do produto no final dos anos 70.
(FRIEDLANDER, 2012, p. 346).
E essa queda nas vendas do produto, no caso, o LP, atingiu também a indústria
musical brasileira.
Tratava-se agora de uma severa retração da economia como um todo,
relacionada a fatores como a recessão mundial e o grande endividamento
externo do país, e tendo como resultante altas taxas de inflação (próximas a
100% ao ano), acompanhadas de expressivo aumento no desemprego. Suas
consequências serão devastadoras para a indústria do disco, que passa a
atravessar o que seria, até aquele momento, a maior crise de sua história
(VICENTE, 1996, p. 89).
“Embora a atual configuração tecnológica da indústria tenha conferido à questão
4
da pirataria uma importância inusitada, ela não deve ser vista como um fenômeno
recente” (VICENTE, 1996, p. 213). Friedlander desmistifica esta contemporaneidade da
pirataria ao escrever que 1969, o grupo de heavy metal Led Zepellin estava já “cansado
de competir com as gravações piratas” e arrastaram um suspeito da plateia que portava
um microfone, pois suspeitaram que este estivesse gravando o show para lança-lo em
um bootleg 2
(FRIEDLANDER, 2012, p. 336). Podemos ir ainda muito mais longe à
busca das origens da pirataria musical, antes mesmo da invenção dos suportes
fonográficos mais conhecidos, como o LP, o CD ou a fita K7, já que ambulantes
ingleses da passagem do século XIX ao XX vendiam cópias das partituras das obras
musicais da época:
Na Inglaterra, entre 1881 e 1906, editores de música e governo
intensificaram o combate à mesma prática [a pirataria de partituras]. Embora
grande parte do público demonstrasse certa indiferença, houve um apoio
considerável às edições desautorizadas, por serem compreendidas como uma
forma de acesso para aqueles que não podiam arcar com os custos dos
exemplares legítimos, muitas vezes caros. (SANTOS, 2010, p. 83).
II. Explicações para a crise fonográfica.
Os anos 70 foram, para a indústria musical brasileira, anos de crescimento em
vendas e prosperidade. O suposto milagre econômico promovido pelo governo civil-
militar trouxe mudanças significativas para nosso país:
Vivemos, entre 1967 e 1979, um período de altas taxas de crescimento, que
nos levaram à posição de oitava economia capitalista do mundo. Mas nosso
capitalismo combinava concentração gigantesca de riqueza e mobilidade
social vertiginosa, concentração de renda assombrosa e ampliação rápida dos
padrões de consumo moderno (MELLO e NOVAIS, 1998, p. 635).
Como veremos mais adiante, essa crescimento nos padrões de consumo causou
um significativo aumento da comercialização de discos, que transformou o
funcionamento da indústria fonográfica do ponto de vista mercadológico. Os anos 80,
no entanto, foram tempos de “grande turbulência, com intensa alternância entre
movimentos de crescimento e retração” quando houve “sob o signo da crise, [...]
expressivas quedas da produção verificando-se já em 1980 e 1981 (10,6% e 20,8%,
respectivamente)” (VICENTE, 2002, p. 87). Essa crise já era sentida pela mídia
especializada da época, como o caso da revista Somtrês.
A Somtrês, editada entre 1979 e 1989, foi uma publicação voltada para amantes
não apenas da música, mas das novidades em áudio e vídeo. Os números que utilizamos
para este trabalho foram publicados entre 1980 e 1981, e possuem várias reportagens
sobre toca fitas, vídeos cassete, toca-discos, amplificadores, aparelhos de som
automotivo, instrumentos musicais, e muitos outros produtos voltados para
consumidores e músicos. Em março de 1981, uma reportagem intitulada “A Crise em 33
5
RPM” faz a seguinte chamada:
Ninguém mais nega que a crise [financeira] chegou também ao setor
fonográfico. O indício mais claro está nas muitas tentativas que a indústria
do setor já está fazendo para enfrentar o ano [de 1981] que se anuncia
magro.3
Mas quais eram estas tentativas para enfrentar esse ano que se anunciava magro?
É interessante notar como tanto esta revista, voltada para um público específico e que
não se encontra mais em circulação, tanto quanto os grandes jornais de São Paulo,
Folha de São Paulo, e O Estado de São Paulo, debatiam a comercialização do disco de
dez polegadas, opção menor que o tradicional vinil de 12 polegadas, que por ser menor,
apresentaria uma série de vantagens. Segundo a Somtrês:
Os argumentos a favor do novo formato [...] começam na economia. A
resina de que são feitos os discos é derivada do petróleo [...]. Num disco
menor cabem menos faixas. Menor número de faixas exige menor tempo de
estúdio. Menor tempo de estúdio representa também um número menor de
horas pagas aos músicos para gravar. E mais: um disco menor tem capa
menor, reduzindo, portanto, o custo gráfico do produto final. 4
Tal formato fazia parte de uma série de iniciativas da Associação Brasileira de
Produtores de Disco (ABPD) para o enfrentamento da crise. Ademais de discos
econômicos, foram lançados álbuns com regravações, coletâneas, além de uma
campanha publicitária na TV incentivando a compra de discos originais (VICENTE,
2002, p. 95). Voltaremos a essa campanha publicitária e como ela foi vista na época
posteriormente.
Havia, no entanto, empecilhos que impediram que o álbum de dez polegadas
vingasse. Existia, antes de mais nada, uma desconfiança entre as gravadores e o
comércio. A revista culpa os vendedores de não repassarem o preço sugerido pelas
gravadoras para o produto final, o que prejudicava o comprador final. Um exemplo
dado é quando a Polygram lançou um LP de Jorge Mautner com o preço especificado na
capa de venda até Cr$ 15,00 em 1972. Segundo a reportagem, as lojas “simplesmente
não quiseram o disco, pois este já estabelecia uma margem de lucro determinada”4
. É
preciso relativizar essa culpa dada aos lojistas pelos altos preços dos discos, pois, como
já dito acima, nosso país vivia uma época de inflação altíssima, e é seguro supor que
discos chegassem ao varejo em um preço X, sofressem remarcações que
acompanhassem o ritmo da inflação. Assim que, um produto encalhado em uma
prateleira durante um ano poderia ser comprado, seguindo as interpretações das fontes
utilizadas para esta pesquisa, com um valor no mínimo proporcionalmente mais alto que
seu preço de capa original, de maneira que o varejista pelo menos não sofresse grande
prejuízo. É, portanto, de nosso entendimento que a recusa dos varejistas por adquirir um
produto cujo preço fosse estampado na capa é perfeitamente aceitável.
6
O Estado de São Paulo, ao falar do new-disc – outra expressão para o disco de
dez polegadas, o descreve como “um LP de oito faixas e com duração máxima de vinte
minutos”, com a vantagem de baratear o custo do produto em até 30%. No entanto, a
própria reportagem de 12 de julho de 1981 já aponta uma desvantagem do formato, pois
ele seria utilizado apenas por novos artistas, já que “os nomes consagrados dificilmente
aceitariam participar de um esquema de produção desse tipo”.5
Adiel Macedo de
Carvalho, presidente da gravadora Copacabana, gravadora que se dizia “imune” à crise,
explica:
Existe o pressuposto de que a cada dez lançamentos, apenas um vinga no
mercado. Estes lançamentos (de 10 polegadas) não representam a maior
parte dos custos de uma empresa, ao contrário, representam pouco no total.
Afinal, um estreante dificilmente merece uma produção muito cara. 5
Mais uma vez, temos aqui uma categoria de trabalhadores – os músicos iniciantes
– sofrendo mais com o peso da crise. Mesmo sendo a opinião de UM presidente de
UMA gravadora, é crível assumir que era – e ainda é – uma opinião que pode ser
generalizada para os grandes empresários deste setor, no que diz respeito ao trato com
novos artistas. Essa lógica, mais do que privilegiar os artistas já consagrados em
detrimentos de novos talentos, seguia a então corrente adaptação de mercado.
Friedlander escreve que ao longo dos anos 70, as gravadoras passaram por mudanças
internas. Se anteriormente as decisões corporativas eram tomadas por “homens com
experiência em descobrir talentos e com um ouvido nas ruas”, estas decisões passaram
então a ser tomadas com base nas estatísticas de lucros e perdas.
Consolidação tornou-se norma na indústria, enquanto pequenas gravadoras
se fundiam, outras eram engolidas pelas grandes e outras iam à bancarrota
[...]. Os novos executivos dos selos, advogados, conservadores e contadores,
ditavam um curso de ação cauteloso: assinar contratos milionários e longos
com os campeões de vendas, reduzir a lista de artistas secundários, e apenas
assinar com novos artistas se pudessem fazê-los passar por um rigoroso
processo de avaliação e se tivessem uma certeza razoável de que eles seriam
lucrativos (FRIEDLANDER, 2012, p. 409).
Pois, se um “estreante dificilmente merece uma produção muito cara”, o que
sobraria para este artista? Graças às novas tecnologias que então se popularizavam,
houve grande barateamento dos custos e usos de técnicas de gravação profissional, que
implicou no fim da década de 70 e início dos anos 80 no Brasil em um “crescimento
numérico de estúdios e gravadoras de pequeno porte que lançavam artistas até então
desconhecidos do grande público”, como aponta Ghezzi. No que diz respeito a esse
crescimento no número de gravadoras:
Se em meados da década de 70 os artistas consagrados pelo público eram
apenas aqueles lançados por grandes gravadoras transnacionais, a década de
7
80 tomou conhecimento de artistas que não faziam parte deste cast. Houve,
no período indicado, um aumento quantitativo dos centros de produção
musical, o que implicou um equivalente incremento no número de
gravadoras que não eram diretamente vinculadas ao capital estrangeiro das
multinacionais do setor fonográfico (GHEZZI, 2003, pp. 22-23).
Temos até agora, como os responsáveis da crise fonográfica o vendedor varejista e
os artistas, tanto os iniciantes que na visão das grandes gravadores não merecem um
grande investimento na sua produção, ou o artista consagrado, que não se sujeita a
gravar seus trabalhos no formato de dez polegadas – a suposta solução para todos os
males. Em uma edição de 1980 d’O Estado de São Paulo, João Araújo, presidente da
ABPD, considera crise do petróleo de 1980 como uma das principais culpadas no
encarecimento no preço do disco, pois além de matéria prima, a alta do petróleo afetava
o transporte do produto e produção da parte gráfica – capas e encartes.
Uma parte dessa crise se deve à alta do petróleo [...]. Não é somente devido
ao fato do disco ser fabricado à base de um de seus derivados, o vinil. A
partir da alta do petróleo, o preço de tudo subiu, principalmente o do disco. 6
Outros fatores que justificavam a alta dos preços para a ABPD, eram o fato de
que, após os generosos anos de 74 a 78, nenhum estilo musical veio substituir a moda
discotheque, fenômeno que havia levado a indústria a piques de vendas. José Victor da
Ariola concorda que “faltou um novo modismo para substituir a onda disco”.6
Outro
fator que levaria a culpa das baixas vendas era a proliferação das rádios FM, que
segundo João Araújo, “ao contrário de incentivar a compra de discos, elas roubam um
pouco o público comprador”.6
O problema das rádios FM seria facilmente – e
paradoxalmente – contornado com práticas de suborno aos radialistas para a inclusão e
execução massiva de faixas de determinados artistas em sua programação,
popularmente conhecido como jabaculê ou jabá:
Nome pelo qual ficou conhecida a prática do pagamento de propinas aos
programadores das rádios [...] para a inclusão das músicas na sua
programação. Embora constantemente negada, sua existência já era bastante
comentada desde pelo menos os anos 70. (VICENTE, 2002, p. 104).
De vilão a futuro aliado, o rádio FM, auxiliado pela proliferação de novas
tecnologias, como o gravador caseiro e a própria fita K7, criaram novas possibilidades
para os consumidores de música:
Pode-se dizer que adoção da fita cassete é um marco em relação à pirataria.
A reprodução de gravações musicais por meio desse suporte sonoro ficou
consideravelmente mais simples e barata — aspecto fundamental para que
atingisse grande popularidade em pouco tempo. Ademais, a K-7 permitiu
que o público pudesse se relacionar de modo mais interativo com a música,
ao propiciar criações pessoais de coletâneas, gravações de programas de
8
rádios e compartilhamento de músicas entre amigos. Tornou a música
facilmente transportável com o surgimento dos aparelhos toca-fitas portáteis,
entre eles, o emblemático walkman, lançado pela Sony em 1979 (SANTOS,
2010, p. 85).
O historiador Eduardo Vicente, em sua dissertação de mestrado, também aponta
para praticamente os mesmo motivos para a crise do mercado fonográfico nos anos
1980. Segundo ele, além das tecnologias disponíveis na época permitirem ao
consumidor gravar suas músicas preferidas direto das rádios em uma fita K7, havia uma
percepção por parte das gravadoras que a “classe média – mercado prioritário das
empresas internacionais – estava reduzindo sua participação no consumo de discos no
país”. Havia outras possibilidades de consumo e lazer competindo com o mercado de
disco, numa época na qual não se investiam em novos artistas, a não ser quando existia
uma “certeza razoável” [sic] que ele traria lucros (como dito acima), ao mesmo tempo
em que os executivos reclamavam do envelhecimento da geração anterior de artistas,
principalmente dos anos 60, que não se haviam adaptado e renovado ao então atual
contexto da indústria (VICENTE, 2002, p. 94).
III. A pirataria – a grande vilã
Em seu mestrado, o historiador mineiro Christiano Rangel dos Santos nos lembra
como o “universo da pirataria é demasiado complexo e pouquíssimo estudado no
Brasil, sendo raros os trabalhos de pesquisa a respeito” (SANTOS, 2010, p. 11). No
período aqui estudado, a pirataria era quase que exclusivamente feita em fitas K7,
apesar de que existia, de fato, uma circulação ilegal de registros musicais piratas em
vinil, ainda que tal circulação fosse ínfima (SANTOS, 2010, p. 86). Mesmo assim
O negócio formal da venda de música em cassete nunca decolou no país
desde quando foi adotado, no início dos anos 1970. O mercado ilegal logo
tomou conta e obteve mais sucesso na comercialização de canções por meio
desse suporte musical que, em linha ascendente, chegou a responder pela
quase totalidade das fitas gravadas vendidas nos anos 1990. (SANTOS,
2010, p. 18).
E por que a comercialização formal de fitas K7 nunca decolou no Brasil? Uma
possível resposta é que, ao contrário do que se poderia esperar, um suporte menor como
o K7 era, comparado ao LP, mais caro. Segundo O Estado de São Paulo, os lojistas se
queixavam que as fitas cassete acusavam uma queda ainda maior nas vendas, e um
representante dos lojistas reclamava que “mesmo tendo tabelado as fitas ao mesmo nível
dos LPs [...], muitas gravadoras continuam vendendo-as para nós mais caras” 5
. Até
mesmo Nélson Fernandes, falando em nome da gravadora Eldorado, reconhecia que “o
cassete deveria, inclusive, custar mais barato. Afinal, ele não tem encartes, não há
como fazer capas duplas, etc.”.5
Outro fator que contribuía para a baixa venda das fita
K7 era que
Durante o período em que a indústria trabalhou com as fitas cassete e os long
9
plays como suporte fonográfico padrão, havia uma expressiva preferência do
público consumidor por álbuns oficiais em formato de LP. A venda dos
discos de vinil, pouco pirateados, compensava ou pelo menos reduzia o
impacto das perdas causadas pela pirataria de K-7, então largamente
praticada (SANTOS, 2010, p. 20).
Um grande número de reportagens da época dedica suas páginas a questão da
pirataria musical, sendo o seu combate fundamental para a resolução da crise. A
pirataria, para o consumidor final, apresentava suas vantagens e desvantagens:
Por um lado, a facilidade do processo de produção das cópias em cassete
oferecia grande impulso à atividade dos piratas, por outro as cópias
falsificadas tendiam a utilizar material de baixa qualidade, que não só
comprometia sua audição como oferecia riscos aos equipamentos de
reprodução. (VICENTE, 2002, p. 215).
E esses riscos dos equipamentos de som eram assunto constante na Revista
Somtrês. Uma carta indignada de Luiz Alberto Backes, residente do Rio Grande do Sul,
pergunta aos editores de que adiantava analisar a qualidade dos aparelhos de som,
“enquanto os leitores não tiverem condições de distinguir, no ato da compra, as fitas de
boa das de má qualidade”.7
A carta não obteve resposta, ao menos não uma resposta
publicada, mas a mesma edição trás uma reportagem sobre “as falhas do gravador
cassete”, onde é dito logo no primeiro parágrafo que tais falhas são, “quase na sua
totalidade, o resultado da má conservação do aparelho ou do uso de fitas de baixa
qualidade”. Uma maneira de aumentar a longevidade do equipamento era manutenção
constante do gravador, essencial para uma melhor qualidade de som:
A limpeza e a desmagnetização periódica das cabeças [do gravador] é
imprescindível [...]. O óxido depositado na cabeça, mesmo em camada
minúscula, tem o efeito imediato de redução da resposta dos agudos além de,
a, longo prazo, causar apagamento permanente das frequências altas da fita. 8
A reportagem segue dando conselhos para saber se o aparelho necessita
desmagnetização, cujo sintoma era “um aumento do nível de ruído, em forma de chiado
constante observado durante a reprodução de qualquer fita”. Era aconselhado que o
dono do gravador, para diagnosticar tal defeito, acionasse o botão play sem fita, e
procurasse ouvir um chiado de fundo. Existia ainda um aparelho específico, o
desmagnetizador, que deveria ser utilizado com diversos cuidados, sendo que nunca
deveria ser ligado ou desligado próximo à cabeça; ser aproximado em movimentos
circulares; ser provido de uma capa de proteção plástica para não arranhar a cabeça; sua
passagem sobre as cabeças do gravador deveria ser suave; deveria então ser afastado do
gravador lentamente e sempre em movimentos circulares; e só então, quando afastado o
bastante, ser desligado. Um cuidado excessivo com um aparelho que reproduzia uma
mídia que, como dito acima, não vendia tanto em números oficiais e não representava a
preferência do público como suporte fonográfico.
10
Na edição de junho de 1981, encontramos a reportagem intitulada “As exigências
do gravador”, na qual dizia que “depois da série a respeitos dos cuidados com o toca-
discos, iniciamos uma outra, que trata da melhor maneira de conversar os
gravadores”.9
As páginas da nova série iniciada – ou seja, as edições posteriores
continuariam a detalhar maneiras de conservar melhor seu gravador – diziam ser
necessário “pensar nos cuidados e material necessários para a conservação deles [LPs
e K7s] e dos equipamentos [de reprodução]”. A revista faz então a previsão de que a
conversação dos equipamentos será fundamental, pois “mesmo quando tivermos em
casa tudo quanto é digital, provavelmente não vamos jogar no lixo as gravações e
equipamentos que ainda nos satisfazem”. Quanto à conservação dos equipamentos, era
enfatizado que “a limpeza vem em primeiro lugar”; “outro aspecto fundamental é o do
alinhamento dos cabeçotes”; entre muitas outras sugestões de caráter extremamente
técnico, a ponto do repórter que assina a matéria advertir que: “não aconselho aos
audiófilos pouco experientes tentar os ajustes, porque são delicados, quase críticos, e
exigem uma fita padrão cara e nem sempre fácil de encontrar”. 9
É curioso notar
reportagens que dedicam tamanha precaução na manutenção do gravador, ainda por
cima em uma publicação que, como veremos, procura se posicionar contra a pirataria.
Então, porque tanto cuidado com o gravador? Segundo Santos:
Na década de 1970, o crescimento da produção de fitas piratas foi rápido; em
1974, o Centro de Pesquisas de Arte Brasileira do Departamento de
Informação e Documentação Artísticas (Idart) estimava que das cerca de 11
milhões de fitas cassete virgens produzidas no país, apenas 4 milhões foram
usadas pela indústria oficial. O secretário da Associação Brasileira dos
Produtores de Discos (ABPD) na época, João Carlos Muller Chaves, chegou
a ironizar a situação, dizendo que “é difícil imaginar que os quase sete
milhões que sobram sejam utilizados por papais-corujas, que gravam
gracinhas dos filhos ou festas de aniversários” (SANTOS, 2010, p 86).
Em outras palavras, o secretário da ABPD levantava a seguinte hipótese, aqui
questionada por nós: as constantes reportagens sobre os cuidados com os gravadores da
revista Somtrês, somadas ao grande número de fitas K7 virgens no mercado, nos leva a
conclusão que o K7 não servia apenas para a gravação de “gracinhas dos filhos” por
papais-coruja. Possibilitava a gravação de álbuns inteiros; de músicas diretamente das
rádios; a criação de coletâneas com canções selecionadas pelo gosto do ouvinte; entre
outras possibilidades, como o empréstimo de discos entre amigos, que será mais bem
desenvolvido abaixo. Chegou-se a constituir, inclusive, um comércio informal de
gravações de discos, comércio esse que era praticado por aqueles que nosso senso
comum aponta como os mais interessados em vender álbuns oficiais: as lojas de discos.
Dos anos 1970 a meados dos 1990 [...] as lojas de discos gravavam fitas
cassete com o repertório selecionado pelos próprios clientes: as coletâneas
podiam ser de músicas do mesmo ou de diversos gêneros e de um ou vários
artistas, nem sempre seguindo apenas a lógica dos grandes sucessos, uma
vez que a seleção era de caráter mais pessoal. Concorrer com os piratas
nesse quesito era praticamente impossível para a indústria, porque os
11
tramites necessários para o lançamento de uma coletânea oficial imprimiam
lentidão ao processo (SANTOS, 2010, p. 87).
Esse comércio informal transcendia o âmbito das lojas e era feito, também,
diretamente por aficionados em música. Uma olhada na sessão de vendas e trocas nos
números 21, 22, 27, 28, 30 e 31 da Somtrês nos dão uma pequena ideia do que era esse
comércio informal de gravações diversas em fitas K7. Vale a pena reproduzir alguns
desses anúncios, que vão dos mais variados estilos musicais, como o rock, o erudito e
até artistas nacionais:
VENDO – Gravações piratas de Led Zeppelin, Yardbirds e outros. Arthur.
Tel.: 458-4815. São Bernardo do Campo – SP.8
COMPRO – Gravações em fitas cassete dos discos: Alive I, Dressed to Kill
e Rock and Roll Over do Kiss. Milton Kiga. Caixa Postal, 217. CEP: 16.900.
Andradina – SP.11
COMPRO OU TROCO: Quero gravações de shows do Fagner realizados
nos anos 70. Pagarei bem. Troco correspondência com admiradores do
Fagner. Henrique Alarez. Rua Barão de Mesquita, 616. CEP: 20.540. Rio de
Janeiro – RJ.12
TROCO – Cópias de gravações das seguintes óperas com o restrospectivo
xerox do libreto: Oberon, de Weber; Cosi Fan Tutte, de Mozart; Ernani e
Rigoletto, de Verdi; Tannhausen e Parsifal, de Wagner ou qualquer uma de
suas óperas [...]. José Eduardo Ferreira de Freitas. Rua 41 nº 55 – Floramar.
CEP: 30.000. Belo Horizonte – MG.13
Isso para citar apenas alguns exemplos. Vendia-se, se trocava, e se comprava todo
o tipo de gravações nos mais diversos suportes – originais ou não – de LPs e K7s. Ainda
era possível encontrar anúncios de compra e venda de adesivos, traduções de letras,
fotos, reportagens nacionais e ou importadas sobre os mais variados artistas. Havia
músicos procurando bandas, ou ainda, apenas pessoas que somente procuravam
conversar com outros fãs do mesmo artista. Casos como o do fã do cantor Fagner
retratados acima, que gostaria de trocar correspondência com outros admiradores do
artista, não eram incomuns. Mais uma vez utilizando das palavras de Christiano Rangel
dos Santos:
Alguns anunciantes se mostravam como uma espécie de “homens de
negócio” e “fãs de música” ao mesmo tempo. O espaço era usado tanto para
a pirataria comercial como para a simples troca e compra de registros por
quem não tinha intenção de faturar com as gravações. Os fã-clubes
utilizavam a revista como canal de comunicação e realizavam intercâmbio
de discos ou de copias em fitas, além de outros objetos como livros de
música, pôsteres e reportagens sobre determinados artistas. (SANTOS, 2010,
p. 100).
12
Nos números da Somtrês que trabalhamos, encontramos um total de 223 anúncios
de compra, venda e troca de discos em geral, em uma sessão da revista chamada Free
Shop. Alguns desses anúncios faziam referências explicitas à venda de produtos piratas,
sejam bootlegs, gravação de álbuns, ou ainda ambos no mesmo anúncio. Para a
confecção da tabela abaixo foram desconsiderados os anúncios de instrumentos
musicais, toca-discos e equipamentos de som em geral, como amplificadores e
gravadores, que também eram uma ocorrência constante na revista.
Ocorrências de anúncios de produtos piratas e gravações na Revista Somtrês entre
setembro de 1980 e julho 1981.
Edição número total de
anúncios
referências à
discos piratas
compra/venda de
gravações de
discos
Setembro de 1980 36 2 2
Outubro de 1980 36 1 4
Março de 1981 38 2 9
Abril de 1981 47 0 5
Junho de 1981 34 0 3
Julho de 1981 32 3 3
Mesmo não havendo nenhum padrão específico para o aumento de anúncios com
referências explícitas à álbuns piratas e/ou gravações ilegais, houve, em dezembro de
1980, uma alteração no Código Penal brasileiro, que configurava a pirataria como crime
de ação pública. A tabela acima nos deixa claro que tal alteração na lei pouco – senão
nada – fez para coibir ou intimidar o comércio informal na revista, ainda que fosse
extremamente fácil encontrar esses anunciantes, pois publicavam seu nome e endereço.
Poderíamos até afirmar o contrário: que a mudança no Código provocou um aumento
nos anúncios de cópias de álbuns; conclusão arriscada pelo fato de não foram
encontradas as edições de janeiro e fevereiro de 1981, imediatamente publicadas após a
penalização da pirataria. É também importante destacar que as edições publicadas em
setembro de outubro de 1980 – antes da alteração no Código Penal – possuíam o
seguinte aviso no início da sessão de compra e vendas:
Este é o primeiro e único mercado livre de equipamentos e discos da
Imprensa Brasileira. Se você quiser participar, mande uma carta com as
especificações do aparelho ou discos que você quer comprar, trocar, ou
vender. Não custa nada. Publicamos qualquer oferta, a não ser a venda de
fitas piratas [...].14
(Grifo nosso).
Este é o primeiro e único mercado livre de equipamentos de som e discos do
Brasil. Você também pode participar. É de graça. Basta mandar uma carta
para SOMTRÊS, contando o que você quer vender, comprar ou trocar [...].
Vale qualquer negócio, menos cópias em fita de discos que ainda estejam no
mercado. Ou seja: vale tudo, menos pirataria.15
(Grifo nosso).
13
Lembremos mais uma vez que as próprias edições de setembro e outubro de 1980
possuíam anúncios com referências claras às gravações de álbuns e/ou pirataria. Para os
fins desse trabalho, não foi possível localizar as edições entre novembro de 1980 e
fevereiro de 1981, mas se nota uma mudança bastante interessante de discurso a partir
da edição de março de 1981: a palavra “pirataria”, ou qualquer referência a ela é omitida
da introdução da sessão Free Shop, como se este houvesse tornado um assunto que, se
não era proibido, era no mínimo evitável:
Este é o primeiro e único mercado livre de equipamentos e discos do Brasil.
Para participar, você não gasta nada. Basta enviar uma carta dizendo o que
você quer trocar, comprar ou vender. [...]. Você pode anunciar qualquer
coisa, menos cópias em fitas de discos que ainda estejam à venda no
Brasil.16
(Grifo nosso)
As edições seguintes seguem evitando a palavra pirataria, com variações da frase
destacada acima, como dizer que só não é válido o anúncio de “cópias em fitas que
ainda estejam em catálogo” (abril de 1981); e “cópias em fitas de discos que ainda
estejam à venda no Brasil” (junho e julho de 1981). Estariam os editores evitando coibir
a troca de produtos piratas? Ou estariam eles, com a mudança de discurso, buscando se
livrar de qualquer responsabilidade na comercialização da pirataria, jogando a culpa em
cima dos leitores, que não teriam interpretado corretamente que “gravações de álbuns
ainda à venda no Brasil” significava, pura e simplesmente, cópias ilegais? Essa troca de
expressões, aparentemente insignificante, esconde uma retórica eufemística:
Mas, se não há diferença importante entre uma e outra palavra, por que
trocá-las? Que jogo retórico está por trás do eufemismo? A resposta nos
remete a uma das vertentes do discurso persuasivo que é a de provocar
reações emocionais no receptor: o enunciador/emissor apela para recursos
afetivos visando a melhor conquistar adesão do seu público. Ou seja, em
nosso caso, ao se deslocar a expressão “contaminada” [...], para a “neutra”
(CITELLI, 2004, p. 34). 17
No caso da análise aqui feita, consideremos como expressão contaminada a
palavra “pirataria” e como expressão “neutra” a frase “discos que ainda estejam à venda
no Brasil”, ou qualquer uma de suas variações publicadas na Somtrês. Seguindo ainda
com as ideias de Citelli, tal omissão assegura uma recontextualização do signo que
passa agora a produzir novas ideias, valores que não são mais associados aos incômodos
históricos sugeridos pela palavra pirataria, pois recordemos que este termo, em sua
acepção moderna, é oriundo do século XV, sendo usado para designar a prática de
assaltos a embarcações marítimas em alto mar (SANTOS, 2010, p. 80). Por essa razão,
somos inclinados a concluir que a segunda hipótese levantada – o transferimento de
responsabilidades aos leitores pelas cópias ilegais comercializadas – é muito mais
plausível, ainda que diante de tantas reportagens sobre conservação de gravadores, e
crises da indústria, a revista buscasse se posicionar contra a pirataria. Tal conclusão
pode ser comprovada ao voltarmos à reportagem “A Crise em 33 RPM” de março de
14
1981, reportagem que termina com o seguinte parêntese:
Em tempo: SOMTRÊS, como já avisou à direção da Associação Brasileira
dos Produtores de Discos, oferece seu espaço para esta campanha contra a
pirataria. Ao mesmo tempo, continuará impedindo que se anuncie, nas
páginas de seu Free-Shop, ofertas de cópias em fita de discos em catálogo.18
Impedimento este obviamente esquecido pelos editores, ao lembrarmos que a
própria edição em questão contraditoriamente possuía nove referências às gravações de
discos – maior número de referências a cópias ilegais entre as edições trabalhadas. Ao
dizer que impediria o anúncio de “ofertas de cópias em fita de discos em catálogo”, e
mesmo assim seguir publicando tais anúncios, não estaria a revista, como se diz
popularmente “fazendo vistas grossas”? Em outras palavras, nos perguntamos aqui o
levavam os editores da Somtrês a adotarem um discurso antipirataria, e mesmo assim
publicar anúncios de venda de cópias de álbuns. Não podemos considerar o atrativo de
receber por esses anúncios, pois a revista enfatizava que era “de graça”, ou que “você
não gasta nada”. Uma possibilidade era a fidelização dos seus clientes e procura de
aumento no número de leitores, o que causaria uma maior circulação no número de
revistas vendidas. Continuamos, no entanto, no âmbito das especulações. O que vale
recordar aqui é a ambiguidade entre discurso e prática da Somtrês, ambiguidade essa
clara ao lermos as reportagens da revista e os anúncios por ela vinculados.
A produção da fita K7 ainda produziu diversos subprodutos além da pirataria e o
comércio informal em revistas de música. Esse comércio informal possibilitou não
somente a ampliação do público ao acesso a música, como também se colocou como
uma oposição ao controle das corporações, mudando a maneira de socialização através
da música. “Um grupo de amigos podia comprar uma única cópia de um disco, copiá-lo
em fitas virgens e passar estas cópias para outros” (FRIEDLANDER, 2012, p. 411).
No Brasil, um exemplo desse tipo de socialização pode ser encontrado no documentário
Botinada.
Este documentário, disponível gratuitamente para download em vários sites na
internet, narra o surgimento das primeiras bandas de punk rock em nosso país. Há uma
sessão inteira desse documentário dedicado ao LP e a fita K7 (dos 12:58 aos 16:48),
onde temos depoimentos de vários dos primeiros músicos desse estilo no Brasil, que
corroboram essa prática de copiar vários discos e distribuí-los aos amigos, em especial
os discos importados, por seu preço excessivo (“Eu deixava de comprar uma calça pra
comprar um disco de punk rock” – dita por Anselmo – ou ainda “Pra você conseguir
um vinil era o pagamento do mês.” – por Mineirinho). “Esses discos viravam dezenas
de fitinhas, porque era o lado cooperativa que existia”, depoimento de Vladi.19
A
paixão pela fita era tal que chegava ao ponto que o público punk, segundo João Gordo,
do Ratos de Porão, preferia ouvir o som de fita à shows de bandas iniciantes, devido a
péssima qualidade dos músicos da época. Os irmãos Max e Igor Cavalera, fundadores
do grupo mineiro de thrash metal Sepultura, vendiam em sua adolescência fitas de
15
bandas estrangeiras como complemento de sua renda:
Max e Igor começaram a fazer “vaquinhas” entre os amigos para comprar
discos importados. Juntando o dinheiro de 30 ou 40 pessoas, viajavam 600
quilômetros até São Paulo e compravam 10 ou 15 discos de uma vez. De
volta a BH, reuniam a turma para ouvir as novidade e gravar fitas [...]. Quem
conseguia um LP raro ou uma revista importada imediatamente emprestava
para os outros (BARCINSKI, 1999, pp. 26-27).
Outra novidade que a popularização da fita K7 trouxe no modo de ouvir música
foi a mobilidade, pois graças as fitas gravadas “qualquer um poderia viajar e ouvir a
música que escolhesse”, seja através do já citado walkman, ou pelo toca-fitas
automotivo, que se popularizava na época (FRIEDLANDER, 2012, p. 411). Um
exemplo dessa proliferação de toca-fitas portáteis no Brasil pode ser encontrado na
edição de junho de 1981 da Somtrês, onde uma reportagem de várias páginas ensina a
instalar um som automotivo, através de uma linguagem extremamente técnica, com
fotos, ilustrações e etapas passo a passo para a correta instalação do aparelho e das
caixas de som.
Iniciaremos aqui o primeiro artigo de uma nova série, com a intenção de
ajudar os leitores que pretendem instalar, trocar ou modificar o som do carro.
Nessa primeira montagem teremos um toca-fitas com rádio AM/FM, dois
alto-falantes full-range, dois tweeters, uma gaveta de toca-fitas e uma
antena. Sem dúvida, um equipamento dos mais comuns.20
(Grifo nosso)
Uma nova série que se iniciava, que nos mostra uma importância considerável do
som automotivo para os leitores e a revista. A matéria segue então com uma minuciosa
explicação de como instalar o aparelho, que se assemelha até mesmo a uma receita de
culinária. Há “ingredientes”, onde temos a lista de ferramentas, o material a ser
comprado e o equipamento necessário. A instalação é dividida em várias etapas
distintas, todos seguindo uma linguagem mais facilmente acessível à pessoas que tem
afinidade e experiência em instalação de equipamentos de som, em geral. Nos início dos
anos 1980, a popularização de novos suportes para a reprodução musical, tal como o
som automotivo, eram um atrativo por si só ao mercado fonográfico, fomentando as
vendas de aparelhos.
Vale observar que, nestes primeiros momentos da indústria, a venda de
suportes sonoros funcionava muito mais como um atrativo para a
comercialização dos aparelhos reprodutores do que como negócio autônomo.
Não havia, portanto, grande preocupação com respeito a escolha do que
tocar, uma vez que qualquer som mecanicamente reproduzido apresentava
interesse para os ouvintes (VICENTE, 1996, p. 29).
IV. Campanha anti-pirataria
Obviamente toda essa acessibilidade às cópias de discos não passaram
despercebidas pela grande mídia da época. A Folha de São Paulo de 22 de janeiro de
16
1980, ao reportar uma reunião do Mercado Internacional do Disco e da Edição Musical
– o MIDEM – nos diz que “a pirataria que atinge a indústria do disco no mundo
inteiro, mediante gravações não autorizadas, foi classificada de verdadeira calamidade
durante um debate internacional realizado em Cannes”. 21
Uma série de novas leis eram
discutidas de modo que os direitos de autoria fossem respeitados, como a “criação de
um imposto aplicável às fitas magnéticas mediante o qual poderia se enfrentar, de certo
modo, a concorrência desleal” 21
que era a gravação caseira de músicas. Em dezembro
de 1980, quando ocorreu a já citada alteração no Código Penal no que diz respeito à
pirataria, o Estado de São Paulo publicou a seguinte reportagem:
A partir de hoje, às 11 horas, quando o presidente João Figueiredo sancionar
a lei que altera os artigos 184 e 186 do Código Penal, estará tipificada como
crime de ação pública a reprodução ilícita de obra literária, artística ou
científica através de fonograma e videograma. 22
Tal solenidade tinha confirmada a presença de vários artistas ainda hoje
conhecidos por boa parte do grande público, como Jair Rodrigues, Sidney Magal, Baby
Consuelo (que hoje atende pelo nome artístico de Baby do Brasil) e Luiz Gonzaga.
Representantes de gravadoras e da ABPD se mostravam otimistas, pois tal sanção
tornaria “bem mais fácil fiscalizar a pirataria no setor de discos”. 22
A Somtrês, ao
mencionar a mudança dos artigos 184 e 186, nos diz como para a ABPD tal sanção era a
“realização de um sonho”, pois a associação lutava há pelo menos seis anos para
“eliminar um inimigo poderoso, capaz de unir numa causa comum lados quase sempre
conflitantes, como artistas e gravadoras: a pirataria”. 23
Tal reportagem da Somtrês segue comparando as vantagens da mudança dos
artigos 184 e 186, pois até então a “pirataria estava configurava como crime de ação
privada, na esfera dos crimes contra a honra, o que exigia uma acusação formal de
pessoa a pessoa”. Com a mudança, a prática da cópia ilegal colocava o “crime como de
lesão ao patrimônio, e praticamente o equipara ao furto”. Seria punido não somente o
produtor, mas todos que participavam do processo: o revendedor, o distribuidor,
expositor, divulgador. O consumidor estava fora do alcance da lei, pois:
Com o aperfeiçoamento das técnicas da pirataria, fica quase impossível a
distinção imediata entre o legítimo e o falso produto [...]. É preciso muita
atenção, porque muitas vezes o pirata coloca uma fita falsa na caixa de uma
legítima, selando o produto com o invólucro plástico. Por isso, recomendo
que, uma vez decidida a compra, o consumidor abra a caixa na frente do
vendedor e examine o produto. 23
Ademais, é recomendada atenção ao observar a qualidade das cores da capa, e o
consumidor que se sentisse lesado ao comprar um produto pirata inadvertidamente
deveria denunciar as casas que vendessem produtos piratas à Polícia Federal. Esse apelo
ao consumidor de música era pregado pela revista já no número anterior, onde uma
17
campanha televisiva que incentivada a “dar e receber música de presente”, e que
buscava conscientizar o público contra a pirataria, prática na qual “todo mundo sai
perdendo, com exceção dos comerciantes e demais envolvidos”, era criticada, pois, tais
campanhas estavam destinadas ao receptor errado:
A mensagem da campanha contra a pirataria talvez tenha desperdiçado seu
tempo enfatizando demais que a legislação a respeito foi alterada, tornando-
se mais rigorosa. Então, é possível concluir que tal recado se destinava mais
àqueles que, de qualquer maneira, estão envolvidos com o clandestino
comércio de música. Porque não ao contrário, dirigir essa mensagem a quem
compra discos & fitas? Ou seja, ao invés de advertir os ladrões, conquistar
aliados na campanha contra os piratas do som 18
(grifo nosso).
Até que ponto os piratas de 1980 se consideravam criminosos, ou acreditavam que
ao vender cópias de discos estava, de fato, cometendo um crime, dificilmente
saberemos. Se traçarmos um paralelo entre estes “envolvidos com o clandestino
comércio de música”, e os nossos contemporâneos camelôs, podemos concluir que
eram, de fato, “ladrões”, mas com plena consciência de quem realmente estava sendo
roubado:
Muitos desses trabalhadores, ao efetuarem um comércio ilegal baseado na
revenda de mercadorias contrabandeadas e/ou pirateadas, aceitam o fato de
que estão descumprindo as leis existentes, que condenam tais práticas como
crime [...]. Ao mesmo tempo, tais delitos não impedem que exerçam um
trabalho que é considerado por esses como digno e honesto, na medida em
que não consideram estar causando prejuízo a pessoas em específico, mas
sim ao Estado ou a grandes empresários (GOULART, 2004, pp. 97).
Seria possível que tais comerciantes de produtos piratas já tivessem essa
consciência em 1980? A antropóloga Rosana Machado conclui que “para os camelôs,
pirataria não mede honestidade”, e alguns deles, inclusive, acreditam que estão fazendo
um “bem”, pois vendem produtos que são inacessíveis às classes menos abastadas, e por
isso se consideram como um verdadeiro exemplo de honestidade (MACHADO, 2004,
p. 69). Machado compartilha da ideia que a pirataria é uma consequência própria das
brechas existentes no sistema capitalista, ideia que concordamos plenamente.
A comercialização de pirataria é o filho rebelde e já independente do mundo
global capitalista. Filho porque reproduz as mesmas leis ensinadas pelos
pais, foi germinado no próprio sistema. Rebelde porque ninguém consegue
controlá-lo. Independente porque já possui uma lógica própria e, de certa
forma, caminha sozinho (MACHADO, 2004, p. 111).
Os artistas iniciantes também são beneficiados pela prática das cópias ilegais, pois
tais cópias permitem que seu trabalho atinja um maior número de pessoas por um preço
mais acessível. Ainda que o artista em questão não receba pela obra copiada, a pirataria
fortalece cenas independentes do esquema das grandes corporações. Christiano Rangel
dos Santos aponta como as cópias ilegais constroem novos modelos de negócio musical:
18
A pirataria [...] é apontada comumente como um fator que contribuiu
decisivamente para o desenvolvimento das cenas musicais regionais,
propiciando que toda uma produção musical que está fora das grandes
gravadoras venha à tona. (SANTOS, 2010, p. 15).
Ao contrário do que destaca Santos, esse novo modelo não serviu de promoção
musical apenas a ritmos regionais brasileiros, como o forró eletrônico do Ceará, o funk
carioca, o tecnobrega paraense, ou o sertanejo do centro-oeste brasileiro. No início de
carreira dos mineiros do Sepultura, Silvio, um dos ajudantes de palco, não recebia
salário, pois vivia “da venda de gravações do Sepultura” (BARCINSKI, 1999, p. 63),
em um típico caso de pirataria autorizada por aqueles que seriam os mais interessados
em ver sua música comercializada por vias ditas “legais”. Essas e mais cópias de seus
discos, ainda que houvessem prejudicado financeiramente o grupo, provavam que havia
um interesse crescente pela banda (BARCINSKI, 1999, p. 59), inclusive no mercado
estrangeiro:
Mas não era apenas no Brasil que Bestial Desvastation [primeiro disco do
Sepultura] estava sendo notado: sem que os próprios integrantes da banda
soubessem, fitas com a gravação do disco começaram a circular no mercado
de troca de fitas cassete, uma verdadeira rede internacional de divulgação
que juntava fãs em todo o mundo (BARCINSKI, 1999, p. 36).
Por isso que concordamos mais uma vez com Santos que a pirataria não pode ser
analisada apenas enquanto a questão de sua licitude ou de ilicitude, preço acessível ou
inacessível. Existem outras questões a serem discutidas, pois ela tanto favorece quanto
prejudica pessoas envolvidas no comércio musical. Entre os favorecidos, estão os
comerciantes de discos que vendiam cópias de álbuns inteiros ou de coletâneas, e os
músicos iniciantes, que tem seu trabalho mais amplamente divulgado. Entre os
prejudicados, as grandes corporações. A pirataria “muitas vezes, propicia experiências
não contempladas pelas formas de relação com a música possíveis a partir do modelo
de produção, divulgação e consumo operado pelo mercado oficial” (SANTOS, 2010, p.
29).
Analisar a pirataria física considerando apenas a questão do preço é atitude
simplista e insuficiente. A motivação do consumidor para comprar um título
musical nem sempre se mede pelo valor que ele paga, embora seja inegável
que os altos preços praticados tornam os produtos inacessíveis as camadas
sociais de menor poder aquisitivo (SANTOS, 2010, p. 152).
Porém, é importante ressaltar que mesmo nos dias de hoje, quando um álbum
musical custa consideravelmente menos do que custava nos anos 1980, até mesmo os
consumidores de camadas sociais mais favorecidas economicamente optam pela cópia
oriunda da pirataria (SANTOS, 2010, p. 150), seja ela física ou digital. Essa é uma
questão que foge ao recorte deste artigo, pois seria mais bem trabalhada desde o ponto
de vista sociológico.
V. Considerações finais
19
Com as facilidades de reprodução musical, jamais ocorreria um caso como o LP
Araçá Azul de 1973 de Caetano Veloso, “um disco supervanguardista que desagradou a
muitos e registrou recordes de devolução” (SEVERIANO, 2008, p. 388). A praticidade
das tecnologias atuais nos permite ouvir uma obra musical e decidir se vale a pena
adquiri-la fisicamente ou não, praticidade esta que não foi prevista pela indústria. Além
disso, a pirataria pode ser vista não apenas pelo viés da ilegalidade, mas uma forma de
inclusão social daqueles que não podem consumir um produto cultura, no caso, a
música, nos preços em que ele é comercializado hoje em dia, a fim de que tais
consumidores de música exerçam uma cidadania plena, através do que Zitkoski chama
de “Ética da Liberação”, que se preocupa “com as condições concretas para produzir a
humanização da sociedade, da cultura e da vida prática das pessoas que hoje se
encontram [...] excluídas, tanto do mercado econômico, quanto do acesso à cultura”
(ZITKOSKI, 2000 apud AHLERT, 2007, p. 05). Ademais, o prejuízo supostamente
causado por cópias ilegais é compensado pela indústria musical de outras maneiras. Se
de fato os downloads reduzem a probabilidade de compras CDs
Não obstante, esse efeito negativo é ao menos parcialmente compensando
por um efeito positivo dos downloads sobre a demanda por shows de música
[...]. Os downloads reduzem em até 45% a probabilidade de comprar CDs ao
passo que produzem um aumento de até 40% sobre a probabilidade de ir a
shows. Essa última estimativa é confirmada com outro resultado que mostra
que os indivíduos [...] que fazem download têm um gasto médio com shows
de música superior em até 200 reais (CORTEZ, 2010, p. 44).
Nesse estudo econômico citado acima, Igor Siqueira Cortez utiliza como base os
estudantes da Universidade de São Paulo, o que nos dá uma ideia do poder aquisitivo
dessas pessoas que nos dias de hoje baixam seus álbuns pela internet, mas acabam
gastando consideravelmente em shows. Ainda assim, devemos lembrar que a indústria
musical também ganha com diversos produtos fora os CDs e os shows. Arquivos MP3
são vendidos online, existe o comércio de camisetas, bonés, pôsteres, chaveiros, e
muitos outros produtos que podem ser visto e comprovados empiricamente ao visitar
praticamente qualquer site de qualquer artista musical.
Em seu artigo de 2011, o professor Ulrich Dolata acusa as gravadoras de não se
prepararem para as mudanças no mercado fonográfico, pois foram incapazes de
antecipar o impacto socioeconômico das novas oportunidades surgidas com o avanço
tecnológico. Não buscaram, devido a seu conservadorismo, estabelecer opções
industriais que competissem com esses avanços e procuraram manter uma oligarquia
hierarquizada desse setor (DOLATA, 2010, p. 03). 24
Esse conservadorismo se deve ao
fato de que:
A indústria musical não é um setor no qual novas tecnologias são
desenvolvidas e produzidas. Todas as tecnologias relevantes para gravação,
20
produção, estocagem e, mais recentemente, distribuição musical são
baseadas em desenvolvimentos que ocorreram fora do setor (DOLATA,
2010, p. 20). 24
O estudo de Dolata pode ainda ser reforçado pelos escritos de José Ramos
Tinhorão. O célebre pesquisador brasileiro previu que os estúdios se tornariam
verdadeiros laboratórios de engenharia musical, com músicos sendo progressivamente
substituídos por computadores, e tal engenharia
permitirá ultrapassar as próprias possibilidades dos sons normalmente
produzidos pelos instrumentos acústicos, mediante a alteração de suas
tessituras, através da ampliação, por exemplo, de sua extensão, com a
consequente ampliação de seu âmbito. Possiblidades técnicas desse tipo,
sobre implicar necessariamente dispensa de músicos e maestros-arranjadores
nos estúdios, permitirá ainda programar, através de novas combinações
rítmicas, o lançamento de modas musicais caracterizadas por um tipo de
acompanhamento sonoro fora do alcance da participação humana
(TINHORÃO, 2006, p. 194).
Previsão acertada do pesquisador, comprovada em empiricamente apenas ao
ligarmos o rádio, irmos a uma danceteria, ou até mesmo nos shows, onde sons
computadorizados corrigem de forma automática as imperfeições dos artistas atuais, ou
em outros casos esses sons pré-gravados complementam a apresentação dos
instrumentos tradicionais, e enriquecem a experiência musical tanto do público quanto
do artista. Não obstante, Tinhorão não escreveu, até onde pudemos comprovar, sobre
questões relevantes à pirataria no consumo musical, se preocupando com “a progressiva
dominação do mercado brasileiro pela música importada dos grandes centros europeus e
da América do Norte” (TINHORÃO, 2006, p. 193).
José Ramos Tinhorão é um dos maiores autores brasileiros no que diz respeito à
historiografia musical, mas a ausência de estudos sobre a pirataria em sua obra
confirma, como já citamos anteriormente, a escassez de estudos no Brasil quando o
assunto é o consumo “ilegal” de música, escassez essa notada na própria bibliografia
pesquisada, pois os poucos autores que se dedicaram a questão citam uns aos outros
constantemente. Também ainda é precária a quantidade de pesquisas acadêmicas
quando tratamos de expressões musicais que não são consideradas “100% nacionais”.
O pouco valor dado às questões pertinentes a música internacional [...] expõe
a enorme dificuldade dos estudos sobre a música popular no Brasil em lidar
com a presença da música estrangeira que influencia tantos artistas e fazem
parte da experiência musical dos brasileiros. Impressiona como o ufanismo
triunfa nesse campo de estudo, com pesquisadores ignorando a música
internacional ou excluindo-a de suas análises, por mais que tenham a ver
com o tema de suas investigações. Fruto disso é a tendência de tratar a
música em termos de “cultura nacional” e olhar com desconfiança para tudo
o que vem de fora, considerando como mera imposição o ingresso de
produções artísticas de países centrais como os Estados Unidos. Para os
21
ufanistas musicais, mais difícil ainda é reconhecer que das músicas
executadas em programas de rádio, a maior parte é internacional, ou seja, são
as canções estrangeiras que tem prevalecido. (SANTOS, 2010, pp. 143-144).
Esse ufanismo leva a diversas obras sobre a história da música no Brasil a não
mencionar toda uma série de artistas nacionais que cantam em línguas que não são o
português, ainda que sua música seja carregada de brasilidade. Artistas como Tom
Jobim, Carmem Miranda, Caetano Veloso, isso para citar somente alguns “medalhões”
de nossa música popular, gravaram em línguas diferentes do português e voltaram boa
parte de suas carreiras para o mercado estrangeiro. Ainda que em termos gerais o heavy
metal em nosso país seja uma coisa recente (LEÃO, 1997, p. 199), acreditamos que
estudos sérios sobre a apropriação desse estilo e adaptação às temáticas brasileiras,
ainda são muito escassas no âmbito acadêmico. O que faz das batidas tribais e as
temáticas terceiro-mundistas do Sepultura, ou um artista de heavy metal como o cantor e
compositor de formação erudita André Matos, que mistura guitarras distorcidas, música
erudita e batidas tipicamente brasileiras, menos nacionais? Há ainda o hip-hop
paulistano dos Racionais MCs, entre muitos artistas desse nicho, que com suas letras
descreve uma visão da realidade das favelas da Zona Sul de São Paulo, representando
toda uma camada social excluída, só passou a ser estudado recentemente pelos cientistas
sociais (SILVA, 2007, p. 01), pois o hip-hop, tal como o heavy metal, não possuiu o
apoio e divulgação das grandes mídias, se popularizou entre as chamadas tribos urbanas,
e ainda é visto como mera imposição yankee. Mais do que nos preocuparmos com a
pura e simples imposição, por que não falarmos também de sincronismo, ao estudarmos
como a música estrangeira foi adaptada, incorporada, e transformada pelos interpretes
nacionais? Além disso, Eduardo Vicente aponta que
Quanto à questão da dominação cultural, o problema é evidentemente mais
complexo, mas os próprios números apresentados mostram que uma
internacionalização mais radical do consumo musical não parece ter estado,
em momento algum, próxima de ocorrer e mesmo que os lançamentos
internacionais se mostrassem de fato mais lucrativos para as empresas
instaladas no país, a exploração do repertório doméstico foi – via de regra –
o caminho adotado pelas empresas internacionais para a sua efetiva
consolidação no país. Desse modo não me parece justificável o
estabelecimento de uma relação direta entre a internacionalização da
produção fonográfica brasileira e a predominância do consumo de um
repertório importado (VICENTE, 1996, pp. 57-58).
Gostaríamos também de apontar a virtual ausência do estudo dos músicos
enquanto classe trabalhadora nos bancos de teses de mestrado. Existe todo um estudo a
ser feito das condições de trabalho dessa classe, fora do âmbito romântico do artista
talentoso que canaliza as ideias de uma época, mas como trabalhadores que vivem à
margem da CLT – experiência vivida por este que vos escreve e compartilhada com
vários de seus amigos e conhecidos. Talento, técnica musical, senso rítmico, vozes
afinadas, entre outros atributos musicais, não são inatos, mas como tudo mais,
adquiridos (HOBSBAWN, 1989, p. 60). Não devemos nos apegar tão somente à história
dos músicos bem sucedidos, mas também estudar a história “de baixo”, dos que não
conseguem ascender devido ao sistema existente de shows e contratos com gravadoras.
É evidente que muitos músicos talentosos não acenderam ao estrelato porque não
22
tiveram – e não tem – oportunidades reais de divulgação de seu trabalho, pois não são
filhos de, e/ou apadrinhados por figuras importantes dentro das gravadoras, como o
cantor e compositor Cazuza, e teve seu grupo, o Barão Vermelho, lançado por João
Araújo, seu pai, e também diretor da gravadora que o contratou (SEVERIANO, 2008, p.
438). O cantor citado é apenas um dos muitos apadrinhados da indústria musical que,
apesar de seu inegável talento, devemos nos perguntar se teria, de fato, chegado ao
estrelato sem ter sua carreira facilitada pelo pai influente.
Parafraseando Hobsbawn em sua História Social do Jazz, o mundo do qual o
músico vem e onde ele trabalha não é apenas uma forma de ganhar a vida, mas muito
mais importante, uma maneira de se criar um caminho próprio dentro do mundo
(HOBSBAWM, 1989, p. 262). A já citada “auto pirataria”, praticada por grupos como o
Sepultura ou o Língua de Trapo, que “comercializava por conta própria em suas
apresentações uma fita K7 com composições do grupo” (GHEZZI, 2003, p. 157), são
apenas uma das muitas práticas que mostram como essa classe busca o seu caminho
próprio dentro do mundo.
VI. Bibliografia
AHLERT, Alvori. Interdependências entre educação, ética e cidadania para uma
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Department of Organizational Sociology and Innovation Studies. 2011-02
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SANTOS, Christiano Rangel dos. Pirataria musical: entre o ilicito e o alternativo.
Dissertação de Mestrado. Uberlândia, 2010.
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modernidade. São Paulo: Ed. 34, 2008.
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Revista do Núcleo de Antropologia Urbana da USP. 2007.
TINHORÃO, José Ramos, Cultura popular: temas e questões. – São Paulo: Ed. 34, 2006, 2ª
edição.
VICENTE, Eduardo. Música e disco no Brasil: A trajetória da indústria nas décadas de
80 e 90. 335 f. Tese (Doutorado em Comunicação Social) – USP, São Paulo, 2002.
Notas
1. Folha de São Paulo, 21 de janeiro de 1980, p. 27.
2. “Refere-se à produção de gravações não autorizadas de concertos públicos de
artistas, sua impressão e posterior comercialização de cópias” (VICENTE, 2002,
p. 213).
3. Revista Somtrês, número 27, março de 1981, p. 96.
4. Revista Somtrês, número 27, março de 1981, p. 98.
24
5. O Estado de São Paulo, 12 de julho de 1981, p. 39.
6. O Estado de São Paulo, 23 de setembro de 1980, p. 17.
7. Revista Somtrês, número 22, outubro de 1980, p. 08.
8. Revista Somtrês, número 22, outubro de 1980, p. 97.
9. Revista Somtrês, número 30, junho de 1981, pp. 18 - 19.
10. Revista Somtrês, número 21, setembro, p. 46.
11. Revista Somtrês, número 22, outubro de 1980, p. 32.
12. Revista Somtrês, número 30, junho de 1981, p. 53.
13. Revista Somtrês, número 27, março de 1981, p. 34
14. Revista Somtrês, número 21, setembro, p. 44.
15. Revista Somtrês, número 22, outubro de 1980, p. 30.
16. Revista Somtrês, número 27, março de 1981, p. 30.
17. No original, o autor se referia aos termos “capitalismo” – expressão
contaminada, e “livre-empresa” – expressão neutra.
18. Revista Somtrês, número 27, março de 1981, p. 97.
19. Depoimentos extraídos do documentário “Botinada”, disponível gratuitamente
em www.youtube.com/watch?v=22lSR-o4n98 acessado em 02 de dezembro de
2012.
20. Revista Somtrês, número 30, junho de 1981, pp. 23, 24, 25, 26, 28, 29, 30, 32,
33.
21. Folha de São Paulo, 22 de janeiro de 1980, p. 35.
22. O Estado de São Paulo, 17 de dezembro de 1980, p. 17.
23. Revista Somtrês, número 28, abril de 1981, p. 57
24. Traduções livres feitas pelo autor deste artigo.

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A crise da indústria fonográfica no início dos anos 1980 vista pela mídia especializada, e a popularização da pirataria e da fita k7

  • 1. Universidade Nove de Julho – Uninove Curso: História Professor orientador: Kátia Kenez Período noturno Enio E. A. Vieira – RA: 911200134 Trabalho de conclusão de curso A crise da indústria fonográfica no início dos anos 1980 vista pela mídia especializada, e a popularização da pirataria e da fita K7
  • 2. 2 Resumo Este artigo tem como intenção interpretar as contradições no discurso midiático sobre a crise da indústria musical durante o período de popularização da fita K7 e o aumento da comercialização dos aparelhos para sua reprodução, focando suas análises entre os anos de 1980 – 1981. Veremos como as condições socioeconômicas e as tecnologias da época afetaram as vendas de discos, e as soluções propostas na época contra o fenômeno da pirataria, que então se tornava cada vez mais corriqueiro, além de uma campanha de conscientização contra esta prática de cópias ilegais. Utilizaremos reportagens tanto da mídia de massas, tendo os jornais A Folha de São Paulo e O Estado de São Paulo como representantes desse tipo de discurso, além de reportagens da extinta revista Somtrês, especializada em música e técnicas de gravação em geral. Ademais, mestrados diversos de historiadores, sociólogos, e antropólogos nos servirão de fonte bibliográfica e base teórica, pois estes trabalhos buscaram entender a pirataria não somente como um fenômeno novo possibilitado pelo surgimento de novas tecnologias, mas como uma prática comum e própria do sistema capitalista. Em outras famosas palavras, a pirataria só existe porque a própria indústria é responsável por fornecer “armas contra si mesma” (MARX, 2011, p. 40). Palavras-chave: Pirataria, Fita K7, crise, indústria musical, consumo de música. Abstract This article intends to serve as an interpretation the contradictions in the media about the crisis in the musical industry that occurred in the event of the popularization of the cassette tape and the increase in the commerce of appliances for its reproduction, focusing its analysis between the years 1980 – 1981. We will see how socioeconomic conditions and the technologies available at the time affected the sales of vinyl discs, and the solutions proposed at the time against the piracy phenomena, which became increasingly popular, besides a campaign to raise awareness against illegal copies. We are going to use articles from the major press, such as the newspapers A Folha de São Paulo and O Estado de São Paulo, as representative of the mass media speech, besides articles and personal ads from the extinct Somtrês magazine, which specialized in music and studio recording techniques. Also, we use as bibliographic and theoretical basis, thesis and dissertations from historians, sociologists, and anthropologists, since these words tried to understand piracy not only as a new phenomenon made possible due to the appearance of new technologies, but as a practice intrinsic to the capitalist system. In other words, piracy only exists because industry is responsible for providing “the weapons against itself” (MARX, 2011, p. 40). Keywords: Piracy, cassette tape, crises, musical industry, music consumption.
  • 3. 3 “A gente não quer só comida, a gente quer comida diversão e arte.” (ANTUNES, Arnaldo/ FROMER, Marcelo/BRITTO, Sérgio. Titãs – Jesus Não Tem Dentes no País dos Banguelas. Warner Chapp. 1987) I. Introdução Ao falar ante a comissão de jurisconsultos do Midem – Mercado Internacional do Disco e da Edição Musical – o advogado brasileiro Henrich Gandelman lamenta as facilidades de emprego das, então, novas tecnologias, pois permitiam “a rápida reprodução ilegal de toda produção musical.”1 Tal discurso poderia ter sido dito por um rockstar nos dias de hoje, culpando as facilidades do download e do MP3 pela baixa venda de seu último álbum, mas foi dito em 1980, momento em que a proliferação de tecnologias como o reprodutor musical, a fita K7 e o som automotivo se popularizavam. Ademais, nosso país vivia momentos de turbulência, pois o governo Figueiredo prosseguia no caminho da abertura política rumo à redemocratização do país, que ao mesmo tempo sofria profunda crise econômica: Tendo alcançado o índice anual de 110,2% em 1980, [a inflação] caiu para 95,2 em 1981 [...]. Desenhou-se naqueles anos um quadro que se tornaria familiar aos brasileiros, chamado de “estagflação”, por combinar estagnação econômica e inflação. (FAUSTO, 2012, p. 428). O historiador americano Paul Friedlander aponta como já no fim dos anos 70, “importantes tendências econômicas e artísticas estavam afetando o modo como a música era criada e vendida”. Ele também nos diz como O surgimento da tecnologia das fitas cassete [...], aliado a outras variáveis econômicas, mais a perda de interesse do público por certos segmentos [...], causaram uma queda nas vendas do produto no final dos anos 70. (FRIEDLANDER, 2012, p. 346). E essa queda nas vendas do produto, no caso, o LP, atingiu também a indústria musical brasileira. Tratava-se agora de uma severa retração da economia como um todo, relacionada a fatores como a recessão mundial e o grande endividamento externo do país, e tendo como resultante altas taxas de inflação (próximas a 100% ao ano), acompanhadas de expressivo aumento no desemprego. Suas consequências serão devastadoras para a indústria do disco, que passa a atravessar o que seria, até aquele momento, a maior crise de sua história (VICENTE, 1996, p. 89). “Embora a atual configuração tecnológica da indústria tenha conferido à questão
  • 4. 4 da pirataria uma importância inusitada, ela não deve ser vista como um fenômeno recente” (VICENTE, 1996, p. 213). Friedlander desmistifica esta contemporaneidade da pirataria ao escrever que 1969, o grupo de heavy metal Led Zepellin estava já “cansado de competir com as gravações piratas” e arrastaram um suspeito da plateia que portava um microfone, pois suspeitaram que este estivesse gravando o show para lança-lo em um bootleg 2 (FRIEDLANDER, 2012, p. 336). Podemos ir ainda muito mais longe à busca das origens da pirataria musical, antes mesmo da invenção dos suportes fonográficos mais conhecidos, como o LP, o CD ou a fita K7, já que ambulantes ingleses da passagem do século XIX ao XX vendiam cópias das partituras das obras musicais da época: Na Inglaterra, entre 1881 e 1906, editores de música e governo intensificaram o combate à mesma prática [a pirataria de partituras]. Embora grande parte do público demonstrasse certa indiferença, houve um apoio considerável às edições desautorizadas, por serem compreendidas como uma forma de acesso para aqueles que não podiam arcar com os custos dos exemplares legítimos, muitas vezes caros. (SANTOS, 2010, p. 83). II. Explicações para a crise fonográfica. Os anos 70 foram, para a indústria musical brasileira, anos de crescimento em vendas e prosperidade. O suposto milagre econômico promovido pelo governo civil- militar trouxe mudanças significativas para nosso país: Vivemos, entre 1967 e 1979, um período de altas taxas de crescimento, que nos levaram à posição de oitava economia capitalista do mundo. Mas nosso capitalismo combinava concentração gigantesca de riqueza e mobilidade social vertiginosa, concentração de renda assombrosa e ampliação rápida dos padrões de consumo moderno (MELLO e NOVAIS, 1998, p. 635). Como veremos mais adiante, essa crescimento nos padrões de consumo causou um significativo aumento da comercialização de discos, que transformou o funcionamento da indústria fonográfica do ponto de vista mercadológico. Os anos 80, no entanto, foram tempos de “grande turbulência, com intensa alternância entre movimentos de crescimento e retração” quando houve “sob o signo da crise, [...] expressivas quedas da produção verificando-se já em 1980 e 1981 (10,6% e 20,8%, respectivamente)” (VICENTE, 2002, p. 87). Essa crise já era sentida pela mídia especializada da época, como o caso da revista Somtrês. A Somtrês, editada entre 1979 e 1989, foi uma publicação voltada para amantes não apenas da música, mas das novidades em áudio e vídeo. Os números que utilizamos para este trabalho foram publicados entre 1980 e 1981, e possuem várias reportagens sobre toca fitas, vídeos cassete, toca-discos, amplificadores, aparelhos de som automotivo, instrumentos musicais, e muitos outros produtos voltados para consumidores e músicos. Em março de 1981, uma reportagem intitulada “A Crise em 33
  • 5. 5 RPM” faz a seguinte chamada: Ninguém mais nega que a crise [financeira] chegou também ao setor fonográfico. O indício mais claro está nas muitas tentativas que a indústria do setor já está fazendo para enfrentar o ano [de 1981] que se anuncia magro.3 Mas quais eram estas tentativas para enfrentar esse ano que se anunciava magro? É interessante notar como tanto esta revista, voltada para um público específico e que não se encontra mais em circulação, tanto quanto os grandes jornais de São Paulo, Folha de São Paulo, e O Estado de São Paulo, debatiam a comercialização do disco de dez polegadas, opção menor que o tradicional vinil de 12 polegadas, que por ser menor, apresentaria uma série de vantagens. Segundo a Somtrês: Os argumentos a favor do novo formato [...] começam na economia. A resina de que são feitos os discos é derivada do petróleo [...]. Num disco menor cabem menos faixas. Menor número de faixas exige menor tempo de estúdio. Menor tempo de estúdio representa também um número menor de horas pagas aos músicos para gravar. E mais: um disco menor tem capa menor, reduzindo, portanto, o custo gráfico do produto final. 4 Tal formato fazia parte de uma série de iniciativas da Associação Brasileira de Produtores de Disco (ABPD) para o enfrentamento da crise. Ademais de discos econômicos, foram lançados álbuns com regravações, coletâneas, além de uma campanha publicitária na TV incentivando a compra de discos originais (VICENTE, 2002, p. 95). Voltaremos a essa campanha publicitária e como ela foi vista na época posteriormente. Havia, no entanto, empecilhos que impediram que o álbum de dez polegadas vingasse. Existia, antes de mais nada, uma desconfiança entre as gravadores e o comércio. A revista culpa os vendedores de não repassarem o preço sugerido pelas gravadoras para o produto final, o que prejudicava o comprador final. Um exemplo dado é quando a Polygram lançou um LP de Jorge Mautner com o preço especificado na capa de venda até Cr$ 15,00 em 1972. Segundo a reportagem, as lojas “simplesmente não quiseram o disco, pois este já estabelecia uma margem de lucro determinada”4 . É preciso relativizar essa culpa dada aos lojistas pelos altos preços dos discos, pois, como já dito acima, nosso país vivia uma época de inflação altíssima, e é seguro supor que discos chegassem ao varejo em um preço X, sofressem remarcações que acompanhassem o ritmo da inflação. Assim que, um produto encalhado em uma prateleira durante um ano poderia ser comprado, seguindo as interpretações das fontes utilizadas para esta pesquisa, com um valor no mínimo proporcionalmente mais alto que seu preço de capa original, de maneira que o varejista pelo menos não sofresse grande prejuízo. É, portanto, de nosso entendimento que a recusa dos varejistas por adquirir um produto cujo preço fosse estampado na capa é perfeitamente aceitável.
  • 6. 6 O Estado de São Paulo, ao falar do new-disc – outra expressão para o disco de dez polegadas, o descreve como “um LP de oito faixas e com duração máxima de vinte minutos”, com a vantagem de baratear o custo do produto em até 30%. No entanto, a própria reportagem de 12 de julho de 1981 já aponta uma desvantagem do formato, pois ele seria utilizado apenas por novos artistas, já que “os nomes consagrados dificilmente aceitariam participar de um esquema de produção desse tipo”.5 Adiel Macedo de Carvalho, presidente da gravadora Copacabana, gravadora que se dizia “imune” à crise, explica: Existe o pressuposto de que a cada dez lançamentos, apenas um vinga no mercado. Estes lançamentos (de 10 polegadas) não representam a maior parte dos custos de uma empresa, ao contrário, representam pouco no total. Afinal, um estreante dificilmente merece uma produção muito cara. 5 Mais uma vez, temos aqui uma categoria de trabalhadores – os músicos iniciantes – sofrendo mais com o peso da crise. Mesmo sendo a opinião de UM presidente de UMA gravadora, é crível assumir que era – e ainda é – uma opinião que pode ser generalizada para os grandes empresários deste setor, no que diz respeito ao trato com novos artistas. Essa lógica, mais do que privilegiar os artistas já consagrados em detrimentos de novos talentos, seguia a então corrente adaptação de mercado. Friedlander escreve que ao longo dos anos 70, as gravadoras passaram por mudanças internas. Se anteriormente as decisões corporativas eram tomadas por “homens com experiência em descobrir talentos e com um ouvido nas ruas”, estas decisões passaram então a ser tomadas com base nas estatísticas de lucros e perdas. Consolidação tornou-se norma na indústria, enquanto pequenas gravadoras se fundiam, outras eram engolidas pelas grandes e outras iam à bancarrota [...]. Os novos executivos dos selos, advogados, conservadores e contadores, ditavam um curso de ação cauteloso: assinar contratos milionários e longos com os campeões de vendas, reduzir a lista de artistas secundários, e apenas assinar com novos artistas se pudessem fazê-los passar por um rigoroso processo de avaliação e se tivessem uma certeza razoável de que eles seriam lucrativos (FRIEDLANDER, 2012, p. 409). Pois, se um “estreante dificilmente merece uma produção muito cara”, o que sobraria para este artista? Graças às novas tecnologias que então se popularizavam, houve grande barateamento dos custos e usos de técnicas de gravação profissional, que implicou no fim da década de 70 e início dos anos 80 no Brasil em um “crescimento numérico de estúdios e gravadoras de pequeno porte que lançavam artistas até então desconhecidos do grande público”, como aponta Ghezzi. No que diz respeito a esse crescimento no número de gravadoras: Se em meados da década de 70 os artistas consagrados pelo público eram apenas aqueles lançados por grandes gravadoras transnacionais, a década de
  • 7. 7 80 tomou conhecimento de artistas que não faziam parte deste cast. Houve, no período indicado, um aumento quantitativo dos centros de produção musical, o que implicou um equivalente incremento no número de gravadoras que não eram diretamente vinculadas ao capital estrangeiro das multinacionais do setor fonográfico (GHEZZI, 2003, pp. 22-23). Temos até agora, como os responsáveis da crise fonográfica o vendedor varejista e os artistas, tanto os iniciantes que na visão das grandes gravadores não merecem um grande investimento na sua produção, ou o artista consagrado, que não se sujeita a gravar seus trabalhos no formato de dez polegadas – a suposta solução para todos os males. Em uma edição de 1980 d’O Estado de São Paulo, João Araújo, presidente da ABPD, considera crise do petróleo de 1980 como uma das principais culpadas no encarecimento no preço do disco, pois além de matéria prima, a alta do petróleo afetava o transporte do produto e produção da parte gráfica – capas e encartes. Uma parte dessa crise se deve à alta do petróleo [...]. Não é somente devido ao fato do disco ser fabricado à base de um de seus derivados, o vinil. A partir da alta do petróleo, o preço de tudo subiu, principalmente o do disco. 6 Outros fatores que justificavam a alta dos preços para a ABPD, eram o fato de que, após os generosos anos de 74 a 78, nenhum estilo musical veio substituir a moda discotheque, fenômeno que havia levado a indústria a piques de vendas. José Victor da Ariola concorda que “faltou um novo modismo para substituir a onda disco”.6 Outro fator que levaria a culpa das baixas vendas era a proliferação das rádios FM, que segundo João Araújo, “ao contrário de incentivar a compra de discos, elas roubam um pouco o público comprador”.6 O problema das rádios FM seria facilmente – e paradoxalmente – contornado com práticas de suborno aos radialistas para a inclusão e execução massiva de faixas de determinados artistas em sua programação, popularmente conhecido como jabaculê ou jabá: Nome pelo qual ficou conhecida a prática do pagamento de propinas aos programadores das rádios [...] para a inclusão das músicas na sua programação. Embora constantemente negada, sua existência já era bastante comentada desde pelo menos os anos 70. (VICENTE, 2002, p. 104). De vilão a futuro aliado, o rádio FM, auxiliado pela proliferação de novas tecnologias, como o gravador caseiro e a própria fita K7, criaram novas possibilidades para os consumidores de música: Pode-se dizer que adoção da fita cassete é um marco em relação à pirataria. A reprodução de gravações musicais por meio desse suporte sonoro ficou consideravelmente mais simples e barata — aspecto fundamental para que atingisse grande popularidade em pouco tempo. Ademais, a K-7 permitiu que o público pudesse se relacionar de modo mais interativo com a música, ao propiciar criações pessoais de coletâneas, gravações de programas de
  • 8. 8 rádios e compartilhamento de músicas entre amigos. Tornou a música facilmente transportável com o surgimento dos aparelhos toca-fitas portáteis, entre eles, o emblemático walkman, lançado pela Sony em 1979 (SANTOS, 2010, p. 85). O historiador Eduardo Vicente, em sua dissertação de mestrado, também aponta para praticamente os mesmo motivos para a crise do mercado fonográfico nos anos 1980. Segundo ele, além das tecnologias disponíveis na época permitirem ao consumidor gravar suas músicas preferidas direto das rádios em uma fita K7, havia uma percepção por parte das gravadoras que a “classe média – mercado prioritário das empresas internacionais – estava reduzindo sua participação no consumo de discos no país”. Havia outras possibilidades de consumo e lazer competindo com o mercado de disco, numa época na qual não se investiam em novos artistas, a não ser quando existia uma “certeza razoável” [sic] que ele traria lucros (como dito acima), ao mesmo tempo em que os executivos reclamavam do envelhecimento da geração anterior de artistas, principalmente dos anos 60, que não se haviam adaptado e renovado ao então atual contexto da indústria (VICENTE, 2002, p. 94). III. A pirataria – a grande vilã Em seu mestrado, o historiador mineiro Christiano Rangel dos Santos nos lembra como o “universo da pirataria é demasiado complexo e pouquíssimo estudado no Brasil, sendo raros os trabalhos de pesquisa a respeito” (SANTOS, 2010, p. 11). No período aqui estudado, a pirataria era quase que exclusivamente feita em fitas K7, apesar de que existia, de fato, uma circulação ilegal de registros musicais piratas em vinil, ainda que tal circulação fosse ínfima (SANTOS, 2010, p. 86). Mesmo assim O negócio formal da venda de música em cassete nunca decolou no país desde quando foi adotado, no início dos anos 1970. O mercado ilegal logo tomou conta e obteve mais sucesso na comercialização de canções por meio desse suporte musical que, em linha ascendente, chegou a responder pela quase totalidade das fitas gravadas vendidas nos anos 1990. (SANTOS, 2010, p. 18). E por que a comercialização formal de fitas K7 nunca decolou no Brasil? Uma possível resposta é que, ao contrário do que se poderia esperar, um suporte menor como o K7 era, comparado ao LP, mais caro. Segundo O Estado de São Paulo, os lojistas se queixavam que as fitas cassete acusavam uma queda ainda maior nas vendas, e um representante dos lojistas reclamava que “mesmo tendo tabelado as fitas ao mesmo nível dos LPs [...], muitas gravadoras continuam vendendo-as para nós mais caras” 5 . Até mesmo Nélson Fernandes, falando em nome da gravadora Eldorado, reconhecia que “o cassete deveria, inclusive, custar mais barato. Afinal, ele não tem encartes, não há como fazer capas duplas, etc.”.5 Outro fator que contribuía para a baixa venda das fita K7 era que Durante o período em que a indústria trabalhou com as fitas cassete e os long
  • 9. 9 plays como suporte fonográfico padrão, havia uma expressiva preferência do público consumidor por álbuns oficiais em formato de LP. A venda dos discos de vinil, pouco pirateados, compensava ou pelo menos reduzia o impacto das perdas causadas pela pirataria de K-7, então largamente praticada (SANTOS, 2010, p. 20). Um grande número de reportagens da época dedica suas páginas a questão da pirataria musical, sendo o seu combate fundamental para a resolução da crise. A pirataria, para o consumidor final, apresentava suas vantagens e desvantagens: Por um lado, a facilidade do processo de produção das cópias em cassete oferecia grande impulso à atividade dos piratas, por outro as cópias falsificadas tendiam a utilizar material de baixa qualidade, que não só comprometia sua audição como oferecia riscos aos equipamentos de reprodução. (VICENTE, 2002, p. 215). E esses riscos dos equipamentos de som eram assunto constante na Revista Somtrês. Uma carta indignada de Luiz Alberto Backes, residente do Rio Grande do Sul, pergunta aos editores de que adiantava analisar a qualidade dos aparelhos de som, “enquanto os leitores não tiverem condições de distinguir, no ato da compra, as fitas de boa das de má qualidade”.7 A carta não obteve resposta, ao menos não uma resposta publicada, mas a mesma edição trás uma reportagem sobre “as falhas do gravador cassete”, onde é dito logo no primeiro parágrafo que tais falhas são, “quase na sua totalidade, o resultado da má conservação do aparelho ou do uso de fitas de baixa qualidade”. Uma maneira de aumentar a longevidade do equipamento era manutenção constante do gravador, essencial para uma melhor qualidade de som: A limpeza e a desmagnetização periódica das cabeças [do gravador] é imprescindível [...]. O óxido depositado na cabeça, mesmo em camada minúscula, tem o efeito imediato de redução da resposta dos agudos além de, a, longo prazo, causar apagamento permanente das frequências altas da fita. 8 A reportagem segue dando conselhos para saber se o aparelho necessita desmagnetização, cujo sintoma era “um aumento do nível de ruído, em forma de chiado constante observado durante a reprodução de qualquer fita”. Era aconselhado que o dono do gravador, para diagnosticar tal defeito, acionasse o botão play sem fita, e procurasse ouvir um chiado de fundo. Existia ainda um aparelho específico, o desmagnetizador, que deveria ser utilizado com diversos cuidados, sendo que nunca deveria ser ligado ou desligado próximo à cabeça; ser aproximado em movimentos circulares; ser provido de uma capa de proteção plástica para não arranhar a cabeça; sua passagem sobre as cabeças do gravador deveria ser suave; deveria então ser afastado do gravador lentamente e sempre em movimentos circulares; e só então, quando afastado o bastante, ser desligado. Um cuidado excessivo com um aparelho que reproduzia uma mídia que, como dito acima, não vendia tanto em números oficiais e não representava a preferência do público como suporte fonográfico.
  • 10. 10 Na edição de junho de 1981, encontramos a reportagem intitulada “As exigências do gravador”, na qual dizia que “depois da série a respeitos dos cuidados com o toca- discos, iniciamos uma outra, que trata da melhor maneira de conversar os gravadores”.9 As páginas da nova série iniciada – ou seja, as edições posteriores continuariam a detalhar maneiras de conservar melhor seu gravador – diziam ser necessário “pensar nos cuidados e material necessários para a conservação deles [LPs e K7s] e dos equipamentos [de reprodução]”. A revista faz então a previsão de que a conversação dos equipamentos será fundamental, pois “mesmo quando tivermos em casa tudo quanto é digital, provavelmente não vamos jogar no lixo as gravações e equipamentos que ainda nos satisfazem”. Quanto à conservação dos equipamentos, era enfatizado que “a limpeza vem em primeiro lugar”; “outro aspecto fundamental é o do alinhamento dos cabeçotes”; entre muitas outras sugestões de caráter extremamente técnico, a ponto do repórter que assina a matéria advertir que: “não aconselho aos audiófilos pouco experientes tentar os ajustes, porque são delicados, quase críticos, e exigem uma fita padrão cara e nem sempre fácil de encontrar”. 9 É curioso notar reportagens que dedicam tamanha precaução na manutenção do gravador, ainda por cima em uma publicação que, como veremos, procura se posicionar contra a pirataria. Então, porque tanto cuidado com o gravador? Segundo Santos: Na década de 1970, o crescimento da produção de fitas piratas foi rápido; em 1974, o Centro de Pesquisas de Arte Brasileira do Departamento de Informação e Documentação Artísticas (Idart) estimava que das cerca de 11 milhões de fitas cassete virgens produzidas no país, apenas 4 milhões foram usadas pela indústria oficial. O secretário da Associação Brasileira dos Produtores de Discos (ABPD) na época, João Carlos Muller Chaves, chegou a ironizar a situação, dizendo que “é difícil imaginar que os quase sete milhões que sobram sejam utilizados por papais-corujas, que gravam gracinhas dos filhos ou festas de aniversários” (SANTOS, 2010, p 86). Em outras palavras, o secretário da ABPD levantava a seguinte hipótese, aqui questionada por nós: as constantes reportagens sobre os cuidados com os gravadores da revista Somtrês, somadas ao grande número de fitas K7 virgens no mercado, nos leva a conclusão que o K7 não servia apenas para a gravação de “gracinhas dos filhos” por papais-coruja. Possibilitava a gravação de álbuns inteiros; de músicas diretamente das rádios; a criação de coletâneas com canções selecionadas pelo gosto do ouvinte; entre outras possibilidades, como o empréstimo de discos entre amigos, que será mais bem desenvolvido abaixo. Chegou-se a constituir, inclusive, um comércio informal de gravações de discos, comércio esse que era praticado por aqueles que nosso senso comum aponta como os mais interessados em vender álbuns oficiais: as lojas de discos. Dos anos 1970 a meados dos 1990 [...] as lojas de discos gravavam fitas cassete com o repertório selecionado pelos próprios clientes: as coletâneas podiam ser de músicas do mesmo ou de diversos gêneros e de um ou vários artistas, nem sempre seguindo apenas a lógica dos grandes sucessos, uma vez que a seleção era de caráter mais pessoal. Concorrer com os piratas nesse quesito era praticamente impossível para a indústria, porque os
  • 11. 11 tramites necessários para o lançamento de uma coletânea oficial imprimiam lentidão ao processo (SANTOS, 2010, p. 87). Esse comércio informal transcendia o âmbito das lojas e era feito, também, diretamente por aficionados em música. Uma olhada na sessão de vendas e trocas nos números 21, 22, 27, 28, 30 e 31 da Somtrês nos dão uma pequena ideia do que era esse comércio informal de gravações diversas em fitas K7. Vale a pena reproduzir alguns desses anúncios, que vão dos mais variados estilos musicais, como o rock, o erudito e até artistas nacionais: VENDO – Gravações piratas de Led Zeppelin, Yardbirds e outros. Arthur. Tel.: 458-4815. São Bernardo do Campo – SP.8 COMPRO – Gravações em fitas cassete dos discos: Alive I, Dressed to Kill e Rock and Roll Over do Kiss. Milton Kiga. Caixa Postal, 217. CEP: 16.900. Andradina – SP.11 COMPRO OU TROCO: Quero gravações de shows do Fagner realizados nos anos 70. Pagarei bem. Troco correspondência com admiradores do Fagner. Henrique Alarez. Rua Barão de Mesquita, 616. CEP: 20.540. Rio de Janeiro – RJ.12 TROCO – Cópias de gravações das seguintes óperas com o restrospectivo xerox do libreto: Oberon, de Weber; Cosi Fan Tutte, de Mozart; Ernani e Rigoletto, de Verdi; Tannhausen e Parsifal, de Wagner ou qualquer uma de suas óperas [...]. José Eduardo Ferreira de Freitas. Rua 41 nº 55 – Floramar. CEP: 30.000. Belo Horizonte – MG.13 Isso para citar apenas alguns exemplos. Vendia-se, se trocava, e se comprava todo o tipo de gravações nos mais diversos suportes – originais ou não – de LPs e K7s. Ainda era possível encontrar anúncios de compra e venda de adesivos, traduções de letras, fotos, reportagens nacionais e ou importadas sobre os mais variados artistas. Havia músicos procurando bandas, ou ainda, apenas pessoas que somente procuravam conversar com outros fãs do mesmo artista. Casos como o do fã do cantor Fagner retratados acima, que gostaria de trocar correspondência com outros admiradores do artista, não eram incomuns. Mais uma vez utilizando das palavras de Christiano Rangel dos Santos: Alguns anunciantes se mostravam como uma espécie de “homens de negócio” e “fãs de música” ao mesmo tempo. O espaço era usado tanto para a pirataria comercial como para a simples troca e compra de registros por quem não tinha intenção de faturar com as gravações. Os fã-clubes utilizavam a revista como canal de comunicação e realizavam intercâmbio de discos ou de copias em fitas, além de outros objetos como livros de música, pôsteres e reportagens sobre determinados artistas. (SANTOS, 2010, p. 100).
  • 12. 12 Nos números da Somtrês que trabalhamos, encontramos um total de 223 anúncios de compra, venda e troca de discos em geral, em uma sessão da revista chamada Free Shop. Alguns desses anúncios faziam referências explicitas à venda de produtos piratas, sejam bootlegs, gravação de álbuns, ou ainda ambos no mesmo anúncio. Para a confecção da tabela abaixo foram desconsiderados os anúncios de instrumentos musicais, toca-discos e equipamentos de som em geral, como amplificadores e gravadores, que também eram uma ocorrência constante na revista. Ocorrências de anúncios de produtos piratas e gravações na Revista Somtrês entre setembro de 1980 e julho 1981. Edição número total de anúncios referências à discos piratas compra/venda de gravações de discos Setembro de 1980 36 2 2 Outubro de 1980 36 1 4 Março de 1981 38 2 9 Abril de 1981 47 0 5 Junho de 1981 34 0 3 Julho de 1981 32 3 3 Mesmo não havendo nenhum padrão específico para o aumento de anúncios com referências explícitas à álbuns piratas e/ou gravações ilegais, houve, em dezembro de 1980, uma alteração no Código Penal brasileiro, que configurava a pirataria como crime de ação pública. A tabela acima nos deixa claro que tal alteração na lei pouco – senão nada – fez para coibir ou intimidar o comércio informal na revista, ainda que fosse extremamente fácil encontrar esses anunciantes, pois publicavam seu nome e endereço. Poderíamos até afirmar o contrário: que a mudança no Código provocou um aumento nos anúncios de cópias de álbuns; conclusão arriscada pelo fato de não foram encontradas as edições de janeiro e fevereiro de 1981, imediatamente publicadas após a penalização da pirataria. É também importante destacar que as edições publicadas em setembro de outubro de 1980 – antes da alteração no Código Penal – possuíam o seguinte aviso no início da sessão de compra e vendas: Este é o primeiro e único mercado livre de equipamentos e discos da Imprensa Brasileira. Se você quiser participar, mande uma carta com as especificações do aparelho ou discos que você quer comprar, trocar, ou vender. Não custa nada. Publicamos qualquer oferta, a não ser a venda de fitas piratas [...].14 (Grifo nosso). Este é o primeiro e único mercado livre de equipamentos de som e discos do Brasil. Você também pode participar. É de graça. Basta mandar uma carta para SOMTRÊS, contando o que você quer vender, comprar ou trocar [...]. Vale qualquer negócio, menos cópias em fita de discos que ainda estejam no mercado. Ou seja: vale tudo, menos pirataria.15 (Grifo nosso).
  • 13. 13 Lembremos mais uma vez que as próprias edições de setembro e outubro de 1980 possuíam anúncios com referências claras às gravações de álbuns e/ou pirataria. Para os fins desse trabalho, não foi possível localizar as edições entre novembro de 1980 e fevereiro de 1981, mas se nota uma mudança bastante interessante de discurso a partir da edição de março de 1981: a palavra “pirataria”, ou qualquer referência a ela é omitida da introdução da sessão Free Shop, como se este houvesse tornado um assunto que, se não era proibido, era no mínimo evitável: Este é o primeiro e único mercado livre de equipamentos e discos do Brasil. Para participar, você não gasta nada. Basta enviar uma carta dizendo o que você quer trocar, comprar ou vender. [...]. Você pode anunciar qualquer coisa, menos cópias em fitas de discos que ainda estejam à venda no Brasil.16 (Grifo nosso) As edições seguintes seguem evitando a palavra pirataria, com variações da frase destacada acima, como dizer que só não é válido o anúncio de “cópias em fitas que ainda estejam em catálogo” (abril de 1981); e “cópias em fitas de discos que ainda estejam à venda no Brasil” (junho e julho de 1981). Estariam os editores evitando coibir a troca de produtos piratas? Ou estariam eles, com a mudança de discurso, buscando se livrar de qualquer responsabilidade na comercialização da pirataria, jogando a culpa em cima dos leitores, que não teriam interpretado corretamente que “gravações de álbuns ainda à venda no Brasil” significava, pura e simplesmente, cópias ilegais? Essa troca de expressões, aparentemente insignificante, esconde uma retórica eufemística: Mas, se não há diferença importante entre uma e outra palavra, por que trocá-las? Que jogo retórico está por trás do eufemismo? A resposta nos remete a uma das vertentes do discurso persuasivo que é a de provocar reações emocionais no receptor: o enunciador/emissor apela para recursos afetivos visando a melhor conquistar adesão do seu público. Ou seja, em nosso caso, ao se deslocar a expressão “contaminada” [...], para a “neutra” (CITELLI, 2004, p. 34). 17 No caso da análise aqui feita, consideremos como expressão contaminada a palavra “pirataria” e como expressão “neutra” a frase “discos que ainda estejam à venda no Brasil”, ou qualquer uma de suas variações publicadas na Somtrês. Seguindo ainda com as ideias de Citelli, tal omissão assegura uma recontextualização do signo que passa agora a produzir novas ideias, valores que não são mais associados aos incômodos históricos sugeridos pela palavra pirataria, pois recordemos que este termo, em sua acepção moderna, é oriundo do século XV, sendo usado para designar a prática de assaltos a embarcações marítimas em alto mar (SANTOS, 2010, p. 80). Por essa razão, somos inclinados a concluir que a segunda hipótese levantada – o transferimento de responsabilidades aos leitores pelas cópias ilegais comercializadas – é muito mais plausível, ainda que diante de tantas reportagens sobre conservação de gravadores, e crises da indústria, a revista buscasse se posicionar contra a pirataria. Tal conclusão pode ser comprovada ao voltarmos à reportagem “A Crise em 33 RPM” de março de
  • 14. 14 1981, reportagem que termina com o seguinte parêntese: Em tempo: SOMTRÊS, como já avisou à direção da Associação Brasileira dos Produtores de Discos, oferece seu espaço para esta campanha contra a pirataria. Ao mesmo tempo, continuará impedindo que se anuncie, nas páginas de seu Free-Shop, ofertas de cópias em fita de discos em catálogo.18 Impedimento este obviamente esquecido pelos editores, ao lembrarmos que a própria edição em questão contraditoriamente possuía nove referências às gravações de discos – maior número de referências a cópias ilegais entre as edições trabalhadas. Ao dizer que impediria o anúncio de “ofertas de cópias em fita de discos em catálogo”, e mesmo assim seguir publicando tais anúncios, não estaria a revista, como se diz popularmente “fazendo vistas grossas”? Em outras palavras, nos perguntamos aqui o levavam os editores da Somtrês a adotarem um discurso antipirataria, e mesmo assim publicar anúncios de venda de cópias de álbuns. Não podemos considerar o atrativo de receber por esses anúncios, pois a revista enfatizava que era “de graça”, ou que “você não gasta nada”. Uma possibilidade era a fidelização dos seus clientes e procura de aumento no número de leitores, o que causaria uma maior circulação no número de revistas vendidas. Continuamos, no entanto, no âmbito das especulações. O que vale recordar aqui é a ambiguidade entre discurso e prática da Somtrês, ambiguidade essa clara ao lermos as reportagens da revista e os anúncios por ela vinculados. A produção da fita K7 ainda produziu diversos subprodutos além da pirataria e o comércio informal em revistas de música. Esse comércio informal possibilitou não somente a ampliação do público ao acesso a música, como também se colocou como uma oposição ao controle das corporações, mudando a maneira de socialização através da música. “Um grupo de amigos podia comprar uma única cópia de um disco, copiá-lo em fitas virgens e passar estas cópias para outros” (FRIEDLANDER, 2012, p. 411). No Brasil, um exemplo desse tipo de socialização pode ser encontrado no documentário Botinada. Este documentário, disponível gratuitamente para download em vários sites na internet, narra o surgimento das primeiras bandas de punk rock em nosso país. Há uma sessão inteira desse documentário dedicado ao LP e a fita K7 (dos 12:58 aos 16:48), onde temos depoimentos de vários dos primeiros músicos desse estilo no Brasil, que corroboram essa prática de copiar vários discos e distribuí-los aos amigos, em especial os discos importados, por seu preço excessivo (“Eu deixava de comprar uma calça pra comprar um disco de punk rock” – dita por Anselmo – ou ainda “Pra você conseguir um vinil era o pagamento do mês.” – por Mineirinho). “Esses discos viravam dezenas de fitinhas, porque era o lado cooperativa que existia”, depoimento de Vladi.19 A paixão pela fita era tal que chegava ao ponto que o público punk, segundo João Gordo, do Ratos de Porão, preferia ouvir o som de fita à shows de bandas iniciantes, devido a péssima qualidade dos músicos da época. Os irmãos Max e Igor Cavalera, fundadores do grupo mineiro de thrash metal Sepultura, vendiam em sua adolescência fitas de
  • 15. 15 bandas estrangeiras como complemento de sua renda: Max e Igor começaram a fazer “vaquinhas” entre os amigos para comprar discos importados. Juntando o dinheiro de 30 ou 40 pessoas, viajavam 600 quilômetros até São Paulo e compravam 10 ou 15 discos de uma vez. De volta a BH, reuniam a turma para ouvir as novidade e gravar fitas [...]. Quem conseguia um LP raro ou uma revista importada imediatamente emprestava para os outros (BARCINSKI, 1999, pp. 26-27). Outra novidade que a popularização da fita K7 trouxe no modo de ouvir música foi a mobilidade, pois graças as fitas gravadas “qualquer um poderia viajar e ouvir a música que escolhesse”, seja através do já citado walkman, ou pelo toca-fitas automotivo, que se popularizava na época (FRIEDLANDER, 2012, p. 411). Um exemplo dessa proliferação de toca-fitas portáteis no Brasil pode ser encontrado na edição de junho de 1981 da Somtrês, onde uma reportagem de várias páginas ensina a instalar um som automotivo, através de uma linguagem extremamente técnica, com fotos, ilustrações e etapas passo a passo para a correta instalação do aparelho e das caixas de som. Iniciaremos aqui o primeiro artigo de uma nova série, com a intenção de ajudar os leitores que pretendem instalar, trocar ou modificar o som do carro. Nessa primeira montagem teremos um toca-fitas com rádio AM/FM, dois alto-falantes full-range, dois tweeters, uma gaveta de toca-fitas e uma antena. Sem dúvida, um equipamento dos mais comuns.20 (Grifo nosso) Uma nova série que se iniciava, que nos mostra uma importância considerável do som automotivo para os leitores e a revista. A matéria segue então com uma minuciosa explicação de como instalar o aparelho, que se assemelha até mesmo a uma receita de culinária. Há “ingredientes”, onde temos a lista de ferramentas, o material a ser comprado e o equipamento necessário. A instalação é dividida em várias etapas distintas, todos seguindo uma linguagem mais facilmente acessível à pessoas que tem afinidade e experiência em instalação de equipamentos de som, em geral. Nos início dos anos 1980, a popularização de novos suportes para a reprodução musical, tal como o som automotivo, eram um atrativo por si só ao mercado fonográfico, fomentando as vendas de aparelhos. Vale observar que, nestes primeiros momentos da indústria, a venda de suportes sonoros funcionava muito mais como um atrativo para a comercialização dos aparelhos reprodutores do que como negócio autônomo. Não havia, portanto, grande preocupação com respeito a escolha do que tocar, uma vez que qualquer som mecanicamente reproduzido apresentava interesse para os ouvintes (VICENTE, 1996, p. 29). IV. Campanha anti-pirataria Obviamente toda essa acessibilidade às cópias de discos não passaram despercebidas pela grande mídia da época. A Folha de São Paulo de 22 de janeiro de
  • 16. 16 1980, ao reportar uma reunião do Mercado Internacional do Disco e da Edição Musical – o MIDEM – nos diz que “a pirataria que atinge a indústria do disco no mundo inteiro, mediante gravações não autorizadas, foi classificada de verdadeira calamidade durante um debate internacional realizado em Cannes”. 21 Uma série de novas leis eram discutidas de modo que os direitos de autoria fossem respeitados, como a “criação de um imposto aplicável às fitas magnéticas mediante o qual poderia se enfrentar, de certo modo, a concorrência desleal” 21 que era a gravação caseira de músicas. Em dezembro de 1980, quando ocorreu a já citada alteração no Código Penal no que diz respeito à pirataria, o Estado de São Paulo publicou a seguinte reportagem: A partir de hoje, às 11 horas, quando o presidente João Figueiredo sancionar a lei que altera os artigos 184 e 186 do Código Penal, estará tipificada como crime de ação pública a reprodução ilícita de obra literária, artística ou científica através de fonograma e videograma. 22 Tal solenidade tinha confirmada a presença de vários artistas ainda hoje conhecidos por boa parte do grande público, como Jair Rodrigues, Sidney Magal, Baby Consuelo (que hoje atende pelo nome artístico de Baby do Brasil) e Luiz Gonzaga. Representantes de gravadoras e da ABPD se mostravam otimistas, pois tal sanção tornaria “bem mais fácil fiscalizar a pirataria no setor de discos”. 22 A Somtrês, ao mencionar a mudança dos artigos 184 e 186, nos diz como para a ABPD tal sanção era a “realização de um sonho”, pois a associação lutava há pelo menos seis anos para “eliminar um inimigo poderoso, capaz de unir numa causa comum lados quase sempre conflitantes, como artistas e gravadoras: a pirataria”. 23 Tal reportagem da Somtrês segue comparando as vantagens da mudança dos artigos 184 e 186, pois até então a “pirataria estava configurava como crime de ação privada, na esfera dos crimes contra a honra, o que exigia uma acusação formal de pessoa a pessoa”. Com a mudança, a prática da cópia ilegal colocava o “crime como de lesão ao patrimônio, e praticamente o equipara ao furto”. Seria punido não somente o produtor, mas todos que participavam do processo: o revendedor, o distribuidor, expositor, divulgador. O consumidor estava fora do alcance da lei, pois: Com o aperfeiçoamento das técnicas da pirataria, fica quase impossível a distinção imediata entre o legítimo e o falso produto [...]. É preciso muita atenção, porque muitas vezes o pirata coloca uma fita falsa na caixa de uma legítima, selando o produto com o invólucro plástico. Por isso, recomendo que, uma vez decidida a compra, o consumidor abra a caixa na frente do vendedor e examine o produto. 23 Ademais, é recomendada atenção ao observar a qualidade das cores da capa, e o consumidor que se sentisse lesado ao comprar um produto pirata inadvertidamente deveria denunciar as casas que vendessem produtos piratas à Polícia Federal. Esse apelo ao consumidor de música era pregado pela revista já no número anterior, onde uma
  • 17. 17 campanha televisiva que incentivada a “dar e receber música de presente”, e que buscava conscientizar o público contra a pirataria, prática na qual “todo mundo sai perdendo, com exceção dos comerciantes e demais envolvidos”, era criticada, pois, tais campanhas estavam destinadas ao receptor errado: A mensagem da campanha contra a pirataria talvez tenha desperdiçado seu tempo enfatizando demais que a legislação a respeito foi alterada, tornando- se mais rigorosa. Então, é possível concluir que tal recado se destinava mais àqueles que, de qualquer maneira, estão envolvidos com o clandestino comércio de música. Porque não ao contrário, dirigir essa mensagem a quem compra discos & fitas? Ou seja, ao invés de advertir os ladrões, conquistar aliados na campanha contra os piratas do som 18 (grifo nosso). Até que ponto os piratas de 1980 se consideravam criminosos, ou acreditavam que ao vender cópias de discos estava, de fato, cometendo um crime, dificilmente saberemos. Se traçarmos um paralelo entre estes “envolvidos com o clandestino comércio de música”, e os nossos contemporâneos camelôs, podemos concluir que eram, de fato, “ladrões”, mas com plena consciência de quem realmente estava sendo roubado: Muitos desses trabalhadores, ao efetuarem um comércio ilegal baseado na revenda de mercadorias contrabandeadas e/ou pirateadas, aceitam o fato de que estão descumprindo as leis existentes, que condenam tais práticas como crime [...]. Ao mesmo tempo, tais delitos não impedem que exerçam um trabalho que é considerado por esses como digno e honesto, na medida em que não consideram estar causando prejuízo a pessoas em específico, mas sim ao Estado ou a grandes empresários (GOULART, 2004, pp. 97). Seria possível que tais comerciantes de produtos piratas já tivessem essa consciência em 1980? A antropóloga Rosana Machado conclui que “para os camelôs, pirataria não mede honestidade”, e alguns deles, inclusive, acreditam que estão fazendo um “bem”, pois vendem produtos que são inacessíveis às classes menos abastadas, e por isso se consideram como um verdadeiro exemplo de honestidade (MACHADO, 2004, p. 69). Machado compartilha da ideia que a pirataria é uma consequência própria das brechas existentes no sistema capitalista, ideia que concordamos plenamente. A comercialização de pirataria é o filho rebelde e já independente do mundo global capitalista. Filho porque reproduz as mesmas leis ensinadas pelos pais, foi germinado no próprio sistema. Rebelde porque ninguém consegue controlá-lo. Independente porque já possui uma lógica própria e, de certa forma, caminha sozinho (MACHADO, 2004, p. 111). Os artistas iniciantes também são beneficiados pela prática das cópias ilegais, pois tais cópias permitem que seu trabalho atinja um maior número de pessoas por um preço mais acessível. Ainda que o artista em questão não receba pela obra copiada, a pirataria fortalece cenas independentes do esquema das grandes corporações. Christiano Rangel dos Santos aponta como as cópias ilegais constroem novos modelos de negócio musical:
  • 18. 18 A pirataria [...] é apontada comumente como um fator que contribuiu decisivamente para o desenvolvimento das cenas musicais regionais, propiciando que toda uma produção musical que está fora das grandes gravadoras venha à tona. (SANTOS, 2010, p. 15). Ao contrário do que destaca Santos, esse novo modelo não serviu de promoção musical apenas a ritmos regionais brasileiros, como o forró eletrônico do Ceará, o funk carioca, o tecnobrega paraense, ou o sertanejo do centro-oeste brasileiro. No início de carreira dos mineiros do Sepultura, Silvio, um dos ajudantes de palco, não recebia salário, pois vivia “da venda de gravações do Sepultura” (BARCINSKI, 1999, p. 63), em um típico caso de pirataria autorizada por aqueles que seriam os mais interessados em ver sua música comercializada por vias ditas “legais”. Essas e mais cópias de seus discos, ainda que houvessem prejudicado financeiramente o grupo, provavam que havia um interesse crescente pela banda (BARCINSKI, 1999, p. 59), inclusive no mercado estrangeiro: Mas não era apenas no Brasil que Bestial Desvastation [primeiro disco do Sepultura] estava sendo notado: sem que os próprios integrantes da banda soubessem, fitas com a gravação do disco começaram a circular no mercado de troca de fitas cassete, uma verdadeira rede internacional de divulgação que juntava fãs em todo o mundo (BARCINSKI, 1999, p. 36). Por isso que concordamos mais uma vez com Santos que a pirataria não pode ser analisada apenas enquanto a questão de sua licitude ou de ilicitude, preço acessível ou inacessível. Existem outras questões a serem discutidas, pois ela tanto favorece quanto prejudica pessoas envolvidas no comércio musical. Entre os favorecidos, estão os comerciantes de discos que vendiam cópias de álbuns inteiros ou de coletâneas, e os músicos iniciantes, que tem seu trabalho mais amplamente divulgado. Entre os prejudicados, as grandes corporações. A pirataria “muitas vezes, propicia experiências não contempladas pelas formas de relação com a música possíveis a partir do modelo de produção, divulgação e consumo operado pelo mercado oficial” (SANTOS, 2010, p. 29). Analisar a pirataria física considerando apenas a questão do preço é atitude simplista e insuficiente. A motivação do consumidor para comprar um título musical nem sempre se mede pelo valor que ele paga, embora seja inegável que os altos preços praticados tornam os produtos inacessíveis as camadas sociais de menor poder aquisitivo (SANTOS, 2010, p. 152). Porém, é importante ressaltar que mesmo nos dias de hoje, quando um álbum musical custa consideravelmente menos do que custava nos anos 1980, até mesmo os consumidores de camadas sociais mais favorecidas economicamente optam pela cópia oriunda da pirataria (SANTOS, 2010, p. 150), seja ela física ou digital. Essa é uma questão que foge ao recorte deste artigo, pois seria mais bem trabalhada desde o ponto de vista sociológico. V. Considerações finais
  • 19. 19 Com as facilidades de reprodução musical, jamais ocorreria um caso como o LP Araçá Azul de 1973 de Caetano Veloso, “um disco supervanguardista que desagradou a muitos e registrou recordes de devolução” (SEVERIANO, 2008, p. 388). A praticidade das tecnologias atuais nos permite ouvir uma obra musical e decidir se vale a pena adquiri-la fisicamente ou não, praticidade esta que não foi prevista pela indústria. Além disso, a pirataria pode ser vista não apenas pelo viés da ilegalidade, mas uma forma de inclusão social daqueles que não podem consumir um produto cultura, no caso, a música, nos preços em que ele é comercializado hoje em dia, a fim de que tais consumidores de música exerçam uma cidadania plena, através do que Zitkoski chama de “Ética da Liberação”, que se preocupa “com as condições concretas para produzir a humanização da sociedade, da cultura e da vida prática das pessoas que hoje se encontram [...] excluídas, tanto do mercado econômico, quanto do acesso à cultura” (ZITKOSKI, 2000 apud AHLERT, 2007, p. 05). Ademais, o prejuízo supostamente causado por cópias ilegais é compensado pela indústria musical de outras maneiras. Se de fato os downloads reduzem a probabilidade de compras CDs Não obstante, esse efeito negativo é ao menos parcialmente compensando por um efeito positivo dos downloads sobre a demanda por shows de música [...]. Os downloads reduzem em até 45% a probabilidade de comprar CDs ao passo que produzem um aumento de até 40% sobre a probabilidade de ir a shows. Essa última estimativa é confirmada com outro resultado que mostra que os indivíduos [...] que fazem download têm um gasto médio com shows de música superior em até 200 reais (CORTEZ, 2010, p. 44). Nesse estudo econômico citado acima, Igor Siqueira Cortez utiliza como base os estudantes da Universidade de São Paulo, o que nos dá uma ideia do poder aquisitivo dessas pessoas que nos dias de hoje baixam seus álbuns pela internet, mas acabam gastando consideravelmente em shows. Ainda assim, devemos lembrar que a indústria musical também ganha com diversos produtos fora os CDs e os shows. Arquivos MP3 são vendidos online, existe o comércio de camisetas, bonés, pôsteres, chaveiros, e muitos outros produtos que podem ser visto e comprovados empiricamente ao visitar praticamente qualquer site de qualquer artista musical. Em seu artigo de 2011, o professor Ulrich Dolata acusa as gravadoras de não se prepararem para as mudanças no mercado fonográfico, pois foram incapazes de antecipar o impacto socioeconômico das novas oportunidades surgidas com o avanço tecnológico. Não buscaram, devido a seu conservadorismo, estabelecer opções industriais que competissem com esses avanços e procuraram manter uma oligarquia hierarquizada desse setor (DOLATA, 2010, p. 03). 24 Esse conservadorismo se deve ao fato de que: A indústria musical não é um setor no qual novas tecnologias são desenvolvidas e produzidas. Todas as tecnologias relevantes para gravação,
  • 20. 20 produção, estocagem e, mais recentemente, distribuição musical são baseadas em desenvolvimentos que ocorreram fora do setor (DOLATA, 2010, p. 20). 24 O estudo de Dolata pode ainda ser reforçado pelos escritos de José Ramos Tinhorão. O célebre pesquisador brasileiro previu que os estúdios se tornariam verdadeiros laboratórios de engenharia musical, com músicos sendo progressivamente substituídos por computadores, e tal engenharia permitirá ultrapassar as próprias possibilidades dos sons normalmente produzidos pelos instrumentos acústicos, mediante a alteração de suas tessituras, através da ampliação, por exemplo, de sua extensão, com a consequente ampliação de seu âmbito. Possiblidades técnicas desse tipo, sobre implicar necessariamente dispensa de músicos e maestros-arranjadores nos estúdios, permitirá ainda programar, através de novas combinações rítmicas, o lançamento de modas musicais caracterizadas por um tipo de acompanhamento sonoro fora do alcance da participação humana (TINHORÃO, 2006, p. 194). Previsão acertada do pesquisador, comprovada em empiricamente apenas ao ligarmos o rádio, irmos a uma danceteria, ou até mesmo nos shows, onde sons computadorizados corrigem de forma automática as imperfeições dos artistas atuais, ou em outros casos esses sons pré-gravados complementam a apresentação dos instrumentos tradicionais, e enriquecem a experiência musical tanto do público quanto do artista. Não obstante, Tinhorão não escreveu, até onde pudemos comprovar, sobre questões relevantes à pirataria no consumo musical, se preocupando com “a progressiva dominação do mercado brasileiro pela música importada dos grandes centros europeus e da América do Norte” (TINHORÃO, 2006, p. 193). José Ramos Tinhorão é um dos maiores autores brasileiros no que diz respeito à historiografia musical, mas a ausência de estudos sobre a pirataria em sua obra confirma, como já citamos anteriormente, a escassez de estudos no Brasil quando o assunto é o consumo “ilegal” de música, escassez essa notada na própria bibliografia pesquisada, pois os poucos autores que se dedicaram a questão citam uns aos outros constantemente. Também ainda é precária a quantidade de pesquisas acadêmicas quando tratamos de expressões musicais que não são consideradas “100% nacionais”. O pouco valor dado às questões pertinentes a música internacional [...] expõe a enorme dificuldade dos estudos sobre a música popular no Brasil em lidar com a presença da música estrangeira que influencia tantos artistas e fazem parte da experiência musical dos brasileiros. Impressiona como o ufanismo triunfa nesse campo de estudo, com pesquisadores ignorando a música internacional ou excluindo-a de suas análises, por mais que tenham a ver com o tema de suas investigações. Fruto disso é a tendência de tratar a música em termos de “cultura nacional” e olhar com desconfiança para tudo o que vem de fora, considerando como mera imposição o ingresso de produções artísticas de países centrais como os Estados Unidos. Para os
  • 21. 21 ufanistas musicais, mais difícil ainda é reconhecer que das músicas executadas em programas de rádio, a maior parte é internacional, ou seja, são as canções estrangeiras que tem prevalecido. (SANTOS, 2010, pp. 143-144). Esse ufanismo leva a diversas obras sobre a história da música no Brasil a não mencionar toda uma série de artistas nacionais que cantam em línguas que não são o português, ainda que sua música seja carregada de brasilidade. Artistas como Tom Jobim, Carmem Miranda, Caetano Veloso, isso para citar somente alguns “medalhões” de nossa música popular, gravaram em línguas diferentes do português e voltaram boa parte de suas carreiras para o mercado estrangeiro. Ainda que em termos gerais o heavy metal em nosso país seja uma coisa recente (LEÃO, 1997, p. 199), acreditamos que estudos sérios sobre a apropriação desse estilo e adaptação às temáticas brasileiras, ainda são muito escassas no âmbito acadêmico. O que faz das batidas tribais e as temáticas terceiro-mundistas do Sepultura, ou um artista de heavy metal como o cantor e compositor de formação erudita André Matos, que mistura guitarras distorcidas, música erudita e batidas tipicamente brasileiras, menos nacionais? Há ainda o hip-hop paulistano dos Racionais MCs, entre muitos artistas desse nicho, que com suas letras descreve uma visão da realidade das favelas da Zona Sul de São Paulo, representando toda uma camada social excluída, só passou a ser estudado recentemente pelos cientistas sociais (SILVA, 2007, p. 01), pois o hip-hop, tal como o heavy metal, não possuiu o apoio e divulgação das grandes mídias, se popularizou entre as chamadas tribos urbanas, e ainda é visto como mera imposição yankee. Mais do que nos preocuparmos com a pura e simples imposição, por que não falarmos também de sincronismo, ao estudarmos como a música estrangeira foi adaptada, incorporada, e transformada pelos interpretes nacionais? Além disso, Eduardo Vicente aponta que Quanto à questão da dominação cultural, o problema é evidentemente mais complexo, mas os próprios números apresentados mostram que uma internacionalização mais radical do consumo musical não parece ter estado, em momento algum, próxima de ocorrer e mesmo que os lançamentos internacionais se mostrassem de fato mais lucrativos para as empresas instaladas no país, a exploração do repertório doméstico foi – via de regra – o caminho adotado pelas empresas internacionais para a sua efetiva consolidação no país. Desse modo não me parece justificável o estabelecimento de uma relação direta entre a internacionalização da produção fonográfica brasileira e a predominância do consumo de um repertório importado (VICENTE, 1996, pp. 57-58). Gostaríamos também de apontar a virtual ausência do estudo dos músicos enquanto classe trabalhadora nos bancos de teses de mestrado. Existe todo um estudo a ser feito das condições de trabalho dessa classe, fora do âmbito romântico do artista talentoso que canaliza as ideias de uma época, mas como trabalhadores que vivem à margem da CLT – experiência vivida por este que vos escreve e compartilhada com vários de seus amigos e conhecidos. Talento, técnica musical, senso rítmico, vozes afinadas, entre outros atributos musicais, não são inatos, mas como tudo mais, adquiridos (HOBSBAWN, 1989, p. 60). Não devemos nos apegar tão somente à história dos músicos bem sucedidos, mas também estudar a história “de baixo”, dos que não conseguem ascender devido ao sistema existente de shows e contratos com gravadoras. É evidente que muitos músicos talentosos não acenderam ao estrelato porque não
  • 22. 22 tiveram – e não tem – oportunidades reais de divulgação de seu trabalho, pois não são filhos de, e/ou apadrinhados por figuras importantes dentro das gravadoras, como o cantor e compositor Cazuza, e teve seu grupo, o Barão Vermelho, lançado por João Araújo, seu pai, e também diretor da gravadora que o contratou (SEVERIANO, 2008, p. 438). O cantor citado é apenas um dos muitos apadrinhados da indústria musical que, apesar de seu inegável talento, devemos nos perguntar se teria, de fato, chegado ao estrelato sem ter sua carreira facilitada pelo pai influente. Parafraseando Hobsbawn em sua História Social do Jazz, o mundo do qual o músico vem e onde ele trabalha não é apenas uma forma de ganhar a vida, mas muito mais importante, uma maneira de se criar um caminho próprio dentro do mundo (HOBSBAWM, 1989, p. 262). A já citada “auto pirataria”, praticada por grupos como o Sepultura ou o Língua de Trapo, que “comercializava por conta própria em suas apresentações uma fita K7 com composições do grupo” (GHEZZI, 2003, p. 157), são apenas uma das muitas práticas que mostram como essa classe busca o seu caminho próprio dentro do mundo. VI. Bibliografia AHLERT, Alvori. Interdependências entre educação, ética e cidadania para uma formação emancipadora e libertadora. Diálogos Latinoamericanos, noviembre, número 012. Aahus: Universidad de Aarhus, 2007. BARCINSKI, André. Sepultura: toda a história / André Barcinski e Silvio Gomes. São Paulo: Ed. 34, 1999. CITELLI, Adilson. Linguagem e persuasão. São Paulo: Ática, 2004. CORTEZ, Igor Siqueira. Uma análise empírica do consumo de música na Universidade de São Paulo. Dissertação de Mestrado. São Paulo. 2010. DOLATA, Ulrich. The Music Industry and the Internet: A Decade of Disruptive and Uncontrolled Sectoral Change. University of Stuttgart, Institute of Social Sciences, Department of Organizational Sociology and Innovation Studies. 2011-02 GHEZZI, Daniela Ribas. De um porão para o mundo: a vanguarda paulista e a produção independente de LPs através do selo Lira Paulistana — um estudo dos campos fonográfico e musical. Dissertação de Mestrado. Campinas, IFHC/UNICAMP, 2003. FAUSTO, Bóris. História do Brasil. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2012. FRIEDLANDER, Paul. Rock and roll: uma história social. Rio de Janeiro: Record,
  • 23. 23 2012. GOULARTE, Cláudia Cardoso, Cotidiano, Identidade e Memória: Narrativas de camelôs em Pelotas (RS), Universidade Federal de Pelotas, Instituto de Sociologia e Política, Mestrado em Ciências Sociais. 2008 HOBSBAWN, Eric J. História Social do Jazz. São Paulo: Paz e Terra. 1989. LEÃO, Tom. Heavy Metal, guitarras em fúria. São Paulo: Ed. 34. 1997. MACHADO, Rosana P. A garantia soy yo: Etnografia das práticas comerciais entre camelôs e sacoleiros de Porto Alegre (Brasil) e Ciudad del Este (Paraguai). Porto Alegre, 2004. (Dissertação de Mestrado). MARX, Karl. Manifesto do Partido Comunista / Karl Marx c/ Friedrich Engels. Porto Alegre: LP&M. 2011. MELLO, João Cardoso de, NOVAIS, Fernando A. Capitalismo Tardio e sociabilidade Moderna. In: História da Vida Privada no Brasil: contrastes da intimidade contemporânea; organizadora do volume: Lilia Moritz Schwarcz. São Paulo: Companhia das Letras. 1998. SANTOS, Christiano Rangel dos. Pirataria musical: entre o ilicito e o alternativo. Dissertação de Mestrado. Uberlândia, 2010. SEVERIANO, Jairo. Uma história da música popular brasileira: das origens à modernidade. São Paulo: Ed. 34, 2008. SILVA, José Carlos Gomes da. Juventude e segregação urbana na cidade de São Paulo: os números da vulnerabilidade juvenil e a percepção musical dos rappers. Revista do Núcleo de Antropologia Urbana da USP. 2007. TINHORÃO, José Ramos, Cultura popular: temas e questões. – São Paulo: Ed. 34, 2006, 2ª edição. VICENTE, Eduardo. Música e disco no Brasil: A trajetória da indústria nas décadas de 80 e 90. 335 f. Tese (Doutorado em Comunicação Social) – USP, São Paulo, 2002. Notas 1. Folha de São Paulo, 21 de janeiro de 1980, p. 27. 2. “Refere-se à produção de gravações não autorizadas de concertos públicos de artistas, sua impressão e posterior comercialização de cópias” (VICENTE, 2002, p. 213). 3. Revista Somtrês, número 27, março de 1981, p. 96. 4. Revista Somtrês, número 27, março de 1981, p. 98.
  • 24. 24 5. O Estado de São Paulo, 12 de julho de 1981, p. 39. 6. O Estado de São Paulo, 23 de setembro de 1980, p. 17. 7. Revista Somtrês, número 22, outubro de 1980, p. 08. 8. Revista Somtrês, número 22, outubro de 1980, p. 97. 9. Revista Somtrês, número 30, junho de 1981, pp. 18 - 19. 10. Revista Somtrês, número 21, setembro, p. 46. 11. Revista Somtrês, número 22, outubro de 1980, p. 32. 12. Revista Somtrês, número 30, junho de 1981, p. 53. 13. Revista Somtrês, número 27, março de 1981, p. 34 14. Revista Somtrês, número 21, setembro, p. 44. 15. Revista Somtrês, número 22, outubro de 1980, p. 30. 16. Revista Somtrês, número 27, março de 1981, p. 30. 17. No original, o autor se referia aos termos “capitalismo” – expressão contaminada, e “livre-empresa” – expressão neutra. 18. Revista Somtrês, número 27, março de 1981, p. 97. 19. Depoimentos extraídos do documentário “Botinada”, disponível gratuitamente em www.youtube.com/watch?v=22lSR-o4n98 acessado em 02 de dezembro de 2012. 20. Revista Somtrês, número 30, junho de 1981, pp. 23, 24, 25, 26, 28, 29, 30, 32, 33. 21. Folha de São Paulo, 22 de janeiro de 1980, p. 35. 22. O Estado de São Paulo, 17 de dezembro de 1980, p. 17. 23. Revista Somtrês, número 28, abril de 1981, p. 57 24. Traduções livres feitas pelo autor deste artigo.